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  • Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    Lotaria, cobaias & muitas incertezas: a perturbadora leitura do parecer 17

    De entre todos os 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, revelados pelo PÁGINA UM, há um que demonstra como a Política se sobrepôs à Ciência durante a pandemia. Para agradar a todas as farmacêuticas, nem sequer se permitiu a opção pela marca da vacina, e os dados revelam que existiam desempenhos muito diferentes. Para se chegar a bons níveis de vacinação, pressionou-se até recuperados a vacinarem-se mesmo não havendo ensaios clínicos sobre este grupo. E, no meio disto, a Direcção-Geral da Saúde mantém um silêncio ensurdecedor sobre muitas incertezas.


    Embora as orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS) pudessem excluir algumas marcas para determinados grupos e idades, nunca foi verdadeiramente possível escolher-se a vacina contra a covid-19 a ser administrada.

    Resultado disto: uma lotaria.

    Por exemplo, quem tomou a vacina da Janssen em Portugal teve um risco cerca de quatro vezes superior a sofrer uma infecção pelo SARS-CoV-2 em comparação com quem foi injectado com a vacina da Moderna; e quase duas vezes superior ao de quem recebeu a da Pfizer.

    Para começar, estes são alguns dos perturbadores aspectos que constam do parecer 17 (ver todos em baixo) da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que o PÁGINA UM obteve após uma longa “luta” para DGS os disponibilizar publicamente.

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    Este parecer em concreto – homologado em Dezembro passado, constituindo uma actualização sobre a vacinação de pessoas recuperadas – acaba por se debruçar bastante nas taxas de infecção dos vacinados (breakthrough infections), analisando o desempenho por tipo de vacina e também por grupo etário.

    O conteúdo integral de todos os 23 pareceres, finalmente obtidos ontem pelo PÁGINA UM – e que foram emitidos entre 1 de Dezembro de 2020 e 20 de Janeiro deste ano – podem ser consultados AQUI. Apesar de um parecer da Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), a DGS não os forneceu em formato digital, pelo que os documentos tiveram de ser fotografados página a página.

    De acordo com este 17º parecer, até 30 de Setembro do ano passado – quando 84% da população já estava então vacinada e quase 1,1 milhões de portugueses tinham tido contacto com o SARS-CoV-2, dos quais 1,7% tinha falecido –, “a taxa média global de infecção de indivíduos completamente vacinados foi estimada em 5,0 por 1.000 vacinados”. A taxa mais elevada era a dos vacinados com a Janssen (8,7 por 1.000), sendo que a da AstraZeneca atingia os 6,2, a da Pfizer 4,6 e a da Moderna 2,1.

    Por grupo etário, aqueles que apresentaram maiores taxa de infecção após a vacinação foram os maiores de 80 anos, com um rácio de 7,7 por 1.000 vacinados, seguindo-se o grupo dos 50 aos 59 anos, com 6,2 por 1.000. O grupo com menor taxa de reinfecção foi o dos menores de 20 anos (1,0 por 1.000). Nos restantes grupos etários, essa taxa situava-se entre os 4,5 e os 5,1 por 1.000 vacinados.

    A CTVC alertava, porém, que estes valores dependiam de diversos factores, “nomeadamente, o grau de exposição ao vírus, o aparecimento de variantes mais transmissíveis, e a diminuição com o tempo da protecção inicial conferida pela resposta imunitária à vacina (waning immunity), a qual varia com a idade do vacinado”.

    O parecer também confirma que a protecção das vacinas é bastante curta e decai significativamente sobretudo a partir do sexto mês. Por exemplo, para as infecções registadas em Setembro do ano passado, aqueles que tinham sido vacinados antes de Março apresentaram globalmente uma taxa de infecção de 3,9 por 1.000, enquanto esse rácio foi apenas de 1,1 para quem se vacinara há um mês. Para quem se vacinou entre Março e Julho, a taxa situou-se entre os 1,4 e os 1,9 por 1.000. A DGS nunca revelou este tipo de informação.

    Dossier dos pareceres consultados pelo PÁGINA UM.

    Saliente-se, contudo, que uma taxa de infecção de 3.9 em 1.000 (ou 0,39%) não significa que a vacina conceda uma protecção de 99,61%, uma vez que o risco de se estar em contacto com o vírus no período de um mês é bastante reduzido mesmo sem protecção, sobretudo fora do período invernal. Note-se que, para atingir comprovadamente um terço dos portugueses, o SARS-CoV-2 “precisou” de 24 meses, ou seja, em média infectou 1,4% da população por mês.

    Estes números indicados pela CTVC não entram, além disto, em consideração com o surgimento da variante Ómicron – mais transmissível, mas muito menos letal –, que fez “explodir” o número de casos positivos, e, na mesma linha, as taxas de infecção entre vacinados. Com cerca de 2,4 milhões novos casos positivos (quase um quarto da população) desde Outubro do ano passado, até ao final da semana passada, a taxa de letalidade atinge apenas 0,14% – um valor já próximo de um surto gripal.

    Embora a explicação oficial, e dos chamados “peritos”, aponte sempre o grande contributo da vacinação para estes baixíssimos níveis de letalidade, a menor agressividade da variante Ómicron parece encaixar-se melhor como hipótese mais plausível. Com efeito, se até finais de Dezembro de 2020 – o início do programa de vacinação –, a taxa de letalidade da covid-19 se situava nos 1,66%, ao longo dos primeiros nove meses de 2021 – com o plano de vacinação em curso, mas dominando então a variante Delta –, a taxa de letalidade manteve-se estável: 1,68%.

    Por esse motivo, a diminuição da letalidade a partir do final do ano passado – com a variante Ómicron a “varrer” vacinados e não-vacinados – não pode ser assim explicada apenas pela acção da vacina. Se assim fosse, a taxa de letalidade entre Janeiro e Setembro de 2021 já teria de ser necessariamente muito mais baixa do que os 1,66% observados. Sobre esta questão, fundamental e elementar, a CTVC não analisa nem se pronuncia em qualquer parecer.

    Tendo em consideração que, com a vaga de casos de infecção nos primeiros dois meses deste ano, pelo menos um terço da população portuguesa (3,4 milhões de pessoas) teve já, comprovado por teste PCR, contacto (infecção) com o SARS-CoV-2 (independentemente do regime de vacinação), uma questão se coloca: justificam-se reforços de vacina ou vale mesmo a pena (e o risco) um recuperado vacinar-se?

    Sede da Direcção-Geral da Saúde, em Lisboa.

    Embora a CTVC destaque, e bem, que “a evidência mais sólida quanto à protecção de reinfecção que pessoas que recuperaram de infecção por SARS-CoV-2 mantém, provém de estudos de reinfecção”, pouco adianta depois em números concretos.

    Para o caso português, nem sequer indica a taxa de reinfecção dos recuperados não-vacinados – e essa informação deverá constar do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) – nem tão-pouco a percentagem de reinternamentos ou mesmo de morte após uma segunda infecção.

    A este respeito, os membros da CTVC somente fazem referências mais detalhadas para os vacinados que foram depois infectados – ou seja, recuperados com imunidade natural e vacinal. Para esses, a CTVC diz que “existem vários estudos em curso (..) cujos resultados, incluindo dados de segurança, devem ser conhecidos antes de serem feitas recomendações específicas sobre a administração de doses de reforço de vacinas contra a covid-19 nessas pessoas”.

    E salienta a CTVC também (e a negrito, no original) um aspecto perturbador: “os ensaios clínicos que suportaram a aprovação pela Agência Europeia de Medicamento da dose de reforço de Comirnaty [Pfizer] e Spikevax [Moderna] excluíram pessoas com infecção prévia por SARS-CoV-2”. Ou seja, quem se vacinou nestas condições, depois da recuperação, foi uma autêntica “cobaia”. Correu bem? Depende da perspectiva.

    Por um lado, os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. Por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”.

    O PÁGINA UM confirmou que esse importante detalhe não consta do consentimento informado, ou seja, quem vai a correr vacinar-se depois de recuperado, ignora estar a arriscar maiores efeitos adversos pela obtenção de nenhuma vantagem sobretudo perante as pessoas que apenas tenham imunidade através da vacina.

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    Em todo o caso, com base em diversos estudos, a CTVC acaba por afirmar neste parecer, embora com pouca convicção, que “pode ser defensável a administração de uma dose de reforço em pessoas recuperadas e vacinadas de acordo com a Norma 002/2021 da DGS que apresentem risco para infecção por SARS-CoV-2 e covid-19 grave (grupos definidos para a estratégia de reforço vacinal)”.

    Face ao elevado número de infectados durante a vaga da variante Ómicron, e que tinham o esquema vacinal completo (muitos com três doses), é previsível um difícil imbróglio, sobretudo se se mantiver em uso o certificado digital que se baseia em tomas repetidas. Com efeito, a CTVC avisa que “à data não existe evidência para recomendar a administração de doses de reforço”.

