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  • CCPJ ‘manda às malvas’ lei que permite aos jornalistas acesso privilegiado a dados pessoais

    CCPJ ‘manda às malvas’ lei que permite aos jornalistas acesso privilegiado a dados pessoais

    Em fim de mandato, e com ‘ferida’ com três renúnicas, a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, recusa revelar quaisquer documentos dos processos que levaram à amnistia de 15 jornalistas alegadamente beneficiários da Lei da Amnistia decorrente da visita papal do ano passado. A lei diz taxativamente que a protecção de dados pessoais “não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa”, mas nem assim a entidade de acreditação de jornalistas, constituída apenas por jornalistas, se demove. Licínia Girão reiterou a recusa esta semana, mesmo depois de um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) considerar que, pelo menos, deveriam ser disponibilizada documentos expurgados de dados nominativos. O caso vai continuar no Tribunal Administrativo, porque este caso abre um precedente que pode vir a ser aproveitado por outras entidades públicas.


    O diploma legal de protecção de dados pessoais, de 2019, é taxativo no caso de pedidos feitos por jornalistas acreditados: “ a protecção de dados pessoais, nos termos do RGPD [Regulamento Geral da Protecção de Dados] e da presente lei, não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa, incluindo o tratamento de dados para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária”, salientando apenas que “ o exercício da liberdade de expressão não legitima a divulgação de dados pessoais como moradas e contactos, à exceção daqueles que sejam de conhecimento generalizado”.

    Porém, em casa de ferreiro, espeto de pau. Na passada segunda-feira, a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, reiterou a recusa do PÁGINA UM para aceder a documentos administrativos relacionados com processos disciplinares extintos por amnistia papal a 15 jornalistas. Mesmo com a extinção desses processos – antes de se apurar eventuais sanções, pelo que foram arquivados antes da decisão –, o PÁGINA UM considerava serem documentos de acção administrativa e pretendia assim, entre outros aspectos, analisar o modus operandi da CCPJ na análise de queixas contra jornalistas. Com isso, possibilitava aferir assim, por exemplo, se antes da amnistia existiam processo em ‘banho maria’ a aguardar prescrição ou se estavam mesmo abrangidos pela Lei da Amnistia.

    Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

    A posição de Licínia Girão – que assume ser do Secretariado da CCPJ, constituída por três elementos, embora somente ela assine – surge após um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), e sustenta-se numa interpretação enviesada do RGPD e da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e Ambientais (LADA).

    Apesar de na origem dos processos disciplinares estarem, em princípios, actos relacionados somente com a actividade profissional dos jornalistas visados, a CCPJ recusou uma primeira vez, no início de Outubro passado, referindo que “a amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, ‘apagando’ a natureza criminal do facto”, pelo que, segundo esta entidade que é dirigida por jornalistas, “se extintos os processos a que se refere, por via da Lei n.º 38-A/2023, estes estão abrangidos pelo ‘direito ao esquecimento’, logo todo e qualquer procedimento se ainda não do conhecimento público, também já não o poderá ser”. E acrescentava a CCPJ que a divulgação dos nomes e dos processos que envolveram jornalistas que beneficiaram da amnistia – que tem de merecer a sua concordância – “poderia causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens e interesses patrimoniais”. Contudo, não explicitava de que forma havia bens que pudessem ser afectados.

    No início deste mês, a CADA estabeleceu o entendimento, em parecer, de que a amnistia prejudicava, sem basear em qualquer jurisprudência, o acesso ao nome dos jornalistas amnistiados, mas reforçava que tal “não implica que se considere apagado ou inexistente o processo, desde logo porque a decisão de considerar extintos os processos disciplinares por parte da entidade requerida pressupõe que, relativamente às infrações, estivessem preenchidas as condições previstas” na Lei da Amnistia, “isto é, que as infrações tenham sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 e não constitu[íssem] simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão”.

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    Visita do Papa Francisco deu origem a uma Lei da Amnistia. A CCPJ nem sequer quer permitir se aplicou bem a lei e se houve beneficiários ilegítimos, escondendo informação que diplomas legais permitem aos jornalistas ter acesso.

    E a CADA considerou que “essa decisão de extinção, bem como a actuação da entidade requerida no decurso dos processos disciplinares, deve poder ser sindicada, expurgados que sejam os elementos de identificação e/ou que tornem identificáveis os jornalistas objecto dos processos disciplinares, designadamente o órgão de comunicação social onde exercem funções, bem como o expurgo de dados pessoais de terceiros que a documentação possa conter”, recomendando que a CCPJ facultasse “o acesso aos referidos processos disciplinares com expurgo dos referidos elementos”.

    Porém, nem isto Licínia Girão quis acatar, reiterando que se estão perante “dados sensíveis”. Saliente-se que, de entre todos os pedidos formulados pelo PÁGINA UM à CCPJ nunca esta entidade se mostrou disponível para aceder a documentos administrativos, estando ainda a decorrer um processo no Tribunal Central Administrativo do Sul relacionado com o acesso a actas e outros processos relacionados com a intervenção deste órgão de acreditação e de disciplina dos jornalistas.

    A CCPJ tem estado, nos tempos mais recentes, envolvida em casos polémicos, sobretudo a sua presidente, Licínia Girão, que viu três dos seus colegas, que a haviam cooptado há três anos (como suposta “jurista de mérito”), pedido a renúncia dos cargos a poucos meses de novas eleições. De entre as críticas, constavam atitudes de centralismo e de despesismo, que estavam a causar um rombo a esta entidade pública.  

    Para Eduardo Cintra Torres, jornalista e professor universitário, “a CCPJ continua a prestar o pior dos serviços ao jornalismo português, impedindo o conhecimento de factos verificados, administrativamente registados, a respeito da actividade jornalística, deste modo convidando todas as instituições e indivíduos noutras actividades a negarem-se a fornecer informações”. No contexto das práticas jornalísticas e democráticas, Cintra Torres diz que a entidade ainda presidida por Licínia Girão “parece comportar-se, neste caso, como porta-voz de putativos malfeitores e não como porta-voz de putativos benfeitores que foram amnistiados”. E pergunta: “se foram amnistiados, porque se esconde, ao contrário do que sucede com condenados que o Estado amnistia em certas ocasiões”, como no Ano Novo ou durante visitas papais.

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    A CCPJ tem sido, irónica e lamentavelmente, uma das entidades públicas mais fechadas relativamente ao acesso a documentos administrativos.

    Com efeito, saliente-se que, numa rápida pesquisa na Internet, conseguem-se identificar pessoas em concreto, até já condenadas ou com sanções já em aplicação, que beneficiaram da Lei da Amnistia proveniente da visita do Papa Francisco a Portugal em Agosto do ano passado. São os casos, por exemplo, de Rui Pinto, que beneficiou de amnistia em 79 crimes, de João Carreira, o jovem que planeou um ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em Fevereiro de 2022, e até o jogador de futebol Paulinho, do Sporting, viu um castigo de dois jogos de suspensão e uma multa de 2.555 euros ‘desaparecerem’  por intercessão indirecta do papa.

    Perante mais este caso, Cintra Torres defende que “o mal que a CCPJ tem feito ao jornalismo português e à saúde da democracia é difícil de permitir nos tempos mais próximos a recuperação da dignidade e da ética profissionais dos jornalistas”, lamentando por fim que esta entidade, “em vez de servir o conhecimento da verdade, parece servir a ocultação de factos e, portanto, da verdade”. E conclui: “que isto aconteça com outras corporações profissionais não se aceita, mas compreende-se. Que aconteça com o jornalismo é uma tragédia nacional da profissão, das suas instituições e a democracia”.

    O PÁGINA UM vai apresentar uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a CCPJ, através do seu FUNDO JURÍDICO, financiado pelos leitores.


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  • Os números europeus das vacinas (bem) seguras: 952.182 reacções adversas graves e 28.192 mortes suspeitas

    Os números europeus das vacinas (bem) seguras: 952.182 reacções adversas graves e 28.192 mortes suspeitas

    Há dois meses, passou desapercebida uma ‘estória’ exemplar sobre o mundo dos medicamentos: um fármaco para tratamento de anemia falciforme, comercializado pela Pfizer, foi retirado do mercado depois de cinco breves anos de existência, sem apelo nem agravo, por razões de segurança. Na base de dados da Agência Europeia do Medicamento (EMA) consta a indicação de 44 mortes e 5.955 reacções adversas. A Pfizer deitou fora um negócio que previa um pico anual de receitas de três mil milhões de euros. Parece muito, mas não é nada comparado com o ‘mundo’ das vacinas contra a covid-19. Em dinheiro – e em ‘problemas’, sobre os quais Governos e certos peritos garantem não existirem provas de serem evidências. Em todo o caso, num complexo processo de recolha de informação, que demorou semanas, o PÁGINA UM foi contar, um a um, todos os registos da base de dados EudraVigilance, gerida pela EMA, que tinham a fatídica palavra ‘Death’. Contaram-se 28.192 vezes. Reacções adversas graves já se aproximam de um milhão. Custa assim a acreditar que as vacinas contra a covid-19, o medicamento com mais reacções adversas graves da História da Farmacologia Moderna, continuem a ser reputadas de seguras.


    A história do voxelotor – um comprimido para doentes com anemia falciforme, de origem genética afectando sobretudo a comunidade negra – é curta, e junta-se a um leque felizmente reduzido de medicamentos retirados do mercado por razões de segurança. Começou feliz: no final de 2018, a Food & Drug Administration (FDA) autorizou um processo de aprovação acelerada à Global Blood Therapeutics, umas das muitas biotecnológicas de capital de risco que tenta desenvolver um fármaco com sucesso que lhe permita cobrir os elevados custos de investigação. Criada em 2011, esta empresa de São Francisco já gastara então mais de 440 milhões de euros, mas ainda havia várias fases de ensaios clínicos para suplantar, incluindo a parte da segurança.

    Após resultados aparentemente promissores nos ensaios clínicos de fase 3, a FDA concederia duas aprovações para comercialização, incluindo em idade pediátrica, em Novembro e em Dezembro de 2019. Do lado de cá do Atlântico, a Agência Europeia do Medicamento demoraria mais dois anos para dar uma autorização de comercialização, sob a marca Oxbryta, entretanto adoptada. Somente em 2020, a Global Blood Therapeutics começou a ter a ‘compensação’ pela produção do fármaco que, sobretudo nos Estados Unidos, teria um enorme potencial, uma vez que a prevalência de anemia falciforme na comunidade afro-descendente ronda as 100 mil pessoas. Nesse ano e em 2021, a biotecnológica teve receitas de quase 320 milhões de euros, mas os prejuízos ainda eram elevados: nesse mesmo período somaram 550 milhões de euros.

    Oxbryra: uma história exemplar sobre a pressa de aprovar novos medicamentos, os milionários negócios e as decisões repentinas (ou não) quando há problemas.

    No entanto, como sucede em muitos outros produtos, e especialmente no sector farmacêutico, um medicamento vale tanto pelo seu presente como pelas expectativas no futuro. E por isso a Pfizer, com um reforço extraordinário nos seus lucros no decurso da pandemia, lançou os olhos e dinheiros sobre a Global Blood Therapeutics, e de um só fôlego, no início de Agosto de 2022, comprou todas as acções no mercado desta biotecnológica num negócio com um montante (‘enterprise value’) de 5,4 mil milhões de dólares.

    Este montante pode parecer elevado, mas a Pfizer tinha feito as previsões. A Global Blood Therapeutics estava também a desenvolver ensaios para outro fármaco – um anticorpo monoclonal para crises vaso-oclusivas associadas à anemia falciforme – e se fosse bem-sucedida, só as receitas destes dois medicamentos atingiram um pico anual de mais de 3 mil milhões de dólares de vendas.

    Tudo parecia correr de vento em popa. Diversos artigos científicos, desde 2020, garantiam que o voxelotor era seguro. Mesmo na prestigiada Lancet Haematology, relativizam-se os efeitos adversos detectados durante os ensaios clínicos entre 2016 e 2018, concluindo-se que o uso do fármaco “resultou em melhorias rápidas e duradouras nas concentrações de hemoglobina mantidas por 72 semanas e tem potencial para tratar a morbidade substancial associada à anemia hemolítica na doença falciforme”. Os efeitos adversos foram completamente relativizados, mesmo se quatro dos 182 pacientes que tomaram voxelotor tenham morrido durante o ensaio. O estudo concluiu que “todas [as mortes] foram julgadas como não associadas ao tratamento”.

    Em centenas de artigos científicos, que foram sendo publicados – e que podem se consultados no Google Académico –, habituais em fármacos com comercialização recente, não auguram nada de problemático. As receitas da Pfizer em 2023 para este fármaco atingiram a cifra de 328 milhões de dólares. Não sendo um valor significativo no portefólio da farmacêutica norte-americana, estava naquilo que em gestão se chama “star”: com potencial de crescimento para dar muitas receitas futuras. Mas no segundo trimestre deste ano, as vendas baixaram face ao período homólogo do ano anterior, e as vendas internacionais (fora do mercado dos Estados Unidos) praticamente se anularam (apenas 4 milhões de dólares).

    Cada vez é mais normal as grandes farmacêuticas comprarem biotecnológicas por valores astronómicos para, depois, facturarem mihares de milhões. Por vezes, o negócio sai furado.

    Para um especialista, este seria já um sinal de que algo não estaria bem. E não estava: em 25 de Setembro passado, a Pfizer anunciou a retirada global do voxelotor do mercado global e o abandono absoluto de todos os estudos em curso, “baseada na totalidade dos dados clínicos que agora indicam que o benefício geral do Oxbryta não supera mais o risco”, salientando explicitamente que “os dados sugerem um desequilíbrio em crises vaso-oclusivas e eventos fatais que exigem avaliação adicional”. Essa decisão surgiu por via de recomendações de suspensão quer da Food & Drug Administration quer da Agência Europeia do Medicamento. A decisão repentina apanhou mesmo de surpresa a própria Sickle Cell Societu (Sociedade de Aneamia Falciforme), sedeada no Reino Unido, que, no dia seguinte, fez um comunicado a mostrar-se “profundamente chocada e extremamente decepcionada com a decisão repentina da Pfizer”, acrescentando que “não recebemos nenhum aviso”.

    Pode não ter havido aviso, mas havia já sinais. Apesar das vendas de Oxbytra na Europa terem sido sempre diminutas – as receitas fora dos Estados Unidos representaram apenas 1,5% do total em 2023 –, as reacções graves, incluindo mortes, não se mostravam nada irrelevantes. Mesmo sabendo-se que a inserção de reacções adversas no sistema de farmacovigilância EudraVigilance não são imediatamente uma assumpção de casualidade – embora sejam um forte sinal de alerta a exigir aprofundamento caso se repitam –, mortes e casos graves foram-se acumulando.

    Em 2021, a EudraVigilance contabilizava 1.658 reacções adversas graves, dos quais 15 mortes. No ano seguinte subiram para 16 mortes entre 2.452 reacções graves. Em 2023 contaram-se ainda cinco mortes e 1.191 reacções graves – ignorando-se se estes números advieram já de um menor uso do fármaco – e este ano, até 1 de Novembro, registaram-se oito mortes e 654 reacções adversas graves. Contas feitas, o fármaco da Pfizer foi suspenso pela Agência Europeia do Medicamento depois de registar na EudraVigilance um total de 44 mortes suspeitas e de 5.955 reacções adversas.

    Não se conhecendo a incidência de mortes e reacções adversas causadas pelo voxelotor, por não ter sido revelado quantas pessoas estiveram em tratamento, certo é que 44 mortes serão sempre 44 mortes. Por esse motivo, e mesmo se a taxa de incidência até seja significativamente menor, o caso Oxbryta causa estranheza a inusitada e inesperada suspensão, sem apelo nem agravo, e logo assumida pela farmacêutica, quando se assiste a uma nunca vista avalanche de registos de reacções adversas e mortes suspeitas registadas na EudraVigilance para os 17 tipos de vacinas contra a covid-19 já aprovadas pela Agência Europeia do Medicamento.

    a pile of pills and money sitting on top of a table

    Com efeito, e à medida que a taxa de vacinação com os conhecidos ‘boosters’ se tem reduzido – em Portugal, na época 2023/2024 administraram-se menos de 1,7 milhões de doses, e na época em curso alcançou-se um valor próximo de 1,1 milhões –, os valores contabilizados na área de influência da Agência Europeia do Medicamento (países da União Europeia, Islândia, Liechtenstein e Noruega) desde 2021 são impressionantes. Num levantamento exaustivo a uma base de dados intencionalmente pouco amigável, por exigir uma consulta morosa, o PÁGINA UM contabilizou, desde 2021, associadas às quatro vacinas da Moderna, as cinco vacinas da Pfizer-BionTech, a uma da AstraZeneca, uma da Janssen, as duas da Novavax, uma da Valneva, uma da Sanofi-GSK e uma da Hipra, um total de 952.182 reacções adversas consideradas graves, das quais 28.182 mortes.

