Categoria: Saúde

  • Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Sente-se mal, nunca teve covid-19 mas vacinou-se? A culpa não será da vacina; pode ser long covid, defende DGS

    Uma nova norma da Direcção-Geral da Saúde procura orientar os profissionais de saúde a identificar e tratar sintomas crónicos decorrentes da covid-19. Porém, tudo cabe no chamado long covid, incluindo pessoas que nunca tiveram teste positivo. E mesmo pessoas que se sentiram mal depois da vacina podem acabar assim diagnosticadas. Seguindo-se esta norma, o SARS-CoV-2 tem, afinal, “costas” tão largas que até pode ser apontado como culpado por suicídios.


    3.380.263 – é este o número oficial de infecções por SARS-CoV-2 que, segundo os dados da Direcção-Geral de Saúde (DGS), tiveram teste positivo à covid-19 desde o início da pandemia em Portugal, em Março de 2020.

    Também de acordo com a DGS, houve 21.285 mortes atribuídas a esta doença, o que significa que 3.358.978 pessoas com teste positivo tiveram doença (grave ou ligeira) ou foram assintomáticas, e sobreviveram ao SARS-CoV-2.

    De entre essas, e considerando uma taxa de mortalidade mensal em Portugal de 0,01% (12 por 1.000 ao fim de um ano), podemos então estimar que quase 17 mil pessoas terão morrido de outras doenças depois de já terem contraído e recuperado de covid-19 [daqui a 100 anos será praticamente 100%].

    person writing on white paper

    Em suma, estarão seguramente vivas um pouco mais de 3,3 milhões de portugueses com comprovativo de teste para SARS-Cov-2, independentemente da gravidade.

    Porém, ainda segundo a DGS, o número de pessoas susceptíveis estarem a sofrer de long covid – ou mais prosaicamente condição pós-covid-19 – pode ser até superior a este número. No limite do absurdo, potencialmente poderá haver mais casos de long covid do que de doentes-covid.

    Isto porque uma norma homologada esta quarta-feira pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, determina que o “diagnóstico da condição pós-covid-19 [long covid] é clínico e deve ser considerado quando existe forte suspeita, mesmo na ausência de história de teste para SARS-CoV-2 positivo.”

    Norma da DGS considera possível sintomas de long covid, que inclui depressão, mesmo sem teste positivo ao SARS-Cov-2.

    Ou seja, mesmo pessoas sem conhecimento de terem tido alguma vez covid-19 – nem por teste PCR ou de antigénio nem por teste serológico –, portanto, dois terços da população portuguesa, podem vir a ser diagnosticadas, segundo a norma da DGS, como sofredoras de long covid.

    Para tal bastará que tenham um quadro de sintomatologia muito variado, que vai desde a dispneia súbita ou em repouso, a febre associada a dor torácica com características pleuríticas até toracalgia pleurítica e/ou toracalgia com características de angor, passando ainda por alteração do olfacto e do paladar, alteração do estado de consciência, défices neurológicos focais, cefaleia súbita e intensa, depressão e ansiedade e até mesmo sintomas psiquiátricos graves com risco de suicídio. Tudo pode ser por culpa do SARS-CoV-2.

    Embora a norma da DGS indique formas de despistagem para identificação de sequelas da covid-19 sobretudo pulmonares e cardíacos – com exames complementares de diagnósticos complementares, como eletrocardiogramas, avaliação imagiológica do tórax e provas funcionais respiratórias –, em muitas situações mostrar-se-á algo forçoso atribuir especificamente ao vírus a causa de determinadas perturbações.

    São os casos, por exemplo, dos sintomas psiquiátricos indicados na norma da DGS, como a ansiedade, a depressão, a perturbação do sono ou mesmo a ideação ou a concretização de suicídio.

    Norma inclui teste PHQ-9 para detecção de depressão por long covid.

    No limite, aquilo que a DGS aparenta querer fazer é atribuir um eventual aumento do número de suicídios não como uma consequência da gestão da pandemia e das dificuldades económicas dos portugueses, mas sim apontar um suposto diagnóstico de long covid como uma causa patológica, mesmo em “pacientes” que nunca estiveram doentes com covid-19 ou nem sequer teste positivo apresentaram em qualquer data anterior.

    Por exemplo, de acordo com o Anexo 8 da norma da DGS, que inclui a aplicação do PHQ-9, um teste clínico de diagnóstico de depressão, se alguém tiver alterações de humor compatíveis com um valor entre 15 e 28 – que indicia necessidade de tratamento – pode ser também considerada uma vítima de long covid.

    No absurdo, até sem qualquer histórico de teste positivo. Dependerá somente da decisão clínica do médico.

    Porém, mais estranho ainda nesta norma da DGS é a preocupação em se saber também, através de um detalhado questionário clínico (Anexo 2), informação detalhada sobre o estado vacinal do paciente, inquirindo mesmo quantas doses foram tomadas e qual a marca administrada (Spikevax, Comirnaty, Vaxzevria, Janssen ou outra).

    Nesse inquérito, o paciente apenas será questionado se um eventual agravamento do seu estado de saúde se registou antes da covid-19. Nada se pergunta se a pessoa teve alguma “recaída” após a vacinação.

    Recorde-se que a própria Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 admitiu que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    Em suma, a DGS mostra nesta norma que não considera relevante uma avaliação sobre eventuais efeitos adversos após a vacinação, mas tão-só busca supostos casos de long covid mesmo em pessoas sem contacto confirmado de covid-19, sejam estas vacinadas ou não. Recorde-se que 91,4% da população portuguesa se encontra vacinada.

  • Cinco dos 12 consultores da DGS discordaram da vacinação universal de adolescentes, mas pais nunca souberam

    Cinco dos 12 consultores da DGS discordaram da vacinação universal de adolescentes, mas pais nunca souberam

    Direcção-Geral da Saúde escondeu discordâncias entre os membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 sobre a vacinação de adolescentes, dando a entender que a opção pela vacinação foi técnica e cientificamente consensual. Não foi. E nem se baseou em dados científicos consolidados. Foi uma opção política, e os pais nunca foram informados.


    No âmbito da estratégia do combate à pandemia, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) justificou a implementação do programa de vacinação em adolescentes, no Verão passado, com base em dois pareceres polémicos que mereceram mesmo a não concordância de cinco dos membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC). Esta situação foi inédita em todos os outros 21 pareceres.

    Na totalidade dos 23 pareceres (vd. lista em baixo), apenas outros dois não mereceram unanimidade, mas apenas por um dos membros, cada: o primeiro, referente à vacinação de maiores de 80 anos; o segundo, sobre a co-administração das vacinas contra a covid-19 e a gripe.

    Destaque-se que as discordâncias nos dois pareceres sobre vacinação de adolescentes, datados em 28 de Julho e em 8 de Agosto do ano passado, foram sempre omitidas pela DGS. Relembre-se que todos os membros, com funções consultivas e publicamente pró-vacinas, foram escolhidos a dedo pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas.

    E nunca constaram da informação dada aos pais com vista ao consentimento informado. Ou seja, os pareceres foram “vendidos” à opinião pública como se houvesse consenso entre peritos. Nunca houve.

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    Recorde-se que estes e os outros 21 pareceres – com excepção do referente às crianças que foi divulgado por pressão política em Dezembro passado – estiveram inacessíveis ao público até esta semana. O PÁGINA UM, após uma longa “luta jurídica” de cerca de cinco meses, conseguiu ter finalmente acesso aos pareceres da CTVC, na sequência de um parecer solicitado à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    No primeiro parecer sobre a vacinação de adolescentes, homologado por Graça Freitas em 28 de Julho, de entre 12 votos da CTVC registaram-se três contra e duas abstenções. Menos de duas semanas mais tarde, em 8 de Agosto registaram-se quatro votos contra e “uma pessoa não votou”.

    Apesar do PÁGINA UM ter solicitado, no âmbito da queixa contra a DGS na CADA, o acesso também às actas da CTVC, estas não foram ainda disponibilizadas. Ontem, o PÁGINA UM questionou a DGS para identificar os membros da CTVC que votaram contra no primeiro e no segundo pareceres, mas não obteve qualquer resposta, apesar do e-mail com essa solicitação ter sido recepcionado por pelo menos cinco técnicos dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), que assessoram a DGS, a saber: Diana Mendes, Diana Cohen, Sandra Bessa, Nélson Guerra e Bruna Cadima.

    Além das discordâncias, aquilo que ressalta nos dois pareceres foi a drástica mudança de conteúdo técnico num tão curto espaço de tempo. Em apenas 11 dias, a opinião da CTVC – longe da unanimidade – passou de uma não recomendação para indivíduos saudáveis – ou seja, apenas para jovens com comorbilidades – para a vacinação universal desta faixa etária.

    Aliás, numa primeira fase, a DGS chegou a anunciar apenas vacinação prioritária para adolescentes com comorbilidade, tendo mesmo divulgado, no dia 3 de Agosto, quais aquelas que deveriam ser consideradas, de acordo com um parecer de pediatras, classificado como confidencial. De entre essas comorbilidades estavam cancro activo, diabetes, obesidade e insuficiência renal crónica.

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    Porém, a DGS mudaria de opinião pouco dias depois, mesmo se apenas sete de entre 12 membros da CTVC tivessem concordado com essa vacinação universal.