    Deste modo, se o Governo – e a própria União Europeia – decidirem manter o certificado digital em função de novas tomas de vacina contra a covid-19, então das duas uma: ou a Política ignora a Evidência, ou então “convence” a Ciência a mudar de opinião.


    Nota da Direcção

    Sendo eu um recuperado da covid-19, e parte (muito) interessada em informação que respeita à minha saúde, procurei nos últimos meses, ainda com maior enfoque, estudos e informação sobre as vantagens e desvantagens da vacinação. No meu caso em concreto, exactamente por recear aquilo que a leitura do parecer 17 revela.

    Seis meses após a minha recuperação, em Dezembro passado, realizei um teste serológico, tendo registado o valor de IgG de427,0 BAU/ml, sendo 33,8 BAU/ml o limiar positivo. Não sendo uma certeza absoluta sobre a imunidade natural, tem sido um dos melhores indicadores para aferir a capacidade do meu organismo se defender em caso de reinfecção, ademais sabendo-se que a variante dominante é muitíssimo menos agressiva.

    Dias depois do resultado do teste serológico, no dia 28 de Dezembro, como cidadão português, jornalista e director do PÁGINA UM – e acreditando que um esclarecimento seria útil, e não apenas para mim –, enderecei à directora-geral da Saúde, Graça Freitas – que é a Autoridade de Saúde Nacional –, as seguintes questões:

    1 – Gostava de saber se existe algum estudo português conhecido pela DGS (ou da sua responsabilidade) sobre o nível de anticorpos de recuperados não-vacinados. Se não existe, porque nunca foi feito? Se existe, pode ser facultado?

    2 – Existe também algum estudo científico que mostre em Portugal a evolução temporal dos valores médios de IgG após a vacinação e após infecção (e dentro deste grupo, separando assintomáticos, doentes ligeiros e doentes graves com internamento)? Se sim, pode ser facultado?

    3 – Existe algum estudo sobre eventuais diferenças em termos de efeitos adversos das vacinas entre aqueles que nunca tinham tido contacto com o vírus e queles que já tinham tido contacto (recuperados)? Se sim que diferenças foram detectadas? Pode ser facultado esse estudo?

    4 – Tendo em consideração que os níveis de IgG são indicativas de uma resposta imunitária ao SARS-CoV2, está a ser ponderado algum valor de referência mínimo (em termos de BAU/ml) abaixo do qual se recomenda a vacinação ou reforço de vacinação. Se sim, qual? Se não, porquê?

    A senhora directora-geral não respondeu. Nem ninguém por ela. Nem quando se insistiu duas e três vezes.

    A falta de informação é uma forma de desinformação. E de desrespeito pelos cidadãos. Ou pior ainda, tratando-se de questões de saúde.

    Pedro Almeida Vieira


    LEIA E DESCARREGUE OS 23 PARECERES INTEGRAIS DA COMISSÃO TÉCNICA DE VACINAÇÃO CONTRA A COVID-19


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    PÁGINA UM divulga em exclusivo o teor integral dos 23 pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19

    SERVIÇO PÚBLICO: Leia e descarregue em baixo todos os 23 pareceres não revelados pela Direcção-Geral da Saúde durante meses.


    Desde Outubro de 2021, o PÁGINA UM solicitou à Direcção-Geral da Saúde (DGS) os pareceres e outros documentos da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).
    A DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que fez um parecer favorável em 20 de Janeiro passado.

    Apesar disso, a DGS continuou a não se mostrar favorável a disponibilizar os documentos, apesar de o PÁGINA UM ter reiterado o pedido, com base no parecer da CADA.

    Somente no passado dia 4 de Março, a DGS informou o PÁGINA UM de estar disponível para publicitar os pareceres, informando também que, antes desse acto, poder-se-ia consultar os pareceres nas suas instalações.

    Apesar de dois e-mails do PÁGINA UM (dias 4 e 8 de Março) para que fosse indicada a data para consulta, a DGS nunca respondeu.

    O PÁGINA UM deslocou-se esta tarde à sede da DGS, e após uma hora de espera foi então encaminhado para uma sala, onde foi disponibilizado um dossier com os 21 pareceres da CTVC.

    Apesar de ter sido feito o pedido para obtenção de cópia digital ou fotocópias, mas, após uma espera de mais de meia hora, uma funcionária da DGS disse ao PÁGINA UM não ser possível, por agora, a primeira alternativa; e a segunda teria de ser feita com tempo e um custo de 75 cêntimos por página.

    O PÁGINA UM decidiu fotografar todas as páginas dos 23 pareceres, que estão aqui disponibilizados em formato pdf.


    1 – Parecer sobre a estratégia vacinal e grupos prioritários
    Data de homologação: 01/12/2020

    2 – Parecer sobre a vacinação de doentes covid-19 recuperados
    Data de homologação: 16/12/2020

    3 – Parecer sobre vacinação de Pessoas com 80 ou mais anos
    Data de homologação: 27/01/2021

    4 – Parecer sobre a vacinação com a vacina da AstraZeneca
    Data de homologação: 03-02-2021

    5 – Parecer sobre a inclusão de pessoas com trissomia 21 nos grupos prioritários para vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 20-02-2021

    6 – Parecer sobre a inclusão de pessoas em situação de sem-abrigo nos grupos prioritários da campanha de vacinação contra a covid-19
    Data de homologação: 31/03/2021

    7 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção por SARS-COV-2 – II
    Data de homologação: 12/04/2021

    8 – Imunidade de grupo – Campanha de vacinação contra a covid-19 em Portugal
    Data de homologação: 21/05/2021

    9 – Estratégia de aceleração da campanha de vacinação
    Data de homologação: 30/09/2021

    10 – Efectividade e cobertura vacinal – Impacto da vacinação contra a covid-19 nas medidas de Saúde Pública
    Data de homologação: 08/06/2021

    11 – Parecer sobre estratégia de vacinação – Situação epidemiológica nacional a 26/06/2021 (variante Delta)
    Data de homologação: 16/06/2021

    12 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 25/06/2021

    13 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos
    Data de homologação: 28-07-2021

    14 – Vacinação contra a covid-19 em adolescentes de 12-15 anos – Actualização
    Data de homologação: 08-08-2021

    15 – Reforço vacinal em pessoas com condições de imunossupressão
    Data de homologação: 11-08-2021

    16 – Co-administração de vacinas contra a covid-19 e vacina da gripe
    Data de homologação: 14-10-2021

    17 – Parecer sobre a vacinação de pessoas recuperadas de infecção de SARS-COV-2 – III
    Data de homologação: 21-12-2021

    18 – Grupos prioritários para dose de reforço (fase 3) – Vacinação na grávida
    Data de homologação: 02-12-2021

    19 – Vacinação contra a covid-19 em crianças com 5 a 11 anos – posição técnica
    Data de homologação: 05-12-2021

    20 – Vacinação contra a covid-19 em crianças de 5-11 anos (ÚNICO PARECER ANTERIORMENTE DIVUGADO PELA DGS)
    Data de homologação: 10-12-2021

    21 – Esquemas vacinais heterólogos – Vacinação com doses de reforço
    Data de homologação: 20-01-2022

    22 – Pessoas com imunossupressão – Vacinação com dose de reforço
    Data de homologação: 27-01-2022

    23 – Vacinação contra a covid-19 na grávida
    Data de homologação: 04-02-2022

  • Cada vez mais dirigentes da Administração Pública ignoram Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos

    Cada vez mais dirigentes da Administração Pública ignoram Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos

    Uma legislação com quase 30 anos continua a ser “meiga” para quem recusa transparência e a abertura do Estado aos cidadãos. Nos últimos tempos, além de continuarem a recusar acesso a informação pública, muitos dirigentes da res publica já nem sequer ligam às cartas da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que emite pareceres que continuam a ser não vinculativos. Ou seja, nada valem se a Administração Pública quiser. Os partidos na Assembleia da República continuam a assobiar para o ar. O estado da democracia vê-se nestes “pormenores”.


    Quase três décadas após a criação da legislação de incentivo à transparência da gestão da res publica, o modelo de acesso aos documentos administrativos está esgotado e moribundo. Um sinal, ou melhor dizendo, uma evidência, observa-se na taxa de respostas nos processos abertos pela entidade responsável pela gestão das queixas e emissão de pareceres – a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) –, que não tem parado de descer nos últimos dois anos.

    A cultura do obscurantismo na Administração Pública continua bem presente; e nos últimos tempos mostra-se em todo o esplendor, ou seja, nem sequer dão satisfações sobre a sua falta de transparência.

