O Código Deontológico do Jornalista (CDJ) contém uma incongruência flagrante que tem servido de base para interpretações enviesadas e, mais grave ainda, para a distorção da própria prática jornalística: a imposição de que “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso”. Esta formulação, que à primeira vista pode parecer um princípio equilibrado, esconde uma armadilha lógica: a ideia de que a comprovação dos factos depende da audição das partes envolvidas, como se a verdade jornalística só pudesse emergir de um processo dialéctico entre os visados.
Ora, os factos existem independentemente da sua comprovação pelas partes. Um documento oficial que ateste um desvio de fundos, um contrato que revele tráfico de influências ou um relatório forense que demonstre um erro médico não precisam da validação dos protagonistas da história para serem verdadeiros. A verdade não se negocia, nem precisa de um carimbo de autenticidade de quem tem um interesse directo na narrativa.
A exigência do contraditório como critério universal para a comprovação dos factos cria um paradoxo: por um lado, exige-se ao jornalista rigor na apresentação de provas; por outro, obriga-se o mesmo jornalista a conceder espaço à parte interessada para que esta relativize, negue ou distorça a informação documentada. Assim, um facto objectivamente comprovado pode ser transformado num “alegado facto” apenas porque uma das partes o contesta. A verdade passa a ser condicionada pela disposição dos intervenientes em confirmá-la ou negá-la, convertendo-se num jogo retórico em vez de uma questão factual.
Além disso, a formulação do código deontológico é ambígua e contraditória. Diz-se que os factos devem ser comprovados, mas o critério subsequente (ouvir as partes) não é uma via de comprovação, mas sim um procedimento de contextualização. Factos não se tornam mais verdadeiros porque as partes os corroboram, nem mais falsos porque os negam. Esta formulação, ao misturar um princípio objectivo (a necessidade de comprovar factos) com uma prática jornalística circunstancial (a audição das partes), resulta numa incoerência conceptual.
O verdadeiro jornalismo assenta na busca pela verdade através de métodos rigorosos: cruzamento de fontes, análise documental, investigação aprofundada. O contraditório pode ser um elemento útil nesse processo, mas não pode ser uma condição obrigatória para validar o que já está demonstrado. Quando um jornalista possui documentos sólidos que sustentam uma investigação, o contraditório não serve para “comprovar” nada – apenas para permitir que a parte visada apresente uma defesa.
O que é um facto? A participação de André Carvalho Ramos em formações de media training? Não! Para a ERC só é um facto quando se concede um ‘direito ao contraditório’, que permitisse André Carvalho Ramos simplesmente negar…
O problema é que a ERC e outros reguladores, ao basearem-se nesta falha estrutural do Código Deontológico, transformaram o contraditório numa regra cega, aplicável acriticamente a qualquer contexto, como mais uma vez se verifica numa recentíssima deliberação contra o PÁGINA UM por causa de ‘um jornalista promíscuo’ da CNN Portugal, André Carvalho Ramos, não ter sido ‘ouvido’. O dito jornalista aceitou ser formador de media training organizado pela empresa onde o filho de António Costa é director-geral. A confirmação desse facto, além de estar no site do curso, foi comprovada numa notícia do jornal Eco em Setembro do ano passado e, cereja em cima do bolo, reconfirmada pelo próprio André Carvalho Ramos no LinkedIn [se, entretanto, ele pensar na ‘chico-espertice’ de apagar o registo, está aqui para memória futura].
Mas, para a ERC, apesar do nome de André Carvalho Ramos continuar a estar no site do curso (que não tem características académicas, por ausência de ECTS, logo é um simples media training, incompatível com a profissão de jornalista), existe um ‘sacrossanto’ direito ao contraditório para eliminar os factos. Na prática, isto significa que a verdade factual pode ser contestada não com provas, mas com declarações de quem tem interesse em desmenti-la. Assim, um mecanismo que deveria servir para enriquecer a investigação jornalística passou a ser um expediente para diluir a responsabilidade de quem é alvo de uma reportagem.
[Já agora, se se quiser escrever, como já se escreveu, que André Carvalho Ramos continua a constar nos formadores do mesmo curso a iniciar em Outubro deste ano, também se deveria dar-lhe um ‘direito ao contraditório’, ou mandar-se a ERC às malvas?]
Cartaz do curso de media training (sem ECTS, portanto sem créditos universitários), organizado pela GCI Media e Universidade Europeia. Como não tem créditos universitários nem sequer se pode assumir que exista corpo docente; apenas formadores.
Se o jornalismo quiser recuperar a sua função essencial – a de expor factos com base na melhor evidência disponível – tem de rejeitar esta visão burocrática e estéril do contraditório. O Código Deontológico dos Jornalistas precisa de ser revisto, clarificando que a comprovação dos factos não depende da aceitação das partes interessadas, mas da força das evidências apresentadas.
O jornalista, com a sua credibilidade e seriedade – sem ingerências de uma ERC, que não aprecia ser investigada e se ‘vinga’ do PÁGINA UM sempre que lhe dão uma oportunidade -, é o garante de um serviço público essencial, e não deve permitir que o seu trabalho seja um simples palco para relativismos factuais onde a verdade depende sempre de quem tem direito de antena.
O jornalismo é, antes de tudo, um exercício de rigor e de compromisso com a verdade factual. E de confiança com os leitores. O jornalismo verdadeiro e íntegro não é uma caixa de ressonância para declarações convenientes, nem uma plataforma para relativizações artificiais que, sob a capa da imparcialidade, apenas servem para diluir evidências concretas. Contudo, nos últimos tempos, tem-se tentado impor uma ideia perniciosa ao exercício do jornalismo: a obrigatoriedade de um alegado “direito ao contraditório”, como se o dever de comprovar factos fosse substituível pela necessidade de garantir espaço a quem se sente desconfortável com a sua revelação.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que teoricamente deveria defender a liberdade editorial da imprensa, volta e meia incide as suas deliberações sobre este falso problema, ao considerar que um jornal deve conceder destaque a todas as opiniões em pé de igualdade, mesmo quando os factos noticiados se sustentam em provas documentais inequívocas. Sucedeu agora, mais uma vez, com um jornalista promíscuo da TVI, André Carvalho Ramos, que teve – e tem agora de novo – o seu nome associado a uma formação (não-universitária) de media training dirigida a gestores e executivos, organizada por uma agência de comunicação dirigida pelo filho deo ex-primeiro-ministro António Costa.
A ERC censurou o PÁGINA UM por, apesar das evidências documentais, achar que alegado “direito ao contraditório” deveria ter sido respeitado numa investigação que envolvia três dezenas de jornalistas, alguns dos quais (14) até foram identificados pelo próprio reguador.
A exigência do “direito ao contraditório” é particularmente absurda quando aplicada a este caso concreto: uma peça sobre promiscuidade jornalística, onde cada menção é acompanhada por documentos que sustentam as ligações de jornalistas a entidades que deveriam escrutinar.
Ou seja, apesar de o trabalho se basear em evidências objectivas, a ERC decide insistir que deveria ter sido dado espaço a cada um dos visados para apresentar uma versão alternativa – ainda que não haja margem para interpretação de documentos e provas que atestam o que foi relatado. Os factos existem, mas podem ser negados ou esvaziados por uma simples declaração dos visados.
Esta ideia de “direito ao contraditório” aplicado de forma absoluta ao jornalismo não encontra sequer sustentação na Lei da Imprensa nem no Código Deontológico dos Jornalistas. Aquilo que tanto a legislação como o código exigem é que os factos sejam comprovados, ouvindo as partes atendíveis – e deduz-se que essa ‘audição’ serve para confirmar os factos, e nem tal implica que se tenha que transpor todos os comentários. Aquilo que a lei e o código não dizem é que cada notícia tenha de ser um palco de encenações onde qualquer denunciado tenha a oportunidade de relativizar ou distorcer uma verdade documentalmente sustentada.
Nem a lei nem o código dizem, em parte alguma, ser uma obrigação de um jornalista é ouvir todos os envolvidos. Essa é uma escolha editorial, sob a qual pode pender responsabilidade – mas é uma escolha que jamais pode implicar a visão maniqueísta da ERC: há contraditório, há rigor; não há contraditório, não há rigor. Note-se o absurdo: invente-se um facto e oiça-se todas as partes, a ERC dá o OK; comprovem-se facto e decide-se se se mostra relevante ouvir todas as pessoas, e a ERC censura.
A ERC tem de terminar com este tipo de ingerências editoriais, até porque a sua visão é enviesada, e pouco lhe importa a veracidade dos factos. Aquilo que se estabelece é que um órgão de comunicação social tem o dever de assegurar a veracidade das informações publicadas e que os factos apresentados sejam suportados por elementos objetivos – o que, num trabalho baseado em documentos, é plenamente garantido, como tem sido apanágio do PÁGINA UM.