    De acordo com a análise comparativa, feita pelo PÁGINA UM, ambos os pareceres reconhecem que a covid-19, como doença, era “ligeira nas crianças e adolescentes, com um risco de hospitalização e de morte extremamente baixo” e que existiam “algumas comorbilidades que colocam as crianças e adolescentes em maior risco”.

    Foi, aliás, nesse sentido que o parecer de 28 de Julho recomendou apenas a vacinação nos casos da existência de comorbilidades ou através de prescrição feita por pediatra.

    O texto dos dois pareceres é similar também quando referem que “está em curso a avaliação de um sinal de segurança pela EMA [Agência Europeia do Medicamento], associado à ocorrência de casos muito raros de miocardite e pericardite após a administração destas vacinas”.

    Sobre essas reacções adversas, os pareceres referem que “não são conhecidos os fatores de risco [que levaram à hospitalização] nem os seus efeitos a médio/longo prazo”. Os técnicos estimavam que “o número de hospitalizações por covid-19 prevenidas é muito próximo do número de miocardites esperadas com a vacinação universal de adolescentes, sobretudo para o sexo masculino”, conforme descrito nos dois pareceres.

    O único argumento substancial que distingue os dois pareceres – e descrito na fundamentação sumária do parecer de 8 de agosto –, diz respeito aos “resultados da vacinação de 15 milhões de adolescentes nos Estados Unidos da América, Israel e União Europeia sem novos alertas de segurança”.

    No extenso capítulo relativo à segurança das vacinas, o segundo parecer acrescenta apenas, relativamente ao primeiro, uma atualização de dados de 30 de julho do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) relativos à vacinação de 8,9 milhões de adolescentes norte-americanos (12-17 anos) onde “foram reportadas 863 reações adversas graves, incluindo 347 episódios de miocardite e 14 mortes (quatro entre os 12 e os 15 anos)”, indicando ainda que “não foram reportados casos de morte em resultado de miocardites, embora os dados sejam preliminares e apresentem limitações”.

    São ainda referenciadas o número de doses de vacinas mRNA administradas a adolescentes (12-18 anos) em 11 países europeus, e é assumido o desconhecimento sobre as reacções adversas. “No decurso da vacinação destas faixas etária na União Europeia, não foram tornados públicos dados adicionais de segurança relativamente à ocorrência de miocardites e pericardites”, refere-se no documento analisado pelo PÁGINA UM.

    Também é indicado igualmente que “está prevista uma nova avaliação deste sinal de segurança pelo PRAC no início do mês de setembro de 2021”. O segundo parecer não refere quaisquer dados sobre Israel que fundamentem a inclusão desse país na lista daqueles utilizados como referência para a decisão. Não houve mais qualquer parecer, de avaliação e actualização, pela CTVC sobre esta matéria.

    Note-se, porém que as razões apresentadas para uma inversão completa das recomendações na vacinação contra a covid-19 na faixa etária dos 12-15 anos parecem carecer de rigor científico e de fundamentação. Os dados norte-americanos não se baseiam em ensaios clínicos estruturados, mas somente de uma avaliação de eventuais reacções adversas de curto prazo eventualmente notificadas após a inoculação em grupos anónimos.

    Os dados referidos relativamente à Europa assumem o total desconhecimento sobre as reações adversas, enquanto a informação israelita é completamente omissa. A análise também subverte uma variável essencial neste tipo de estudos – a idade –, apresentando dados que incluem idades até aos 18 anos, ou seja, fora da faixa etária dos 12 aos 15 anos.

    Em ambos os pareceres, é dedicado um extenso capítulo ao que era conhecido na altura relativamente aos riscos de miocardites e pericardites (inflamações no coração), após a administração de vacinas mRNA. Foram feitas ainda projecções sobre o “impacto da vacinação universal de adolescentes entre os 12 e os 17 anos, num período de 120 dias, em três cenários de incidência, face ao número de miocardites esperadas nestas idades”.

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    Em ambos os pareceres, foram projetados os casos, internamentos e admissões em unidades de cuidados intensivos (UCI) evitados, como também as miocardites, “considerando a taxa de ocorrência registada nos dados publicados nos EUA”. Os quadros servem como base para a análise risco/benefício da recomendação e verifica-se, em ambas as datas (28 de julho e 8 de agosto), que as previsões relativamente aos casos, internamentos e admissões UCI evitadas são iguais.

    No entanto, o número de miocardites esperadas é superior no parecer de 8 de agosto (24,5) face ao previsto a 28 de julho (21,8). Assim, conclui-se que a relação risco/benefício piorou para o lado do risco, mas o parecer que prevaleceu (vacinação universal) faz a interpretação exactamente contrária.

    O relatório dos técnicos refere que a projeção, utilizada primordialmente para justificar a alteração da recomendação, possui diversas limitações, como é o caso da “inclusão de pessoas com 16 e 17 anos, cuja vacinação universal já estava em vigor. Ou seja, pode haver sobrestimação do número de casos e hospitalizações prevenidas com a hospitalização”.

    Igualmente é assumido que “não existem na União Europeia dados representativos de farmacovigilância para pessoas com menos de 18 anos vacinadas com vacinas mRNA”, tendo sido utilizados dados “extrapolados dos EUA” relativamente aos riscos de miocardites/pericardites.

    Além disso, um aspecto fundamental, ambos os pareceres acabavam por confessar que “os riscos associados à administração da vacina, nestas faixas etárias, não são ainda definitivamente conhecidos”.

    Adiantam ainda que “o número de participantes vacinados nos ensaios clínicos que conduziram à aprovação da extensão de indicação das vacinas nos grupos etários dos 12 aos 15 anos para a Cominarty e dos 12 aos 17 anos para a Spikevax é baixo”, reconhecendo também que, esta situação, “não permite conhecer eventuais reações adversas muito raras, mas potencialmente graves nestas faixas etárias, principalmente quando comparados com o número de adultos incluídos nos ensaios clínicos para a indicação inicial”.

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    Na extensa lista de considerações sobre a indefinição das reações adversas, os pareceres referem que “está em curso a avaliação de um sinal de segurança pela EMA, associado à ocorrência de miocardite e pericardite após a administração de vacina mRNA contra a Covid-19. Até ao momento, na União Europeia, foram apenas avaliados casos em pessoas com 18 ou mais anos de idade, não sendo ainda conhecidos os riscos abaixo dessa faixa etária”.

    Os técnicos da CTVC omitiram também dados referentes ao impacto das miocardites na saúde a longo prazo, apenas referindo que, a curto prazo, “os episódios são ligeiros e que os pacientes recuperam rapidamente em ambiente hospitalar”.

    As considerações sobre projecções são comuns a ambos os pareceres, mas a CTVC adicionou outras advertências à análise dos dados em 8 de Agosto, dizendo que “não foi considerada a potencial interação entre SARS-CoV-2 e outros vírus respiratórios”.

    O parecer de 8 de Agosto refere que “a implementação de medidas não farmacológicas de prevenção e controlo de infeção diminui a circulação de vírus sazonais, bem como o seu impacto no sistema de saúde”, assumindo que “não se conhece o impacto que o alívio de medidas não-farmacológicas pode ter na co-circulação de SARS-CoV-2 e outros vírus no próximo Outono-Inverno”.


    LEIA E DESCARREGUE OS 23 PARECERES INTEGRAIS DA COMISSÃO TÉCNICA DE VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    De entre todos os 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, revelados pelo PÁGINA UM, há um que demonstra como a Política se sobrepôs à Ciência durante a pandemia. Para agradar a todas as farmacêuticas, nem sequer se permitiu a opção pela marca da vacina, e os dados revelam que existiam desempenhos muito diferentes. Para se chegar a bons níveis de vacinação, pressionou-se até recuperados a vacinarem-se mesmo não havendo ensaios clínicos sobre este grupo. E, no meio disto, a Direcção-Geral da Saúde mantém um silêncio ensurdecedor sobre muitas incertezas.


    Embora as orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) pudessem excluir algumas marcas para determinados grupos e idades, nunca foi verdadeiramente possível escolher-se a vacina contra a covid-19 a ser administrada.

    Resultado disto: uma lotaria.

    Por exemplo, quem tomou a vacina da Janssen em Portugal teve um risco cerca de quatro vezes superior a sofrer uma infecção pelo SARS-CoV-2 em comparação com quem foi injectado com a vacina da Moderna; e quase duas vezes superior ao de quem recebeu a da Pfizer.

    Para começar, estes são alguns dos perturbadores aspectos que constam do parecer 17 (ver todos em baixo) da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que o PÁGINA UM obteve após uma longa “luta” para DGS os disponibilizar publicamente.

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    Este parecer em concreto – homologado em Dezembro passado, constituindo uma actualização sobre a vacinação de pessoas recuperadas – acaba por se debruçar bastante nas taxas de infecção dos vacinados (breakthrough infections), analisando o desempenho por tipo de vacina e também por grupo etário.

    O conteúdo integral de todos os 23 pareceres, finalmente obtidos ontem pelo PÁGINA UM – e que foram emitidos entre 1 de Dezembro de 2020 e 20 de Janeiro deste ano – podem ser consultados AQUI. Apesar de um parecer da Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), a DGS não os forneceu em formato digital, pelo que os documentos tiveram de ser fotografados página a página.

