Tudo começou há uma década e meia, e não tem fim à vista. Por causa de um conflito com a arrecadação de IVA, a Infraestruturas de Portugal – a empresa estatal responsável pelas redes rodoviárias e ferroviárias – e a Autoridade Tributária ‘renovam’, ano após ano, diferendos semelhantes que acabam no tribunal administrativo. Junte-se à morosidade judicial – que em 15 anos de quezílias ainda não conseguiu tomar uma decisão final em qualquer um dos 11 processos – uma incompreensível inacção política para encontrar uma solução por via legislativa. Numa luta entre duas entidades da Administração Pública, cujos resultados serão indiferentes para os contribuintes, quem está a ganhar, e bem, nesta absurda ‘guerra de alecrim e manjerona’ tem sido a sociedade de advogados sistematicamente contratada por ajuste directo pela Infraestruturas de Portugal. Liderada por Eduardo Paz Ferreira, o marido da ex-ministra socialista da Justiça, Francisca Van Dunem, esta sociedade já amealhou 1,3 milhões de euros a tratar destes diferendos.
O Fisco, já se sabe, não aceita de bom grado que não o deixem amealhar o máximo de imposto e de taxas. Nem as entidades públicas se livram desta sanha. E a antiga Estradas de Portugal, hoje Infraestruturas de Portugal (IP), foi uma dessas ‘vítimas’: no exercício financeiro do ano de 2008 e no primeiro semestre de 2009, esta empresa pública argumentou, perante a Autoridade Tributária, que tinha direito a deduzir o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo à denominada Consignação de Serviço Rodoviário. Essa receita, apesar de legalmente pertencer à IP, era cobrada aos consumidores pelos distribuidores de combustível, que a encaminhava para o Fisco. Somente depois, de acordo com os mecanismos legais para cobrança e liquidação do imposto, esses montantes chegavam (e chegam) à IP.
O diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009, que poderia ter sido pontual, e mediado, no limite, pelos Ministérios das Finanças e das Infraestruturas, não ficou resolvido nos gabinetes, como seria de esperar em entidades da Administração Pública, e acabou por parar no tribunal. Ou seja, o Tribunal Administrativo é que decidiria em que parte do Estado ficaria esse dinheiro: se no Fisco ou se na IP. Se o diferendo de 2008 foi parar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, o mesmo destino teve um diferendo similar de 2009, e assim sucessivamente, em praticamente todos os anos até, por agora, 2020. À conta disto, estão ainda sem resolução 11 processos nas diferentes fases. Ou melhor dizendo, estão todos os processos, incluindo o de 2008, por resolver, porque nos tribunais administrativos anda tudo a passo de caracol.
Um desentendimento entre a IP e o Fisco em torno do IVA está longe de entrar nos carris. / Foto: D.R.
Com efeito, o primeiro processo, que envolve uma verba de 277 mil euros, teve uma decisão favorável ao Fisco na primeira instância, mas está parado desde 2013 por via do recurso da então Estradas de Portugal. Mas se a Autoridade Tributária começou por marcar o ‘primeiro golo’, sem ganhar em definitivo, os conflitos dos outros anos têm estado a dar ‘vitórias’ à actual Infraestruturas de Portugal. Porém, como há recurso do outro lado, contabilizam-se pelo menos oito processos que ainda estão muito longe do fim, porque aguardam acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul depois de um longo ‘calvário’ na primeira instância.
Só para dar um exemplo, o diferendo relativo ao exercício de 2013 só teve sentença de primeira instância em finais de Março do ano passado – ou seja, assumindo que este conflito entre o Fisco e a IP se terá iniciado em 2014, a primeira decisão judicial demorou 10 anos. Mesmo assim pior está o diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009: depois da primeira sentença, aguarda-se por um acórdão do tribunal de recurso desde 2013. Ou seja, vai fazer, em Março, 12 anos.
Os processos relativamente mais recentes (2017, 2018, 2019 e 2020) ainda estão numa fase mais atrasada. Nos dois primeiros casos, as impugnações no tribunal por parte da IP, depois do indeferimento do recurso hierárquico no Fisco, foram feitas em Abril de 2023, sem ter havido ainda sentença. Nos outros dois casos (2019 e 2020) ainda se está, respectivamente, na fase de recurso hierárquico e no projecto de relatório de inspecção tributária. Ignora-se se existem mais processos posteriores a 2020.
Certo é que, com tudo isto, a empresa estatal que gere as redes rodoviárias e ferroviárias em Portugal está num impasse, que se prevê venha a durar anos, ou mesmo décadas, sobre montantes bastante significativos. De acordo com dados da empresa pública, no final de Junho de 2024, o saldo que reivindica deste conflito com o Fisco correspondia a 2,358 mil milhões de euros, um aumento face aos 2,254 mil milhões de euros no final de 2023.
Com o ‘dinheiro’ empatado, porque contabilisticamente nem o Fisco nem a IP podem considerar aqueles elevados montantes como seus, quem está a pagar é, na verdade, o contribuinte, sendo que lhe será indiferente quem venha a ganhar as causas, uma vez que se tratam de conflitos entre duas entidades da Administração Pública. E o contribuinte está a perder já por uma simples razão: a IP está a contratar a ‘peso de ouro’ uma sociedade de advogados, por ajuste directo, liderada por Eduardo Paz Ferreira, marido da ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que ocupou o cargo entre 2015 e 2022.
A ‘colaboração’ entre Paz Ferreira e a IP nos chamados “processos IVA” começou em 2010, ainda com a Estradas de Portugal, para tratar das primeiras fases dos processos. Os montantes recebidos pela sociedade de advogados rondou os 184.500 euros entre 2010 e 2014. Nesta fase, apenas estariam em curso entre cinco e seis processos judiciais, pelo que cada processo, geralmente requerimentos, terá custado à actual IP mais de 30 mil euros.
Em 2015, com IVA incluído, o montante recebido por Paz Ferreira foi de quase 37 mil, descendo para pouco mais de 21 mil no ano seguinte e em 2017 subiu para 60.270 euros e em 2018 para quase 73 mil euros. Mas depois disparou: em 2019 foi celebrado novo ajuste directo, desta vez pelo valor de quase 347 mil euros, com IVA, que deveria durar para tratar dos “processos IVA” até Fevereiro de 2022. Somente no primeiro semestre de 2023 surgiram dois novos ajustes directos, mas de baixo valor: o primeiro de 12.300 euros, e o segundo de 24.600 euros.
Eduardo Paz Ferreira, advogado e marido de Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça do governo socialista. / Foto: D.R.
Porém, o ano não terminaria sem mais um chorudo contrato de ‘mão-beijada’: Paz Ferreira arrecadou uma adjudicação de mais de 258 mil euros (com IVA) para tratar dos “processos IVA” por três anos; em teoria, até Julho de 2026. Contudo, na prática o dinheiro esfumou-se, supostamente por prestação de serviços. E assim sendo, 17 meses depois, no passado dia 16 de Dezembro, foi assinado um novo ajuste directo com Paz Ferreira no valor de 253.134 euros, IVA incluído.
Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, um porta-voz da IP diz que houve ” necessidade de um novo contrato decorrente do facto de o anterior se ter esgotado, dados os desenvolvimentos processuais entretanto ocorridos, quer decorrentes dos processos de inspecção anuais quer porque, em 2024, foram proferidas seis decisões judiciais favoráveis à IP, mas objeto de recurso” pela Autoridade Tributária.
A IP tem justificado a contratação de Paz Ferreira através de uma norma que prevê o ajuste directo sempre que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação […], e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Essa tem sido uma forma enviesada para perpetuação de ajustes directos, afastando a concorrência.
Mesmo que haja complexidade nos processos em tribunal, o certo é que a Paz Ferreira está longe de ser a única sociedade de advogados do país capaz de representar a IP em processos relacionados com IVA. Mas o argumento de que ‘só esta sociedade de advogados sabe da poda’ não é verídico nesta situação. Pode estar-se, mais uma vez, perante um abuso na interpretação das normas do Código dos Contratos Públicos.
Segundo a empresa pública, a mais recente contratação decorre “da necessidade da IP em manter o patrocínio judiciário que tem vindo a ser assegurado, mantendo, deste modo, a estratégia e o sucesso da defesa adoptada, que tem subjacente um elevado grau de conhecimento nas valências de direito e processo tributário e o conhecimento efetivo de toda a tramitação inerente aos complexos processos em curso e aos que eventualmente se venham a iniciar, com a mesma natureza fiscal, valências essas que, pela sua especificidade, a equipa interna da IP não dispõe”.
De entre os contratos públicos celebrados pelo escritório de Eduardo Paz Ferreira, a IP é, de longe, o seu melhor cliente, totalizando 13 contratos, todos por ajuste directo, a que acrescem mais seis pela Estradas de Portugal, até 2015. No total, este advogado celebrou 58 contratos desde 2013, segundo dados do Portal Base, sempre de ‘mão-beijada’, facturando cerca de 2,9 milhões de euros. Com a IP será previsível, se se mantiver, o facilitismo na contratação, que continue assim por muitos anos.
Na plataforma que agrega os registos sobre contratos públicos, o Portal Base, encontram-se contratos adjudicados pela IP à Paz Ferreira desde 2015. No entanto, as verbas envolvidas eram bem mais baixas, situando-se entre os 7.500 euros e os 40 mil euros.
Ainda não é visível a luz ao fundo do túnel nos processos que opõem a IP e o Fisco. / Foto: D.R.
Saliente-se, por fim, que o diferendo com a Autoridade Tributária tem tido fortes reflexos negativos nas contas da empresa pública liderada por Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro entre Junho de 2020 e Março de 2022. No primeiro semestre de 2024, a IP teve mesmo de reforçar as suas provisões em 20,3 milhões de euros, ficando o valor acumulado nos 547,7 milhões de euros no final do primeiro semestre do ano passado. Esse montante que “corresponde ao IVA que o Grupo IP estima que deixaria de receber caso fosse considerado que a CSR [Consignação do Serviço Rodoviário] não é uma receita sujeita a IVA”.
A empresa também registava, a 30 de Junho último, responsabilidades assumidas com garantias bancárias de 1,5 mil milhões de euros prestadas a favor da Autoridade Tributária decorrentes do processo do IVA, além de assumir ainda garantias no montante de 4,9 milhões de euros prestadas a favor de tribunais no âmbito de processos de contencioso e a outras entidades.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
As evidências eram tão patentes que o próprio Provedor do Leitor do jornal Público se viu ‘obrigado’ a questionar o uso e abuso da aceitação de convites por parte de jornalistas do suplemento Fugas, que tornam supostas reportagens em panegíricos. O PÁGINA UM, recorrendo à inteligência artificial, usando métodos de processamento de linguagem natural (NLP) e análise quantitativa, concebeu o Índice de Elogio Servil (IES), que passa a ser assim uma ferramenta de análise crítica do jornalismo. Para testar a sua ‘eficácia’, passou-se a ‘pente fino’ uma dezena de reportagens do Público. Os resultados não são nada abonatórios.
Nas duas mais recentes edições sabatinas do jornal Público, o ‘elefante’ foi mostrado no meio da sala. Nas crónicas de José Alberto Lemos, provedor do leitor do jornal da Sonae, abordou o mal-estar de leitores sobre os conteúdos do suplemento Fugas, que por regra publica artigos de viagens e lazer, sobre automóveis e vinhos, sempre escritos por jornalistas, bem como textos de não-jornalistas a relatarem as suas viagens.
A celeuma centrava-se sobretudo no facto de, por via de viagens e convites pagos por empresas e entidades, esses conteúdos jornalísticos, porque assinados por jornalistas, se aproximarem mais de publicidade encapotada do que de jornalismo imparcial.