    O ano com maior registo de mortes suspeitas e de reações graves (há mais dois grupos de efeitos adversos) foi o de 2021 com 17.943 e 485.914. Este foi um dos períodos de maior letalidade da pandemia, mas a questão que se colocará sempre é se a administração de vacinas se justificava de forma maciça em todos os grupos populacionais e também na população já previamente infectada e sem possuir comorbilidades relevantes. E, portanto, se a estratégia de vacinação em massa deveria ter considerado mais variáveis, como o estado imunológico prévio e a presença de comorbilidades, para ajustar a administração de vacinas a um perfil de risco individualizado, maximizando a protecção sem comprometer grupos de menor risco com potenciais efeitos adversos.

    Em 2022, as mortes suspeitas associadas às vacinas desceram para as 6,796, entre mais de 373 mil reacções graves, descendo ainda mais no ano seguinte, quando se contabilizaram 69.561 reacções graves e 2.167 mortes suspeitas. Este ano, até 1 de Novembro – data dos últimos registos consultados pelo PÁGINA UM –, estão contabilizadas 22.993 reacções graves e 1.276 mortes suspeitas de estarem associadas à vacina contra a covid-19. No total, as 16 vacinas da covid-19 aprovadas totalizam 952.183 reacções adversas graves notificadas, nas quais estão incluíudas 28.182 mortes suspeitas. E tem sido esta esta expressão ‘suspeitas’, eternizando-se, que permite que as vacinas continuem no mercado.

    Obviamente, tendo em consideração a escassez de informações, os números absolutos pouco significado possuem para aferir a sua segurança, e portanto qualquer comparação é impossível. Os números de óbitos e de reacções adversas associados à primeira vacina da Pfizer (Tozinameran) valem apenas por si, sendo certo que dificilmente se encontra, no mercado, um fármaco, qualquer que seja, com estes números. Até ao início de Setembro de 2023, tinham sido distribuídas cerca de 760 milhões de doses da vacina da Pfizer pelos diversos países da União Europeia, enquanto da Moderna os dados oficiais apontam para as 225 milhões de doses, para a AstraZeneca cerca de 129 milhões e da Janssen de 62 milhões de doses. Das restantes marcas, as vendas foram muito pequenas e praticamente não foram administradas, razão pelas quais os números das reacções adversas são diminutas ou inexistentes.

    Registo de mortes e reacções adversas graves por vacina entre 2021 e 2024 (até 1 de Novembro). Fonte: EudraVigilance / EMA. Recolha e análise: PÁGINA UM. Nota: n.a. – não aplicável, por não estar ainda em comercialização à data.

    Não havendo assim dados sobre o perfil de segurança – e não se encontram, na bibliografia científica, estudos comparativos em função das marcas (e das ‘variantes’ produzidas ao longo dos anos) –, sempre se pode aditar, em todo o caso, que, a Janssen até aparenta ter uma taxa de letalidade menor, rondando os 11 óbitos por milhão de doses, seguindo-se a Pfizer com valores a rondar os 17 óbitos por milhão de doses administradas, subindo para cerca de 28 e 31 para a AstraZeneca e Moderna, respectivamente. Como se salientou, estes são valores grosseiros, que apenas servem para salientar que podem ser considerados baixos, se se olhar para as reacções adversas fatais em medicamentos anticoagulantes ou antipsicóticos, em uso contínuo, mas extraordinariamente elevados face às vacinas da gripe.

    Sendo certo que, por ter sido um fármaco de aplicação maciça num curto espaço de anos, seria de esperar um número absoluto de registos de reacções adversas relativamente elevado, mas as notificações espoletadas pelas vacinas contra a covid-19 são absurdamente elevadas num contexto de cerca de um milhar e meio de fármacos em comercialização.  Nos dois anos imediatamente anteriores à pandemia, em 2018 e 2019, o número de notificações por reacções adversas dos mais diversos medicamentos foram de 172.762 e 159.842, respectivamente, após um aumento que decorreu sobretudo da maior consciencialização para reportar este tipo de eventos.

    No primeiro ano da pandemia, antes da aprovação das vacinas contra a covid-19, o total de notificações até desceu ligeiramente, situando-se em 143.960, mas no ano seguinte, com as campanhas maciças de vacinação, as ‘queixas’ tiveram um incremento jamais visto. Na verdade, sozinhas, as vacinas contra a covid-19 causaram quatro vezes mais notificações de que todos os outros fármacos juntos, fazendo subir os relatos de reacções adversas recebidas pela Agência Europeia do Medicamento para números astronómicos: 781.635.

    No ano seguinte (2022), ainda com uma taxa de vacinação elevada, por via dos ‘boosters’, os relatórios de reacções adversas de todos os fármacos continuaram extremamente elevados (647.393), apesar de uma ligeira descida. No ano passado, por via de uma redução substancial da vacinação, as notificações desceram para níveis próximos, embora superiores, aos registados antes da introdução das vacinas contra a covid-19.

    Apesar de os reguladores continuarem, repetidamente, a garantir a segurança das vacinas contra a covid-19, nunca foi publicamente divulgado qualquer relatório interno que tivesse apresentado, em detalhe, a incidência de efeitos adversos em função de grupos populacionais e sobretudo de marcas de vacinas. E nota-se que os reguladores e os diversos Governos têm sido muito zelosos em proteger as farmacêuticas, razão, aliás, para uma tomada de posição tão pífia quando a vacina da AstraZeneca começou a dar evidentes problemas. E, entretanto, foi retirada do mercado no início de Maio passado, de uma forma que se tentou que fosse o mais discreta possível, apesar das mortes e processos judiciais no Reino Unido.

    Por não se conhecer também o número de doses administradas em 2022 e seguintes, bem como o período de início dos sintomas – e também a evolução do estado de saúde dos afectados –, não se sabe, através deste sistema de farmacovigilância da Agência Europeia do Medicamento, se a diminuição do número de casos graves e fatais está relacionado com uma redução da incidência ou apenas se deve uma descida das doses administradas, ou se até se observaram agravamentos. Na verdade, poucos são os estudos realizados, com base na EudraVigilance, que deveriam ser assumidos como uma fonte por excelência de dados não só de farmacovigilância (no tempo) como de informação susceptível de realização de estudos independentes de diferentes equipas de investigação.

    Número total de notificações recebidas pela Agência Europeia do Medicamento através dos reguladores para todos os medicamentos no mercado. Fonte: EMA.

    Convém, no entanto, salientar que a informação da EudraVigilance é parca em elementos, não identificando a idade precisa, eventuais comorbilidades, não é actualizada, e não é indicado o nível de causalidade, ou mesmo o país de origem.  

    Nos diversos contactos que o PÁGINA UM foi estabelecendo com a Agência Europeia do Medicamento – que respondeu sempre, ao contrário do Infarmed que em Portugal, intencionalmente, esconde dados e muito raramente responde em concreto a qualquer resposta –, remete-se sistematicamente para ligações com informação muito genérica ou relatórios onde existem poucos detalhes, mas aqueles que constam não vão no sentido de ausência de efeitos adversos.

    O Comité de Avaliação do Risco em Farmacovigilância (PRAC) da Agência Europeia de Medicamento (EMA) tem vindo a avaliar vários sinais de segurança relacionados com as vacinas contra a covid-19, e a lista tem vindo a aumentar. No ano de 2021, para a vacina da Pfizer-BionTech foram listados, como ‘sinais de alerta’, inchaço localizado em pessoas com histórico de injeções de preenchimento dérmico; trombocitopenia imune, miocardite e pericardite, eritema multiforme, glomerulonefrite e síndrome nefrótica, hepatite autoimune, síndrome inflamatória multissistémica.

    Para a vacina da Moderna foram listados, como ‘sinais de alerta’, síndrome inflamatória multissistémica, trombocitopenia imune, miocardite e pericardite, eritema multiforme, glomerulonefrite e síndrome nefrótica, síndrome de extravasamento capilar e hepatite autoimune. Na vacina da Janssen, tal como na da AstraZeneca, surgiram problemas, relevados até pela imprensa, de eventos embólicos e trombólicos. No caso da vacina da farmacêutica anglo-sueca também a Agência Europeia do Medicamente anotou ‘sinais de alerta’ relacionados com reacções anafiláticas, síndrome de extravasamento capilar, trombocitopenia imune e retinopatia macular aguda externa.

    No ano seguinte, em 2022, a Agência Europeia do Medicamento adicionou mais uns ‘sinais de alerta’ e acompanhamento, nomeadamente síndrome de extravasamento capilar, doença de Kikuchi-Fujimoto (doença imunológica) e úlceras vulvares para a vacina da Pfizer; amenorreia (ausência de menstruação) e excesso de sangramento menstrual para as vacinas da Pfizer e Moderna; rejeição do enxerto corneano (reacção imunológica), pênfigo e penfigoide (doenças auto-imunes) para as vacinas da Pfizer, Moderna e AstraZeneca.

    Vacinas contra a covid-19: nunca outro fármaco teve tantas mortes e reacções adversas graves a si associadas como suspeitas.

    Em 2023, a Agência Europeia do Medicamento apontou mais ‘sinais de alerta’ para as vacinas da AstraZeneca, Pfizer e Moderna por associação a miosite (uma inflamação muscular em consequência de respostas autoimunes), e ainda hemorragias pós-menopausa nas vacinas da Pfizer e Moderna.

    Mas estes ‘sinais’, ou problemas, ficam muito aquém de algumas suspeitas de outros efeitos adversos que têm vindo a ser cada vez mais estudados (e agora sem ‘censura’ científica). E continua por não se desvendar o grande mistério: qual foi a razão para, depois do auge da pandemia, a mortalidade por todas as causas se ter mantido elevada durante mais dois anos.

    Um estudo recente publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences – tendo, como co-autores, o mais conhecido epidemiologista mundial, John Ioannidis, e o Prémio Nobel Michael Levitt – analisou a mortalidade excessiva entre 2020 e 2023 em 34 países, entre os quais Portugal, destacando que foi a vulnerabilidade socioeconómica que mais influenciou o impacto da pandemia de covid-19.

    Os resultados mostraram que, nos países mais vulneráveis, as mortes em excesso foram significativamente maiores em comparação com os anos pré-pandémicos (2017–2019). Em média, estes países apresentaram uma taxa de mortes em excesso de 7% a 7,2% para faixas etárias abaixo e acima dos 65 anos, respectivamente. Por outro lado, nos países menos vulneráveis, a mortalidade excessiva manteve-se em níveis comparáveis aos períodos anteriores à pandemia, com taxas próximas de 0% ou até negativas em algumas faixas etárias.

    Portugal integra o grupo de países mais vulneráveis, com uma mortalidade excessiva de cerca de 3,1% até meados de 2023. Outros países como Bulgária e Estados Unidos registaram valores ainda mais elevados, com taxas de 15,8% e 12,1%, respetivamente. Nos Estados Unidos, a combinação de elevada desigualdade de rendimento e um sistema de saúde que não abrange toda a população contribuiu para esses números alarmantes, especialmente entre os adultos em idade ativa.

    a person in a red shirt and white gloves

    A investigação destaca também que a mortalidade infantil (0–14 anos) diminuiu durante a pandemia, reflectindo possivelmente a baixa taxa de mortalidade do SARS-CoV-2 nesta faixa etária e a redução de outras doenças infeciosas, devido às medidas de contenção. Em contraste, a mortalidade entre os adultos jovens (15–64 anos) aumentou significativamente em países como Canadá, Reino Unido e Chile.

    Significa isto que, talvez, nem tenha sido a covid-19 a causar uma mortalidade mais elevada – embora com taxas de mortalidade mais baixas do que as registadas em Portugal há pouco mais de uma década – nem as vacinas foram miraculosas, como muitos advogam, ou maléficas, com alguns defendem. Mas, e regressando ao ponto de partida, esperar-se-ia que a farmacovigilância, que constitui uma peça fundamental para estabelecer uma base de confiança, não estivesse tão volúvel aos interesses económicos imediatos (como esteve no caso relatado da suspensão do Oxbryta) nem mostrasse tanta falta de transparência quando se pretende escalpelizar a segurança das vacinas contra a covid-19. Esconder erros pode salvar os responsáveis; mas não faz ressuscitar as vítimas mortais indefesas.


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  • Empresa norte-americana que despediu funcionária por não se vacinar contra a covid-19 vai pagar indemnização de 12 mihões de euros

    Empresa norte-americana que despediu funcionária por não se vacinar contra a covid-19 vai pagar indemnização de 12 mihões de euros

    Durante a pandemia da covid-19, muitos Governos e empresas “atiraram para o lixo” as liberdades e garantias constitucionais, que levaram décadas e gerações a ser conquistadas. Ostracismo, pressões, perseguições sociais e mesmo demissões foram o ‘pão-nosso de cada dia’, sobretudo a partir de 2022, quando algumas franjas se recusaram a vacinar-se, quer por razões científicas quer por motivos pessoais, incluindo religiosos. Nos Estados Unidos, durante a Administração Biden, milhares de pessoas acabaram mesmo despedidas, e agora começam a surgir as primeiras consequências pesadas para os empregadores. Esta sexta-feira, um tribunal estadual do Michigan aplicou uma pesada sentença a uma seguradora que demitiu uma funcionária que se recusou vacinar por razões religiosas. A indemnização é astronómica mesmo para os padrões norte-americamos: 12,1 milhões de euros, dos quais cerca de 9,3 milhões por danos punitivos, que, nos Estados Unidos, serve para penalizar condutas especialmente prejudiciais e assim dissadir repetições. Em Portugal, por agora, não são conhecidos casos judiciais similares em curso, mas este caso judicial nos Estados Unidos pode vir a ser a abertura da ‘caixa de Pandora’, mas com efeitos positivos na democracia.


    Abriu-se a caixa de Pandora nos Estados Unidos sobre as chocantes demissões aplicadas às pessoas que recusaram a administração da vacina contra a covid-19 por razões de consciência ou de religião – mas, neste caso, não sairão daqui males para o Mundo, mas sim garantias futuras para a protecção dos direitos e liberdades individuais.

    Um júri federal nos Estados Unidos condenou esta sexta-feira a Blue Cross Blue Shield (BCBS) de Michigan, uma empresa de seguros de saúde, a pagar uma indemnização à sua ex-funcionária Lisa Domski no valor de cerca de 13 milhões de dólares (12,1 milhões de euros), despedida por se ter recusado a tomar a vacina contra a covid-19 devido às suas crenças religiosas.

    Lisa Domski, que trabalhava remotamente para a empresa seguradora desde Março de 2008 foi confrontada em Novembro de 2021 por uma imposição da BCBS para todos os funcionários se vacinarem. Católica devota, Domski considerava que, como as vacinas tinham sido desenvolvidas ou sido testadas em termos de segurança usando células fetais – o que, efectivamente, é verdade –, isso “seria um terrível pecado”, que a distanciaria da sua “relação com Deus”. A empresa acabou por não aceitar essa justificação, despedindo-a em 5 de Janeiro de 2022.

    Lisa Domski com o seu advogado John Marko. Foto: D.R.

    acção judicial de Lisa Domski entrou no Tribunal do Distrito Leste de Michigan em Agosto de 2023, acusando a empresa seguradora de discriminação religiosa. Segundo o processo, a BCBS de Michigan implementou uma política de vacinação obrigatória para os seus funcionários em Outubro de 2021, exigindo a imunização completa ou uma justificação do foro religioso ou médico. A antiga funcionária sustentava que o pedido de isenção religiosa, submetido com o apoio de uma declaração escrita detalhando as suas crenças e dados de contacto do seu padre, foi rejeitado pela empresa.