    De acordo com este 17º parecer, até 30 de Setembro do ano passado – quando 84% da população já estava então vacinada e quase 1,1 milhões de portugueses tinham tido contacto com o SARS-CoV-2, dos quais 1,7% tinha falecido –, “a taxa média global de infecção de indivíduos completamente vacinados foi estimada em 5,0 por 1.000 vacinados”. A taxa mais elevada era a dos vacinados com a Janssen (8,7 por 1.000), sendo que a da AstraZeneca atingia os 6,2, a da Pfizer 4,6 e a da Moderna 2,1.

    Por grupo etário, aqueles que apresentaram maiores taxa de infecção após a vacinação foram os maiores de 80 anos, com um rácio de 7,7 por 1.000 vacinados, seguindo-se o grupo dos 50 aos 59 anos, com 6,2 por 1.000. O grupo com menor taxa de reinfecção foi o dos menores de 20 anos (1,0 por 1.000). Nos restantes grupos etários, essa taxa situava-se entre os 4,5 e os 5,1 por 1.000 vacinados.

    A CTVC alertava, porém, que estes valores dependiam de diversos factores, “nomeadamente, o grau de exposição ao vírus, o aparecimento de variantes mais transmissíveis, e a diminuição com o tempo da protecção inicial conferida pela resposta imunitária à vacina (waning immunity), a qual varia com a idade do vacinado”.

    O parecer também confirma que a protecção das vacinas é bastante curta e decai significativamente sobretudo a partir do sexto mês. Por exemplo, para as infecções registadas em Setembro do ano passado, aqueles que tinham sido vacinados antes de Março apresentaram globalmente uma taxa de infecção de 3,9 por 1.000, enquanto esse rácio foi apenas de 1,1 para quem se vacinara há um mês. Para quem se vacinou entre Março e Julho, a taxa situou-se entre os 1,4 e os 1,9 por 1.000. A DGS nunca revelou este tipo de informação.

    Dossier dos pareceres consultados pelo PÁGINA UM.

    Saliente-se, contudo, que uma taxa de infecção de 3.9 em 1.000 (ou 0,39%) não significa que a vacina conceda uma protecção de 99,61%, uma vez que o risco de se estar em contacto com o vírus no período de um mês é bastante reduzido mesmo sem protecção, sobretudo fora do período invernal. Note-se que, para atingir comprovadamente um terço dos portugueses, o SARS-CoV-2 “precisou” de 24 meses, ou seja, em média infectou 1,4% da população por mês.

    Estes números indicados pela CTVC não entram, além disto, em consideração com o surgimento da variante Ómicron – mais transmissível, mas muito menos letal –, que fez “explodir” o número de casos positivos, e, na mesma linha, as taxas de infecção entre vacinados. Com cerca de 2,4 milhões novos casos positivos (quase um quarto da população) desde Outubro do ano passado, até ao final da semana passada, a taxa de letalidade atinge apenas 0,14% – um valor já próximo de um surto gripal.

    Embora a explicação oficial, e dos chamados “peritos”, aponte sempre o grande contributo da vacinação para estes baixíssimos níveis de letalidade, a menor agressividade da variante Ómicron parece encaixar-se melhor como hipótese mais plausível. Com efeito, se até finais de Dezembro de 2020 – o início do programa de vacinação –, a taxa de letalidade da covid-19 se situava nos 1,66%, ao longo dos primeiros nove meses de 2021 – com o plano de vacinação em curso, mas dominando então a variante Delta –, a taxa de letalidade manteve-se estável: 1,68%.

    Por esse motivo, a diminuição da letalidade a partir do final do ano passado – com a variante Ómicron a “varrer” vacinados e não-vacinados – não pode ser assim explicada apenas pela acção da vacina. Se assim fosse, a taxa de letalidade entre Janeiro e Setembro de 2021 já teria de ser necessariamente muito mais baixa do que os 1,66% observados. Sobre esta questão, fundamental e elementar, a CTVC não analisa nem se pronuncia em qualquer parecer.

    Tendo em consideração que, com a vaga de casos de infecção nos primeiros dois meses deste ano, pelo menos um terço da população portuguesa (3,4 milhões de pessoas) teve já, comprovado por teste PCR, contacto (infecção) com o SARS-CoV-2 (independentemente do regime de vacinação), uma questão se coloca: justificam-se reforços de vacina ou vale mesmo a pena (e o risco) um recuperado vacinar-se?

    Sede da Direcção-Geral da Saúde, em Lisboa.

    Embora a CTVC destaque, e bem, que “a evidência mais sólida quanto à protecção de reinfecção que pessoas que recuperaram de infecção por SARS-CoV-2 mantém, provém de estudos de reinfecção”, pouco adianta depois em números concretos.

    Para o caso português, nem sequer indica a taxa de reinfecção dos recuperados não-vacinados – e essa informação deverá constar do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) – nem tão-pouco a percentagem de reinternamentos ou mesmo de morte após uma segunda infecção.

    A este respeito, os membros da CTVC somente fazem referências mais detalhadas para os vacinados que foram depois infectados – ou seja, recuperados com imunidade natural e vacinal. Para esses, a CTVC diz que “existem vários estudos em curso (..) cujos resultados, incluindo dados de segurança, devem ser conhecidos antes de serem feitas recomendações específicas sobre a administração de doses de reforço de vacinas contra a covid-19 nessas pessoas”.

    E salienta a CTVC também (e a negrito, no original) um aspecto perturbador: “os ensaios clínicos que suportaram a aprovação pela Agência Europeia de Medicamento da dose de reforço de Comirnaty [Pfizer] e Spikevax [Moderna] excluíram pessoas com infecção prévia por SARS-CoV-2”. Ou seja, quem se vacinou nestas condições, depois da recuperação, foi uma autêntica “cobaia”. Correu bem? Depende da perspectiva.

    Por um lado, os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. Por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    O PÁGINA UM confirmou que esse importante detalhe não consta do consentimento informado, ou seja, quem vai a correr vacinar-se depois de recuperado, ignora estar a arriscar maiores efeitos adversos pela obtenção de nenhuma vantagem sobretudo perante as pessoas que apenas tenham imunidade através da vacina.

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    Em todo o caso, com base em diversos estudos, a CTVC acaba por afirmar neste parecer, embora com pouca convicção, que “pode ser defensável a administração de uma dose de reforço em pessoas recuperadas e vacinadas de acordo com a Norma 002/2021 da DGS que apresentem risco para infecção por SARS-CoV-2 e covid-19 grave (grupos definidos para a estratégia de reforço vacinal)”.

    Face ao elevado número de infectados durante a vaga da variante Ómicron, e que tinham o esquema vacinal completo (muitos com três doses), é previsível um difícil imbróglio, sobretudo se se mantiver em uso o certificado digital que se baseia em tomas repetidas. Com efeito, a CTVC avisa que “à data não existe evidência para recomendar a administração de doses de reforço”.

    Deste modo, se o Governo – e a própria União Europeia – decidirem manter o certificado digital em função de novas tomas de vacina contra a covid-19, então das duas uma: ou a Política ignora a Evidência, ou então “convence” a Ciência a mudar de opinião.


    Nota da Direcção

    Sendo eu um recuperado da covid-19, e parte (muito) interessada em informação que respeita à minha saúde, procurei nos últimos meses, ainda com maior enfoque, estudos e informação sobre as vantagens e desvantagens da vacinação. No meu caso em concreto, exactamente por recear aquilo que a leitura do parecer 17 revela.

    Seis meses após a minha recuperação, em Dezembro passado, realizei um teste serológico, tendo registado o valor de IgG de427,0 BAU/ml, sendo 33,8 BAU/ml o limiar positivo. Não sendo uma certeza absoluta sobre a imunidade natural, tem sido um dos melhores indicadores para aferir a capacidade do meu organismo se defender em caso de reinfecção, ademais sabendo-se que a variante dominante é muitíssimo menos agressiva.

    Dias depois do resultado do teste serológico, no dia 28 de Dezembro, como cidadão português, jornalista e director do PÁGINA UM – e acreditando que um esclarecimento seria útil, e não apenas para mim –, enderecei à directora-geral da Saúde, Graça Freitas – que é a Autoridade de Saúde Nacional –, as seguintes questões:

    1 – Gostava de saber se existe algum estudo português conhecido pela DGS (ou da sua responsabilidade) sobre o nível de anticorpos de recuperados não-vacinados. Se não existe, porque nunca foi feito? Se existe, pode ser facultado?

    2 – Existe também algum estudo científico que mostre em Portugal a evolução temporal dos valores médios de IgG após a vacinação e após infecção (e dentro deste grupo, separando assintomáticos, doentes ligeiros e doentes graves com internamento)? Se sim, pode ser facultado?

    3 – Existe algum estudo sobre eventuais diferenças em termos de efeitos adversos das vacinas entre aqueles que nunca tinham tido contacto com o vírus e queles que já tinham tido contacto (recuperados)? Se sim que diferenças foram detectadas? Pode ser facultado esse estudo?

    4 – Tendo em consideração que os níveis de IgG são indicativas de uma resposta imunitária ao SARS-CoV2, está a ser ponderado algum valor de referência mínimo (em termos de BAU/ml) abaixo do qual se recomenda a vacinação ou reforço de vacinação. Se sim, qual? Se não, porquê?

