Categoria: Saúde

  • Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 e a Direcção-Geral de Saúde decidiram dar duas doses de vacinas em adolescentes. Investigação em Hong Kong, publicada anteontem, revela que risco de miocardites dispara na segunda toma em comparação com a primeira dose. Face aos resultados preliminares, o território chinês já alterou a política de vacinação para adolescentes desde Setembro do ano passado. Em Portugal não se sabe quantos adolescentes tomaram duas doses nem quantas foram as miocardites registadas por causa da vacina contra a covid-19.


    Estudos internacionais começam a revelar ter sido um erro vacinar adolescentes contra a covid-19, sobretudo em rapazes e administrando duas doses. Uma nova pesquisa, publicada anteontem na prestigiada revista JAMA Pediatrics, da American Medical Association, revelou que após a toma da segunda dose da vacina da Pfizer por adolescentes de Hong Kong se observou uma incidência de 39 casos de miocardites por 100.000 habitantes, ou seja, por cada 2.563 adolescentes vacinados com duas doses, um desenvolveu aquela grave infecção do coração.

    Este problema levou, aliás, aquele território sob administração da China passasse a optar por apenas vacinar adolescentes com uma dose, uma vez que, neste caso, a incidência neste caso se revelou muito mais baixa (cerca de 5 casos por 100.000 vacinados). Em relação às adolescentes, o risco mostrou-se muito inferior: os rapazes apresentaram uma incidência seis vezes superior às raparigas na primeira toma (5,27 vs. 0,90 por 100.000 casos) e de quase oito vezes na segunda toma (39,02 vs. 4,97 por 100.000 casos).

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    Este estudo de coorte – que abrangeu adolescentes de ambos os sexos, dos quais 162.518 tomaram duas doses e 62.042 apenas uma dose – desenvolveu-se entre 10 de Março e 18 de Outubro do ano passado. Mas os resultados preliminares terão já mostrado ser evidente e elevado o risco de miocardites, pelo que as autoridades chinesas decidiram, em 15 de Setembro passado, que não se deveria administrar dose dupla.

    Recorde-se que em Portugal, a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV) recomendou a vacinação universal quer para adolescentes quer para crianças. O polémico parecer sobre a vacinação de crianças feito a pedido da Direcção-Geral da Saúde (DGS) foi tornado público em Dezembro, por pressão política, mas não o referente aos adolescentes nunca foi revelado, nem qualquer outro.

    O PÁGINA UM obteve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) que considera que a DGS teria de disponibilizar publicamente toda a documentação da CTVC, mas a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, mantendo uma postura de obscurantismo, continua a recusar essa obrigação legal e ética.

    O PÁGINA UM tentou, no início da passada semana, obter comentários sobre esta matéria de todas as forças políticas com assento no futuro Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, PAN e Livre), mas nenhuma mostrou ainda qualquer preocupação em responder.

    Aliás, o secretismo da DGS chega ao ponto de nem sequer divulgar, no seu boletim diário do plano de vacinação, o número de adolescentes vacinados entre os 12 e aos 17 anos, nem indica se vai recomendar doses de reforço ao longo deste ano.

    De igual modo, o Infarmed mantém a recusa de permitir ao PÁGINA UM o acesso ao Portal RAM, que identifica e quantifica os efeitos adversos das vacinas em cada idade.

    Em carta à CADA, o presidente do Infarmed, Rui dos Santos Ivo, defende que o acesso aos dados do Portal RAM, “recolhidos exclusivamente no âmbito da farmacovigilância, correndo o risco de poderem ser analisados por não-especialistas, tem um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    [N.D. O director e jornalista do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, é sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia]

    Estes novos dados do estudo de Hong Kong mostram também que, afinal, os riscos de miocardites em adolescentes após a toma da vacina contra a covid-19 são muito superiores àqueles que foram apontados pela Pfizer e até pelos estudos iniciais que, por exemplo, a própria CTVC utilizou.

    Em Dezembro passado, os membros da CTVC usaram estudos não publicados e sem revisão de pares (peer review), ignorando também as recomendações de diversos pediatras para se avançar para a vacinação apenas de crianças e adolescentes de risco.

    Também anteontem, um estudo publicado na revista Current Issues in Molecular Biology por investigadores, revelou que a vacina da Pfizer “é capaz de entrar na linha celular de fígado humano”, tendo sido utilizadas células hepáticas em vitro. Os investigadores têm estado, aliás, a procurar conhecer se existe uma relação directa entre a vacinação contra a covid-19 e casos de hepatite autominume.

  • Remdesivirgate: um negócio de 20 milhões de euros e de lobbies associados à Ordem dos Médicos

    Remdesivirgate: um negócio de 20 milhões de euros e de lobbies associados à Ordem dos Médicos

    A Gilead conseguiu ver aprovadas compras avultadas de um seu fármaco contra a covid-19 que veio a ser desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde. Em Portugal foram cerca de 20 milhões de euros gastos, e poderia ter sido ainda mais. Mas, ao contrário de outros medicamentos “malditos”, como a ivermectina, o remdesivir sempre contou com o apoio de muitos médicos bem colocados, quatro dos quais integram a equipa da DGS responsável pelas terapêuticas a aplicar nos hospitais. E dois são mesmo membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, escolhidos pelo bastonário Miguel Guimarães. Todos receberam dinheiro directo da Gilead, e por causa do remdesivir. Não foram os únicos. O PÁGINA UM revela um caso que deveria ser de “polícia”.


    A Gilead, através de um acordo com a Comissão von der Leyen, conseguiu vender, durante a pandemia, largas centenas de milhões de euros do fármaco remdesivir – um caro antiviral criado para o ébola –, mas que um poderoso lobby médico promoveu como remédio milagroso contra a covid-19, até que a Organização Mundial da Saúde (OMS) o desaconselhou em 20 de Novembro de 2020.

    A própria OMS destacou que esse medicamente, comercializado sob o nome Veklury, “não é recomendado para pacientes internados com covid-19, independentemente da gravidade da doença, pois actualmente não há evidências de que melhore a sobrevida ou que evite a ventilação artificial”. Além disso, surgiram fortes suspeitas de efeitos renais graves.

    Mas já era tarde para os cofres públicos portugueses. No mês anterior, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) fora mandatada pelo Governo de António Costa para comprar doses de Veklury num máximo de 35.376.645 euros, tendo o primeiro lote no valor de quase 19,5 milhões de euros sido comprado ainda em 2020. O primeiro contrato da DGS foi assim assinado em 23 de Outubro. Na Resolução de Conselho de Ministros, além de se referir o acordo feito pela Comissão Europeia, estava bem expresso uma justificação alegadamente terapêutica: o remdesivir estava “recomendado para os doentes internados com covid-19, de acordo com a Norma 004/2020” da DGS.

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    A decisão da OMS não era surpreendente, porque, na verdade, o remdesivir nunca antes mostrara resultados atractivos, excepto para determinados “especialistas” que, por exemplo, em Portugal sempre glorificaram o fármaco da Gilead. Quatro deles sempre estiveram incluídos na equipa de especialistas da DGS, que elaboraram a tal Norma 004/2020: Filipe Froes, Fernando Maltez, António Diniz e Maria João Brito. Todos receberam verbas da Gilead, e todos especificamente por causa do remdesivir.

    As evidentes ligações destes médicos à Gilead mostraram-se logo nos primeiros meses da pandemia, e envolveram já três deles: em 16 de Julho de 2020, participaram num webinar entre as 19:00 e as 20:00 horas intitulado “Avanços no tratamento antiviral da covid-19: remdesivir, o primeiro tratamento aprovado”.

    Com moderação de Filipe Froes – pneumologista do Hospital Pulido Valente, mas então apresentado como representante da Ordem dos Médicos para a Covid-19 –, contou com a participação de um médico espanhol (Alex Soriano) e de quatro médicos portugueses: Fernando Maltez (director do serviço de doenças infeciosas do Hospital Curry Cabral), Maria João Brito (coordenadora da unidade de infeciologia do Hospital Dona Estefânia), Tomás Fonseca (médico internista do Centro Hospitalar da Universidade do Porto) e Nuno Germano (responsável da unidade de cuidados intensivos no Hospital Curry Cabral).

    Apenas por esta participação, Filipe Froes (através da sua empresa Terra & Froes) recebeu 1.230 euros, enquanto Fernando Maltez e Maria João Brito arrecadaram, cada um, 775 euros. Nuno Germano (através da sua empresa Germano & Emílio – Serviços de Saúde) arrecadou 630 euros, um pouco mais do que Tomás Fonseca, que amealhou 560 euros.

    Filipe Froes, António Diniz e Francisco Antunes: três médicos (em conversa na Ordem dos Médicos) que receberam dinheiro da Gilead e que sempre elogiaram o remdesivir.

    Médico no Hospital Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes – que lidera também o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 – é um dos clínicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Tendo arrecadado mais de 380 mil euros deste sector desde 2013 – com destaque para a Pfizer (134,5 mil euros), Merck Sharp & Dohme (85,5 mil euros) e BIAL (47,3 mil euros) –, a Gilead não poderia deixar de estar no seu radar. Facturou 13.480 euros em 2020 e 2021 desta farmacêutica.

    Aliás, Froes aumentou assim o seu portefólio, porque antes da pandemia não tivera relações com essa empresa norte-americana. E fez de tudo para merecer as benesses da Gilead: em 2020 moderou dois webinares e integrou o grupo de consultores (advisory board) para o remdesivir; em 2021 foram mais quatro eventos.