    John Marko, advogado de Domski, sublinhou em declarações à CBS News que a sua cliente “se recusou a renunciar à sua fé e às suas convicções” e que, apesar de a BCBS ter permitido inicialmente o uso de uma declaração escrita para fundamentar o pedido de isenção, acabou por exigir a vacinação sob ameaça de despedimento.

    Segundo o advogado, o júri reconheceu a gravidade do caso e optou por sancionar a empresa com uma indemnização significativa, dividida entre 10 milhões de dólares em danos punitivos, 1,3 milhões em compensação por perda de rendimentos futuros, um milhão por danos morais e 315 mil em salários retroactivos. Lisa Domski trabalhava remotamente em tecnologias de informação e, segundo o seu advogado, mesmo sem a vacina nunca constituiu “perigo para ninguém”.

    O caso de Domski – que representa uma vitória das liberdades e garantias individuais em matéria de saúde e sobretudo de recusa de actos médicos no próprio corpo – tem condições para iniciar uma onda de pedidos de indemnizações sem precedentes nos Estados Unidos. Em meados de 2021, para aumentar as taxas de vacinação – numa altura em que se manipulava a informação indiciando, falsamente, a possibilidade de se conseguir uma ‘imunidade de grupo’ –, várias centenas de faculdades e universidades norte-americanas, a Administração Biden, muitas autarquias e grandes empresas impuseram exigências de vacinação – ou um regime de testes – aos seus funcionários, entre as quais a Walmart, Google, Netflix, Uber, McDonalds, Disney, United Airlines, Facebook, Twitter, Apple, Ford e General Motors. O Google chegou mesmo a anunciar que a medida seria estendida para seus 144 mil funcionários em outros países. Em Novembro de 2021, a Administração Biden impôs que as empresas e entidades nos Estados Unidos com mais de 100 funcionários teriam de exigir que os seus funcionários fosse, totalmente vacinados contra a covid-19 ou que fizessem testes semanais a partir de 4 de Janeiro do ano seguinte. 

    Empresa seguradora vai pagar caro por depedimento.

    Em consequência, no mês de Fevereiro de 2022, a cidade de Nova Iorque demitiria cerca de três mil funcionários municipais que se recusaram a cumprir a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19, mas 10 meses depois um juiz da Supremo Tribunal ordenou a reintegração destes trabalhadores. A imposição desta política, que se prolongaria até ao início de 2023, fez com que os funcionários municipais de Nova Iorque tivessem apresentado uma taxa de vacinação de 96%, muito superior à da população nova-iorquina (cerca de 80), uma diferença que mostra sobretudo os efeitos da pressão.

    Na Europa registaram-se, em diversos países, casos de imposição de vacinação contra a covid-19 para certos grupos profissionais e diversas tentativas de implementação de vacinação obrigatória através de legislação específica. A Itália foi um dos primeiros países a adoptar este tipo de ‘mandatos’, tornando a partir de Abril de 2021 a vacinação obrigatória para profissionais de saúde, e em 2022, foi ampliada para pessoas com mais de 50 anos, impondo assim restrições de acesso ao trabalho para não-vacinados.

    Por sua vez, o Governo francês exigiu vacinação para profissionais de saúde, trabalhadores de lares de idosos e bombeiros. Aqueles que se recusaram foram suspensos temporariamente e, em alguns casos, impedidos de exercer suas funções. Em Janeiro de 2022, o presidente francês, Emmanuel Macron, assumiu mesmo, em entrevista ao Le Parisien, querer “realmente irritar [‘emmerder’] os não vacinados. E assim vamos continuar a fazê-lo até ao fim. É essa a estratégia”.

    A Alemanha e a Grécia também introduziram uma obrigação de vacinação para trabalhadores de lares de idosos e profissionais de saúde, que vigorou durante a fase crítica da pandemia, embora a vacinação fosse mais incentivada para os grupos de risco.

    A Áustria foi, para gáudio da imprensa maninstream, o único país europeu a criar legislação específica para tornar a vacinação obrigatória, prevendo mesmo multas entre os 600 e os 3600 euros, supostamente para se “alcançar uma liberdade duradoura e contínua”. Os protestos por esta medida, tomada em Janeiro de 2022, foram intensos, num país que então detinha uma taxa de vacinação de 72%, e a lei apenas vigorou por um mês, tendo sido suspensa em Maço.   Na Grécia, a vacinação foi exigida para trabalhadores de saúde e em centros de assistência a idosos. Na Áustria, em janeiro de 2022, foi introduzido um mandato de vacinação para toda a população adulta, tornando-se o primeiro país europeu a tentar uma medida nacional tão abrangente, embora tenha sido suspenso alguns meses depois.

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    Em Portugal, vacinação contra a covid-19 nunca foi obrigatória, mas houve pressões à margem da lei para forçar empregados. Mas os não-vacinados sem certificado digital tiveram restrições de acesso, durante vários períodos, como a entrada em restaurantes.

    Em Portugal, a vacinação contra a covid-19 não foi obrigatória, mas foram implementadas inúmeras restrições a quem não se tinha vacinado, mesmo após adquirir imunidade natural, chegando a haver períodos, no final de 2021 e princípio de 2022, em que não foi possível, a quem não tinha vacinação completa (e sem certificado digital, possível durante seis meses após um teste positivo), a entrada em restaurantes, bares e até ginásios. Além disso, as pressões sociais contra os não-vacinados ou a quem se opunha a práticas de restrição acesso – que eram inconsequentes ou mesmo contraproducentes do ponto de vista da Saúde Pública – foram intensas, e mesmo apoiadas activamente pela imprensa.

    O PÁGINA UM foi, aliás, alvo de campanhas de difamação, incluindo orquestradas por diversos órgãos de comunicação social. O Público chegou mesmo a acusar o PÁGINA UM, num processo em Tribunal Administrativo para evitar a publicação de um direito de resposta, de tomar “posições atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação”, algo que o jornal do Grupo Sonae – que, no ano passado, apresentou prejuízos de 4,5 milhões de euros – “assumiu e defendeu desde a primeira hora”.

    Saliente-se que, de entre as alegadas posições atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação” do PÁGINA UM esteve a intimação para que a Ordem dos Médicos mostrasse pareceres do Colégio de Pediatria, que não recomendavam a vacinação generalizada a menores de idades, e que foram escondidos intencionalmente pelo então bastonário e actual vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Miguel Guimarães. Deste modo, muitos pais ficaram impedidos, por acção intencional de Miguel Guimarães, a aceder informação crucial para um consentimento informado. Recorde-se que a actual norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para vacinação contra a covid-19 exclui categoricamente a administração em idade pediátrica, excepto de houver uma indicação médica expressa.


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  • Ministra da Saúde e deputado do PSD foram “fiéis depositários” de donativos de farmacêuticas

    Ministra da Saúde e deputado do PSD foram “fiéis depositários” de donativos de farmacêuticas

    Os dois últimos relatórios e contas da Ordem dos Médicos, recentemente divulgados, revelam que a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e um dos vice-presidentes da bancada parlamentar do PSD, Miguel Guimarães, agiram como “fiéis depositários” de uma conta solidária durante a pandemia que envolveu 1,4 milhões de euros, ‘engrossada’ quase na sua totalidade com dinheiros de farmacêuticas. Os dois políticos agiram durante os respectivos mandatos na Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, sobretudo entre 2020 e 2022. Além de ficar, assim, assumido que houve contabilidade paralela, com fugas ao Fisco de permeio, o expediente de “fiel depositário” é completamente desajustado à gestão de donativos e coloca mesmo sérias suspeitas de fraude com eventuais responsabilidades civis e criminais, uma vez que inexistem sequer documentos formais que mandatassem Ana Paula Martins e Miguel Guimarães para essa função. Além da actual ministra e do deputado, um terceiro titular da conta foi Eurico Castro Alves, como representante das farmacêuticas (APIFARMA), que recentemente foi anfitrião das férias de Luís Montenegro no Brasil.


    A Ordem dos Médicos assume, nos seus dois últimos relatórios e contas, que houve contabilidade paralela na campanha ‘Todos por quem cuida’, uma polémica iniciativa de solidariedade durante a pandemia, protagonizada pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD Miguel Guimarães. Então bastonários da Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, Martins e Guimarães abriram pessoalmente uma conta bancária, com Eurico Castro Alves – actual presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos e ‘anfitrião’ das recentes férias de Luís Montenegro no Brasil –, para gerir donativos de cerca de 1,4 milhões de euros, com a quase totalidade da verba a ser proveniente de empresas farmacêuticas. A esmagadora maioria destas verbas não foi sequer comunicada no Portal da Transparência e Publicidade, gerida pelo Infarmed, e não foi pago Imposto do Selo, como determina a lei.

    Numa longa investigação do PÁGINA UM – apenas possível após o Tribunal Administrativo de Lisboa ter permitido o acesso aos documentos operacionais e contabilísticos desta campanha que visava distribuir sobretudo equipamentos de protecção individual –, já se tinha detectado que a conta aberta não era titulada por nenhuma das duas ordens profissionais, mas sim por Miguel Guimarães (primeiro titular), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. E, além de não terem pagado Imposto do Selo – ou seja, cometeu-se uma fuga ao Fisco, no valor estimado de cerca de 125 mil euros, 10% das doações acima de 500 euros –, também permitiram que uma parte substancial das facturas dessem entrada na Ordem dos Médicos, embora os pagamentos tivessem sido consumados através da conta particular, indiciando assim possibilidades de criação de um ‘saco azul’. Houve, além disso, um vasto conjunto de declarações falsas para obtenção de benefícios fiscais ilegítimos por parte de diversas farmacêuticas.

    Ana Paula Martins e Migue Guimarães foram co-fiéis depositários em campanha solidária com contabilidade paralela com donativos provenientes sobretudo de farmacêuticas.

    Mas agora, e somente com a revelação pública dos relatórios e contas da Ordem dos Médicos dos últimos anos – uma iniciativa reveladora de uma louvável transparência por parte do actual bastonário Carlos Cortes, em contraste com a postura do seu antecessor Miguel Guimarães –, confirmou-se não apenas a existência de contabilidade paralela na campanha ‘Todos por quem cuida’ como terá havido recurso a uma figura jurídica ilegítima e que configura desvio de função com responsabilidade civil e mesmo criminal.

    Com efeito, se nos relatórios e contas de 2020 e 2021 – elaborados ainda com Miguel Guimarães como bastonário –, nenhuma referência consta nos anexos sobre a campanha ‘Todos por quem cuida’, não havendo assim sequer sinais da entrada de donativos nas receitas desses anos, já nos relatórios e contas de 2022 e 2023 (da responsabilidade de Carlos Cortes) há uma justificação. E é essa justificação acaba por revelar uma relevante ilegalidade por parte dos ‘gestores’ da conta solidária: Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

    De facto, tanto nas contas de 2022 como nas de 2023, já assinadas por Carlos Cortes como bastonário, é apresentada uma nota às demonstrações financeiras, referindo que, depois da abertura da conta da campanha, em Março de 2020, em nome de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Castro Alves, estes “ficaram fiéis depositári[o]s de contribuições financeiras para que, no uso criterioso desses fundos, pudessem, de acordo com as necessidades e prioridades, canalizar para as instituições, profissionais e doentes, material ou bens que consider[assem] essenciais”.

    Ora, além desta nota consubstanciar uma contabilidade paralela numa iniciativa que envolveu mais de 1,4 milhões de euros – mesmo sem jamais explicar as razões de terem entrado na Ordem dos Médicos mais de 950 mil euros de facturas, que acabarem por ser pagas por essa conta pessoal, não havendo assim qualquer fluxo de caixa perante a assumpção de gastos –, a figura de “fiel depositário” jamais poderia ser usada nestas circunstâncias.

    Trecho da nota sobre a conta solidária nas demonstrações financeiras da Ordem dos Médicos constante no relatório e contas do ano de 2023. Essa nota surge também no relatório e contas de 2022, esta semana disponibilizado no site desta entidade, mas não surge nos relatórios e conta de 2020 e 2021, sob responsabilidade de Miguel Guimarães.

    De acordo com vários juristas consultados pelo PÁGINA UM, um ‘fiel depositário” é alguém que, sob superintendência de um tribunal, fica na posse temporária de determinados bens ou objectos que, perante alguma controvérsia ou medida judicial, estejam assim, de alguma forma, sob tutela judicial. Nessas circunstâncias, o “fiel depositário” tem de ser expressamente investido, até para que tome conhecimento, estabelecendo-se os seus deveres, obrigações e direitos no decurso dessa função. Ora, a opção por escolher “fiéis depositários” é temerária para uma simples campanha de solidariedade que envolve a entrada de donativos, que necessita até de autorizações governamentais. No pedido prévio feito ao Ministério da Administração Interna, as duas ordens indicaram a conta solidária criada, mas omitem que os titulares eram pessoas singulares, e nem sequer fazem qualquer menção à existência de quaisquer “fiéis depositários”.

    Além disto, aquando da consulta da documentação da campanha ‘Todos por quem cuida’ pelo PÁGINA UM, nunca se detectou qualquer documento que sustente juridicamente a gestão de avultadas verbas, recebidas sobretudo de farmacêuticas, através de “fiéis depositários”. Nem tão-pouco seria tal expectável, porquanto nunca houve qualquer intervenção judicial, mas sim a mera gestão de donativos para a compra de equipamentos para o combate à covid-19. De uma forma prática, a única ‘vantagem’ terá sido criar uma contabilidade paralela.

    Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves não poderiam assim assumir as funções de “fiéis depositários” nem tão-pouco de depositários convencionais, previsto no Código Civil, ou mercantis, porque isso também pressupõe um contrato específico em que uma das partes entrega à outra uma coisa móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.

    Uma das fontes jurídicas do PÁGINA UM diz que, no contexto da gestão da campanha ‘Todos por quem cuida’, para além de outras vantagens ilegítimas, como a do não pagamento de impostos, o expediente do “fiel depositário” poderá configurar uma simulação e uma “fraude à lei, geradora da nulidade”, mesmo que tenha havido um “negócio jurídico”.

    Eurico Castro Alves, actual presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos, foi um dos três co-fiéis depositários que geriu, em contabilidade paralela, 1,4 milhões de euros. O médico, que foi este Verão anfitrião das férias brasileiras de Luís Montenegro, era o representante da APIFARMA, o principal ‘municiador’ dos donativos.

    Porém, não há sequer provas de ter havido qualquer “negócio jurídico” – nem se vislumbra de que tipo poderia ser, no âmbito estrito de uma campanha solidária – e, deste modo, a referência aos “fiéis depositários” nos relatórios e contas de 2022 e de 2023 da Ordem dos Médicos aparenta ser um expediente do actual bastonário Carlos Cortes para se afastar das decisões do seu antecessor, Miguel Guimarães.

    O PÁGINA UM questionou Carlos Cortes sobre se houve ou não algum documento, designadamente do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, a sancionar a constituição de uma equipa de “fiéis depositários”. A resposta mostra-se elucidativa quanto à legítima vontade do bastonário se descartar das decisões tomadas por Miguel Guimarães. “Os juristas/advogados actualmente afetos” ao Departamento Jurídico da Ordem dos Médicos “não acompanharam o Protocolo então celebrado entre a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), a Ordem dos Médicos (OM) e a Ordem dos Farmacêuticos (OF) não tendo, como tal, na sua posse informação que permita responder ao solicitado no prazo indicado”, referiu ao PÁGINA UM fonte oficial do gabinete de Carlos Cortes. E a mesma fonte remete ainda para uma auditoria feita pela consultora BDO, que, como já salientou o PÁGINA UM, nem sequer identifica que a conta solidária como pertencente a Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eduardo Castro Alves.

    De igual modo, o PÁGINA UM remeteu questões à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, sobre o seu papel no grupo de “fiéis depositários” de dinheiros provenientes de farmacêuticas. Não respondeu.

    Também colocou questões a Miguel Guimarães, que afirmara ao Correio da Manhã, aquando do início da investigação do PÁGINA UM, que a campanha ‘Tudo por quem cuida’ era “à prova de bala”. Não respondeu.