    A senhora directora-geral não respondeu. Nem ninguém por ela. Nem quando se insistiu duas e três vezes.

    A falta de informação é uma forma de desinformação. E de desrespeito pelos cidadãos. Ou pior ainda, tratando-se de questões de saúde.

    Pedro Almeida Vieira


    LEIA E DESCARREGUE OS 23 PARECERES INTEGRAIS DA COMISSÃO TÉCNICA DE VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    SERVIÇO PÚBLICO: Leia e descarregue em baixo todos os 23 pareceres não revelados pela Direcção-Geral da Saúde durante meses.


    Desde Outubro de 2021, o PÁGINA UM solicitou à Direcção-Geral da Saúde (DGS) os pareceres e outros documentos da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).
    A DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que fez um parecer favorável em 20 de Janeiro passado.

    Apesar disso, a DGS continuou a não se mostrar favorável a disponibilizar os documentos, apesar de o PÁGINA UM ter reiterado o pedido, com base no parecer da CADA.

    Somente no passado dia 4 de Março, a DGS informou o PÁGINA UM de estar disponível para publicitar os pareceres, informando também que, antes desse acto, poder-se-ia consultar os pareceres nas suas instalações.

    Apesar de dois e-mails do PÁGINA UM (dias 4 e 8 de Março) para que fosse indicada a data para consulta, a DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM deslocou-se esta tarde à sede da DGS, e após uma hora de espera foi então encaminhado para uma sala, onde foi disponibilizado um dossier com os 21 pareceres da CTVC.

    Apesar de ter sido feito o pedido para obtenção de cópia digital ou fotocópias, mas, após uma espera de mais de meia hora, uma funcionária da DGS disse ao PÁGINA UM não ser possível, por agora, a primeira alternativa; e a segunda teria de ser feita com tempo e um custo de 75 cêntimos por página.

    O PÁGINA UM decidiu fotografar todas as páginas dos 23 pareceres, que estão aqui disponibilizados em formato pdf.


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • Tuberculose diminui durante pandemia mas por subnotificação e atrasos no diagnóstico

    Tuberculose diminui durante pandemia mas por subnotificação e atrasos no diagnóstico

    Relatório da Direcção-Geral da Saúde aponta para uma redução de casos em 2020, mas antevê já um recrudescimento da tuberculose nos próximos anos. A subnotificação por atrasos no diagnóstico explica a enganadora melhoria no primeiro ano da pandemia. O PÁGINA UM também revela que, durante 2020, houve 32 doentes com tuberculosos que foram considerados doente-covid. Destes, nove morreram.


    A Direcção-Geral da Saúde admite que a tuberculose terá previsivelmente, nos próximos anos, recrudescimento do número de casos, associados “à deterioração das condições económicas e sociais, ao aumento na demora nos dias até ao diagnóstico e ao risco de formas mais graves com consequente maior morbilidade e mortalidade”.

    Este é o quadro traçado pelo relatório de vigilância e monitorização da tuberculose em Portugal relativo ao ano de 2020, que mostra uma situação favorável apenas na aparência durante o primeiro ano da pandemia.

    Com efeito, embora a DGS destaque a tendência de diminuição dos casos notificados – 14,2 casos por 100.000 habitantes, a que correspondeu 1.465 casos, menos 383 do que em 2019 – é admitido que a descida em 2020 se deveu aos efeitos da pandemia causada pelo SARS-CoV-2. De facto, nos quatro anos anteriores a 2020, a taxa de incidência estava estagnada, em redor dos 18 casos por 100.00 habitantes.

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    Sem-abrigos e estrangeiros são os grupos mais vulneráveis à tuberculose.

    Esta redução é, porém, artificial, e até denotando uma subnotificação ou mesmo uma incorrecta notificação. Através da base de dados dos internamentos de doentes-covid, que o PÁGINA UM tem vindo a divulgar, durante o ano de 2020 foram hospitalizados com teste positivo à covid-19, um total de 32 pessoas também com diagnóstico de tuberculose. Destas, nove faleceram.

    No caso concreto de óbitos atribuídos à tuberculose, a DGS indica terem ocorrido 94 durante todo o ano de 2020. Mesmo considerando as nove mortes consideradas por covid-19 mas de doentes tuberculosos, a situação portuguesa tem melhorado consideravelmente neste século. Em 2002, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, morreram 345 pessoas com tuberculose e em 2010 foram 205.

    Os efeitos da suspensão de muitos dos diagnósticos e exames do Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante a pandemia, em especial no primeiro ano, também se observa no aumento do número de dias desde o início dos sintomas até ao diagnóstico.

    Evolução da taxa de notificação de tuberculose em Portugal (2000-2020). Fonte: DGS.

    Em 2020, metade dos doentes com tuberculose tiveram o seu primeiro diagnóstico ao fim de 80 ou mais dias, o valor máximo registado na última década, e uma subida de 25% relativamente ao valor registado em 2010. Em dois terços dos casos, esta demora foi atribuída aos doentes, o que também denota o medo incutido nas pessoas durante a pandemia.

    Os homens continuam a ser o grupo de maior risco, representando 65% do total de casos, sendo que metade dos doentes tinha 49 ou mais anos. Nas crianças de idade igual ou inferior a cinco anos, apenas se contabilizaram 25 novos casos. Os distritos de Lisboa e Porto foram as regiões que apresentaram maior incidência, sendo que os sem-abrigos e os estrangeiros mostraram ser os grupos mais vulneráveis.

    Neste último aspecto, mostra-se particularmente a evolução da incidência na população estrangeira. No ano de 2020 já cerca de 27% dos casos de tuberculose eram de estrangeiros, sobretudo originários de Angola, Guiné-Bissau, Brasil e Cabo Verde. Em 2008 representavam apenas 14,9%.

    Evolução da demora mediana entre o início de sintomas até ao diagnóstico de Tuberculose (2010-2020). Fonte: DGS.

    Segundo o relatório da DGS, existe uma forte relação entre vulnerabilidades sociais e a incidência de tuberculose com o consumo de álcool ou de drogas ilícitas, bem como a residência comunitária, a constituírem variáveis relevantes.

    A associação da tuberculose ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) também se mantém. Em 2020, cerca de 77% dos casos notificados foram testados para VIH (85,6% em 2019) e 9% apresentavam co-infeção tuberculose/VIH.

    Para Portugal atingir os objetivos fixados pela Organização Mundial de Saúde – redução do número de mortes em 95% e a taxa de incidência em 90% até 2035 face a 2015 –, em nota incluída no relatório, a directora-geral da Saúde Graça Freitas destaca “o rastreio e tratamento gratuito e o livre acesso às consultas de tuberculose nos Centros de Diagnóstico Pneumológico”.

    Contudo, esta responsável admite que “a desaceleração na redução percentual anual da doença, associada a uma diminuição abrupta do número de casos em 2020 e ao aumento da mediana de dias até ao diagnóstico, reforçam a necessidade de definir novas estratégias e monitorizar resultados.”

  • Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

    Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

    Apesar da falta de transparência da Direcção-Geral da Saúde (na divulgação das causas de morte) e do Infarmed (sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19), o PÁGINA UM faz uma análise detalhadas sobre a mortalidade por todas as causas por grupo etário, comparando os primeiros 60 dias do ano de 2021 com os períodos homólogos de 2016 a 2021. Estamos muito melhor do que no ano passado, mas os números são, para algumas idades, mais elevados do que seria expectável. A pandemia pode já ter acabado, mas os seus efeitos indirectos não.


    Os dois primeiros meses do ano passado foram catastróficos. Os surtos de covid-19, a par do colapso na assistência hospitalar do Serviço Nacional de Saúde em enfrentar também uma vaga de frio sobretudo em Janeiro, causou uma mortandade nunca vista. Nos primeiros 60 dias de 2021 morreram, segundo dados oficiais, 32.777 pessoas, ou seja, uma média de 546 pessoas por dia. A média diária no quinquénio anterior ao surgimento da covid-19 em território português (2016-2020) foi de 377 óbitos, o que mostra bem a verdadeira dimensão da pandemia neste período, embora não possa, e não deva, ser apontada a covid-19 como exclusiva responsável.

    Entretanto, durante a pandemia, foram introduzidas outras relevantes variáveis. Além de um acréscimo de mortalidade por todas as causas observado em Portugal sobretudo no primeiro ano da pandemia, os programas de vacinação vieram, por um lado, dar esperança de redução da letalidade da covid-19, mas também introduziram um receio sobre os seus efeitos adversos quer a curto quer a longo prazo.

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    Embora o PÁGINA UM seja intransigente defensor de análises aprofundadas com base em dados detalhados, nota-se que, infelizmente, as autoridades de saúde são particularmente adeptas do obscurantismo, não cedendo informação essencial.

    De facto, uma análise dos efeitos da pandemia necessitaria, obrigatoriamente, de informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) para aferir as causas distintas da mortalidade para que, dessa forma, se conseguisse separar o efeito directo da covid-19 e a variação do peso das outras doenças na mortalidade total.

    De igual modo, para dar resposta às preocupações sobre os efeitos adversos das vacinas, seria fundamental analisar as causas de morte desde o início dos programas de vacinação e comparar com anos anteriores.

