Categoria: Saúde

  • ‘Máfia dos testes’ teve reuniões com membros do Governo e recebeu ‘luz verde’ nos preços

    ‘Máfia dos testes’ teve reuniões com membros do Governo e recebeu ‘luz verde’ nos preços

    Foi uma reunião com três secretários de Estado, incluindo Lacerda Sales, que deu o ‘pontapé de saída’ para um processo de cartelização de preços dos testes de detecção da covid-19 nas escolas que resultou num encargo público de quase 30 milhões de euros. O PÁGINA UM analisou em detalhe o processo da Autoridade da Concorrência (AdC), onde se mostram comunicações e actas, e os 163 ajustes directos celebrados pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), concluindo que o preço concertado foi aquele que consta em todos os contratos. O Ministério da Saúde inicialmente propunha 15 euros como preço unitário, mas a Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL) conseguiu subir para os 20 euros com a concordância do Governo. Também fica patente que os dirigentes associativos estiveram a fazer ‘lobby’ pessoal: as empresas dos sete dirigentes amealharam 82% do valor dos contratos. Foram apenas essas as empresas multadas agora pela AdC por cartelização, uma prática usual em associações mafiosas.


    O Governo, através da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), foi conivente e mesmo colaborativo na concertação de preços por parte dos principais laboratórios para a testagem massiva de alunos com vista à detecção da covid-19 durante a pandemia, prática alvo de um processo instaurado pela Autoridade da Concorrência (AdC) que levou à aplicação de coimas de quase 57,5 milhões de euros.

    Chegou a haver mesmo uma reunião preparatória em 25 de Fevereiro de 2021 entre dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL), altos dirigentes da Administração Pública e membros do Governo, nomeadamente Lacerda Sales (secretário de Estado Adjunto e da Saúde), Inês Ramires (secretária de Estado da Educação) e Rita da Cunha Mendes (secretária de Estado da Acção Social), onde se debateu, entre outros aspectos, a capacidade máxima dos laboratórios existentes em Portugal para colheita com vista à testagem massiva em escolas e creches sem passar por qualquer procedimento contratual normal. A referência à reunião com os membros do Governo consta na página 203 da Decisão do Conselho da AdC de 17 de Julho, revelada esta quarta-feira.

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    Além das sucessivas reuniões e trocas de mensagens entre os dirigentes da ANL – algumas das quais citadas pela AdC no seu processo –, os Ministérios da Educação e da Saúde, neste caso a partir dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, acabaram por concordar com a concertação de preços, que ficou nivelado nos 20 euros por teste, e com a distribuição das análises a executar pelos diversos laboratórios, sugeridos pela própria ANL.

    Tanto assim que nem sequer a DGEstE lançou qualquer concurso público ou fez um procedimento de consulta prévia, optando sempre por ajustes directos para o programa de testagem. As campanhas de testagem massiva em escolas e creches decorreu até Janeiro de 2022, em dois varrimentos: o primeiro, para o ano lectivo 2020/2021, decorreu entre Março e Julho de 2021, em oito fases, e o segundo, para o ano lectivo 2021/2022, entre Setembro de 2021 e Janeiro de 2022, em quatro fases, tendo ficado prevista a realização de mais de 1,4 milhões de testes.

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM no Portal Base, a DGEstE estabeleceu ao longo de 2021, para testagens específicas a alunos, um total de 163 ajustes directos, invariavelmente ao preço unitário de 20 euros, envolvendo 29,3 milhões de euros. Apesar de se contabilizarem 63 laboratórios a beneficiar destes contratos leoninos, que por terem tido preços exagerados penalizaram o erário público, cerca de 82% deste ‘bolo’ ficou em apenas seis empresas, todas alvo da mira e sanções da AdC.

    Lacerda Sales foi um dos secretários de Estado presentes numa reunião com dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos que deu início ao processo de cartelização de preços penalizado agora pela Autoridade da Concorrência.

    Três destas empresas de laboratórios clínicos ficaram com mais de 5 milhões de euros em ajustes directos: a Dr. Joaquim Chaves, com 5.311.2380 euros; a Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa, com 5.260.800 euros; e Hormofuncional, do Grupo Affidea, com 5.076.580 euros. Acima de um milhão de euros encontram-se mais três empresas: a Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, do Grupo Unilabs, com 3.674.600 euros; a Synlabhealth, do Grupo Synlab, com 3.537.940 euros; e a Labeto, com 1.1270.040 euros.

    Esta concentração elevada (ajustes directos de quase 24 milhões de euros), beneficiando tão poucas empresas, não esteve apenas relacionada com a sua dimensão, mas sobretudo com o facto de as negociações para o estabelecimento dos preços e demais combinações terem sido realizadas pelos dirigentes da ANL que são simultaneamente gestores de topo das principais empresas beneficiadas pelos testes pagos pela DGEstE.

    Com efeito, o presidente da ANL é Pedro Oliveira, CEO da Synlab, empresa que decidiu pagar voluntariamente uma coima de 5 milhões de euros aplicada pela AdC. Os dois vice-presidentes da associação, Joaquim Paiva Chaves e Paulo Marques, são, respectivamente, CEO da empresa homónima (que recebeu uma coima de 11,5 milhões de euros) e director executivo comercial da Unilabs (que decidiu, também voluntariamente, pagar já a coima de 3,9 milhões de euros aplicada à sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres). Por sua vez, o tesoureiro da ANL, Miguel Santos, é CEO da Affidea Portugal, que detém a Hormofuncional, a quem a AdC aplicou a maior coima: 26,1 milhões de euros.

    Quanto à secretária da direcção da associação, Maria João Tomaz é administradora do Grupo Beatriz Godinho Saúde, que detém a Labeto, empresa a quem se aplicou uma coima de 1,4 milhões de euros. De entre os dois vogais da ANL está José Germano de Sousa, filho do antigo bastonário da Ordem dos Médicos que fundou uma das mais conhecidas e lucrativas redes de análises clínicas. O Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa – que contabilizou, segundos cálculos do PÁGINA UM com base nas contas do triénio anterior à pandemia, lucros acrescidos de quase 62 milhões de euros – recebeu a ‘notícia’ de ter de pagar agora uma coima de 9,3 milhões de euros por cartelização.

    Na lista dos dirigentes da ANL ainda consta, como vogal, Gizela Santos, que também beneficiou directa e indirectamente dos contratos negociados entre a associação do sector e a Administração Pública, mas em menores montantes. Gizela Santos é presidente da administração da Laboratório de Análises Clínicas Dr. J. Leitão Santos e também da Redelab, que tem parcerias com diversos outros laboratórios, que beneficiaram de ajustes directos num total a rondar os 600 mil euros. Em todo o caso, a Redelab acabou por ver a AdC aplicar-lhe duas coimas, uma de 100 mil e outra de 200 mil euros.

    O longo processo da AdC detalha, embora com algumas rasuras por alegada confidencialidade, vastos pormenores das negociações e da forma como, internamente, os dirigentes da ANL, e simultaneamente gestores de topo dos principais laboratórios, negociaram entre si os preços e distribuição dos testes, e portanto dos montantes a arrecadarem de dinheiros públicos por parte das suas empresas.

    Numa das mensagens interceptadas pela AdC, Joaquim Chaves aborda a questão de o Ministério da Saúde ter manifestado, na tal reunião de Fevereiro de 2021, que “esperava um preço na ordem dos 15 euros”. “Deixámos claro que tal como na primeira fase”, escreveu aos seus ‘colegas’ da ANL (e concorrentes), “há um preço só para colheita que não poderá ser abaixo dos 10 euros. Agora teremos que determinar a que preços venderemos os testes. Pessoalmente acho que devemos estar alinhados e não concordo, nada, que numa fase destas cada um tente ir por si conquistar mercado com preços”. E colocava também como se deveria fazer “o levantamento” dos laboratórios que deveriam envolver, mostrando preocupação sobre como fazer “a distribuição geográfica sem que isto se torne uma batalha campal ‘entre aliados’”.

    Testagem em escolas para apanhar assintomáticos começou em Janeiro de 2021 e prolongou-se até início do ano seguinte.

    O preço final, combinado e acordado pelos dirigentes e empresários, ficaria decidido logo no dia 26 de Fevereiro de 2021. Em acta da ANL, com a presença de todos os gestores das empresas agora multadas pela AdC, fixou-se o seguinte, preto no branco: “Relativamente aos preços a praticar, considerando os volumes e economia de escala antecipados, foi consensual o valor a apresentar, de vinte euros, por teste (líquido). Será enviada circular aos associados solicitando [que] nos indiquem se estão interessados e com disponibilidade, que capacidade têm instalada e em que regiões do continente têm cobertura”. A AdC comprovou que os associados da ANL que não estavam representados na direcção estiveram alheados desta cartelização que beneficiou quase em exclusivo as empresas que ficaram com o maior ‘bolo’ deste negócio.

    O valor de 20 euros por teste recebeu explicitamente a concordância do Governo, e tal não se mostrava necessário mesmo se o ajuste directo foi permitido durante a pandemia para qualquer valor de aquisição. Mesmo que tivesse em causa uma urgência imediata, a Administração Pública poderia (e talvez devesse) fazer uma consulta independente ao mercado para definir um preço negocial. Mas optou-se por nunca fazer concurso público nem uma consulta prévia do mercado, sendo evidente que o Governo, iniciando este processo – que a AdC considera de cartelização – envolvendo reuniões com dirigentes da ANL (e simultaneamente gestores de topo de laboratórios relevantes) em que intervieram três secretários de Estado, deram implicitamente ‘carta branca’ para se concertarem e estabelecer um preço unitário elevado.

    Certo é que, sem excepção, o preço unitário de 20 euros é o que consta em todos os 163 contratos por ajuste directo celebrados pela DGEstE, desde o maior, assinado em Abril de 2021 pela Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, no valor de 2,96 milhões de euros, até ao menor, assinado em Setembro desse ano com um pequeno laboratório de Coimbra, no valor de 760 euros. Convém referir que nem todos os contratos foram integralmente executados, uma vez que acabaram, em muitos casos, por serem realizados menos testes que os previstos.

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    A existência desta concordância entre o Governo e os processos de cartelização dos principais laboratórios, através da ANL, fica também patente numa tentativa de ser aumentado ligeiramente o preço unitário em 1 euro, o que resultaria em quase 1,5 milhões de euros de receitas adicionais para os laboratórios. No processo, a AdC salienta que, em resposta a esta tentativa de rectificação do preço por um dos dirigentes não identificados da ANL, o director-geral da DGEstE respondeu o seguinte: “Na reunião ficou também clarificado que recebendo nós essas listagens [dos laboratórios disponíveis], todo o trabalho logístico, conforme disponibilidade da SPMS, de cruzamento de capacidade de testagem e necessidades (construção do cronograma – matching) ficaria com eles. Razão pela qual, na própria reunião, tendo eu identificado os 20€/teste, não houve sequer lugar a debate sobre esse número. O preço acordado são os 20€/teste”.

    Por tudo isto, se se mostra evidente a cartelização dos testes por parte dos laboratórios dos dirigentes da ANL, penalizados pela AdC, tal só foi possível com a conivência, concordância e aprovação da Administração Pública e do próprio Governo, que não apenas reuniram com cartelistas como aceitaram negociar com gestores de topo de empresas agora multados em 57,5 milhões de euros por causarem prejuízo ao erário público. Saliente-se ainda que a testagem em escolas teve uma taxa de positividade inferior a 0,1%, não havendo registo de qualquer aluno do ensino básico e secundário que tenha falecido devido à covid-19. No entanto, sempre que era detectado um único caso positivo numa escola chegou a ser determinado o isolamento profiláctico de toda a turma.

    N.D. Pode consultar AQUI a lista discriminada dos ajustes directos e os montantes recebidos por cada empresa pela testagem nas escolas.


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  • ‘Máfia dos testes’: o crime compensou, e muito

    ‘Máfia dos testes’: o crime compensou, e muito

    Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM já escrevia sobre os lucros pornográficos dos laboratórios de análises clínicas só por causa dos ‘testes covid’, mas tudo andava a ser ‘turbinado’ por esquemas de cartelização típicas das famílias mafiosas como se vêem nos filmes, mas estas de ‘bata branca’ com uma associação a servir de charneira. Agora que a Autoridade da Concorrência aplicou coimas históricas a grupos laboratoriais a operar em Portugal, o PÁGINA UM foi ver a ‘mossa’ que vai causar às contas de uma das mais importantes empresas deste sector, e concluiu que o ‘crime’ compensou: o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa foi condenado a uma coima de 9,3 milhões de euros, mas no triénio da pandemia (2020-2022) registou acréscimos de lucros da ordem dos 62 milhões de euros. Os capitais próprios da empresa fundada pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos mais que quadruplicaram entre 2019 e 2022, situando-se em quase 36 milhões de euros.


    Haverá, por certo, nos próximos dias, ‘vestes rasgadas’ dos laboratórios, a clamar inocência e choque, por hoje terem sido condenadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) a pagar coimas no valor total de 48,61 milhões de euros devido a esquemas de cartel que operam no mercado português entre, pelo menos, 2016 e 2022, e que atingiu o seu auge durante a pandemia com os testes PCR e antigénio de detecção do SARS-CoV-2. Mas a verdade é cristalina: mesmo parecendo haver mão pesada, o crime mais do que compensou: os milhões eventualmente perdidos em coimas não beliscam lucros fabulosos daquilo que pode vir a ficar conhecido por ‘Máfia dos Testes’.

    Um dos casos mais evidentes passa-se com o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, fundado pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos, que viu na covid-19 uma espantosa oportunidade de negócio, ainda mais potenciada pelos esquemas agora denunciados e penalizados pela Autoridade da Concorrência. Mesmo sendo certo que existia já cartelização antes da pandemia, nomeadamente em análise de vitamina D, foi nos testes à covid-19 que os laboratórios de Germano de Sousa, e todos os outros singraram.