    Também se colocaram questões a Eurico Castro Alves. Não respondeu.

    E também se colocaram questões ao actual bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Filipe Mota. Não respondeu.

    O PÁGINA UM também questionou, pela quinta vez, a Procuradoria-Geral da República sobre se estava em curso algum procedimento sobre a gestão financeira da campanha ‘Todos por quem cuida’. A PGR nunca respondeu a qualquer das missivas colocadas sobre esta matéria.

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    Recorde-se que a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, e que serviria numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.

    Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.

    E foi aqui que começaram as irregularidades. Ao invés da conta solidária ser assumida pelas duas ordens profissionais – ou apenas por aquela com maior protagonismo, a Ordem dos Médicos – foi decidido que a conta com o NIB 003506460001766293021, aberta no balcão da Caixa Geral de Depósitos na Portela de Sacavém seria titulada por três pessoas: José Miguel Castro Guimarães, Ana Paula Martins Silvestre Correia e Eurico Castro Alves.

    Ora, uma pseudo-auditoria da BDO, cujos trabalhos para a Ordem dos Médicos não foram sujeitos a contrato público conhecido, até confirma o NIB (e IBAN) usado, referindo que “foi criada uma conta destinada a receber, através de depósito directo ou por transferência, os donativos angariados com o IBAN P50 0035 0646 0001 7662 9302 1”. Porém, o documento assinado por Ana Gabriela Barata de Almeida (ROC nº 1366, inscrito na CMVM sob o nº 201606976, em representação da BDO & Associados – SROC) não se debruça, nem numa linha, no aspecto essencial: essa conta não era nem da Ordem dos Médicos nem da Ordem dos Farmacêuticos nem da própria Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), que se associou à campanha.

    Não se diga que essa pesquisa era complexa. Na verdade, é pública e confirmável que pertence a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, onde surge, como primeiro beneficiário “José Miguel R Castro Guimarães”. A actual ministra é (era) co-titular desta conta particular, havendo ainda outro co-titular, Eurico Castro Alves, ex-secretário de Estado da Saúde do PSD. A conta era movimentada com duas assinaturas. A actual ministra assinou diversas ordens de pagamento para facturas que, na verdade, entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos.

    Conta bancária da campanha, para onde seguiram os donativos das farmacêuticas, de outras empresas e de particulares, foi aberta no dia 2 de Abril de 2020, em nome de Miguel Guimarães (como titular principal), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Todos os pagamentos da campanha foram efectuados através desta conta.

    Sendo que a conta da campanha “Todos por quem cuida” não era institucional – mas sim de três pessoas, independentemente dos cargos ocupados –, o pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna para a angariação de fundos nunca poderia omitir o facto de que o NIB em causa não ser das entidades oficiosamente promotoras: a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticas. Aliás, foram indicadas no final do pedido duas contas que nunca foram usadas na angariação, e que efectivamente pertencem a estas duas instituições. Ambas as contas (com o NIB 000334778686020 e o NIB 000000182339728) estão no Santander, sendo tituladas, respectivamente, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticas.

    A razão para não serem usadas contas oficiais de qualquer uma das ordens nunca foi dada, mas certo é que o Ministério da Administração Interna foi iludido. Além disso, o pedido de autorização apenas foi feito em 27 de Julho de 2020, quando a angariação de donativos para a conta paralela se iniciara em 6 de Abril daquele ano, ou seja, mais de três meses antes, o que constitui mais uma ilegalidade. Com efeito, à data do pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna já a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves tinha um saldo de 716.501,51 euros. Por lei, a angariação deve ser precedida da autorização ministerial.

    Por outro lado, nessas circunstâncias jamais se poderia aplicar a Lei do Mecenato ou outro tipo de benefício, porque em termos formais se estava perante uma recolha de donativos por três pessoas, inexistindo uma justificação lógica (ou ilógica) para não se ter procedido sequer a qualquer correcção. Nessa medida, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente o Imposto do Selo no valor de 10% de todos os donativos recebidos acima dos 500 euros. E houve muitos.

    Ora, face aos montantes das diversas transferências, sobretudo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), todas individualmente acima dos 500 euros, a actual ministra da Saúde e os seus parceiros deveriam ter declarado à Autoridade Tributária e Aduaneira o recebimento de 1.2561.251 euros, o que implicaria o pagamento de 125.125,10 euros de Imposto do Selo. Na documentação consultada pelo PÁGINA UM, nomeadamente extractos bancários, não existe qualquer saída de dinheiro para esse cumprimento fiscal.

    Pedido de autorização para angariação de donativos omitiu que a conta solidária não era titulada pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos. Nunca foi explicada opção por uma conta não-oficial, que permitiu uma contabilidade paralela cheia de irregularidades e ilegalidades. Não há qualquer documento que sustente ou valide a figura jurídica de “fiéis depositários” da conta aberta em nome de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

    Além desta grave falha fiscal – independentemente dos objectivos da campanha –, as 16 entidades do sector farmacêutico que concederam apoios também deveriam ter feito declarações no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando expressamente Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. Estes profissionais de saúde – dois médicos e uma farmacêutica – também nunca procuraram que o Infarmed, que vigia os patrocínios neste sector, envidasse esforços para incluir essas referências no portal. E o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, nunca se incomodou em incomodar as farmacêuticas por não declararem o ‘patrocínio’ de mais de 1,3 milhões de euros a três individualidades, uma das quais Ana Paula Martins, que agora tutela o regulador do medicamento.

    Além destas irregularidades e incumprimentos fiscais, o uso da conta solidária em nome de três pessoas permitiu uma estranha e ilegal contabilidade paralela de todas as operações de aquisição, designadamente de facturação e pagamentos, dos equipamentos e materiais a serem doados. Ora, isso passou ao largo da BDO, apesar de se apresentar como uma das principais auditoras a operar em Portugal.

    Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Na verdade, quem pagou foi a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.

    Uma das ordem de pagamento assinadas por Ana Paula Martins foi para transferir 27.365,20 euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida pela disponibilização de locais e pessoal de enfermagem para vacinar, contra as regras da Direcção-Geral da Saúde, médicos considerados não-prioritários em Fevereiro de 2021, uma iniciativa pessoal de Miguel Guimarães. Esta decisão, com a concordância do então coordenador da task force Gouveia e Melo, após diversas reuniões, continua a ser analisada (há mais de um ano) pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). A factura das Forças Armadas foi, contudo, emitida para a Ordem dos Médicos. E a Ordem dos Médicos viria depois a emitir declarações (falsas) de recepção de donativos por parte de quatro farmacêuticas. Uma dessas falsas declarações de donativo, no valor de 3.725,20 foi passada em Março de 2022 à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.

    Através da conta pessoal de que era co-titular, a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, assinou, por exemplo, uma ordem de transferência bancária ao Hospital das Forças Armadas num acordo com a task force liderada por Gouveia e Melo para pagar a vacinação contra a covid-19 de médicos não-prioritários numa altura de escassez de vacinas. Mas a factura das Forças Armadas foi emitida em nome da Ordem dos Médicos.

    Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, nunca foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática, significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.

    Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul’, ou mesmo um desvio de verbas até 968 mil euros. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Ora, a alegada auditoria da BDO – pelo menos, o título do documento obtido pelo PÁGINA UM após sentença do tribunal diz “Prestação de serviços de autoria às actividades e contas do fundo solidário #TodosPorQuemCuida” – comete aqui um erro de palmatória. Na página 10 da auditoria diz-se que “procedemos à análise dos gastos/aquisições efectuadas por forma a validar a documentação de suporte correspondente”, indicando que foram realizadas verificações às notas de encomenda, facturas, evidência de entrega aos beneficiários e comprovativo do pagamento, concluindo que se confirmou “a existência destes elementos para todas as aquisições”.

    Mas também aqui há uma omissão grave, que aparenta ser intencional. Com efeito, se e BDO conferiu facturas e pagamentos teria sido assim impossível não ter detectado que as facturas eram emitidas em nome da Ordem dos Médicos mas os pagamentos eram feitos por terceiros, neste caso pela conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Significa isso que, sem qualquer documento justificativo – e não existia quando o PÁGINA UM consultou todos os documentos após a sentença do Tribunal Administrativo –, deram entrada documentos de despesa elevados (cerca de 978 mil euros) sem quaisquer fluxos de caixa associados às respectivas facturas, ou seja, houve indicação de que terá saído dinheiro da Ordem dos Médicos sem ter havido, efectivamente.

    Se houve ou não a criação de um ‘saco azul’, não se sabe – e nem tal se vislumbra nas contas da Ordem dos Médicos, que vive desafogada com activos de quase 63 milhões de euros e depósitos registados no final do ano passado de 35 milhões de euros –, mas é estranho que haja uma completa omissão por parte da BDO neste aspecto sensível e de grande responsabilidade. No relatório e contas de 2023, na tal nota sobre a conta solidária, refere-se que foi entregue um saldo remanescente de um pouco mais de 107 mil euros para a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, mas não se indica se essa decisão foi tomada pela Ordem dos Médicos ou pelos titulares da conta solidária.

    Edifício principal da sede da Ordem dos Médicos, na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa.

    Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.

    Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.

    Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da ‘sua campanha’, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.

    A emissão de centenas de declarações falsas – trata-se mesmo de centenas, que englobam muitas pequenas IPSS – configura até fraude fiscal, porque as entidades beneficiadas assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que não é verdade, nem as farmacêuticas conseguirão comprovar qualquer compra através de facturas. Certo é que, com este estratagema, as farmacêuticas conseguiram enquadrar os seus donativos no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado – para levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue. Algo que não sucederia se tivesse sido tudo feito como sucedeu: os donativos foram entregues a três pessoas (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), foram feitas compras e entregues os géneros às IPSS, associações e unidades hospitalares.

    Assim, com este esquema falso, as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, e terão acabado por assumir, em termos contabilísticos, redução da matéria colectável da ordem dos 1,82 milhões de euros. Em conclusão, este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros. Note-se que este esquema, profundamente à margem da lei, envolveu também hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.

    Woman Holding Sign

    Apesar da logística desta campanha ter sido protagonizada sobretudo pela Ordem dos Médicos, e pelo seu então bastonário Miguel Guimarães, a actual ministra teve um papel bastante activo, e não apenas como co-titular da conta. Ana Paula Martins procedeu a várias ordens de pagamento de géneros – cujas facturas foram encaminhadas para a Ordem dos Médicos – e também participou em diversas reuniões específicas da campanha. De acordo com as actas consultadas pelo PÁGINA UM, a actual ministra da Saúde participou em pelo menos oito reuniões da comissão de acompanhamento entre 11 Maio de 2020 e 5 de Maio de 2021. Mesmo depois da sua saída da liderança da Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, manteve-se como titular da polémica conta solidária.

    Ora, perante este intrincado esquema de falsas declarações – as farmacêuticas doaram o dinheiro para a conta de três pessoas, e não fizeram donativos directos para os beneficiários –, a BDO nada diz na sua suposta auditoria. No curto capítulo sobre a confirmação das declarações emitidas aos doadores, a auditora diz que “procedemos também à verificação das declarações emitidas aos doadores pelas entidades beneficiárias e pelo TPQC [‘Todos por quem cuida’].

    Saliente-se que, de entre as centenas de declarações que o PÁGINA UM consultou, os beneficiários finais nunca tiveram contacto com os doadores iniciais; e, na verdade, a haver declarações verídicas deveriam ser de dois tipos: declarações de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves aos doadores, entre os quais as farmacêuticas; e, depois, declarações das diversas beneficiárias às referidas pessoas que pagaram os bens doados. O facto de a auditoria da BDO referir que foi “possível confirmar a concordância dessas declarações” é, no mínimo, estranho. Mas tudo é estranho neste processo.


    Nota: Pode consultar os relatórios e contas da Ordem dos Médicos no respectivo site. Em alternativa, pode aceder aqui, aqui, aqui e aqui aos relatórios e contas de 2020 a 2023, no servidor do PÁGINA UM, para memória futura.


    N.D. Como é do conhecimento público, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves contrataram, em conjunto, a sociedade de advogados Morais Leitão para me processarem por difamação. As acções judiciais desta índole, conhecidas por SLAPP (Strategic Lawsuits Against Public Participation), têm um objectivo claro, ademais perante a passividade do Ministério Público em encetar uma investigação criminal sobre as revelações do PÁGINA UM. Mas, se o objectivo é silenciar um jornalista independente, essa estratégia não funcionará, sobretudo se a sociedade não aceitar este tipo de conduta por parte de quem tem recursos financeiros aparentemente ilimitados. Desconhece-se quem, entre a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves, está a pagar a conta da sociedade Morais Leitão.


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  • Mortes em Portugal por ‘doenças do Terceiro Mundo’ associadas à água e higiene quadruplicam na última década

    Mortes em Portugal por ‘doenças do Terceiro Mundo’ associadas à água e higiene quadruplicam na última década

    O Ministério da Saúde não quer saber. O Ministério do Ambiente segue-lhe os passos. Mas os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados discretamente na semana passada, mostram um contínuo e surpreendente retrocesso civilizacional e de Saúde Pública em Portugal: as mortes causadas por doenças associadas a água infectada e a problemas de saneamento e higiene mais do que quadruplicaram entre 2010 e 2022. E pior do que isso, incidem cada vez mais nos idosos, com números pouco dignos de um país da Europa. Com base nas taxas de mortalidade indicadas pelo INE, o PÁGINA UM calculou os óbitos que foram determinados por médicos legistas para um conjunto determinado de doenças. Para esse grupo, em 2010 tinham sido contabilizadas 116 mortes, e em 2022 já se atingiram os 470 óbitos. Destes, cerca de nove em cada 10 foram de pessoas com mais de 75 anos, o grupo etário mais vulnerável e que vive em lares de idosos, uma parte dos quais sem condições adequadas de higiene.


    Mais do que um problema de saúde pública, é um retrocesso civilizacional. As mortes em Portugal associadas a água insalubre ou a condições deficientes de saneamento básico e de higiene mais do que quadruplicaram entre 2010 e 2022.

    Os dados mais recentes – referentes a 2022, e que se baseiam em informação dos médicos legistas que a introduzem no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – foram divulgados de forma discreta pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) na passada sexta-feira, sem qualquer comunicado ou nota de imprensa. Mas revelam as taxas surpreendentes de mortalidade para um conjunto de doenças associadas a complicações decorrentes do uso de água imprópria para consumo ou por condições inadequadas em termos de esgotos, lixos e higiene.

    De entre as causas de morte atribuídas pelos médicos legistas, e que são registadas no SICO, constam sobretudo doenças do foro intestinal, causadas por bactérias, vírus e vermes, tais como determinadas infecções intestinais virais, diarreias e gastroenterite de origem infecciosa presumível, shigelose, amebíase, ancilostomíase, ascaridíase e tricuríase. Na lista indicada pelo INE surge também a cólera, embora não haja registo de mortes em Portugal desde 1974.

    O INE agrega apenas os óbitos de um determinado grupo de doenças listadas [vd. MetaInfo dos dados], não discriminando as mortes por cada uma dessas afecções integradas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde. Saliente-se que o PÁGINA UM não conseguiu, no ano passado, que o Tribunal Administrativo de Lisboa lhe concedesse o direito de acesso aos dados detalhados do SICO, mesmo se anonimizados, impedindo assim o conhecimento pormenorizado das diferentes causas de morte em Portugal, sendo assim impossível definir padrões locais ou regionais.

    Por outro lado, na informação disponibilizada em quadro, o INE também não aponta o número absoluto de mortes nem as regiões e concelhos onde ocorreram, mas, em todo o caso, mostra-se fácil calcular esses valores através das estimativas oficiais da população em cada ano. Assim, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, tendo em conta a população estimada de 10,44 milhões de pessoas em 2022 e uma taxa de mortalidade para este conjunto de doenças de 4,5 por 100 mil habitantes, o número total de óbitos terá sido de 470. Em 2010, a taxa de mortalidade determinada pelo INE foi de apenas 1,1 por 100 mil, o que significa 116 óbitos para uma população de então 10,57 milhões de habitantes. Em suma, a mortalidade mais do que quadruplicou em 12 anos.

