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  • Guerra na TV: ‘Cartel dos debates’ contestado pela CMTV e Now

    Guerra na TV: ‘Cartel dos debates’ contestado pela CMTV e Now

    A campanha para as legislativas deste domingo de 2025 não tem sido apenas palco de confronto entre partidos – e não há apenas queixas dos partidos sem assento parlamentar. Nos bastidores das televisões, fora do ecrã, travou-se também, nas últimas semanas, uma acesa mas mais discreta guerra, envolvendo audiências, monopólios e acusações de práticas anticoncorrenciais.

    A protagonista deste conflito foi a Medialivre — proprietária da CMTV e do canal informativo News Now — que, apesar das crescentes subidas nas audiências, foi liminarmente afastada da organização dos debates eleitorais transmitidos pelas empresas de media com canais generalistas (RTP, SIC e TVI), que também usaram os seus canais por subscrição.

    Debate entre Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro transmitido no dia 30 de Abril pela RTP1, SIC e TVI.

    A decisão de exclusão, segundo apurou o PÁGINA UM, partiu da ‘aliança informal’, ao melhor estilo do oligopólio, formada pela RTP, SIC e TVI, que, à semelhança do modelo de 2024, celebrou um acordo com os partidos com assento parlamentar para realizar os tradicionais 28 debates a dois entre os principais candidatos, entre os dias 7 e 30 de Abril. Dos 28 confrontos, 13 foram emitidos nos canais generalistas RTP1, SIC e TVI (incluindo um debate em simultâneo, o mais apetecível, entre Luís Montenegro e Pedro Numo Santos), e os restantes 15 distribuídos pelos seus canais temáticos — RTP3, SIC Notícias e CNN Portugal. Em paralelo, a RTP programou ainda um debate com todas as candidaturas com assento parlamentar (4 de Maio) e outro com as restantes forças políticas (6 de Maio).

    Canais da Medialivre ‘afastados’ dos debates pelas concorrentes.

    Perante este afastamento, a Medialivre recorreu inicialmente à Comissão Nacional de Eleições (CNE), tendo depois apresentado uma queixa formal à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no passado dia 8 de Abril, exigindo uma análise urgente por considerar estar em causa uma “grave violação do pluralismo, da igualdade de tratamento entre operadores e do direito à informação”. Apesar de a Medialivre não deter canais generalistas, a quota de audiência da CMTV este mês está nos 6,3%, superando largamente a SIC Notícias (2,4%) e a CNN Portugal (2,6%). Mesmo o novo canal Now está já com 1,4% em Maio, ultrapassando a RTP3 (1,0%). A Medialivre argumenta que os seus canais possuem “relevância nacional” e capacidade técnica “suficiente para realizar e cobrir debates eleitorais”.

    Na sua queixa, a Medialivre acusou os operadores concorrentes – que, embora estejam há muito mais tempo no mercado, não têm tido a mesma capacidade de investimento – de promoverem uma “mercantilização do espaço informativo eleitoral”, trocando o interesse público por lógicas de exclusividade comercial, o que “limita injustificadamente a diversidade de fontes de informação” e marginaliza o papel de outros operadores fora da troika televisiva. E acrescentou ainda que o acordo das televisões generalistas com os partidos configurava uma prática anticoncorrencial, afastando canais que poderiam alargar o alcance e o pluralismo do discurso democrático.

    No âmbito do processo aberto pela ERC, as empresas dos canais generalistas (RTP, SIC e TVI) argumentaram que o modelo acordado com os partidos satisfaz “plenamente o interesse público, o pluralismo e a liberdade de expressão”, e que são os únicos canais com sinal aberto, acrescentando ser uma prática “consensual entre os partidos” e repetida em eleições anteriores, mas que não impedia que outros operadores, como a Medialivre, realizassem iniciativas próprias. Em suma, RTP, SIC e TVI claramente não querem um novo ‘menino’ no seu ‘restrito clube’.

    Helena Sousa, presidente da ERC: regulador considera que a inclusão dos canais da Medialivre seria positiva, mas acrescenta que o ‘cartel dos debates’ não contraria a lei.