Na primeira crónica, José Alberto Lemos, além de recolher opiniões de leitores, apresentava a ‘contestação’ da editora do suplemento, Sandra Silva Costa, que salientava que apenas entre 10% e 20% dos convites eram aceites, seleccionados com base na relevância para os leitores, adiantando ainda que os jornalistas tinham total liberdade editorial. Contudo, nada dizia sobre os critérios da escolha nem se artigos similares, e igualmente elogiosos, mas sem referência a convite eram executados mesmo sem convite. E se assim eram, qual seria então a razão para não serem todos.
Na segunda crónica do Provedor do Leitor, foi apresentada a versão do director do próprio jornal, David Pontes, que reforçava que a transparência sobre os convites, assinalados no final dos textos, asseguraria o cumprimento de princípios éticos. E defendia também que o suplemento Fugas, mesmo sendo uma parte integrada da linha editorial do Público, tinha especificidades, focando-se em “sugestões positivas”. De acordo com David Pontes, “a selecção editorial [do suplemento Fugas] reflecte que o foco está na apresentação de experiências positivas, o que não nos isenta de dar nota crítica quando tal não se verifica. Com uma equipa experiente e conhecedora é natural que, antes de ir para o terreno, seja possível fazer uma triagem criteriosa do que podem ser as melhores propostas para os leitores. Que o resultado seja quase sempre o pretendido – apresentar boas experiências – nada tem que ver com o facto de fazermos muitas dessas experiências por convite, antes advém desta escolha editorial.” E concluía: “num mundo ideal, os jornais nunca precisariam de convites para fazer o seu trabalho”.
O Provedor do Leitor discordava, apontando para a existência de jornais internacionais onde não são aceites convites e existem “códigos muitos rígidos na matéria, quer para os seus jornalistas, quer para os colaboradores pontuais”, de modo a evitar “equívocos e desconfianças”.
Se este tipo de debates é, em teoria, bastante interessante, na prática a leitura (e análise) da generalidade deste tipo de artigos do suplemento Fugas – muitos catalogados de “reportagem”, o que inferiria ainda uma maior independência e subjectividade de análise do jornalista – causa uma certa estupefacção. Pela abordagem, pelo tom, pela adjectivação e, em especial, por ser evidente que as reportagens são mais do que guiadas.
Nessa linha, o PÁGINA UM – que assumidamente é contrário a parcerias comerciais, ainda mais desta índole, que claramente influencia a prática jornalística e mina a percepção de credibilidade de toda a imprensa – decidiu elaborar, com recurso à inteligência artificial, o Índice de Elogio Servil (IES), uma ferramenta de análise crítica do jornalismo usando métodos de processamento de linguagem natural (NLP) e análise quantitativa para atribuir pontuações de forma objectiva e crítica.
O IES é assim um instrumento criado para avaliar a imparcialidade de reportagens jornalísticas, especialmente em contextos em que há uma relação explícita ou implícita entre o jornalista e a entidade que beneficia da cobertura. O objectivo deste índice é quantificar a subserviência do texto, permitindo uma análise objetiva e crítica.
O índice é composto por cinco critérios avaliados numa escala de 0 a 100 pontos, com pontuações específicas para cada indicador:
Proporção de Elogios em Relação a Críticas (0-25 pontos): Avalia se a reportagem apresenta uma cobertura equilibrada ou se está inclinada a destacar apenas os aspectos positivos.
Uso de Linguagem Enaltecedora (0-25 pontos): Mede o grau de entusiasmo nas palavras utilizadas, incluindo superlativos ou descrições idealizadas que podem indicar um tom promocional.
Dependência de Fontes Comprometidas (0-20 pontos): Analisa se as fontes principais têm ligações diretas com a entidade ou evento em foco, sem espaço para contrapontos ou opiniões independentes.
Menção ao Contexto do Convite (0-15 pontos): Examina a transparência do artigo ao revelar o contexto do convite ou da relação entre o jornalista e a entidade destacada.
Presença de Publicidade Oculta ou Disfarçada (0-15 pontos): Verifica se a reportagem funciona implicitamente como uma peça promocional, exaltando serviços ou produtos de forma desproporcional.
A pontuação total vai de 0 a 100, com as seguintes classificações:
81-100 pontos:Elogio Servil Total – Reportagem essencialmente promocional.
61-80 pontos:Elogio Parcial – Subserviência moderada, mas ainda notória.
31-60 pontos:Tendência Neutra – Cobertura mista, com viés ocasional.
0-30 pontos:Jornalismo Crítico – Cobertura equilibrada e rigorosa.
O IES foi concebido como uma ferramenta com um cunho experimental, mas fundamentado, para analisar criticamente o jornalismo que se desenvolve em contextos patrocinados, como reportagens de viagens, gastronomia ou eventos. Ao aplicar o índice, busca-se identificar se a reportagem mantém a sua independência editorial ou se cede ao tom promocional ou propagandístico em benefício da entidade patrocinadora. Aqui pode consultar como foram atribuídas as classificações em cada um dos cinco critérios.
Para esta breve e (apenas) exemplar avaliação, foram seleccionados os últimos dez textos publicados no suplemento Fugas, na versão digital do Público, que identificavam explicitamente uma entidade responsável por endereçar o convite ao jornal.
Ficaram de fora da análise várias áreas editoriais que também recebem patrocínios, mas onde não se explicita um convite directo que tenha beneficiado o jornalista. Exemplo disso é a rubrica Terroir, dedicada à análise de vinhos, financiada pelas 14 regiões vitivinícolas portuguesas, pelo Instituto da Vinha e do Vinho e pela ANDOVI. O jornal defende que “a sua produção editorial é completamente independente destes apoios”.
Adicionalmente, não foram incluídos conteúdos da revista Singular, um produto editorial do Público apoiado pela Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, nem os conteúdos da revista Solo, que resulta de uma parceria com a Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal. Ambos os produtos mantêm uma linha editorial dedicada ao sector vinícola e são desenvolvidos com apoio directo de entidades promotoras.
Esta exclusão visa manter o foco na análise de reportagens da Fugas explicitamente ligadas a convites de entidades externas, evitando diluir os critérios específicos da avaliação. Contudo, a presença generalizada de patrocínios no suplemento e em outros produtos editoriais do Público levanta questões pertinentes sobre a efectiva independência editorial e a percepção pública da imparcialidade jornalística, sobretudo num contexto onde os leitores esperam clareza e transparência no financiamento dos conteúdos.
Por uma razão de simplificação, apresenta-se apenas uma síntese da avaliação, apresentando-se em anexo a avaliação completa. Saliente-se que este trabalho recorreu, de forma extensivamente, aos recursos tecnológicos da inteligência artificial, através do ChatGPT versão profissional. Esta análise não é, nem pretender ser, um estudo científico ou académico.
Reportagem 1
A reportagem “Um barco, um rio, uma floresta imensa: somos minúsculos no gigantismo da Amazónia“, de Sandra Silva Costa, publicada a 4 de Janeiro de 2025, descreve uma viagem pelo rio Negro, na Amazónia, com foco na riqueza natural, nas comunidades indígenas e na experiência turística organizada pela Amazonastur e TAP, que financiaram a viagem. O texto destaca o “gigantismo” da paisagem e episódios como visitas a aldeias indígenas, danças tribais e passeios de barco, sempre com linguagem poética e elogiosa.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 94 pontos em 100. Os motivos incluem:
Uso excessivo de linguagem enaltecedora (25/25 pontos), com termos como “inesquecível” e “único” a dominar a narrativa.
Proporção de elogios sem críticas (25/25 pontos), focando apenas nos aspectos positivos da experiência.
Dependência de fontes comprometidas (18/20 pontos), com destaque para representantes da Amazonastur.
Menção superficial ao contexto do convite (12/15 pontos), só abordado no final.
Tons promocionais implícitos (14/15 pontos), exaltando os serviços turísticos.
Conclui-se que a peça funciona mais como uma peça promocional disfarçada de reportagem, reflectindo uma clara subserviência ao contexto do convite.
A reportagem “Comer (e beber) a Amazónia em Manaus“, de Sandra Silva Costa, publicada a 4 de Janeiro de 2025, explora a gastronomia amazónica através de visitas a restaurantes icónicos, como o Caxiri e o Fitz Carraldo, e ao projeto Da Cruz Destilados. Com foco nos ingredientes locais e na criatividade dos chefs, o texto apresenta pratos como piranha grelhada, sobremesas de tucupi negro e bebidas como a caipirinha amazónica, destacando o exotismo e a autenticidade da cozinha regional.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 95 pontos em 100. Os motivos incluem:
Proporção de elogios sem críticas (25/25), com a narrativa a destacar apenas os aspectos positivos, utilizando expressões como “sobremesa inesquecível” e “uma das melhores saladas que já provámos”.
Uso de linguagem enaltecedora (24/25), com termos exaltantes que reforçam o tom promocional.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), baseando-se exclusivamente em declarações de chefs e produtores ligados aos negócios promovidos.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final, sem reflexão crítica.
Tons promocionais implícitos (14/15), com detalhes que promovem os estabelecimentos.
Conclui-se que a peça funciona mais como um guia turístico do que como reportagem imparcial, reflectindo subserviência ao contexto do convite.
A reportagem “Fortaleza do Guincho quer parecer-se mais com uma casa do que com um castelo“, de Inês Duarte Freitas, publicada a 23 de dezembro de 2024, descreve a transformação da Fortaleza do Guincho para se tornar mais acolhedora e menos austera. O texto foca-se nas recentes remodelações, nos serviços do hotel e na experiência gastronómica, com destaque para a liderança do chef Gil Fernandes e a visão da diretora Petra Sauer. A narrativa apresenta a Fortaleza como um refúgio de conforto, onde a gastronomia e a renovação arquitetónica se complementam para oferecer uma experiência de luxo.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 95 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), concentrando-se exclusivamente em elogios às qualidades do estabelecimento.
Uso de linguagem enaltecedora (24/25), com termos que reforçam o tom promocional.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se a declarações de responsáveis do espaço, sem contrapontos externos.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final do texto.
Presença de publicidade implícita (14/15), com descrições detalhadas que promovem os serviços.
Conclui-se que a peça funciona mais como uma divulgação institucional do que como uma análise crítica independente.
A reportagem “A Désalpe é uma festa no cantão suíço de Friburgo“, de Sandra Silva Costa, publicada a 21 de Dezembro de 2024, descreve a tradicional descida das vacas alpinas para os vales, celebrada anualmente na Suíça. O texto apresenta a festa como um evento cultural autêntico, marcado por trajes típicos, orquestras de chocalhos e uma rica experiência gastronómica, com destaque para a “sopa de chalet” e as “tartelettes au vin cuit”. A narrativa foca-se na beleza do evento e na ligação dos habitantes locais à tradição, com declarações de participantes como Gabriel Castella e Theo Castella, que reforçam o tom positivo.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com destaque exclusivo para os aspectos positivos.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com expressões como “elas passam, bonitas e bem arranjadas” e descrições idealizadas.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), baseando-se em declarações de participantes ligados ao evento.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase.
Tons promocionais implícitos (14/15), sugerindo que a peça funciona mais como uma promoção turística do que como uma análise jornalística independente.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom exaltante e promocional, comprometendo a imparcialidade.
A reportagem “Dois vareiros entram num café de Friburgo e conversam sobre chocolate“, de Sandra Silva Costa, publicada a 21 de Dezembro de 2024, retrata a história de Jorge Cardoso, um chocolatier português que se destacou em Friburgo, na Suíça. O texto exalta a criatividade e qualidade das suas criações, como bombons e esculturas, incluindo uma de Cristiano Ronaldo, e apresenta detalhes sobre a sua loja e trajetória profissional. A narrativa foca-se exclusivamente nos aspectos positivos, utilizando linguagem entusiasta e descritiva para enaltecer o trabalho do chocolatier.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com destaque exclusivo para os sucessos e qualidades do trabalho de Jorge Cardoso.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com expressões como “criações artísticas” e descrições detalhadas dos produtos.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), baseando-se apenas nas declarações do chocolatier, sem contrapontos.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final do texto.