    O agravamento desta situação atinge sobretudo a população idosa, em especial com mais de 85 anos, o grupo etário onde prevalece um sistema imunitário bastante débil. Com efeito, também segundo os cálculos do PÁGINA UM com base em estimativas populacionais anuais do INE, nos grupos etários inferiores aos 75 anos, a mortalidade para as doenças específicas praticamente mantém-se constante e em níveis muito baixos.

    No período de 2010 a 2022, para os menores de 75 anos, os óbitos por ano variaram entre os 21 e 66, mas este grupo populacional engloba cerca de nove milhões de pessoas. No caso da população com menos de 45 anos, a mortalidade por causa deste tipo de doenças é residual ou mesmo nula em alguns dos anos.

    Na verdade, a situação mostra-se particularmente dramática nos muito idosos (maiores de 85 anos). O INE aponta em 2022 uma taxa de 73,1 óbitos por 100 mil pessoas desta idade, ou seja, 16 vezes superior à média nacional (4,5%). Atendendo que este grupo etário contava naquele ano cerca de 368 mil pessoas, o número de óbitos entre os muito idosos foi de 269 pessoas. Esta taxa é substancialmente superior à registada pelo INE em 2010 (apenas 4,5 óbitos por 100 mil pessoas deste grupo etário), mas a partir desse ano tem-se registado um anormal crescimento.

    No grupo subsequente, das pessoas com idade entre os 75 e os 84 anos, observa-se também um agravamento da taxa de mortalidade desde 2010, mas não de uma forma tão intensa. Em 2022, essa taxa foi de 15,8% (mesmo assim cerca de três vezes superior à média nacional), o que representou um total de 135 mortes por estas doenças. Em 2010 e 2011, os óbitos foram de 45 e 43, respectivamente, neste grupo etário para estas doenças ainda frequentes em países do Terceiro Mundo. Saliente-se, aliás, que nas primeiras décadas do século XX, a elevadíssima taxa de mortalidade infantil em Portugal devia-se sobretudo a doenças do foro gastrointestinal, que foram sendo debeladas com a melhoria do saneamento básico e dos tratamentos médicos.

    O PÁGINA UM perguntou tanto ao Ministério do Ambiente – entidade que tutela o sector das águas e saneamento – e ao Ministério da Saúde se tinham conhecimento do forte agravamento da mortalidade destas doenças, e se conseguiam adiantar alguma explicação ou apontar alguma medida em curso. Porém, tanto o gabinete de Maria da Graça Carvalho como o gabinete de Ana Paula Martins preferiram ignorar as questões do PÁGINA UM, nem sequer reagindo, como se os problemas, assim procedendo, desaparecessem.

    Evolução da mortalidade por grupos etários entre 2010 e 2022 para doenças associadas a fontes de água insalubre ou a condições de saneamento e higiene deficientes ou inexistentes. Fonte: INE. Cálculos: PÁGINA UM com base na taxa de mortalidade e estimativas da população por grupos etários.

    Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, mostra-se surpreendido com esta evolução, e considera que deveria haver uma investigação sobre estes números que “não são muito favoráveis”. Para este professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, “em princípio, os sistemas públicos de abastecimento de água garantem a sua potabilidade, mas sabe-se que existem núcleos populacionais e algumas pessoas, sobretudo em zonas rurais, que adoptam sistemas alternativos que podem não ser seguros”.

    Um médico de Saúde Pública contactado pelo PÁGINA UM, que prefere manter o anonimato, olha com preocupação sobretudo para a elevada incidência da mortalidade nos grupos etários muito idosos, que, alerta, coincidem com a maior parte da população residente em lares de idosos. “O grupo de doenças em causa está associado também a problemas de higiene, que se mostram letais em pessoas com imunidade frágil”, salienta, acrescentando que “se mostra fundamental investigar em que locais em concreto ocorreram essas mortes para se identificar eventuais surtos e solucionar problemas recorrentes”. Pela ausência de reacção dos Ministérios da Saúde e do Ambiente perante estes números terceiro-mundistas, muito provavelmente este apelo cairá em saco roto.


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  • Infarmed abandona à sua sorte centenas de adolescentes e jovens adultos com reacções graves à vacina contra a covid-19

    Infarmed abandona à sua sorte centenas de adolescentes e jovens adultos com reacções graves à vacina contra a covid-19

    Começam agora a desvendar-se os verdadeiros motivos para o Infarmed – e sobretudo o seu presidente Rui Santos Ivo, com a conivência do Ministério da Saúde – ter lutado 30 meses para evitar o acesso legal do PÁGINA UM ao Portal RAM, onde constam as notificações das reacções adversas às vacinas contra a covid-19. Mesmo estando a esconder ainda um vasto conjunto de dados (não surgem reacções adversas em crianças dos 5 aos 12 anos) e diversas variáveis, em incumprimento de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o PÁGINA UM já detectou mais de 225 casos graves afectando menores de 25 anos, incluindo adolescentes e mesmo recém-nascidos, cuja evolução não teve qualquer acompanhamento pelo Infarmed, desconhecendo-se assim se recuperaram ou se houve um desfecho fatal. Ou seja, o Infarmed regista os casos, mas não faz qualquer monitorização, minando assim a confiança na farmacovigilância. Há reacções com evolução ignorada em casos gravíssimos, incluindo trombocitose, tromboembolismo, miocardite e pericardite, embolia pulmonar, trombose venosa cerebral, trombocitopenia imune e acidente vascular cerebral. O Infarmed e o Ministério da Saúde, confiantes num (quase certo) impacte nulo desta investigação na imprensa ‘mainstream’, nem sequer reagiram quando confrontados para comentar as falhas da farmacovigilância que desvirtua uma avaliação da segurança das vacinas sempre ‘vendidas’ como seguras e eficazes.


    Uma coisa é a teoria; outra a prática. A farmacovigilância – como dirão, por certo, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que foi professora universitária na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, ou mesmo o presidente do Infarmed, Rui Ivo – é uma ciência relacionada com a recolha, detecção, avaliação, monitorização e prevenção de efeitos adversos com produtos farmacêuticos. Vem nos manuais, consta das normas legais e procedimentos – é uma imposição, já padronizada após alguns escândalos passados, que surge quando os medicamentos, depois de aprovados seguindo os ensaios clínicos, são colocados no mercado.

    E é aí que está em jogo muita coisa: há a perspectiva de um negócio lucrativo legítimo assente na confirmação da eficácia no tratamento ou prevenção de alguma doença ou maleita, mas também o risco de, através dos procedimentos de farmacovigilância, serem detectados efeitos adversos graves que obriguem a limitar o seu uso ou, pior ainda, obriguem à sua retirada pelo facto de os eventuais benefícios não compensarem os riscos.

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    Não é fenómeno frequente, mas também não é raro. Há quatro anos, num artigo científico publicado na revista Current Drug Safety, quatro investigadores portugueses apresentam uma resenha sobre o processo de decisão, baseado em dados, que tinham levado à retirada do mercado de medicamentos por razões de segurança, sustentando que muitos dos problemas não tinham sido detectados nos processos de pesquisa e desenvolvimento, até porque muitas reacções adversas têm uma incidência que não permite o seu conhecimento em ensaios clínicos que usam poucos milhares de pessoas.

    O artigo destes investigadores – e existem centenas de artigos similares – chama sobretudo a atenção para o reforço da monitorização – mesmo nos dias de hoje em que a Ciência assume um papel de dogma apenas acessível a ‘peritos’ reconhecidos. Os problemas com medicamentos podem já ter sido piores – por exemplo, 10,2% das novas substâncias activas moleculares introduzidas nos Estados Unidos entre 1975 e 1999 foram retiradas ou levaram a restrições de uso por razões de segurança. Mas continuam a ser reais, e difíceis de assumir, porque há muito a perder.

    Por um lado, as farmacêuticas não apenas perdem lucros futuros como podem sofrer elevados pedidos de indemnização. Por outro lado, em casos de escândalo, as autoridades políticas e administrativas tendem a não reconhecer de imediato os erros – porque a farmacovigilância é da sua responsabilidade – e prolongam a tomada de uma posição mais radical. O atraso entre a introdução do medicamento e a sua retirada por razões de segurança, bem como as metodologias usadas para identificar riscos anteriormente desconhecidos.

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    Diversos estudos mostraram que entre 82% e 90% dos problemas de segurança identificados em medicamentos retirados do mercado foram reconhecidos através de relatos de casos das reacções adversas de medicamentos (RAM). Mas, globalmente, o tempo médio até à retirada é de 20,3 anos, como se destaca no artigo dos quatro investigadores portugueses.

    Antes da pandemia da covid-19, que veio introduzir um programa de vacinação maciço jamais visto, mesmo as vacinas eram alvo de uma atenção especial da farmacovigilância. E são conhecidos diversos casos mais ou menos recentes de retirada total ou parcial na Europa e/ ou em outras partes do Mundo por razões de segurança, como a vacina Pandemrix fabricada pela GlaxoSmithKline durante a pandemia de gripe suína de 2009-2010, a da vacina LYMERrix, fabricada contra a doença de Lyme pela actual GSK. Num relatório da Organização Mundial da Saúde relativo ao período 2010-2018 intitulado “Restrictions in use and availability of pharmaceuticals” surgem referidas nove vacinas sobre as quais penderam retiradas ou restrições de uso.

    Mas apesar das vacinas contra a covid-19 terem sido o fármaco mais administrado num curto espaço de tempo, incluindo a grupos etários de baixíssimo risco e a pessoas já com imunidade adquirida, as autoridades e os ‘peritos’ sempre recusaram admitir a dimensão das reacções adversas, apontando sempre com a sua alegada eficácia no controlo da pandemia. Mesmo nos relatórios de farmacovigilância dedicados exclusivamente às vacinas contra a covid-19, o Infarmed – seguindo a filosofia das suas congéneres – relativizava os números e os efeitos adversos. Por exemplo, invariavelmente, nos seus relatórios de farmacovigilância – que deveriam ser neutros, prudentes e equidistantes –, o regulador do medicamento português assumia, à partida, que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. E a partir daí a sua análise estava logo comprometida por um enviesamento ’ideológico’.

    Aliás, tal como a Agência Europeia do Medicamento, também o Infarmed sempre menorizou a catadupa de reacções adversas que foram sendo encaminhadas para os sistemas de farmacovigilância por causa das vacinas contra a covid-19, que passaram a ser, de muto longe, o fármaco com maior número de notificações. Num recente, e bastante simplificado relatório, com apenas 20 páginas, o Infarmed apresenta um gráfico bastante elucidativo sobre o ‘impacte’ das vacinas contra a covid-19. Apesar da tendência de crescimento desde 2011 das notificações de reacções adversas às centenas de medicamentos ‘controlados’ pelo Infarmed, a média anual no triénio anterior à pandemia (2017-2019) situou-se em 9.503.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: uma farmacovigilância que abandona o desfecho de reacções adversas graves em centenas em jovens.

    No primeiro ano da pandemia, em 2020, e sabendo-se que as vacinas contra a covid-19 somente começaram a ser administradas em 27 de Dezembro, as notificações de reacções a todos os medicamentos até foi ligeiramente inferior: 8.801. Mas depois saltaram para as 39.267 notificações em 2021, descendo para 26.932 no ano seguinte. Em 2023, reflectindo a fraca adesão aos boosters da vacina contra a covid-19, o total de notificações para todos os fármacos desceu para níveis dos anos pré-pandemia, tendo sido contabilizadas 11.153.

    Porém, neste relatório de qualidade bastante sofrível, pela ausência de detalhe, o Infarmed nem sequer discrimina os fármacos associados às reacções adversas nem tão-pouco a sua gravidade de forma explícita. Em todo o caso, induz-se que as vacinas contra a covid-19 foram o principal grupo de fármacos a dar problemas nos últimos anos, porque o número total de reacções adversas classificadas como graves mais que duplicou em 2021, no auge do programa de vacinação, face aos anos anteriores. Assim, se em 2019 o Infarmed contabilizara 5.511 reacções graves e 4.482 no ano seguinte, em 2021 foram registadas 11.435, descendo depois para 6.086 em 2022 e para 5.043 no ano passado.

    Se se considerar que sensivelmente metade das cerca de 28 mil mortes associadas à covid-19 ocorreram antes do processo de vacinação, a existência de tantos milhares de casos graves deveria merecer, subentende-se, uma análise atenta da entidade responsável pela farmacovigilância em Portugal, o Infarmed.

    Mas isso, infelizmente, não sucedeu.

    Evolução do número de notificações de reacções adversas em Portugal para todos os medicamentos. Fonte: Infarmed.

    E pior: além de uma incompreensível atitude obscurantista, negando ceder a informação do Portal RAM – que somente foi desbloqueada por um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS)  –, o Infarmed acaba por demonstrar que não faz farmacovigilância, e abandona à sua sorte as vítimas de reacções adversas às vacinas, contribuindo também para confundir uma avaliação correcta de custo-benefício.

    Com efeito, apesar de o Infarmed insistir na recusa de revelar os dados do Portal RAM posteriores a 6 de Dezembro de 2021 – sabendo-se que o TCAS concedeu o direito de acesso, pela primeira vez, em Junho de 2024 –, e ter apagado variáveis (entre as quais a causalidade) e agregado as idades das vítimas, o PÁGINA UM analisou os casos de reacções adversas que atingiram crianças, adolescentes e jovens adultos. Uma ponta do icebergue, uma vez que, sobretudo no caso das crianças com menos de 12 anos, a vacinação ocorreu sobretudo a partir de Dezembro de 2021.

    E os dados são aterradores – também muito pela inqualificável negligência do Infarmed, que, de forma despudorada e intencional, descura as suas funções básicas.

    A partir da análise do PÁGINA UM ao Portal RAM até 6 de Dezembro de 2021, de entre as 27.220 reacções adversas, 513 foram de menores de 25 anos em que o Infarmed deu a classificação de grave. Destas, seis foram recém-nascidos (não vacinados), que sofreram diversas desordens (gastrointestinais, nervosas, endócrinas e de pele) por via do leite materno; 99 eram de adolescentes dos 12 aos 17 anos; e 408 eram de jovens adultos com menos de 25 anos. Este número é já em si muito significativo, atendendo à baixíssima taxa de mortalidade da covid-19 nos grupos etários jovens. Note-se que, segundo dados do INE, em três anos (2020-2022) morreram 29 pessoas com menos de 25 anos cuja causa foi atribuída à covid-19, um valor substancialmente mais baixo do que as mortes provocadas por pneumonias nessa faixa etária.

    Ana Paula Martins: a ministra da Saúde é uma farmacêutica que tutela um regulador do medicamento que não aplica nem a transparência nem os princípios básicos da farmacovigilância.

    Mas a questão essencial a colocar quando se observam 513 reacções adversas graves em grupos etários tão jovens – e não esquecer que não estão incluídas as crianças dos 5 aos 12 anos, nem outros casos detectados posteriormente a 6 de Dezembro de 2021 –, a pergunta que se deve colocar de imediato é se houve mortes. E de que tipo foram e como evoluíram os casos graves? Evoluíram favoravelmente, tiveram um desfecho trágico, ficaram sequelas?

    E é aqui que se nota que o Infarmed não faz farmacovigilância.

    Com efeito, e fazendo nota que estes dados são oficiais e emanados após decisão de um tribunal administrativo superior – ou seja, não são ‘inventados’ pelo PÁGINA UM –, contabilizam-se 225 casos cujo desfecho é desconhecido pelo Infarmed. Ou, dizendo de outra forma, o Infarmed não quis fazer o acompanhamento – também conhecido por monitorização –, não fosse dar-se o caso de haver muitas mortes a registar por causa das ‘seguras’ vacinas.

    Assim, por exemplo, o que sucedeu a um lactente, identificado como caso 23506, que chegou a ser hospitalizado com uma trombocitose suspeita de advir do leite materno, dado a sua mãe ter sido vacinada com a AstraZeneca? O Infarmed regista “Desconhecido” na base de dados, apesar de a notificação ter ocorrido em 7 de Outubro de 2021.