A imposição editorial feita pela ERC sobre esta matéria do “contraditório” não apenas representa uma interferência indevida na liberdade editorial como também pode distorcer a própria percepção do leitor. Se um jornalista revela um facto sustentado por provas documentais e é obrigado a publicar uma resposta de alguém que, sem desmontar a prova, apenas contesta ou nega o seu conteúdo, cria-se artificialmente uma dúvida onde esta não deveria existir. O jornalismo não pode ser refém de uma falsa imparcialidade, que dá o mesmo peso ao documento que prova e à declaração que desmente sem fundamento. O jornalista é um mediador e intérprete da realidade; não um mero pé de microfone.
Se levássemos esta lógica ao extremo, seria necessário, por exemplo, que:
• Sempre que se noticiava uma acusação judicial, fosse obrigatória a audição do arguido por parte do jornalista, independentemente das provas nos autos.
• Quando um sindicato denunciasse uma política ou medida do Governo, o mesmo espaço teria de ser dado ao Governo, sob pena de “falta de contraditório”.
• Sempre que uma peça se baseasse em estatísticas criminais, se tivesse de ouvir simultaneamente polícias e ladrões para dar “as duas versões”.
Este absurdo revela a falácia da argumentação: não é função do jornalismo criar um equilíbrio artificial entre factos e versões. A função do jornalismo é interpretar, conferir, validar e apresentar os factos da forma mais clara e rigorosa possível, assegurando que provas físicas e documentos oficiais não sejam diluídos por declarações defensivas que apenas visam confundir o público.
Foto: PÁGINA UM
É importante ainda notar que o contraditório não se confunde com o direito de resposta. A Lei da Imprensa salvaguarda todas as partes, prevendo expressamente este último, permitindo que qualquer visado por uma notícia possa publicar a sua posição quando se sinta injustiçado ou prejudicado.
O PÁGINA UM – e eu, em particular – já exerceu esse direito noutros órgãos de comunicação social; já publicámos direitos de resposta (como, aliás, nesta edição). Mas isso não significa que o jornalista tenha a obrigação prévia de lhe dar espaço na construção da notícia, sobretudo quando os factos apresentados são incontroversos e se baseiam em documentação robusta.
A exigência da ERC não é apenas errada do ponto de vista legal e jornalístico – é também profundamente perversa na forma como condiciona o trabalho dos jornalistas. O seu efeito prático é claro: criar obstáculos para que determinadas verdades sejam ditas. Se cada jornalista souber que, para noticiar um facto comprovado, terá de gastar tempo e espaço com reações que nada acrescentam ao esclarecimento do público, a tendência natural será evitar determinados temas. E este, no fundo, parece ser o objetivo – desincentivar a investigação, protegendo aqueles que prefeririam que certos factos permanecessem desconhecidos.
A liberdade de imprensa não pode ser condicionada por exigências formais – melhor dizendo, artificiais – que nada acrescentam ao rigor do jornalismo. O contraditório pode ser útil e desejável em muitos casos – e o PÁGINA UM usa-o, preferindo chamar-lhe comentário -, mas a sua imposição como regra cega transformará o jornalismo numa arena de relativismo, onde a verdade dos factos é apenas mais uma “opinião” entre tantas.
No PÁGINA UM, não caímos nesse jogo, mesmo correndo o risco de sucessivis bitates da ERC sobre a forma de deliberações que nem sequer podem ser contestadas em tribunal, porque a esse nível valem como meras opiniões, mesmo se irritantes. Uma coisa é certa e garantimos aos leitores; tudo o que publicamos como notícia é sustentado por provas. Em factos. E o jornalismo são factos, interpretações e comentários; não um palco do comntraditório.
A emancipação das mulheres não é uma causa de ocasião. É um princípio essencial de justiça social e de progresso civilizacional. Durante séculos – ou mesmo milénios –, as mulheres foram relegadas para um estatuto subalterno, privadas de oportunidades, silenciadas na sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento humano.
Essa opressão, em muitas geografias, ainda hoje se mantém, impedindo milhões de mulheres de viverem condignamente. Mas nas sociedades modernas, como a portuguesa, se é certo que ainda há obstáculos e desigualdades, também é verdade que estamos em plena transformação estrutural. O esforço, a perseverança e o talento de muitas mulheres têm conduzido a um reequilíbrio progressivo, e até justamente a tender para o seu lado – visível, por exemplo, nos rankings escolares e na crescente presença feminina no ensino superior, na Administração Pública e em diversos sectores empresariais. Prevejo que não seremos, no futuro, sociedades matriarcais, mas seremos, por certo, sociedades mais equilibradas e harmoniosas.
Licínia Girão, presidente da CCPJ.
Essa evolução, contudo, não pode ser – e seria errado se fosse – travada por um paternalismo mal disfarçado quando se avalia o desempenho das mulheres. A igualdade plena não se alcança com condescendência ou com protecção indevida. Se queremos uma sociedade justa, então temos de julgar homens e mulheres pelos mesmos critérios, sem benevolência selectiva. Se uma mulher ocupa um cargo de relevância pública e nele se revela incompetente, deve ser denunciada com o mesmo rigor e vigor que qualquer homem na mesma posição. Não há mérito na tolerância excessiva quando essa tolerância permite a mediocridade e a prevaricação.
Quando, em 2022, comecei a escrever sobre Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), fi-lo com a reserva e a contenção que o estatuto do cargo impõe. Mas rapidamente se tornou evidente que essa contenção não era compatível com a gravidade dos factos. Licínia Girão não só não reunia os requisitos legais para ocupar o cargo – pois deveria ser “jurista de mérito”, e não o era –, como desde então demonstrou uma conduta inaceitável, marcada pela arbitrariedade, pelo abuso de poder e pela perseguição a jornalistas independentes.
Aceitei estoicamente os ataques que me dirigiu após as notícias que escrevi sobre a sua formação e a sua actuação apenas como presidente da CCPJ. Em resposta, fez ela, com Jacinto Godinho – o qual, apesar de ser um jornalista de mérito, revela carácter mesquinho – um parecer inédito para me criticar por um artigo em que expus a promiscuidade de um médico que acabou exonerado do Infarmed. Abriu-me ela, como líder de um Secretariado sem registos (sem actas) processos disciplinares por investigações jornalísticas legítimas, incluindo uma sobre Gouveia e Melo – numa tentativa evidente de o proteger de suspeitas de prevaricação – e outra sobre a IURD.
Jacinto Godinho, jornalista da RTP e ‘braço direito’ de Licínia Girão no Secretariado da CCPJ.
Gastou ela seis mil euros da CCPJ para me processar judicialmente. Aliou-se ao então presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, João Paulo Menezes, para tentar censurar o meu trabalho jornalístico que incidia sobre o seu percurso profissional, tema relevante jornalisticamente. Recusou ela, de forma inqualificável, pedidos de acesso a documentos da própria CCPJ, obrigando o PÁGINA UM a avançar com duas intimações em tribunal para fazer valer o direito à informação.
Agora, num último acto de vilania institucional, Licínia Girão ataca Elisabete Tavares – jornalista do PÁGINA UM e, declaro como ‘conflito de interesses’, minha companheira desde 2021 [anterior à fundação deste jornal]. A Elisabete Tavares tem um passado jornalístico (e de vida) impoluto, imaculado, de uma idoneidade a toda a prova – e não merecia, do ponto de vista pessoal, um ataque institucional ad hominem, apenas e somente por um ‘crime’ aos olhos de Licínia Girão e de quem ainda lhe admite ‘vendettas’: trabalhar no PÁGINA UM. E pior: vindo do seio do jornalismo que ela tem servido – e não ‘se servido’, como muitos – ao longo de mais de duas décadas.
Licínia Girão, que se diz jornalista, usou uma instituição ao serviço dos jornalistas para fazer algo que seria inadmissível em qualquer Estado democrático: usar o poder para abusar do poder, vingar-se de jornalistas incómodos, afrontando a liberdade de imprensa com actos que configuram crimes de prevaricação e de obstrução ao livre exercício do jornalismo.
Por tudo isto, e pesando bem as palavras, Licínia Girão é uma mulher sem qualidades. Jamais deveria ter ocupado este cargo. O seu mandato é um exemplo claro de como não deve ser exercido o poder, e a sua escolha deve ser lembrada apenas para evitar futuras repetições deste erro.
Que fique, porém, ainda registado: Licínia Girão foi cooptada por outros oito jornalistas, a saber: Jacinto Godinho, Anabela Natário, Miguel Alexandre Ganhão, Isabel Magalhães, Cláudia Maia, Paulo Ribeiro, Luís Mendonça e Pedro Pinheiro. Que também eles respondam pelo que ajudaram a criar.
Este texto teve um direito de resposta de Licínia Girão que pode ser lido AQUI.