Tons promocionais implícitos (14/15), sugerindo que a peça serve mais como uma divulgação do trabalho do chocolatier do que como uma análise jornalística imparcial.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom exaltante, comprometendo a imparcialidade.
A reportagem “Dolinas: um hotel dedicado à escalada entre a serra de Aire e a vila de Porto de Mós“, de Paula Sofia Luz, publicada a 18 de dezembro de 2024, explora as características do Dolinas Climbing Hotel, um espaço projetado para amantes da escalada. O texto destaca as instalações modernas, como quartos com “decoração requintada”, “conforto térmico e acústico” e a “piscina aquecida com tratamento a sal”, além das atividades disponíveis, incluindo “mais de 80 mil percursos” de escalada. A narrativa elogia também a integração do hotel com a serra de Aire, descrita como uma “experiência única”, e realça o trabalho das diretoras Cidália Patrício e Cátia Campos.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com foco exclusivo nos aspectos positivos das instalações e serviços.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições entusiastas e detalhadas.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se às declarações de responsáveis do hotel.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas no final do texto, sem contextualização.
Tons promocionais implícitos (14/15), com a narrativa a destacar continuamente os aspectos positivos.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
A reportagem “LxFactory tem uma nova residente italiana. Chama-se Sophia e trouxe pizzas“, de Inês Duarte Freitas, publicada a 17 de Dezembro de 2024, apresenta o Sophia Pizzoteca&Bar, um restaurante recente na LxFactory. O texto destaca o ambiente do espaço como “vibrante e colorido”, a sua decoração, com “um padrão dominado por flores desenhadas à mão”, e a oferta gastronómica, descrita como “uma carta de pizzas criativas, onde a italiana tradicional dá lugar à contemporânea”. São ainda referidas inovações como o portafoglio, uma pizza dobrada descrita como “uma das maiores surpresas da carta”, e o bar de prosecco, que se apresenta como “o primeiro bar de prosecco em Lisboa”. A narrativa foca-se exclusivamente nos aspectos positivos do restaurante.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), destacando apenas os aspectos positivos.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições detalhadas e entusiasmo evidente.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se às declarações de Ana Arié, do grupo Capricciosa.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase.
Tons promocionais implícitos (14/15), evidenciados pelas descrições detalhadas do espaço e do menu.
Conclui-se que a reportagem compromete a imparcialidade, funcionando como uma peça promocional do restaurante.
A reportagem “Budapeste é muito mais do que mercados de Natal“, de Bárbara Wong, publicada a 14 de Dezembro de 2024, explora a riqueza cultural e histórica de Budapeste, destacando o ambiente natalício e as experiências proporcionadas pelo hotel Aurea Ana Palace, que acolheu a jornalista. O texto elogia os mercados de Natal com um “toque de magia” e enfatiza a localização e reabilitação do hotel, descrito como um espaço de “decoração requintada” e “reabilitação cuidadosa”. A narrativa apresenta uma visão idílica da cidade, com foco nos monumentos e tradições, além de promover o hotel como uma parte essencial da experiência.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 93 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), concentrando-se apenas nos aspectos positivos.
Uso de linguagem enaltecedora (22/25), com descrições como “vista deslumbrante sobre Budapeste”.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se às declarações do diretor do hotel, Peter Szogi.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase, sem contextualização.
Tons promocionais implícitos (14/15), evidentes nas descrições exaltantes do hotel e dos mercados.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
A reportagem “Cinco dias pela doce Suíça das vinhas e dos vinhos“, de Pedro Garcias, publicada a 30 de Novembro de 2024, descreve uma viagem pelas vinhas suíças, destacando paisagens, gastronomia e vinhos locais. O texto foca-se na beleza das regiões visitadas, com passagens como “vinhas-jardins”, e descreve experiências nos produtores, incluindo a “Cave Guillod”, onde se degustaram vinhos como o tinto Fuoco, descrito como “o grande vinho da casa”. A narrativa apresenta a Suíça como um destino encantador para os amantes de vinho, com referências à qualidade dos produtos e à hospitalidade local.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), destacando apenas aspectos positivos das vinhas e dos vinhos.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições poéticas como “uma beleza que nem a chuva ofusca”.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), centrando-se em informações de produtores e guias ligados ao Turismo da Suíça.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última frase, sem contextualização adicional.
Tons promocionais implícitos (14/15), com foco em descrições detalhadas e entusiastas dos vinhos e paisagens.
Conclui-se que a reportagem reflecte um tom promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
A reportagem “A noite em que o Barca Velha fez prova entre as estrelas“, de Manuel Carvalho, publicada a 27 de Novembro de 2024, descreve a participação da Casa Ferreirinha no evento Golden Vines, em Florença, com destaque para o vinho Barca Velha. O texto exalta a sofisticação do evento, referindo-se a ele como um “verdadeiro espectáculo” e elogia o vinho como “claramente ao nível do que aquele tipo de público conhecedor espera”. A narrativa foca-se na qualidade do vinho, na sua “profundidade e complexidade”, e no impacto da participação da marca portuguesa entre um público internacional.
A análise pelo Índice de Elogio Servil (IES) classificou a reportagem como Elogio Servil Total, com 96 pontos em 100. Os motivos incluem:
Ausência de críticas (25/25), com foco exclusivo nos aspectos positivos do evento e do vinho.
Uso de linguagem enaltecedora (25/25), com descrições como “uma pequena multidão elegante” e “luxo, requinte e possibilidade de experimentar algumas das criações mais reconhecidas e valorizadas do planeta”.
Dependência de fontes comprometidas (18/20), limitando-se a declarações de representantes ligados à Casa Ferreirinha e ao evento.
Menção superficial ao convite (14/15), feita apenas na última linha, sem reflexão adicional.
Tons promocionais implícitos (14/15), evidentes nas descrições detalhadas e exaltantes do vinho e do evento.
Conclui-se que a reportagem funciona como uma peça promocional, comprometendo a imparcialidade jornalística.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
O custo das refeições ultrapassa, facilmente, os 50 euros por comensal, mas consolidou-se como um ponto de referência para almoços e jantares de figuras públicas. O icónico Solar dos Presuntos, em Lisboa, aumentou em 2021 a sua capacidade e, em dois anos, ultrapassou facilmente a crise causada pela pandemia e mais do que duplicou o número de empregados. Na semana passada, o seu gerente, Pedro Cardoso, revelou que um quarto dos trabalhadores é de origem nepalesa, sendo que a experiência é tão boa que não os trocaria por nada. O PÁGINA UM foi olhar as contas da empresa gestora do restaurante para concluir que Pedro Cardoso só pode estar mesmo satisfeito: em termos reais, depois de um forte investimento em 2021, conseguiu um aumento real dos lucros da ordem dos 65% entre 2019 e 2023, que atingiram os dois milhões de euros, mas também muito por via do salário médio líquido dos empregados ter baixado 26%. Pela análise às contas, apesar de a margem líquida (lucro a dividir pelas receitas) ser mais de sete vezes superior à média do sector da restauração, grande parte dos novos contratados pelo Solar dos Presuntos estará a ganhar valores próximos do salário mínimo nacional.
“Gosto muito deles, somos como uma família, são essenciais à nossa actividade e eu não faço qualquer distinção com os outros funcionários portugueses que aqui estão”. Foi com estas palavras ao jornal Expresso, na semana passada, que Pedro Cardoso, o proprietário do Solar dos Presuntos, supostamente quis homenagear a importância dos imigrantes, destacando mesmo que o famoso restaurante na Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa, não seria o mesmo sem os nepaleses, que constituem cerca de um quarto dos trabalhadores. “Se o pessoal do Nepal fosse todo embora, a restauração fechava, não tínhamos mão-de-obra necessária à nossa actividade”, afiançou o empresário.
A falta de mão-de-obra, sendo questão recorrente, até para justificar a imigração, deve ser ponderada num contexto salarial. Ou seja, muitas vezes, a falta de mão-de-obra está sobretudo associada a um contexto salarial. Não é raro que a alegada escassez de trabalhadores provenha sobretudo da ausência de condições atractivas, sejam salariais, contratuais ou de progressão profissional. E isso mostra-se mais visível em determinados sectores, como a restauração. Daí que a entrada de imigrantes implica, em muitos casos, sobretudo em tarefas pouco qualificadas, mas exigentes em termos de condições de trabalho, um reajustamento salarial – para baixo. E não para sobrevivência das empresas, mas simplesmente para aumento dos lucros.
Pedro Cardoso ‘herdou’ a gestão de um dos mais icónicos restaurantes de Lisboa fundado em 1974.
Foi nessa óptica – e num contexto em que se sabe que a subutilização do trabalho em Portugal abrangia quase 614 mil pessoas em Novembro passado, ou seja, cerca de 11% da população activa alargada –, que o PÁGINA UM foi tentar perceber, através da análise das contas da empresa proprietária – a Gonzalez, Teixeira e Seoane, Lda. –, se o Solar dos Presuntos está com a ‘corda na garganta’ e, sobretudo, perceber a sua política salarial face à evolução da facturação e, em especial, do lucro.
Analisaram-se assim, em detalhe, as demonstrações financeiras e outros elementos constantes da Informação Empresarial Simplificada (IES) da empresa proprietária do Solar dos Presuntos para os exercícios anuais de 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023. As contas de 2024 apenas serão conhecidas ao longo dos próximos meses. Aliás, a IES de 2023 somente foi reportada pela empresa no passado dia 18 de Outubro. Nesse contexto, mostrou-se desnecessário, até pela isenção jornalística que se pretende transmitir, solicitar mais esclarecimentos à Gonzalez, Teixeira e Seoane, dado que a IES oferece dados claros e suficientes para uma análise económica e financeira rigorosa.
Convém desde já destacar que, tal como sucedeu com todo o sector da restauração, os anos de 2020 e 2021 foram complicados para o Solar dos Presuntos, por via dos confinamentos e da redução abrupta do turismo. Nesse contexto, mesmo com subsídios estatais nesses dois anos da ordem dos 520 mil euros, a empresa apresentou um inédito prejuízo de 60 mil euros em 2021. Mas esse desempenho também se deveu ao investimento numa profunda remodelação do restaurante que mais do que duplicou a capacidade. O restaurante reabriria em Agosto desse ano passando de cerca de 200 lugares para 450, com um investimento anunciado de quatro milhões de euros. Assim terá sido, até porque as contas o reflectem: os activos fixos tangíveis (que incluem sobretudo os edifícios) subiram de quase 2,6 milhões de euros em 2020 para um pouco mais de 6,4 milhões em 2021.
A presença de futebolistas é o ‘prato forte’ do Solar dos Presuntos. Nesta foto, revelada pelo gerente Pedro Cardoso, estão Jeremiah St Juste, Franco Israel, Francisco Trincão e Viktor Gyökeres, todos jogadores do plantel do Sporting.
Esse aumento da capacidade, a par da inauguração em 2023 do Gracinha – um espaço de petiscos que, aparentemente, não tem caído nas graças de muitos clientes –, catapultou a facturação e os lucros da empresa do Solar dos Presuntos. Depois dos dois anos da pandemia (2020 e 2021) com facturação em cada um dos exercícios a rondar os três milhões de euros – uma queda significativa face a 2019, que se cifrou em 5,9 milhões de euros –, a empresa conseguiu facturar mais de 7,7 milhões de euros em 2022 e terminou o ano de 2023 com quase 9,5 milhões, ou seja, uma receita diária superior a 28 mil euros.