    O piscar de olhos de Filipe Froes à Gilead começou mesmo antes do surgimento do SARS-CoV-2 em território nacional. Em 29 de Janeiro de 2020, já falava naquele fármaco como potencial tratamento da covid-19, em entrevista ao Público. Em Abril desse ano, em plena “primeira vaga”, reforçou a ideia, em entrevista à Rádio Renascença. E continuou, sempre que lhe davam espaço mediático e oportunidade, sempre falou bem do remdesivir, especificamente. Mesmo já depois da OMS ter desaconselhado o seu uso, como ficou patente em declarações ao site Medic News, em 24 de Março do ano passado, no âmbito de mais um webinar patrocinado pela Gilead.

    Quanto a António Diniz – que também se destacou como um dos membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, escolhido pelo bastonário, o urologista Miguel Guimarães – consta na Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed como tendo recebido, em duas tranches, 2.164,8 euros da Gilead especificamente como consultor (advisory board) para o remdesivir. Desde o início da pandemia, recebeu da Gilead 7.950,13 euros.

    Fernando Maltez, por sua vez – que também é consultor da DGS – viu na pandemia uma oportunidade de negócio. Através de webinares e consultorias, recebeu da Gilead, em 2020 e 2021, um total de 17.342 euros. Do sector farmacêutico recebeu, neste período, 56.952 euros.

    Especificamente sobre o remdesivir também foi convidado para consultor (advisory board) e integrou três webinares que debateram os alegados benefícios deste fármaco. Chegou mesmo a participar em dois programas do Rádio Observador para falar sobre a pandemia, supostamente como especialista independente, mas recebeu, para isso, 2.460 euros da própria Gilead.

    Um dos webinares sobre o remdesivir, patrocinado e pago pela Gilead, e apoiado pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

    As ligações de Maria João Brito à Gilead são mais ténues. Além da participação no webinar de Julho de 2020, pelo qual recebeu 774,90 euros, apenas teve outro apoio em 2021 desta farmacêutica no valor de 622 euros para um congresso de pediatria em Lisboa. Desde o início da pandemia recebeu 9.400,6 euros de nove farmacêuticas distintas.

    Mas existem mais ligações fortes de conceituados médicos com o remdesivir e a Gilead ao longo da pandemia. Um desses casos é do Francisco Antunes, professor jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa.

    Em 2 de Maio de 2020, afirmou à revista Sábado que este anti-viral era “muito credível”, acrescentando ainda que o facto de um estudo então revelado nos Estados Unidos “ter sido anunciado por Anthony Fauci, dá-lhe muita credibilidade”. No mês seguinte, por uma sessão de formação no âmbito deste medicamento, ganharia 1.390 euros, pagos pela Gilead. Passado menos de 30 dias, a mesma farmacêutica desembolsaria mais 2.004,90 euros para o compensar por uma formação interna dedicada ao… remdesivir.

    Apesar de reformado, Francisco Antunes desdobrou-se, ao longo dos dois anos de pandemia, em intervenções um pouco por todo o lado, sobre a covid-19 e os avanços científicos no seu tratamento. Foi também presença habitual na imprensa, sempre interessada em “especialistas”. Também interessada nele esteve a Gilead. Ao longo de 2021, a Gilead pagou-lhe 21.970 euros para serviços de consultoria para a criação de um website sobre a covid, o qual é tão útil público que somente se acede por password.

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    Note-se que Francisco Antunes era já cara conhecida da Gilead. Antes da pandemia fizera parte da comissão de avaliação de prémios de investigação promovidos por esta farmacêutica (programa Génese), e em 2019 recebera 4.022 euros em diversos eventos.

    Contudo, a partir de 2020 a sua conta bancária teve transferências de 27.726 euros proveniente da Gilead. Recebeu, já agora, no mesmo período, 21.999 euros da Merck Sharp & Dohme.

    Uma entidade ligada à Universidade de Lisboa – a Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina (AIDFM) – também beneficiou bastante com a Gilead e especificamente com o remdesivir.

    Durante o ano de 2020, esta entidade recebeu desta farmacêutica 15.375 euros para um estudo intitulado “Análise do impacto de remdesivir na capacidade hospitalar do SNS” e mais 30.750 euros para o “Estudo de suporte do pedido de financiamento público de remdesivir no tratamento da covid-19”.

    Já em 2021, recebeu mais verbas para o “Estudo comparativo sobre a utilização de remdesivir” (9.225 euros) e “Actualização do dossier de valor terapêutico de remdesivir (Veklury) na indicação aprovada” (12.300 euros). Este ano, no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed constam ainda mais dois estudos pagos pela Gilead: “Análise descritiva da utilização de remdesivir” (9.225 euros) e uma actualização do valor terapêutico (mais 12.300 euros).

    Apesar de ser uma associação sem fins lucrativos criada por uma universidade pública, nenhum destes seis estudos – pelos quais recebeu um total de 89.175 euros – foi divulgado nem a direcção da AIDFM respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM, que incluíam cópia dos relatórios efectuados, o mesmo tendo sucedido com a Gilead Portugal.

    A farmacêutica norte-americana foi também particularmente generosa com a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares – que já foi presidida pela ministra da Saúde Marta Temido –, a quem entregou, durante os dois anos da pandemia, apoios no valor de 95.442,5 euros. Uma outra entidade bastante beneficiada durante a pandemia foi a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que obteve um inédito apoio de 76.260 euros no ano passado. Em 2020 foram 14.967 euros.

    Destaque-se, por fim, que o PÁGINA UM solicitou ao Infarmed o acesso à base de dados das reacções adversas (Portal RAM) para analisar os problemas detectados no uso terapêutico do remdesivir – até porque a compra do segundo lote previsto foi drasticamente reduzida, porque o fármaco deixou praticamente de ser usado -, mas esta entidade não respondeu. Aguarda-se o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sobre a queixa apresentada. A DGS também não respondeu a qualquer questão colocada pelo PÁGINA UM sobre esta matéria.

  • Comissão Europeia quer prolongar certificado que obriga à toma de até cinco doses da vacina contra a covid-19

    Comissão Europeia quer prolongar certificado que obriga à toma de até cinco doses da vacina contra a covid-19

    A Comissão Europeia quer manter a discriminação entre vacinados e não-vacinados, propondo o prolongamento do uso dos certificados digitais por mais um ano, até finais de Junho de 2023. E cita estudos que comprovam a “utilidade” das proibições de acesso como incentivo para a toma de mais doses da vacina. Caso seja aprovado o novo regulamento, além da manutenção de uma política segregacionista, com uma quarta dose serão vendidas pelo menos mais de 300 milhões de vacinas na União Europeia, um negócio superior a 6 mil milhões de euros para as farmacêuticas. E acrescem também custos operacionais de gestão dos certificados na ordem dos 10 mil milhões de euros.


    Em contraciclo com as decisões de alguns países europeus – como a Dinamarca, Finlândia, Noruega e Reino Unido – em cessar já a discriminação dos cidadãos em função do seu estado vacinal contra a covid-19, a Comissão Europeia quer estender por mais um ano a aplicação dos certificados digitais para condicionar ou proibir a circulação aérea e o acesso a certos lugares públicos por não-vacinados.

    Numa altura em que a pandemia se encontra já numa fase claramente endémica, a Comissão von der Leyen – adepta da imposição da vacinação obrigatória universal, incluindo a jovens e crianças – tem já pronta uma proposta de regulamento para prolongar até 30 Junho de 2023 o controlo de entradas através deste certificado, que apenas atesta a toma de vacinas ou a ocorrência de uma infecção recente.

    Como os certificados têm agora uma validade de nove meses, a implementação desta medida garante às farmacêuticas pelo menos mais um reforço vacinal. No limite, quem tomou a chamada “dose de reforço” até finais de Novembro do ano passado terá de receber uma quinta dose para não sofrer restrições de circulação até ao meio do próximo ano.

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    No texto que acompanha a sua proposta de regulamento, a Comissão Europeia mostra ser uma fervorosa adepta do uso do certificado digital para o condicionamento de acesso em espaços públicos no interior de cada país (por exemplo, em restaurantes, ginásios ou eventos culturais e desportivos) como instrumento de “incentivo” para a vacinação. E menciona expressamente dois estudos que provam que a implementação do certificado digital convenceu muitos a vacinarem-se.

    Num desses estudos, ainda em fase de working paper, investigadores belgas e franceses defendem que durante o Verão do ano passado os “certificados covid” contribuíram para um aumento substancial na aceitação de vacinas: mais 13,0 pontos percentuais (pp) na França, mais 6,2 na Alemanha e mais 9,7 na Itália. Ou seja, na verdade, assumem que as pessoas não se vacinaram por acreditar no poder de protecção da vacina; quiseram, sim, apenas continuar a movimentar-se livremente.

    Mas os investigadores também garantem que o certificado salvou vidas, embora através de uma mera análise contrafactual – ou seja, fazendo estimativas sobre eventuais mortes que teriam ocorrido se não houvesse aquele aumento de vacinação. Na sua opinião, sem esse reforço de vacinação teriam morrido mais 3.979 pessoas por covid-19 na França, 1.133 na Alemanha e 1.331 na Itália, além de avultadas perdas económicas.