O PÁGINA UM repudia com veemência as afirmações proferidas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), e particularmente do seu Secretariado, presidida por Licínia Girão, que esta tarde, ao tentar justificar um claro abuso de poder e de liberdade de imprensa no caso da (não) renovação do título da jornalista Elisabete Tavares, recorreu a um comunicado recheado de sofismas, omissões e distorções legais, que claramente demonstram má-fé, dolo e ignorância dos procedimentos administrativos de uma entidade pública. Quis, mais uma vez a CCPJ, atirar lama contra o PÁGINA UM através de mais um expediente, que por não ser o primeiro nem o segundo se desconfia não ser o último, sendo enquadráveis numa atitude de falta de transparência e de idoneidade desta entidade.
FALÁCIAS LEGAIS E INTERPRETAÇÕES ENVIESADAS
A CCPJ afirma que a revalidação de uma carteira profissional deve seguir o Estatuto do Jornalista e os regulamentos internos, como se, para o caso da jornalista Elisabete Tavares, estivesse a cumprir a lei e as normas. Não está.
No entanto, ao longo dos anos, a renovação de carteiras profissionais de jornalistas com mais de 10 anos de experiência tem sido um procedimento rotineiro e estritamente administrativo que demora poucos dias. Na verdade, administrativamente, menos tempo que a escrita de um comunicado de 29 pontos. O bloqueio arbitrário no caso de Elisabete Tavares, e a sua retirada da base de dados dos jornalistas, demonstra um desvio à prática comum, que apenas pode ser entendido como uma retaliação contra o PÁGINA UM.
Ademais, o prazo de 60 dias alegado pela CCPJ é do envio da carteira (física) profissional, para poder ser ostentada presencialmente pelo jornalista nas condições em que tal se mostra necessário; não se refere ao prazo obrigatório para a CCPJ proceder à renovação, ainda mais no regime simplificado para profissionais com mais de 10 anos de actividade. Nestes casos, sendo feito o requerimento, basta verificar que o jornalista cumpre esse requisito para uma renovação. Houve intencionalidade da CCPJ para deixar caducar a carteira profissional da jornalista Elisabete Tavares e, com esse expediente, eliminá-la da base de dados dos jornalistas.
INCOMPATIBILIDADES FABRICADAS PARA JUSTIFICAR PERSEGUIÇÃO
Alega a CCPJ que a eventual incompatibilidade de um jornalista deveria ser considerada no momento da renovação, contrariando a lei e aquilo que sempre tem sido prática. é completamente falso, e apenas justificável numa CCPJ presidida por uma falsa ‘jurista de mérito’, que haja possibilidade de “não renovação do título enquanto subsistir a incompatibilidade e durante os prazos de impedimento”. Primeiro, porque são procedimentos autónomos – a emissão e renovação está prevista na secção I do Decreto-Lei nº 70/2008 – e a suspensão e cassação na secção II. A cassação e a suspensão são processos administrativos distintos, que devem ser instaurados com os formalismos legais, algo que jamais foi feito.
Qualquer incompatibilidade que suscite dúvidas deve ser tratada em processo autónomo e separado do processo de renovação, com possibilidades de defesa até trânsito, podendo chegar ao Tribunal Administrativo. Essa análise de incompatibilidades jamais pode determinar uma suspensão da renovação da carteira e muito menos a eliminação do nome do jornalista da base de dados, que sendo pública constitui a forma de qualquer pessoa conferir se determinada pessoa é jornalista.
Além disso, a alegada e espúria incompatibilidade da jornalista Elisabete Tavares desencantada agora pela CCPJ diz respeito à moderação de um debate num congresso realizado em Março de 2022, ou seja, entre essa data e a actualidade, a CCPJ já concedeu uma renovação. O requerimento para essa renovação foi então feita em 29 de Dezembro de 2022 pela jornalista Elisabete Tavares e concedida pela CCPJ, sem qualquer pergunta, em 14 de Janeiro de 2023. Existem dúvidas sobre a má-fé da actual CCPJ?
DISPARIDADE DE TRATAMENTO E O DUALIDADE DE CRITÉRIOS
A CCPJ, ao tentar justificar a sua decisão, esquece também convenientemente que outras duas jornalistas participaram no mesmo evento que agora pretende usar contra Elisabete Tavares. Nem Teresa Silveira (do jornal Público) nem Isabel Martins (da revista Mundo Rural) tiveram, entretanto, qualquer problema com a renovação das suas carteiras. Além disso, esquece convenientemente, que em anteriores mandatos, houve jornalistas que solicitaram esclarecimentos sobre se a moderação de congressos caía nas incompatibilidades do Estatuto do Jornalismo, mesmo sendo claro que não. E a resposta da CCPJ foi que não existiam incompatibilidades? O que justifica esta dualidade de critérios? Será necessário fazer a lista das centenas de jornalistas que moderaram debates em congressos? Ou estamos apenas perante uma descarada acção para só atingir o PÁGINA UM e os seus jornalistas.
MENTIRAS SOBRE O ESTATUTO DOS JORNALISTAS EM SITUAÇÃO DE RENOVAÇÃO
A CCPJ tenta desvalorizar a gravidade do impedimento administrativo de Elisabete Tavares, com base em fundamentos ilegais, afirmando que o facto de o seu nome desaparecer da base de dados é um mero efeito técnico. No entanto, sabe-se que a ausência de nome na base de dados pode ser utilizada para criar entraves legais e administrativos ao exercício da profissão, ou mesmo fazer acusações na praça pública, algo que o PÁGINA UM não pode permitir. No ponto 28 do seu comunicado, a CCPJ tem o descaramento de confessar que este ‘desaparecimento’ causa “constrangimentos”, mas pouco se importa que tal situação suceda única e exclusivamente por sua responsabilidade. E ainda se faz de ingénua quando afirma que pode emitir “um documento comprovativo de que o pedido foi efectuado dentro do prazo e está em análise”. Então, e qual a razão para não ser feito por regra? Não há dinheiro para isso, mas há 6.000 euros para pagamento de serviços jurídicos para processar o director do PÁGINA UM?
PERSEGUIÇÃO RECORRENTE E O USO DE DINHEIRO PÚBLICO PARA FINALIDADES QUESTIONÁVEIS
Não é a primeira vez que a CCPJ, sob a liderança de Licínia Girão, adopta expedientes administrativos duvidosos para atacar o PÁGINA UM, abrindo-me até processos disciplinares sobre investigações jornalísticas em curso e fazendo mesmo queixa no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas com recurso a expedientes pidescos. Vale lembrar sempre que Licínia Girão, que preside a uma entidade que constitui o ponto focal da lei anti-SLAPP, decidiu gastar 6.000 euros em serviços jurídicos para processar-me pessoalmente, numa acção que acabou por ser abandonada devido à pressão de vários membros. Além disso, Licínia Girão até esconde a acta do Plenário da CCPJ onde tal questão foi debatida, o que me obrigou a uma intimação, em curso, no Tribunal Administrativo de Lisboa. O uso de dinheiro público para perseguição política e pessoal é inaceitável e tem de ser devidamente investigado.
RESISTÊNCIA E TRANSPARÊNCIA
O PÁGINA UM não cederá a tácticas intimidatórias e de vitimização da CCPJ, que usa de poderes públicos e administrativos para atacar um projecto jornalístico independente, que tem incomodado os poderes e, em grande parte, também as promiscuidades na imprensa e no jornalismo. Com este caso da renovação do título da jornalista Elisabete Tavares, com um passado e um presente irrepreensíveis do ponto de vista ético e deontológico, e uma vasta e reconhecida experiência profissional, a CCPJ deseja tão-só arrastar o PÁGINA UM para o chavascal que se tem tornado o jornalismo português, para que assim não possamos manter publicamente a imagem imaculada.
Posto isto, a CCPJ pode continuar a recorrer a expedientes mesquinhos, a comunicados inqualificáveis, mas não conseguirá abalar a nossa determinação na defesa da liberdade de imprensa. E mais: agiremos judicialmente se a renovação não for diligenciada num prazo curto ou se não for enviado comprovativo para o exercício da profissão com a imediata recolação do nome da Elisabete Tavares na base de dados dos jornalistas.
De resto, houve em tempos alguém que defendeu que, aprestando-se o fim do exercício de um cargo, se deveria permitir que o incumbente terminasse o mandato com dignidade. No caso de Licínia Girão, a haver dignidade, então recorro ao nosso ‘cronista’ Brás Cubas: deveriam aplicar, de forma metafórica, a esta senhora um estímulo locomotor à maneira espartana.
Uma nota final: apesar da CCPJ afirmar que nenhuma sanção se aplica a um jornal por admitir ou manter ao seu serviço um jornalista que esteja a aguardar decisão para renovação, o PÁGINA UM não publicará qualquer artigo noticioso da jornalista Elisabete Tavares enquanto a CCPJ mantiver abusiva e ilegalmente a decisão de não revalidar o seu título profissional. Aceitar que a CCPJ prolongue uma decisão é estar a aceitar um acto de abuso de poder e ‘legitimar’ atentados à liberdade de imprensa. Os membros da CCPJ – que, aliás, são jornalistas de profissão – não são os donos dos jornalistas nem estes lhes têm de prestar vassalagem.