    De igual modo, o que sucedeu à adolescente do sexo feminino (caso 19645) que teve um tromboembolismo após a toma da vacina da Pfizer em Agosto de 2021? Sabe-se que foi hospitalizada, mas apesar de esta ser uma das afectações mais graves e conhecidas associadas à vacina contra a covid-19, o Infarmed achou que não valia a pena saber como evoluiu.

    boy in gray and white striped shirt sitting on floor

    E as famigeradas miocardites e pericardites? Há 10 situações classificadas como graves, entre Agosto e Outubro de 2021, cujo desfecho o Infarmed desconhece, havendo situações de registo com a mera indicação de a vítima estar “em recuperação”. Mas são casos já passados há cerca de três anos. Destes, cinco são de adolescentes (casos 19951; 22118; 22269; 22467; e 23415) e outros cinco de jovens adultos até aos 24 anos (casos 18193; 22581; 23267; 23208; e 26223).

    Também surge registada a situação de uma adolescente com síndrome inflamatória multissistémica pediátrica (MIS-C) associada à vacina contra a covid-19 (caso 20713), mas apesar de ter ocorrido em Agosto de 2021, com hospitalização, surge a referência “desconhecido” no campo a evolução da reacção adversa. O Infarmed considerou que não se mostra necessário saber como evoluíram estas infecções do coração, se ficaram sequelas, se houve mortes. Nada importou para se manter o selo das vacinas seguras.

    Também dúvidas ficam sobre a qualidade da farmacovigilância da entidade liderada por Rui Santos Ivo quando se observam outras situações de elevadíssima gravidade com grande risco de sequelas ou mortes. O PÁGINA UM detectou, por exemplo, registos de embolia pulmonar (caso 10215, uma jovem mulher que tomou a AstraZeneca, em Maio de 2021), de trombose venosa cerebral (caso 18886, uma jovem mulher que tomou a vacina Moderna, em Agosto de 2021), de trombocitopenia imune (caso 19516, outra jovem mulher que tomou a Moderna, em Agosto de 2021), de acidente vascular cerebral (caso 20843, um jovem adulto que tomou a vacina da Janssen, em Setembro de 2021).

    E, de resto, há um significativo número de sintomas genéricos do aparelho endócrino, do sistema nervoso e da pele, incluindo também doenças ou perturbações raras (como paralisia facial ou síndrome de Parsonage-Turner), que quer ponham ou não em risco a vítima, deveriam merecer atenção do Infarmed. Até para fazer sentido, em português, a palavra ‘monitorização’. Na base de dados analisada pelo PÁGINA UM, há também diversos casos graves de perturbações do ciclo menstrual em jovens mulheres. Aliás, se incluirmos as mulheres de todas as idades, o Portal RAM registou, até início de Dezembro de 2021, cerca de duas centenas de alterações menstruais associadas às vacinas contra a covid-19.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, é um dos principais responsáveis pela vacinação em massa contra a covid-19 de crianças e adolescentes, tendo escondido um parecer do Colégio de Pediatria que recomendava que se administrassem doses apenas em casos de vulnerabilidade à doença. A sua postura de ‘perseguidor de médicos’ que contestavam a gestão da pandemia catapultou-o para voos políticos: hoje, é vice-presidente da bancada parlamentar do PSD na Assembleia da República.

    Saliente-se também que o Infarmed decidiu manipular a base de dados que o Tribunal Administrativo Central do Sul ordenou que fosse disponibilizada ao PÁGINA UM, uma vez que apagou a variável que, para cada caso, indicasse o grau de causalidade (definitiva, provável, possível e improvável). A probabilidade de ter sido um acaso é definitivamente improvável – ou seja, houve intenção deliberada do Infarmed em esconder informação vital.

    O PÁGINA UM confrontou o Infarmed, através do seu presidente Rui Santos Ivo, e a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, com os resultados desta análise. Certamente confiantes de que esta notícia do PÁGINA UM não tenha impacte público, mesmo face à gravidade comportamental do Infarmed, nem Rui Santos Ivo nem Ana Paula Martins se dignaram reagir, confiantes na sua impunidade. Na verdade, em Portugal, para o medicamento que mais reacções adversas apresentou na moderna História da Farmacologia, vai ficar tudo bem – excepto para os ‘azarados’ que tomaram as vacinas “seguras e eficazes” e ficaram entrevados. Ou mortos. Mesmo se, desses, para as autoridades, nem um pio se quer que a História dê.


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  • Homens do PSD da Misericórdia do Porto (em desastre financeiro) recebem ‘bónus’ de Montenegro

    Homens do PSD da Misericórdia do Porto (em desastre financeiro) recebem ‘bónus’ de Montenegro

    A Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) acumula quase 30 milhões de euros de prejuízos nos últimos nove anos, apesar de os seus dois hospitais (Prelada e Conde Ferreira) terem recebido 484 milhões de euros do Estado desde 2008. E perdeu 40% dos seus fundos patrimoniais em apenas 12 anos. O sufoco financeiro é mais do que evidente nas contas desta instituição controlada por homens do aparelho social-democrata, que tem um antigo deputado do PSD, António Tavares, como provedor desde 2011, e que agora também preside à Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto. Talvez por coincidência, porque a instituição nega a sua participação, Eurico Castro Alves – membro da ‘task force’ do Plano de Emergência da Saúde, mentor da criação dos centros de atendimentos clínico (CAC) e anfitrião de Luís Montenegro nas suas recentes férias de Verão no Brasil – também integra os órgãos sociais da SCMP, como suplente da Mesa Administrativa. Com funções executivas está outro social-democrata de peso: Manuel Pinto Teixeira foi colega da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na Comissão Política do PSD nos tempos de Rui Rio. Tudo misturado, e contas feitas, à boleia da criação do CAC no Hospital da Prelada, para receber doentes não-urgentes dos hospitais públicos do Porto, o Governo vai dar um ‘bónus’ à Misericórdia do Porto que atingirá, em termos líquidos, cerca de seis milhões de euros apenas este ano, permitindo assim ‘tapar’ uma gestão ruinosa, onde as subcontrações dispararam nos últimos anos.


    Tal como de boas intenções está o inferno cheio, de coincidências está também cheia a vida política, social e empresarial em Portugal. No dia em que foi publicada, no passado dia 21 de Agosto, uma Resolução de Conselho de Ministros que atribuía um reforço de verbas públicas a transferir para o Hospital da Prelada, propriedade da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), por causa da criação de um centro de atendimento clínico (CAC), Luís Montenegro passava férias numa casa no Brasil de Eurico Castro Alves, que fora coordenador da task force do Plano de Emergência da Saúde.

    Por coincidência, Eurico Castro Alves, que preside à Secção Regional de Norte da Ordem dos Médicos, integra os órgãos sociais da Misericórdia do Porto, sendo suplente da Mesa Administrativa, equivalente a um Conselho de Administração. Apesar de não exercer, por agora, um cargo executivo, este médico saberá por certo que a instituição de solidariedade social se encontra em situação pouco desafogada.

    Hospital da Prelada, a principal unidade de saúde da Misericórdia do Porto, recebeu um reforço de dinheiros públicos por atender doentes não-urgentes dos hospitais do São João e do Santo António. Foto: SCMP.

    Além disto – por certo mais uma coincidência –, Eurico Castro Alves compartilhou uma conta bancária pessoal com Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, para gerirem um ‘bolo financeiro’ de mais de 1,4 milhões de euros, vindos sobretudo de farmacêuticas, durante a pandemia. Castro Alves esteve assim directamente envolvido na polémica campanha de solidariedade (‘Todos por quem cuida’), revelada pelo PÁGINA UM, que incluiu facturas falsas, fuga ao Fisco e declarações falsas, mas sobre a qual, ao longo dos últimos meses, a Procuradoria-Geral da República recusa revelar se está sob investigação.

    O único pormenor desta campanha de solidariedade sob investigação judicial será o pagamento de cerca de 25 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, cuja transferência tem o cunho da actual ministra da Saúde, para a vacinação de médicos não-prioritários, após o envio ao Ministério Público de um processo de esclarecimento realizado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Porém, este caso não inclui qualquer investigação a Gouveia e Melo por ter permitido a vacinação de médicos não-prioritários em violação de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde.

    Mas se Eurico Castro Alves tem indubitável e simultaneamente ligações directas à SCMP e ao poder político social-democrata – aliás, até chegou a ser secretário de Estado da Saúde no curto segundo mandato de Pedro Passos Coelho em 2015 –, mais ainda as tem Manuel Pinto Teixeira, um dos membros efectivos da Mesa Administrativa, e que, no relatório e contas de 2023, surge associado à tutela do Hospital da Prelada [vd. página 7]. Antigo chefe de gabinete de Rui Rio na autarquia portuense (2003-2013), Pinto Teixeira foi jornalista e tem um passado ligado de gestão em empresas de comunicação, ocupando nos anos mais recentes funções relevantes no PSD. Até Julho de 2022 foi membro da Comissão Política Nacional, a convite de Rui Rio. E quem eram dois dos seus colegas? Pois bem, Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, e também Joaquim Miranda Sarmento, actual ministro das Finanças.

    Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Porto, integra dois homens relevantes do PSD local: Manuel Pinto Teixeira (primeiro à esquerda, no topo) e o provedor António Tavares (segundo à direita, em baixo), que lidera a instituição desde 2011. Eurico Castro Alves é suplente da Mesa Administrativa. Fonte: SCMP.

    Por similar coincidência, por ‘feliz’ evolução socio-política nacional e regional, a Misericórdia do Porto tem agora interlocutores mais amigáveis, pois o seu quasi-perpétuo provedor – tomou posse em Janeiro de 2011 – é o antigo deputado do PSD António Tavares, que recentemente assumiu um papel de maior relevância social na Cidade Invicta, mesmo se simbólico, por ser agora o actual presidente da Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto, tendo integrado a lista de André Villas-Boas que ‘apeou’ Pinto da Costa.

    Mas, depois de listar as ‘coincidências’, passemos agora aos factos. Ao contrário da sua congénere lisboeta, a SCMP não tem qualquer tutela governamental, funcionando como uma mera instituição privada de solidariedade social associada à Igreja Católica. Mas sem receitas dos jogos, que permitem à congénere lisboeta todos os ‘desvarios’, a Misericórdia do Porto não se pode dar ao luxo de erros de gestão – e se os tem, e tem mesmo, paga-os caro. E, com efeito, a situação financeira da Misericórdia do Porto, apesar de pouco falada, mostra-se avassaladoramente preocupante desde 2015, e por isso, independentemente das ‘coincidências’ envolvendo figuras gradas, a integração do Hospital da Prelada como CAC do Porto veio, mais do que aliviar as urgências dos hospitais do São João e do Santo António, conceder um ‘balão de oxigénio’ à tesouraria da Misericórdia do Porto, evitando, ou adiando pelo menos, um desastre financeiro que se avizinhava. Mas já se vai ao ‘osso’.

    Detentora de um vasto património imobiliário, a Misericórdia do Porto tem uma intensa actividade social e mesmo cultural, agregando ainda três lares de idosos e dois colégios, e também gerindo até uma quinta agrícola e, em co-gestão, a prisão de Santa Cruz do Bispo. Mas é no Hospital da Prelada e no Centro Hospitalar Conde Ferreira que reside a sua principal actividade empresarial, empregando, só aí, quase 670 pessoas, mais de metade dos seus recursos humanos. O Hospital da Prelada – que agora é um dos CAC para receber doentes não urgentes do Porto – é mesmo a principal fonte de receitas da Santa Casa da Misericórdia do Porto (34 milhões de euros no ano passado), mas muito graças ao Estado.

    Governo de Montenegro defendeu criação do centro de atendimento no Hospital da Prelada para desanuviar as urgências dos hospitais públicos de São João e de Santo António, mas, na verdade, as verbas a transferir para a Misericórdia do Porto são um autêntico ‘balão de oxigénio financeiro’.

    Através de acordos com o Ministério da Saúde, a SCMP já recebeu, desde 2008, quase 484 milhões de euros do Estado. Não é pouco, mas já foi mais. Entre 2008 e 2015, os apoios anuais foram sempre superiores a 30 milhões de euros – atingindo quase 35 milhões em 2008, em 2010 e em 2012 –, mas durante os Governos de António Costa os montantes reduziram-se. Em 2019 quedaram-se nos 25,7 milhões de euros. O antigo ministro socialista Manuel Pizarro ainda conseguiu, antes da queda do Governo, a promessa para o ano de 2024 de uma transferência de cerca de 30,3 milhões de euros.

    Apesar destas elevadas maquias, o sector da Saúde da Misericórdia do Porto acabou por ser uma fonte de despesa. No conjunto, a gestão do Hospital da Prelada (com valências sobretudo nas áreas da Medicina Física e na Cirurgia Plástica e Reconstrutiva) e do Centro Hospitalar Conde Ferreira (na área da Psiquiatria) têm estado sempre no ‘vermelho’, quando seria expectável darem lucro para depois financiar as actividade sociais. Somente no último quinquénio (2019-2013), tiveram prejuízos líquidos de 11,4 milhões de euros, apesar da entrega pelo Estado de 132,8 milhões de euros no mesmo período.

    Mas esses 11,4 milhões de euros são apenas uma parte dos resultados financeiros da SCMP. Segundo a análise do PÁGINA UM, nos últimos cinco anos a Misericórdia do Porto perdeu, em todas as suas actividades, quase 21,5 milhões de euros. E desde 2014 não sabe o que é ter contas positivas. É certo que os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) foram francamente maus, sobretudo por causa da decisão governamental de ‘abrandar’ as actividades hospitalares não-covid, contribuindo para prejuízos de quase sete milhões de euros só na actividade hospitalar. Porém, os problemas financeiros provêm de um período anterior.

    António Tavares é provedor da Misericórdia do Porto desde 2011. Só em dois anos apresentou resultados positivos e ‘viu’ os fundos patrimoniais da instituição encolherem quase 95 milhões de euros. Foto: SCMP.

    Em 2017, por exemplo, a instituição já registou um prejuízo de 5,4 milhões de euros. O pico de prejuízos ocorreu em 2020, com as contas no ‘vermelho’ a atingirem os 6,5 milhões de euros. Mesmo com o desanuviamento da pandemia, a Misericórdia do Porto ainda não conseguiu, sob a direcção de António Tavares, inverter os prejuízos: em 2022 foram mais 3,5 milhões de euros, e no ano passado mais 2,4 milhões. Aliás, sob sua gestão, o antigo deputado social-democrata só viu dois anos de resultados no ‘verde’, e já em tempos longínquos: no ano de 2011, que terminou com um lucro de 1,6 milhões de euros, e no ano de 2014, com lucros de cerca de 940 mil euros.

    O reflexo destes sucessivos desastres financeiros surge também na evolução do fundo patrimonial, equivalente ao capital próprio de uma empresa. No primeiro ano da gestão de António Tavares, em 2011, a SCMP contabilizava fundos patrimoniais no valor de 234,8 milhões de euros; agora valem apenas 140 milhões de euros. São quase 95 milhões de euros que se eclipsaram, ou seja, a Misericórdia do Porto tem agora 60% dos fundos que António Tavares ‘herdou’ do seu antecessor.

     Os activos não correntes da instituição – que incluem sobretudo o património edificado e propriedades de investimento – valiam em 2011 quase 225 milhões de hoje; 12 anos depois diminuíram 72 milhões de euros, cifrando-se agora em um pouco menos de 153 milhões. Uma parte desta descida deveu-se a uma revalorização para baixo do valor do património edificado, contabilisticamente feita em 2013. Curiosamente, o PÁGINA UM consegiu obter, através de consultas on-line, todos os relatórios da Misericórdia do Porto entre 2012 e 2023, com execpção do de 2013, onde se procedeu à tal revaloriação dos activos.

    Resultados líquidos (em euros) da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Fonte: Relatórios e contas de 2012 a 2023 (que contêm indicadores do ano transacto).

    Em todo o caso, se essa revalorização foi uma mera operação contabilística sem relação com a gestão, já os resultados sistematicamente negativos dizem respeito directo à Mesa Administrativa. Aliás, mostra-se surpreendente que o actual provedor António Tavares tenha ‘herdado’ em 2011 resultados transitados – ou seja, lucros de anteriores administrações – da ordem dos 34 milhões de euros. Em 12 anos de gestão, essas ‘reservas’ mais que desapareceram: os resultados transitados (incluindo aqui o prejuízo de 2023) são agora negativos em cerca de três milhões de euros. Ou seja, a provedoria de António Tavares é responsável por um período em que se perdeu cerca de 37 milhões de euros.