    Não sendo tal (ainda) possível, o PÁGINA UM predispôs-se a fazer uma análise aos primeiros 60 dias de cada ano, entre 2016 e 2022, considerando a mortalidade total (todas as causas). Esta análise teve em conta a prevalência e incidência dos diferentes surtos gripais (2016-2020) e a situação pandémica nos anos de 2021 (ainda com fraca taxa de vacinação) e 2022 (com elevada taxa de vacinação, incluindo reforço de terceira dose nos grupos etários mais idosos).

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    Este breve exercício serve sobretudo para se ter uma rápida percepção sobre a situação pandémica actual face não apenas ao pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021) mas também ao período anterior à pandemia. Saliente-se que, por norma, os dois primeiros meses do ano, na sua totalidade inseridos no Inverno, são os mais mortíferos.

    Caso se pretenda comparar ano a ano deve ter-se em consideração os efeitos dos surtos gripais, que constituem, no Inverno, o principal factor de agravamento da mortalidade.

    Assim temos as seguintes situações:

    2016 – surto gripal com fraca incidência e agressividade;
    2017 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
    2018 – surto gripal com média incidência e agressividade;
    2019 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
    2020 – surto gripal (anteriormente ao surgimento da covid-19 em Portugal) com fraca incidência e agressividade.

    Note-se também que os surtos gripais (com efeitos na mortalidade por infecções respiratórias) nunca tiveram impacte nos grupos etários abaixo dos 45 anos, sendo muito pouco relevante até aos 65 anos, e ganhando importância sobretudo a partir dos 75 anos e ainda com mais relevo nos maiores de 85 anos.

    Nesse sentido, as principais conclusões que se pode retirar desta análise do PÁGINA UM são as que apresentam seguidamente, por grupo etário.

    Menores de 1 anos

    Impacte da pandemia completamente nula, e indirectamente até acabou por se observar uma redução na taxa de mortalidade por todas as causas, mesmo tendo em conta a redução dos nascimentos. Note-se que o número de óbitos nesta idade é bastante baixa, tendo em consideração que se registam, em média, cerca de 80 mil nascimentos por ano.

    Óbitos por todas as causas dos menores de 1 ano nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 1 e 4 anos
    Impacte da pandemia completamente nula. Nesta faixa etária a mortalidade por todas as causas é, felizmente, bastante baixa, e os surtos gripais e a covid-19 não têm nem nunca tiveram qualquer relevância. Também não se observam quaisquer efeitos indirectos adversos decorrentes da pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 1-4 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 5 e 14 anos

    Impacte da pandemia completamente nulo, mesmo antes das vacinas. Face aos anos anteriores, 2021 foi mesmo aquele com menor mortalidade (10). Neste grupo etário, os óbitos totais em 2022 foram, no período em análise (60 dias), superiores aos de 2021 (mais cinco óbitos), mas mesmo assim abaixo da média. O programa vacinal contra a covid-19 serviu literalmente para nada.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 5-14 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 15 e 24 anos

    Em comparação com os anos anteriores, 2022 foi o ano com maior número de óbitos neste grupo etário (64), registando-se 12 mortes a mais do que em 2021 (antes do programa vacinal). Em todo o caso, parece-me prematuro, e especulativo, associar o programa vacinal a este excesso de óbitos, uma vez que os números de 2022 estão próximos de alguns do outros anos (2017 e 2019).

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 15-24 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 25 e 34 anos

    Embora neste grupo etário a mortalidade por todas as causas seja ainda bastante baixa, no ano passado registou-se um incremento significativo (108 óbitos) face à média do quinquénio anterior (92 óbitos), não podendo associar-se exclusivamente à covid-19, porquanto houve também um pior acompanhamento das outras doenças. Em todo o caso, a mortalidade por todas as causas em 2022 já se encontra em linha com a média.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 25-34 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 35 e 44 anos

    A pandemia não aparenta ter tido impacte na mortalidade neste grupo etário, mesmo se os valores em 2021 (no pior período) foi ligeiramente superior à média do quinquénio anterior (286 vs. 271). Contudo, foi mesmo assim foi inferior ao ano de 2016, que teve até um surto gripal relativamente fraco.

    A mortalidade total em 2022 foi ligeiramente abaixo da média do quinquénio anterior à pandemia (269 vs. 271), mas não aparenta ter qualquer relação com o programa vacinal, tanto mais que o valor está acima do registado em 2020 (237 óbitos).

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 35-44 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 45 e 54 anos

    A pandemia teve já um efeito relevante na mortalidade em 2021, com um acréscimo de 17% em relação ao quinquénio anterior (954 vs. 814), chegando a atingir um agravamento de quase 26% face ao ano de 2020. A mortalidade em 2022 encontra-se abaixo da registada em qualquer dos cinco anos anteriores à pandemia, o que pode resultar mais da perda do subgrupo dos mais vulneráveis (falecidos durante a pandemia) do que um efeito directo da vacina.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 45-54 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 55 e 64 anos

    Não parece existirem dúvidas do forte impacte da pandemia (directa e indirectamente) na mortalidade nos primeiros dois meses de 2021 face aos anos do quinquénio anterior, com um excesso de 30%. O número registado em 2022 (1.740) parece-me bastante preocupante, porquanto, com a covid-19 muito menos agressiva e letal, a mortalidade deveria ser muito mais baixa do que a média, o que não sucede. Isso pode indiciar efeitos de outras doenças que não foram suficientemente tratadas durante a pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 55-64 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 65 e 74 anos

    Também nesta faixa etária, a mortalidade em 2021 foi extraordinariamente elevada face à média do quinquénio anterior à pandemia (mais 49%), o que correspondeu a mais 1.494 óbitos.

    A hecatombe neste grupo etário causado pela covid-19 e por outras doenças que passaram a ter menor acompanhamento deveria ter tido como consequência uma menor mortalidade nos tempos mais recentes, mas tal não se está a observar.

    Com efeito, mesmo com a covid-19 menos agressiva, ausência de surtos gripais e população com taxa de vacinação quase total, o número de óbitos por todas as causas foi nos primeiros 60 dias de 2022 superior a qualquer ano do quinquénio anterior à pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 65-74 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 75 e 84 anos

    Tal como no grupo etário anterior, a pandemia teve nos primeiros dois meses de 2021 um forte impacte na mortalidade por todas as causas, com um acréscimo de 42% face à média do quinquénio anterior, resultante de mais 2.850 óbitos. Contudo, ao contrário do que sucede com o grupo etário dos 65-74 anos, observa-se aqui um efeito de “fortalecimento” (ou seja, uma menor mortalidade subsequente a um efeito negativo que implicou a morte dos mais vulneráveis).

    De facto, a mortalidade total em 2022, no período em análise, foi significativamente mais reduzida do que a média no quinquénio anterior à pandemia (6.346 vs. 6.729). Porém, mesmo assim seria expectável valores mais baixos, o que pode indiciar que existem problemas decorrentes da forma como se implementaram as estratégias de saúde pública durante da pandemia, que implicou um enfraquecimento generalizado da população mais idosa.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 75-84 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Maiores de 85 anos

    Durante os primeiros dois meses de 2021, a pandemia teve efeitos extraordinariamente negativos na população mais idosa, com um excesso de mortalidade de 53% face à média do quinquénio anterior (14.955 vs. 9.785), ou seja, mais 5.170 óbitos.

    Este acréscimo foi, aliás, o culminar de meses anteriores, sempre com excesso de mortalidade neste grupo etário, o mais vulnerável à covid-19. No ano de 2022, apesar deste grupo etária quase integralmente (e com dose de reforço) e de um Inverno extremamente amenos e com actividade gripal nula, a mortalidade nos dois primeiros meses esteve acima da média do quinquénio anterior à pandemia (10.156 vs. 9.785).

    Tendo em consideração a hecatombe da pandemia (directa e indirectamente) neste grupo etário, seria expectável agora um número de óbitos muitíssimo menor. Como tal não se observa, tudo indica que subsistem problemas já estruturais decorrentes da gestão da pandemia, mormente ao nível do (des)acompanhamento de doenças crónicas.

    Óbitos por todas as causas nos maiores de 85 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    População global

    Os primeiros dois meses de 2021 foram particularmente dramáticos, com um excesso de mortalidade por todas as causas de 45% face à média do quinquénio anterior (32.777 vs. 22.606), ou seja, um acréscimo de 10.171 óbitos. Note-se, contudo, como atrás se foi referindo, que o impacte esteve longe de ser generalizado. Cerca de 51% deste excesso esteve concentrado na população com mais de 85 anos, que representa pouco mais de 3% da população portuguesa.

    Se considerarmos a população com mais de 75 anos, esse valor sobe para 79%, o que demonstra o particular impacte da pandemia (e dos seus efeitos colaterais) nos grupos etários mais avançados.

    Óbitos por todas as causas na população portuguesa nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Na verdade, no seu pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021), a pandemia não teve qualquer impacte no vasto grupo dos menores de 45 anos (que representam quase metade da população portuguesa). O excesso de mortalidade apenas teve um contributo de 1% no grupo dos 45-54 anos, e de 5% no grupo dos 65-74 anos.