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    De acordo com as demonstrações financeiras da empresa do antigo bastonário, antes da covid-19 a situação não era nada má: as vendas e prestações de serviços no triénio pré-pandemia (2017-2019) tinham sido de 29,1 milhões, 30,5 milhões e 35,7 milhões de euros, respectivamente, que resultaram em lucros líquidos de 3,7 milhões, quase 3,9 milhões e 8,1 milhões de euros, respectivamente. A margem de lucro líquida andava próxima dos 13% em 2017 e 2018, e subira para 17% em 2019.

    Com a covid-19, a história foi outra: para melhor, na perspectiva da empresa; para pior, na perspectiva dos dinheiros públicos. Com efeitos, as receitas do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa dispararam literalmente, e ainda mais os lucros. Em 2020, a empresa mais que duplicou a facturação face ao ano anterior, com 74,4 milhões de euros, obtendo um lucro de 23,3 milhões de euros e uma margem de lucro líquida de 31%. Ou seja, os testes vendiam-se com elevadíssima margem. Em 2021, as receitas chegaram a uns impressionantes 115,4 milhões de euros e lucros de 35,1 milhões de euros, ou seja, de quase seis vezes o valor de 2019. Em 2022, os resultados decaíram um pouco, para os 17,1 milhões de euros, em virtude da retracção das vendas de testes (as receitas baixaram para os 78 milhões de euros) mas mesmo assim bem superior aos lucros do triénio de 2017-2018.

    Na verdade, mostra-se impressionante comparar os lucros da empresa de Germano de Sousa no período pré-pandemia (2017-2019) com o período da pandemia (2020-2022): lucros acrescidos de 61.927.101 euros, ou seja, foi o ‘lucro da pandemia’ só para esta empresa, que agora viu ser-lhe aplicada uma coima de 9,3 milhões de euros. Contas feitas, fica um ‘saldo’ confortável de quase 52 milhões de euros a acrescer aos lucros expectáveis. Quem ganhou foram os capitais dos accionistas, que passaram de 7,9 milhões em 2019 para os quase 35,6 milhões em 2022. Ou seja, mais do que quadruplicaram.

    (Foto: D.R./Germano de Sousa)

    Com as devidas proporções, associadas aos volumes de negócios, os outros laboratórios terão tido um comportamento e sucessos similares, até por haver uma estreita relação quer na definição de preços quer na quota de mercado. Segundo o processo da AdC, “as visadas Affidea [Hormofuncional e Alves & Duarte], Germano de Sousa, Joaquim Chaves, Redelab, Beatriz Godinho e ANL [Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos] agiram deliberadamente, de forma ilícita e culposa, com manifesto dolo, implementando um acordo suscetível de consubstanciar uma infração por objeto ao direito da concorrência”.

    De acordo com a decisão tornada hoje pública, a Hormofuncional/Alves & Duarte (grupo Affidea) foram condenadas a pagar uma coima de 26,1 milhões de euros, a coima aplicada à Joaquim Chaves foi de 11,5 milhões de euros, a Germano de Sousa terá de pagar 9,3 milhões de euros, a Labeto 1,4 milhões de euros, a Redelab (e Jorge Leitão Santos) 300 mil euros e a ANL 10 mil euros.

    A AdC adiantou que a presente decisão anunciada hoje “foi precedida por duas decisões condenatórias no mesmo processo, adotadas em 21 e 26 de dezembro de 2023, que resultaram do recurso ao procedimento de transação por parte de dois grupos laboratoriais multinacionais”. Através da adesão ao procedimento de transação, estas empresas “abdicaram de contestar a imputação da AdC e procederam ao pagamento voluntário das coimas aplicadas no valor global de €8.900.000, tendo optado por colaborar com a investigação e fornecer à AdC prova relevante da existência das práticas anticoncorrenciais em causa”.

    Existem dois acordos individuais que identificam a Synlab e a Unilabs como as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas, respectivamente de 5 milhões e 3,9 milhões de euros. No caso da Unilabs, a coima diz respeito à actuação da sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres.  

    Uma vez que o processo teve origem em pedido de dispensa ou redução da coima ao abrigo do Programa de Clemência, foi concedida dispensa da coima à Affidea BV, que denunciara o esquema e que cumpria todos os requisitos aplicáveis. Segundo o regulador, a empresa Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, uma das empresas que recorreu ao procedimento de transação, “beneficiou ainda de uma redução adicional da coima ao abrigo do Programa de Clemência”.

    Ou seja, no conjunto, “este processo envolveu um total de sete grupos laboratoriais e uma associação empresarial, com um total de coimas aplicadas de €57.510.000, dos quais €8.900.000 foram voluntariamente pagos”.

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    Graças ao esquema, salienta a AdC, “a taxa de crescimento anual do volume de negócios agregado na prestação de análises clínicas em território nacional em 2020 e 2021, correspondente ao período da pandemia, por parte dos grupos laboratoriais visados foi entre 50 e 60% em cada um dos anos”. Não admira, só o Serviço Nacional de Saúde comparticipou 40 milhões de testes até finais de Março de 2022.

    A combinação entre os laboratórios teve impacto significativo no preço unitário dos testes em Portugal. O regulador recorda que “em Setembro de 2020, o valor os testes covid (PCR) estavam, em Portugal, ao nível dos preços na Europa”, mas “em Junho de 2021, Portugal era o país da Europa com o preço por teste covid mais alto da Europa”. 

    Apesar da decisão de hoje, este caso remonta a Fevereiro de 2022, quando a Concorrência procedeu à abertura de inquérito na sequência de a decisão de “um pedido de dispensa ou redução da coima referente à existência de um conjunto de práticas” irregulares, mas sem haver então muitos elementos.  Posteriormente, outro laboratório pediu clemência. Em Março de 2022, a AdC chegou a realizar diversas diligências de busca e apreensão na sede das empresas visadas, em Lisboa e no Porto. No entanto, o PÁGINA UM já escrevera em Dezembro de 2021 sobre os pornográficos lucros da laboratório de Germano de Sousa e também de Joaquim Chaves.

    Segundo a AdC, o cartel forjado entre os laboratórios e com a participação da Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos procedeu à “fixação dos preços aplicáveis e a repartição geográfica do mercado de prestação de análises clínicas e de fornecimento de testes covid-19”. A Concorrência concluiu ainda que a “a concertação entre os cinco laboratórios ter-lhes-á permitido aumentar o seu poder negocial face às entidades públicas e privadas com as quais negociaram o fornecimento de análises clínicas e de testes COVID-19, levando à fixação de preços e de condições comerciais potencialmente mais favoráveis do que as que resultariam de negociações individuais no âmbito do funcionamento normal do mercado, impedindo ou adiando a revisão e a redução dos preços”.

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    “A partir de Março de 2020, os laboratórios visados concertaram entre si os preços para o fornecimento de testes covid aos utentes do SNS e da ADSE e impuseram-nos nas negociações com a tutela”, refere a AdC no comunicado. Adianta que “os laboratórios visados ameaçaram, aliás, a tutela com um boicote ao fornecimento de testes covid em represália contra as atualizações (reduções) dos preços convencionados”.

    De acordo com a AdC, a ANL teve um “papel determinante” na formação do cartel, visto que “o acordo em que estiveram envolvidos os laboratórios Affidea, Joaquim Chaves, Germano de Sousa, Beatriz Godinho e Redelab, foi facilitado por esta associação a pretexto da respetiva atividade, alavancando-se os laboratórios visados no exercício de cargos de Direção na associação”.

    Segundo o processo, a ANL – que só apanhou uma coima de 10 mil euros – foi crucial para a viabilização dos contactos entre os laboratórios visados, com a associação a actuar como um “elemento facilitador” da “formação de consensos que se concretizaram designadamente, na fixação de preços e na repartição do mercado entre as demais visadas, bem como na transmissão das posições acordadas às entidades com as quais, nas várias circunstâncias descritas nesta Decisão, foi negociada a prestação de análises clínicas/patologia clínica”.

    Dos laboratórios, “as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa desempenharam um papel de destaque, estando diretamente envolvidas na quase totalidade dos comportamentos identificados, ao contrário das visadas Redelab e Beatriz Godinho”.

    Os “os elementos probatórios juntos aos autos indiciam que as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa, que integram o grupo de laboratórios privados com maior capacidade de produção e rede de colheitas, integram um grupo de laboratórios privados representados na Direção ANL mais restrito que manteve um grau de proximidade maior entre si e uma cooperação mais estreita, levando a que, muitas vezes, estes laboratórios beneficiassem dos resultados da colusão em detrimento dos demais laboratórios visados”.

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    Mas a AdC destaca, na sua decisão, que “cumpre fazer uma distinção entre o grau de participação da Germano de Sousa e o grau de participação das visadas Affidea e Joaquim Chaves”. Assim, “embora a Germano de Sousa tenha estado diretamente envolvida” na formação do cartel, “cumpre constatar que o seu grau de envolvimento é menor face ao envolvimento das visadas Affidea e Joaquim Chaves, na medida em que, embora fosse consultada pela Direção ANL e convidada para as respetivas reuniões em data anterior a 18.07.2018, manifestando o seu alinhamento com os consensos alcançados”, a AdC observou que “a Germano de Sousa tem intervenção em menos conversações, só tendo sido nomeada vogal da Direção ANL nessa data”.

    A decisão final da AdC é ainda susceptível de recurso de impugnação judicial e não se encontra ainda transitada em julgado. A ANL anunciou, através de um comunicado citado pelo Eco, que vai recorrer da decisão da Concorrência, manifestando “o seu total desacordo e indignação” face à decisão da AdC e defendendo que esta é “caracterizada por erros factuais e de direito” e “representa um grave atentado à justiça e à integridade do setor convencionado da saúde em Portugal”.

    N.D.: Notícia actualizada às 21H20 do dia 25 de Julho com mais informação sobre as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas e as duas empresas que pediram dispensa ou redução de coima.


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  • Pseudo-auditoria da BDO tenta limpar ilegalidades de campanha gerida por conta pessoal da ministra da Saúde e de deputado do PSD

    Pseudo-auditoria da BDO tenta limpar ilegalidades de campanha gerida por conta pessoal da ministra da Saúde e de deputado do PSD

    Só faltava mesmo uma auditoria para ‘limpar’ a imagem de uma estranha campanha de solidariedade que, durante a pandemia, catapultou a imagem de Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde, e de Miguel Guimarães, actual vice-presidente da bancada social-democrata. A consultora BDO prestou-se a fazer uma prestação de serviços às Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos – que nem sequer está registada no Portal Base – para ‘comprovar’ que estava (quase) tudo bem numa campanha que envolveu cerca de 1,4 milhões de euros. Só encontrou um minúsculo desvio não-justificado de 18 mil euros, mas convenhamos que também não se procurou muito: a auditoria não viu (ou não quis ver) que a conta bancária (que até identifica) não era uma conta oficial de qualquer das Ordens profissionais, mas sim de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. E, sem ver isso, também não viu fugas ao Fisco (não-pagamento de imposto de selo) nem omissões ao Ministério da Administração Interna, nem contabilidade paralela com possível criação de um ‘saco azul’ nem falsas declarações sobre os doadores por parte dos beneficiários. E era tão fácil ver: hoje mesmo, o PÁGINA UM confirmou, através de donativos simbólicos, que a conta usada na campanha ‘Todos por quem cuida’ continua a ter Miguel Guimarães como beneficiário e que uma conta oficial da Ordem dos Médicos indica, como deve ser, apenas a Ordem dos Médicos como beneficiária.


    A consultora BDO prestou-se a elaborar uma auditoria à campanha de solidariedade ‘Todos por uma causa’ – que, durante a pandemia, geriu cerca de 1,4 milhões de euros provenientes sobretudo da indústria farmacêutica – sem sequer detectar (ou ter pretendido detectar) que todos os fluxos financeiros se processaram usando uma conta particular detida pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo deputado do PSD Miguel Guimarães, que então ocupavam os cargos de bastonários da Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente. Com essa inexplicável ‘cegueira’, surpreendente numa reputada consultora registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), o aspecto mais grave detectado foi ‘apenas’ uma “diferença não justificada de 18.787 euros entre o somatório das aquisições efectuadas […] com os donativos em dinheiro […] e os valores entregues às entidades beneficiárias”.

    De fora, ficou assim – tentando lançar um ‘lençol de legalidade’ – um vasto conjunto de ilegalidades e irregularidades desta campanha, logo detectadas pelo PÁGINA UM após uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa ter obrigado em finais de 2022 as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos a revelarem a documentação desta campanha. Aliás, a própria auditoria da BDO, agora revelada pelo PÁGINA UM, também somente foi acedida por determinação de nova sentença do Tribunal Administrativo, já do presente ano, uma vez que Carlos Cortes, o bastonário da Ordem dos Médicos que substituiu Miguel Guimarães em 2023, não aceitou entregar voluntariamente o documento, concretizado sem sequer ser conhecido um contrato público, uma vez que não existe qualquer registo no Portal Base.

    Ana Paula Martins e Miguel Guimarães foram protagonistas de uma campanha solidária cheia de irregularidades e ilegalidades que a BDO quis ‘limpar’ com uma pseudo-auditoria (D.R./Ordem dos Médicos)

    Apesar da suposta bondade desta campanha – atribuir sobretudo material e equipamentos de protecção contra a covid-19 a instituições de solidariedade social e unidades hospitalares –, de entre as irregularidades e ilegalidades detectadas pelo PÁGINA UM  incluem-se contabilidade paralela, fuga ao fisco e falsas declarações para obtenção de benefícios fiscais e facturas falsas.

    Criada logo no início da pandemia em Portugal, a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, e que serviria numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.

    Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.