    A deliberação da ERC, aprovada na semana passada mas apenas divulgada hoje, considerou a queixa da Medialivre “improcedente” – declarando que “não se verificou violação do dever de pluralismo” e que o acordo das televisões generalistas cumpria a lei –, mas reconheceu que a inclusão da CMTV e da Now nos debates “teria contribuído para ampliar o esclarecimento dos cidadãos”, tanto mais que os seus públicos não se sobrepõem inteiramente aos dos canais que organizaram os debates.

    No essencial, a ERC não afasta a percepção de que a lógica do ‘clube fechado’ entre os três canais principais continua a moldar o acesso mediático aos grandes momentos da democracia. A exclusão da Medialivre levanta, pois, uma questão maior do que a disputa entre grupos mediáticos: a de saber se, em plena era digital e com novos actores informativos a ganharem expressão e audiência, faz sentido manter os debates eleitorais reféns de acordos restritivos entre partidos e um ‘cartel televisivo’.

    Ainda por cima quando, neste oligopólio de comunicação, estão os canais da SIC e da TVI, cujas empresas privadas, embora mais antigas, estão em situações financeiras pouco saudáveis em comparação com a Medialivre, onde Cristiano Ronaldo é o principal accionista individual.

  • Lentidão do tribunal torna inútil polémica sobre participação em debates televisivos

    Lentidão do tribunal torna inútil polémica sobre participação em debates televisivos

    Eleição após eleição, o caso repete-se: num país que se orgulha pelo mais de meio século de regime democrático, os partidos sem representação parlamentar são ‘enxotados’ para uma ‘segunda divisão’ pelas televisões para uma espécie de ‘debate individual em simultâneo’ com direito a uns meros ‘minutos de glória’, respondendo sobretudo ao jornalista. E ficam assim arredados dos debates com os oito partidos com deputados, mesmo se o PAN tenha apenas um.

    No ínicio de Abril, o partido Alternativa Democrática Nacional (ADN), liderado por Bruno Fialho e que terá Joana Amaral Dias como cabeça-de-lista em Lisboa, decidiu apresentar uma a providência cautelar com o objectivo de ainda conseguir, através de uma decisão urgente do Tribunal Cível de Lisboa, ser integrado nos debates com os ‘grandes’. O partido, que sucedeu ao PDR, fundado em 2014 por Marinho e Pinto, ex-bastonário da Ordem dos Advogados, não tem assento parlamentar, mas conseguiu 1,58% dos votos nas eleições de Março do ano passado, com 102.132 votos, obtendo a partir daí subvenção pública.

    Porém, apesar do carácter urgente, sucedeu o que sistematicamente sucede em Portugal com a Justiça: a urgência é um termo teórico, e a acção em ‘banho-maria’, impedindo assim que houvesse uma decisão judicial a tempo das eleições do próximo domingo.

    Agora, o ADN decidiu processar o Estado por denegação de Justiça, mas não pretende ficar-se por aqui. O partido promete também processar as principais estações de televisão pelos “prejuízos” causados, alegando ter ficado em desvantagem face aos partidos que puderam participar nos debates, que lhes aumentou a capacidcade de transmitir mensagens a mais eleitores.

    Joana Amaral Dias, cabeça-de-lista do ADN por Lisboa às eleições legislativas de 18 de Maio, e Bruno Fialho, presidente do partido e cabeça-de-lista pelo Porto. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do ADN

    Recorde-se que a providência cautelar do ADN, que deu entrada no Tribunal Cível de Lisboa no dia 4 de Abril, tinha caráter urgente, exigindio-se a inclusão do partido “nos debates televisivos promovidos pela RTP, SIC e TVI, no âmbito da campanha para as eleições legislativas de 2025”.

    O partido só poderia avançar para a Justiça, “após a comunicação por parte das estações televisivas de que o ADN não será incluído em nenhum dos debates agendado”, apesar de “apresentar candidaturas válidas em todos os círculos eleitorais do território nacional e reunir os mesmos requisitos formais de outros partidos incluídos, como o Livre, PAN ou Iniciativa Liberal”.

    Mas o Tribunal, que tem poderes para decidir em prazos muito curtos, mesmo sem ouvir as televisões, somente esta semana cntactou o ADN, questionando sobre se pretendia prosseguir com a providência cautelar. “Respondemos que não, porque já não faz sentido, dado que as eleições são no domingo e o Tribunal só poderia agendar uma audiência, na melhor das hipóteses, para a próxima semana”, disse Bruno Fialho, presidente do ADN, ao PÁGINA UM.