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    Saliente-se, contudo, que nestes três países – tal como, aliás, em Portugal – morreram mais pessoas por covid-19 no Verão de 2021 (com vacina) do que no Verão de 2020 (ainda sem vacina).

    Noutro estudo (sem peer review), também mencionado pela Comissão Europeia, e que aborda igualmente a realidade do Canadá, aponta-se para uma subida semanal superior a 60% na primeira toma da vacina após a decisão das autoridades em impor o uso de certificado digital como forma de discriminação dos cidadãos não-vacinados.

    Recorde-se que, na União Europeia, onde já se emitiram mais de mil milhões de certificados, a vacina contra os efeitos do SARS-CoV-2 só passou a ser obrigatória na Áustria, e para certas profissões em outros Estados-membros, como a Grécia e Hungria (para profissionais de saúde), na França (profissionais de saúde e forças de segurança) e na Itália (para as duas anteriores classes, e também para professores e trabalhadores de lares).

    Estas decisões são polémicas, tanto mais que, por norma, nem os Estados nem as farmacêuticas assumem responsabilidades em caso de efeitos adversos. Em todo o caso, o Governo italiano já reservou 150 milhões de euros com vista a compensar eventuais reacções adversas da vacinação.

    Face à relutância de uma franja importante da população em tomar a dose de reforço, a manutenção do certificado digital constitui assim uma forma de coerção e incentivo. Caso 80% da população europeia “vacinável” adira a um reforço, serão vendidas mais de 300 milhões de doses, o que representará um negócio de 6 mil milhões de euros para as farmacêuticas. Além disto, os custos operacionais previstos pela própria Comissão Europeia para o prolongamento do certificado digital podem ascender aos 10 mil milhões de euros.

    A proposta da Comissão von der Leyen, apresentada no seu site em 23 línguas, está agora em consulta pública até ao próximo dia 8 de Abril, e a merecer já forte contestação, com uma elevada participação. Ontem, pelas 19 horas, o PÁGINA UM contabilizou 24.182 comentários, quase todos criticando o carácter desumano e discriminatório do certificado, até porque, como instrumento de controlo da doença, este papel não constitui nem garantia de não-infecção nem de não-transmissão da covid-19.

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    Hoje, pelas 16 horas, o número de comentários já ultrapassava os 28.000, sendo que 53% provinham da Itália, 9% da Alemanha e 8% da França e também da Holanda. Com 451 comentários, Portugal encontrava-se na nona posição (2% do total). Além das opiniões de cidadãos, a proposta de regulamento incluía já comentários de 106 empresas ou associações empresariais, 23 universidades, 18 entidades públicas, 22 organizações de consumidores ou não-governamentais, cinco sindicatos e outras tantas associações de defesa do ambiente.

    A Comissão Europeia promete que “todos os comentários recebidos serão resumidos e apresentados ao Parlamento Europeu e ao Conselho a fim de contribuir para o debate legislativo”.

    Nota: Para leitura integral da proposta da Comissão Europeia, e para elaborar comentários, pode aceder AQUI.

  • DGS esconde números, mas óbitos por todas as causas aumentaram 30% durante a pandemia

    DGS esconde números, mas óbitos por todas as causas aumentaram 30% durante a pandemia

    Governo e Direcção-Geral da Saúde sempre esconderam o verdadeiro impacte da pandemia nos lares, e as consequências da suspensão da assistência médica aos idosos. Uma análise do PÁGINA UM revela que nesses locais, desde o início da pandemia, terão morrido quase nove mil pessoas a mais face ao período homólogo anterior. Um crescimento de quase 30% que contrasta com um aumento em todo o país que rondou os 12%. Muitas das mortes em lares levaram abusivamente com o selo “covid”, bastando os óbitos terem ocorrido durante surtos.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) escondeu autênticos morticínios em lares durante a pandemia, e continua a manter silêncio sobre os óbitos registados nas denominadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), apesar do pedido do PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA).

    Uma nova queixa – a sétima, desde Novembro do ano passado – seguirá para a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos por incumprimento daquela lei da transparência e arquivo aberto da Administração Pública, que a DGS sistematicamente ignora. No entanto, de forma indirecta, o PÁGINA UM conseguiu apurar que os lares terão sido o epicentro de uma hecatombe sem precedentes, e não apenas da responsabilidade da covid-19, mas mais pela gestão destes equipamentos durante a pandemia.

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    Apesar da Orientação nº 009/2020 – assinada pela própria directora-geral da Saúde, Graça Freitas, logo no início da pandemia, em 11 de Março de 2020, e que foi actualizada em Janeiro passado – estipula procedimentos muito detalhados para a gestão da pandemia nas ERPI, que deveria incluir o registo dos surtos e óbitos; mas nunca foram divulgados quaisquer dados detalhados, nem sobre a covid-19 nem sobre mortes associadas a outras doenças.

    Aliás, Portugal sempre foi um dos poucos países europeus que nunca elaborou qualquer relatório circunstanciado sobre o impacte da pandemia nos lares.

    Pese embora essa ausência de informação promovida intencionalmente pela DGS – que sistematicamente recusa conceder acesso a qualquer documentação solicitada pelo PÁGINA UM –, o incremento da mortalidade durante a pandemia, desde 16 de Março de 2020 até 10 de Fevereiro deste ano, ficou 30% acima do período homólogo (16 de Março de 2018 até 10 de Fevereiro de 2020).

    Esta conclusão retira-se de uma análise comparativa dos dados disponíveis ao público do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), mais concretamente sobre o local da ocorrência da morte.

    Sendo certo que estes dados disponibilizados pelo SICO ao público não identifica de forma directa os óbitos que ocorreram em lares de idosos, estes podem ser intuídos pelo local de ocorrência do óbito. No caso em concreto, os óbitos em ERPI estarão incluídos em “Outro local”, sendo que outros campos existentes são “Instituição de Saúde”, “No domicílio” e “Desconhecido”. Neste último caso, os números são relativamente pequenos (poucas centenas durante um ano).

    De acordo com a análise do PÁGINA UM, desde 16 de Março de 2020 até 10 de Fevereiro de 2022, registaram-se 34.774 óbitos em “Outro local”, quando no período homólogo anterior se contabilizaram 26.864 óbitos, ou seja, um acréscimo absoluto de 7.910 mortes, que representam um crescimento de 29,4%. Para se ter uma ideia mais exacta da autêntica hecatombe que terá ocorrido nos lares, saliente-se que as ERPI legalizadas têm apenas uma ocupação de cerca de 100 mil pessoas.

    Óbitos diários (média móvel de 7 dias) registados em “Outros locais” durante e antes da pandemia. Fonte: SICO.

    Este aumento relativo foi 2,5 vezes superior ao que se registou em instituições de saúde (subida relativa de 11,9%) e nove vezes superior ao contabilizado no domicílio (mais 3,3%). Em termos globais, no período em análise, contabilizaram-se 238.152 mortes por todas as causas (8,6% atribuídas à covid-19), um aumento de 25.404 (ou mais 11,9%) face ao período homólogo imediatamente anterior à pandemia.

    Saliente-se que estes valores de óbitos intuídos para os lares podem pecar por defeito, porquanto um número considerável de óbitos de utentes de ERPI estará contabilizado nas unidades de saúde, bastando a morte ter sido declarada no hospital durante um internamento. No entanto, também deve ser destacado que, em virtude da avançada idade, os óbitos nesta faixa etária são mais prováveis: para os maiores de 85 anos, a taxa de mortalidade no prazo de um ano ronda os 15%. Em todo o caso, a dimensão do aumento é avassaladora.

    Com efeito, desde o início da pandemia, em todos os meses de 2020 e 2021, e também em Janeiro do presente ano, se observou um significativo excesso de óbitos certificados em “Outros locais”, ou seja, maioritariamente em lares. No entanto, durante o Inverno de 2020-2021, e sobretudo em Janeiro do ano passado, assumiu proporções nunca vistas, quando aos surtos de SARS-CoV-2 sobreveio uma vaga de frio e o colapso no atendimento hospitalar.

    Diferencial de óbitos diários (média móvel de 7 dias) registados em “Outros locais” no período pandémico face ao período homólogo (Março de 2018 a Fevereiro de 2020). Fonte: SICO.

    Nesse mês, no SICO, estão registados 2.674 óbitos em “Outros locais”, ou seja, mais 87% do que em Janeiro de 2020 (1.428 óbitos) e mais 75% do que em Janeiro de 2019 (1.529 óbitos).

    Contudo, tanto antes como depois daquele funesto mês, os óbitos em “Outros locais” – e, portanto, nos lares – sempre esteve acima do esperado. De acordo com a análise do PÁGINA UM, o diferencial de mortalidade face ao período homólogo do ano imediatamente anterior à pandemia – ou seja, 2020 compara com 2018; e 2021 compara com 2019; e Janeiro e Fevereiro de 2022 compara com esses meses de 2020) – foi sempre largamente positivo. Ainda em 2020, registou-se um pico de 635 óbitos a mais em Julho, que se deveu quase em exclusivo a uma onda de calor e a inúmeras mortes de idosos por desidratação, de que o caso do lar de Reguengos de Monsaraz terá sido somente uma ponta do icebergue conhecida.

    Diferencial de óbitos por mês em “Outros locais” entre o período pandémico e o período de Março de 2018 e Janeiro de 2020. Fonte: SICO.

    Porém, mesmo com o avanço do programa de vacinação contra a covid-19 ao longo de 2021, esta faixa etária continuou a registar um excesso de óbitos, que continua ainda em 2022.