    Mas quem olhar para os gastos da Misericórdia do Porto não diria que se está em tempo de ‘vacas magras’ nem de contenção de despesas. Uma das rubricas que mais tem aumentado, mesmo com uma estabilização das receitas, é a dos fornecedores e serviços externos. Quando António Tavares entrou em 2011, estes gastos cifravam-se em 13,2 milhões de euros, e até desceram para 11,9 milhões em 2013. Porém, no ano passado ultrapassaram os 19,5 milhões de euros. A subrubrica mais relevante é a dos subcontratos, que rondavam os cinco milhões por ano entre 2011 e 2014, mas em 2023 ultrapassaram os nove milhões de euros.

    O PÁGINA UM pediu ao provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, um comentário sobre a situação financeira da instituição e que apontasse os principais motivos para esse desempenho, mas a resposta veio lacónica: “Entendemos que não nos devemos pronunciar a este propósito”.

    Eurico Castro Alves, preside ao Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos e também à Convenção Nacional da Saúde, e foi escolhido pela ministra da Saúde para coordenador do Plano de Emergência da Saúde, sendo também membro suplente da Mesa Administrativa da Misericórdia do Porto. Foto tirada numa acção de sensibilização dos ensaios clínicos promovida pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma).

    Também sucintas foram as respostas, apesar de diversas insistências, sobre as negociações em redor da criação do CAC do Porto como destino dos doentes não-urgentes. A SCMP garante que Eurico Castro Alves – que não respondeu às perguntas do PÁGINA UM – “não participou no processo de articulação para a implementação do CAC do Hospital da Prelada”. E também diz que não houve qualquer intervenção do Ministério das Finanças nem de Manuel Pinto Teixeira. A instituição diz que este seu mesário (administrador) não é gestor do Hospital da Prelada, embora no relatório e contas de 2023 essa unidade hospitalar esteja junto ao seu nome, indiciando encontrar-se sob sua tutela.

    De igual forma, e apesar de a Resolução do Conselho de Ministros que redefine as verbas a transferir para a Santa Casa da Misericórdia do Porto fazer referência ao CAC, esta instituição não quis adiantar pormenores do acordo nem dizer se haverá um acerto nas verbas a transferir pelo Governo em função dos doentes efectivamente atendidos no Hospital da Prelada.

    Em resposta ao PÁGINA UM, fonte oficial desta instituição afirmou apenas que “foi contratualizado pelo Governo um número diário de doentes a serem encaminhados para esta resposta via SNS, estando assim a nossa operação montada e preparada para diariamente assegurar este volume de atendimentos”. A Misericórdia do Porto adianta, em todo o caso, que entre 19 e 31 de Agosto foram atendidos 751 doentes não-urgentes, o que dá uma média diária de 58 atendimentos.

    Evolução dos fundos patrimoniais (em euros) da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Fonte: Relatórios e contas de 2012 a 2023 (que contêm indicadores do ano transacto).

    Ora, se essa média se mantiver até ao fim do ano, e atendendo ao custo unitário anunciado pelo Governo para os CAC (45 euros por atendimento), a Resolução de Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro traz efectivamente um significativo ‘balão de oxigénio’ para as contas da Misericórdia do Porto, que se estima em mais de seis milhões de euros só para este ano. Isto porque o reforço da verba relativa a 2024, em comparação com a anterior decisão do Governo socialista, é da ordem dos 6,4 milhões de euros, uma vez que se passou de 30,3 milhões para 36,7 milhões de euros em 2023. Se se considerar que a média de atendimentos em Agosto (58 pessoas por dia) se manterá até Dezembro, o custo do CAC no Hospital da Prelada seria apenas de cerca de 350 mil euros. Mas mesmo que seja considerada uma média de 100 pessoas por dia, o reforço concedido por Luís Montenegro à Misericórdia do Porto por ‘obra e graça do Espírito Santo’, ou pelas tais ‘coincidências’, superará, ‘limpos’, mais de cinco milhões de euros.

    Uma coisa parece certa, depois da Resolução do Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro antes das férias brasileiras em casa do mesário-suplente da Misericórdia do Porto: com este bónus, a instituição nortenha deverá apresentar lucros pela primeira vez desde 2014. Mas não será pelo facto de os membros da Mesa Administrativa se terem tornado, de repente, bons gestores, mas sim por uma ‘ajuda de secretaria’. Excepto, claro, se se considerar que ser-se bom gestor é deter também capacidade de influência para receber dinheiros públicos sem prestar boas contas do seu uso.

    O PÁGINA UM pediu comentários ao primeiro-ministro Luís Montenegro sobre esta matéria, mas do seu gabinete não houve qualquer reacção.


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  • Coimbra é a ‘cidade dos doutores’, enquanto há vastas regiões do país onde os médicos não querem viver

    Coimbra é a ‘cidade dos doutores’, enquanto há vastas regiões do país onde os médicos não querem viver

    Se é expectável que seja nos concelhos com hospitais de maior dimensão que vivam mais médicos, uma análise do PÁGINA UM aos dados de 2023 disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística mostra que há vastas regiões do país onde, mesmo com programas de incentivo, os médicos não se querem fixar, acarretando efeitos catastróficos na assistência das populações, sobretudo dos mais idosos. Na verdade, o rácio médio de médicos (5.8 por mil habitantes) em Portugal não tem qualquer significado: por exemplo, se o concelho de Coimbra, onde quase 4% da população é licenciada em Medicina, apresenta um valor que está seis vezes acima da média nacional, há nove em cada 10 municípios que não superam o valor médio. Destes, 109 têm menos de dois médicos por cada mil habitantes. A pior situação é na Pampilhosa da Serra, ironicamente no mesmo distrito de Coimbra.


    Em Junho passado, a Câmara de Montalegre anunciou um incentivo para a fixação de médicos naquele concelho transmontano que inclui habitação, pagamento de despesas como energia, água e Internet e entrada gratuita em serviços e equipamentos municipais. Compreende-se: o rácio de médicos residente, segundo os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, é de apenas 2 por mil habitantes – menos de metade da média nacional (5,8 por mil habitantes), o que significa, atendendo à sua população total que ali vivem apenas 18. Na verdade, até se pode dizer que, além de clínicos gerais, haverá em Montalegre um cirurgião, três médicos de Medicina Geral e Familiar, um de Medicina Interna, um ortopedista e um de Medicina Intensiva. Contas feitas, de entre as 96 especialidades registadas pelo INE, de entre os médicos que ali  vivem só há cinco especialidades.

    As ofertas municipais de fixação de médicos passaram a ser quase generalizadas ao país, esquecendo as autarquias que se se puxa o cobertor para um lado se destapa outro. Numa pesquisa rápida acumulam-se tanto os incentivos das autarquias para atrair médicos como queixas pela sua falta. Em Abril, Figueiró dos Vinhos também divulgou condições especiais aos médicos que ali fixassem residência. Tem um rácio de 2,7 médicos por mil habitantes Ourém conseguiu recentemente atrair nove médicos para o concelho através de incentivos remuneratórios. Mesmo assim continua muito abaixo do rácio médio, apenas com 1,5 por mil habitantes.

    doctor holding red stethoscope

    Castanheira de Pêra procurou, igualmente, cativar médicos, no final do ano passado, acenando com um incentivo mensal de 2.200 euros para quem optasse por viver no concelho. Não se sabe se resultará, mas bem precisado se encontra este pequeno concelho do distrito de Leira, localizado a pouco mais de 40 quilómetros de Coimbra. Acabou o ano de 2023, segundo os dados do INE, com um miserável rácio de 0,7 médicos por mil habitantes, o terceiro pior do país (a par de Cadaval, Barrancos, Vila do Bispo e Lajes das Flores), apenas atrás dos concelhos de Pampilhosa da Serra (0,5 médicos por mil habitantes) e Pedrógão Grande (0,6).

    Podem existir outros bons indicadores para avaliar o quão enviesado se encontra o desenvolvimento de Portugal e também que mostre como tão desequilibrado se encontra o país em termos de atractividade, mas pouco ‘batem’ o rácio dos médicos por habitante. Sendo certo que, obviamente, será expectável, aceitável e mesmo normal que este rácio seja bastante mais elevado em grandes cidades, sobretudo com centros hospitalares de referência, quando se observam os valores em concretos fica-se de imediato com a percepção e noção, em simultâneo, que Portugal tem um problema de Saúde Pública.

    Na verdade, o rácio médio neste caso significa pouco ou nada – ou melhor, talvez até muito porque mostra como os médicos não se sentem muito atraídos por grande parte do país. Saber se o problema é das condições de grande parte do país ou de se de grande parte dos médicos, fica para outras análises. Certo é que somente há 30 municípios, de um universo de 308, que estão acima da média dos 5,8 médicos por mil habitantes, o que significa que há, assim, 278 abaixo da média. E muitos estão mesmo muito abaixo da média.

    Com efeito, para além dos já mencionados municípios com baixa concentração de médicos residentes (Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Cadaval, Barrancos, Vila do Bispo e Lajes das Flores), há mais 18 municípios que não ultrapassam o rácio de um médico por mil habitantes. Destes os municípios de Barrancos, Lajes das Flores, Góis e Freixo de Espada-à-Cinta não têm sequer médicos de uma qualquer especialidade. Essa ‘característica’ é extensível a mais dois concelhos: Monchique e Oleiros.

    brown brick house on green grass field under blue sky during daytime
    Concelhos rurais e envelhecidos não atraem médicos, mesmo quando as autarquias concedem subsídios.

    Contratando (ou confirmando) este cenário terceiro-mundista, os únicos municípios acima da média nacional em termos de rácio de médicos são, geralmente, aqueles onde se localizam unidades de saúde, mostrando que em Portugal a Saúde Pública ainda está ainda muito associada à assistência hospitalar e à concentração de consultas e tratamentos ambulatórios em cidades. Neste pequeno grupo destacam-se, com mais de 10 médicos por mil habitantes, Matosinhos, Faro, Oeiras – onde, de forma absurda, a autarquia concede também incentivos para fixação de residência a estes profissionais – e sobretudo Lisboa, Porto e Coimbra.

    A cidade do Mondego é, aliás, a terra dos doutores portugueses com um rácio de 34,7 médicos por mil habitantes, seis vezes superior à média nacional. Significa que em 100 conimbricenses se encontram mais de três médicos, e de quase todas as especialidades: 92 em 96 ‘vivem’ (e exercem) por lá. Mais afastado está a cidade do Porto onde se encontra um rácio de 22 médicos por mil habitantes, cerca de quatro vezes a média nacional, mas até tem mais especialidades (94) do que as contabilizadas em Coimbra. No terceiro lugar do pódio surge então a cidade de Lisboa com um rácio de 17,6 médicos por mil habitantes, abrangendo 94 especialidades.

    Saliente-se também que estes são os únicos municípios onde vivem médicos de mais de 90 especialidades, sendo que somente Vila Nova de Gaia (88), Oeiras (87) e Cascais (83) têm mais de 80 médicos especialistas a viverem nos respectivos concelhos.

    Em termos regionais, a Região de Coimbra é aquela que apresenta um melhor rácio (13,8 médicos por mil habitantes), mas também maiores desigualdades. De entre os 19 municípios que constituem esta região, além do município de Coimbra, apenas Figueira da Foz (7,1) e Condeixa-a-Nova (6,2) apresentam um rácio superior à média nacional. E há 10 municípios desta região com rácios inferiores a 3 médicos por mil habitantes:  Montemor-o-Velho (2,9), Soure (2,7), Lousã (2,6), Oliveira do Hospital (2,1), Tábua (2,0), Penacova (1,5), Arganil (1,1), Vila Nova de Poiares (1,1), Góis (0,8) e Pampilhosa da Serra (0,5).

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    Coimbra é literalmente a ‘cidade dos doutores’, com um rácio de 34,7 médicos por mil habitantes, seis vezes superior à média nacional. No município de Pampilhosa da Serra, que integra o seu distrito, este rácio é de 0,5.

    Mas mesmo na Região de Lisboa essas disparidades ficam patentes, que mais do que efeitos negativos em termos de assistência médica, mostra que há concelhos pouco atractivos para os médicos viverem. De facto, apesar de possuir no seu concelho um grande hospital (Dr. Fernando Fonseca), o rácio de médicos da Amadora é inferior à média nacional (3,7), e pior ainda está Sintra (2,7).

    Mas muito pior ainda, em termos regionais, está o Alentejo Litoral, que tem apenas um rácio de 2,2 por mil habitantes. O ‘melhor’ dos cinco concelhos desta região é Santiago do Cacém com 3,8, bastante abaixo da média nacional. Não está esta região sozinha em escassez de médicos. De acordo com os dados do INE, também nas regiões do Ave, do Tâmega e Vale do Sousa, de Leiria, da Beira Baixa, do Oeste, do Médio Tejo e mesmo de Setúbal não há um único município com rácio de médicos acima da média nacional. E nos Açores e na Madeira apenas Ponte Delgada (7,1) e Funchal (9,0) estão acima da média.


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  • Uma serralharia de Guimarães é a única empresa capaz (por três vezes) de ‘tratar’ de um bloco operatório do Hospital de Faro

    Uma serralharia de Guimarães é a única empresa capaz (por três vezes) de ‘tratar’ de um bloco operatório do Hospital de Faro

    O caso foi insólito no primeiro ajuste directo. Estranho no segundo. E cada vez mais suspeito ao terceiro. Por estranhas razões, a empresa Custódio de Castro Lobo & Filhos, uma simples serralharia de Guimarães, conseguiu, desde Setembro do ano passado, sucessivos ajustes directos adjudicados pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve, primeiro para instalar um bloco operatório em estrutura amovível, depois para serviços de ‘terraplanagem’ e, agora, para efectuar melhorias não especificadas. Tudo sem concurso, sempre com justificações diversas, e a última mesmo absurda. Certo é que a empresa vimaranense, com sede a 600 quilómetros de distância de Faro, já facturou com este negócio mais de 1,2 milhões de euros.


    Já diz o ditado que ‘não há duas sem três’. No caso de uma empresa de serralharia de Guimarães, a permissa cumpriu-se. A sociedade Custódio de Castro Lobo & Filhos conseguiu um terceiro contrato por ajuste directo com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), desta vez, para efectuar “melhorias funcionais ao novo edifício do Bloco Operatório Amovível”, sem se saber que melhorias são precisas para uma unidade que terá sido construída, em princípio para ficar funcional, pela mesma empresa, há menos de um ano.

    Ao todo, não tendo transcorrido uma volta da Terra ao eixo do Sol, esta empresa facturou já 1.245.495,90 euros em três contratos com o CHUA. O primeiro contrato que conseguiu, em Setembro de 2023, no valor de 800 mil euros, noticiado pelo PÁGINA UM, envolveu a ‘montagem de bloco operatório, duas salas cirúrgicas, em estrutura aligeirada amovível’.

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    (Foto: D.R.)

    Seguiu-se, no mesmo mês, um segundo e estranho contrato de 199.249,60 euros para a realização de ‘trabalhos de terraplanagem, modelação do terreno e preparação de acessibilidades’, apesar de o alvará registado pela serralharia vimaranense no Instituto dos Mercados Públicos Imobiliário e Construção (IMPIC) não pareça abranger a execução daquele tipo de trabalhos de construção, como o PÁGINA UM também noticiou.

    Agora, no dia 1 de Agosto, foi publicado no Portal Base um terceiro contrato, assinado a 20 de Maio, por ajuste directo, entre a CHUA e a Custódio de Castro Lobo & Filhos, no valor de 246.246,30 euros, para efectuar ‘melhorias funcionais ao novo edifício do Bloco Operatório Amovível’. O motivo invocado, desta vez, para a não realização de concurso público pelo CHUA, foi a necessidade de “proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual“, algo que, por norma, se aplica à compra de obras de arte ou de espectáculos culturais, e não para obras de construção, como blocos operatórios. Instado a comentar este argumento, o centro hospitalar nada disse a este respeito.