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    Foto: D.R.

    O também cabeça-de-lista do ADN pelo Porto, adiantou que caso o ADN prosseguisse com a acção, além dos custos envolvidos, incorria no risco de ser condenado, eventualmente por má-fé, por estar a ocupar Tribunal com uma matéria que sabia que já não teria efeito prático, dado que a decisão judicial só seria tomada após a realização das eleições.

    De facto, um dos pressupostos da caducidade da providência cautelar é a extinção do “direito ou interesse a cuja tutela a providência se destina”: Ou seja, se aquilo que estava em causa era a participação de debates eleitorais na campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio, nenhum efeito produziria uma sentença nas próximas semanas.

    Mas dada a ausência de uma decisão judicial atempada, o ADN diz que não ficará de braços cruzados. “Vamos processar o Estado por não ter havido uma decisão atempada em relação a esta providência cautelar. Vamos também, em paralelo, processar as estações de televisão pelos prejuízos”, afirma Bruno Fialho, que se mostra, mesmo assim, confiante de eleger um deputado. “, mas “Até podíamos eleger mais se tivéssemos podido participar nos debates, como os partidos que participaram”, admite.

    Joana Amaral Dias, cabeça-de-lista do ADN por Lisboa, diz também não ter dúvida de que aa ausência de uma decisão atempada por parte da Justiça prejudicou o partido. “Não há Justiça”, disse ao PÁGINA UM.

    Debates a dois nas televisões só entre partidos com deputados.

    Esta questão da participação dos debates televisivos continua a ser, de forma inexplicável, um dos problemas mais candentes do regime democrático português, que colide com o princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento entre candidaturas, consegrada na Lei Eleitoral da Assembleia da República. A lei determina que “as televisões estão obrigadas a garantir tratamento equitativo durante o período eleitoral, o que inclui o acesso aos debates”, mas tal nunca se verifica, quer para o ADN quer para outros partidos pequenos, o que configura uma discriminação.

    Em Portugal, a única chance dos pequenos partidos elegerem deputados tem sido, geralmente, nos distritos de Lisboa e Porto, cque elegem 48 e 40 deputados, respectivamente. Exceptuando os partidos históricos(PS, PSD, PCP e CDS), todos os partidos com assento parlamentar (Chega, IL, Livre, Bloco de Esquerda e PAN) estrearam-se na Assembleia da República com um único deputado, em Lisboa. Nestas eleições existe a forte possibilidade de surgir uma excepção a esta regra: o partido regionalista Juntos Pelo Povo (JPP) garantirá um representante, podendo chegar mesmo aos dois deputados, se conseguir uma votação próxima dos números obtidos nas recentes eleições regionais da Madeira.

  • Comunicação social: instabilidade política vale 5 milhões de euros em ‘receita extraordinária’ paga pelo Estado

    Comunicação social: instabilidade política vale 5 milhões de euros em ‘receita extraordinária’ paga pelo Estado

    Há bens que surgem de males. No caso da instabilidade política, há quem lucre e bem. Que o digam alguns órgão de comunicação social generalista que, em pouco mais de três anos, receberam nos seus cofres cerca de 5,7 milhões de euros dos contribuintes como compensação pela alegada perda de receita devido aos tempos de antena dos partidos políticos na corrida às eleições legislativas.

    De facto, se a ‘normalidade’ democrática prevalecesse, as eleições seguintes à vitória de António Costa em 2019 teriam ocorrido em 2023, às quais sucederiam novas apenas em 2027. Mas não, menos de seis anos após as eleições de 2019, já se realizaram três em vez de uma. As eleições previstas para 2023 foram antecipadas pela queda do Governo minoritário em finais de 2021, com Costa a garantir para o Partido Socialista uma maioria absoluta em Janeiro de 2022. Mesmo com esse ‘poder’, o Governo socialista não aguentou um escândalo político, e Luís Montenegro venceria por uma ‘unha negra’ novas eleições antecipadas em Março de 2024. Aguentou apenas um ano, estando agora marcadas novas eleições, novas campanhas e novos direitos de antena para todos os partidos.