    E foi aqui que começaram as irregularidades. Ao invés da conta solidária ser assumida pelas duas ordens profissionais – ou apenas por aquela com maior protagonismo, a Ordem dos Médicos – foi decidido que a conta com o NIB 003506460001766293021, aberta no balcão da Caixa Geral de Depósitos na Portela de Sacavém seria titulada por três pessoas: José Miguel Castro Guimarães, Ana Paula Martins Silvestre Correia e Eurico Castro Alves.

    Ora, a pseudo-auditoria da BDO confirma o NIB (e IBAN) usado, referindo que “foi criada uma conta destinada a receber, através de depósito directo ou por transferência, os donativos angariados com o IBA P50 0035 0646 0001 7662 9302 1”. Porém, o documento assinado por Ana Gabriela Barata de Almeida (ROC nº 1366, inscrito na CMVM sob o nº 201606976, em representação da BDO & Associados – SROC) não se debruça nem uma linha no aspecto essencial: essa conta não era nem da Ordem dos Médicos nem da Ordem dos Farmacêuticos nem da própria Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), que se associou à campanha.

    Não se diga que essa pesquisa era complexa. Na verdade, é pública e confirmável: hoje mesmo, o PÁGINA UM procedeu a uma transferência simbólica (1 euro) para esse IBAN, que pertence a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, onde surge, como primeiro beneficiário “José Miguel R Castro Guimarães”. A actual ministra é (era) co-titular desta conta particular, havendo ainda outro co-titular, Eurico Castro Alves, ex-secretário de Estado da Saúde do PSD e actual coordenador do Plano de Emergência de Saúde. A conta era movimentada com duas assinaturas. A actual ministra assinou diversas ordens de pagamento.

    Para que não haja dúvidas sobre a contabilidade paralela desta campanha solidária, o PÁGINA UM procedeu também hoje a uma transferência simbólica (1 euro) para o IBAN de uma das contas da Ordem dos Médicos, usada pela secção Sul desta instituição no Millenium BCP. E esta conta tem, obviamente, como único beneficiário a Ordem dos Médicos, e não o nome do bastonário ou de outro qualquer responsável. Por regra, são depois documentos internos que indicam quem pode movimentar a(s) conta(s) institucional(is), e seria no mínimo irregular que housse pagamentos de terceiros ou contas abertas por outras entidades ou pessoas para pagar facturas de prestação de serviços ou aquisição de bens requeridas pela Ordem dos Médicos.

    Dossiers com documentos da campanha ‘Todos por quem cuida’, consultados pelo PÁGINA UM depois de uma primeira sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Como a BDO não tomou sequer diligências sobre a existência de uma conta particular a gerir uma campanha, fez assim vista grosa a uma catadupa de ilegalidades e irregularidades, mesmo tendo-se debruçado em supostas “verificações factuais”, designadamente a confirmação da entrada das receitas angariadas na conta bancária, a conformidade com a regulamentação das acções de beneficência, as declarações emitidas aos doadores e de procedimentos de aquisição e entrega de bens, dando-lhes uma cobertura de aparente legalidade.

    Nada mais falso.

    Sendo que a conta da campanha “Todos por quem cuida” não era institucional – mas sim de três pessoas, independentemente dos cargos ocupados –, o pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna para a angariação de fundo omitiu o facto de que o NIB em causa não ser das entidades oficiosamente promotoras: a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticas. Aliás, foram indicadas no final do pedido duas contas que nunca foram usadas na angariação, e que efectivamente pertencem a estas duas instituições. Ambas as contas (com o NIB 000334778686020 e o NIB 000000182339728) estão no Santander, sendo tituladas, respectivamente, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticas.

    A razão para não serem usadas contas oficiais de qualquer uma das ordens nunca foi dada, mas certo é que o Ministério da Administração Interna foi iludido, Além disso, o pedido de autorização apenas foi feito em 27 de Julho de 2020, quando a angariação de donativos para a conta paralela se iniciara em 6 de Abril daquele ano, ou seja, mais de três meses antes. Com efeito, à data do pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna já a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves tinha um saldo de 716.501,51 euros. Por lei, a angariação deve ser precedida da autorização ministerial.

    Pedido de autorização para angariação de donativos omite que a conta solidária não era titulada pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos. Nunca foi explicada opção por uma conta não-oficial, que permitiu uma contabilidade paralela cheia de irregularidades e ilegalidades.

    Por outro lado, nessas circunstâncias jamais se poderia aplicar a lei do mecenato ou outro tipo de benefício, porque em termos formais estava-se perante uma recolha de donativos por três pessoas, inexistindo uma justificação lógica (ou ilógica) para não se ter procedido sequer a qualquer correcção. Nessa medida, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente o imposto de selo no valor de 10% de todos os donativos recebidos acima dos 500 euros. E houve muitos.

    Ora, face aos montantes das diversas transferências sobretudo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), todas individualmente acima dos 500 euros, a actual ministra da Saúde e os seus parceiros deveriam ter declarado à Autoridade Tributária e Aduaneira o recebimento de 1.2561.251 euros, o que implicaria o pagamento de 125.125,10 euros de imposto de selo. Na documentação consultada pelo PÁGINA UM, nomeadamente extractos bancários, não existe qualquer saída de dinheiro para esse cumprimento fiscal.

    Existiram pelo menos mais 13 transferências bem acima de 500 euros que também não terão sido declaradas às Finanças nem pago o imposto de selo, a saber: ASPAC (35.000 euros), Bial (20.000 euros), Bene (20.000 euros). Ipsen (12.000 euros), Atral (10.000 euros), Falinhas Mansas (10.000 euros), Angelini (10.000 euros), Apormed (5.000 euros), Rial Engenharia (5.000 euros), Medicina G Medeiros Marques (1.500 euros), Forex ACI (1.500 euros), Gin Lovers (1.080 euros) e Multiclínicas Far (1.000 euros).

    Contas feitas, segundo os cálculos do PÁGINA UM com base nos extractos bancários, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves receberam 41 donativos superiores a 500 euros e deveriam ter pagado 138.333,10 euros de imposto de selo. E nunca o fizeram.

    Confirmação de que a conta solidária tinha como titulares Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, ou seja, não era uma conta institucional.

    A BDO, na sua auditoria, omite qualquer irregularidade, uma vez que omite que a conta não era institucional. No seu trabalho, a auditora apenas confirma os valores declarados e recebidos, elencando individualmente os donativos das farmacêuticas via Apifarma, que individualmente concedeu 90.000 euros. As farmacêuticas mais beneméritas foram a Novartis (215.751 euros), a AstraZeneca (200.00 euros), a Gilead (150.000, para onde Ana Paula Martins começaria a trabalhar depois da saída da Ordem), a Merck Sharp & Dohme (50.000 euros) e a Janssen (40.000). A Pfizer concedeu 30.000 euros de apoio.

    Além desta grave falha fiscal – independentemente dos objectivos da campanha –, as 16 entidades do sector farmacêutico que concederam apoios também deveriam ter feitos declarações no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando expressamente Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. Estes profissionais de saúde – dois médicos e uma farmacêutica – também nunca procuraram que o Infarmed, que vigia os patrocínios neste sector, envidasse esforços para incluir essas referências no portal. E o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, nunca se incomodou em incomodar as farmacêuticas por não declararem o ‘patrocínio’ de mais de 1,3 milhões de euros a três individualidades, uma das quais, Ana Paula Martins, que agora tutela o regulador do medicamento.

    Além destas irregularidades e incumprimentos fiscais, o uso da conta solidária em nome de três pessoas permitiu uma estranha e ilegal contabilidade paralela de todas as operações de aquisição, designadamente de facturação e pagamentos, dos equipamentos e materiais a serem doados. Ora, isso passou ao largo da BDO, apesar de se apresentar como uma das principais auditoras a operar em Portugal.

    A Ordem dos Médicos tem várias contas bancárias institucionais, mas para a campanha solidária ‘Todos por quem cuida’, Miguel Guimarães e Ana Paula Martins, com Eurico Castro Alves, decidiram criar uma conta particular, permitindo uma contabilidade paralela para gerir cerca de 1,4 milhões de euros, grande parte dos quais provenientes de farmacêuticas.

    Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Na verdade, quem pagou foi a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.

    Uma das ordem de pagamento assinadas por Ana Paula Martins foi para transferir 27.365,20 euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida pela disponibilização de locais e pessoal de enfermagem para vacinar, contra as regras da Direcção-Geral da Saúde, médicos considerados não-prioritários em Fevereiro de 2021, uma iniciativa pessoal de Miguel. Esta decisão, com a concordância do então coordenador da task force Gouveia e Melo, após diversas reuniões, continua a ser analisada (há mais de um ano) pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). A factura das Forças Armadas foi, contudo, emitida em nome da Ordem dos Médicos. E a Ordem dos Médicos viria depois a emitir declaração (falsas) de recepção de donativos por parte de quatro farmacêuticas. Uma dessas falsas declarações de donativo, no valor de 3.725,20 foi passada em Março de 2022 à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.

    Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, nunca foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.

    Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul’, ou mesmo um desvio de verbas até 968 mil euros. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Emcomendada pelas Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos, auditoria garantiu que efectuou o trabalho “de acordo com os princípios técnicos-profissionais da BDO”, mas nem sequer detectou (ou quis detectar) que a conta que movimentou os dinheiros da campanha não era oficial, o que descambou numa catadupa de ilegalidades e irregularidades.

    Ora, a alegada auditoria da BDO – pelo menos, o título do documento obtido pelo PÁGINA UM após sentença do tribunal diz “Prestação de serviços de autoria ás actividades e contas do fundo solidário #TodosPorQuemCuida” – comete aqui um erro de palmatória. Na página 10 da auditoria diz-se que “procedemos à análise dos gastos7aquisções efectuadas por forma a validar a documentação de suporte correspondente”, indicando que foram realizadas verificações às notas de encomenda, factura, evidência de entrega aos beneficiários e comprovativo do pagamento, concluindo que se confirmou “a existência destes elementos para todas as aquisições”.

    Mas também aqui há uma omissão grave, que aparenta ser intencional. Com efeito, se e BDO conferiu facturas e pagamentos teria sido assim impossível não ter detectado que as facturas eram emitidas em nome da Ordem dos Médicos mas os pagamentos eram feitos por terceiros, neste caso pela conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Significa isso que, sem qualquer documento justificativo – e não existia quando o PÁGINA UM consultou todos os documentos após a sentença do Tribunal Administrativo –, deram entrada documentos de despesa elevados (cerca de 978 mil euros) sem qualquer fluxo de caixa associadas às respectivas facturas, ou seja, houve indicação de que terá saído dinheiro da Ordem dos Médicos sem ter havido.

    Se houve ou não a criação de um ‘saco azul’, não se sabe – e nem o actual bastonário, Carlos Cortes, se disponibilizou voluntariamente a esclarecer esta estranha situação nem quis entregar os relatórios e contas de 2020, 2021 e 2022 da Ordem dos Médicos –, mas é estranho que haja uma completa omissão por parte da BDO neste aspecto sensível e de grande responsabilidade. Sabe-se apenas, que o saldo da conta solidária em 20 de Fevereiro do ano passado era de 107.382 euros, mas o actual bastonário, Carlos Cortes, nunca quis esclarecer se esse dinheiro remanescente continuava a ser gerido pelos três titulares ou se a verba fora transferida, e em que condições, para uma conta oficial da Ordem dos Médicos.

    Através da conta pessoal de que era co-titular, Ana Paula Martins assinou, por exemplo, uma ordem de transferência bancária ao Hospital das Forças Armadas num acordo com a task force liderada por Gouveia e Melo para pagar a vacinação contra a covid-19 de médicos não-prioritários numa altura de escassez de vacinas. Mas a factura das Forças Armadas foi emitida em nome da Ordem dos Médicos.

    Vejamos um exemplo desta situação. A factura nº 551 passada pela Clotheup em 2 de Outubro de 2020 pela aquisição de batas descartáveis no valor de 110.700 euros foi emitida à Ordem dos Médicos. Tendo sido uma aquisição a pronto de pagamento, não houve saída de dinheiro da Ordem dos Médicos, porque quem a pagou foi a conta solidária de Ana Paula Martins e dos outros dois co-titulares. Ora, nesse dia, poderia ter sido “desviada” a verba de 110.700 euros da conta bancária oficial da Ordem dos Médicos, não havendo assim o mínimo sinal de qualquer desfalque, uma vez que existia uma factura a suportar essa saída. Esse expediente pode aplicar-se a qualquer outra das 31 aquisições identificadas pelo PÁGINA UM.

    Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.

    Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.

    Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da “sua campanha”, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.

    Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, e Miguel Guimarães, actual deputado do PSD, ganharam protagonismo com a pandemia. A gestão de um ‘bolo’ de 1,4 milhões de euros numa campanha solidária, financiada sobretudo pelas farmacêuticas, deu uma ajuda.

    Logo, a título de exemplo – e é mesmo um só exemplo, porque existem largas centenas de casos, reportados e fotografados pelo PÁGINA UM durante a consulta dos dossiers contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida” –, é falsa a declaração de 23 de Março de 2021 da Liga dos Bombeiros Portugueses, bem como a competente carta de agradecimento do então presidente Jaime Marta Soares, de que foi a farmacêutica Gilead que lhes entregou 4.984 batas cirúrgicas, 1.661 litros de álcool gel, 831 máscaras cirúrgicas, 2.492 óculos reutilizáveis, 664 fatos integrais tamanho M e 664 tamanho L, e ainda 4.153 viseiras, tudo no valor de 103.400,60 euros.

    Neste caso particular – que é extensível a todas as outras farmacêuticas envolvidas nesta campanha –, a Gilead terá apenas entregado, através da Apifarma, um donativo de valor desconhecido (que agora a BDO diz ter sido de 150.000 euros), para uma campanha solidária, titulada por três pessoas. Formalmente, teriam de ser as três titulares dessa conta (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves), e não as entidades beneficiadas com os géneros doados, a passar uma declaração de recepção desse donativo à Gilead (e às outras farmacêuticas). Porém, se assim fosse, as farmacêuticas não teriam hipóteses de usufruir de qualquer benefício fiscal, uma vez que o Estatuto do Mecenato não abrange donativos a pessoas singulares – e nem a Ordens profissionais, acrescente-se.