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    Desde 1993, de forma inequívoca, a lei portuguesa consagra o direito aos cidadãos acederem aos arquivos do Governo, Administração Pública, autarquias e mesmo entidades privadas com funções públicas, como ordens profissionais e determinadas associações e empresas que exerçam serviços públicos.

    Previsto na denominada Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), o princípio do “arquivo aberto” determina que essas entidades têm um prazo de 10 dias úteis para dar resposta aos pedidos de acesso aos diversos documentos (papel, digital, sonoro e audiovisual), sem sequer necessidade de justificar o motivos, excepto se, grosso modo, estiverem em causa dados pessoais, e mesmo assim estes podem ser expurgados.

    Contudo, como a própria Assembleia da República que aprovou esta lei já preveria a existência de dirigentes obstinados e relapsos em matérias de transparência, criou a CADA para defender os cidadãos daqueles que julgassem que poderiam tudo fazer sem dar satisfação aos cidadãos.

    A CADA, um organismo independente que funciona junto da Assembleia da República, é presidida por um juiz conselheiro e é constituída também por membros nomeados pelos deputados, Governos nacional e regionais, municípios, Ordem dos Advogados e Comissão Nacional de Protecção de Dados.

    Contudo, além da influência política na indicação dos seus membros, a acção da CADA sempre se mostrou bastante limitada, por uma simples mas marcante razão: os seus pareceres, no decurso das queixas, não são vinculativos. Ou seja, as entidades requeridas não ficam sequer obrigadas, nem os seus dirigentes são penalizados, se não cumprirem os pareceres. Se persistir a recusa após um parecer favorável às pretensões do requerente, restam os tribunais administrativos morosos e onerosos.

    Deste modo, até recentemente, a CADA constituía um mero organismo de pressão, uma espécie de provedoria, mas até isso agora parece estar a perder: nos últimos dois anos, cada vez mais entidades sujeitas à LADA deixaram de lhe responder às cartas da CADA para relatarem os motivos de não autorizarem o acesso a documentos administrativos.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM aos pareceres emitidos nos dois primeiros meses (Janeiro e Fevereiro) dos anos de 2019 a 2022 – e respeitando somente a queixas de particulares e empresas –, a tendência para colaborar com a CADA tem diminuído drasticamente.

    Número de processos com (SIM) e sem (NÂO) colaboração das entidades requeridas referente aos pareceres (provenientes de queixas) emitidos em Janeiro e Fevereiro no período 2019-2022. Fonte: CADA.

    Enquanto nos processos finalizados naqueles dois meses de 2019 e em 2020, a taxa de resposta das diversas entidades (alvo de queixas) ainda rondava valores próximos dos 70%, este ano já só se cifrou em 39%. Em 2021, a taxa de resposta era já só de 57%.

    Este ano, de entre 71 pareceres já emitidos, a CADA não obteve colaboração das entidades requeridas em 33 casos. A Administração Pública foi o grupo que mais ignorou a CADA: apenas 26 dos 42 processos tiveram resposta da entidade sob queixa. No caso das autarquias, em seis pareceres, houve quatro que não colaboraram.

    O Governo – que tem também funções de orientação das práticas da Administração e de exemplo – foi já sujeito, neste período, a três pareceres (por outras tantas queixas devidas a recusas de acesso a documentos administrativos), todas favoráveis aos requerentes. Porém, só prestou informações à CADA num dos processos, relativo à queixa do jornalista de um órgão de comunicação não identificado que solicitou ao ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, o acesso a uma carta de uma empresa, datada de 2 de Outubro, a propósito da reprivatização da CP Carga, na qual solicitava ao Governo que concluísse a privatização com a venda dos 5% que ainda são detidos pela CP – Comboios de Portugal”.

    Nos outros dois processos, nada. No primeiro caso, foi aberto no seguimento de uma queixa do Pingo Doce contra o Ministério da Administração Interna, devido à recusa de acesso a documentos relacionados com o exercício de competências da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil. No segundo caso, o queixoso foi um denominado Movimento Cívico Grupo de Lisboa, que requereu documentação na posse da Presidência do Conselho de Ministros sobre a situação pandémica e medidas, com o seu custo, adoptadas desde Maio de 2020. Saliente-se que mesmo se uma entidade pública não deter os documentos solicitados, deve então indicar quem os possa ter.

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    Tal como tem sido habitual, o sector da Saúde foi aquele que, este ano, já registou mais processos com parecer aprovado, e também o que mais ignora a CADA. Nos dois primeiros meses de 2022, em 12 dos 17 pareceres não houve colaboração por parte de entidades da Administração da Saúde.

    Neste lote encontram-se cinco pareceres solicitados pelo PÁGINA UM face ao obscurantismo da Direcção-Geral da Saúde, mas também mais sete relativos a queixas contra o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia-Espinho, a Unidade Local de Saúde do Alto Minho, o Centro de Saúde de Ponte da Barca, a Administração Regional de Saúde do Norte e os hospitais de Loures, de Amadora-Sintra e de Ponta Delgada.

    Pela amostra dos dois primeiros meses dos últimos três anos, nota-se que algumas entidades – ou seja, dirigentes, com nome – optam ostensivamente por ignorar tanto os pedidos dos requentes como os convites da CADA para se pronunciarem. Além da Direcção-Geral da Saúde, são os casos da Direcção-Geral da Administração Escolar, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, Autoridade para as Condições de Trabalho, Instituto da Segurança Social, Câmara de Grândola, Agrupamento de Escolas dos Templários (Tomar), Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.

    Instado a comentar esta situação de menosprezo pela legislação que promove o “arquivo aberto”, o presidente da CADA salienta que “responder a requerimento de acesso é um dever jurídico”, mas constitui “um dever jurídico cujo incumprimento não acarreta sanção jurídica”.

    Alberto Oliveira refere ainda que, embora a CADA “tenha o dever jurídico de convidar a entidade demandada a responder”, na verdade não existe dever jurídico de responder. “Corresponder ao convite é uma opção da entidade demandada”, esclarece este juiz conselheiro.

    Considerando que “a opção legislativa”, desde a criação da CADA em 1993, foi “uma figura próxima da do Ombudsman [uma espécie de defensor público], também sem poderes vinculativos”, Alberto Oliveira recusou emitir a sua opinião sobre algumas questões colocadas pelo PÁGINA UM, entre as quais se considerava útil a existência de obrigatoriedade de resposta ou se os pareceres da CADA deveriam passar a vinculativos com penalizações aos dirigentes que não os acatassem.

    Os últimos dados relativos ao cumprimento dos pareceres não-vinculativos da CADA são apenas referentes ao ano 2020, estimando-se que, no total de 297 pareceres favoráveis emitidos naquele período, 48 não terão sido seguidos, ou seja, cerca de 16%. Convém, no entanto, destacar que a CADA fez esse levantamento junto das entidades requeridas, e não dos queixosos. Na última década, a CADA tem emitido uma média de cerca de 430 pareceres por ano, com o máximo a ocorrer em 2018, com 556.

    No ano passado, a CADA emitiu 370 pareceres, mas tal pode não dever-se a uma redução de conflitos, mas sim a atrasos na conclusão dos pareceres. Na verdade, até nos processos que envolvem jornalistas – que são considerados prioritários –, raramente a CADA consegue agora cumprir o prazo de 40 dias úteis para emitir um parecer após a entrada da queixa. Para um cidadão comum pode atingir mais de quatro meses.

    Número global de pareceres emitidos pela CADA desde 1993 (inclui queixas, pedidos de esclarecimentos e reclamações). Fonte: CADA.

    Por exemplo, actualmente, o PÁGINA UM tem um processo a aguardar parecer da CADA desde Novembro do ano passado – ou seja, há quatro meses – relativo à recusa de acesso à base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) por parte da Direcção-Geral da Saúde. A CADA já agendou por duas vezes a votação deste parecer para se aceder a uma base de dados fundamental para entender a gestão da pandemia – e por isso, é assunto politicamente delicado.

    O presidente da CADA justifica ser “inerente ao trabalho colegial a possibilidade de um tema apresentado para apreciação necessitar de melhor reflexão para a obtenção do entendimento a ser subscrito por cada membro”, acrescentando que “o colégio é soberano na decisão de adiamento”. O juiz conselheiro Alberto Oliveira apresenta um, e apenas um, outro caso de duplo adiamento (processo n.º 339/2021), que também versava matéria sensível, neste caso um pedido de acesso ao registo disciplinar de um advogado.

  • Tuberculose diminui durante pandemia mas por subnotificação e atrasos no diagnóstico

    Tuberculose diminui durante pandemia mas por subnotificação e atrasos no diagnóstico

    Relatório da Direcção-Geral da Saúde aponta para uma redução de casos em 2020, mas antevê já um recrudescimento da tuberculose nos próximos anos. A subnotificação por atrasos no diagnóstico explica a enganadora melhoria no primeiro ano da pandemia. O PÁGINA UM também revela que, durante 2020, houve 32 doentes com tuberculosos que foram considerados doente-covid. Destes, nove morreram.