    No mês passado, houve mais 248 óbitos certificados em “Outros locais” em comparação com Janeiro de 2020, ou seja, em vésperas do surgimento do SARS-CoV-2 em Portugal. Ou seja, nem sequer se observou um “benefício” da comunidade perante a elevada mortandade na população idosa no primeiro ano da pandemia, o que revela a significativa fragilidade que este grupo etário continua a ter.

    Note-se que, apesar da elevada letalidade da covid-19 em idades avançadas – ao contrário da benignidade desta doença em crianças, adolescentes e jovens adultos –, a covid-19 não terá sido a exclusiva causa desta “razia” em lares.

    Mesmo que a DGS venha agora a divulgar números concretos sobre os lares, os óbitos ali atribuídos ao SARS-CoV-2 estarão, certamente, empolados, uma vez que no ponto 69 da Orientação nº 9 assinada por Graça Freitas, determinou-se que “todo o óbito ocorrido, durante a Pandemia covid-19, numa instituição [ERPI] com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença, (…) deve ser considerado um ‘caso suspeito’ de infeção por SARS-CoV-2, até prova em contrário, isto é, apresentar resultado negativo incluindo post mortem, se aplicável, no teste laboratorial para SARS-CoV-2.”

    Como quase nunca se fizeram autópsias nestas circunstâncias, todos os idosos que morreram no decurso de surtos em lares levaram com o selo “covid-19” como causa de morte, independentemente do verdadeiro motivo do falecimento ou da eventualidade de ocorrência de negligência ou falta de assistência médica adequada.

  • Covid-19 ‘perdeu’ por 5-39 contra doenças respiratórias

    Covid-19 ‘perdeu’ por 5-39 contra doenças respiratórias

    A cobertura mediática, muitas vezes alarmista, sobre os efeitos da covid-19 nos jovens está a ignorar um facto essencial: os internamentos e as mortes por doenças respiratórias em menores de 25 anos, mesmo sendo eventos muito raros, têm sido em muito maior número desde o início da pandemia. E há ainda um paradoxo: antes da pandemia, os números das doenças respiratórias ainda eram maiores. E mesmo se se juntar a esta contabilidade, para avaliar o verdadeiro impacte da pandemia, os números da covid-19.


    A pandemia da covid-19 está a ter um impacte paradoxalmente benéfico nas faixas etárias dos bebés, crianças, adolescentes e jovens adultos. De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados pública do Serviço Nacional de Saúde (SNS) da morbilidade e mortalidade nos hospitais portugueses, desde o início da pandemia até Outubro do ano passado, a covid-19 não só tem mostrado ser doença relativamente benigna para os mais jovens, como tem indirectamente reduzido o número de vítimas causadas pelas doenças respiratórias.

    Com efeito, os dados do SNS mostram, de forma inequívoca, que a covid-19 foi responsável, nos primeiros 20 meses da pandemia, pelo internamento de 1.022 menores de 25 anos, uma quantidade muito inferior à registada por doenças respiratórias: 11.344, no mesmo período.

    No caso de mortes, as diferenças são também colossais, mas ainda mais relevantes, segundo os registos de óbito do SNS, que não são exactamente coincidentes com os números divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).

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    No período em análise, a covid-19 terá sido a causa da morte de uma criança com menos de um ano – falecida no Centro Hospitalar (CH) de Lisboa Central em Setembro de 2020 –, outra com idade entre 1 e 4 anos no CH do Algarve em Agosto do ano passado, e mais três jovens entre os 15 e 24 anos – um em Outubro de 2020 no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures; outra no CH de Lisboa Norte, em Fevereiro do ano passado; e ainda outra no CH de Gaia-Espinho, em Agosto também do ano passado. Ou seja, cinco óbitos.

    Morte por doenças respiratórias, durante o mesmo período, foram 39 – quase oito vezes mais. Não houve para nenhuma destas mortes qualquer relevância mediática. Mais estranho ainda porque estão também em causa, em muitas destas situações, crianças de tenra idade. Se até aos 5 anos, a covid-19 levou apenas duas crianças – seguindo os dados do SNS –, já as doenças respiratórias tiraram a vida a três bebés com menos de um ano, e a outras três com idades entre 1 e 4 anos.

    No primeiro grupo etário, os óbitos por doenças respiratórias ocorreram no Hospital de São João (Porto), em Julho de 2020, no CH de Entre Douro e Vouga, no mês seguinte, e no CH de Lisboa Norte, em Fevereiro do ano passado. No segundo grupo observaram-se duas mortes em Março de 2020, logo no início da pandemia, um no CH de Lisboa Norte e outro no Hospital de São João, e uma terceira em Janeiro do ano passado, também no CH de Lisboa Norte.

    No grupo etário seguinte – dos 5 aos 14 anos –, a covid-19 não matou ainda, apesar da pressão para os pais vacinarem os seus filhos, mas as doenças respiratórias foram mais inclementes: nove óbitos registados em hospitais do SNS entre Março de 2020 e Outubro do ano passado.

    Número de internamentos por covid-19 e por doenças respiratórias (DResp) entre Março de 2020 e Outubro de 2021, e nos dois períodos homólogos imediatamente anteriores à pandemia. Fonte: SNS.

    Para a faixa etária subsequente, a menor gravidade da covid-19 ainda se mostra mais evidente: os três óbitos que causou nos primeiros 20 meses da pandemia contrastam com as 24 mortes provocadas por doenças respiratórias.

    Porém, apesar desse impacte das doenças respiratórias nos mais jovens – mas mesmo assim pouco relevante em termos de Saúde Pública, porquanto os menores de 25 anos são quase 2,5 milhões de habitantes –, curiosamente o surgimento do SARS-CoV-2 teve como consequência directa uma redução significativa dos internamentos e mortes neste grupo etário por causa de problemas respiratórias. E mesmo se juntarmos covid-19 às doenças respiratórias.

    Na verdade, comparando os internamentos integrados de covid-19 e doenças respiratórias nos primeiros 20 meses da pandemia (Março de 2020 a Outubro de 2021) com os dois períodos homólogos imediatamente anteriores – em que “somente” havia doenças respiratórias – constata-se que o surgimento do SARS-CoV-2 quase foi uma “bênção” para bebés, adolescentes e jovens adultos. E não só nos internamentos; também os desfechos fatais diminuíram bastante.

    De facto, juntando covid-19 e doenças respiratórias, o SNS contabiliza nos primeiros 20 meses da pandemia um total de 12.366 internamentos e 44 óbitos. Saliente-se que quase 92% desses internamentos e 89% destas mortes são da responsabilidade das doenças respiratórias.

    Ora, estes números contrastam com os 24.610 internamentos e as 71 mortes causadas apenas por doenças respiratórias no período homólogo imediatamente anterior à pandemia, ou seja, entre Março de 2018 e Outubro de 2019.

    Se recuarmos ao período homólogo antecedente – entre Março de 2017 e Outubro de 2018 –, nota-se que o impacte das doenças respiratórias até foi um pouco pior: 25.171 internamentos e 87 mortes. Ou seja, cerca do dobro das mortes verificadas durante a pandemia, quando a covid-19 se juntou às outras doenças respiratórias.

    Apesar disto tudo, intensificou-se, nos últimos meses – e particularmente nas últimas semanas, no caso das crianças –, campanhas de pressão para a vacinação de crianças e jovens contra a covid-19. E mesmo pediatras têm sido alvo de críticas e processos entre os seus pares.

    Foi o caso de Jorge Amil Dias – um dos subscritores de um abaixo-assinado de profissionais de saúde que exigiram a suspensão da vacinação em crianças saudáveis – que, apesar de ser presidente do Colégio da Pediatria da Ordem dos Médicos, foi alvo de um processo disciplinar e de destituição daquele cargo por defender que não se deveria vacinar crianças saudáveis, após o próprio bastonário, Miguel Guimarães, o ter criticado. Saliente-se que o bastonário da Ordem dos Médicos, que diz ser o único representante desta associação profissional de direito público, é um urologista.

  • Há hospitais que não são para velhos

    Há hospitais que não são para velhos

    O PÁGINA UM revela, em exclusivo, o desempenho de todos os hospitais portugueses que tentaram salvar doentes-covid. Uns portaram-se bem; outros tiveram desempenhos francamente medíocres. Eis uma investigação jornalística que destapa um assunto tabu: o Serviço Nacional de Saúde não é igual em todo o lado, e seguir para o hospital errado, à hora errada, pode ser “a morte do artista”.


    A idade foi um dos factores mais determinantes para a letalidade da covid-19, mas em Portugal, apesar de um sistema público teoricamente universal e homogéneo, a sobrevivência dependeu muito, mas mesmo muito, do hospital que calhou na sorte de cada internado.

    Uma análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que quantifica os internamentos e óbitos por covid-19 – classificada no grupo “Código para fins especiais” –, revela que até Outubro de 2021 foram internadas com esta doença um total de 53.194 pessoas, das quais 77% sobreviveram.

    Contudo, o desempenho de cada hospital variou bastante.

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    Considerando apenas as unidades de saúde – Centros Hospitalares (CH), hospitais e Unidades Locais de Saúde (ULS) – que, ao longo dos primeiros 20 meses de pandemia, receberam 300 ou mais doentes-covid, a taxa de sobrevivência atingiu um valor máximo de 90% no Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada) e no Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira). No extremo oposto, 13 hospitais quedaram-se por valores abaixo dos 75%, grande parte dos quais em regiões do interior.