    Outro caso paradigmático passou-se com a Associação Nacional de Farmácias que em 10 de Fevereiro de 2021 declarou que a Merck Sharpe & Dohme lhe doou 107.574 máscaras cirúrgicas no valor total de 50.000 euros. Nada poderia ser mais falso. Aquilo que sucedeu foi a Merck Sharpe & Dohme ter doado 50.000 euros a Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves que, depois aproveitaram para usar esse dinheiro para pagar máscaras a uma empresa – que emitira uma factura à Ordem dos Médicos –, sendo esses equipamentos de protecção individual entregues então à Associação Nacional de Farmácias.

    Documento na posse da Ordem dos Médicos, consultado pelo PÁGINA UM após uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, com a lista de entidade que concederam donativos à conta solidária titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves.

    A emissão de centenas de declarações falsas – trata-se mesmo de centenas, que englobam muitas pequenas IPSS – configura até fraude fiscal, porque as entidades beneficiadas assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que não é verdade, nem as farmacêuticas conseguirão comprovar qualquer compra através de facturas. Certo é que, com este estratagema, as farmacêuticas conseguiram enquadrar os seus donativos no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado – para levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue. Algo que não sucederia se tivesse sido tudo feito como sucedeu: os donativos foram entregues a três pessoas (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), foram feitas compras e entregues os géneros às IPSS, associações e unidades hospitalares.

    Assim, com este esquema falso as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, e terão acabado por assumir, em termos contabilísticos, custos da ordem dos 1,82 milhões de euros, Em conclusão, este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros. Note-se que este esquema, profundamente à margem da lei, envolveu também hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.

    Apesar da logística desta campanha ter sido protagonizada sobretudo pela Ordem dos Médicos, e pelo então seu bastonário Miguel Guimarães, a actual ministra teve um papel bastante activo, e não apenas como co-titular da conta. Ana Paula Martins procedeu a várias ordens de pagamento de géneros – cujas facturas foram encaminhadas para a Ordem dos Médicos – e também participou em diversas reuniões específicas da campanha. De acordo com as actas consultadas pelo PÁGINA UM, a actual ministra da Saúde participou em pelo menos oito reuniões da comissão de acompanhamento entre 11 Maio de 2020 e 5 de Maio de 2021. Mesmo depois da sua saída da liderança da Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, manteve-se como titular da polémica conta solidária.

    Além de ser co-titular e co-gestora da conta solidária, e autorizar transferências de dinheiro para pagamento de facturas que, afinal, eram emitidas à Ordem dos Médicos, Ana Paula Martins acompanhou pelo menos durante um anos as operações logísticas da campanha ‘Todos por Quem Cuida’.

    Ora, perante este intrincado esquema de falsas declarações – as farmacêuticas doaram o dinheiro para a conta de três pessoas, e não fizeram donativos directos para os beneficiários –, a BDO nada diz na sua auditoria. No curto capítulo sobre a confirmação das declarações emitidas aos doadores, a auditora diz que “procedemos também à verificação das declarações emitidas aos doadores pelas entidades beneficiárias e pelo TPQC [‘Todos por quem cuida’].

    Ora, das centenas de declarações que o PÁGINA UM consultou, os beneficiários finais nunca tiveram contacto com os doadores iniciais; e, na verdade, a haver declarações verídicas deveriam ser de dois tipos: declarações de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves aos doadores, entre os quais as farmacêuticas; e depois declarações das diversas beneficiárias às referida pessoas que pagaram os bens doados. O facto de a auditoria da BDO referir que foi “possível confirmar a concordância dessas declarações” é, no mínimo, estranho.

    Após a entrega pela Ordem dos Médicos da auditoria – que durante o processo de intimação, apresentado no final do ano passado, a Ordem dos Médicos garantiu ao juiz não estar concluído, apesar de ter data de 10 de Março de 2023 –, o PÁGINA UM colocou diversas questões à BDO e, em particular, à auditora Ana Gabriela Barata de Almeida. Numa primeira fase, a BDO respondeu que “no que respeita à auditoria/trabalho de procedimentos acordados às atividades e contas do Fundo Solidário ‘Todos por quem cuida’, informamos que está abrangido por segredo profissional […], pelo que não podemos prestar quaisquer informações relativas a factos, documentos ou outras de que tenhamos tomado conhecimento por motivo da referida prestação de serviços”.

    Perante a insistência, dias depois foi remetida uma mensagem pelo advogado Pedro Guerra Alves, alegadamente representante legal da BDO, ameaçando o PÁGINA UM com um processo judicial. Essa pressão ilegítima, numa fase em que a investigação do PÁGINA UM ainda decorria, levou à apresentação de uma queixa contra o causídico no Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Médicos e na Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

    Edifício principal da sede da Ordem dos Médicos, na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa.

    O PÁGINA UM também colocou questões sobre a qualidade desta auditoria da BDO à CMVM e à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas. No caso da CMVM veio a resposta da praxe para não dar resposta: “A CMVM está sujeita a sigilo profissional e não se pode pronunciar sobre situações concretas relacionadas com entidades sujeitas à sua competência de supervisão sobre a actividade de auditoria, nos termos previstos no Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria (RJSA).” Quanto à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas nem resposta veio.

    Também sem resposta, até hoje, ficaram os diversos pedidos do PÁGINA UM ao bastonário da Ordem dos Médicos, que foi informando que, por serem assuntos anteriores ao seu mandato, reencaminhou para os serviços.


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  • Vacinas contra a covid-19: Secretismo condenado pelo Tribunal Europeu retira ‘argumento’ do Governo português para esconder compras

    Vacinas contra a covid-19: Secretismo condenado pelo Tribunal Europeu retira ‘argumento’ do Governo português para esconder compras

    Em vésperas do Parlamento Europeu votar a eventual reeleição da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen recebeu uma má notícia: perdeu um processo junto do Tribunal Geral da União Europeia sobre o secretismo em torno dos contratos de compra das vacinas contra a covid-19. O Tribunal anulou a decisão da Comissão de manter secretos algumas das condições e termos do negócio e também esclareceu que as farmacêuticas são responsáveis por indemnizar os lesados das vacinas, mesmo que os contratos de compra as ilibem de responsabilidades. A sentença, tornada hoje pública, adianta que, no entanto, nada impede que outra entidade assuma o custo das responsabilidades pelos efeitos adversos das vacinas se assim o desejar. Este desfecho traz esperança ao processo rocambolesco que o PÁGINA UM tem a correr na Justiça contra o Ministério da Saúde desde Dezembro de 2022, ou seja, há mais de 18 meses. A existência de contratos secretos a nível europeu era um dos derradeiros argumentos do Governo para não se mostrar os contratos e correspondência entre as autoridades portuguesas e as farmacêuticas.


    A derrota da Comissão Europeia no processo levantado por eurodeputados sobre o secretismo dos acordos prévios de compra (advance purchase agreement, APA) das vacinas contra a covid-19, celebrados entre Ursula von der Leyen e as farmacêuticas, vai retirar um ‘precioso argumento’ ao Ministério da Saúde num longo processo de intimação do PÁGINA UM para o aceder aos contratos e outros documentos assinados posteriormente pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    Este processo de intimação – instaurado pelo PÁGINA UM e que, por lei, tem carácter de urgente – decorre há mais 18 meses no meio de mentiras, traduções de centenas de páginas sem qualquer relevância e um pedido de incompetência de jurisdição para decidir o acesso a documentos administrativo por as compras nacionais decorrerem dos tais acordos prévios celebrados em Bruxelas.

    3 clear glass bottles on table

    Em Dezembro de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa face à recusa da DGS em facultar os contratos de compra por si executados, bem como as guias de remessa e outra correspondência com as farmacêuticas. Quatro destes contratos chegaram a constar no Portal Base, onde surgiam alguns elementos, como preços e quantidades, mas depois do pedido do PÁGINA UM para aceder a todos, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção – a entidade pública responsável pela gestão do Portal Base – permitiu que a DGS sonegasse esses quatro contratos e deixasse de colocar os restantes.

    Neste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, dirigido pela juíza Telma Nogueira – que não é ‘mexido’ desde Fevereiro deste ano, apesar de ser considerado urgente, correndo mesmo durante as férias judiciais -, o Ministério da Saúde já tentou de tudo. Em Janeiro de 2023, a ainda directora-geral da Saúde Graça Freitas enviou um ofício ao PÁGINA UM remetendo apenas para os acordos prévios, apesar de aquela responsável ter assinado contratos para a aquisição de doses para Portugal. Além disso, Graça Freitas dizia, para convencer o Tribunal da impossibilidade legal de acesso, que estava a decorrer “uma auditoria aos procedimentos“, o que se mostrava falso. Nunca foi dado a conhecer qualquer auditoria.

    Depois disso, o Ministério da Saúde tentou convencer a juíza Telma Nogueira de que os contratos que existiam eram apenas os que constavam no site da Comissão Europeia, o que era falso. Apesar de o PÁGINA UM ter apresentado requerimento a alertar a juíza de que aquilo que constava no site da Comissão Europeia eram os acordos prévios assinados por Ursula von der Leyen – e não os contratos nacionais que tinham sido pedidos -, o Tribunal Administrativo de Lisboa solicitou então que a DGS traduzisse para português os tais acordos, uma vez que não são sequer aceites textos em outras línguas. No processo de intimação constam centenas de páginas traduzidas para português, que demoraram mais de dois meses a realizar, com as imensas rasuras agora consideradas ilegais pelo Tribunal Geral da União Europeia. Todas essas páginas são completamente inúteis.

    Graça Freitas assinou mais de uma dezena de contratos, uns sonegados do Portal Base, outros nunca ali colocados.

    Perante a constatação de que não se tratavam dos documentos requeridos, o Ministério da Saúde usou outro estratagema, então sugerido por André Peralta-Santos, sudirector-geral da Saúde: como os acordos assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas continham “cláusulas de confidencialidade que obrigam todos os intervenientes”, então “, donde, “os contratos nacionais subordinados a elementos legalmente considerados essenciais do contrato, como quantidades e preços, estipulados nos Acordos/Protocolos/Contratos-Quadro, ficam sujeitos às mesmas regras de confidencialidade, porquanto, devem ser considerados como contratos (parciais) integrantes dos Acordos assinados pela Comissão Europeia em representação dos Estados-Membros, que foram interessados [sic], como foi o caso de Portugal”.

    Nesta sua temerária interpretação – que advoga que os Estados democráticos perdem o exercício de Justiça independente interna em caso de acordos comerciais por entidades externas e supranacionais não-eleitas (Comissão Europeia) –, o subdirector-geral da Saúde defendia ainda que o Vaccine Order Form – cujos primeiros quatro documentos estiveram no Portal Base, para serem depois sonegados pelo Ministério da Saúde – “não se trata, assim, de um qualquer contrato celebrado pelo Estado português, através da Direcção-Geral da Saúde”, mas “apenas da formalização necessária para operacionalização do APA/PA [acordos entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas] em território nacional com o pedido de entrega das vacinas respetivas”.

    Contudo, a juíza Telma Nogueira aparentou acolher esta tese, concluindo em despacho de 15 de Dezembro do ano passado que “resulta dos documentos juntos e supra referidos, que os Formulários de encomenda de vacina são celebrados pelos Estados-Membros e as empresas da indústria farmacêutica em execução dos APA, nomeadamente os supra referidos, sendo que estes APA foram outorgados entre a Comissão Europeia e as empresas da indústria farmacêutica e contêm nas suas cláusulas um pacto atributivo de jurisdição”.

    Esconder, mentir e ludibriar: esta tem sido a estratégia do Ministério da Saúde para não mostrar contratos de compra, guias de remessa e correspondência com farmacêuticas.

    E a juíza solicitou então que o PÁGINA UM se pronunciasse “sobre a verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal decorrente da violação das regras de competência internacional, que a ser procedente conduzirá à absolvição da Entidade demandada da instância”. No entanto, depois da resposta do PÁGINA UM em 12 de Fevereiro deste ano, a juíza nunca mais se pronunciou. Ou seja, mais de cinco meses de silêncio. Em mais de duas dezenas de intimações do PÁGINA UM em tribunais administrativos, nunca nenhum outro demorou mais de um ano até à sentença de primeira instância. Este, sobre os polémicos contratos das vacinas, já vai em mais de 18 meses sem se vislumbrar uma primeira decisão, sempre passível de recursos de ambas as partes.

    Em todo o caso, este inexplicável atraso do Tribunal Administrativo de Lisboa acaba por ser agora favorável às pretensões do PÁGINA UM. Com efeito, o acórdão de hoje do Tribunal Geral da União Europeia – que derrota a opacidade sobre os polémicos contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que terão permitido a facturação pelas farmacêuticas de mais de 2,7 mil milhões de euros provenientes dos Estados-Membro – retira indelevelmente o argumento do secretismo para recusar o seu acesso. Além disso, a Lei do Acesso dos Documentos Administrativos refere-se sempre a documentos produzidos ou detidos por uma entidade pública, independentemente da sua origem..

    Na sua histórica decisão, que constitui uma importante defesa dos princípios democráticos da transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o Tribunal Europeu considerou que a Comissão “não demonstrou que um acesso mais amplo a essas cláusulas [tornadas secretas] prejudicaria efetivamente os interesses comerciais” das farmacêuticas.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer, na entrega de um prémio do Atlantic Council, em Novembro de 2021.
    (Foto: Captura a partir de vídeo do evento)

    Nos últimos anos, Ursula von der Leyen vinha sendo pressionada para mostrar todos os termos e condições dos contratos, tanto por eurodeputados como por particulares, mas a Comissão Europeia sempre concedeu acesso muito limitado aos contratos, os quais foram disponibilizados online com muita informação expurgada.