    A Direcção-Geral da Saúde admite que a tuberculose terá previsivelmente, nos próximos anos, recrudescimento do número de casos, associados “à deterioração das condições económicas e sociais, ao aumento na demora nos dias até ao diagnóstico e ao risco de formas mais graves com consequente maior morbilidade e mortalidade”.

    Este é o quadro traçado pelo relatório de vigilância e monitorização da tuberculose em Portugal relativo ao ano de 2020, que mostra uma situação favorável apenas na aparência durante o primeiro ano da pandemia.

    Com efeito, embora a DGS destaque a tendência de diminuição dos casos notificados – 14,2 casos por 100.000 habitantes, a que correspondeu 1.465 casos, menos 383 do que em 2019 – é admitido que a descida em 2020 se deveu aos efeitos da pandemia causada pelo SARS-CoV-2. De facto, nos quatro anos anteriores a 2020, a taxa de incidência estava estagnada, em redor dos 18 casos por 100.00 habitantes.

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    Sem-abrigos e estrangeiros são os grupos mais vulneráveis à tuberculose.

    Esta redução é, porém, artificial, e até denotando uma subnotificação ou mesmo uma incorrecta notificação. Através da base de dados dos internamentos de doentes-covid, que o PÁGINA UM tem vindo a divulgar, durante o ano de 2020 foram hospitalizados com teste positivo à covid-19, um total de 32 pessoas também com diagnóstico de tuberculose. Destas, nove faleceram.

    No caso concreto de óbitos atribuídos à tuberculose, a DGS indica terem ocorrido 94 durante todo o ano de 2020. Mesmo considerando as nove mortes consideradas por covid-19 mas de doentes tuberculosos, a situação portuguesa tem melhorado consideravelmente neste século. Em 2002, de acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, morreram 345 pessoas com tuberculose e em 2010 foram 205.

    Os efeitos da suspensão de muitos dos diagnósticos e exames do Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante a pandemia, em especial no primeiro ano, também se observa no aumento do número de dias desde o início dos sintomas até ao diagnóstico.

    Evolução da taxa de notificação de tuberculose em Portugal (2000-2020). Fonte: DGS.

    Em 2020, metade dos doentes com tuberculose tiveram o seu primeiro diagnóstico ao fim de 80 ou mais dias, o valor máximo registado na última década, e uma subida de 25% relativamente ao valor registado em 2010. Em dois terços dos casos, esta demora foi atribuída aos doentes, o que também denota o medo incutido nas pessoas durante a pandemia.

    Os homens continuam a ser o grupo de maior risco, representando 65% do total de casos, sendo que metade dos doentes tinha 49 ou mais anos. Nas crianças de idade igual ou inferior a cinco anos, apenas se contabilizaram 25 novos casos. Os distritos de Lisboa e Porto foram as regiões que apresentaram maior incidência, sendo que os sem-abrigos e os estrangeiros mostraram ser os grupos mais vulneráveis.

    Neste último aspecto, mostra-se particularmente a evolução da incidência na população estrangeira. No ano de 2020 já cerca de 27% dos casos de tuberculose eram de estrangeiros, sobretudo originários de Angola, Guiné-Bissau, Brasil e Cabo Verde. Em 2008 representavam apenas 14,9%.

    Evolução da demora mediana entre o início de sintomas até ao diagnóstico de Tuberculose (2010-2020). Fonte: DGS.

    Segundo o relatório da DGS, existe uma forte relação entre vulnerabilidades sociais e a incidência de tuberculose com o consumo de álcool ou de drogas ilícitas, bem como a residência comunitária, a constituírem variáveis relevantes.

    A associação da tuberculose ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) também se mantém. Em 2020, cerca de 77% dos casos notificados foram testados para VIH (85,6% em 2019) e 9% apresentavam co-infeção tuberculose/VIH.

    Para Portugal atingir os objetivos fixados pela Organização Mundial de Saúde – redução do número de mortes em 95% e a taxa de incidência em 90% até 2035 face a 2015 –, em nota incluída no relatório, a directora-geral da Saúde Graça Freitas destaca “o rastreio e tratamento gratuito e o livre acesso às consultas de tuberculose nos Centros de Diagnóstico Pneumológico”.

    Contudo, esta responsável admite que “a desaceleração na redução percentual anual da doença, associada a uma diminuição abrupta do número de casos em 2020 e ao aumento da mediana de dias até ao diagnóstico, reforçam a necessidade de definir novas estratégias e monitorizar resultados.”

  • Não sei ainda dizer qual o sabor da morte

    Não sei ainda dizer qual o sabor da morte

    Cometo, neste texto, um pecado capital. Como jornalista, não soube distanciar-me do objeto da notícia. Estou, em simultâneo, a fazer trabalho humanitário. Envolvi-me demasiado para estar agora a escrever notícias “objectivas”.


    Antes de partir, sentei-me no sofá, desliguei a televisão, pedi inspiração para um pequeno texto para publicar nas redes sociais. Ocorreu-me uma pergunta: a que saberá a morte?

    Sem resposta, comecei a arrumar a mala: duas camisolas, um casaco, dois pares de calças, dois pares de meias, um par de botas e um gorro, e outras coisas habituais e íntimas para um viajante. Bagageira e lugares preenchidos com mantimentos: além de alimentos, medicamentos e material de socorrismo, material logístico.

    A família, os amigos e os conhecidos rapidamente espalharam a novidade.

    Um dia depois, chegaram os primeiros donativos. A esposa, as amigas dela, os meus amigos ajudaram a separar e embalar os produtos. No dia seguinte já não tinha lugar em casa, nem na garagem, nem no jardim.

    Entretanto, não escrevi o texto. Apenas tive tempo para avisar os meus alunos e colegas que não daria as próximas aulas. Avisar o Pedro que, afinal, não tivera oportunidade de escrever o texto sobre as guerras que continuaram a pulular pelo Mundo nos últimos dois anos sem terem capacidade de “estancar” a pandemia.

    Em Lviv, a carrinha com mantimentos que me transportou desde Portugal.

    Parti. Julgava seguir sozinho, mas afinal saí na companhia de dois recém conhecidos, Mykola e Nazar. O primeiro ofereceu-se para ser tradutor, porque desejava buscar três familiares. O segundo queria boleia para se alistar no exército e combater russos.

    Percorremos em dois dias e meio a Europa. Espanha, França, Alemanha. Polónia, finalmente. Chegámos à vizinhança da Ucrânia. Fomos abordados pela polícia uma única vez, na fronteira francesa. Na Alemanha começámos a ver carros carregados, e algumas bandeiras ucranianas. Na Polónia, caravanas já organizadas.

    Mykola Sydor e Nazar Khamulyak, portugueses de ascendência ucraniana, que me acompanham.

    Na fronteira Polónia-Ucrânia não vimos sinais de covid-19, mesmo se, antes da invasão russa, aquele país estava ainda sob um surto, com 1,5% da sua população considerada infectada, apenas 35% vacinada.

    Aliás, se houver covid-19 por aqui, anda desmascarada! Não há máscaras em lado algum, nem certificados. Não há gente isolada nem de quarentena. Não há sintomas gripais nem gente doente.

    Há “apenas” guerra, e desde que há guerra não há máscaras – gente destemida. Dizem-me que por aí, em Portugal, há muita gente temida pela possibilidade de a chegada de ucranianos fazer ressurgir a pandemia. Quer-se vacinar tudo e todos.

    Centro de acolhimento de refugiados em Przemyśl, na fronteira polaca.

    Pelo caminho, Mykola conseguira resgatar a família sem se encontrar com ela. O “guerrilheiro” Nazar ficou tão absorvido pela multidão que encontrou que esta lhe sugou as forças com pedidos de ajuda. Trocou a frente de fogo pelas chamas do humanismo.

    Valeu-lhes, e valeu-me, o facto de serem portugueses de origem ucraniana; dominam as duas línguas na perfeição.

    Durante os primeiros dias foram-nos chegando camiões carregados. As ofertas vindas de Portugal eram rapidamente guardadas em armazéns improvisados. Na fronteira, uma correria de camionetas e de carros, num vaivém. Gratuitamente, levam os refugiados de uma fronteira para a outra. No meio do caos, alguma ordem.

    Há vida nos carregadores.

    Do lado da Ucrânia, filas de quarenta quilómetros de espera, para passar. Maridos que vêem partir a mulher e os filhos, mulheres e crianças assustadas.