    A pior situação observou-se no Hospital do Espírito Santo (Évora) que recebeu 610 doentes-covid, tendo 218 morrido, apresentando assim uma taxa de sobrevivência de apenas 64%. Um pouco mais a sul – na ULS do Baixo Alentejo, que integra o Hospital José Joaquim Fernandes (Beja) –, o quadro também foi medíocre: 136 óbitos em 413 doentes-covid internados, registando assim uma taxa de sobrevivência de somente 67%. A ULS do Norte Alentejano – que integra os hospitais de Portalegre e Elvas – também teve uma perfomance sofrível (69%).

    Em centros urbanos de maior dimensão, mesmo nas imediações de Lisboa, detectam-se desempenhos sofríveis: o CH de Setúbal contabilizou uma taxa de sobrevivência de 68% (terceira pior situação nacional, a par da ULS do Nordeste), reflectindo a morte de 471 dos 1.480 doentes-covid internados, enquanto o Hospital de Vila Franca, que recebeu 1.219 doentes não conseguiu salvar 364, apresentando assim uma taxa de sobrevivência de apenas 70%.

    Nenhuma das unidades de saúde da região Centro mostrou desempenhos ao nível dos melhores. A situação menos desfavorável foi a do CH de Coimbra (taxa de sobrevivência de 75%), sendo que as outras unidades registaram valores ainda mais aquém deste indicador: Baixo Vouga (73%), Tondela-Viseu (72%), Castelo Branco, Médio Tejo e Santarém (71%, em todos) e Leiria (69%).

    Nas 13 unidades de maiores dimensões (considerando aquelas que receberam mais de 1.500 doentes-covid), os melhores desempenhos foram do CH Universitário do Porto, que integra o Hospital de Santo António, e do CH de Entre Douro e Vouga (agrupando os hospitais da Feira, Oliveira de Azeméis e São João da Madeira), com taxas de sobrevivência de 83%.

    Melhores e piores desempenhos das unidades do SNS, m função das taxas de mortalidade (TM), e de sobrevivência (TS), em função dos internamentos (INT) e óbitos (OBIT). Fonte: SNS. Nota: Pode descarregar ficheiro integral no final da notícia.

    Com desempenhos próximos (81% neste indicador) surgem o CH de Lisboa Central – que integra os hospitais de São José e Curry Cabral – e o denominado Hospital Amadora-Sintra. No extremo oposto, com 75% de taxa de sobrevivência, encontram-se o CH de Coimbra e o CH de Vila Nova de Gaia-Espinho.

    Para uma correcta avaliação da performance de cada unidade de saúde, medida em termos de taxa de sobrevivência, mostra-se relevante considerar a estratificação etária dos doentes-covid, uma vez que a gravidade desta doença depende muito da idade dos internados.

    Com efeito, de acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, embora a taxa de sobrevivência global seja de 77,37%, no caso dos menores de 25 anos foi praticamente de 100%, e situou-se nos 97,72% na faixa etária entre os 25 e os 44 anos, e desceu para os 92,7% no grupo com idades entre os 45 e os 64 anos.

    Só a partir dos 65 anos – e, infelizmente, a desagregação não é mais fina, separando, por exemplo, o subgrupo dos maiores de 80 anos –, a taxa de sobrevivência começa a ser menor: pouco mais de dois em cada três internados (68,3%) sobrevive. Ora, tendo em conta que o grupo dos idosos representou 65% dos internados e 91% dos óbitos totais em meio hospitalar, este aspecto mostra-se crucial para aferir o desempenho de cada unidade de saúde no combate à covid-19.

    Taxa de sobrevivência hospitalar (%) dos doentes-covid por grupo etário até Outubro de 2021. Fonte: SNS

    Daí que, por exemplo, uma taxa de sobrevivência global apenas razoável possa afinal mostrar um desempenho muito positivo se o peso dos internados mais idosos – e, portanto, mais vulneráveis – for muito relevante, o que sucede em alguns hospitais do interior do país.

    Posto isto, para o grupo específico dos idosos (maiores de 65 anos), o PÁGINA UM identificou hospitais que, enfim, mostraram desempenhos muito sofríveis, enquanto outros apresentaram performances muitíssimo boas.

    Note-se, aliás, que não é de estranhar uma quase coincidência no posicionamento das unidades de saúde em termos de desempenho em relação aos idosos face ao que se verifica para a totalidade dos internados. Contudo, na comparação das taxas de sobrevivência dos idosos salta à vista um aspecto deveras preocupante: há hospitais em que a probabilidade de um idoso não sobreviver foi muitíssimo superior à de outros.

    No extremo mais favorável, o PÁGINA UM detectou quatro unidades de saúde com taxas de sobrevivência de idosos de 80% ou mais: Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada) e no Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira), ambos com 85%, e Hospital de Santa Maria Maior (Barcelos) e Hospital Senhora da Oliveira (Guimarães), com 82% e 80%, respectivamente.

    No pior extremo, com taxas de sobrevivência de 60%, ou inferior, estão o Hospital do Espírito Santo (Évora), com apenas 53% – morreram 205 dos 439 idosos internados com covid-19 –, a ULS do Baixo Alentejo (56%), o CH de Setúbal (58%) – faleceram 419 dos 987 idosos internados –, a ULS do Norte Alentejano (59%), o Hospital de Vila Franca de Xira (60%) – morreram 329 dos 814 idosos internados – e a ULS de Castelo Branco (também 60%).

    Caso se considerem as unidades de saúde com mais de 1.000 doentes-covid de mais de 65 anos, a região Norte teve os melhores desempenhos, com destaque para o CH de Trás-os-Montes e Alto Douro (taxa de sobrevivência de 76%), seguindo-se os CH Universitário do Porto e de Entre Douro e Vouga, ambos com 75%. Nas unidades da Grande Lisboa, as taxas de sobrevivência andaram entre os 60% e 70%.

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    Para estas idades – e sobretudo pela grande variação neste indicador nas diversas unidades de saúde –, uma diferença de 10 pontos percentuais pode representar muitas vidas. Por exemplo, se os três CH de Lisboa – onde morreram 1.162 dos 3.777 doentes-covid com mais de 65 anos – tivessem um desempenho de 80% em vez dos 69,2% que registou, então teriam conseguido salvar mais cerca de 400 pessoas.

    Se, globalmente, a taxa média nacional de sobrevivência dos mais idosos tivesse sido, por exemplo, de 75% (para colocar uma fasquia exequível), em vez dos (reais) 68%, ter-se-iam então salvado mais 2.315 vidas. Se essa taxa subisse aos 80%, então salvavam-se mais 4.044 idosos até Outubro do ano passado.

    Por fim, importa também salientar um outro aspecto preocupante: mesmo nas populações menos vulneráveis à covid-19 – os menores de 65 anos –, o desempenho dos hospitais do SNS foi também bastante diferenciado. Quatro unidades de saúde conseguiram taxas de sobrevivência superiores a 98%: Hospital da Figueira da Foz (98,7%), CH do Oeste (98,6%), CH do Médio Ave (98,4%) e Hospital Dr. Nélio Mendonça (Funchal, com 98,1%).

    No extremo oposto, encontra-se o CH de Setúbal, o único com uma taxa de sobrevivência abaixo dos 90%, sendo acompanhado de perto de outras unidades com fracos desempenhos nos outros dois indicadores retratados pelo PÁGINA UM, o que confirma que existem problemas estruturais em diversos hospitais portugueses que tiveram efeitos directos no impacte da pandemia ao nível da mortalidade. O vírus não matou sozinho.

    NOTA: Para obter o ficheiro de dados com os internamentos, óbitos e taxas de mortalidade e de sobrevivência hospitalar de doentes-covid por grupo etário, pode descarregar AQUI.

  • A prova dos nove

    A prova dos nove

    Quem assiste aos telejornais ou percorre as ruas ou aplica as regras impostas pelo Governo, pensará que a situação pandémica estará, pelo menos igual, ou pior do que estava há um ano. A PÁGINA UM foi fazer as contas.


    O PÁGINA UM realizou uma análise comparativa da taxa de letalidade da covid-19 – ou seja, dos óbitos atribuídos a esta doença por cada 100 casos positivos – não apenas entre países, mas também entre períodos.

    Pretendia-se observar se a actual situação da pandemia justifica o clima de medo ainda instalado em Portugal – com pressões para, por exemplo, se vacinarem crianças, grupo praticamente não afectado por esta doença –, que tem implicado ainda a manutenção de restrições sociais e económicas, e um modelo discriminatório dos não-vacinados, mesmo daqueles com imunidade natural após infecção anterior.

    Cada vez mais se torna evidente que, além do programa de vacinação abranger uma cobertura quase total das comunidades mais idosas, a variante Ómicron é, claramente, menos agressiva. Por exemplo, um recente estudo de investigadores da Universidade Politécnica de Hong Kong, ainda não revisto pelos pares (peer review), adiantam que a variante Ómicron, apesar de uma transmissibilidade três vezes superior às anteriores, mostra um a redução da taxa de letalidade de 87,8%.

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    Rússia é uma excepção ao panorama favorável dos últimos meses.

    Isto significaria que, se com a variante Alfa ou Delta, a taxa de letalidade rondava, em geral, os 2% nos países mais desenvolvidos, torna-se expectável que com a Ómicron viesse então a atingir valores próximos de 0,25% ou ainda mais baixo.