    Na sentença conhecida hoje, o Tribunal também proferiu decisão sobre as condições estipuladas nos contratos das vacinas contra a covid-19 sobre eventuais indemnizações por danos que estas empresas estão obrigadas a pagar em caso de defeito das suas vacinas. De acordo com o comunicado de divulgação da decisão, o Tribunal Geral da União Europeia sublinhou na sentença que “o produtor é responsável pelo dano causado por um defeito no seu produto e a sua responsabilidade não pode ser reduzida ou excluída em relação ao lesado por uma cláusula limitativa ou exoneratória de responsabilidade ao abrigo da Diretiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos”.

    Contudo, salientou que “nenhuma disposição da referida Diretiva proíbe que um terceiro reembolse a indemnização a título de danos que um produtor tenha pagado em razão do defeito do seu produto”.

    Depois deste dissabor, e apesar de ter garantido a reeleição para o segundo mandato para a presidência da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen ainda enfrenta outros potenciais problemas com negociação da compra de vacinas contra a covid-19, que vieram beneficiar sobretud0 a Pfizer. Neste momento, a Procuradoria Europeia investiga ainda eventuais irregularidades criminais relacionadas com as negociações de vacinas entre a presidente da Comissão Europeia e o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla. A Procuradoria Europeia assumiu a investigação que estava a ser conduzida por procuradores belgas que investigavam von der Leyen por “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses”.

    Quando era ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen também foi investigada num caso que envolveu o uso de telemóveis. (Foto: D.R./Comissão Europeia)

    Não é a primeira vez que Ursula von der Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A ainda presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefones à mistura.

    A compra de vacinas contra a covid-19, à qual os Estados-membro estão ‘presos’, tem gerado um enorme desperdício, com milhões de vacinas a ir para o lixo. O próprio Tribunal de Contas, num relatório de Setembro do ano passado, apontava para um elevado desperdício financeiro devido à inutilização de doses não administradas, com o número provisório a atingir as 3,5 milhões de doses no valor de 54,5 milhões de euros, até ao final de Dezembro de 2022. Mas, segundo uma análise do PÁGINA UM, com base em informação oficial, Portugal terá desperdiçado mais de 40 milhões de doses de vacinas.


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  • O melhor epidemiologista do Mundo lança fortes críticas sobre activismo na pandemia que enviesou a Ciência

    O melhor epidemiologista do Mundo lança fortes críticas sobre activismo na pandemia que enviesou a Ciência

    Não é um nome qualquer nas Ciências Médicas e na Bioestatística – é, na verdade, O nome, o ‘primo inter pares’. Investigador na conceituada Universidade norte-americana de Stanford, John Ioannidis, o mais conhecido e conceituado epidemiologista mundial, não é meigo com uma das mais prestigiadas revistas científicas, a BMJ, acusando-a de viés e de cometer violações éticas na aceitação e sobretudo na recusa de artigos relacionados com a covid-19. Num artigo científico de análise, em co-autoria com outros três investigadores, Ioannidis – que é o oitavo cientista mundial em todas as áreas com mais citações nos últimos seis anos – admite que a BMJ também lhe recusou artigos, e não foi por falta de qualidade. Este cientista publicou mais de uma centena de artigos científicos sobre a pandemia, e é um dos mais requisitados pelos seus colegas. Exemplo disso é um artigo publicado este mês numa revista científica sobre as melhores práticas de gestão e partilha de dados em pesquisa biomédica experimental em co-autoria com investigadores da Universidade de Coimbra.


    As amarras políticas e empresarias que sequestraram a Ciência durante a pandemia estão agora a ser denunciadas ao mais alto nível. O mais prestigiado investigador mundial na área das ciências médicas e de saúde, o norte-americano John Ioannidis acusa a BMJ, uma das mais conceituadas revistas médicas – também com uma componente jornalística –, de ter cometido graves violações aos princípios do Comité de Ética em Publicações (COPE) na aceitação e rejeição de artigos científicos.

    Num artigo de avaliação de meta-pesquisa, ainda em fase de peer-reviews, mas já divulgado ontem por um centro de investigação (METRIS) da Universidade de Stanford, Ioannidis e mais três investigadores, um dos quais da Universidade italiana de Pádua, destacam sobretudo o enviesamento criado pela avaliação dos lobbies científicos, com destaque para os membros ad hoc do Independent Sage (indie_SAGE). Este grupo de cientistas sobretudo do Reino Unido, alegadamente independentes, encabeçados por Anthony Costello e Stephen Griffin, tiveram uma acção preponderante em medidas mais restritivas da gestão da pandemia e mesmo na vacinação de crianças.

    John Ioannidis, professor na Universidade de Stanford está no topo dos investigadores mundiais na área das Ciências Médicas e da Saúde e ainda da Bioestatística.

    Relembrando que “a Ciência idealmente desenvolve conclusões a partir de evidências sistemáticas e posições equilibradas sobre riscos, benefícios, danos das intervenções e incertezas”, a análise de Ioannidis e dos outros co-autores salienta que, em paralelo, existem grupos de defesa (advocacy) que, através de jornais médicos e científicos relevantes, “publicam muitos artigos de opinião, editoriais e peças jornalísticas, que podem moldar como a Ciência e as evidências são percebidas e quais políticas são adotadas”. E acrescentam que “esses artigos são tipicamente publicados rapidamente, muitas vezes com pouca ou nenhuma revisão externa”, o que implica o risco de “viés e polarização da comunidade científica”.

    Confrontando as duas linhas que se evidenciaram no início da pandemia – uma linha de mitigação mais leve, de que o exemplo mais evidente, foi a Declaração de Great Barrington; e a outra com medidas mais duras, incluindo lockdowns, testes intensivos, rastreamento de contactos, uso de máscaras e limpeza de ar, visando o “zeroCovid” –, Ioannidis e os outros co-autores analisaram mais de quatro mil artigos publicados na BMJ até 13 de Abril deste ano sobre a covid-19, tendo detectado diversos enviesamentos, com preponderância para artigos defendendo uma visão mais restritiva da gestão da pandemia.

    Porém, mais relevante do que a análise da distribuição do pendor das publicações sobre a gestão da pandemia, Ioannidis e os outros três investigadores destacam a ausência de estatísticas sobre a submissão de artigos, salientando, contudo, que “a grande maioria das submissões ao BMJ são rejeitadas”, sendo que aí reside o maior problema de enviesamento.

    Divulgação do artigo de Kepp Kasper, Ioana Aline Cristea, Taulant Muka e John Ioannidis foi divulgada ontem pelo centro de investigação METRICS da Universidade de Stanford.

    “Editores e defensores [de uma determinada linha] podem moldar o que é publicado através do processo editorial e de revisão por pares, e autores com opiniões não congruentes com o ‘activismo’ zeroCOVID podem até ter parado de submeter ao BMJ após verem o viés explícito que descrevemos ou após receberem feedback depreciativo”, salientam os quatro investigadores. Numa “declaração de interesse concorrente”, Ioannidis declara que, apesar de ter publicado 102 artigos relacionados com a covid-19 em diversas prestigiadas revistas científicas, teve alguns artigos recusados pela BMJ, tal como os outros três investigadores.

    E destacam que essas recusas foram feitas “de maneiras que violavam os princípios éticos do COPE (por exemplo, comentários anti-éticos de revisores defensores [de medidas mais restritivas]; decisão tomada, mas não comunicada aos autores; decisão assinada por pessoa não listada anteriormente no site do BMJ como editora; decisão adiada inapropriadamente para artigos sensíveis ao tempo)”. Os quatro investigadores chegam mesmo a indicar que houve revisores, com poder de veto, que nem sequer estavam listados na BMJ como tal, havendo também falhas na revisão de artigos publicados que não cumpriram as regras de transparência e rigor.

    Esta posição assumida por John Ioannidis constitui uma ‘pedrada no charco’ e não pode ser ignorada nos meios científica, particularmente nas ciências médicas e sobretudo epidemiologias, onde este investigador norte-americano de 58 anos é um dos ais conceituados e apreciados, colaborando com universidades de todo o Mundo, incluindo portuguesas. Ainda este ano, por exemplo, este mês publicou um artigo científico na revista Physlological Reviews com Teresa Cunha-Oliveira e Paulo Oliveira, da Universidade de Coimbra, sobre as melhores práticas de gestão e partilha de dados em pesquisa biomédica experimental.

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    Ciência, durante a pandemia, foi alvo de activismo e viés.

    Segundo o site AD Scientific Index 2024, John Ioannidis está na primeira posição do ranking mundial das Ciências Médicas e de Saúde, bem como da Bioestatística (associada à Epidemiologia, Medicina baseada na Ciência e meta-análise), ocupando a segunda posição na prestigiada Universidade de Stanford. Englobando todas as ciências, John Ioannidis – que teve uma intervenção muito sólida e crítica na análise das medidas restritivas e na vacinação massiva e repetitiva contra a covid-19 – ocupa a 57ª posição a nível mundial de todos os tempos em termos de H-index (que mede o impacte científico), e em termos de citações nos últimos anos surge no top 10, ocupando a 8ª posição.

    Recorde-se ainda que John Ioannidis tem sido um dos principais paladinos do rigor científico, sobretudo a partir de um famoso artigo científico publicado na revista PLOS Medicine em Agosto de 2005, ainda hoje uma referência e um dos mais citados de sempre, sugestivamente intitulado “Why Most Published Research Findings” (Por que razão a maioria das descobertas de investigação publicadas são falsas?)


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  • Tribunal condena Infarmed a mostrar registos das reacções adversas das vacinas contra a covid-19

    Tribunal condena Infarmed a mostrar registos das reacções adversas das vacinas contra a covid-19

    Já passaram cerca de 950 dias desde que, em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM pediu acesso aos registos anonimizados das reacções adversas às vacinas contra a covid-19 (e também ao antiviral remdesivir). Nesse longo intervalo de mais de dois anos e sete meses, houve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, com uma sentença enviesada, e agora um acórdão histórico do Tribunal Central Administrativo Sul. O Infarmed, segundo o acórdão, tem agora cinco dias para se tornar transparente e mostrar, linha a linha, quais foram os efeitos adversos de um programa vacinal em massa que nem crianças e jovens saudáveis ‘poupou’, apesar da virtualmente nula letalidade nessas idades. O PÁGINA UM não pretende ter acesso aos registos anonimizados para criar “alarme público”, mas tão-só para que se saiba a verdade dos factos – como é a regra (talvez esquecida por muitos) do jornalismo (verdadeiramente) independente.


    Trinta e um meses depois do pedido inicial, o Infarmed vai ter mesmo de facultar o acesso à base de dados nacional com informação anonimizada detalhada que regista todas as reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e também do polémico antiviral remdesivir.

    A obrigatoriedade surge com um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, do passado dia 11, que revogou uma polémica sentença de primeira instância da juíza Sara Ferreira Pinto que, em Março do ano passado, recusara a inclusão de provas inequívocas do PÁGINA UM de o Portal RAM estar já anonimizado e por considerar que a exportação dos ficheiros da base de dados constituía a criação de um novo documento, algo que inviabilizaria a obrigatoriedade do regulador do medicamento de fornecer esse acesso.

    person holding white plastic bottle

    O histórico acórdão de 28 páginas – aprovado por unanimidade pelos desembargadores Joana Costa e Nora, Ricardo Ferreira Leite e Carlos Araújo – decidiu “condenar a entidade requerida [Infarmed] a, num prazo procedimental de cinco dias, facultar o acesso aos dados pretendidos das referidas bases de dados [Portal RAM], com expurgação dos dados pessoais, independentemente da forma por que a mesma se faz.

    Embora o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo desde Junho de 2019, ainda possa recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo – apenas para adiar a concretização de um acto de singular transparência sobre informação relevante de Saúde Pública –, este acórdão histórico constitui já uma vitória do jornalismo independente e perseverante. Com efeito, de uma forma absolutamente abnegada, o Infarmed tem usado todos os subterfúgios para não permitir o acesso à listagem anonimizada – ou seja, sem nomes e outros elementos que permitissem a identificação concreta de pessoas – das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdevisir. O primeiro pedido formal para aceder a essa informação, constante no Portal RAM, ocorreu em 6 de Dezembro de 2021, quando o PÁGINA UM ainda se encontrava em preparativos de lançamento.

    Perante o silêncio inicial do Infarmed, o PÁGINA UM começou por solicitar um parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), no início de 2022, tendo esta entidade considerado que o Infarmed deveria facultar essa informação, mesmo se, como então aludia o regulador do medicamento, a informação pudesse ser analisada por “não-especialistas”, o que teria, alegadamente, “um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    Acórdão histórico obriga Infarmed a ‘abrir’ acesso aos registos anonimizados das reacções adversas às vacinas contra a covid-19 e ao remdesivir.

    Como ‘solução’ para esse receio não parece ser o simples obscurantismo – até porque nunca fora intenção do PÁGINA UM criar “alarme social”, que foi, aliás, a tónica dominante da imprensa e das autoridades de Saúde durante a pandemia –, foi então apresentada uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa, num processo complexo que chegou a envolver uma rara sessão de julgamento para ser ouvido o presidente do Infarmed e uma técnica superior, tendo nesse mesmo dia sido recusado pela juíza Sara Ferreira Pinto a junção de documentos que o PÁGINA UM requereria meses antes nos autos para provar a anonimização do Portal RAM.

    A sentença desta juíza acabaria assim, em Março de 2023, por não surpreender ao recusar o acesso ao Portal RAM, argumentando que “para satisfazer o pedido do Requerente [Pedro Almeida Vieira], a Entidade Requerida [Infarmed] teria que exportar o conjunto de dados constantes do ‘Portal RAM’ para formato Excel ou outro e, posteriormente expurgar esse ficheiro / documento de dados pessoais, ou seja teria de criar um documento para o Requerente, dever que, contudo, a lei não impõe”.