Mas se a facturação atingiu, em 2023, montantes elevados, mesmo para um restaurante popular – frequentado por VIPs, sobretudo futebolistas –, mais impressionantes foram os lucros, que mostraram o sucesso do investimento no período da pandemia. Com efeito, se em 2020 os lucros tinham recuado 63% face ao ano anterior (de 1,07 milhões de euros para 361 mil euros) e em 2021 foram contabilizados prejuízos (-60 mil euros), a recuperação iniciou-se de imediato em 2022. Nesse ano, a empresa do Solar dos Presuntos teve um lucro de 571 mil euros e em 2023 atingiu a cifra dos 2.006.040 euros.
Parecendo evidente que o investimento no redimensionamento do Solar dos Presuntos em plena pandemia, que causou prejuízos em 2021, foi uma aposta ganha, há também outro factor: com o aumento do pessoal, os salários médios diminuíram, ou seja, uma parte dos trabalhadores contratados sobretudo a partir de 2022 passou a ganhar menos. E este menos é ainda menos se considerarmos o efeito da inflação.
De facto, considerando os encargos com os empregados, bem como a retenção de IRS, o salário médio líquido dos funcionários do Solar dos Presuntos era, em 2019, de cerca de 1.340 euros, tendo baixado para os 1.123 euros em 2023. Entre 2019 e 2023, o número de empregados aumentou de 52 para 94. Mas a evolução salarial agravou-se ainda mais pela forte inflação que se registou sobretudo a partir de 2022.
Assim, se se considerar o factor de actualização do Instituto Nacional de Estatística (INE), o salário médio em 2023 deveria ser 13,9% superior ao de 2019 para, em teoria, não ocorrer perda de poder de compra. Ou seja, em média o salário de 2023 deveria ser de 1.525 euros – porém, é de 1.123 euros, o que significa que a folha salarial média em valores reais desceu 26,4%.
Não sendo de esperar que quem já trabalhava no Solar dos Presuntos em 2019 tenha passado a ganhar menos – pelo contrário, terá havido alguma actualização em virtude da inflação –, aquilo que estes valores revelam é que as novas contratações, em termos líquidos, tenham sido ‘corridas’ a salários próximos do ordenado mínimo nacional, que em 2023 estava fixado nos 760 euros. Ou seja, uma parte substancial dos contratados pelo Solar dos Presuntos desde 2022 estará a receber o salário mínimo nacional.
Ao invés de uma redução do salário médio em termos reais de cerca de 26% entre 2019 e 2023, o lucro quase duplicou em termos nominais (passando de 1,07 milhões para 2,01 milhões de euros), registando um crescimento de 65% em termos reais. Se os salários de 2019 tivessem sido aumentados com um factor de actualização de 1,1389 (INE) e os salários médios dos novos contratados fossem semelhantes aos salários mais antigos, os gastos do pessoal seriam, de acordo com as estimativas do PÁGINA UM, de cerca de 2,9 milhões de euros, um pouco mais de 520 mil euros face aos valores reais. Nessas circunstâncias, o Solar dos Presuntos estaria muito longe de ficar aflito: a empresa ‘apenas’ baixaria os seus lucros de 2,01 milhões para cerca de 1,5 milhões de euros.
Evolução (em euros) das vendas, dos custos das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (CMVMC), dos fornecimentos e serviços externos (FSE), dos gastos com pessoal (incluindo todos os encargos) e dos lucros entre 2019 e 2023. Fonte; IES da Gonzalez, Teixeira e Seoane, Lda.
Aliás, a situação da empresa gestora do Solar dos Presuntos era, no final de 2023 (só a meio do presente ano se saberão as contas de 2024), bastante desafogada, com activos no valor de quase 16 milhões de euros, dos quais mais de 3,2 milhões de euros em caixa e contas bancárias. Nos últimos cinco anos, período analisado pelo PÁGINA UM, o endividamento sempre foi relativamente baixo – o passivo era de dois milhões de euros – face a um robusto capital próprio de 13,9 milhões de euros, dos quais 10,4 milhões de lucros acumulados. A margem líquida (razão entre lucro e receitas) em 2023 atingiu os 21,2%, um valor mais de sete vezes superior ao do mercado da restauração, de acordo com os números de Banco de Portugal. Se a empresa do Solar dos Presuntos tivesse apresentado a taxa média de margem líquida do sector (2,94%), mesmo assim o lucro em 2023 seria da ordem dos 277 mil euros.
Segundo as informações do IES da empresa, nos últimos cinco anos nunca houve distribuição de dividendos, nem tão-pouco gratificações declaradas quer à gerência quer ao pessoal.
Apesar do volume de negócios, dos montantes do balanço e do número de empregados estarem em patamares que exigiriam a certificação das contas por um revisor oficial de contas (ROC), a empresa do Solar dos Presuntos continua a assumir ser, em termos contabilísticos, uma “pequena entidade”, algo que, a manter-se, pode suscitar uma intervenção da Autoridade Tributária.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Nos últimos sete anos, a Quinta da Fonte Santa, uma herdade do Banco de Portugal de 22 hectares às portas de Lisboa, custou 1,3 milhões de euros só em serviços de manutenção dos espaços exteriores. A propriedade de luxo, alberga um centro hípico, que está concessionado, além de piscinas e até uma discoteca. Oficialmente, o Banco de Portugal atribui ao espaço a pomposa designação de ‘centro de formação’. A propriedade passou a património da instituição liderada por Mário Centeno em 1989, sendo de uso exclusivo dos quadros do Banco de Portugal e suas famílias. De resto, só pode lá entrar quem tiver convite. Manter os espaços exteriores envolve despesas várias, que não estão discriminadas no relatório de contas e de actividades, mas o mais recente contrato surge no Portal Base: foi assinado no final de Dezembro com o valor de quase 880 mil euros, com IVA.
Monda. Ressemeadura. Retancha. Não é todos os dias que se lêem documentos do Banco de Portugal com palavras ligadas a jardinagem e agricultura, sendo mais comum encontrar relatórios e publicações escritos numa linguagem económico-financeira e muito burocrática. A explicação é simples. É que, além de barras de ouro, o Banco de Portugal guarda um outro ‘tesouro’ de luxo e de cariz mais ‘rural’: a Quinta da Fonte Santa, a qual exige manutenção, designadamente dos espaços verdes.
A propriedade de 22 hectares, situada em Caneças, Odivelas, às portas de Lisboa, é fechada ao público e alberga um vasto conjunto de valências que vão desde o centro hípico, que está concessionado, a piscinas, e até uma discoteca.
Mas isto de ‘ser rico’ sai caro. Só na manutenção dos espaços verdes, a propriedade de luxo do Banco de Portugal custou 1,62 milhões de euros (com IVA) nos últimos sete anos, segundo uma análise do PÁGINA UM aos contratos registados no Portal Base, plataforma de registo de compras públicas.
Entrada da Quinta da Fonte Santa, em Caneças, Odivelas. / Foto: D.R.
No mais recente contrato feito pelo Banco de Portugal, no dia 27 de Dezembro, a despesa envolvida na “Aquisição de Serviços de Manutenção de Espaços Verdes e de Espaços Exteriores” para a Quinta da Fonte Santa ascende a 715 mil euros, que sobe para 880 mil com IVA. O serviço, com um prazo de cinco anos, foi adjudicado à empresa Espaços Verdes – Projectos e Construção, Lda., através de concurso público. Contudo, não estão disponíveis os nomes das restantes empresas que eventualmente concorreram a este procedimento.
As tarefas incluídas no caderno de encargos abrangem, além dos trabalhos de jardinagem e limpeza de caminhos e muros, outras tarefas, nomeadamente a “limpeza dos galinheiros, pombais e capoeiras, incluindo a reposição de alimento para as espécies animais”, bem como a limpeza das lareiras e das churrasqueiras.
Planta da Quinta da Fonte Santa com o detalhe das várias infraestruturas existentes no espaço de 22 hectares. / Foto: Banco de Portugal
Nos últimos sete anos, o Banco de Portugal assinou cinco contratos com empresas para prestarem aquele tipo de serviço na Quinta da Fonte Santa. A 2 de Outubro de 2017, foram assinados dois contratos com duas empresas distintas para serviços de manutenção de espaços exteriores e serviços de limpeza para a Quinta. O contrato de valor mais elevado, de 171 mil euros, com um prazo de execução de três anos, foi adjudicado à Espaços Verdes. O segundo contrato, no valor de 103.680 euros, também com um prazo de execução de três anos, foi entregue à empresa Não Se Mace – Limpezas.
Seguiu-se, a 18 de Janeiro de 2021, um outro contrato com a Espaços Verdes, no montante de 43.848 euros, com um prazo de execução de nove meses. A 16 de Setembro desse mesmo ano, o Banco de Portugal contratou a Purgest Serviços Ambientais, Lda. para fazer a manutenção dos espaços exteriores da Quinta por um período de três anos, tendo pago 286.500 euros por este serviço.
Estes contratos não abrangem manutenção de piscinas ou limpeza de espaços interiores da Quinta da Fonte Santa. No Portal Base constam três contratos efectuados em 2019, 2020 e 2021 entre o Banco de Portugal e empresas que prestam serviços de manutenção de piscinas, mas os respectivos cadernos de encargos não se encontram disponíveis, pelo que não existem detalhes sobre os serviços contratados a estas empresas, sendo apenas referido que se trata de “serviços de manutenção da rede hidráulica”. Dois dos contratos foram realizados com a Regapool – Bombas, Jardins e Piscinas, Lda. e um outro com a Cimai, Engenharia e Química Avançada, Sociedade Unipessoal, Lda..
A Quinta celebrou o seu 30º aniversário na posse do Banco de Portugal em 2019, com um almoço comemorativo que contou com altas figuras da instituição e representantes da Câmara Municipal de Odivelas. / Foto: D.R.
Apesar da dimensão da Quinta e de se tratar supostamente de um centro de formação do Banco de Portugal, o PÁGINA UM não encontrou referências ao espaço nos mais recentes relatórios institucionais do Banco. Aliás, consultando a página do Banco de Portugal na Internet, é como se a Quinta não existisse. A principal referência ao espaço é encontrada na página do Centro Hípico Quinta da Fonte Santa, o qual está aberto ao público, disponibilizando aulas de hipismo e ‘baptismos’.
De resto, pesquisando na Internet sobre a Quinta e o Banco de Portugal, encontra-se um ‘link‘ que remete para um ‘esclarecimento‘ que a instituição fez em 2012 na sequência de uma notícia sobre o espaço. No comunicado, era referido que “a Quinta da Fonte Santa é património do Banco de Portugal desde 1989” e que “a aquisição do imóvel resultou de um processo de dação em pagamento de dívidas ao Banco”. Ainda de acordo com o comunicado, “o Banco aproveitou este activo como centro de formação e espaço institucional para a realização de reuniões de trabalho (nomeadamente para acolher acções no quadro do funcionamento dos bancos centrais do Sistema Europeu de Bancos Centrais e de cooperação com os bancos centrais dos Países Lusófonos)”.
O Banco também explicava, nessa nota, que “dada a sua implantação e características de origem, a Quinta da Fonte Santa serve igualmente para a promoção de diversas actividades de natureza social, cultural e desportiva, destinadas aos colaboradores e reformados do Banco e eventuais convidados”, estando “aberta a iniciativas da comunidade local, acolhendo periodicamente actividades de escolas e associações (neste caso, incluindo actividades para pessoas com deficiência)”.
A Quinta da Fonte Santa tem 22 hectares. / Foto: D.R.
No comunicado, o Banco adiantou que optou por concessionar o picadeiro para que pudesse ser aproveitado, abrindo o espaço ao público em geral, “sem que a mesma implicasse custos para o Banco e preservasse o seu valor patrimonial”. Garantiu, na altura, que “trata-se de uma infra-estrutura que não representa custos para o Banco nem visa servir o Banco” e que o “único objectivo que presidiu ao respectivo concessionamento foi manter aberto um espaço que serve a comunidade onde está localizada a Quinta da Fonte Santa, mantendo o seu valor patrimonial para o Banco”.