    Somente as crianças aparentam felicidade. Há internet gratuita e fichas para carregar os telefones. Para muitos, isso é a ligação aos familiares, à vida. Há vida assim.

    Poucos quilómetros depois da fronteira, nas entranhas da Ucrânia, encontramos uma rotina diferente. Lviv é, apesar de tudo, uma cidade onde reina a normalidade. O comércio funciona, as pessoas circulam, vão para o trabalho, às compras, passeiam. Uma rotina.

    Mas essas são os habitantes. Para quem chega de outras cidades, como Kiev, fugindo mesmo da guerra, e pernoita em escolas e armazéns, aguarda-se apenas com ânsias a oportunidade de seguir para a fronteira.

    As estradas ucranianas na região oeste estão fortemente ocupadas por militares em postos de controlo de poucos em poucos quilómetros. Militares que não falam inglês, de pouca simpatia, mesmo para quem vem fazer serviço humanitário. São necessários alguns minutos até que nos olhem com outros olhos. Qualquer um de nós pode ser um infiltrado…

    Vídeos e fotografias são proibidos. Revistam tudo. Fazem um excelente trabalho.

    Um dos postos de controlo, anteontem à noite, no coração da Ucrânia.

    Ao distribuir alguns mantimentos pelas escolas, conforme as necessidades de cada uma, fui recebendo outros pedidos, outras moradas. Gente para transportar. Cada uma mais perto de Kiev, cada vez com maior presença militar. Até agora, estão em falta super-guerrilheiras, modelos de perfeição, que nos chegam a Portugal pelas redes sociais.

    Há gasóleo nas bombas, há gente que mantém rotinas. Em falta, mais ajuda humanitária. Mais meios, mais mãos para ajudar.

    Depois de ganhar confiança com a população local, levam-nos aos seus pontos de encontro. Um deles é uma biblioteca transformada em fábrica de construção de redes para camuflar tanques. Ali, jovens, crianças e adultos cortam panos e vestem as redes, ao som de piano, guitarra. E cantos. Nunca vi biblioteca com tantos jovens. Há destes momentos deliciosos em tempos difíceis, onde se encontra a Humanidade.

    Biblioteca em Lviv, onde se lê, canta e se costuram camuflados para tanques ucranianos.

    Sabendo que me aproximo de Lviv, pedem-me para levar mantimentos, fazem-me entregas, abraçam-me. Por instantes esqueço os quatro graus negativos.

    Recordo a minha família.

    No Lviv International Media Center encontram-se os jornalistas que requisitam as credenciais, como eu, para o PÁGINA UM. Internet, computadores, casa de banho e bebidas quentes. Um luxo nestas paragens, e nestes tempos.

    Para muitos enviados especiais, um lugar fantástico para apresentar directos, para copiar ou reescrever as notícias das agências internacionais. Estou grato a este centro, permitiu-me internet gratuita por instantes.

    No centro de imprensa de Lviv.

    Entretanto, um mea culpa.

    Cometo, neste texto, um pecado capital. Como jornalista, não soube distanciar-me do objeto da notícia. Estou, em simultâneo, a fazer trabalho humanitário. Envolvi-me demasiado para estar agora a escrever notícias “objectivas”.

    E também não sei ainda dizer qual o sabor da morte. Mas sei dizer-vos que a vida é deliciosa. Mesmo aqui, na Ucrânia.

  • PÁGINA UM obtém mais uma vitória na luta pela transparência com direito de acesso ao inquérito sobre a Operação Marquês

    PÁGINA UM obtém mais uma vitória na luta pela transparência com direito de acesso ao inquérito sobre a Operação Marquês

    O Conselho Superior da Magistratura quis saber qual o motivo para um jornalista querer ter acesso ao inquérito sobre a distribuição do juiz da Operação Marquês. O PÁGINA UM recusou aceitar essas condições anticonstitucionais e apresentou queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. O PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que, ao longo deste processo, não aceitou um “não” do CSM.


    O Conselho Superior da Magistratura (CSM) deve conceder ao PÁGINA UM acesso a todos os documentos do inquérito interno relativo à escolha inicial do juiz Carlos Alexandre para dirigir a Operação Marquês, iniciada em 2014, e que resultou na prisão preventiva do ex-primeiro-ministro José Sócrates.

    Esta é a posição da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), através de um parecer solicitado pelo PÁGINA UM, no decurso da recusa do CSM de ceder essa documentação, e que foi aprovado nos últimos dias de Fevereiro passado.

    Conselho Superior da Magistratura quis sempre manter secretismo sobre os meandros da Operação Marquês.

    Recorde-se que o PÁGINA UM – que noticiou em primeira-mão que José Sócrates obtivera um parecer da CADA que lhe deu razão sobre o direito de acesso a esse inquérito – solicitou também o acesso em 2 de Novembro do ano passado.

    Contudo, o CSM sempre recusou esse acesso ao PÁGINA UM, tendo mesmo a sua Encarregada da Protecção de Dados, Ana Sofia Wengorovius – após uma troca de e-mails, exigido que se esclarecesse “qual a finalidade do acesso e da recolha” dos documentos solicitados. Esta juíza, através de um longo parecer de sete páginas, defendia o secretismo deste inquérito, que na verdade se trata da “averiguação sumária nº 2018-346/AV”.

    No seu parecer, Ana Sofia Wengovorius argumenta que o inquérito, mesmo se arquivado, se mantinha “confidencial”, porque se deveria ter “em vista assegurar a defesa dos direitos fundamentais de personalidade como o direito ao bom nome e à reputação”, invocando a Constituição. E que a divulgação por parte de um jornalista poderia violar ou afectar “os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”. Nessa medida, esta responsável do CSM dizia que o jornalista deveria obrigatoriamente de invocar um “interesse atendível ou legítimo”.

    Ora, como o PÁGINA UM invocara de forma implícita esse interesse atendível (porque o pedido foi feito por um jornalista) e explicitamente (repetindo, por palavras, quais as funções de um jornalista), seguiu uma queixa para a CADA.

    Primeira página do parecer do CADA que dá razão ao PÁGINA UM.

    No parecer da CADA, presidida pelo juiz-conselheiro Alberto Oliveira, e que deu razão às pretensões do PÁGINA UM, destaca-se ser “doutrina (…) que o processo de inquérito e o processo de averiguações concluídos são livremente acessíveis (…), respeitando mesmo a matéria funcional”, o que incluiu mesmo “os depoimentos prestados, os quais são determinantes para compreender a globalidade do processo e a razão por que a administração decidiu num determinado sentido”. A CADA defende apenas que devem ser “expurgados”, ou seja, rasurados a negro, os dados “irrelevantes para a concreta decisão administrativa, designadamente, moradas, números de telefone, números de identificação civil e fiscal dos intervenientes”.

    Em suma, a existência desses dados nos documentos originais não implica que aqueles possam manter-se secretos. Além disso, devem manter-se os nomes e mesmo as funções das pessoas envolvidas.

    A atribuição do processo ao juiz Carlos Alexandre terá sido executada por uma funcionária judicial sem a presença de Ivo Rosa, o outro juiz que então integrava o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). Segundo o jornal ECO, a defesa de Sócrates alega que esta funcionária que fez a distribuição “já vinha a trabalhar com Carlos Alexandre há anos” em outro tribunal, e que “não era ela que estava para ser nomeada escrivã do TCIC” em Setembro de 2014.

    De acordo com o Diário de Notícias, o juiz Carlos Alexandre terá sido entretanto constituído arguido no mês passado, depois de o Tribunal da Relação de Lisboa ter aceitado o requerimento de abertura de instrução apresentado por José Sócrates. Fonte judiciária adiantou também à Agência Lusa que por despacho do juiz desembargador Jorge Antunes foi ainda declarada aberta a instrução pedida por José Sócrates. O juiz Carlos Alexandre e a escrivã Maria Teresa Santos assumiram a qualidade formal de arguidos nesse processo.

  • Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

    Estamos melhor ou pior do que antes da pandemia?

    Apesar da falta de transparência da Direcção-Geral da Saúde (na divulgação das causas de morte) e do Infarmed (sobre os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19), o PÁGINA UM faz uma análise detalhadas sobre a mortalidade por todas as causas por grupo etário, comparando os primeiros 60 dias do ano de 2021 com os períodos homólogos de 2016 a 2021. Estamos muito melhor do que no ano passado, mas os números são, para algumas idades, mais elevados do que seria expectável. A pandemia pode já ter acabado, mas os seus efeitos indirectos não.