    A fazer jurisprudência esta ‘tese’ da juíza poderia ser o fim do acesso público a base de dados de carácter sensível, porquanto significaria que a simples impressão ou transferência para outro formato passaria a ser considerado um novo documento – logo, não obrigatório -, permitindo assim uma escapatória a uma Administração Pública cada vez mais obscurantista.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: há quase 1.000 dias a esconder informação de interesse público.

    Porém, o viés desta sentença de Março do ano passado mostrava-se também no próprio facto de, mesmo se sem intencionalidade, a juíza Sara Ferreira Pinto até ter citado doutrina de Cláudia Monge, professora da Faculdade de Direito de Lisboa, especializada em direito de protecção de dados em saúde. Sucede, contudo, que Cláudia Monge é também uma destacada sócia da sociedade BAS, que, nesta intimação, defendia a posição do Infarmed.

    Apesar de o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ter agora concluído que estava “errado o pressuposto desta improcedência” sentenciada pela juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, certo é que este caso se entre 6 de mostra paradigmático de uma exasperante, morosa e onerosa luta por um banal acesso a documentos administrativos. Apenas considerando a data de entrada do processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa – 20 de Abril de 2022 –, a primeira sentença ocorreu 322 dias depois, em 8 de Março de 2023.

    O recurso do PÁGINA UM foi apresentado em 27 deste mês e o acórdão acabou apenas por ser aprovado 472 dias depois. Se contarmos os dias entre requerimento inicial – ao abrigo de uma lei que determina o acesso ao fim de 10 dias –, decorreu até ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul um total de 948 dias. Teve mais de seis dezenas de actos procedimentais, e mesmo mais um processo de intimação paralelo para obtenção de manuais e cadernos de encargos.

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    PÁGINA UM tem sido, no panorama da comunicação social, uma luz ao fundo do túnel na busca de informação oficial escondida durante a pandemia.

    Saliente-se que os processos de intimação são considerados urgentes, correndo, em teoria, durante as férias judiciais. Além disso, não existe qualquer penalização para um gestor público que demonstre uma atitude obscurantista e que recorra por sistema, com o dinheiro dos contribuintes, para obstaculizar, até ao limite do absurdo o acesso a informação relevante e de interesse público.

    O PÁGINA UM aguarda agora que, cumprindo o acórdão, o Infarmed disponibilize o acesso aos dados anonimizados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do remdesivir para que, em seguida, com espírito de seriedade, rigor e independência, analisar a informação aí constante. Essa análise não substitui o trabalho em curso, e quase concluído, sobre a base de dados da Agência Europeia do Medicamento, a EudraVigilance, relativa às 14 vacinas contra a covid-19 comercializadas no Espaço Económico Europeu.


    N.D. Esta intimação, iniciada em Abril de 2022, desencadeou uma das iniciativas do PÁGINA UM de que mais nos orgulhamos: o FUNDO JURÍDICO, como aqui se recorda. Para financiar estas acções em tribunal – e entretanto houve mais de duas dezenas -, o PÁGINA UM contou com o precioso apoio financeiros dos seus leitores e um inquebrantável patrocínio jurídico do advogado Rui Amores. Como este caso do Infarmed demonstra, estes processos são morosos, lentos, onerosos e desgastantes, ainda mais por enfrentarmos, quase sempre, sociedades de advogados bem pagos (com dinheiros públicos). Tem sido uma batalha de David contra Golias, ainda mais desgastante por esse Golias (Administração Pública) dever existir para servir os cidadãos. Gostaríamos de fazer mais, ainda mais, mas estaremos sempre limitados financeiramente, e também em meios humanos, uma vez que muitos destes processos são demasiado complexos para serem ‘manejados’ por um único advogado que, obviamente, não trabalha a tempo inteiro (muito longe disso) para o PÁGINA UM. Para continuarem a contribuir especificamente para o FUNDO JURÍDICO, será preferível usarem o MIGHTYCAUSE, mas podem sempre optar por outras vias indicando o destino final. Obrigado.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Dados da DGS mostram que reforço sazonal está associado a acréscimos de mortalidade por covid-19 nos maiores de 60 anos

    Dados da DGS mostram que reforço sazonal está associado a acréscimos de mortalidade por covid-19 nos maiores de 60 anos


    Talvez sem se aperceber ou mesmo sem saber – o que não retira, pelo contrário, a gravidade da situação –, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) acabou por fornecer, no final da semana passada, dados preocupantes sobre a segurança das vacinas contra a covid-19. E pior ainda, o comunicado de imprensa, acriticamente acolhido pelos jornalistas dos media mainstream, foi interpretado como um incentivo para mais um reforço (booster) a partir de Setembro.

    Convém referir que o Ministério da Saúde sempre recusou o acesso a dados em bruto sobre a pandemia, ou por não os ter (e ‘navegar à vista’) ou por assim deter o poder de manipular a informação a seu bel-prazer sem ser qustionado ou apanhado a mentir. Porém, desta vez, a DGS até deu elementos suficientes para, cruzando com outros dados oficiais, permitir concluir que nem sequer estamos numa situação em que a vacina é pouco eficaz mesmo em idades mais avançadas; estamos sim a falar de uma vacina que para a doença que visa “atacar” mostra-se contraproducente. Ou seja, melhor dizendo, é perigosa – e nem sequer estamos a incluir os potenciais efeitos adversos. Constitui um exemplo acabado, e cruel, de ser uma cura que estará a matar.

    child in blue hoodie sitting on floor

    Vamos seguir em detalhe os dados transmitidos pela DGS no seu comunicado para comprovar isto, e explicar meticulosamente os cálculos. Diz esta entidade que “a mortalidade específica por covid-19 correspondeu a 15 óbitos a 14 dias por milhão de habitantes”. Consultando os dados oficiais, confirma-se que entre 16 e 30 de Junho, o período de referência, se registaram, de facto, 166 óbitos, um valor próximo da taxa de mortalidade indicada. Destes óbitos por covid-19, oito pessoas teriam idade inferior a 60 anos (sendo que seis não tinham reforço), mais uma vez de acordo com o comunicado da DGS, significando assim que 158 tinham mais de 60 anos.

    Como “cerca de 44% dos óbitos não tinham registo de vacinação sazonal na última época”, acrescenta a DGS, então significa que, deduzindo a condição vacinal dos menores de 60 anos, houve no período em análise um total de 91 óbitos de pessoas vacinadas com o último reforço sazonal e 67 de pessoas sem vacinação no grupo dos maiores de 60 anos.

    Ora, mas para se tirar conclusões rigorosas, e sobretudo para avaliar a eficácia da vacina, mostra-se necessário saber o universo de vacinados (com reforço) e de não-vacinados. E isso sabe-se, porque a Direcção-Geral da Saúde foi divulgando essa informação durante o programa de vacinação sazonal, cujo último relatório é de finais de Abril passado.

    Aí se refere que para a população de mais de 60 anos, receberam reforço um total de 1.687.260 pessoas, correspondente a 56,14% do total. Deste modo, os não-vacinados (sem reforço) nesta faixa etária terão sido, contas feitas, 1.318.190 pessoas (43,86%).

    woman in brown and black coat standing in front of white wall

    Com estes dados, pode-se então calcular as taxas de mortalidade para ambos os grupos:

    Taxa de mortalidade entre vacinados (TMv)

    TMv = Mv/Pv , sendo Mv – mortes de vacinados ; Pv – população vacinada

    donde

    TMv = 91 / 1.687.260 = 53,93 por milhão

    Taxa de mortalidade entre não-vacinados (TMnv)

    TMnv = Mnv/Pnv , sendo Mnv – mortes de não-vacinados ; Pnv – população não-vacinada

    donde

    TMnv = 67 / 1.318.190 = 50,83 por milhão

    A partir daqui já vemos haver um “problema” – e grave – com a vacina contra a covid-19, mesmo havendo a possibilidade de alguns vieses: para a covid-19, a taxa de mortalidade dos vacinados é superior à dos não-vacinados (53,93 vs. 50,83 por milhão)

    Isso mostra-se ainda mais relevante quando se calcula o risco relativo (RR) entre os vacinados e os não-vacinados – que, tal como sucede em qualquer fármaco, deve ser inferior a 1 para existir vantagem sobre o placebo (neste caso, não tomar dose de reforço).

    Temos assim que, para a faixa dos maiores de 60 anos:

    RR = TMv/TMnv = 53,93 / 50,83 = 1,061

    Ora, sabendo-se que a eficácia da vacina (VE) mede a redução relativa no risco de um evento (mortalidade) devido à vacinação (reforço sazonal), no caso em apreço calcula-se o valor da seguinte forma:

    VE = 1 – RR = 1 – 1,061 = 0,061 = – 6,1%

    Significa isto, de forma literal, que a eficácia da vacina (dose de reforço) foi de – 6,1% (valor negativo), indicando, na verdade, em função destes dados oficiais, que o reforço sazonal para a população com idade superior a 60 anos está afinal associado a um aumento no risco de mortalidade por essa doença em comparação com as pessoas não vacinadas.

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    Admite-se que possa existir aqui algum viés, à cabeça do qual estará o Paradoxo de Simpson, que para ser detectado recomenda uma maior desagregação das faixas etárias. O comunicado da Direcção-Geral da Saúde indica, por exemplo, que 70% dos óbitos são de maiores de 80 anos, mas não especifica a percentagem respeitante a vacinados e não vacinados. Se essa distribuição for similar ao valor global (56% e 44%, respectivamete), e tendo em conta que 66,37% da população desta faixa etária recebeu reforço vacinal, então para os maiores de 80 anos o RR seria de 0,646, dando assim um valor de VE de 35,4% (similar ao da vacina contra a gripe).

    Mas, neste caso, para a faixa etária dos 60 aos 79 anos, assumindo os valores oficiais das taxas de reforço (45,49% para os 60-69 anos) e 62,78% para os 70-79 anos) e a distribuição dos óbitos entre vacinados e não vacinados (56% e 44%), o VE seria desastroso, uma vez que para a taxa de mortalidade para os não-vacinados seria de 15,05 por milhão e para os vacinados de 21,96.

    Ou seja, o reforço vacinal estaria assim, para este grupo etário, associado a um acreéscimo de mortalidade por covid-19 de 46%. Um valor completamente insustentável, que deveria levar à simples e imeadiata suspensão da vacinação para este grupo etário, excepto em casos de comorbilidade graves.

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    Aqulo que estes dados – e esta análise – sobretudo indicam à saciedade é que a Direcção-Geral da Saúde, as outras autoridades de Saúde e o próprio Governo não podem continuar a agir com uma ligeireza potencialmente criminosa, insistindo na promoção de uma vacina que claramente se mostra de fraquíssima eficácia (ou talvez mesmo contraproducente), apenas para “salvar o coiro” e os negócios de farmacêuticas. O objectivo de uma Autoridade de Saúde Nacional e de um Governo não é esse: é salvar pessoas; e não matá-las. Uma (in)eficácia do reforço de -6,1% (valor negativo, o que é insustentável em farmacologia) é demasiado preocupante para nada se fazer – e insistir num programa vacinal com estes valores chega a ser criminoso.

    N.D. Ainda em análise (escrever-se-á sobre isso em breve), um recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul recusou a pretensão do PÁGINA UM, perseguida há dois anos, em aceder aos dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), bem como a outros dados em bruto relativos à gestão da pandemia. Esta decisão confirma o obscurantismo de um país que comemorou há pouco os 50 anos da democracia, mas que, de cravo no peito, cultiva a falta de transparência, irmã da manipulação e da desinformação. Esgotas-se assim, em princípio, a possibilidade de se aceder a informação para uma análise independente. Aliás, nem dependente, visto que o relatório sobre o excesso de mortalidade prometido em Agosto de 2022 pela então ministra Marta Temido ainda continua em ‘águas de bacalhau’ para que ‘a culpa morra solteira’. Um Governo decente e uma Administração Pública ao serviço do público não podem continuar a esconder informação e, de uma forma irresponsável, como aqui se revela, promover um fármaco que, afinal, com base em dados fortuitos que divulgam, se mostra, afinal, perigoso. Desafia-se assim a DGS (e o próprio Ministério da Saúde) a refutar esta análise do PÁGINA UM mostrando todos os dados brutos (sem ‘invenções’ nem manipulações), de modo que possam ser livremente analisados. E que seja transparente no futuro. Afinal, estamos a falar de vida; que sempre valem mais do que votos.


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  • Paxlovid: Portugal anda a comprar agora ‘restos de colecção’ de antiviral da Pfizer

    Paxlovid: Portugal anda a comprar agora ‘restos de colecção’ de antiviral da Pfizer

    Foi endeusado pela imprensa, anunciado como uma “arma terapêutica” para dar “paz na batalha contra a pandemia”. O antiviral Paxlovid, da farmacêutica norte-americana Pfizer, fez vendas estratosféricas em 2022, totalizando 18 mil milhões de dólares nesse ano. Mas dúvidas sobre a sua eficácia e a ocorrência de recaídas em 20% dos doentes tirou fôlego ao fármaco ‘vendido’ pela imprensa e pelos ‘marketeers de bata branca’. No ano passado até deu prejuízo nos Estados Unidos com as receitas globais a decaírem 92%. No primeiro trimestre deste ano novo tombo: queda de 50% face aos magros resultados do período homólogo de 2023. Pouco isso importou em Portugal. Após uma misteriosa compra de 20 milhões de euros no final de 2022, feita pela Direcção-Geral da Saúde, recorrendo a uma norma revogada, que possibilitou a celebração do negócio sem contrato escrito, nos últimos dois meses uma dezena de unidades de saúde local andaram a comprar Paxlovid, já a preço de saldo. E isto mesmo depois de investigadores da própria Pfizer terem publicado um artigo científico a assumir a fraca valia do fármaco no tratamento da covid-19. A DGS não quis explicar ao PÁGINA UM sequer onde se gastaram os 20 milhões de euros em comprimidos. Agora, são mais 645 mil euros, porque a Pfizer está a despachar os stocks a ‘preço de saldo’.