Também se encontra disponível uma referência à Quinta na página da Câmara Municipal de Odivelas, por ocasião do evento de celebração do 30º aniversário do espaço como fazendo parte do património do Banco de Portugal. O evento, ocorrido a 5 de Outubro de 2019, contou com a presença de quadros de topo do Banco e representantes da autarquia, e incluiu um almoço na biblioteca da Quinta.
De resto, encontram-se também classificações ao espaço no Google feitas por visitantes e convidados que puderam desfrutar da Quinta privada. Num comentário publicado há sete meses pode ler-se: “Propriedade privada do Banco de Portugal. Uma linda quinta com excelentes condições para campo de férias! Piscina, jardins, hipismo, discoteca… Foi um privilégio ter frequentado o local. Cuidado com as alergias e com os insetos.”
Helder Rosalino (ao centro na foto) foi um dos altos quadros do Banco de Portugal que participou no 30º aniversário da Quinta da Fonte Santa, em 2019.
Visualizando fotos da Quinta na Internet e nas redes sociais, há quem tenham vindo ao engano até Caneças. Foi o que aconteceu com um utilizador que atribuiu uma estrela ao recinto: “Bela treta. Fui eu fazer uma viagem de carro e gastar gasolina, andei perdido para encontrar este jardim , com a minha mulher e dois filhos e sou barrado à entrada, dizendo que era uma propriedade privada e só com convite se pode entrar, Obrigado ao Banco de Portugal.”
Quintas de luxo às portas de Lisboa não é para quem quer, mas para quem pode. Até porque as despesas de manutenção são altas. Pelos vistos, o Banco de Portugal quer e pode.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Desde 2017 já ‘rolaram’ a partir do Turismo de Portugal nove contratos por ajuste directo para prestação de serviços jurídicos pela Clareira Legal, num total de 3,2 milhões de euros (com IVA). Justificando os contratos como de “natureza intelectual” e invocando “urgência imperiosa”, o instituto público dispensou concursos públicos, fazendo da excepção a regra. A Clareira Legal é liderada pelo advogado André Luiz Gomes, conhecido por defender o empresário Joe Berardo.
A adjudicante é um instituto público – o Turismo de Portugal – e a adjudicatária uma sociedade de advogados – chamada Clareira Legal, mas que já se chamou Luiz Gomes & Associados. Se é certo que existem formalismos a tratar, tudo já aparenta ser feito como se fossem ‘velhos amigos’, apesar da existência de contratos, os quais servem apenas para confirmar ajustes directos, uns atrás dos outros. E nada nem ninguém os parece demover. As relações, iniciadas em finais de 2017, já vão em nove contratos de ‘beija-mão’ no valor de 2,625 milhões de euros, com IVA ascendendo aos 3,2 milhões de euros.
Já em Novembro de 2023, o PÁGINA UM detectou que a sociedade fundada por André Luiz Gomes, que ficou conhecido por ser advogado de Joe Berardo, contava sistematicamente com uma espécie de avença do Turismo de Portugal para patrocínio judicial e consultadoria em litígios com concessionárias de zonas de jogo, principalmente casinos.
As relações comerciais começaram em Dezembro de 2017, com um ajuste directo de 150 mil euros (sem IVA), onde se invocava um artigo do Código dos Contratos Públicos que nem se aplicaria ao caso. No quinquénio seguinte, começaram paulatinamente a cair contratos no valor de 190 mil euros por ano, desta vez invocando uma norma que tem sido usada cada vez mais por gestores públicos para garantir os préstimos de sociedades de advogados ‘amigas’ (ou de confiança, como se queira) sem necessidade de concurso público.
Com efeito, em ‘juridiquês’ interpretado a preceito, o Turismo de Portugal justificou estes cinco contratos por ajuste directo, porque considera que o trabalho de advocacia é de “natureza intelectual” e que a natureza das prestações de serviços em causa “não permit[e] a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação” nem alegadamente se mostra possível a “definição quantitativa dos atributos das propostas”.
Este argumento da impossibilidade de lançar concursos públicos por alegada dificuldade em definir atributos para os critérios de adjudicação é bastante falacioso, uma vez que os serviços de advocacia são bastante regulamentados, sendo possível avaliar propostas com base em critérios objectivos, como a experiência, as qualificações, o preço dos honorários e as metodologias de trabalho. Mas invocar aquela norma, sem a justificar, foi um expediente para garantir à Clareira Legal cerca de 1,17 milhões de euros (IVA incluído) em serviços jurídicos entre 2018 e 2022.
Chegou entretanto o ano de 2023, e o Turismo de Portugal optou por outro expediente: para representação do Estado português em três acções arbitrais, adjudicou novamente à Clareira Legal cerca de 1,48 milhões de euros (IVA incluído), mas sob a fundamentação de “urgência imperiosa” sem possibilidades de optar por concurso público.
Carlos Abade, presidente do Conselho Directivo do Turismo de Portugal.
De acordo com o Turismo de Portugal, o caso foi levantado por concessionárias de três zonas de jogo e o valor global dos pedidos de compensação apresentados ascendia a mais de 330 milhões de euros. Apesar de garantir então ao PÁGINA UM, em Novembro de 2023, que todo o processo de adjudicação era legal, o Turismo de Portugal admitiu outra causa “determinante”: a Clareira Legal tinha conseguido “obter vencimento nas acções propostas pelas concessionárias perante os tribunais judiciais, protegendo e beneficiando assim o interesse público”. E acrescentava que assim “foi escolhido o prestador em quem se deposita[va] confiança técnica e profissional, sendo que, nestes casos, as próprias Directivas Comunitárias de contratação pública não se aplicam a este tipo de contratos.”
Contratos na base da “confiança” ou da amizade não estão, no contexto dos princípios da contratação pública, associados às regras da transparência e da livre concorrência, até porque os honorários da Clareira Legal não são baratos, atingindo, nos contratos conhecidos, entre 180 e 200 euros por hora (com IVA).
Mas isso pouco importou ao instituto público liderado por Carlos Abade. E assim, no ano passado, a sociedade liderada por André Luiz Gomes recebeu mais duas ‘prendas’: um ajuste directo de 55 mil euros (sem IVA), em Agosto passado, para patrocínio de uma providência cautelar intentada pela Sociedade Figueira Praia, por alegada “urgência imperiosa”; e um segundo ajuste directo, mais chorudo (290 mil euros, sem IVA), no final do mês passado.
André Luiz Gomes ao lado de Joe Berardo, numa audição parlamentar em Maio de 2019. Fonte: AR-TV.
Apesar da ‘colecção’ de ajustes directos, que tornam a excepção uma regra, aparentemente tudo vai continuar, a atender pela reacção do Turismo de Portugal. Para esta entidade pública, o tipo de patrocínio judiciário executado “não é compatível com a descrição detalhada das actividades a desenvolver, as quais são variáveis em função do desenvolvimento dos processos e, muitas vezes, são consequência directa da estratégia processual definida pelos advogados prestadores dos serviços e, portanto, insusceptíveis de serem antecipadas pelas entidades adjudicantes”. E acrescenta ainda que o Código dos Contratos Públicos “tem consagração legal precisamente para acolher situações como a presente.”
Se o Turismo de Portugal advoga, tal como outras entidades públicas, que o ajuste directo se pode aplicar sempre aos serviços jurídicos, resta assim saber qual a razão para algumas outras entidades também públicas insistirem em lançar concursos públicos, assumindo, deste modo, ser possível definir critérios para uma adjudicação mais transparente e competitiva.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Uma fotografia de Gouveia e Melo, envergando o uniforme branco naval, está a ser utilizada pela Universidade Nova de Lisboa para promover um curso de quatro dias, ao preço de 3.000 euros, onde o almirante na reserva será um dos formadores, ao lado de Paulo Portas e Alexandra Reis. O Estado-Maior da Armada afirma que a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas permite que Gouveia e Melo possa, quando assim o desejar, estar de farda, mesmo tendo passado à reserva. Está, assim, aberta a possibilidade de o antigo líder da Marinha poder usar, livremente, uniformes militares em marketing eleitoral ou mesmo durante a campanha eleitoral, caso venha a candidatar-se.
Caso se candidate à Presidência da República, na sua campanha eleitoral, Gouveia e Melo pode surgir, se assim entender, fardado e com as insígnias militares. Essa é a posição do próprio Estado-Maior da Armada, agora sob a liderança do Almirante Nobre de Sousa, após ter sido confrontado com publicidade a um curso de formação da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa onde surge o agora almirante na reserva, e putativo candidato a Belém, fardado e ostentando as suas medalhas.
A publicidade ao curso, que surge nas redes sociais da Nova SBE Executive Education, mas não se insere em qualquer grau de ensino. Trata-se de um curso de quatro dias, denominado ‘Leadership & Crisis Management’, com um custo de inscrição de 3.000 euros, em que Gouveia e Melo será um dos formadores.
No denominado ‘corpo docente’, estão também, entre outros, Paulo Portas e Alexandra Reis – a ex-presidente da NAV que causou a a demissão de Pedro Nuno Santos de ministro do Equipamento no início de 2023 –, bem como António Cunha Vaz, um dos mais conhecidos e influentes donos de agências de comunicação e imagem. No anúncio, com uma fotografia em destaque do ex-Chefe do Estado-Maior da Armada, envergando o uniforme branco naval com a insígnia do posto de Almirante, surge a mensagem: “Junte-se a Henrique Gouveia e Melo na formação executiva de Leadership & Crisis Management e aprenda a transformar as crises em oportunidades”.
Para justificar a legitimidade de Gouveia e Melo andar fardado e medalhado onde quer que esteja, e quando quiser, o Estado-Maior da Armada relembra a Lei das Ordens Honoríficas Portuguesas, que especifica que “os militares agraciados com qualquer grau das ordens Militares da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito e de Avis, têm direito ao uso do uniforme militar, seja qual for o seu quadro ou situação e mesmo depois de deixarem a efetividade de serviço”.
E o gabinete de comunicação e relações-públicas da Marinha acrescenta mesmo que “Esta disposição aplica-se ao caso concreto do Sr. Almirante Gouveia e Melo que, ao longo da sua carreira, foi agraciado com diferentes graus da Ordem de Avis.“ Contudo, na verdade, deve acrescentar-se um pormenor relevante não mencionado na informação enviada pelo Estado-Maior da Armada ao PÁGINA UM: esse militar só poderá estar uniformizado se ostentar, em simultâneo, “as respectivas insígnias“.
Saliente-se que, além da Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo, recebida no final de Dezembro das mãos do Presidente da República, Gouveia e Melo já tinha sido condecorado outras duas vezes com a Ordem de Avis: primeiro, em Junho de 2004, com o grau de comendador, quando era capitão-de-fragata; e depois, em Maio de 2021, com o Grande-Colar, enquanto dirigia a task force da vacinação contra a covid-19 e era ainda adjunto do Planeamento do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
A interpretação do Estado-Maior da Armada sobre a legalidade do uso de uniforme por Gouveia e Melo, mesmo que esteja agora na reserva, recentra a ‘celeuma’ causada pela sua entrevista à RTP, em Setembro passado, onde também surgiu fardado a fazer abordagens que poderiam ser consideradas políticas.