    Assim, segundo o CHUA, o primeiro contrato com esta serralharia foi feito sem concorrência invocando o o artigo do Código dos Contratos Públicos que admite o ajuste directo quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nenhum concorrente tenha apresentado proposta, todas as propostas tenham sido excluídas […], nenhum candidato se haja apresentado, ou todas as candidaturas tenham sido excluídas” com base em determinados fundamentos.

    A serralharia de Guimarães tem um alvará de empreiteiro de obras públicas mas não consta expressamente no IMPIC que esteja habilitada para efectuar um dos serviços contratados pelo CHUA, que envolveu a execução de terraplanagem. (Foto: PÁGINA UM)

    No segundo contrato, o da terraplanagem, o argumento usado pelo CHUA foi o da urgência, para não lançar concurso público. Isto sabendo-se que, nestes casos, o ajuste directo só pode ser justificado se “estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [e que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias […] não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. Para essa opção, não basta invocar, mas tem de se fundamentar; algo que nunca sucedeu.

    De resto, antes destes contratos com o centro hospitalar algarvio, a empresa de Guimarães tinha apenas mais um contrato registado, além destes três ajustes directos com o CHUA: um contrato obtido através de um procedimento de consulta prévia, em Junho de 2023, com o Município de Alijó, no valor de 23.070 euros para ‘Aquisição de serviços de restauro e recuperação de peças para exposição do Centro Interpretativo D`Olival ao Azeite de D`Ouro’.

    Saliente-se que esta empresa vimaranense tem uma estrutura familiar, sendo gerida por José Dâmaso da Cruz Castro Lobo, um empresário que também é dono da Mabera, que comprou a histórica têxtil Coelima, em 2021, para a recuperar. No seu portfólio, disponível no site da empresa, a serralharia vimaranense apresenta como clientes o Hospital de Braga, apesar de no Portal Base não constar nenhum contrato correspondente. No entanto, é comum existirem subcontratações em obras de grande envergadura.

    Destaque-se que o Hospital de Braga chegou a ser presidido pelo actual presidente do CHUA, o economista João António do Vale Ferreira, entre 2011 e 2019, mas o centro hospitalar algarvio sempre se escusou a esclarecer o motivo para que fosse escolhida uma serralharia a 600 quilómetros para montar um bloco operatório, que requer conhecimentos específicos.

    (Foto: D.R.)

    Com efeito, questionado pelo PÁGINA UM sobre as razões da ausência de concurso público nestes três contratos e como foi feita a escolha da empresa vimaranense, a Unidade Local de Saúde do Algarve apenas afirmou, através de respostas enviadas pelo gabinete de comunicação, que “realizou os procedimentos de contratação, a que se refere no estrito cumprimento da lei em vigor e da sua missão e na proteção de direitos e obrigações exclusivas dos Contratos Públicos”.

    Adiantou que “a escolha do procedimento contratual adotado para cada um dos contratos, encontra-se devidamente fundamentada, considerando a exigência das necessidades de garantia de prestação de cuidados em segurança, por parte do órgão competente para a decisão de contratar”, sem responder directamente às questões colocadas.

    Fonte oficial deste centro hospitalar indicou ainda que, desde o início de atividade do bloco operatório amovível, “foram já realizados 481 procedimentos urgentes em ambas as salas cirúrgicas, atendendo a que o Bloco Operatório Central da Unidade Hospitalar de Faro não estará operacional até final do corrente ano por motivo de obras adjudicadas a outro concorrente”.

    (Foto: D.R.)

    “A alteração do Plano de Contingência Clínico da obra principal para salvaguarda da segurança na reabilitação de forma muito mais célere no Bloco Central no Edifício Principal, considerando a adaptação das respostas cirúrgicas ao plano de proteção radiológica e reforço do circuito do doente, motivou a decisão de adjudicar os trabalhos necessários à empresa responsável pela construção do novo Bloco Operatório em causa”, diz fonte do centro hospitalar algarvio, acrescentando que só dessa forma ficavam garantidos “os direitos e obrigações de garantia relacionados com a montagem e fornecimento dessa instalação, e assegurando a celeridade e qualidade desejadas”.

    Este tipo de procedimentos, de sucessivos ajustes directos, transformando em fases a execução de um projecto, constitui um expediente de duvidosa legalidade, sobre o qual o Tribunal de Contas ainda se pode pronunciar. Caso tal não suceda, será provável que haja um quarto ou quinto contrato, e que a facturação improvável desta serralharia de Guimarães em serviços num hospital do Algarve, a 600 quilómetros de distância, e sem concorrência, continue de boa saúde.


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  • ‘Máfia dos testes’ teve reuniões com membros do Governo e recebeu ‘luz verde’ nos preços

    ‘Máfia dos testes’ teve reuniões com membros do Governo e recebeu ‘luz verde’ nos preços

    Foi uma reunião com três secretários de Estado, incluindo Lacerda Sales, que deu o ‘pontapé de saída’ para um processo de cartelização de preços dos testes de detecção da covid-19 nas escolas que resultou num encargo público de quase 30 milhões de euros. O PÁGINA UM analisou em detalhe o processo da Autoridade da Concorrência (AdC), onde se mostram comunicações e actas, e os 163 ajustes directos celebrados pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), concluindo que o preço concertado foi aquele que consta em todos os contratos. O Ministério da Saúde inicialmente propunha 15 euros como preço unitário, mas a Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL) conseguiu subir para os 20 euros com a concordância do Governo. Também fica patente que os dirigentes associativos estiveram a fazer ‘lobby’ pessoal: as empresas dos sete dirigentes amealharam 82% do valor dos contratos. Foram apenas essas as empresas multadas agora pela AdC por cartelização, uma prática usual em associações mafiosas.


    O Governo, através da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), foi conivente e mesmo colaborativo na concertação de preços por parte dos principais laboratórios para a testagem massiva de alunos com vista à detecção da covid-19 durante a pandemia, prática alvo de um processo instaurado pela Autoridade da Concorrência (AdC) que levou à aplicação de coimas de quase 57,5 milhões de euros.

    Chegou a haver mesmo uma reunião preparatória em 25 de Fevereiro de 2021 entre dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL), altos dirigentes da Administração Pública e membros do Governo, nomeadamente Lacerda Sales (secretário de Estado Adjunto e da Saúde), Inês Ramires (secretária de Estado da Educação) e Rita da Cunha Mendes (secretária de Estado da Acção Social), onde se debateu, entre outros aspectos, a capacidade máxima dos laboratórios existentes em Portugal para colheita com vista à testagem massiva em escolas e creches sem passar por qualquer procedimento contratual normal. A referência à reunião com os membros do Governo consta na página 203 da Decisão do Conselho da AdC de 17 de Julho, revelada esta quarta-feira.

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    Além das sucessivas reuniões e trocas de mensagens entre os dirigentes da ANL – algumas das quais citadas pela AdC no seu processo –, os Ministérios da Educação e da Saúde, neste caso a partir dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, acabaram por concordar com a concertação de preços, que ficou nivelado nos 20 euros por teste, e com a distribuição das análises a executar pelos diversos laboratórios, sugeridos pela própria ANL.

    Tanto assim que nem sequer a DGEstE lançou qualquer concurso público ou fez um procedimento de consulta prévia, optando sempre por ajustes directos para o programa de testagem. As campanhas de testagem massiva em escolas e creches decorreu até Janeiro de 2022, em dois varrimentos: o primeiro, para o ano lectivo 2020/2021, decorreu entre Março e Julho de 2021, em oito fases, e o segundo, para o ano lectivo 2021/2022, entre Setembro de 2021 e Janeiro de 2022, em quatro fases, tendo ficado prevista a realização de mais de 1,4 milhões de testes.

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM no Portal Base, a DGEstE estabeleceu ao longo de 2021, para testagens específicas a alunos, um total de 163 ajustes directos, invariavelmente ao preço unitário de 20 euros, envolvendo 29,3 milhões de euros. Apesar de se contabilizarem 63 laboratórios a beneficiar destes contratos leoninos, que por terem tido preços exagerados penalizaram o erário público, cerca de 82% deste ‘bolo’ ficou em apenas seis empresas, todas alvo da mira e sanções da AdC.

    Lacerda Sales foi um dos secretários de Estado presentes numa reunião com dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos que deu início ao processo de cartelização de preços penalizado agora pela Autoridade da Concorrência.

    Três destas empresas de laboratórios clínicos ficaram com mais de 5 milhões de euros em ajustes directos: a Dr. Joaquim Chaves, com 5.311.2380 euros; a Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa, com 5.260.800 euros; e Hormofuncional, do Grupo Affidea, com 5.076.580 euros. Acima de um milhão de euros encontram-se mais três empresas: a Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, do Grupo Unilabs, com 3.674.600 euros; a Synlabhealth, do Grupo Synlab, com 3.537.940 euros; e a Labeto, com 1.1270.040 euros.

    Esta concentração elevada (ajustes directos de quase 24 milhões de euros), beneficiando tão poucas empresas, não esteve apenas relacionada com a sua dimensão, mas sobretudo com o facto de as negociações para o estabelecimento dos preços e demais combinações terem sido realizadas pelos dirigentes da ANL que são simultaneamente gestores de topo das principais empresas beneficiadas pelos testes pagos pela DGEstE.

    Com efeito, o presidente da ANL é Pedro Oliveira, CEO da Synlab, empresa que decidiu pagar voluntariamente uma coima de 5 milhões de euros aplicada pela AdC. Os dois vice-presidentes da associação, Joaquim Paiva Chaves e Paulo Marques, são, respectivamente, CEO da empresa homónima (que recebeu uma coima de 11,5 milhões de euros) e director executivo comercial da Unilabs (que decidiu, também voluntariamente, pagar já a coima de 3,9 milhões de euros aplicada à sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres). Por sua vez, o tesoureiro da ANL, Miguel Santos, é CEO da Affidea Portugal, que detém a Hormofuncional, a quem a AdC aplicou a maior coima: 26,1 milhões de euros.

    Quanto à secretária da direcção da associação, Maria João Tomaz é administradora do Grupo Beatriz Godinho Saúde, que detém a Labeto, empresa a quem se aplicou uma coima de 1,4 milhões de euros. De entre os dois vogais da ANL está José Germano de Sousa, filho do antigo bastonário da Ordem dos Médicos que fundou uma das mais conhecidas e lucrativas redes de análises clínicas. O Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa – que contabilizou, segundos cálculos do PÁGINA UM com base nas contas do triénio anterior à pandemia, lucros acrescidos de quase 62 milhões de euros – recebeu a ‘notícia’ de ter de pagar agora uma coima de 9,3 milhões de euros por cartelização.

    Na lista dos dirigentes da ANL ainda consta, como vogal, Gizela Santos, que também beneficiou directa e indirectamente dos contratos negociados entre a associação do sector e a Administração Pública, mas em menores montantes. Gizela Santos é presidente da administração da Laboratório de Análises Clínicas Dr. J. Leitão Santos e também da Redelab, que tem parcerias com diversos outros laboratórios, que beneficiaram de ajustes directos num total a rondar os 600 mil euros. Em todo o caso, a Redelab acabou por ver a AdC aplicar-lhe duas coimas, uma de 100 mil e outra de 200 mil euros.

    O longo processo da AdC detalha, embora com algumas rasuras por alegada confidencialidade, vastos pormenores das negociações e da forma como, internamente, os dirigentes da ANL, e simultaneamente gestores de topo dos principais laboratórios, negociaram entre si os preços e distribuição dos testes, e portanto dos montantes a arrecadarem de dinheiros públicos por parte das suas empresas.

    Numa das mensagens interceptadas pela AdC, Joaquim Chaves aborda a questão de o Ministério da Saúde ter manifestado, na tal reunião de Fevereiro de 2021, que “esperava um preço na ordem dos 15 euros”. “Deixámos claro que tal como na primeira fase”, escreveu aos seus ‘colegas’ da ANL (e concorrentes), “há um preço só para colheita que não poderá ser abaixo dos 10 euros. Agora teremos que determinar a que preços venderemos os testes. Pessoalmente acho que devemos estar alinhados e não concordo, nada, que numa fase destas cada um tente ir por si conquistar mercado com preços”. E colocava também como se deveria fazer “o levantamento” dos laboratórios que deveriam envolver, mostrando preocupação sobre como fazer “a distribuição geográfica sem que isto se torne uma batalha campal ‘entre aliados’”.

    Testagem em escolas para apanhar assintomáticos começou em Janeiro de 2021 e prolongou-se até início do ano seguinte.

    O preço final, combinado e acordado pelos dirigentes e empresários, ficaria decidido logo no dia 26 de Fevereiro de 2021. Em acta da ANL, com a presença de todos os gestores das empresas agora multadas pela AdC, fixou-se o seguinte, preto no branco: “Relativamente aos preços a praticar, considerando os volumes e economia de escala antecipados, foi consensual o valor a apresentar, de vinte euros, por teste (líquido). Será enviada circular aos associados solicitando [que] nos indiquem se estão interessados e com disponibilidade, que capacidade têm instalada e em que regiões do continente têm cobertura”. A AdC comprovou que os associados da ANL que não estavam representados na direcção estiveram alheados desta cartelização que beneficiou quase em exclusivo as empresas que ficaram com o maior ‘bolo’ deste negócio.

    O valor de 20 euros por teste recebeu explicitamente a concordância do Governo, e tal não se mostrava necessário mesmo se o ajuste directo foi permitido durante a pandemia para qualquer valor de aquisição. Mesmo que tivesse em causa uma urgência imediata, a Administração Pública poderia (e talvez devesse) fazer uma consulta independente ao mercado para definir um preço negocial. Mas optou-se por nunca fazer concurso público nem uma consulta prévia do mercado, sendo evidente que o Governo, iniciando este processo – que a AdC considera de cartelização – envolvendo reuniões com dirigentes da ANL (e simultaneamente gestores de topo de laboratórios relevantes) em que intervieram três secretários de Estado, deram implicitamente ‘carta branca’ para se concertarem e estabelecer um preço unitário elevado.

    Certo é que, sem excepção, o preço unitário de 20 euros é o que consta em todos os 163 contratos por ajuste directo celebrados pela DGEstE, desde o maior, assinado em Abril de 2021 pela Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, no valor de 2,96 milhões de euros, até ao menor, assinado em Setembro desse ano com um pequeno laboratório de Coimbra, no valor de 760 euros. Convém referir que nem todos os contratos foram integralmente executados, uma vez que acabaram, em muitos casos, por serem realizados menos testes que os previstos.

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    A existência desta concordância entre o Governo e os processos de cartelização dos principais laboratórios, através da ANL, fica também patente numa tentativa de ser aumentado ligeiramente o preço unitário em 1 euro, o que resultaria em quase 1,5 milhões de euros de receitas adicionais para os laboratórios. No processo, a AdC salienta que, em resposta a esta tentativa de rectificação do preço por um dos dirigentes não identificados da ANL, o director-geral da DGEstE respondeu o seguinte: “Na reunião ficou também clarificado que recebendo nós essas listagens [dos laboratórios disponíveis], todo o trabalho logístico, conforme disponibilidade da SPMS, de cruzamento de capacidade de testagem e necessidades (construção do cronograma – matching) ficaria com eles. Razão pela qual, na própria reunião, tendo eu identificado os 20€/teste, não houve sequer lugar a debate sobre esse número. O preço acordado são os 20€/teste”.

    Por tudo isto, se se mostra evidente a cartelização dos testes por parte dos laboratórios dos dirigentes da ANL, penalizados pela AdC, tal só foi possível com a conivência, concordância e aprovação da Administração Pública e do próprio Governo, que não apenas reuniram com cartelistas como aceitaram negociar com gestores de topo de empresas agora multados em 57,5 milhões de euros por causarem prejuízo ao erário público. Saliente-se ainda que a testagem em escolas teve uma taxa de positividade inferior a 0,1%, não havendo registo de qualquer aluno do ensino básico e secundário que tenha falecido devido à covid-19. No entanto, sempre que era detectado um único caso positivo numa escola chegou a ser determinado o isolamento profiláctico de toda a turma.

    N.D. Pode consultar AQUI a lista discriminada dos ajustes directos e os montantes recebidos por cada empresa pela testagem nas escolas.


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