    Nos primeiros meses de 2022, a imprensa portuguesa destacava um antiviral de administração oral contra a covid-19 produzido pela Pfizer, “campeã de vendas” nos Estados Unidos. A revista Visão, num artigo de Maio desse ano, questionava mesmo: “Perante a importância do Paxlovid, surge a dúvida: Por que razão não está ainda disponível no nosso País?”. Seguia-se a resposta do pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com mais ligações comerciais às farmacêuticas, incluindo a Pfizer, que garantir que desde Janeiro daquele ano, a Direcção-Geral da Saúde estava a preparar uma norma “para a utilização o mais racional e equitativa possível deste medicamento”.

    Froes era, então, um dos consultores da DGS para a definição das terapêuticas anti-covid, e assegurava que “o Paxlovid é essencial para controlar a circulação do vírus na comunidade e, sobretudo, para diminuir a gravidade da pandemia na população, sobretudo na mais vulnerável”. Passados dois meses, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que mantém fortes ligações comerciais à Pfizer, dizia mesmo que “a mortalidade associada à doença podia ser muito menor se o país apostasse mais” no Paxlovid. No Expresso, falava-se no Paxlovid como “a arma terapêutica” produzida pela Pfizer “para conseguir a paz na batalha contra a pandemia“. O endeusamento embevecido na imprensa portuguesa ao fármaco da farmacêutica norte-americana era um prolongamento do que sucedia na imprensa mainstream internacional

    Dois anos, depois há duas coisas essenciais que se sabe sobre o Paxlovid – e uma que o PÁGINA UM hoje revela.

    A primeira é que, efectivamente, o Paxlovid foi um inusitado “campeão de vendas”, mas apenas por vida das campanhas de marketing político e de influência por ‘marketeers de bata branca’. Aprovado em Dezembro de 2021 nos Estados Unidos e no mês seguinte na Europa, este antiviral inventado em poucos meses – e numa fase em que a pandemia já se encontrava a estabilizar, com a dominância da menos agressiva variante Omicron –, a Pfizer mesmo assim conseguiu catapultar este seu novo fármaco para um nível elevadíssimo. Em 2022, de entre o seu portefólio de medicamentos, o Paxlovid facturou 18,933 mil milhões de dólares, que comparava com apenas 76 milhões de dólares que conseguira vender no primeiro mês (Dezembro de 2021) após a aprovação pela Food & Drug Administration (FDA). Este volume de negócios colocou o Paxlovid na segunda posição de vendas, apenas através da vacina Comirnaty, que em 2022 vendeu 37,8 mil milhões de euros.

    Grande parte deste sucesso comercial instantâneo deveu-se à ajuda do Governo Federal norte-americano que, sem a existência de uma eficácia garantida, financiou na íntegra a administração do fármaco nos Estados Unidos, que custava, em média, por tratamento de cinco dias cerca de 529 dólares, mesmo se o custo de produção rondava apenas 13,38 dólares, o que resultava num lucro excepcional. Porém, a Administração Biden deixou de garantir esse pagamento no ano passado, o que causou um descalabro nas previsões de facturação. No relatório e contas do ano passado ficou a saber-se que as receitas do Paxlovid desceram a nível mundial para apenas 1,279 mil milhões de dólares – uma queda de 92% face ao ano anterior –, sendo que deu mesmo prejuízo nos Estados Unidos (cerca de 1,3 mil milhões), por via de devoluções. O Paxlovid caiu para a sétima posição dos medicamentos da Pfizer e o seu destino parece traçado: o abandono por inutilidade.

    Notícia da Visão de Maio de 2022, como exemplo da ‘visão’ delicodoce do Paxlovid que contribuiu, com a ajuda de ‘marketeers de bata branca’ para pressionar a compra de 20 milhões de euros deste fármaco pela Direcção-Geral da Saúde.

    E a razão nem advém sequer de já não ser necessária uma terapêutica para a covid-19. Necessária será porque o SARS-CoV-2, já endémico, mantém-se letal para uma pequena faixa da população vulnerável. Tanto assim é que, por exemplo, em Portugal registou-se já este mês, até ontem, a morte de161 pessoas por esta doença, de acordo com os dados da DGS. Mas o Paxlovid, neste cenário, vale zero – ou, pelo menos, não vale aquilo que custa.

    Com efeito, é a própria Pfizer que, implicitamente, o admite agora. Num artigo científico publicado em Abril passado na conceituada revista científica The New England Journal of Medicine, integrado na fase 2-3 dos ensaios clínicos da própria Pfizer, os investigadores da própria farmacêutica chegaram à conclusão que “o nirmatrelvir-ritonavir [princípios activos do Paxlovid] não foi associado a um tempo significativamente mais curto para o alívio sustentado dos sintomas da covid-19 em comparação com o placebo, e a utilidade do nirmatrelvir-ritonavir em pacientes que não apresentam alto risco de contrair covid-19 grave não foi estabelecida”.

    Note-se que estes ensaios foram conduzidos entre Agosto de 2021 e Julho de 2022, sendo certo que, mesmo demorando dois anos a serem publicados numa revista científica, a administração da Pfizer já teria há muito tempo informações sobre os resultados decepcionantes em termos de eficácia do fármaco.

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    Compras da Administração Biden e marketing agressivo permitiu à Pfizer vender 18 mil milhões de dólares no primeiro ano do Paxlovid. Queda nas receitas no ano seguinte foi de 92% e começou a dar prejuízo no mercado norte-americano.

    Além disto, o Paxlovid já registava outro problema. Depois do tratamento, 20% dos pacientes sofriam ‘recaídas’ (denominado, em inglês, por rebound). Ao contrário, em pacientes que não usaram Paxlovid só cerca de 2% registaram esse fenómeno.

    Aliás, apesar desse evento adverso estar a ser cada vez mais consolidado em artigos científicos – do qual é exemplo um publicado no passado dia 14 de Novembro no Annals of Internal Medicine –, já era conhecido desde o início da sua comercialização. Por exemplo, em Julho de 2022 o presidente norte-americano Joe Biden sofreu um rebound após tratamento com Paxlovid. Também Antony Fauci alegou ter sofrido este evento. Na altura, o médico da Casa Branca, Kevin O’Connor, garantia que eram situações raras, e a própria FDA informara que os ensaios clínicos da Pfizer os rebounds tinham uma probabilidade de ocorrência entre 1% e 2%. Mas afinal o rebound é de 20%, conforme confirmou um artigo científico em Novembro passado, seja, pelo menos 10 vezes mais do que inicialmente indicado.

    Certo é que, em Portugal, estas questões essenciais são pouco relevantes na hora de comprar medicamentos a determinadas farmacêuticas, porque conta sobretudo o marketing e as influências dos ‘marketeers de bata branca’. Através de uma compra milionária de quase 20 milhões de euros – cuja informação somente foi revelada no revelada no Portal Base mais de 11 meses depois –, a DGS adquiriu no último dia do ano de 2022 um número indeterminado de unidades de Paxlovid. Nunca se soube as unidades compradas nem sequer o preço unitário porque não houve sequer contrato escrito, tendo-se usado uma norma que já tinha sido revogada. O Tribunal de Contas, que se saiba, nunca se pronunciou sobre esta grosseira irregularidade

    Também se desconhece os mecanismos de distribuição das unidades de Paxlovid compradas pela DGS no final de 2023, nem sequer se sabe quais as unidades de saúde que as facultaram a doentes. O obscurantismo é a imagem de marca dos fármacos relacionados com a pandemia.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer. A farmacêutica norte-americana conseguiu, com uma campanha de marketing agressiva, vender 18 mil milhões de dólares num fármaco que sabia ser pouco eficaz. Agora, vende os ‘restos de colecção’ a países como Portugal.

    Mas apesar desta compra volumosa em finais de 2022, aparentemente o stock de Paxlovid em Portugal já se ‘esfumou’, quer por ter eventualmente sido consumido na totalidade ou por perda de validade, o que neste caso aparente ser pouco provável porque houve autorizações de extensão de validade por mais 24 meses.

    Certo é que nos últimos dois meses houve uma dezena de unidades locais de saúde (ULS) que, sem razão aparente, decidiram fazer compras de Paxlovid, que atingem, neste momento, um montante de 645.300 euros. A maior destas compras foi feita este mês, no dia 12, pelo Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, que gastou 198 mil euros, seguindo-se a ULS de Lisboa Ocidental – que integra o Hospital de São Francisco Xavier –, com 135 mil euros. Com compras acima dos 50 mil euros encontram-se mais três unidades de saúde: a ULS do Algarve (72 mil euros), o Hospital Amadora-Sintra (86.400 euros) e a ULS do São João (90 mil euros).

    Os montantes relativamente baixos face aos 20 milhões gastos pela DGS no final de 2022 não se explica apenas por uma eventual menor quantidade. Na verdade, aparentemente, a Pfizer está a fazer ‘preços de saldo’ perante o descalabro do negócio com este antiviral de evidente baixa eficácia e com elevada taxa de rebounds. De facto, se no auge do marketing em 2022, a farmacêutica conseguia ‘despachar’ um tratamento de cinco dias por cerca de 500 euros – ou seja, 100 euros por dia –, agora está a exigir um pagamento de apenas 30 euros por comprimido, o que perfaz um custo por tratamento de cinco dias (com dois comprimidos) de 300 euros.

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    ‘Vai ficar tudo bem’, prometia-se. Mesmo gastando ao desbarato…

    Mas, convém, repetir que o Paxlovid já mostrou para que serve; e não é propriamente para salvar muitas vidas – e não é por não ‘querer’; é mais por não ‘poder’.   

    Como habitualmente, o PÁGINA UM não teve reacção da DGS às questões colocadas sobre as compras de Paxlovid em 2022, nomeadamente a distribuição e consumo pelas unidades de saúde em Portugal, e sobre os dados da própria Pfizer relativos à baixa eficácia deste fármaco. Nesse aspecto, apesar de dizerem que Rita Sá Machado é “perspicaz, tímida, mas divertida”, tem semelhanças com Graça Freitas no culto do obscurantismo sobre gastos públicos.


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  • Estado do Kansas processa Pfizer por deturpar informação da vacina contra a covid-19

    Estado do Kansas processa Pfizer por deturpar informação da vacina contra a covid-19

    O procurador-geral do Kansas processou a Pfizer por ter enganado o público em relação à eficácia e segurança da sua vacina contra a covid-19. Kris Kobach acusa a farmacêutica de ter violado a lei que protege os consumidores daquele estado norte-americano. A acusação sustenta que a Pfizer escondeu do público os riscos que a sua vacina poderia ter para grávidas bem como os riscos de causar reacções adversas como miocardites. A farmacêutica é também acusada de ter mentido aos consumidores, quando sugeriu que a sua vacina era eficaz na prevenção da covid-19. O anúncio teve uma cobertura alargada nos media sobretudo nos Estados Unidos, e foi amplamente partilhado nas redes sociais, até por ser o segundo processo desta natureza contra a Pfizer, depois de uma acção similar em Novembro do ano passado por iniciativa do Estado do Texas. Em Portugal, como seria de esperar, o tema está a ser abafado pelos principais media.


    O Estado norte-americano do Kansas processou a Pfizer por ter mentido ao público sobre a eficácia e segurança da sua vacina contra a covid-19. Este é o segundo processo intentado por iniciativa estadual, depois do Texas, contra a farmacêutica que mais facturou com a venda deste fármaco, vendendo em todo o Mundo mais de 85 mil milhões de euros.

    O procurador-geral do Kansas, Kris Kobach, acusa a farmacêutica norte-americana de ter violado a lei que protege os consumidores, uma vez que omitiu informação relevante sobre reacções adversas graves e também por sugerir falsamente que a sua vacina impedia a infecção por covid-19 e a transmissão da doença. Foi por esse motivo que grande parte dos governos mundiais proibiram a viagem a não-vacinados e mesmo o acesso a locais públicos, porque se considerava, erradamente, que quem estivesse vacinado teria uma probabilidade ínfima de transmitir a doença.

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    A acção que deu entrada no Tribunal Distrital do Kansas alega que a Pfizer enganou o público ao garantir que a sua vacina contra a covid-19 era segura e eficaz, lembrando que a farmacêutica afirmou que sua vacina impedia a transmissão da doença, apesar de a empresa saber que nunca tinha estudado o efeito do fármaco na transmissão do vírus.

    Apesar disso, em Abril de 2021, a Pfizer revelava publicamente resultados espectaculares, garantindo em comunicado de imprensa, que a sua vacina “é altamente eficaz com 91,3% de eficácia vacinal […], medida sete dias até seis meses após a segunda dose” e ainda “100% eficaz na prevenção da doença grave, conforme definido pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA [Estados Unidos da América], e 95,3% eficaz na prevenção da doença grave, conforme definido pela Food and Drug Administration dos EUA”. E acrescentava também que “a vacina foi 100% eficaz na prevenção de casos de COVID-19 na África do Sul, onde a linhagem B.1.351” era então predominante. Desempenhos que se mostraram completamente exagerados, mas que, na altura, determinaram muitas das políticas governamentais, incluindo mesmo situações de imposição da vacinação.

    A acção do procurador-geral – que, nos Estados Unidos, tem uma função também política, funcionando também como uma espécie de Ministério da Justiça – releva que “a Pfizer disse que sua vacina contra a covid-19 era segura, mesmo sabendo que sua vacina contra a covid-19 estava ligada a reacções adversas graves, incluindo miocardite e pericardite, abortos e mortes”.