    Vejamos então.

    Para esta análise, incluímos, além dos 27 países da União Europeia, mais três países europeus (Noruega, Reino Unido e Rússia), e ainda Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Índia, Nova Zelândia. A taxa de letalidade foi calculada para dois períodos distintos: os primeiros 12 meses da pandemia – assumindo que, na generalidade destes países, os óbitos atribuídos à covid-19 começaram em Fevereiro de 2020; e os últimos seis meses, de modo a abranger o surgimento da variante Ómicron, associado também a um aumento muito significativo de casos positivos.

    Assim sendo, para ambos os períodos – o primeiro terminado em 1 de Fevereiro de 2021; o segundo compreendido entre 1 de Agosto de 2021 e 1 de Fevereiro do presente ano –, obteve-se os valores tanto dos casos positivos como dos óbitos. A informação foi recolhida no site Worldometers.

    Um dos aspectos mais relevantes é a notória descida – muito significativa em muitos países – das taxas de letalidade entre o primeiro e o segundo período analisado. A única excepção é a Rússia, que regista um incremento de 1,05 pontos percentuais (p.p.), passando de 1,92% para 2,97%. Apesar de ser um país actualmente com uma relativamente baixa taxa de vacinação (48,8% da população com duas doses), nunca se sentiu um efeito relevante desse fármaco.

    Ao invés, desde finais de Junho do ano passado, os óbitos têm estado sempre em níveis muito mais elevados do que nos períodos anteriores, antes do fabrico das vacinas. Por outro lado, o pico dos óbitos verificou-se em meados de Novembro, sensivelmente na altura do surgimento da Ómicron, e a partir daí as mortes têm tido uma tendência decrescente, apesar da acentuada subida de casos positivos. Entre 10 de Janeiro e início de Fevereiro deste ano, os novos casos diários aumentaram cerca de 10 vezes, situando-se agora nos 153 mil por dia (média móvel de sete dias).

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    Portugal está com uma das mais baixas taxas de letalidade da Europa.

    Em todo o caso, a actual taxa de letalidade na Rússia não atinge os níveis que ocorriam em qualquer destes países analisados durante a primeira fase da pandemia. A taxa de letalidade era, ao fim do primeiro ano, superior a 3% na Austrália (3,15%, apesar do número absoluto relativamente reduzido de vítimas), Hungria (3,42%), Itália (3,45%), Grécia (3,66%) e Bulgária (4,15%).

    Observavam-se ainda 12 países com taxas de letalidade entre 2% e 3%. Apenas três países (Chipre, Noruega e Estónia) tinham taxas de letalidade inferiores a 1%. Portugal (1,78%) estava então no lote de 16 países com taxas entre 1% e 2%. Saliente-se que, nesta fase, ao fim do primeiro ano da pandemia, a Suécia estava na 16ª posição no grupo destes países, com uma taxa de letalidade de 2,11%, apesar das sistemáticas críticas ao modelo de gestão escolhido que não passou por lockdowns nem pelo uso obrigatório de máscaras.

    O cenário ficou bem mais favorável a partir de Agosto do ano passado. Devido, em grande parte, por um significativo número de recuperados possuírem agora imunidade natural, pela menor agressividade da variante Ómicron e por via do plano de vacinação – não necessariamente por esta ordem, em termos de relevância –, observa-se nos últimos seis meses uma fortíssima redução da mortalidade atribuída à covid-19. Isto apesar de um colossal aumento dos casos positivos na quase generalidade dos países ao longo do último semestre, mas sobretudo no último mês.

    Aliás, o inusitado crescimento do número de casos – de longe, a incidência de casos positivos é a maior registada ao longo de dois anos de pandemia – parece confirmar, por um lado, a maior transmissibilidade da variante Ómicron. E, por outro lado, mostra também não só a sua menor agressividade, mas, de igual modo, a incapacidade dos vacinados de terem afinal uma menor susceptibilidade à infecção. Isto sem menosprezar, sobretudo para idades avançadas, uma redução relevante, embora passageira, na gravidade da doença em caso de infecção.

    Porém, até esta conclusão nos parece necessitar de uma análise cuidadosa, e independente, de modo a apurar o verdadeiro grau de eficácia das vacinas contra a variante Ómicron, sabendo-se que, na verdade, se “destinavam” a atacar as variantes diferentes.

    Taxas de letalidade (%) no primeiro ano e nos últimos seis meses. Fonte: Worldometers

    Em todo o caso, interessa destacar que, nos últimos seis meses, apenas três países – Rússia (2,97%), Bulgária (2,79%) e Roménia (2,14%) – apresentaram taxas de letalidade superiores a 2%, quando no primeiro ano da pandemia eram 17. No entanto, o maior destaque vai, certamente, para os 30 países que registaram taxas de letalidade inferiores a 1%. E destes, 14 com taxas inferiores a 0,25%.

    Neste último lote – o mais favorável – está Portugal, com uma taxa de apenas 0,15%, ou seja, uma redução de 1,63 p.p. (ou uma redução de 92%) em comparação com o primeiro ano da pandemia. Colocar o país em quarentena, manter restrições com estes níveis de agressividade do “actual” SARS-CoV-2, ou discriminar não-vacinados, aparenta ser algo, no mínimo, absurdo.

    Similar situação é a da França, outro país com uma redução brutal nas taxas de letalidade, passando de 2,55% no primeiro ano para apenas 0,14% nos últimos seis meses. Considerar que na França se está agora perante a mesma pandemia de 2020 será somente miopia. E a insistência de Emmanuel Macron, presidente francês, em impor a vacinação universal parece dever-se mesmo à sua vontade, como afirmou, de “chatear” e “irritar” os não-vacinados, porque justificações de Saúde Pública parecem não existir.

    Pandemia: hoje é um problema de Saúde Pública ou de política?

    A Áustria – que se tornou, por agora, o único país da União Europeia, a instituir a vacinação obrigatória para adultos –, apresentou uma taxa de letalidade de 0,27% nos últimos seis meses. Muito abaixo dos 1,87% que registou no primeiro ano da pandemia.

    A Alemanha, onde também se discute a obrigatoriedade da vacinação – e de onde é natural a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma apoiante da medida –, também apresenta uma baixa taxa de letalidade nos últimos seis meses (0,40%), que contrasta com os 2,68% do primeiro ano. Note-se que, nestes dois países, a taxa de vacinação contra a covid-19 se situa, respectivamente, nos 76% e 74%, o que significa que a população mais vulnerável, sobretudo idosos, já estará quase toda imunizada.

    Recorde-se que a taxa de letalidade para a pandemia do H1N1 em 2009 terá rondado os 0,5%, e estima-se que, por exemplo, na época de gripe sazonal nos Estados Unidos de 2018-2019 esse indicador rondou os 0,1% (28 mil mortes por gripe e pneumonias em 29 milhões de infecções), sendo que na de 2019-2020 foi de 0,06% (20 mil mortes em 35 milhões de casos).

    Estes são os factos. Esta é, portanto, a actual situação da pandemia na Europa e em outras paragens importantes do Mundo. O resto não é Saúde Pública; é política.

    NOTA: Os valores das taxas de letalidade nos países analisados nos dois períodos podem ser consultados AQUI.

  • Mais de 6.000 óbitos oficiais por covid-19 ocorreram fora dos hospitais ou foram inventados

    Mais de 6.000 óbitos oficiais por covid-19 ocorreram fora dos hospitais ou foram inventados

    Números das mortes por covid-19 nos hospitais são muito menores do que aqueles apontados pela Direcção-Geral da Saúde. Ou terá havido milhares de pessoas a morrerem por causa do SARS-CoV-2 sem prévia assistência hospitalar adequada, ou então as autoridades de Saúde e o Governo andaram a empolar números para fomentar uma campanha de medo e para esconder o excesso de mortalidade não-covid.


    Até finais de Outubro do ano passado, são menos 6.122 os óbitos por covid-19 registados em meio hospitalar em comparação com os números oficiais da Direcção-Geral da Saúde(DGS). Esta é a diferença obtida comparando os números oficiais da DGS – que até 31 de Outubro de 2021 indicavam 18.162 mortes causadas pelo SARS-CoV-2 – e os certificados de óbitos passados nos hospitais, que apontam para apenas 12.040 mortes nos primeiros 20 meses da pandemia.

    A garantia de estes 12.040 ser o número exacto de óbitos por covid-19 em hospitais, e que constam expressamente nos certificados de óbito, é simples de dar: uma base de dados pública da mortalidade hospitalar, que identifica, por mês, o número de óbitos por grandes classes de doença, a unidade de saúde e o grupo etário. A base de dados está integrada no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

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    Por norma, as diversas doenças estão agrupadas: por exemplo, não se consegue saber quantas mortes são por AVC ou por ataque cardíaco, porque ambas integram as doenças do aparelho circulatório. Porém, no caso concreto da covid-19, esta é a única doença existente classificada no grupo dos “Códigos para fins especiais”, tendo recebido o código U071. Por esse motivo, não há registo de mortes nesta classe entre Janeiro de 2017 – data de início de registo da base de dados é Fevereiro de 2020.