    Os dois primeiros meses do ano passado foram catastróficos. Os surtos de covid-19, a par do colapso na assistência hospitalar do Serviço Nacional de Saúde em enfrentar também uma vaga de frio sobretudo em Janeiro, causou uma mortandade nunca vista. Nos primeiros 60 dias de 2021 morreram, segundo dados oficiais, 32.777 pessoas, ou seja, uma média de 546 pessoas por dia. A média diária no quinquénio anterior ao surgimento da covid-19 em território português (2016-2020) foi de 377 óbitos, o que mostra bem a verdadeira dimensão da pandemia neste período, embora não possa, e não deva, ser apontada a covid-19 como exclusiva responsável.

    Entretanto, durante a pandemia, foram introduzidas outras relevantes variáveis. Além de um acréscimo de mortalidade por todas as causas observado em Portugal sobretudo no primeiro ano da pandemia, os programas de vacinação vieram, por um lado, dar esperança de redução da letalidade da covid-19, mas também introduziram um receio sobre os seus efeitos adversos quer a curto quer a longo prazo.

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    Embora o PÁGINA UM seja intransigente defensor de análises aprofundadas com base em dados detalhados, nota-se que, infelizmente, as autoridades de saúde são particularmente adeptas do obscurantismo, não cedendo informação essencial.

    De facto, uma análise dos efeitos da pandemia necessitaria, obrigatoriamente, de informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) para aferir as causas distintas da mortalidade para que, dessa forma, se conseguisse separar o efeito directo da covid-19 e a variação do peso das outras doenças na mortalidade total.

    De igual modo, para dar resposta às preocupações sobre os efeitos adversos das vacinas, seria fundamental analisar as causas de morte desde o início dos programas de vacinação e comparar com anos anteriores.

    Não sendo tal (ainda) possível, o PÁGINA UM predispôs-se a fazer uma análise aos primeiros 60 dias de cada ano, entre 2016 e 2022, considerando a mortalidade total (todas as causas). Esta análise teve em conta a prevalência e incidência dos diferentes surtos gripais (2016-2020) e a situação pandémica nos anos de 2021 (ainda com fraca taxa de vacinação) e 2022 (com elevada taxa de vacinação, incluindo reforço de terceira dose nos grupos etários mais idosos).

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    Este breve exercício serve sobretudo para se ter uma rápida percepção sobre a situação pandémica actual face não apenas ao pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021) mas também ao período anterior à pandemia. Saliente-se que, por norma, os dois primeiros meses do ano, na sua totalidade inseridos no Inverno, são os mais mortíferos.

    Caso se pretenda comparar ano a ano deve ter-se em consideração os efeitos dos surtos gripais, que constituem, no Inverno, o principal factor de agravamento da mortalidade.

    Assim temos as seguintes situações:

    2016 – surto gripal com fraca incidência e agressividade;
    2017 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
    2018 – surto gripal com média incidência e agressividade;
    2019 – surto gripal com elevada incidência e agressividade;
    2020 – surto gripal (anteriormente ao surgimento da covid-19 em Portugal) com fraca incidência e agressividade.

    Note-se também que os surtos gripais (com efeitos na mortalidade por infecções respiratórias) nunca tiveram impacte nos grupos etários abaixo dos 45 anos, sendo muito pouco relevante até aos 65 anos, e ganhando importância sobretudo a partir dos 75 anos e ainda com mais relevo nos maiores de 85 anos.

    Nesse sentido, as principais conclusões que se pode retirar desta análise do PÁGINA UM são as que apresentam seguidamente, por grupo etário.

    Menores de 1 anos

    Impacte da pandemia completamente nula, e indirectamente até acabou por se observar uma redução na taxa de mortalidade por todas as causas, mesmo tendo em conta a redução dos nascimentos. Note-se que o número de óbitos nesta idade é bastante baixa, tendo em consideração que se registam, em média, cerca de 80 mil nascimentos por ano.

    Óbitos por todas as causas dos menores de 1 ano nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 1 e 4 anos
    Impacte da pandemia completamente nula. Nesta faixa etária a mortalidade por todas as causas é, felizmente, bastante baixa, e os surtos gripais e a covid-19 não têm nem nunca tiveram qualquer relevância. Também não se observam quaisquer efeitos indirectos adversos decorrentes da pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 1-4 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 5 e 14 anos

    Impacte da pandemia completamente nulo, mesmo antes das vacinas. Face aos anos anteriores, 2021 foi mesmo aquele com menor mortalidade (10). Neste grupo etário, os óbitos totais em 2022 foram, no período em análise (60 dias), superiores aos de 2021 (mais cinco óbitos), mas mesmo assim abaixo da média. O programa vacinal contra a covid-19 serviu literalmente para nada.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 5-14 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 15 e 24 anos

    Em comparação com os anos anteriores, 2022 foi o ano com maior número de óbitos neste grupo etário (64), registando-se 12 mortes a mais do que em 2021 (antes do programa vacinal). Em todo o caso, parece-me prematuro, e especulativo, associar o programa vacinal a este excesso de óbitos, uma vez que os números de 2022 estão próximos de alguns do outros anos (2017 e 2019).

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 15-24 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 25 e 34 anos

    Embora neste grupo etário a mortalidade por todas as causas seja ainda bastante baixa, no ano passado registou-se um incremento significativo (108 óbitos) face à média do quinquénio anterior (92 óbitos), não podendo associar-se exclusivamente à covid-19, porquanto houve também um pior acompanhamento das outras doenças. Em todo o caso, a mortalidade por todas as causas em 2022 já se encontra em linha com a média.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 25-34 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 35 e 44 anos

    A pandemia não aparenta ter tido impacte na mortalidade neste grupo etário, mesmo se os valores em 2021 (no pior período) foi ligeiramente superior à média do quinquénio anterior (286 vs. 271). Contudo, foi mesmo assim foi inferior ao ano de 2016, que teve até um surto gripal relativamente fraco.

    A mortalidade total em 2022 foi ligeiramente abaixo da média do quinquénio anterior à pandemia (269 vs. 271), mas não aparenta ter qualquer relação com o programa vacinal, tanto mais que o valor está acima do registado em 2020 (237 óbitos).

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 35-44 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 45 e 54 anos

    A pandemia teve já um efeito relevante na mortalidade em 2021, com um acréscimo de 17% em relação ao quinquénio anterior (954 vs. 814), chegando a atingir um agravamento de quase 26% face ao ano de 2020. A mortalidade em 2022 encontra-se abaixo da registada em qualquer dos cinco anos anteriores à pandemia, o que pode resultar mais da perda do subgrupo dos mais vulneráveis (falecidos durante a pandemia) do que um efeito directo da vacina.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 45-54 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 55 e 64 anos

    Não parece existirem dúvidas do forte impacte da pandemia (directa e indirectamente) na mortalidade nos primeiros dois meses de 2021 face aos anos do quinquénio anterior, com um excesso de 30%. O número registado em 2022 (1.740) parece-me bastante preocupante, porquanto, com a covid-19 muito menos agressiva e letal, a mortalidade deveria ser muito mais baixa do que a média, o que não sucede. Isso pode indiciar efeitos de outras doenças que não foram suficientemente tratadas durante a pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 55-64 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 65 e 74 anos

    Também nesta faixa etária, a mortalidade em 2021 foi extraordinariamente elevada face à média do quinquénio anterior à pandemia (mais 49%), o que correspondeu a mais 1.494 óbitos.

    A hecatombe neste grupo etário causado pela covid-19 e por outras doenças que passaram a ter menor acompanhamento deveria ter tido como consequência uma menor mortalidade nos tempos mais recentes, mas tal não se está a observar.

    Com efeito, mesmo com a covid-19 menos agressiva, ausência de surtos gripais e população com taxa de vacinação quase total, o número de óbitos por todas as causas foi nos primeiros 60 dias de 2022 superior a qualquer ano do quinquénio anterior à pandemia.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 65-74 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Entre 75 e 84 anos

    Tal como no grupo etário anterior, a pandemia teve nos primeiros dois meses de 2021 um forte impacte na mortalidade por todas as causas, com um acréscimo de 42% face à média do quinquénio anterior, resultante de mais 2.850 óbitos. Contudo, ao contrário do que sucede com o grupo etário dos 65-74 anos, observa-se aqui um efeito de “fortalecimento” (ou seja, uma menor mortalidade subsequente a um efeito negativo que implicou a morte dos mais vulneráveis).

    De facto, a mortalidade total em 2022, no período em análise, foi significativamente mais reduzida do que a média no quinquénio anterior à pandemia (6.346 vs. 6.729). Porém, mesmo assim seria expectável valores mais baixos, o que pode indiciar que existem problemas decorrentes da forma como se implementaram as estratégias de saúde pública durante da pandemia, que implicou um enfraquecimento generalizado da população mais idosa.

    Óbitos por todas as causas no grupo etário 75-84 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Maiores de 85 anos

    Durante os primeiros dois meses de 2021, a pandemia teve efeitos extraordinariamente negativos na população mais idosa, com um excesso de mortalidade de 53% face à média do quinquénio anterior (14.955 vs. 9.785), ou seja, mais 5.170 óbitos.