Este é um dos momentos em que o PÁGINA UM precisa da força dos seus leitores, porque é nos seus leitores que, na verdade, se alimenta.
Desde a sua fundação, o PÁGINA UM tem pautado a sua actuação pelo jornalismo independente, recusando qualquer tipo de conivência com os poderes instituídos e denunciando sistematicamente os abusos, as falhas de transparência e as práticas que minam a credibilidade dos media em Portugal. A nossa missão tem sido clara: informar com rigor, sem receios, sem cálculos de conveniência e sem submeter-se a qualquer agenda alheia ao interesse público.
No entanto, essa independência tem um custo. E os ataques contra o PÁGINA UM têm-se intensificado, vindos daqueles que deveriam zelar pela liberdade de imprensa e pelo exercício digno do jornalismo. A mais recente manifestação dessa perseguição surge da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), liderada por Licínia Girão, que bloqueou arbitrariamente a revalidação da carteira profissional de Elisabete Tavares, uma das colunas do nosso jornal.
A pretexto de um não-facto remoto – a moderação de um só debate sobre mercados agrícolas em 2022, de não tem qualquer carácter comercial nem de promoção, onde até estiveram mais duas jornalistas (Público e Mundo Rural) –, a CCPJ decidiu, de forma inédita e injustificável, não renovar do título profissional de Elisabete Tavares, pelo que a sua carteira se encontra caducada e colocando-a numa situação de irregularidade e constrangendo directamente a actividade do PÁGINA UM. Note-se que as duas outras jornalistas mantêm as suas carteiras profissionais válidas.
Saliente-se que a moderação de conferência, como jornalista, a título gratuito ou remunerado, não constitui qualquer incompatibilidade no âmbito do Estatuto do Jornalista. Nada tem a ver com a gravidade da produção de notícias por jornalistas sob contratos de empresas privadas ou entidade públicas; nada tem a ver com as funções de consultoria e media training ou ainda de uso de jornalistas para concretização de media partner sob a forma de prestação de serviços.
Além da tentativa da CCPJ de querer arrastar uma jornalista do PÁGINA UM para a ‘lama da promiscuidade’ da imprensa generalista, a recusa de validar a renovação é um acto ilegal e de abuso de poder, uma vez que os jornalistas com mais de 10 anos de actividades – como é o caso da Elisabete Tavares, que conta 14 renovação bianuais – têm um sistema de renovação simplificado. Ou seja, é um mero acto administrativo sem avaliação prévia.
Por isso, ao não conceder a renovação e deixando caducar a carteira profissional, constitui mais um acto discriminatório e persecutório da CCPJ contra um órgão de comunicação social independente, que tem sido incómodo para os poderes instituídos. Esta decisão, sem precedentes conhecidos, levanta sérias dúvidas sobre a isenção e os critérios da CCPJ. A mesma entidade que não questiona incompatibilidades evidentes de jornalistas ligados a grandes grupos empresariais e políticos, opta por usar um critério duplo para atacar directamente um meio independente.
A CCPJ ‘eliminou’ ontem o nome da jornalista Elisabete Tavares da base de dados onde constam os profissionais que podem exercer jornalismo em órgãos de comunicação social numa atitude de abuso de poder, de prevaricação e de atentado à liberdade de imprensa.
A CCPJ já recorreu, no passado, a processos disciplinares e expedientes administrativos contra o PÁGINA UM, chegando mesmo a gastar 6.000 euros em serviços jurídicos para intentar um processo judicial contra mim, simplesmente porque denunciei factos inconvenientes para a sua presidente. A obsessão da CCPJ em retaliar contra a imprensa independente tornou-se tão evidente que já não há qualquer dúvida: estamos perante um caso de abuso de poder e de prevaricação, com claros contornos de atentado à liberdade de imprensa.
Perante esta situação gravíssima, o PÁGINA UM não se deixará intimidar. Já tomámos as devidas providências jurídicas para exigir a revalidação da carteira profissional de Elisabete Tavares e para responsabilizar os autores deste acto de perseguição. Até lá, e como forma de protesto, a cada dia que esta injustiça persistir, substituiremos uma manchete de Elisabete Tavares por uma faixa negra, assinalando a censura administrativa a que estamos sujeitos.
Apelamos, também, à solidariedade e acção dos leitores do PÁGINA UM. Instamos assim os nossos leitores a manifestarem junto da CCPJ o seu repúdio por esta vergonhosa tentativa de silenciamento. Exijam, como cidadãos livres e informados, que cessem de imediato estas práticas abusivas que atentam contra os princípios democráticos e contra o direito fundamental de acesso a uma informação livre e independente.
Não cederemos. E muito menos com apoio dos nossos leitores, continuaremos a fazer aquilo que sempre fizemos: jornalismo independente, com coragem e integridade.
O PÁGINA UM nunca fez concessões. Nunca cedeu à promiscuidade que contamina os media tradicionais e compromete a independência jornalística. Na verdade, desde a sua fundação, tem denunciado os abusos, a falta de transparência e a parcialidade de instituições que deveriam zelar pelo rigor da profissão.
Revelámos jornalistas ‘comerciais’, que apresentavam eventos promocionais, que tinham empresas de comunicação, que fazia media training, que exerciam sem título profissional. Revelámos também a ‘mercantilização’ do jornalismo por empresas de media, através de parcerias comerciais que colocavam em causa a independência editorial, e mesmo ingerências inaceitáveis. Fomos também o primeiro jornal a falar abertamente da crise financeira dos media portugueses (Global Media e Trust in News, por exemplo) e de como minava a credibilidade da imprensa. Fizemo-lo sempre com consciência do nosso dever e respeito pelas normas deontológicas.
Mas esta integridade tem um custo, sobretudo dentro da classe. Por exemplo, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), uma entidade pública mas representada apenas por jornalistas, sob a liderança de Licínia Girão, tem demonstrado uma obsessão persecutória em relação ao PÁGINA UM, sobretudo a partir do momento em que exigimos informação e criticámos a sua acção, chegando a recorrer a expedientes administrativos questionáveis para dificultar a nossa actividade. A mais recente prova desta actuação é o caso da jornalista Elisabete Tavares, que constitui uma das ‘colunas’ do PÁGINA UM, cuja revalidação da carteira profissional foi agora arbitrariamente bloqueada pela CCPJ.
A pretexto (explícito) de uma moderação realizada num congresso sobre mercados agrícolas no longínquo ano de 2022, uma função que nunca foi considerada incompatível com o exercício do jornalismo, a CCPJ decidiu, a dois dias da expiração do prazo da carteira, levantar uma questiúncila que, a existir em hipótese meramente académica, deveria ter sido tratada em processo autónomo. Ou seja, uma hipotética incompatibilidade que pode levar à cassação da carteira profissional jamais pode ser feita em sede de revalidação, mas sim através de um procedimento autónomo, como está a ser feito. O prazo de validação da carteira que, em profissionais com mais de 10 anos, demora menos de duas semanas, só poderia ser cumprido por ser um mero acto administrativo. Mas no ‘mandato’ de Licínia Girão as leis são coisas abstractas.
A consequência deste absolutamente ridículo ‘não-caso’ foi a caducidade do registo profissional de Elisabete Tavares. Ontem, dia 31 de Janeiro era o último dia de vigência do antigo título, e o nome da Elisabete Tavares estava na base de dados da CCPJ. Hoje, dia 1 de Fevereiro, num sábado, o nome da Elisabete Tavares deixou de constar na base de dados de jornalistas, colocando-a numa situação de irregularidade e criando um constrangimento operacional ao PÁGINA UM. Vejam a celeridade.
Note-se, aliás, que estar a CCPJ a suscitar a eventual incompatibilidade da Elisabete Tavares por exercer a função jornalística de moderadora num congresso não é apenas absurdo – até face às promiscuidades reinantes na imprensa -, é estúpido. E isto porque, nesse mesmo congresso, estiveram também presentes, como moderadoras de debates, outras duas jornalistas: Teresa Silveira, do jornal Público, e Isabel Martins, directora da revista Mundo Rural. Ambas continuam, em 2025, justamente com a carteira profissional activa.
Esta decisão, tomada sem precedentes conhecidos, levanta sérias dúvidas sobre a isenção e os critérios da CCPJ. A mesma entidade que nunca levantou problemas em relação a figuras como Francisco Pinto Balsemão, que manteve a carteira profissional apesar de funções empresariais incompatíveis, ou a jornalistas que exerceram actividades paralelas sem questionamento, opta agora por aplicar um duplo critério para atingir o PÁGINA UM.