    O anúncio de Kris Kobach, procurador-geral do Kansas, teve ampla cobertura mediática, incluindo de agências noticiosas internacionais como a Reuters e a Bloomberg, bem como estações de televisão norte-americanas.

    Para o procurador-geral do Kansas, as ações e declarações da Pfizer sobre a sua vacina contra a covid-19 violaram a Lei de Proteção do Consumidor daquele estado norte-americano. Na conferência de imprensa em que anunciou a acção contra a farmacêutica, Kobach foi directo: “este processo é simplesmente sobre [a Pfizer] esconder, enganar e deturpar o público”. O procurador-geral defendeu que “uma empresa tem a obrigação de ser honesta com os americanos em todas as situações”. “E a nossa Lei de Protecção do Consumidor é sobre isso; é sobre não se enganar os consumidores”, afirmou.

    A acusação sustenta que a Pfizer manteve a sua própria base de dados com informações sobre reacções adversas da sua vacina separada do Sistema Federal de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS), o qual é gerido pelos reguladores norte-americanos do sector da saúde, a Food and Drug Administration (FDA) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

    Segundo a acção, o sistema de dados de reacções adversas da Pfizer tinha reacções adversas relatadas espontaneamente à farmacêutica ou detectados pelas autoridades de saúde, bem como casos publicados em artigos e revistas de medicina.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer afirmou que a vacina contra a covid-19, que foi desenvolvida com a alemã BioNTech, era segura e eficaz, impedindo a infecção e transmissão do vírus SARS-CoV-2.

    Em reacção ao anúncio do processo, a Pfizer afirmou, em comunicado citado pela Bloomberg, que as suas declarações sobre a sua vacina contra a covid-19 “foram precisas e baseadas na Ciência”, adiantando que “acredita que o caso do Estado [do Kansas] não tem mérito e responderá ao processo no devido tempo”.

    No Kansas, com uma população de cerca de três milhões de habitantes, foram administradas mais de 3,5 milhões de doses da Pfizer até ao dia 7 de Fevereiro deste ano, segundo revela a Procuradoria-Geral daquele Estado de maioria republicana. Kobach também acusa a Pfizer de ter encetado esforços para que fosse aplicada censura nas redes sociais a críticas e informações negativas sobre a sua vacina.


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  • Artigo em revista científica prestigiada quebra tabu: vacinas contra a covid-19 estarão associadas a mortalidade excessiva no mundo ocidental

    Artigo em revista científica prestigiada quebra tabu: vacinas contra a covid-19 estarão associadas a mortalidade excessiva no mundo ocidental

    Estão a quebrar-se as barreiras e o silêncio impostos durante os anos da pandemia. E a Ciência liberta-se das amarras políticas e do lobby das farmacêuticas. Um artigo de investigadores holandeses publicado esta segunda-feira na prestigiada revista científica BMJ Public Health coloca, sem subterfúgios, as vacinas como um dos fortes contribuidores para o excesso de mortalidade no triénio 2020-2022 em 47 países ocidentais, incluindo Portugal, que em três anos teve mais 30.405 mortes do que se esperaria. Analisando os padrões de mortalidade nos três anos de pandemia (2020-2022), os autores destacam uma série sem precedentes, quase generalizada, de excesso de óbitos, mas maior em 2021, como sucedeu em Portugal quando já estava em curso os programas de massificação de vacinação contra a covid-19. E apelam para, à luz dos conhecimentos científicos, o apuramento efectivo das mortes causadas pela infecção, pelas restrições nos cuidados médicos, pelos efeitos dos confinamentos e pelas vacinas.


    Durante a pandemia, o excesso de mortalidade em Portugal no ano de 2020, antes da administração das vacinas, foi inferior ao dos dois anos seguintes (2021 e 2022) já com os programas de vacinação em curso, revela um artigo científico publicado esta semana na prestigiada revista científica BMJ Public Health, que aponta, para o nosso país, um número de óbitos acrescidos de 30.405 no triénio 2020-2022. Para a maioria dos países, o período histórico de 2015 a 2019 foi usado para determinar a linha de base esperada das mortes para, assim, ser determinado o excesso.

    Da autoria de investigadores holandeses, o artigo intitulado “Excess mortality across countries in the Western World since the COVID-19 pandemic: ‘Our World in Data’ estimates of January 2020 to December 2022” analisou o excesso de mortalidade por todas as causas em 47 países ocidentais entre 2020 e 2022, grande parte dos quais na Europa, constatando, com base em análise estatística, que houve mortalidade excessiva em 87% dos países em 2020, em 89% dos países em 2021 e em 91% dos países em 2022. Em Portugal houve sempre mortalidade excessiva nos três anos, algo que sucedeu em mais 37 dos países analisados, mas o nosso país ocupa, no entanto, a 28ª posição.

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    De entre os 47 países analisados, aquele que apresentou maior excesso acumulado de mortalidade no triénio 2020-2022 foi a Macedónia do Norte (+83,3%), seguido pela Albânia (75,0%), Bulgária (64,2%), a Bósnia (64,0%) e a Lituânia (62,6%). Portugal teve um excesso acumulado de 26,7%, sendo que foi de 9.549 óbitos em 2020, de 11.259 em 2021 e de 9.597 em 2022. O excesso em Portugal é substancialmente inferior ao dos Estados Unidos (42,9%), mas também bastante acima do país que foi considerado o ‘patinho feio’ pela imprensa mainstream: a Suécia. Com um excesso de mortalidade no triénio da pandemia (2020-2022) de 16,4%, a Suécia acabou por ser dos países com melhor comportamento em 2021 e 2022, e os valores globais no triénio mostram-se similares aos da Noruega (14,9%) e da Finlândia (18,6%).

    [Os resultados detalhados por país podem ser vistos AQUI ou AQUI]

    Genericamente, com algumas excepções, como na Suécia, o excesso de mortalidade foi superior no segundo ano da pandemia (2021), coincidente com ainda fortes medidas não-farmacológicas, restrições nos cuidados de saúde e com a massificação dos programas de vacinação. O estudo holandês aponta para um excesso de mortalidade no conjunto dos 47 países do mundo ocidental de 11,4% em 2020, tendo subido para 13,8% em 2021 e fixando-se em 8,8% em 2022.

    Os autores consideram, por isso, um desafio para as autoridades encontrar explicações para esta evolução, que passam por “distinguir entre os vários contribuintes potenciais para a mortalidade excessiva, incluindo a infecção por covid-19, os efeitos indiretos das medidas de contenção e os programas de vacinação contra a covid-19”.

    Com revisão entre os pares, numa análise que demorou mais de noves meses, este será um dos primeiros artigos científicos publicados numa revista de elevado prestígio que abertamente coloca o programa de vacinação como um dos potenciais responsáveis pelo excesso de mortalidade, destacando também um registo inflacionado da letalidade da covid-19, sobretudo na população mais jovem.

    Primeira página do artigo científico na BMJ Public Health, recebido na revista em 9 de Junho de 2023, aceite em 20 de Março deste ano e publicado no passado dia 3 de Junho.

    “Uma análise recente de estudos de soroprevalência no período pré-vacinação [ano de 2020] ilustra que as estimativas da taxa de letalidade por infecção em populações não idosas eram ainda mais baixas do que os cálculos anteriores sugeriam”, dizem os investigadores, apontando para uma taxa de 0,03% para pessoas com menos de 60 anos e de 0,07% para pessoas com menos de 70 anos. Para o caso dos menores de 20 anos, a taxa de letalidade nos países ocidentais agora apurada é de 0,0003%, um valor em linha com o sucedido em Portugal, onde morreram por covid-19 cinco pessoas com menos de 20 anos, todas com comorbilidades extremamente graves, incluindo dois recém-nascidos com malformações congénitas cardíacas.

    Durante 2021, revelam os investigadores, “quando não apenas as medidas de contenção, mas também as vacinas contra a covid-19 foram usadas para combater a disseminação e infecção do vírus, foi registado o maior número de mortes em excesso: 1.256.942 mortes a mais”. No ano seguinte, continuam “quando a maioria das medidas de mitigação foi revogada e as vacinas foram mantidas, os dados preliminares disponíveis contam 808.392 mortes em excesso”, destacando que a diferença percentual entre o número documentado e projetado de mortes foi maior em 28% dos países durante 2020, em 46% dos países durante 2021 e em 26% dos países durante 2022.

    Defendendo que “esta visão sobre a mortalidade excessiva por todas as causas desde o início da pandemia de covid-19 é um passo importante para a tomada de decisões políticas em futuras crises de saúde”, discutem também a forma como se concedeu um destaque às mortes pela infecção, descurando as outras doenças mortais. “Falta consenso na comunidade médica sobre quando uma pessoa falecida infectada com covid-19 deve ser registrada como uma morte por covid-19”, acrescentando que “os efeitos indirectos das medidas de contenção provavelmente alteraram a escala e a natureza da carga de doenças para várias causas de morte desde a pandemia”.

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    Admitindo que “as mortes causadas pela utilização restrita de cuidados de saúde e pela turbulência socioeconómica são difíceis de provar”, mas que se torna essencial conhecer, os investigadores holandeses citam um estudo norte-americano que detectou “um aumento substancial na mortalidade excessiva atribuída a causas não relacionadas à covid-19 durante os primeiros dois anos da pandemia”, exemplificando com um incremento por doenças cardíacas (6%), por diabetes (17% em 2020 e 13% no ano seguinte), por doença de Alzheimer (19% em 2020 e 15% no ano seguinte), para além de aumentos das fatalidades relacionadas ao álcool (28% acima do valor basal durante o primeiro ano e 33% durante o segundo ano) e a drogas (33% acima do valor basal em 2020 e 54% no ano seguinte).

    Mas é na parte da segurança das vacinas que o artigo acaba por quebrar um tabu que continua a espelhar-se na comunidade científica e na comunicação social mainstream. Os investigadores holandeses destacam que, apesar de “pesquisas anteriores terem confirmado uma subnotificação profunda de eventos adversos, incluindo mortes, após a imunização”, certo é que “também falta consenso na comunidade médica sobre preocupações de que as vacinas de mRNA possam causar mais danos do que inicialmente previsto”.

    E exemplificam alguns casos já revelados em diversos estudos como a “heterogeneidade dependente de lote na toxicidade das vacinas de mRNA na Dinamarca” ou ainda “a ocorrência simultânea de mortalidade excessiva e vacinação contra a covid-19 na Alemanha”. Segundo estes investigadores, existe “um sinal de segurança que merece investigação adicional”, embora lamentando que “os dados dos ensaios clínicos necessários para investigar mais essas associações não sejam compartilhados com o público”.

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    Logo na introdução do seu artigo científico, os investigadores holandeses não escamoteiam, pelo contrário, a questão da segurança, um tabu no meio científico e dos media durante a pandemia, e que ainda hoje perdura em alguns sectores. “Embora as vacinas contra a covid-19 tenham sido fornecidas para proteger os civis da morbilidade e mortalidade” causadas pelo SARS-CoV-2, adiantam os autores do artigo da BMJ Public Health, “também foram documentados eventos adversos suspeitos”.

    E citam a análise secundária dos ensaios clínicos randomizados de fase III, controlados por placebo, das vacinas de mRNA da Pfizer que apresentaram um risco 36% maior de eventos adversos graves no grupo da vacina. “A diferença de risco foi de 18,0 por 10.000 vacinados”, referem os investigadores, apontando também para “um risco 6% maior de eventos adversos graves entre os receptores da vacina da Moderna.

    “Por definição”, acrescentam os investigadores, “estes acontecimentos adversos graves levam à morte, são potencialmente fatais, requerem internamento (prolongamento de) hospitalização, causam deficiência/ incapacidade persistente/ significativa, dizem respeito a uma anomalia congénita/ defeito congénito ou incluem um acontecimento clinicamente importante de acordo com a prescrição médica”, referindo ainda que a maioria destes eventos adversos graves diz respeito a condições clínicas comuns como, por exemplo, acidente vascular cerebral isquémico, síndrome coronária aguda e hemorragia cerebral, pelo que “esta semelhança dificulta a suspeita clínica e consequentemente a sua detecção como reações adversas à vacina”.

    Estocolmo, capital da Suécia em Agosto de 2020. Sem restrições relevantes, sem máscaras faciais e sem confinamentos, com uma vida activa, a Suécia foi vista como o ‘patinho feio’ da Europa durante a a pandemia. Afinal, três anos depois, mostra-se um dos países do mundo ocidental com menor excesso de mortalidade total, estando ao nível da vizinha Noruega, e bastante melhor do que Portugal.

    Em todo o caso, o artigo dos investigadores holandeses refere um estudo realizado nos Estados Unidos e no Reino Unido que comparou notificações de acontecimentos adversos em base de dados (VAERS e EudraVigilance) após vacinas de mRNA contra a covid-19 e após administração de vacinas contra a gripe, concluindo existir um risco mais elevado de reações adversas graves para as vacinas contra a covid-19. Estas reações, acrescentam, incluíram doenças cardiovasculares, coagulação, hemorragias, acontecimentos gastrointestinais e tromboses. E apontam ainda “numerosos estudos” que relataram que a vacinação contra a covid-19 pode induzir miocardite, pericardite e doenças autoimunes. Aditando outros que revelam “exames post-mortem [que] também atribuíram miocardite, encefalite, trombocitopenia trombótica imune, hemorragia intracraniana e trombose difusa às vacinações contra a covid-19”.

    Isto mesmo sabendo-se, como destacam, que “autópsias para confirmar as causas reais de morte são raramente realizadas”, defendendo os autores do artigo da BMJ Public Health que “essas informações podem ajudar a indicar se a infecção por covid-19, os efeitos indiretos das medidas de contenção, as vacinas contra a covid-19 ou outros factores negligenciados desempenham um papel fundamental” para o excesso de mortalidade.


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