    A enorme discrepância nos números detectada pelo PÁGINA UM, numa cuidadosa análise desta base de dados, pode dever-se a uma de duas causas, qualquer das quais bastante preocupante. Ou houve 6.122 vítimas da pandemia que morreram sem assistência hospitalar; ou então a DGS andou a manipular o número de óbitos por covid-19 para desviar as atenções do excesso de mortalidade não-covid, de modo a esconder também o descalabro do Serviço Nacional de Saúde no tratamento de outras doenças descuradas durante a pandemia.

    No primeiro caso, um número tão elevado de mortes fora das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) numa doença tão infecciosa – e que obrigou a fortes restrições na sociedade e a uma logística hospitalar sem precedentes – mostra justificação pouco plausível ou mesmo credível, sobretudo devido às próprias características da infecção pelo SARS-CoV-2. Ou seja, num quadro clínico associado à hipoxemia e/ou falta de ar em situações críticas, pelo que a morte, nas situações mais graves, pelo menos é antecedida por uma admissão à urgência hospitalar ou no decurso de um internamento.

    Note-se, por exemplo, que antes da pandemia, quase todos os óbitos registados por doenças respiratórias ocorriam em meio hospitalar. Já no caso das doenças do aparelho circulatório ou por neoplasias é mais comum que ocorram fora do meio hospitalar.

    O cenário de mortes frequentes com covid-19 de doentes sem prévia assistência hospitalar adequada face ao seu estado – e com o óbito a ser certificado em residências ou lares – não é de descartar, mas seria de grande gravidade.

    Uma hipótese alternativa – mas neste caso com o consequente empolamento dos números da covid-19 – será a inclusão de assintomáticos (ou seja, pessoas com teste positivo, mas sem sintomas) que acabaram por morrer de outras doenças. Estes casos poderão ter ocorrido, em maior ou menor grau, sobretudo em lares de idosos.

    O PÁGINA UM aguarda, aliás, desde 25 de Janeiro, que a DGS ceda dados sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença.

    Essa informação é essencial para apurar não apenas o verdadeiro impacte da covid-19 em lares, como também o número de idosos vítimas destas doenças que nem sequer mereceram preocupação para lhes ser dada assistência hospitalar antes do desfecho fatal.

    Uma outra alternativa em cima da mesa será simplesmente os óbitos por covid-19 terem sido cruamente manipulados – ou seja, as mortes ocorreram por outras causas evidentes, mas a DGS terá decidido manipular os números da covid-19.

    Com esse estratagema, o Governo conseguiria não apenas mostrar artificialmente uma maior gravidade da pandemia como também, face ao aumento em alguns períodos da mortalidade total, atenuar publicamente, de forma habilidosa, o excesso de mortalidade não-covid.

    Esta última hipótese mostra-se mais forte quando se analisa determinados meses. Por exemplo, em Maio de 2020, confrontando os óbitos em meio hospitalar (apenas 180) e os registos oficiais pela DGS (417), conclui-se que 57% das vítimas terão afinal morrido fora do hospital, uma situação de probabilidade muito baixa, porque, no início da pandemia, todos os doentes sintomáticos eram internados.

    No Inverno de 2020-2021, as discrepâncias em termos absolutos são enormes. Se os dados da DGS estivessem correctos, em Novembro de 2020 teriam morrido, por covid-19, um total de 1.420 pessoas nos hospitais e 613 fora dos hospitais. No mês seguinte essa relação foi de 1,628 nos hospitais e 767 fora dos hospitais.

    No início do ano passado, a diferença absoluta ainda é maior. Em Janeiro – oficialmente, o mês com mais óbitos no total e por covid-19 –, os dados da DGS apontam para um total de 5.785 vítimas da pandemia, mas apenas 3.207 surgem registadas nos hospitais. As restantes 2.578 vítimas, a terem mesmo morrido por covid-19, foi fora do hospital. Em Fevereiro do ano passado, também mais de mil pessoas (1.119) aparecem nos números oficiais da DGS mas não faleceram nos hospitais.

    Óbitos mensais por covid-19 nos hospitais e nos registos oficiais. Fonte: SNS e DGS

    Ao longo dos meses seguintes, as discrepâncias são menores em termos absolutos e relativos, havendo mesmo dois meses (Abril e Maio de 2021) em que os registos de mortes por covid-19 nos hospitais até são, estranhamente, superiores aos números que depois surgiram naqueles períodos nos boletins da DGS.

    No total dos 12.040 óbitos por covid-19 registados nos hospitais portugueses até Outubro de 2021 – que representam, assim, apenas 66,3% do total à data indicado pela DGS –, 1.319 foram contabilizados nos três centros hospitalares da cidade de Lisboa.

    No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – que integra o Hospital de São José – registaram-se 521, enquanto nos de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – e de Lisboa Ocidental – que integra o Hospital de São Francisco Xavier – houve 399 em cada. O Hospital de Coimbra foi individualmente aquele com maior número de óbitos (703 durante os primeiros 20 meses da pandemia).

    O PÁGINA UM divulgará amanhã o desempenho de cada hospital, ou seja, a taxa de sobrevivência dos internamentos por covid-19, uma vez que essa variável se mostrou bastante relevante ao longo da pandemia.

    NOTA: A lista completa de hospitais e óbitos por covid-19 até 31 de Outubro de 2021 pode ser consultada AQUI.

  • Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    O abaixo-assinado de profissionais de saúde que pediu, na semana passada, a suspensão da vacinação contra a covid-19 em crianças saudáveis conta agora com 91 assinaturas, entre as quais 31 pediatras. Ordem dos Médicos dirigida por um urologista, e que assume ser apenas representada pelo seu bastonário, continua a apoiar a decisão da Direcção-Geral da Saúde. Os signatários também exigem que seja feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”


    O abaixo-assinado de profissionais de saúde a apelar à suspensão imediata do programa de vacinação de crianças – que este fim-de-semana vai ser reactivado – foi engrossado esta sexta-feira com várias dezenas de médicos e outros profissionais de saúde, incluindo psicólogos.

    Neste momento, o documento conta já com 91 signatários, entre os quais se destacam Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos), catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia). De entre estes, 31 são médicos pediatras.

    five children smiling while doing peace hand sign

    O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, em declarações à revista Sábado em 28 de Janeiro passado, já criticou esta posição dos seus colegas – que agora incluem 31 pediatras –, esclarecendo ser ele, e a sua posição, a representar esta associação profissional de direito público. Recorde-se que Miguel Guimarães, detentor da cédula profissional nº 31852, está registado nas especialidades de Urologia e Gestão de Serviços de Saúde.

    Na reforçada posição dos signatários do abaixo-assinado – que ocorre dias após a divulgação oficial de que a morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria não terá sido provocada pela vacina contra a covid-19, embora a verdadeira causa não tenha sido revelada , salienta-se ainda mais que a vacinação é desnecessária, sendo mesmo imprudente administrá-la em crianças saudáveis.

    boy in black t-shirt hugging girl in red and white polka dot dress

    Com efeito, de acordo com os signatários, “as crianças e jovens saudáveis infetados pelo vírus SARS-CoV-2 são assintomáticos ou cursam com doença ligeira e só muito raramente desenvolvem doença grave, pelo que não se justifica a sua vacinação em massa para prevenir a doença.”

    Além disso, defendem que “as crianças e jovens vacinados infetam-se e transmitem a variante Ómicron, a mais prevalente no País, pelo que a vacinação disponível não impede a infeção nem a transmissão aos adultos com quem contactam, aliás, maioritariamente vacinados e protegidos de doença grave.

    E alertam ainda que “a vacinação comporta um risco que ainda não é bem conhecido”, uma vez que “podem ocorrer efeitos secundários não negligenciáveis, como miocardites, que vão sendo evidenciados por estudos credíveis”.

    Por outro lado, avisam que, face ao carácter predominantemente assintomático desta infecção nas crianças, a “vacinação pode sobrepor-se a uma infeção recente, com efeitos ainda não avaliados.”

    Por fim, apelam para ser feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”

    Esta renovada posição dos signatários alimenta ainda mais a contestação ao polémico parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, integrado na Direcção-Geral da Saúde, que procurou reafirmar os propalados benefícios e segurança das vacinas nas crianças dos 5 aos 11 anos.

    O parecer, assinado por Filipe Macedo e Fátima Pinto, continha conclusões incorrectamente citadas de estudos referenciados, incluindo mesmo deturpações da realidade, conforme o PÁGINA UM denunciou.

    group of people wearing white and orange backpacks walking on gray concrete pavement during daytime

    Por exemplo, a afirmação de existir um risco 60 maior de miocardites em crianças com covid-19 do que em crianças com vacina contra a covid-19 não é sequer fundamentada na bibliografia que acompanha o parecer, o que levou mesmo Jorge Amil, presidente do Colégio de Pediatria a tecer fortes críticas. Em declarações ao jornal Nascer do Sol, Jorge Amil falou já de “grosseira falta de rigor” na fundamentação daquele documento da DGS, acrescentando que “não pode valer tudo”, tratando-se de um parecer com esta relevância.

    À HealthNews, este pediatra criticou ainda a forma abusiva como se estão a usar alguns estudos em prol da vacinação. “Há resultados e dados que estão a ser interpretados e extrapolados de forma naturalmente excessiva e desproporcionada. Isto é muito preocupante. Estão a usar-se dados como ‘provas definitivas’ para provar um ponto de vista que já se tinha assumido previamente.”