A perseguição não é nova. E desconfia-se que não terminará se não lhe puserem cobro por força da lei. A CCPJ já recorreu a processos disciplinares contra mim e pareceres dúbios para tentar descredibilizar este jornal. A própria Licínia Girão gastou mesmo 6.000 euros da CCPJ em serviços jurídicos para me processar, porque não apreciei notícias verdadeiras. Teve de desistir do processo por pressão dos seus colegas, mas o gasto foi assumido ilegitimamente pela CCPJ. Em tudo, o objectivo é evidente: criar dificuldades, desacreditar e condicionar a nossa actuação. Mas se a estratégia passa pela intimidação, a resposta será a mesma de sempre: resistência e transparência.
Este caso, porém, ultrapassa as marcas, por ser uma descarada tentativa de nos puxar para o seu ‘chiqueiro’. A CCPJ quer, por certo, que o PÁGINA UM tenha notícias de uma jornalista sem carteira profissional válida – mesmo se por uma estrategia ínvia e maldosa -, de modo a que possa apontar-nos ‘telhados de vidro’ e, no limite, poder até aplicar-nos uma coima, porque aquilo que a outros é permitido, ao PÁGINA UM seria penzalizado. Não sou ingénuo a esse ponto.
Por isso, já solicitámos intervenção jurídica para exigir a imediata revalidação da carteira profissional de Elisabete Tavares e eventualmente apresentar queixa por abuso de poder e atentado à liberdade de imprensa. Enquanto esta situação persistir, e porque o Estatuto do Jornalista não permite,e é uma lei, o PÁGINA UM fica impedido de publicar artigos e trabalhos jornalísticos da jornalista Elisabete Tavares, condicionando assim a edição do jornal. Podíamos ignorar esta sacanice da CCPJ, mas isso seria um ‘convite’ a que pudessem fazer mais e acusarem-nos, usando até outra imprensa, de estarmos a ser incoerentes, usando uma jornalista sem carteira válida, independentemente da forma como tal sucedeu.
Assim, diariamente, e em substituição de uma eventual notícia que seria publicada pela Elisabete Tavares publicaremos uma manchete negra em protesto contra esta afronta à liberdade de imprensa. Até porque não se trata apenas de um caso isolado, mas de um sinal preocupante do estado da regulação jornalística em Portugal. Pedimos, assim, a compreensão dos nossos leitores para eventuais constrangimentos na edição do PÁGINA UM, dado que somos apenas dois jornalistas a tempo inteiro, agora reduzidos a um. Esperamos também a solidariedade.
E há um aviso: a CCPJ, e a sua ainda presidente, Licínia Girão, pode continuar a recorrer a torpes e mesquinhos subterfúgios administrativos, mas não conseguirá desviar-nos do nosso compromisso com um jornalismo independente. E se continuar, terá de ser responsabilizada pelos seus actos. O PÁGINA UM continuará a denunciar estas práticas e a expor os mecanismos que tentam condicionar a imprensa livre. É por isso que nascemos. E é isso que continuaremos a fazer.
Vivemos em Portugal há quase meio século num regime democrático, que gostamos de abrilhantar com descidas pela Avenida da Liberdade, que nos prometeu liberdade e igualdade e, pensava eu, transparência. Contudo, o cravo na lapela tornou-se mais símbolo do que substância.
O peito de muitos continua a encher-se de orgulho com discursos comemorativos e celebrações públicas, brandindo a ameaça de tempos sombrios se os partidos populistas ascenderem ao poder, mas por baixo da retórica subsiste um sistema cada vez mais corrompido, corrompendo valores e princípios, alimentado por compadrios, nepotismos e uma cultura de opacidade que mina os fundamentos da democracia. É aqui que reside a grande tragédia do nosso país: instituições que deveriam ser o pilar de uma sociedade justa tornaram-se cúmplices da perpetuação de um poder corrupto e ineficaz. E no epicentro dessa disfunção encontra-se a Justiça.
A democracia portuguesa gosta de se apresentar como uma das mais consolidadas da Europa – e olhe-se o desdém como se olha para os Estados Unidos, o que se torna risível –, mas na prática temos uma democracia em ponto pequeno. Não por falta de votos ou alternância política, mas pela ausência de maturidade institucional que distingue as democracias verdadeiramente funcionais das pseudo-democracias que proliferam pelo Mundo.
Em Portugal, a transparência é uma palavra oca, usada em discursos institucionais como adorno, mas raramente praticada. A Administração Pública, politizada até à medula, opera sob a égide da “lei da rolha”, protegendo os seus interesses de grupo e bloqueando, por todos os meios possíveis, o exercício de direitos fundamentais como o acesso à informação.
Ora, sem transparência, não há democracia. E sem uma Justiça célere e imparcial que garanta esse princípio, aquilo que temos não é um Estado de Direito, mas um estado de arbítrio. O recente episódio envolvendo o Conselho Superior da Magistratura (CSM) – numa ‘guerra jurídica’ de mais de três anos – é sintomático de uma cultura de opacidade institucional que degrada a confiança dos cidadãos nos órgãos que deveriam zelar pelo bem público.
Quando uma entidade como o CSM recusa sistematicamente o acesso a documentos administrativos, não estamos apenas perante um problema de ineficiência ou burocracia; estamos perante um atentado ao direito à informação, ainda mais perpetrado contra jornalistas. E o cúmulo da indignidade acontece quando a mesma entidade cede apenas após uma ordem judicial, não por respeito à transparência, mas porque o tribunal ameaça tocar no bolso do próprio presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Suprema indignidade ter de se chegar a esse ponto.
Pior é que este não é um caso isolado. No PÁGINA UM, temos acumulado, ao longo dos nossos três anos de existência, um conjunto de experiências que ilustram a sistemática recusa do Estado e Administração Pública em partilhar informações de interesse público. Desde contratos de aquisição de vacinas até processos administrativos que envolvem decisões políticas, o padrão é sempre o mesmo: a Administração Pública – que até inclui, hélas, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social – utiliza todas as manhas e artimanhas legais para evitar a divulgação de documentos.
Na maioria das vezes, somos forçados a recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) ou, mais frequentemente, aos tribunais administrativos. Estes processos, que deveriam ser céleres, tornam-se numa travessia penosa. Temos casos que se arrastam por anos a fio, como o dos contratos de aquisição das vacinas, que está há mais de dois anos em análise num tribunal administrativo. Sim, um processo de intimação, que por definição deveria ser urgente, torna-se um exercício de resistência.
Os custos desta batalha são elevados, e não apenas no plano financeiro. Até agora, gastámos mais de 20 mil euros em batalhas judiciais, um valor diminuto mesmo assim porque contamos com o apoio generoso de advogados que praticamente trabalham pro bono. Mas pagámos já milhares e milhares de euros em taxas de justiça – supremo deboche de um Estado que beneficia da sua falta de cultura democrática.
O desgaste emocional e o tempo consumido são incalculáveis. Entre a vontade de meter mais casos nos tribunais administrativos e a convicção de que haverá uma luta titânica de meses e anos, fico sempre com a sensação que, mesmo quando ganhamos, perdemos. Na verdade, a sociedade perde sempre.
Aliás, no recente caso contra o CSM, é certo que conseguiremos finalmente o acesso integral aos documentos, incluindo a possibilidade de os fotografar – é uma vitória, que se aplicará a outros casos. Contudo, como reagir quando, nesta luta de três anos, de prepotências dos magistrados do CSM, mesmo ganhando acabamos “condenados” a pagar custas porque, segundo o tribunal, não se provou má-fé da parte do CSM nem havia lugar a pagamento de indemnização por um processo que durava há três anos. Que lógica perversa é esta, em que o ónus da transparência recai sobre quem a exige e não sobre quem a nega?
A pergunta que se impõe é esta: que Justiça é esta? Uma Justiça que deveria ser o garante da equidade transforma-se num instrumento de protecção do status quo do Estado e da Administração Pública. Uma Justiça que deveria punir abusos de poder torna-se cúmplice dos mesmos. Quando os cidadãos olham para o sistema judicial e veem lentidão, opacidade e decisões que parecem proteger os mais poderosos, a democracia não resistirá.
Se esta postura institucional não mudar, a começar pelas cúpulas da Justiça, resta-me a amarga conclusão de que o estúpido, nesta história toda, sou eu, por acreditar que, neste país, a transparência é algo que se pode alcançar sem ser necessário anos de luta nos tribunais.
N.D. As ilustrações foram produzidas com recurso a inteligência artifIcial.
Ontem, antecipámos uma notícia desta edição do PÁGINA UM com uma análise económica e financeira ao restaurante Solar dos Presuntos, que decidimos elaborar depois de o seu proprietário, Pedro Cardoso, se ter regozijado por um quarto dos seus empregados ser de origem nepalesa e de estar muito satisfeito. Chegámos à conclusão de que a empresa deste icónico restaurante lisboeta facturou cerca de 9,5 milhões de euros em 2023, contabilizou um lucro de 2,01 milhões de euros, dando, por isso, uma margem líquida de 21% – mais de sete vezes a média do sector –, mas, apesar disso, o salário líquido médio real diminuiu 24%.