Apesar de a lei estar do seu lado, para poder ostentar a postura e disciplina militar, o PÁGINA UM quis saber se Gouveia e Melo autorizou a Universidade Nova de Lisboa a usar a sua imagem fardada para atrair pessoas para um curso de 3.000 euros. Porém, a mensagem enviada para o seu e-mail da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não obteve resposta.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Ao contrário da mortalidade infantil – que mantém os sinais de uma evolução positiva espectacular nas últimas décadas e estabilizou desde 2012, sempre abaixo dos 300 óbitos por ano –, os adolescentes e jovens adultos estão agora em maior perigo. Nos últimos três anos, no grupo etário dos 15 aos 24 anos assiste-se a uma evidente inversão, de forma abrupta e consistente, nas taxas de sobrevivência, e os números de óbitos dispararam. Na ‘flor da idade’, quando a ‘Ceifeira’ está pouco activa, este crescimento está agora em contra-ciclo, e nem a Ordem dos Médicos – que pediu a criação de um grupo de trabalho apenas para a mortalidade infantil – parece interessada em saber a razão um excesso de mortalidade que, desde 2022, será de mais 144 jovens do que seria esperado. Haverá receio de se descobrirem causas indesejáveis associadas à gestão da pandemia, incluindo suicídios e efeitos adversos das vacinas contra a covid-19?
O inexplicável aumento da mortalidade em adolescentes e jovens adultos nos últimos três anos inverteu, de forma abrupta, a tendência de melhoria das taxas de sobrevivência das últimas décadas. Apesar da gravidade da situação, que tem claramente um evidente ‘ponto de inversão’ em 2022, nem o Ministério da Saúde nem a Ordem dos Médicos esboçaram sequer qualquer reacção para apurarem as causas desse agravamento nas mortes na faixa etária dos 15 aos 24 anos.
Recorde-se que, ainda na passada sexta-feira, depois de o jornal Público ter ‘requentado’ uma notícia do PÁGINA UM de início de Dezembro sobre a mortalidade infantil em 2024 ser a maior do último quinquénio, a Ordem dos Médicos manifestou agora procupação mas apenas sobre esta faixa etária, instando a Direcção-Geral da Saúde a constituir um grupo de trabalho para estudar o assunto. Em declarações à TVI, o bastonário Carlos Cortes disse ser necessário estudar “caso-a-caso” os óbitos para “saber quais foram os motivos”, para depois desenvolver depois uma intervenção mais profunda para manter os números [baixos de mortalidade infantil] que nos têm orgulhado”.
A Ordem dos Médicos nada disse, no entanto, sobre o excesso de mortalidade muito mais graves em termos numéricos associado aos adolescentes e jovens adultos, que se têm agravado nos últimos três anos. O PÁGINA UM foi, ao longo dos últimos anos, denunciado o excesso de mortalidade na faixa dos 15 aos 24 anos, sem que a Ordem dos Médicos, com recursos para chegar à mesma conclusão, fizesse a pressão que agora decidiu sobre a mortalidade nos recém-nascidos até perfazerem 12 meses.
Com efeito, apesar de toda a celeuma criada em redor da subida dos óbitos de bebés no ano passado – subindo de 219, em 2023, para 261 –, em termos de médio prazo estes números não são ainda alarmantes. O somatório da mortalidade infantil no triénio 2022-2024 (um total de 713 óbitos) está ainda abaixo do triénio 2018-2020 (um total de 769 óbitos).
A melhoria deste indicador é, na verdade, um dos grandes ‘milagres’ da Medicina moderna. Somente em 2010 se conseguiu, pela primeira vez, registar um triénio (neste caso, 2008-2010) abaixo dos mil óbitos. No final dos anos 90 do século passado, os óbitos de bebés eram quase três vezes mais, embora o número de nascimento fosse bem maior do que actualmente. Desde 2013 não há qualquer ano acima dos 300 óbitos, sendo que os anos mais baixos ocorreram até durante a pandemia (2020, com 214 óbitos; e 2021, com 195 óbitos), que estará associado à ‘hiper-protecção’ dos confinamento, algo que seria insustentável e até contraproducente manter no futuro.
Carlos Cortes, ao fundo, cumprimentando Diogo Pacheco de Amorim, deputado do Chega, aquando da sua posse como membro do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida em Maio do ano passado. Fonte: AR.
Mas já no que diz respeito aos adolescentes e jovens adultos, os últimos três anos mostram uma evolução preocupante, sobretudo por se estar perante um dos grupos etários com taxas de mortalidade mais baixas. Por exemplo, a taxa de mortalidade infantil – que ronda agora os três óbitos por 1.000 nascimentos – é cerca de 10 vezes superior ao grupo dos 15 aos 24 anos, considerando que, no quinquénio antes da pandemia (2014-2019) se contabilizaram menos de três óbitos por 10.000 pessoas dessa faixa etária.
O aumento da mortalidade dos adolescentes e dos jovens adultos não está directamente associado à doença (covid-19) causada pelo SARS-CoV-2, embora possa ser um efeito colateral da gestão da pandemia. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em três anos da pandemia (2020-2022) morreram, com causa atribuída à covid-19, quatro pessoas com idades entre os 15 e os 19 anos, e mais 12 com idades entre os 20 e os 24 anos.
Porém, se nos dois primeiros anos da pandemia o número de óbitos dos adolescentes e jovens adultos (15 aos 24 anos) estava quase em linha com o período pré-pandemia – 331 óbitos em 2020 e 312 em 2020, que contrastava com a média do quinquénio 2015-2019, que foi de 310 –, a partir de 2022 as más notícias aumentaram.
Evolução da mortalidade por ano desde 1998. Fonte. INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Os óbitos nesta faixa etária dispararam em 2022 para 375, sendo que apenas noves se associaram à covid-19, segundo dados oficiais do INE consultados pelo PÁGINA UM. Este valor anual foi o maior desde 2011. Em 2023 desceram ligeiramente, mas acima da média (359) e no ano que agora terminou contabilizaram-se 352 óbitos.
Deste modo, considerando os valores contabilizados por triénio – que, em certa medida, reduzem a possibilidade dos acasos –, o triénio 2022-2024 é, claramente, o pior da última década, sendo necessário recuar 11 anos para encontrar um triénio pior (2011-2013, com 1112 óbitos).
Há uma década assistia-se então a uma evolução verdadeiramente positiva nas taxas de sobrevivência da população jovem, fruto sobretudo dos cuidados médicos. De facto, no presente século, a mortalidade neste grupo etário foi descendo de forma consistente e bem visível pela Estatística. Por exemplo, em 1996 ainda morreram 1556 adolescentes e jovens adultos; em 2022 conseguiu-se pela primeira vez baixar a fasquia dos mil óbitos (924) e a evolução positiva não ficou por aí.
Evolução da mortalidade por triénio (somatório de três anos) em cada ano desde 1998. Fonte. INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.
Em 2010, os óbitos ficaram aquém do meio milhar pela primeira vez (451 mortes), e a partir de 2012 o número de mortes passou a estar sempre abaixo dos 400. Em 2018, com 291 óbitos, atingiu-se o número mais reduzido de sempre. A segunda década deste século foi mesmo um ‘período de ouro’, confirmado por números consistentemente baixos: por exemplo, entre 2015 e 2021, a mortalidade média neste grupo etário foi somente de 314 óbitos por anos.
Por esse motivo, a inversão nos últimos três anos se mostra mais preocupante: comparando com esse ‘período de ouro’, o triénio 2022-2024, com uma média de 362 óbitos por ano, representa um crescimento de mais de 15%, ou, se se quiser um número absoluto, mais 144 mortes do que o esperado. São 144 mortes na ‘flor da idade’ que, aparentemente, não são motivo suficiente para a Ordem dos Médicos sugerir a criação de um grupo de trabalho nem identificar as causas de tantas mortes. Será pelo receio de se descobrirem causas indesejáveis?
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Em finais de Junho, Carlos Moedas subiu a um palco do Terreiro do Paço para, de voz estridente, anunciar a entrega da medalha de mérito cultural a Tony Carreira. Pouco meses depois, sem chinfrim, de forma discreta, a empresa do cançonetista, a Regi-Concerto, teve uma oferta de ‘mão-beijada’ concedida pela Câmara Municipal de Lisboa: a co-organização das festas de Ano Novo no valor de 265 mil euros, incluindo IVA. Com um cartaz que não custará mais de 80 mil, constituído pelo ‘veterano’ José Cid e pelo seu próprio filho Mickael, e como a EGEAC assume ainda despesas, Tony Carreira terá um lucro, sem subir ao palco lisboeta, próximo dos 150 mil euros. Algo apenas possível quando se tem ‘mérito’… para sacar ajustes directos num mercado onde o ‘amiguismo’ prevalece.
Não foi só uma Medalha de Mérito Cultura da Cidade que este ano Tony Carreira recebeu das mãos de Carlos Moedas; também recebeu de ‘mão-beijada’ o direito de co-organizar as festividades da Passagem de Ano no Terreiro do Paço, possibilitando-lhe meter no cartaz o filho Mickael, em queda de popularidade. E se a medalha pode pesar no coração do cançonetista; o ‘cheque’ pelo espectáculo na oficialmente chamada Praça do Comércio, com vista para o Tejo, vai pesar-lhe bem na carteira.
Sem se conhecer, mais uma vez, os critérios de selecção de artistas e produtoras para a organização de espectáculos, a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) escolheu este ano a produtora de Tony Carreira, a Regi-Concerto, para co-produzir as celebrações do Novo Ano na principal praça de Lisboa, que terá como ‘ponto alto’ as actuações de José Cid – e convidados não definidos – e de Mickael Carreira, para além do habitual fogo-de-artifício. O contrato foi assinado no passado dia 20, assinado por António Manuel Mateus Antunes – o nome real de Tony Carreira, como gerente da Regi-Concerto –, apesar da EGEAC ter anunciado o cartaz na semana anterior.
Carlos Moedas entregou medalha de mérito cultural a Tony Carreira em Junho passado, Meio ano depois, a autarquia entregou, por ajuste directo, um contrato que lhedará um lucro de quase 150 mil euros. Foto: CML.
O valor do contrato por ajuste directo, justificado para defender direitos de autor, uma alegação bastante questionável, atinge os 265.680 euros, incluindo IVA, mas os custos para a empresa municipal deverão alcançar os 300 mil. Com efeito, através do contrato, a EGEAC assume também responsabilidades bastante onerosas, como a obtenção de licenças, a promoção e publicidade, a disponibilização de camarins e equipamentos auxiliares, a contratação de serviços de segurança, a limpeza e logística, e a garantia de fornecimento eléctrico adequado.
Por sua vez, a Regi-Concerto, a empresa de Tony Carreira obriga-se apenas a assegurar a representação dos artistas, incluindo contratação e gestão de despesas relacionadas, bem como a montagem e operação de equipamentos técnicos (som, iluminação e vídeo).
O montante a pagar pela empresa municipal da autarquia liderada por Carlos Moedas será o mais elevado de sempre conseguido pela empresa de Tony Carreira em contratos públicos. Considerando valores sem IVA – que, neste caso, atinge os 216 mil euros –, a Regi-Concerto tinha, até agora, como contrato mais chorudo, um ajuste directo para as festas populares do Monte da Caparica em 2022. Por “serviços musicais e audiovisuais” não especificados no contrato, a União das Freguesas de Caparica e Trafaria pagou à Regi-Concerto um total de 74.260 euros. O segundo contrato público de montante mais elevado da Regi-Concerto referia-se, por sua vez, à contratação do próprio Tony Carreira para abrilhantar a Passagem do Ano de 2023 para 2024 em Coimbra. Há um ano, autarquia coimbrã despendeu 62.500 euros para ter o artista.
E é, exactamente, por esse motivo que o valor agora pago pela EGEAC assume um montante exorbitante, até porque Tony Carreira – que é um dos artistas mais bem pagos em contratos públicos – decidiu rumar para outras paragens. Por valores desconhecidos, vai actuar no Hotel Tivoli de Vilamoura para um selecto público que se dispôs a pagar um mínimo de 490 euros por cadeira (e mesa).