    Um ano depois desta situação, é curioso observar que a mortalidade total se encontra na linha com a média anterior à pandemia, o que parecendo uma boa notícia, não o é. Seria expectável que os valores da mortalidade total estivessem muito abaixo, tendo em conta a “limpeza” dos mais vulneráveis. Por outro lado, mostra-se preocupante observar os “comportamentos” distintos entre os diferentes grupos etários.

  • Estudo oficial em Nova Iorque assume que vacina contra a covid-19 vale quase nada ao fim de um mês

    Estudo oficial em Nova Iorque assume que vacina contra a covid-19 vale quase nada ao fim de um mês

    A eficácia relativa da vacina da Pfizer/BioNTech contra a covid-19 em crianças do Estado de Nova Iorque caiu tão rapidamente ao fim de apenas um mês que as suas vantagens, face às incertezas sobre efeitos adversos a longo prazo e aos riscos de miocardite, se mostram mais do que questionáveis.


    Um estudo realizado pelo Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque, e divulgado ontem no site medRxiv – ainda a necessitar de revisão pelos pares (peer review) – revela que durante a vaga da variante Omicron, a eficácia das vacinas ao fim de um período de 28 a 34 dias era apenas de 12% para as crianças dos 5 aos 11 anos. Nos adolescentes (12-17 anos), a eficácia era um pouco melhor: rondava ainda os 50% ao fim do mesmo período.

    O impacte deste estudo tem tido destaque assinalável nos principais órgãos de comunicação social dos Estados Unidos, entre os quais o New York Times, CNBC, NBC News e CNN, e mesmo deste lado do Atlântico, como o The Guardian.

    Envolvendo 365.502 crianças e 852.384 adolescentes vacinados naquele Estado norte-americano – com uma população quase o dobro da portuguesa –, o estudo comparou a incidência de casos positivos e hospitalizações deste grupo com não-vacinados da mesma idade entre finais de Novembro de 2021 e Janeiro deste ano, ou seja, em pleno surto da Omicron.

    Recorde-se que a actual vacina da Pfizer foi desenvolvida para combater a variante Alpha do SARS-CoV-2, sendo que a Omicron, agora largamente dominante, se tem revelado de maior transmissibilidade, mas também de muito menor agressividade. E também se deve salientar que as autoridades de saúde norte-americana (FDA) e europeia (EMA) autorizaram doses menores para crianças: apenas 10 microgramas por dose em vez das habituais 30 microgramas nas restantes idades.

    De acordo com o estudo norte-americano, analisado pelo PÁGINA UM, comparando crianças vacinadas e não-vacinadas, ainda se observou uma diferença significativa nas taxas de incidência na semana de 13-19 de Dezembro: 39 e 122 por 100.000, respectivamente, o que significava que a eficácia das vacinas na incidência era então de 68%. Nas hospitalizações essa eficácia inicial era de 100%, embora nos não-vacinados os números de internamentos fossem bastante baixos: 0,22 hospitalizações por 100.000 crianças, ou seja, 0,00022%.

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    Com o avançar do tempo – e também com o surto da variante Omicron a atingir o seu auge no meio do Inverno –, sendo certo que a incidência aumentou tanto nas crianças vacinadas como nas não-vacinadas, a razão da taxa de incidência – ou seja, a proporção da incidência de casos positivos entre não-vacinados e vacinados – desceu abruptamente. Se na semana de 13-19 de Dezembro ainda era de 3,1; três semanas mais tarde (3-9 de Janeiro) já só era de 1,9, situando-se em 1,1 na semana de 24-30 de Janeiro. Significa assim que os vacinados estavam já praticamente desprotegidos. Ou, do ponto de vista da eficácia das vacinas, esta só reduzia o risco em 12%.

    Em relação às hospitalizações das crianças, o efeito de decréscimo não se revelou tão drástico, mas mesmo assim foi muito significativo. Na semana de 24-30 de Janeiro, as hospitalizações de crianças nova-iorquinas não-vacinadas era de 0,60 por 100.000, enquanto as vacinadas eram de 0,31, o que significava uma razão da taxa de incidência de apenas 1,9 e uma eficácia da vacina somente de 48%.

    Note-se também, mais uma vez, que as hospitalizações nestas faixas etárias são bastante baixas tanto para os vacinados como para os não-vacinados. Com efeito, se aplicado a Portugal – com cerca de 600 mil crianças neste grupo etário –, significaria que, na última semana de Janeiro, seriam internadas por covid-19 entre três e quatro crianças se não houvesse programa de vacinação, e entre uma e duas se esse programa tivesse atingido todas. Recorde-se, ainda, que no nosso país ainda não se registou qualquer morte em crianças atribuída à covid-19.

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    Para os adolescentes nova-iorquinos, a tendência de decréscimo abrupto da eficácia das vacinas também se observou ao longo do surto da Omicron. Se em relação à protecção contra a infecção (medida em termos de incidência), a vacina mostrava uma eficácia de 85% em finais de Novembro, em meados de Janeiro já só rondava os 50%.

    Nas hospitalizações, a eficácia mesmo assim manteve-se mais estável, embora com tendência também decrescente. Na segunda semana de Dezembro rondava os 95%, mas em finais de Janeiro já se situava nos 73%. Note-se também, mais uma vez, que as hospitalizações em adolescentes por covid-19 são raras, tanto para vacinados como para não-vacinados. Na semana de 24-30 de Janeiro, observou-se que 0,00136% dos adolescentes não-vacinados foram internados por covid-19, enquanto essa percentagem era de 0,00037% para os adolescentes vacinados.

    Os autores do estudo, todos pertencentes à Autoridade de Saúde do Estado de Nova Iorque – um dos mais rígidos na implementação de programas de vacinação –, mantêm, contudo, uma opinião favorável às vacinas da Pfizer, considerando apenas ser necessário “estudar a dosagem alternativa” para crianças, e sugerindo ainda ser preciso manter “o uso de máscaras, para prevenir infecção e transmissão”.

    Os resultados deste estudo também colocam ainda mais em causa a eficácia do uso de certificados digitais como instrumentos de controlo da pandemia, uma vez que aqueles têm, actualmente, no espaço europeu, uma duração de nove meses.

  • Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 e a Direcção-Geral de Saúde decidiram dar duas doses de vacinas em adolescentes. Investigação em Hong Kong, publicada anteontem, revela que risco de miocardites dispara na segunda toma em comparação com a primeira dose. Face aos resultados preliminares, o território chinês já alterou a política de vacinação para adolescentes desde Setembro do ano passado. Em Portugal não se sabe quantos adolescentes tomaram duas doses nem quantas foram as miocardites registadas por causa da vacina contra a covid-19.


    Estudos internacionais começam a revelar ter sido um erro vacinar adolescentes contra a covid-19, sobretudo em rapazes e administrando duas doses. Uma nova pesquisa, publicada anteontem na prestigiada revista JAMA Pediatrics, da American Medical Association, revelou que após a toma da segunda dose da vacina da Pfizer por adolescentes de Hong Kong se observou uma incidência de 39 casos de miocardites por 100.000 habitantes, ou seja, por cada 2.563 adolescentes vacinados com duas doses, um desenvolveu aquela grave infecção do coração.

    Este problema levou, aliás, aquele território sob administração da China passasse a optar por apenas vacinar adolescentes com uma dose, uma vez que, neste caso, a incidência neste caso se revelou muito mais baixa (cerca de 5 casos por 100.000 vacinados). Em relação às adolescentes, o risco mostrou-se muito inferior: os rapazes apresentaram uma incidência seis vezes superior às raparigas na primeira toma (5,27 vs. 0,90 por 100.000 casos) e de quase oito vezes na segunda toma (39,02 vs. 4,97 por 100.000 casos).

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    Este estudo de coorte – que abrangeu adolescentes de ambos os sexos, dos quais 162.518 tomaram duas doses e 62.042 apenas uma dose – desenvolveu-se entre 10 de Março e 18 de Outubro do ano passado. Mas os resultados preliminares terão já mostrado ser evidente e elevado o risco de miocardites, pelo que as autoridades chinesas decidiram, em 15 de Setembro passado, que não se deveria administrar dose dupla.

    Recorde-se que em Portugal, a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV) recomendou a vacinação universal quer para adolescentes quer para crianças. O polémico parecer sobre a vacinação de crianças feito a pedido da Direcção-Geral da Saúde (DGS) foi tornado público em Dezembro, por pressão política, mas não o referente aos adolescentes nunca foi revelado, nem qualquer outro.

    O PÁGINA UM obteve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) que considera que a DGS teria de disponibilizar publicamente toda a documentação da CTVC, mas a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, mantendo uma postura de obscurantismo, continua a recusar essa obrigação legal e ética.

    O PÁGINA UM tentou, no início da passada semana, obter comentários sobre esta matéria de todas as forças políticas com assento no futuro Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, PAN e Livre), mas nenhuma mostrou ainda qualquer preocupação em responder.

    Aliás, o secretismo da DGS chega ao ponto de nem sequer divulgar, no seu boletim diário do plano de vacinação, o número de adolescentes vacinados entre os 12 e aos 17 anos, nem indica se vai recomendar doses de reforço ao longo deste ano.

    De igual modo, o Infarmed mantém a recusa de permitir ao PÁGINA UM o acesso ao Portal RAM, que identifica e quantifica os efeitos adversos das vacinas em cada idade.