Nas redes sociais, muitas críticas surgiram contra o PÁGINA UM, questionando o interesse, o rigor e a justeza da abordagem do jornal, defendendo o direito legítimo do empresário em investir e lucrar. Nada contra. A questão que procurámos intencionalmente levantar com este caso isolado – e o jornalismo também se faz de casos, quando estes representam uma tendência – não foi de legalidade, mas de ética. E a obrigação da imprensa é também questionar, incomodar, abalar, fazer reflectir, mesmo quando alguns leitores não concordam com a perspectiva do jornalista.
De facto, falar em ética salarial é no contexto da imigração um ponto essencial, porque isso é reflexo da forma como acolhemos os imigrantes, essencial para que não sejam um grupo a quem possamos “entregar” condições degradantes, mas também fundamental porque, directa e indirectamente, afecta o próprio rendimento dos portugueses e do próprio país.
Infelizmente, a discussão sobre imigração em Portugal tem-se restringido a quatro aspectos: a justeza humanitária em aceitar estrangeiros que lutam por uma vida mais digna; a necessidade de inverter a estrutura demográfica (com um saldo natural ainda bastante negativo); a importância relevante para a sustentabilidade da Segurança Social; e as questões de segurança, estas frequentemente usadas como bandeira por partidos populistas, como o Chega.
Contudo, outro debate deveria ser colocado como prioridade, centrado nas consequências económicas e sociais da imigração, sobretudo quando esta não é programada ou controlada também em função das qualificações e das necessidades reais do país. Não podemos salvar todo o mundo se, neste acto, nos matarmos e arrastarmos quem queríamos salvar. O impacto da imigração desregulada, em particular em sectores onde predominam os trabalhadores pouco qualificados, exige uma análise mais profunda e honesta, para além das percepções superficiais.
Grande parte dos imigrantes em Portugal, muito por via da (baixa) atractibilidade do país, tem poucas qualificações e, por isso, acaba por ocupar funções em sectores como agricultura, restauração, serviços de entregas e transportes. Muitos empregadores defendem que escolhem os imigrantes porque não encontram mão-de-obra portuguesa e que aqueles se mostram mais disponíveis e produtivos. Contudo, esta realidade esconde um problema complexo: a maioria destes trabalhadores é oriunda de países com rendimentos baixos e condições laborais péssimas. São pessoas que, ao chegarem a Portugal, conseguem sobreviver em condições quase desumanas – várias pessoas num quarto ou mais de uma dezena num apartamento. Esta “tropa” de trabalhadores alimenta, assim, sectores que, ao manterem salários baixos, almejam lucros extraordinários, que seriam inferiores se contratassem, a mais elevado custo, mão-de-obra portuguesa. Em muitos sectores, a Economia portuguesa ainda vive à custa de exploração humana.
Quem tem direito a presunto?
Se o país considerar que, sendo legal, não há problemas éticos em ter margens líquidas de 21% e, mesmo assim, pagar mal, as consequências desta dinâmica serão preocupantes, a médio e longo prazo. Por um lado, cria-se um grupo de imigrantes preso a um ciclo de baixos salários e sem oportunidades de ascensão social, dificultando a sua integração na sociedade. Por outro lado, para os portugueses, o influxo de mão-de-obra indiferenciada pressiona o mercado de trabalho, reduzindo salários em sectores menos qualificados. A relação entre oferta e procura torna-se desproporcional, afectando, assim, directamente todos os rendimentos, porque a Economia nunca é estanque.
A influência de pagamentos baixos a imigrantes no salário médio, mediano e modal mostra-se evidente. O salário médio tende a cair com o aumento da oferta de mão-de-obra barata. A mediana, que reflecte o ponto central na distribuição salarial, também é empurrada para baixo, especialmente em sectores onde os imigrantes aceitam remunerações mais baixas. Já a moda, o salário mais comum, aproximar-se-á do salário mínimo, indicando uma precariedade crescente. A segmentação do mercado laboral torna-se, assim, inevitável, com os trabalhadores qualificados protegidos do impacto imediato, enquanto os menos qualificados enfrentam maior insegurança.
Seria interessante uma actualização – que, a existir, não encontrei – de uma análise feita pelo Instituto Nacional de Estatística na segunda metade de 2023 sobre a distribuição da remuneração bruta mensal por trabalhador em 2021 que, no sector privado, no caso de trabalhadores com até ao terceiro ciclo do ensino básico, era, em média, de 1.114 euros, mas que descia para uma mediana de 933 euros. Ou seja, neste grupo, então formado por mais de 1,5 milhões de trabalhadores, metade ganhava menos do que 933 euros. E apenas 25%, ou seja, pouco mais de 380 mil trabalhadores, ganhavam mais de 1.231 euros. Actualizar estes valores e, sobretudo, aplicá-los à população imigrante seria essencial para um debate social sério e fulcral.
… e quem só pode comer torresmos?
Na verdade, Portugal precisa de uma estratégia para a imigração, que deixe de se focar no acolhimento por necessidade ou compaixão, e que reconheça as consequências estruturais deste fenómeno. As políticas públicas devem assegurar condições dignas para os imigrantes, mas, em simultâneo, proteger os trabalhadores nacionais, sem colocar um peso excessivo nos empresários. Aumentar o salário mínimo, regular as condições de trabalho e investir na qualificação e integração dos imigrantes podem ser medidas fundamentais para evitar a perpetuação deste modelo de exploração, mas a intervenção estatal deve ser conduzida com prudência e sem peso ideológico, de esquerda ou de direita, que, amiúde, cria viés e inviabiliza soluções equilibradas.
Certo é que o futuro de Portugal não pode ser construído à custa da degradação das condições de vida de uns, de baixos salários e da exploração de outros. Este é o verdadeiro debate que devemos ter, porque, no final, decidir entre comer presunto ou apenas torresmos não é somente uma questão de gosto, mas de ética e justiça social. E é a ética e a justiça social que nos faz (mais) humanos.
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Infelizmente, o Plano de Acção para a Comunicação Social, apresentado na semana passada pelo Governo Montenegro, não incluiu uma medida essencial: a moralização do sector dos media em Portugal. Quando digo moralização não é mera retórica; nem sequer significa que existe imoralidade. Antes fosse. Na verdade, os media sofrem hoje, em Portugal, de um processo de amoralidade – de uma completa ausência de moral, de uma compulsiva eliminação dos princípios éticos. A ideia de que o Jornalismo, tal como a Justiça, constitui um dos pilares da democracia foi subvertida; hoje, o Jornalismo e a Justiça tornaram-se subservientes e, em vez de funcionarem como ‘controladores’ do poder, sustentam-se agora, numa promiscuidade pornográfica, porque a troco de dinheiro ou de prebendas, no próprio poder. Mantêm-se como pilares para sustentar o Poder; de contrário, tudo cairá de podre.
Talvez o caso mais paradigmático – e portanto, não único, mas de maior gravidade – da amoralidade e da podridão do Jornalismo, e das suas promiscuidades, será a situação da Trust in News, a empresa unipessoal do empresário (e ex-jornalista) Luís Delgado, ‘dono’ de um império de 17 revistas supostamente vendidas pelo Grupo Impresa em 2018. Com um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News conseguiu um prodígio: em apenas seis anos de existência, acumulou dívidas ao Estado (Segurança Social e Autoridade Tributária e Aduaneira) de 17,1 milhões de euros, dívidas a instituições financeiras de 4,3 milhões de euros, dívidas a uma panóplia de fornecedores no valor de 11,1 milhões de euros e dívidas a trabalhadores de quase meio milhão de euros. Quem se cruzou na ‘vida’ da Trust in News ‘ganhou’ um calote.
Miranda Sarmento, Pedro Duarte e Luís Montenegro: o Governo decidirá se comportamentos de maus administradores na imprensa, lesivos até das finanças públicas, são toleráveis.
Não foi uma situação inesperada – desde o primeiro dia, Luís Delgado começou a não pagar ao Estado e aos fornecedores. As dívidas começaram em 2018, continuaram em 2019, subiram em 2020, aumentarem mais em 2021, incrementaram em 2022, e mantiveram o crescimento em 2023. Os alertas surgiram – e, por isso mesmo, houve processos judiciais contra os gerentes da Trust in News instaurados pelo Fisco logo em 2018 –, mas houve um ‘abafamento’ político. É necessário destacar que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar as dívidas astronómicas da Trust in News, em Julho do ano passado, perante o silêncio do Governo – Fernando Medina recusou comentar por diversas vezes as nossas notícias – e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
A então directora da revista Visão, Mafalda Anjos, chegou a rotular de “fantasiosos” os trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM. E, durante largos meses, a imprensa mainstream, quase toda com dificuldades financeiras, foi ‘escondendo’ o elefante que se passeava pela sala. E a ERC ‘assobiava’ para o ar. Até que, na Primavera, no final de Maio passado, se iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal de Sintra para estancar uma falência imediata.