De facto, considerando os preços praticados tanto por José Cid como por Mickael Carreira, os cofres da Câmara Municipal de Lisboa foram generosos para a Regi-Concerto. No caso de José Cid – que se mantém, aos 82 anos, ainda bastante activo –, o seu ‘cachet’, quando actua sozinho, variou este ano entre os 12.500 e os 50.750 euros. O seu mais recente concerto foi para as comemorações do 20º aniversário da elevação a cidade de Anadia – a sede do concelho onde se radicou ainda na adolescência –, e cobrou apenas 15 mil euros. Mas há um ano, pela actuação na Passagem de Ano no Campo de Viriato, a autarquia de Viseu pagou à sua empresa (José Cid, Lda.) 30 mil euros. Aliás, esse foi o valor que a própria EGEAC lhe pagou em 2019 para actuar na Passagem de Ano, poucos meses depois de ter recebido o Grammy Latino de Excelência Musical.
Quanto a Mickael Carreira, que tem tido uma carreira sobretudo à sombra do pai, o seu valor medido em termos de ‘cachet’ e procura é mais baixo ainda do que o do veterano José Cid. De facto, em actuações a solo, apenas se encontram três contratos públicos com a sua presença este ano: em Arronches, na Chamusca e no Marco de Canavezes, por valores entre os 18.500 e os 21.330 euros. Em 2023 registam-se apenas dois (Pampilhosa da Serra e Lamego), por valores próximos.
Deste modo, atendendo as ‘cachets’ habituais de José Cid e Mickael Carreira, e mesmo tendo em conta os valores mais elevados praticados em festas de Passagem de Ano, jamais seria de esperar valores acima de 70 mil euros para o conjunto, a que se podem juntar mais entre 10 mil e 20 mil euros de fogo-de-artifício. Ou seja, o lucro imediato por uma noite para a Regi-Concerto deverá estar próximo dos 150 mil euros, um excelente negócio para Tony Carreira, por obra e graça do contínuo esbanjamento de dinheiros públicos sem se conhecerem critérios de escolha dos artistas e das produtoras nem de custos.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Num país onde há cientistas que, por ocuparem uma cátedra, ‘falam de cátedra’ sem humildade científica, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul veio dar este mês uma lição ao presidente do Instituto Superior Técnico (IST). Após Rogério Colaço ter recusado divulgar, de forma arrogante, relatórios sobre a situação epidemiológica da covid-19 no Verão de 2022, uma luta judicial do PÁGINA UM ao longo de quase 30 meses teve finalmente um desfecho: o IST vai ter o mesmo de revelar o conteúdo integral de 52 relatórios, elaborados em parceria com a Ordem dos Médicos, que ‘ajudaram’ a prolongar o estado de pânico durante a segunda metade da pandemia. O PÁGINA UM já conseguira em primeira instância que o IST cedesse o último relatório (nº 52) que, com base em estimativas enviesadas e especulações de escasso rigor e transparência, atribuíra centenas de mortes às festas populares e aos festivais de música no Verão de 2022. Com episódios caricatos e pouco edificantes para a academia, o IST chegou a dizer que não elaborara qualquer relatório mas sim “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório’. Agora, tem de mostrar mais 51, mesmo se mantiver a espúria tese dos “esboço embrionário”.
“Senhor Pedro Vieira,
O sr André Pires [do gabinete de comunicação] respondeu exatamente de acordo com as instruções dadas por mim. O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.
Rogerio Colaço
Presidente do IST”
Foi desta forma, seca e arrogante, enviado pelo Galaxy pessoal às 12 horas e 19 minutos do dia 30 de Julho de 2022, que o catedrático Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), recusou ceder ao PÁGINA UM a cópia de um relatório de investigadores desta (suposta) prestigiada instituição universitária pública de Portugal sobre a situação epidemiológica da pandemia. Em pleno Verão do terceiro ano da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, estando um curso um alívio significativo das medidas restritivas, incluindo a ‘retoma’ de festividades, mas havendo muitos ‘especialistas’ a desejarem manter níveis de pânico elevado, o IST fizera divulgar, através da agência Lusa, um relatório ‘bombástico’ que concluíra que as festas populares e festivais de música em Lisboa tinham estado “na origem de 340 mil casos de covid-19” que teriam causado “a morte de 790 pessoas”.
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os relatórios em 2022. Vai ter de ceder por ordem do tribunal.
Mas quando o PÁGINA UM pediu a um dos autores desse estudo, Henrique Oliveira, que mostrasse o relatório escrito e o ficheiro de dados que o suportava, as portas fecharam-se. Este relatório inseria-se num parceria entre o IST e a Ordem dos Médicos que se terá iniciado em Julho de 2021, com pompa e circunstância: Rogério Colaço e Henrique Oliveira, por parte da instituição universitária, e Miguel Guimarães e Filipe Froes, por parte da associação profissional de clínicos, tinham até promovido uma conferência de imprensa, apresentando um novo indicador de avaliação do estado da pandemia, supostamente melhor do que as da Direcção-Geral da Saúde, por ser “uma ferramenta que resulta de um trabalho colaborativo”, desenvolvida através da “agregação de competências”. Nesse momento, Filipe Froes orgulhava-se por ter participado numa “equipa coordenada pelo Dr. Miguel Guimarães”, então bastonário da Ordem dos Médicos, cuja associação com o IST “abrir[a] as portas do futuro para parcerias e sinergias (…) em que todos somos vencedores”.
Porém, na hora da verdade, “as portas do futuro”, e do suposto conhecimento científico – que deve ser confrontado – fecharam-se. E começaram a surgir as mais estapafúrdias desculpas numa triste novela pouco edificante para uma universidade pública.
Quando o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o IST a fazer aquilo que deveria ter sido feito de forma natural, a instituição liderada por Rogério Colaço ‘inovou’ pelo absurdo: considerou, em finais de Setembro de 2022, que aquilo que fora divulgado seria “um esboço embrionário, que consubstancia[va] um mero ensaio para um eventual relatório”. A intenção era clara: querer convencer o tribunal a não se aplicar a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Pouco mais tarde, ainda em sede de processo de intimação, o IST diria que nunca negara “ter elaborado um ensaio, apenas afirm[ara] que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E acrescentava que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas.”
A Lusa noticiou, em 28 de Julho de 2022, as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o suposto impacte das festividades em Junho desse ano na transmissão e mortes por covid-19. A instituição universitária, que faz Ciência, quis convencer o Tribunal Administrativo de que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”.
Em resposta, neste jogo do gato e do rato, a juíza de primeira instância exigiu, em Novembro desse ano, que o IST lhe enviasse o documento em envelope lacrado que considerava “um esboço embrionário” para apurar se era um “esboço” ou uma desculpa esfarrapada. Mesmo perante esta suprema humilhação – uma instituição universitária a ver-se forçada a mostrar se andava a mentir ao tribunal –, o IST continuou perseverou: em vez de enviar o original, remeteu uma cópia com “anotações manuscritas a lápis”, em mais uma vã tentativa de ver o relatório considerado um “esboço”. Somente com uma nova entrega revelou então que se estava perante 52 relatórios, com o último a ser aquele que se referia às festividades.
Finalmente, em Janeiro de 2023, o Tribunal Administrativo de Lisboa tomou uma decisão, mas para grande surpresa, apesar de ter concedido o direito de o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório 52, a sentença não se pronunciou sobre os outros 51 relatórios nem sobre os ficheiros de dados. O IST acabou por enviar o Relatório 52, que seria ‘esmiuçado’ pelo PÁGINA UM em Fevereiro do ano passado. Esta semana, aproveitando as evoluções tecnológicas, o PÁGINA UM usou o ChatGPT para uma análise ao Relatório 52 com base em critérios de “rigor académico, transparência, clareza e impacte científico”, elaborada “de forma isenta e detalhada”.
Numa análise de três páginas, o ChatGPT atribuiu uma avaliação de 12 (em 20) à equipa de investigadores do IST, coordenada pelo catedrático Rogério Colaço, e salienta que “o Relatório Rápido nº 52 […] é um documento tecnicamente competente, mas apresenta falhas significativas que comprometem a sua utilidade como ferramenta de apoio à decisão”, acrescentando que “a falta de transparência nos dados e metodologias, combinada com mensagens contraditórias, reduz a sua credibilidade e impacto académico”. E sugere recomendações como seja “detalhar as metodologias utilizadas, especialmente para estimativas contrafactuais; publicar os dados brutos e aumentar a transparência das fontes; incluir variáveis adicionais e explorar contextos sociais e económicos mais amplos; [e] garantir maior consistência na comunicação para evitar mensagens ambíguas”.
Rogério Colaço, cidadão português nascido em Soure em Junho de 1968, conjunturalmente presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de entregar 51 relatórios elaborados por uma instituição universitária pública, ao cidadão Pedro Almeida Vieira, nascido em Coimbra em Novembro de 1969, conjunturalmente director do jornal PÁGINA UM.
Tanto o PÁGINA UM como o IST – que ainda tentou ‘sacar’ do tribunal a cópia que enviara em envelope selada – recorreram da sentença, por razões diferentes. Apesar de ter entregado o último relatório, o IST argumentou junto do Tribunal Central Administrativo do Sul que a sentença estava errada, enquanto o PÁGINA UM alegava que a juíza Telma Nogueira erradamente não se pronunciara sobre os outros 51 relatórios – que também deveriam ser disponibilizados – nem sobre os ficheiros com os dados.
E é sobre este recurso que o Tribunal Central Administrativo do Sul veio agora pronunciar-se, mais de dois anos e cinco meses depois do pedido inicial do PÁGINA UM, através de um histórico acórdão.
Apesar de o IST, em sede de contra-alegação, ter chegado a defender que ficara “apenas provada [na primeira sentença] a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, e que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos”, os desembargadores Marcelo Mendonça, Ilda Côco e Ana Lameira consideraram o óbvio. “Não é difícil perceber que, tendo sido elaborado pelo Recorrido público [IST] o relatório n.º 52 sobre a avaliação epidemiológica da covid-19, a ordem numérica, cronológica e lógica das coisas impele-nos a concluir que terão de existir 51 relatórios antecedentes vindos da safra do Recorrido público”, salientam.
Os desembargadores consideraram também que “um relatório sobre a avaliação epidemiológica da covid-19 que surge depois de um trabalho prévio de análise, estudo ou tratamento de dados coligidos segundo uma determinada metodologia, a partir de um sítio da internet de acesso público (da Direcção Geral da Saúde), em que se utilizou um determinado programa de análise matemática, nada tem de esboço ou de rudimentar, pois que, atentas tais características, o conteúdo ou a informação escrita que daí emerja já não pode ser encarada como um mero rascunho”.
O Relatório Rápido nº 52 do IST assegurava que que houvera um aumento das infecções com as festividades populares no Verão de 2022, mas tal não sucedeu. O relatório divulgado pela Lusa em finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, o IST recusou essa validação externa. As festas populares em Lisboa no Verão de 2022 tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de SARs-CoV-2 regrediram face a Maio.
E acrescentam ainda os desembargadores que mesmo que esses documentos contenham “ainda estimativas, cujas respectivas conclusões e resultados extraídos ainda carecem de análise e confirmação”, são sempre documentos administrativo, pois “se de um relatório se trata, algum conteúdo útil há de abordar e relatar, ainda que preliminarmente, não se admitindo que essa eventual provisoriedade seja motivo para negar o acesso ao conteúdo ou informação escrita já existente”. E concluem ainda que, mesmo se se estivesse perante direitos de propriedade intelectual ou segredo relativo à propriedade intelectual, “o princípio vigente é o da acessibilidade”.
Em todo o caso, o acórdão considerou que o IST não está obrigado a facultar os ficheiros informáticos usados para a elaboração dos relatórios – e necessários para efeitos de replicação dos resultados, como se mostra necessário em Ciência –, uma vez que os desembargadores consideraram que o PÁGINA UM fez um pedido “vago, genérico e indeterminável, porque desprovido de informação concreta que melhor especifique, por exemplo, a origem, a índole, o hiato temporal, a autoria ou o local específico de arquivo electrónico donde possam ser extraídos tais elementos”.