    Este acréscimo foi, aliás, o culminar de meses anteriores, sempre com excesso de mortalidade neste grupo etário, o mais vulnerável à covid-19. No ano de 2022, apesar deste grupo etária quase integralmente (e com dose de reforço) e de um Inverno extremamente amenos e com actividade gripal nula, a mortalidade nos dois primeiros meses esteve acima da média do quinquénio anterior à pandemia (10.156 vs. 9.785).

    Tendo em consideração a hecatombe da pandemia (directa e indirectamente) neste grupo etário, seria expectável agora um número de óbitos muitíssimo menor. Como tal não se observa, tudo indica que subsistem problemas já estruturais decorrentes da gestão da pandemia, mormente ao nível do (des)acompanhamento de doenças crónicas.

    Óbitos por todas as causas nos maiores de 85 anos nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    População global

    Os primeiros dois meses de 2021 foram particularmente dramáticos, com um excesso de mortalidade por todas as causas de 45% face à média do quinquénio anterior (32.777 vs. 22.606), ou seja, um acréscimo de 10.171 óbitos. Note-se, contudo, como atrás se foi referindo, que o impacte esteve longe de ser generalizado. Cerca de 51% deste excesso esteve concentrado na população com mais de 85 anos, que representa pouco mais de 3% da população portuguesa.

    Se considerarmos a população com mais de 75 anos, esse valor sobe para 79%, o que demonstra o particular impacte da pandemia (e dos seus efeitos colaterais) nos grupos etários mais avançados.

    Óbitos por todas as causas na população portuguesa nos primeiros 60 dias de 2016 a 2022. Fonte: SICO.

    Na verdade, no seu pior período (Janeiro e Fevereiro de 2021), a pandemia não teve qualquer impacte no vasto grupo dos menores de 45 anos (que representam quase metade da população portuguesa). O excesso de mortalidade apenas teve um contributo de 1% no grupo dos 45-54 anos, e de 5% no grupo dos 65-74 anos.

    Um ano depois desta situação, é curioso observar que a mortalidade total se encontra na linha com a média anterior à pandemia, o que parecendo uma boa notícia, não o é. Seria expectável que os valores da mortalidade total estivessem muito abaixo, tendo em conta a “limpeza” dos mais vulneráveis. Por outro lado, mostra-se preocupante observar os “comportamentos” distintos entre os diferentes grupos etários.

  • PÁGINA UM obriga Direcção-Geral da Saúde a divulgar documentos que escondeu durante mais de quatro meses

    PÁGINA UM obriga Direcção-Geral da Saúde a divulgar documentos que escondeu durante mais de quatro meses

    A Direcção-Geral da Saúde escondeu desde Outubro o acesso aos documentos solicitados sobre os trabalhos da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV), mesmo após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Disse hoje que vai disponibilizar todos os pareceres daquela entidade no seu site. Uma vitória do jornalismo sobre o obscurantismo da Administração Pública.


    Após contínuas diligências do PÁGINA UM, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) promete agora publicar a totalidade de todos os pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) realizados no decurso da pandemia. Até agora apenas se conhece o parecer relativo às crianças, divulgado em Dezembro passado, mas nunca foi disponibilizada, nem permitido o acesso, a qualquer documentação sobre os trabalhos dessa entidade criada por Graça Freitas em Novembro de 2020.

    clear glass bulb on human palm

    A CTVC, constituída por um vasto conjunto de especialistas em medicina e epidemiologia, tem como funções, entre outras, recomendar grupos-alvo da vacinação COVID-19 e a sua priorização, e ainda propor e acompanhar o desenvolvimento de estudos sobre a vacinação e as vacinas utilizadas em Portugal.

    Esta decisão da DGS em conceder acesso universal aos documentos foi comunicada esta tarde ao PÁGINA UM, e aparenta constituir o epílogo de uma árdua e solitária “batalha” para o acesso a documentação vital para a compreensão da pandemia e a avaliação da gestão das políticas de saúde.

    E constitui sobretudo uma mudança radical desta entidade, que nunca se mostrou, até agora, favorável à prática do chamado “arquivo aberto”.

    Com efeito, o PÁGINA UM começou há quatro meses a solicitar o acesso a esta documentação, ainda quando estava a preparar o projecto jornalístico.

    Em 26 de Outubro do ano passado, foi endereçado um pedido expresso à DGS, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), para “acesso a todos e quaisquer pareceres técnicos, pareceres e outros documentos considerados documentos administrativos” relacionados com a CTVC.

    O PÁGINA UM referiu então que deveriam ser igualmente disponibilizados os ofícios enviados por Graça Freitas à ministra da Saúde, Marta Temido, “contendo o(s) dito(s) parecer(es) e recomendações, e também todos e quaisquer documentos escritos ou sob a forma áudio ou audiovisual de especialistas consultados pela CTVC”, bem como as actas de reuniões.

    A DGS remeteu-se ao silêncio, e o PÁGINA UM apresentou uma queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em 11 de Novembro.

    A CADA apenas se pronunciaria em 20 de Janeiro do presente ano – 48 dias úteis após a queixa, sendo que a legislação lhe impõe um máximo de 40 dias para uma decisão –, através de um parecer em que referia que, “no quadro exposto, salvo razão para alguma não satisfação do pedido, que haverá de ser a entidade requerida [DGS] a comunicar directamente ao requerente [PÁGINA UM] deverá ser facultado o acesso” aos documentos da CTVC.

    Cópia do e-mail enviado hoje ao PÁGINA UM pela Direcção-Geral da Saúde

    Saliente-se que a DGS, que nem sequer respondera à CADA quando convidada a pronunciar-se, tinha de dar acesso ao documento ou dar uma justificação ao PÁGINA UM no prazo de 10 dias úteis, ou seja, até 3 de Fevereiro. Também nada fez.

    O PÁGINA UM também procurou saber, junto dos partidos com assento no próximo Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, PCP, Livre e PAN), que comentários faziam sobre esta atitude de recusa da DGS, mas não obteve qualquer resposta aos e-mails enviados em 21 de Fevereiro. Nenhum, partido, note-se, mostrou interesse em ver a DGS a cumprir um parecer da CADA e a aplicar o princípio do “arquivo aberto” da Administração Pública, consagrado numa legislação criada já em 1993.

    Recorde-se ainda que o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação nacional que, durante a pandemia, solicitou documentação escondida pela DGS.

    Até à data, o PÁGINA UM já solicitou informação distinta, mas bastante detalhada, em oito situações concretas, invocando sempre a LADA. Com excepção de um pedido ainda com o prazo legal de 10 dias em curso, a directora-geral da Saúde tem optado até agora, e de forma sistemática, em indeferir tacitamente – isto é, opta por manter o obscurantismo da Administração Pública, e nem sequer responde.

    A abertura agora da DGS em disponibilizar os documentos da CTVC, após todas as diligências do PÁGINA UM, pode ser assim o princípio de uma nova era.

  • Estudo oficial em Nova Iorque assume que vacina contra a covid-19 vale quase nada ao fim de um mês

    Estudo oficial em Nova Iorque assume que vacina contra a covid-19 vale quase nada ao fim de um mês

    A eficácia relativa da vacina da Pfizer/BioNTech contra a covid-19 em crianças do Estado de Nova Iorque caiu tão rapidamente ao fim de apenas um mês que as suas vantagens, face às incertezas sobre efeitos adversos a longo prazo e aos riscos de miocardite, se mostram mais do que questionáveis.


    Um estudo realizado pelo Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque, e divulgado ontem no site medRxiv – ainda a necessitar de revisão pelos pares (peer review) – revela que durante a vaga da variante Omicron, a eficácia das vacinas ao fim de um período de 28 a 34 dias era apenas de 12% para as crianças dos 5 aos 11 anos. Nos adolescentes (12-17 anos), a eficácia era um pouco melhor: rondava ainda os 50% ao fim do mesmo período.

    O impacte deste estudo tem tido destaque assinalável nos principais órgãos de comunicação social dos Estados Unidos, entre os quais o New York Times, CNBC, NBC News e CNN, e mesmo deste lado do Atlântico, como o The Guardian.

    Envolvendo 365.502 crianças e 852.384 adolescentes vacinados naquele Estado norte-americano – com uma população quase o dobro da portuguesa –, o estudo comparou a incidência de casos positivos e hospitalizações deste grupo com não-vacinados da mesma idade entre finais de Novembro de 2021 e Janeiro deste ano, ou seja, em pleno surto da Omicron.