    Em carta à CADA, o presidente do Infarmed, Rui dos Santos Ivo, defende que o acesso aos dados do Portal RAM, “recolhidos exclusivamente no âmbito da farmacovigilância, correndo o risco de poderem ser analisados por não-especialistas, tem um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    [N.D. O director e jornalista do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, é sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia]

    Estes novos dados do estudo de Hong Kong mostram também que, afinal, os riscos de miocardites em adolescentes após a toma da vacina contra a covid-19 são muito superiores àqueles que foram apontados pela Pfizer e até pelos estudos iniciais que, por exemplo, a própria CTVC utilizou.

    Em Dezembro passado, os membros da CTVC usaram estudos não publicados e sem revisão de pares (peer review), ignorando também as recomendações de diversos pediatras para se avançar para a vacinação apenas de crianças e adolescentes de risco.

    Também anteontem, um estudo publicado na revista Current Issues in Molecular Biology por investigadores, revelou que a vacina da Pfizer “é capaz de entrar na linha celular de fígado humano”, tendo sido utilizadas células hepáticas em vitro. Os investigadores têm estado, aliás, a procurar conhecer se existe uma relação directa entre a vacinação contra a covid-19 e casos de hepatite autominume.

  • Remdesivirgate: um negócio de 20 milhões de euros e de lobbies associados à Ordem dos Médicos

    Remdesivirgate: um negócio de 20 milhões de euros e de lobbies associados à Ordem dos Médicos

    A Gilead conseguiu ver aprovadas compras avultadas de um seu fármaco contra a covid-19 que veio a ser desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde. Em Portugal foram cerca de 20 milhões de euros gastos, e poderia ter sido ainda mais. Mas, ao contrário de outros medicamentos “malditos”, como a ivermectina, o remdesivir sempre contou com o apoio de muitos médicos bem colocados, quatro dos quais integram a equipa da DGS responsável pelas terapêuticas a aplicar nos hospitais. E dois são mesmo membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, escolhidos pelo bastonário Miguel Guimarães. Todos receberam dinheiro directo da Gilead, e por causa do remdesivir. Não foram os únicos. O PÁGINA UM revela um caso que deveria ser de “polícia”.


    A Gilead, através de um acordo com a Comissão von der Leyen, conseguiu vender, durante a pandemia, largas centenas de milhões de euros do fármaco remdesivir – um caro antiviral criado para o ébola –, mas que um poderoso lobby médico promoveu como remédio milagroso contra a covid-19, até que a Organização Mundial da Saúde (OMS) o desaconselhou em 20 de Novembro de 2020.

    A própria OMS destacou que esse medicamente, comercializado sob o nome Veklury, “não é recomendado para pacientes internados com covid-19, independentemente da gravidade da doença, pois actualmente não há evidências de que melhore a sobrevida ou que evite a ventilação artificial”. Além disso, surgiram fortes suspeitas de efeitos renais graves.

    Mas já era tarde para os cofres públicos portugueses. No mês anterior, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) fora mandatada pelo Governo de António Costa para comprar doses de Veklury num máximo de 35.376.645 euros, tendo o primeiro lote no valor de quase 19,5 milhões de euros sido comprado ainda em 2020. O primeiro contrato da DGS foi assim assinado em 23 de Outubro. Na Resolução de Conselho de Ministros, além de se referir o acordo feito pela Comissão Europeia, estava bem expresso uma justificação alegadamente terapêutica: o remdesivir estava “recomendado para os doentes internados com covid-19, de acordo com a Norma 004/2020” da DGS.

    Negócio de milhõs

    A decisão da OMS não era surpreendente, porque, na verdade, o remdesivir nunca antes mostrara resultados atractivos, excepto para determinados “especialistas” que, por exemplo, em Portugal sempre glorificaram o fármaco da Gilead. Quatro deles sempre estiveram incluídos na equipa de especialistas da DGS, que elaboraram a tal Norma 004/2020: Filipe Froes, Fernando Maltez, António Diniz e Maria João Brito. Todos receberam verbas da Gilead, e todos especificamente por causa do remdesivir.

    As evidentes ligações destes médicos à Gilead mostraram-se logo nos primeiros meses da pandemia, e envolveram já três deles: em 16 de Julho de 2020, participaram num webinar entre as 19:00 e as 20:00 horas intitulado “Avanços no tratamento antiviral da covid-19: remdesivir, o primeiro tratamento aprovado”.

    Com moderação de Filipe Froes – pneumologista do Hospital Pulido Valente, mas então apresentado como representante da Ordem dos Médicos para a Covid-19 –, contou com a participação de um médico espanhol (Alex Soriano) e de quatro médicos portugueses: Fernando Maltez (director do serviço de doenças infeciosas do Hospital Curry Cabral), Maria João Brito (coordenadora da unidade de infeciologia do Hospital Dona Estefânia), Tomás Fonseca (médico internista do Centro Hospitalar da Universidade do Porto) e Nuno Germano (responsável da unidade de cuidados intensivos no Hospital Curry Cabral).

    Apenas por esta participação, Filipe Froes (através da sua empresa Terra & Froes) recebeu 1.230 euros, enquanto Fernando Maltez e Maria João Brito arrecadaram, cada um, 775 euros. Nuno Germano (através da sua empresa Germano & Emílio – Serviços de Saúde) arrecadou 630 euros, um pouco mais do que Tomás Fonseca, que amealhou 560 euros.

    Filipe Froes, António Diniz e Francisco Antunes: três médicos (em conversa na Ordem dos Médicos) que receberam dinheiro da Gilead e que sempre elogiaram o remdesivir.

    Médico no Hospital Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes – que lidera também o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 – é um dos clínicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Tendo arrecadado mais de 380 mil euros deste sector desde 2013 – com destaque para a Pfizer (134,5 mil euros), Merck Sharp & Dohme (85,5 mil euros) e BIAL (47,3 mil euros) –, a Gilead não poderia deixar de estar no seu radar. Facturou 13.480 euros em 2020 e 2021 desta farmacêutica.

    Aliás, Froes aumentou assim o seu portefólio, porque antes da pandemia não tivera relações com essa empresa norte-americana. E fez de tudo para merecer as benesses da Gilead: em 2020 moderou dois webinares e integrou o grupo de consultores (advisory board) para o remdesivir; em 2021 foram mais quatro eventos.

    O piscar de olhos de Filipe Froes à Gilead começou mesmo antes do surgimento do SARS-CoV-2 em território nacional. Em 29 de Janeiro de 2020, já falava naquele fármaco como potencial tratamento da covid-19, em entrevista ao Público. Em Abril desse ano, em plena “primeira vaga”, reforçou a ideia, em entrevista à Rádio Renascença. E continuou, sempre que lhe davam espaço mediático e oportunidade, sempre falou bem do remdesivir, especificamente. Mesmo já depois da OMS ter desaconselhado o seu uso, como ficou patente em declarações ao site Medic News, em 24 de Março do ano passado, no âmbito de mais um webinar patrocinado pela Gilead.

    Quanto a António Diniz – que também se destacou como um dos membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, escolhido pelo bastonário, o urologista Miguel Guimarães – consta na Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed como tendo recebido, em duas tranches, 2.164,8 euros da Gilead especificamente como consultor (advisory board) para o remdesivir. Desde o início da pandemia, recebeu da Gilead 7.950,13 euros.

    Fernando Maltez, por sua vez – que também é consultor da DGS – viu na pandemia uma oportunidade de negócio. Através de webinares e consultorias, recebeu da Gilead, em 2020 e 2021, um total de 17.342 euros. Do sector farmacêutico recebeu, neste período, 56.952 euros.

    Especificamente sobre o remdesivir também foi convidado para consultor (advisory board) e integrou três webinares que debateram os alegados benefícios deste fármaco. Chegou mesmo a participar em dois programas do Rádio Observador para falar sobre a pandemia, supostamente como especialista independente, mas recebeu, para isso, 2.460 euros da própria Gilead.

    Um dos webinares sobre o remdesivir, patrocinado e pago pela Gilead, e apoiado pela Sociedade Portuguesa de Medicina Interna.

    As ligações de Maria João Brito à Gilead são mais ténues. Além da participação no webinar de Julho de 2020, pelo qual recebeu 774,90 euros, apenas teve outro apoio em 2021 desta farmacêutica no valor de 622 euros para um congresso de pediatria em Lisboa. Desde o início da pandemia recebeu 9.400,6 euros de nove farmacêuticas distintas.

    Mas existem mais ligações fortes de conceituados médicos com o remdesivir e a Gilead ao longo da pandemia. Um desses casos é do Francisco Antunes, professor jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa.

    Em 2 de Maio de 2020, afirmou à revista Sábado que este anti-viral era “muito credível”, acrescentando ainda que o facto de um estudo então revelado nos Estados Unidos “ter sido anunciado por Anthony Fauci, dá-lhe muita credibilidade”. No mês seguinte, por uma sessão de formação no âmbito deste medicamento, ganharia 1.390 euros, pagos pela Gilead. Passado menos de 30 dias, a mesma farmacêutica desembolsaria mais 2.004,90 euros para o compensar por uma formação interna dedicada ao… remdesivir.