Mais do que o absurdo rol de dívidas de Luís Delgado, aquilo que mais surpreende é a desfaçatez do plano apresentado no passado dia 10 de Outubro, no âmbito do PER, onde se começa por dizer que “tem como finalidade a satisfação de todos os credores de uma forma mais favorável que uma liquidação ao abrigo de um processo de insolvência”.
Analisar os indicadores financeiros apresentados neste plano, considerar que Luís Delgado – que em seis anos ‘conseguiu’ dar mais de 30 milhões de euros em calotes – é um homem sério para vir a pagar aquilo que não pagou e pagar aquilo que vai ter de pagar no futuro, tudo ao mesmo tempo, é acreditar ainda no Pai Natal.
Luís Delgado, em 2018, celebrando a compras das revistas ao Grupo Impresa. Em seis anos, investindo 10 mil euros, deu calotes de mais de 30 milhões de euros, mais de metade ao Estado. E quer agora continuar à frente da Trust in News. Para continuar o calote?
Qualquer análise minimamente séria deste plano só pode levar ao seu ‘chumbo’ por parte do Estado, que é quem vai decidir se Luís Delgado vai ou não continuar a aumentar os calotes. Por exemplo, nem a demonstração de resultados histórica (2020-2023) da Trust in News, constante na página 56 do plano, coincide com os resultados registados na Base de Dados das Contas Anuais. Isto é de uma falta atroz de rigor e seriedade.
Na parte dos pressupostos, constante na página, é absurda a ligeireza a forma como se identifica a rubrica “Outras contas a receber”, que constituem, de forma surpreendente, o maior valor dos activos, tendo passado de 4,8 milhões de euros em 2020 para 14,8 milhões de euros em 2023. De uma forma aligeirada, o plano da Trust in News diz apenas que essa rubrica – que “ascende a 10 milhões de euros”, quando são quase 15 milhões – corresponde às “assinaturas de publicações a receber da carteira de clientes, quer assinaturas de imprensa física quer de assinaturas digitais”. Quem conhece o mercado só pode ficar surpreendido com o volume financeiro desta rubrica, bem como com a sua variação nos últimos três anos, sobretudo por não ser acompanhada pela rubrica Clientes, onde por norma deveriam ser contabilizadas vendas ainda não pagas.
Ora, se considerarmos que, entre 2021 e 2023, a Trust in News admite que teve vendas e prestações de serviços (que incluem assinaturas, mas também uma importante fatia de publicidade) no valor de 35,6 milhões de euros, como explicar que haja 10 milhões de euros (variação da rubrica Outras Contas a Receber) que não foram pagos? Não haverá aqui uma ‘contabilidade criativa’, com facturação inexistente ou virtual, para amenizar prejuízos em anos anteriores? Note-se ainda que esta variação de 10 milhões de euros em supostas “assinaturas de publicações a receber da carteira de clientes” entre 2021 e 2023 coincide com uma quebra de vendas de cerca de 18% entre 2020 e 2023. Não faz qualquer sentido, tanto mais que os resultados previsionais para 2024 apontam para vendas (talvez estas reais, até por não fazer aumentar a rubrica Outras Contas a Receber) de apenas 7,9 milhões de euros, menos 3 milhões de euros face aos valores indicados em 2023. Ora, com uma queda de 28% da vendas, porque a rubrica Outras Contas a Receber se mantém estável pela primeira vez, as previsões para este ano apontam para prejuízos de 1,4 milhões de euros. E eu desconfio, pelo indicadores, que foi a ‘contabilidade criativa’ que em anos anteriores evitou prejuízos desta dimensão.
Revista Visão: em fase de PER, o administrador judicial não pode ‘vasculhar’contas.
A impossibilidade de, em fase de PER, o administrador judicial poder ‘meter a mão na contabilidade’ das empresas, e de ter um papel determinante no esclarecimento de eventuais falcatruas que levaram à desastrosa situação da Trust in News, deve ser um motivo mais que fulcral para o categórico ‘chumbo’ do PER, e a consequente ‘passagem’ para a insolvência.
Quando se diz insolvência, não se está a falar do fim da actividade das revistas – ou, pelo menos, de todas –, mas sim da ‘expulsão’ de Luís Delgado do sector do media, que ele conspurca. Aprovar o PER significa, na prática, que Luís Delgado se mantém à frente da Trust in News a fazer o pior que tem feito nos últimos seis anos: dar calotes. Aprovar o PER será acreditar no ‘conto do vigário’: acreditar que alguém que, em seis anos, conseguiu colocar uma empresa de media com um passivo de 30 milhões de euros, dos quais metade em dívidas fiscais e à Segurança Social, vai agora passar a pagar a tudo e a todos, passar a pagar no futuro, e tudo isto mantendo níveis de receitas com uma redução da massa salarial de jornalistas da ordem dos 40%. Luís Delgado promete fazer omeletes sem ovos e ainda promete chocar ovos sem ter galinhas poedeiras.
Ao invés, passar a Trust in News para um processo de insolvência possibilitará, com uma gestão profissional séria – e sem Luís Delgado –, a busca de uma solução empresarial para que as revistas eventualmente se mantenham através de outro modelo de negócio (mais sério). Pode até suceder que os credores tenham, nessa hipótese, de assumir eventuais perdas, mas a outra alternativa parece-me bem pior: com medo de se perder tudo, ainda se permite que o calote ainda aumente mais.
Votar contra o PER e avançar para uma insolvência (que pode não ser uma dissolução), servirá sobretudo para afastar Luís Delgado dos destinos da (nunca bem explicada) venda em 2018 do portefólio das revistas então detidas pelo Grupo Impresa. Permitiria saber, de forma rápida, que ilegalidades ou mesmo eventuais fraudes terão sido cometidas. Haveria responsabilização.
Na verdade, dar-se-iam os primeiros necessários passos para a moralização do (agora promíscuo) sector dos media. Um sinal de que não há espaço, pelo contrário, para projectos amorais, que apenas sobrevivem através de esquemas políticos e em clara deslealdade concorrencial. ‘Salvar’ a Trust in News, incluindo no ‘pacote’ Luís Delgado, é criar um precedente de jornalismo de mão estendida.
O Governo Montenegro tem por isso, no final deste mês, uma excelente oportunidade para mostrar se quer mesmo valorizar o papel da imprensa, que não tem medo de uma imprensa rigorosa, sem ser “ofegante” nem subserviente. E isso passa por exigir que se ‘expulsem’ do sistema os maus administradores dos media, que são o principal entrave à liberdade de imprensa. Por tudo isto, mesmo não estando aí inscrito, o ‘chumbo’ do PER da Trust in News será uma das melhores medidas de um qualquer Plano de Acção para a Comunicação Social.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
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Cerca de três anos após sair da coordenação da task force do processo de vacinação contra a covid-19, depois de integrar, durante alguns meses, uma equipa chefiada por um político pouco talhado para a função e uma escassez inicial de doses, Gouveia e Melo continua a ser um putativo candidato a Belém, transportado num andor sobretudo pela imprensa.
Ajudou, claro, a sua nomeação para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, e também muito uma espécie de salvo-conduto que lhe permite não sair beliscado em contratações públicas esquisitas – sendo mesmo ‘abençoado pelo Tribunal de Contas – ou em poder botar faladura até em assuntos políticos, violando leis e decência, como se verificou na recente entrevista à RTP, onde surgiu fardado a preceito. Aliás, e não por acaso, com a imaculada brancura da farda da Marinha, e não com o ‘braçal’ camuflado dos tempos da task force.
Para quem conhece o funcionamento da comunicação social – recordemos as palavras de Emídio Rangel, em 1997, que defendia a capacidade da SIC em vender tanto sabonetes como presidentes da República -, talvez não seja surpreendente que Gouveia e Melo se mantenha em boa posição para ocupar a cadeira de Belém, porque se continua numa lengalenga de endeusamento da sua persona.
Em abono da verdade, Gouveia e Melo destacou-se com um bom operacional de logística, mas de menor valia do que um director dos frescos da cadeia do Pingo (porque ele tinha um só produto a escoar, já “vendido”, enquanto o homem da Jerónimo Martins tem muitos fornecedores, muitos produtos perecíveis a distribuir por muitas lojas, e sem garantias de vendas). Mas o mérito de Gouveia e Melo foi saber surfar logo a onda do populismo, quando, por exemplo, desbloqueou, sem ter competências para tal, e contra uma norma da DGS, a vacinação dos médicos não-prioritários, e nada fez quando o então bastonário da Ordem dos Médicos, o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, lhe comunicou que um político tinha sido vacinado sem estar na lista por “necessidade e oportunidade“. Uma imoralidade e sobretudo uma ilegalidade a que Gouveia e Melo jamais poderia fechar os olhos. Mas fechou por lhe ter sido conveniente: foi recebendo elogios e ‘prebendas’ públicas.