Saliente-se que, sem desprimor da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o pedido sobre os ficheiros era não apenas exacto como óbvio em ciências exactas: um relatório com resultados de modelos quantitativos avançados tem sempre subjacente um ficheiro de dados numéricos. Ou seja, para cada relatório existirá necessariamente um ficheiro de dados numéricos. Mas o óbvio em ciências exactas não é, aparentemente, o óbvio em ciências jurídicas.
Agora, o IST está intimado a facultar, no prazo de 10 dias, que terminará nos primeiros dias de 2025, os 51 relatórios em falta. Se assim desejar pode fazê-los acompanhar, voluntariamente, dos ficheiros numéricos para eventual replicação dos relatórios. Se não incluir esses ficheiros numéricos, então reforçam-se as ‘críticas’ da análise crítica do ChatGPT que sustenta a “falta de transparência” do Relatório nº 52, uma vez que, entre outros aspectos, “Não são apresentados os dados brutos utilizados para calcular os indicadores e fazer previsões, dificultando a replicação dos resultados”.
Note-se que esta luta judicial do PÁGINA UM implicou, além de desmesurado tempo, o pagamento de taxas de justiça próximo de mil euros, tendo contado com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Quando os relatórios do IST forem finalmente entregues, o PÁGINA UM vai divulgá-los na íntegra e pedirá uma análise do seu rigor por parte do Conselho Científico daquela instituição que integra a Universidade de Lisboa.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Ao contrário do que sucede quando, por exemplo, uma sociedade anónima desportiva (SAD) tem de pagar ou receber uma indemnização, a Impresa – o grupo de media que controla o Expresso e a SIC – não revelou os montantes do acordo milionário firmado este mês com a apresentadora Cristina Ferreira. Os investidores também desconhecem qual o impacto que o encaixe milionário terá nas contas anuais da SIC e da Impresa, apesar de a lei exigir que as empresas com acções ou obrigações emitidas no mercado de capitais divulguem informação relevante, incluindo eventos com impacto contabilístico. O ‘polícia’ da Bolsa portuguesa, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não quis explicar a razão de o valor da indemnização ‘choruda’ estar ainda no ‘segredo dos deuses’. Além disso, a CMVM também está a ‘fechar os olhos’ ao impacto da insolvência da Trust in News nas contas do grupo fundado por Pinto Balsemão. Nos últimos cinco anos, esta é a terceira vez, pelo menos, que a Impresa não divulga informação clara e transparente ao mercado.
Nem ‘ai’ nem ‘ui’. Apesar de a lei obrigar as empresas cotadas em Bolsa a divulgar informação relevante, os investidores continuam sem ser informados sobre o valor da indemnização que a SIC, estação de televisão da Impresa, acordou com Cristina Ferreira, uma verba que deverá ter impacto nos resultados da Impresa, o grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão.
Em causa está a indemnização milionária que a apresentadora acordou pagar à SIC pela sua saída intempestiva da estação. Um comunicado-conjunto de Cristina Ferreira, da empresa da apresentadora, Amor Ponto, e da SIC, enviado à imprensa no dia 11 de Dezembro, apenas mencionou a existência do acordo entre as partes. O comunicado, que foi citado pela generalidade dos media portugueses, não inclui detalhes do acordo.
“A SIC, a Amor Ponto e Cristina Ferreira informam que chegaram a um acordo mútuo no âmbito do litígio que opunha a primeira às segundas”, informava o comunicado citado pela Impresa. nota. Adiantava que o “acordo, alcançado após negociações construtivas, põe termo ao litígio existente entre as partes” e que “ambos os lados expressam satisfação com a resolução encontrada”.
Foto: D.R.
Recorde-se que, em Junho passado, o Tribunal de Sintra condenou a Amor Ponto a pagar mais de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra do contrato com a apresentadora, mas assinado pela empresa. Cristina Ferreira recorreu da sentença, mas não pediu efeitos suspensivos da decisão. Entretanto, o PÁGINA UM noticiou a 11 de Junho que a actual apresentadora da TVI estava a descapitalizar a empresa e a sociedade também não tinha constituído uma provisão para fazer face ao pagamento da indemnização, o que espoletou a SIC a agir. Assim, no passado mês de Novembro, o Tribunal acabou por executar bens da Amor Ponto num montante até 4,7 milhões de euros, segundo noticiou a agência Lusa.
Contudo, consultado o site da CMVM, onde as empresas cotadas e todos os emitentes do mercado divulgam informação relevante, não se encontra nenhum comunicado da Impresa ou da SIC referente a esta matéria. No caso da SIC, a última informação divulgada ao mercado é um comunicado divulgado no dia 9 de Dezembro referente à assembleia dos titulares das obrigações ‘Obrigações SIC 2021-2025’ que estava agendada para aquela data e que não teve lugar por falta de quórum, tendo sido convocada numa reunião de obrigacionistas para o dia 27 de dezembro de 2024.
Ora, o Código dos Valores Mobiliários (CVM), que rege o mercado financeiro português, estabelece no artigo 7º que “a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Tanto a SIC como a Impresa são ‘emitentes’.
Foto: PÁGINA UM
Segundo o número 1 do artigo 389.º do mesmo Código, “constitui contra-ordenação muito grave: a) a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Também é considerada uma contra-ordenação muito grave “a falta de envio de informação para o sistema de difusão de informação organizado pela CMVM” bem como toda a “a prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ou a omissão dessa prestação”. As coimas referentes a contra-ordenações muito graves oscilam entre os 25 mil euros e os 5,0 milhões de euros.
Claramente, os investidores não têm informação completa, verdadeira, actual, clara e objectiva sobre a SIC e a casa-mãe, Impresa. Do mesmo modo, não se sabe qual o impacto que a indemnização, cujo valor a CMVM e o mercado desconhecem, terá nas contas da SIC e da Impresa em 2024.
Mas a CMVM não diz se vai ou não obrigar a Impresa e a SIC a divulgarem informação clara e objectiva sobre a indemnização e o seu impacto nos resultados das duas empresas. Uma porta-voz do ‘polícia’ da Bolsa justificou que “a CMVM encontra-se vinculada por deveres legais de sigilo profissional que a impedem de se pronunciar sobre casos concretos”. Disse ainda que “compete aos emitentes [neste caso, a SIC e a Impresa], em primeira linha, aferir os factos que, em função das características próprias do emitente, constituem informação privilegiada”. E garantiu que “a CMVM mantém uma supervisão contínua sobre as entidades emitentes sujeitas à sua supervisão, nomeadamente sobre o cumprimento dos deveres de divulgação de informação ao público”, citando assim o artigo 362º do CVM.
Contudo, cabe à CMVM, nomeadamente, garantir a “protecção dos investidores” e fazer o “controlo da informação”, como estabelece o artigo 358º do mesmo Código, relativo aos princípios da supervisão do mercado financeiro. Um dos procedimentos de supervisão atribuídos à CMVM pelo artigo 360º do CVM é “acompanhar a a[c]tividade das entidades sujeitas à sua supervisão” e “fiscalizar o cumprimento da lei e dos regulamentos”.
A condenação de Cristina Ferreira ao pagamento de uma indemnização de 3,3 milhões de euros à SIC ocorreu em Junho deste ano, mas a apresentadora recorreu da sentença, tendo agora chegado a acordo para pagar uma indemnização secreta à estação de TV da Impresa.
Cabe também à CMVM, segundo o CVM, organizar “um sistema informático de difusão de informação acessível ao público que pode integrar, entre outros aspetos, elementos constantes dos seus registos, decisões com interesse público e outra informação que lhe seja comunicada ou por si aprovada, designadamente, informação privilegiada, participações qualificadas, documentos de prestação de contas e prospetos”.
Tanto a SIC como a Impresa, bem como a empresa de Cristina Ferreira, estão na posse de informação privilegiada, que pode ter impacto na avaliação das empresas, bem como das acções ou obrigações emitidas no mercado . O CVM define informação privilegiada no número 4 do artigo 378º “toda a informação não tornada pública que, sendo precisa e dizendo respeito, direta ou indiretamente, a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seria idónea, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado”. É caso do registo de perdas ou ganhos que influenciem os resultados de uma empresa cotada.
Por sua vez, o Regulamento da CMVM n.º 4/2023 sobre ‘os meios de cumprimento dos deveres de informação dos emitentes’ estipula no número 1 do artigo 2º que “os emitentes divulgam as informações legalmente requeridas, no sistema de difusão de informação da CMVM, mediante envio das mesmas à CMVM”.
Ou seja, tudo aponta que os investidores vão continuar sem saber, ao certo, o valor da indemnização e os contornos do acordo firmado entre a ‘emitente’ de obrigações SIC, da empresa cotada Impresa.
Luís Delgado (à esquerda) e Francisco Pedro Balsemão na assinatura do acordo de venda do portfólio tóxico das revistas da Impresa à Trust in News, em 2018. O anúncio da venda das revistas, nomeadamente a Visão e a Exame, por 10,2 milhões de euros, foi anunciado pela Impresa no site da CMVM. Mas, desde então, tem sido o silêncio sobre a dimensão do calote de Delgado a Balsemão. / Foto: D.R.
Em todo o caso, esta não é a única situação na Impresa sobre a qual a Bolsa está ‘às escuras’. O grupo de media é um dos principais credores da Trust in News, empresa unipessoal de Luís Delgado à qual a Impresa vendeu, em 2018, o seu portfólio tóxico de revistas, numa altura em que se encontrava em sérias dificuldades financeiras, com o mercado de crédito ‘fechado’ e após ter falhado uma emissão de obrigações. Ora, a Trust in News está a meio de um processo de insolvência. Contudo, os investidores também não têm acesso a informação clara sobre os impactos previstos deste ‘calote’ nas contas e da Impresa.
A Impresa chegou a reconhecer um ‘calote’ parcial de Delgado nas suas contas de 2023, como o PÁGINA UM noticiou. Contudo, mais uma vez, os investidores não têm sobre o desenrolar deste negócio a informação completa, clara, verdadeira e objectiva, como manda a lei. Certo é que o anúncio do negócio de venda das revistas, incluindo a Visão e a Exame, foi publicado no site da CMVM, com a divulgação de um encaixe de 10,2 milhões de euros. Desde então, nunca mais houve um comunicado ao mercado sobre o andamento do negócio. Mas é assumido que a insolvência da Trust in News terá impacto nas contas do grupo que é dono do Expresso e da SIC e que já não irá ‘ver a cor do dinheiro’ anunciado no comunicado feito ao mercado em 2018.
Mas, nos últimos cinco anos, houve, pelo menos, uma outra ocasião em que a informação prestada pela Impresa ao mercado não foi clara nem objectiva: o negócio de recompra do seu edifício-sede ao Novo Banco. Também neste caso, a venda do edifício situado em Paço D’ Arcos foi anunciada através de um comunicado divulgado no site da CMVM. A venda rendeu 24,2 milhões de euros à Impresa e ajudava a ‘tapar’ o buraco que o grupo não tinha conseguido tapar com a emissão de obrigações que falhou. o Novo Banco ‘investiu’ no imóvel, apesar de estar a receber injecções estatais, do Fundo de Resolução, e numa altura em que a ‘ordem’ na banca era para os bancos se desfazerem de imobiliário e de créditos tóxicos. O Novo Banco não só comprou o edifício à Impresa, como financiou Luís Delgado na compra das revistas ao grupo de Balsemão. No caso do imóvel, a Impresa recomprou o edifício, no final de 2022, pagando menos do que o valor pelo qual o vendeu, como o PÁGINA UM noticiou. O negócio foi feito em surdina e sem direito a comunicado ao mercado.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.