    E realçou ainda que os signatários do abaixo-assinado que pedem a suspensão do programa vacinal para crianças não negam “o valor das vacinas” contra a covid-19, mas consideram que são necessários “dados robustos para nos garantir que essa iniciativa, que traz benefício às crianças, é segura e que as protege.”

  • Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    Graça Freitas mentiu: mais de 20% das mortes-covid em hospitais foram de pessoas internadas por outras causas

    A covid-19 é, claramente, uma doença grave, mas a Direcção-Geral da Saúde andou a empolar mortes por esta doença até ao limite do absurdo. Tudo caiu nas malhas da estatística: até Maio de 2021, bastou um teste positivo, e todos os óbitos foram atribuídos ao SARS-CoV-2. Internados por ataques cardíacos, AVC, cancros, falência renal, sepsis e até acidentes rodoviários e queimaduras foram, em caso de desfecho fatal, contabilizados como vítimas da pandemia, independentemente da acção concreta do coronavírus no desfecho fatal. Recorde-se que a DGS recusa sistematicamente divulgar informação detalhada e pretende impedir o PÁGINA UM de aceder a base de dados que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, quer manter sigilosas.


    Até Maio do ano passado, pelo menos 2.751 óbitos que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) atribuiu à covid-19 foram de pessoas internadas em hospitais por outros motivos, e não por infecção do SARS-Cov-2. Este é o valor apurado recorrendo à consulta da base de dados do registo de hospitalizações a que o PÁGINA UM teve acesso, e que sempre esteve na posse directa de diversas autoridades, entre as quais a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA).

    Este número pecará por defeito, uma vez que apenas considera os óbitos contabilizados nas unidades do Serviço Nacional de Saúde – cerca de 12.500, sendo que, nos 15 primeiros meses da pandemia, mais de quatro mil pessoas com causa atribuída à covid-19 terão morrido nas suas casas e sobretudo em lares.

    man in yellow jacket and pants holding white and red plane

    Por outro lado, este valor apenas resulta da quantificação da causa directa prioritária, que constitui a primeira causa de internamento registada pelo corpo clínico de cada hospital. Ou seja, é a primeira doença ou afecção que surge na posição 0 (zero) na ordem de diagnóstico da base de dados dos internados-covid, seguindo as normas de codificação da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI) da Organização Mundial de Saúde.

    Isto significa também que, em muitos casos, mesmo que a covid-19 seja apontada como a causa de internamento – estando o código U071 da CDI na posição 0 da ordem de diagnóstico –, esta doença tenha sido a causa original do internamento.

    Apenas uma análise mais detalhada, caso-a-caso poderia, por exemplo, explicar como surgem 264 óbitos atribuídas à covid-19, e em que esta se encontra na posição 0 do diagnóstico, em pessoas que morreram no próprio dia do internamento, e ainda mais 740 pessoas que faleceram no dia seguinte. Não consta que a covid-19 seja uma doença fulminante em tal grau, ou seja, que tenha matado 1.004 pessoas ao fim de menos de dois dias de hospitalização.

    Globalmente, a base de dados consultada pelo PAGINA UM identifica, até Maio do ano passado, 1.138 mortes de pessoas (quase 10% do total) que, tendo o óbito classificado pela DGS como covid-19, morreram no próprio dia da hospitalização ou no dia seguinte, independentemente da causa inicial.
    Em muitos destes casos mostra-se evidente que a covid-19 apenas surge como causa porque houve um teste positivo feito mesmo a pessoas agonizantes, ou talvez mesmo ao seu cadáver.

    Encontram-se, por exemplo, dezenas de mortes em menos de dois dias de pessoas que derem entrada de urgência nos hospitais por ataques cardíacos, acidentes vasculares cerebrais (AVC), cancros terminais, diabetes, infecções generalizadas causadas por bactérias (sepsis) e mesmo traumatismos causados por acidentes rodoviários ou quedas.

    Numa análise detalhada do PÁGINA UM apenas aos óbitos-covid – ou seja, sem se considerar os doentes que tiveram alta –, observa-se uma situação ainda mais escandalosa, e que confirmam que a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, e a ministra da Saúde, Marta Temido, sistematicamente mentem sobre esta matéria. Recorde-se que ainda esta semana, estas responsáveis referiram ao Observador que “não são reportados os óbitos de pessoas que, embora infetadas com Covid-19, não tenha sido a infeção a causa que levou ao óbito.”

    Número de mortes atribuídas à covid-19 de pessoas internadas por outras doenças (registadas na posição 0 do boletim clínico), segundo os principais grupos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CDI)

    De facto, considerando os grupos de doenças constantes do CDI da OMS, identificam-se 586 óbitos por covid-19 de pessoas que foram inicialmente internadas por doenças do aparelho circulatório (código iniciado pela letra I), das quais 41 com enfartes agudos do miocárdio, 160 com AVC isquémicos, 11 com AVC hemorrágicos e 140 com crises de hipertensão.

    O segundo grupo de doenças que justificaram o internamento inicial de doentes-covid (e assim sendo incluídas na base de dados), que acabaram por falecer, são as respiratórias (código J da CDI), mas sem estarem relacionadas com a infecção por SARS-CoV-2 (que recebe o código U071 da CDI, ou em casos muito específicos os códigos J1281 ou J1282).

    Para este grupo, contabilizam-se 392 pessoas que acabaram por ter o seu óbito atribuído à covid-19, mas que entraram no hospital por causa de outras infecções ou problemas respiratórios, incluindo pneumonias não-covid, entre as quais 55 por pneumonias bacterianas identificadas (e.g., por Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumonia, Staphylococcus aureus e Escherichia coli, entre outras), além de 39 por doença pulmonar obstuctiva crónica (DPOC) e 65 por pneumonites por inalação de comida ou vómito. Este problema grave sucede sobretudo em idosos: a média de idade destes casos é de 84 anos.

    As doenças infecciosas e parasitárias – classificadas com o código iniciado por A – também constituíram a causa de internamento inicial de pessoas que acabaram por morrer com o “carimbo” da covid-19. Na base de dados consultada pelo PÁGINA UM surgem 422 casos, grande parte dos quais (384) por sepsis. Embora numa parte destas situações não tenha sido identificado o organismo causador, muitas o agente foram bactérias.

    Neste vasto grupo chegaram a ser catalogados como mortes-covid, independentemente do contributo do SARS-CoV-2 para o desfecho fatal, pessoas que foram admitidas no hospital por causa da doença dos legionários, de febre Q, de candidíase e até por doença de Creutzfeldt-Jakob (uma mulher de 62 anos).

    Internamentos decorrente de problemas directamente associados a cancros (código iniciado pela letra C), recebendo essa referência na posição 0 do diagnóstico, surgem 303 óbitos classificados como covid-19. Saliente-se, mais uma vez, que este número não se refere a internados que sofriam de cancro e apanharam covid-19 – esse número foi de quase 4.000 até Maio do ano passado, o que confirma ser uma comorbilidade relevante na infeção pelo SARS-CoV-2. São apenas aqueles que foram internados na decorrência de um problema oncológico e que testarem positivo ou foram infectados pelo novo coronavírus.

    Também relevantes foram os internamentos por problemas geniturinários (código iniciado pela letra N na CDI): 230 pessoas hospitalizadas por doenças deste grupo acabaram por falecer durante o internamento e os seus óbitos foram atribuídos à covid-19.

    Neste grupo englobam-se 72 casos de insuficiência renal aguda, alguns extremamente graves. Com efeito, três destas pessoas morreram no próprio dia do internamento, e mais cinco no dia seguinte.

    people performing first aid medical care to an injured man

    Ainda se incluem, neste grupo, 59 doentes com infecções urinárias, 48 casos de nefrite aguda, 26 de cistites, e até um caso de inflamação do escroto.

    Este caso é, aliás, paradigmático: tratou-se de um homem de 76 anos, internado em Dezembro de 2020 no Hospital de Setúbal, que sofria de outros problemas do sistema urinários, de diabetes e de hipertensão. Já internado, o seu boletim clínico regista uma insuficiência cardíaca e só depois foi apanhado por um surto hospitalar de SARS-CoV-2. Morreu no dia 7 de Janeiro; oficialmente por covid-19.

    Noutros grupos de doenças e afecções – em menor número – também se evidencia o absurdo da simples catalogação de mortes-covid em muitos óbitos.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM constam 186 registos de pessoas internadas com diversos traumatismos (código começado com a letra S da CDI) – todos decorrentes de acidentes domésticos, de trabalho e até rodoviários, alguns extremamente graves – que acabaram por resultar em óbito-covid.

    Neste grupo estão oito homens, dos quais três pedestres atropelados, um ciclista, um motociclista e mais três ocupantes de automóveis. Três deles morreram em menos de uma semana. Mas, para a DGS, todos por covid-19.

    Mais bizarro ainda – e o PÁGINA UM elencará, em breve, um best of de bizarrices – são os óbitos-covid atribuídos a pessoas que foram internadas por intoxicação ou queimaduras (código iniciado com a letra T da CDI): são 36, no total.

    O caso mais macabro, dir-se-ia, foi o de uma mulher de 41 anos, internada na unidade de queimados do Hospital de Coimbra no dia de Natal de 2020, com queimaduras na cabeça, pescoço e peito. Morreu no dia 2 de Janeiro do ano passado. No certificado de óbito consta a covid-19 como causa da morte porque lhe meteram uma zaragatoa pelo nariz ou boca – que sofreram queimaduras de terceiro grau – e o teste ao SARS-COV-2 deu positivo.