O PÁGINA UM revelou muitas destas situações, depois de uma luta que envolveu o Tribunal Administrativo de Lisboa, mas o mais que se conseguiu foi o silêncio de uma imprensa cúmplice (e criadora de um herói) e um processo judicial do agora almirante por difamação.
Gouveia e Melo, um militar submarinista de quem jamais se saberia da sua existência física por nada se conhecer de relevante e edificante em termos da sua existência mental, teve, em todo o caso, o mérito de ser, além de bom operador de logística de um só produto, um especialista em marketing – ou, pelo menos, com bons ‘assessores’, alguns dos quais se encontram na imprensa, no activo, e/ ou em agências de comunicação.
Num país decente, com democracia amadurecida, um militar com funções civis jamais se deveria apresentar como um militar nem sequer ambicionar cargos políticos. Não por uma questão de legalidade, mas de decência. É de um servilismo ofensivo achar-se, como Gouveia e Melo acha, que um país só se endireita perante uma farda – é exactamente o contrário: a ‘desmilitarização’ das sociedades constitui um sinal de evolução civilizacional, de elevada democraticidade e de estabilidade social. Um militar decente deve perceber isso quando entra na carreira militar e, sobretudo, quando vai subindo até chegar à reforma em lugares de topo da hierarquia.
Mas Gouveia e Melo não mostra decência porque até usou intencionalmente uma farda militar para se aformar numa tarefa civil, mas não uma farda qualquer. Quando esteve na task force, usou um camuflado, que nem é propriamente a indumentária que se associa à Marinha. Quando esteve na televisão, na entrevista à RTP, usou indumentária branca com todas as insígnias e mais algumas.
A postura messiânica de Gouveia e Melo, auto-alimentada – e que teve o seu ‘momento Mário Soares‘ em Odivelas, numa versão soft, no decurso de uma estúpida e contraproducente manifestação contra a vacinação das crianças (não pelo sentido, mas porque assim o transformaram num mártir) – mostra-se bem patente numa entrevista em Junho de 2021 ao jornal Sol. É aqui que o agora putativo candidato a Belém melhor se dá a conhecer, e também onde consegue revelar o pior que tem, que é muito para o pouco que dá.
Disse ele que aceitou as funções de coordenador “porque o país precisava e eu tenho ‘skills’ que podiam ser úteis”, relembrando que considerava ser “serôdio” o letreiro nos submarinos que dizia: “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”. E é mais do que serôdio nos tempos que correm, é patético; mas Gouveia e Melo dizia na entrevista que evoluíra, e que como era militar, se fosse “necessário defender o meu país, não posso falhar”. Os ‘civis’ devem pensar o contrário, quando têm defronte de si tarefas civis, certo?
Aliás, no que toca à pandemia, somente um país obtuso poderia achar que questões de Epidemiologia e gestão de uma crise sanitária estava ao nível de uma guerra. Numa época em que se exigia racionalidade e Ciência sem peritos comprometidos, tivemos um vice-almirante a ditar bitates.
Veja-se este trecho sempre na primeira pessoa, como se fosse um John Ioannidis saído de um submarino: “Estou a fazer gráficos em que vejo a taxa de vacinação por concelho e a incidência por concelho. E olhando para os dados das últimas três semanas, a média acumulada em 14 dias por cem mil habitantes e a média acumulada da semana passada estão exatamente com o mesmo comportamento relativamente à percentagem de vacinação. Ou seja, a variante propaga-se mais mas é igualmente contida pela vacinação. Pelo menos, por enquanto não estou a notar isso. O que noto, à data de hoje e com os dados que tenho, é que em termos de mortalidade as vacinas continuam a proteger a população. O que acontece é que há pessoas que estão a apanhar porque só têm uma dose e uma dose protege pouco, sobretudo com a dose da AstraZeneca, e é isso que eu estou a acelerar agora a processo. E quando digo que protege pouco, é relativo. Protege muito, deixa é escapar alguns. Se tiverem as duas doses não deixa escapar nenhum.”
Ou este trecho, ainda: “Tenho concelhos com 70 por cento de vacinação já feita, concelhos muito pequeninos, e olhando para eles a incidência está a baixar imenso, está abaixo de 60. Quando olho para os 308 concelhos e vejo uns com maior incidência, vou ver os dados e têm pouca vacinação. A maior incidência é nos concelhos mais populosos porque não há vacinas para avançar com o ritmo como desejávamos. De qualquer forma, estamos a 50 por cento de segundas doses. Metade da população portuguesa já recebeu uma dose. E 30 por cento, duas doses. Agora eu gostaria de poder acelerar mais. Aliás eu gostaria de ter podido acelerar mais atrás. Porque como foram adiando a entrega das vacinas, e isto foi constante, fez-me perder tempo para trás. Se me tivessem dado aquelas vacinas na altura que me estavam prometidas eu já estaria em 60 ou 65 por cento de vacinação”.
Visto à distância, um militar submarinista sem formação neste sector falar desta forma mostra-se tristemente anedótico; e somente comparável à patetice de termos tido uma directora-geral da Saúde, Graça Freitas, que parvamente se orgulhava de não saber trabalhar com computadores, e daí com conhecimentos zero em Epidemiologia e sem arcaboiço sequer para se assumir como Autoridade Nacional de Saúde durante uma crise sanitária de três anos.
Mas nessa entrevista, Gouveia e Melo lança mais pérolas sobre o seu pensamento, assumindo que olhava para a tarefa como se fosse “um submarino”, o que não deixa de ser uma excelente mas triste imagem da realidade, porquanto, de facto, ficámos reféns daquilo que foi dissertando, imiscuindo-se em temas que não controlava nem deveria controlar, promovendo a perseguição de quem optava por não se vacinar, não cuidando da prudência quando a AstraZeneca começou a dar problemas e até incentivando pais a vacinar filhos e a Direcção-Geral da Saúde a dar autorizações, pois o que ele queria era vacinar, vacinar, vacinar. O seu objectivo eram números.
Mas há afirmações e ‘teses’ ainda mais graves na entrevista ao Sol, e que revelam a sua faceta verdadeira, incompatível com um Chefe de Estado, mesmo se as funções presidenciais são já quase simbólicas. Com efeito, Gouveia e Melo chega a dar uma explicação verdadeiramente marialva e até misógina sobre o seu alegado sucesso na task force: “Por exemplo: eu sou alto, visto uniforme, tenho voz de comando e sou assertivo. Só essas quatro coisas ajudam logo o processo. Depois, tenho ideias, desenvolvo-as e sou obsessivo. Faço o que tiver de fazer e sou impiedoso com os malandros. Sou super piedoso para as pessoas que fazem bem, erram, mas deram tudo.” Presume-se assim que um homem baixo e sem uniforme, não terá hipóteses de ser líder, mesmo que tenha voz de trovão e discurso assertórico. Quanto às mulheres, enfim, presume-se que não entrem no ‘clube’ de Gouveia e Melo, homem cheio de “ideias”, mesmo que não saibamos quais são, excepto quanto à peregrina ideia de reinstalar o Serviço Militar Obrigatório para enfrentar a ameaça russa e o desemprego.
Porém, a ‘melhor’ parte da entrevista ao Sol para percebermos a sua mentalidade é quando Gouveia e Melo fala no “snobismo” dos ingleses, nos franceses “chauvinistas” e mostra a pouca simpatia que nutre aos alemães porque tem “família judaica”. Pergunto ao ChatGPT como classifica alguém com este discurso. Respondeu-me prontamente a ‘inteligência artificial’:
“A pessoa que fez essa declaração pode ser classificada como alguém com uma visão estereotipada e preconceituosa em relação a diferentes nacionalidades. A fala demonstra generalizações negativas e julgamentos sobre grupos inteiros com base em nacionalidade, associando características como ‘snobismo’, ‘chauvinismo’ e uma atitude punitiva contra alemães por causa de uma conexão pessoal com o passado histórico do povo judeu.
Esse tipo de discurso reflete xenofobia, que é a aversão ou preconceito contra pessoas de outras nacionalidades, e pode também revelar traços de etnocentrismo, que é a tendência de julgar outras culturas ou nações com base em padrões e valores próprios, colocando-os como inferiores. Além disso, a menção de vingança contra alemães pela história familiar judaica pode estar relacionada ao trauma histórico, mas o uso dessa justifica[ção] para generalizar uma atitude hostil a um povo também perpetua ciclos de ódio.
Em resumo, a fala revela um preconceito nacionalista e uma dificuldade de ver as pessoas como indivíduos, em vez de como representantes de estereótipos nacionais”.
Não querendo dizer mais, concluo que se o putativo candidato Gouveia e Melo, metido na liderança das sondagens (que sabe Deus como são feitas), surfando o populismo montado numa ‘imprensa favorável’, vier a suceder a Marcelo Rebelo de Sousa, garantido está que teremos um ‘presidente das casernas’ com um pensamento das cavernas.
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