    Apesar de reformado, Francisco Antunes desdobrou-se, ao longo dos dois anos de pandemia, em intervenções um pouco por todo o lado, sobre a covid-19 e os avanços científicos no seu tratamento. Foi também presença habitual na imprensa, sempre interessada em “especialistas”. Também interessada nele esteve a Gilead. Ao longo de 2021, a Gilead pagou-lhe 21.970 euros para serviços de consultoria para a criação de um website sobre a covid, o qual é tão útil público que somente se acede por password.

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    Note-se que Francisco Antunes era já cara conhecida da Gilead. Antes da pandemia fizera parte da comissão de avaliação de prémios de investigação promovidos por esta farmacêutica (programa Génese), e em 2019 recebera 4.022 euros em diversos eventos.

    Contudo, a partir de 2020 a sua conta bancária teve transferências de 27.726 euros proveniente da Gilead. Recebeu, já agora, no mesmo período, 21.999 euros da Merck Sharp & Dohme.

    Uma entidade ligada à Universidade de Lisboa – a Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina (AIDFM) – também beneficiou bastante com a Gilead e especificamente com o remdesivir.

    Durante o ano de 2020, esta entidade recebeu desta farmacêutica 15.375 euros para um estudo intitulado “Análise do impacto de remdesivir na capacidade hospitalar do SNS” e mais 30.750 euros para o “Estudo de suporte do pedido de financiamento público de remdesivir no tratamento da covid-19”.

    Já em 2021, recebeu mais verbas para o “Estudo comparativo sobre a utilização de remdesivir” (9.225 euros) e “Actualização do dossier de valor terapêutico de remdesivir (Veklury) na indicação aprovada” (12.300 euros). Este ano, no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed constam ainda mais dois estudos pagos pela Gilead: “Análise descritiva da utilização de remdesivir” (9.225 euros) e uma actualização do valor terapêutico (mais 12.300 euros).

    Apesar de ser uma associação sem fins lucrativos criada por uma universidade pública, nenhum destes seis estudos – pelos quais recebeu um total de 89.175 euros – foi divulgado nem a direcção da AIDFM respondeu aos pedidos de informação do PÁGINA UM, que incluíam cópia dos relatórios efectuados, o mesmo tendo sucedido com a Gilead Portugal.

    A farmacêutica norte-americana foi também particularmente generosa com a Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares – que já foi presidida pela ministra da Saúde Marta Temido –, a quem entregou, durante os dois anos da pandemia, apoios no valor de 95.442,5 euros. Uma outra entidade bastante beneficiada durante a pandemia foi a Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, que obteve um inédito apoio de 76.260 euros no ano passado. Em 2020 foram 14.967 euros.

    Destaque-se, por fim, que o PÁGINA UM solicitou ao Infarmed o acesso à base de dados das reacções adversas (Portal RAM) para analisar os problemas detectados no uso terapêutico do remdesivir – até porque a compra do segundo lote previsto foi drasticamente reduzida, porque o fármaco deixou praticamente de ser usado -, mas esta entidade não respondeu. Aguarda-se o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sobre a queixa apresentada. A DGS também não respondeu a qualquer questão colocada pelo PÁGINA UM sobre esta matéria.

  • Comissão Europeia quer prolongar certificado que obriga à toma de até cinco doses da vacina contra a covid-19

    Comissão Europeia quer prolongar certificado que obriga à toma de até cinco doses da vacina contra a covid-19

    A Comissão Europeia quer manter a discriminação entre vacinados e não-vacinados, propondo o prolongamento do uso dos certificados digitais por mais um ano, até finais de Junho de 2023. E cita estudos que comprovam a “utilidade” das proibições de acesso como incentivo para a toma de mais doses da vacina. Caso seja aprovado o novo regulamento, além da manutenção de uma política segregacionista, com uma quarta dose serão vendidas pelo menos mais de 300 milhões de vacinas na União Europeia, um negócio superior a 6 mil milhões de euros para as farmacêuticas. E acrescem também custos operacionais de gestão dos certificados na ordem dos 10 mil milhões de euros.


    Em contraciclo com as decisões de alguns países europeus – como a Dinamarca, Finlândia, Noruega e Reino Unido – em cessar já a discriminação dos cidadãos em função do seu estado vacinal contra a covid-19, a Comissão Europeia quer estender por mais um ano a aplicação dos certificados digitais para condicionar ou proibir a circulação aérea e o acesso a certos lugares públicos por não-vacinados.

    Numa altura em que a pandemia se encontra já numa fase claramente endémica, a Comissão von der Leyen – adepta da imposição da vacinação obrigatória universal, incluindo a jovens e crianças – tem já pronta uma proposta de regulamento para prolongar até 30 Junho de 2023 o controlo de entradas através deste certificado, que apenas atesta a toma de vacinas ou a ocorrência de uma infecção recente.

    Como os certificados têm agora uma validade de nove meses, a implementação desta medida garante às farmacêuticas pelo menos mais um reforço vacinal. No limite, quem tomou a chamada “dose de reforço” até finais de Novembro do ano passado terá de receber uma quinta dose para não sofrer restrições de circulação até ao meio do próximo ano.

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    No texto que acompanha a sua proposta de regulamento, a Comissão Europeia mostra ser uma fervorosa adepta do uso do certificado digital para o condicionamento de acesso em espaços públicos no interior de cada país (por exemplo, em restaurantes, ginásios ou eventos culturais e desportivos) como instrumento de “incentivo” para a vacinação. E menciona expressamente dois estudos que provam que a implementação do certificado digital convenceu muitos a vacinarem-se.

    Num desses estudos, ainda em fase de working paper, investigadores belgas e franceses defendem que durante o Verão do ano passado os “certificados covid” contribuíram para um aumento substancial na aceitação de vacinas: mais 13,0 pontos percentuais (pp) na França, mais 6,2 na Alemanha e mais 9,7 na Itália. Ou seja, na verdade, assumem que as pessoas não se vacinaram por acreditar no poder de protecção da vacina; quiseram, sim, apenas continuar a movimentar-se livremente.

    Mas os investigadores também garantem que o certificado salvou vidas, embora através de uma mera análise contrafactual – ou seja, fazendo estimativas sobre eventuais mortes que teriam ocorrido se não houvesse aquele aumento de vacinação. Na sua opinião, sem esse reforço de vacinação teriam morrido mais 3.979 pessoas por covid-19 na França, 1.133 na Alemanha e 1.331 na Itália, além de avultadas perdas económicas.

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    Saliente-se, contudo, que nestes três países – tal como, aliás, em Portugal – morreram mais pessoas por covid-19 no Verão de 2021 (com vacina) do que no Verão de 2020 (ainda sem vacina).

    Noutro estudo (sem peer review), também mencionado pela Comissão Europeia, e que aborda igualmente a realidade do Canadá, aponta-se para uma subida semanal superior a 60% na primeira toma da vacina após a decisão das autoridades em impor o uso de certificado digital como forma de discriminação dos cidadãos não-vacinados.

    Recorde-se que, na União Europeia, onde já se emitiram mais de mil milhões de certificados, a vacina contra os efeitos do SARS-CoV-2 só passou a ser obrigatória na Áustria, e para certas profissões em outros Estados-membros, como a Grécia e Hungria (para profissionais de saúde), na França (profissionais de saúde e forças de segurança) e na Itália (para as duas anteriores classes, e também para professores e trabalhadores de lares).

    Estas decisões são polémicas, tanto mais que, por norma, nem os Estados nem as farmacêuticas assumem responsabilidades em caso de efeitos adversos. Em todo o caso, o Governo italiano já reservou 150 milhões de euros com vista a compensar eventuais reacções adversas da vacinação.

    Face à relutância de uma franja importante da população em tomar a dose de reforço, a manutenção do certificado digital constitui assim uma forma de coerção e incentivo. Caso 80% da população europeia “vacinável” adira a um reforço, serão vendidas mais de 300 milhões de doses, o que representará um negócio de 6 mil milhões de euros para as farmacêuticas. Além disto, os custos operacionais previstos pela própria Comissão Europeia para o prolongamento do certificado digital podem ascender aos 10 mil milhões de euros.

    A proposta da Comissão von der Leyen, apresentada no seu site em 23 línguas, está agora em consulta pública até ao próximo dia 8 de Abril, e a merecer já forte contestação, com uma elevada participação. Ontem, pelas 19 horas, o PÁGINA UM contabilizou 24.182 comentários, quase todos criticando o carácter desumano e discriminatório do certificado, até porque, como instrumento de controlo da doença, este papel não constitui nem garantia de não-infecção nem de não-transmissão da covid-19.

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    Hoje, pelas 16 horas, o número de comentários já ultrapassava os 28.000, sendo que 53% provinham da Itália, 9% da Alemanha e 8% da França e também da Holanda. Com 451 comentários, Portugal encontrava-se na nona posição (2% do total). Além das opiniões de cidadãos, a proposta de regulamento incluía já comentários de 106 empresas ou associações empresariais, 23 universidades, 18 entidades públicas, 22 organizações de consumidores ou não-governamentais, cinco sindicatos e outras tantas associações de defesa do ambiente.

    A Comissão Europeia promete que “todos os comentários recebidos serão resumidos e apresentados ao Parlamento Europeu e ao Conselho a fim de contribuir para o debate legislativo”.

    Nota: Para leitura integral da proposta da Comissão Europeia, e para elaborar comentários, pode aceder AQUI.