    Recorde-se que a actual vacina da Pfizer foi desenvolvida para combater a variante Alpha do SARS-CoV-2, sendo que a Omicron, agora largamente dominante, se tem revelado de maior transmissibilidade, mas também de muito menor agressividade. E também se deve salientar que as autoridades de saúde norte-americana (FDA) e europeia (EMA) autorizaram doses menores para crianças: apenas 10 microgramas por dose em vez das habituais 30 microgramas nas restantes idades.

    De acordo com o estudo norte-americano, analisado pelo PÁGINA UM, comparando crianças vacinadas e não-vacinadas, ainda se observou uma diferença significativa nas taxas de incidência na semana de 13-19 de Dezembro: 39 e 122 por 100.000, respectivamente, o que significava que a eficácia das vacinas na incidência era então de 68%. Nas hospitalizações essa eficácia inicial era de 100%, embora nos não-vacinados os números de internamentos fossem bastante baixos: 0,22 hospitalizações por 100.000 crianças, ou seja, 0,00022%.

    woman hiding on balloon

    Com o avançar do tempo – e também com o surto da variante Omicron a atingir o seu auge no meio do Inverno –, sendo certo que a incidência aumentou tanto nas crianças vacinadas como nas não-vacinadas, a razão da taxa de incidência – ou seja, a proporção da incidência de casos positivos entre não-vacinados e vacinados – desceu abruptamente. Se na semana de 13-19 de Dezembro ainda era de 3,1; três semanas mais tarde (3-9 de Janeiro) já só era de 1,9, situando-se em 1,1 na semana de 24-30 de Janeiro. Significa assim que os vacinados estavam já praticamente desprotegidos. Ou, do ponto de vista da eficácia das vacinas, esta só reduzia o risco em 12%.

    Em relação às hospitalizações das crianças, o efeito de decréscimo não se revelou tão drástico, mas mesmo assim foi muito significativo. Na semana de 24-30 de Janeiro, as hospitalizações de crianças nova-iorquinas não-vacinadas era de 0,60 por 100.000, enquanto as vacinadas eram de 0,31, o que significava uma razão da taxa de incidência de apenas 1,9 e uma eficácia da vacina somente de 48%.

    Note-se também, mais uma vez, que as hospitalizações nestas faixas etárias são bastante baixas tanto para os vacinados como para os não-vacinados. Com efeito, se aplicado a Portugal – com cerca de 600 mil crianças neste grupo etário –, significaria que, na última semana de Janeiro, seriam internadas por covid-19 entre três e quatro crianças se não houvesse programa de vacinação, e entre uma e duas se esse programa tivesse atingido todas. Recorde-se, ainda, que no nosso país ainda não se registou qualquer morte em crianças atribuída à covid-19.

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    Para os adolescentes nova-iorquinos, a tendência de decréscimo abrupto da eficácia das vacinas também se observou ao longo do surto da Omicron. Se em relação à protecção contra a infecção (medida em termos de incidência), a vacina mostrava uma eficácia de 85% em finais de Novembro, em meados de Janeiro já só rondava os 50%.

    Nas hospitalizações, a eficácia mesmo assim manteve-se mais estável, embora com tendência também decrescente. Na segunda semana de Dezembro rondava os 95%, mas em finais de Janeiro já se situava nos 73%. Note-se também, mais uma vez, que as hospitalizações em adolescentes por covid-19 são raras, tanto para vacinados como para não-vacinados. Na semana de 24-30 de Janeiro, observou-se que 0,00136% dos adolescentes não-vacinados foram internados por covid-19, enquanto essa percentagem era de 0,00037% para os adolescentes vacinados.

    Os autores do estudo, todos pertencentes à Autoridade de Saúde do Estado de Nova Iorque – um dos mais rígidos na implementação de programas de vacinação –, mantêm, contudo, uma opinião favorável às vacinas da Pfizer, considerando apenas ser necessário “estudar a dosagem alternativa” para crianças, e sugerindo ainda ser preciso manter “o uso de máscaras, para prevenir infecção e transmissão”.

    Os resultados deste estudo também colocam ainda mais em causa a eficácia do uso de certificados digitais como instrumentos de controlo da pandemia, uma vez que aqueles têm, actualmente, no espaço europeu, uma duração de nove meses.

  • Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    Estudo mostra que segunda dose da Pfizer aumenta em sete vezes risco de miocardite em adolescentes

    A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 e a Direcção-Geral de Saúde decidiram dar duas doses de vacinas em adolescentes. Investigação em Hong Kong, publicada anteontem, revela que risco de miocardites dispara na segunda toma em comparação com a primeira dose. Face aos resultados preliminares, o território chinês já alterou a política de vacinação para adolescentes desde Setembro do ano passado. Em Portugal não se sabe quantos adolescentes tomaram duas doses nem quantas foram as miocardites registadas por causa da vacina contra a covid-19.


    Estudos internacionais começam a revelar ter sido um erro vacinar adolescentes contra a covid-19, sobretudo em rapazes e administrando duas doses. Uma nova pesquisa, publicada anteontem na prestigiada revista JAMA Pediatrics, da American Medical Association, revelou que após a toma da segunda dose da vacina da Pfizer por adolescentes de Hong Kong se observou uma incidência de 39 casos de miocardites por 100.000 habitantes, ou seja, por cada 2.563 adolescentes vacinados com duas doses, um desenvolveu aquela grave infecção do coração.

    Este problema levou, aliás, aquele território sob administração da China passasse a optar por apenas vacinar adolescentes com uma dose, uma vez que, neste caso, a incidência neste caso se revelou muito mais baixa (cerca de 5 casos por 100.000 vacinados). Em relação às adolescentes, o risco mostrou-se muito inferior: os rapazes apresentaram uma incidência seis vezes superior às raparigas na primeira toma (5,27 vs. 0,90 por 100.000 casos) e de quase oito vezes na segunda toma (39,02 vs. 4,97 por 100.000 casos).

    woman injecting girl's left arm

    Este estudo de coorte – que abrangeu adolescentes de ambos os sexos, dos quais 162.518 tomaram duas doses e 62.042 apenas uma dose – desenvolveu-se entre 10 de Março e 18 de Outubro do ano passado. Mas os resultados preliminares terão já mostrado ser evidente e elevado o risco de miocardites, pelo que as autoridades chinesas decidiram, em 15 de Setembro passado, que não se deveria administrar dose dupla.

    Recorde-se que em Portugal, a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTCV) recomendou a vacinação universal quer para adolescentes quer para crianças. O polémico parecer sobre a vacinação de crianças feito a pedido da Direcção-Geral da Saúde (DGS) foi tornado público em Dezembro, por pressão política, mas não o referente aos adolescentes nunca foi revelado, nem qualquer outro.

    O PÁGINA UM obteve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) que considera que a DGS teria de disponibilizar publicamente toda a documentação da CTVC, mas a directora-geral da Saúde, Graça Freitas, mantendo uma postura de obscurantismo, continua a recusar essa obrigação legal e ética.

    O PÁGINA UM tentou, no início da passada semana, obter comentários sobre esta matéria de todas as forças políticas com assento no futuro Parlamento (PS, PSD, Chega, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal, PAN e Livre), mas nenhuma mostrou ainda qualquer preocupação em responder.

    Aliás, o secretismo da DGS chega ao ponto de nem sequer divulgar, no seu boletim diário do plano de vacinação, o número de adolescentes vacinados entre os 12 e aos 17 anos, nem indica se vai recomendar doses de reforço ao longo deste ano.

    De igual modo, o Infarmed mantém a recusa de permitir ao PÁGINA UM o acesso ao Portal RAM, que identifica e quantifica os efeitos adversos das vacinas em cada idade.

    Em carta à CADA, o presidente do Infarmed, Rui dos Santos Ivo, defende que o acesso aos dados do Portal RAM, “recolhidos exclusivamente no âmbito da farmacovigilância, correndo o risco de poderem ser analisados por não-especialistas, tem um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    [N.D. O director e jornalista do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, é sócio da Associação Portuguesa de Epidemiologia]

    Estes novos dados do estudo de Hong Kong mostram também que, afinal, os riscos de miocardites em adolescentes após a toma da vacina contra a covid-19 são muito superiores àqueles que foram apontados pela Pfizer e até pelos estudos iniciais que, por exemplo, a própria CTVC utilizou.

    Em Dezembro passado, os membros da CTVC usaram estudos não publicados e sem revisão de pares (peer review), ignorando também as recomendações de diversos pediatras para se avançar para a vacinação apenas de crianças e adolescentes de risco.

    Também anteontem, um estudo publicado na revista Current Issues in Molecular Biology por investigadores, revelou que a vacina da Pfizer “é capaz de entrar na linha celular de fígado humano”, tendo sido utilizadas células hepáticas em vitro. Os investigadores têm estado, aliás, a procurar conhecer se existe uma relação directa entre a vacinação contra a covid-19 e casos de hepatite autominume.