    O primeiro-ministro, Luís Montenegro, em campanha para as eleições legislativas de 18 de Maio de 2025. / Foto: D.R./PSD

    Quem ganha sempre com o antigo modelo de tempos de antena, e o famoso relógio ‘countdown’, têm sido os órgãos de comunicação social com características de serviço público, nomeadamente televisões generalistas e determinadas rádios. A SIC, do grupo Imprensa, foi o canal que mais tem esfregado as mãos de contente: contabilizando as três eleições legislativas (2022, 2024 e 2025) recebeu mais de 2,2 milhões de euros para passar as campanhas partidárias no seu canal. Só em compensação pelo tempo de antena no âmbito das eleições de 18 de Maio deste ano, a estação recebe 793.492 euros dos contribuintes, segundo o despacho que autorizou a despesa. Sem a instabilidade política a marcar o panorama nacional desde 2022, receberia apenas cerca de um terço dos 2,2 milhões.

    Na lista dos beneficiados segue-se a TVI, do grupo Media Capital, que auferiu de 2,1 milhões de euros graças à realização de três eleições à Assembleia da República. Pelo tempo de antena do acto eleitoral que está a decorrer agora, a estação recebe 779,392 euros. O mesmo raciocínio (e montante recebido) se aplica se não houvesse instabilidade política.

    No caso da estação pública, a RTP, coube-lhe receber 1,3 milhões de euros de compensação em três períodos eleitorais das legislativas, sendo que 470.618 euros lhe foram atribuídos pelas eleições que agora decorrem. Saliente-se que pagamento das compensações surge na sequência do leilão de atribuição de tempos de antena que, no caso das actuais eleições legislativas, decorrer no dia 30 de Abril.

    Compensação paga pelo Estado aos canais generalistas de televisão e estações de rádios pelos tempos de antena nas eleições legislativas de 2022, 2024 e 2025. / Fonte: Diário da República / PÁGINA UM

    Mas não são só as televisões que beneficiam da instabilidade política. As principais rádios generalistas também lucram com a realização de eleições e respectivos tempos de antena. Segundo o despacho publicado em Diário da República, e feito pelo ministro dos Assuntos Parlamentares no dia do ‘apagão’, a Rádio Renascença é a que mais beneficiada, cabendo-se agora quase 320 mil euros. Somando os três actos eleitorais encaixa 913.740 euros de compensação do Estado.

    Segue-se a Rádio Comercial, que recebe 697.701 euros em três legislaticas, sendo que a verba que lhe cabe nestas eleições é de 255.133 euros. Por fim, coube à RDP a verba de 212.387 euros de compensação pelos tempos de antena dos partidos, no conjunto dos três últimos actos eleitorais para a Assembleia da República.

    A estas despesas juntam-se valores mais pequenos (95.486 euros) pagos às rádios TSF, M80 e Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal pelo tempo de antena nas eleições legislativas deste ano. Saliente-se que, no âmbito das eleições na Madeira, do passado dia 23 de Março, os contribuintes pagaram 77.972,11 euros ao Centro Regional da Madeira da Radiotelevisão Portuguesa, Antena 1 e Posto Emissor de Radiodifusão do Funchal.

    Tempo de antena do PS nas eleições para a AR de 18 de Maio de 2025. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do tempo de antena do PS

    Contas feitas, no total, as três estações de TV e as três rádios generalistas encaixaram mais de 7,5 milhões de euros de compensação dos tempos de antena referentes a eleições para a Assembleia da República desde 2022, rondando assim um custo de 2,5 milhões de euros por cada acto eleitoral. Se considerarmos que desde 2019 somente deveria ocorrer um acto eleitoral, estes órgãos de comunicação social tiveram ‘receitas extraordinárias’ de cerca de 5 milhões de euros.

    É caso assim para dizer que, para estas televisões e rádios, a crise política é mesmo uma oportunidade de negócio, porque, além de a instabilidade gerar mais notícias para preencher noticiários e ‘encher chouriços’ na programação, acumulando comentadores, também serve para encher os cofres com uma receita fácil. É só receber a ‘fita’ gratuita e mandar a factura.

  • Director de jornal local diz que autarquia socialista de Lagoa aceitou contrato fictício

    Director de jornal local diz que autarquia socialista de Lagoa aceitou contrato fictício

    O director e proprietário do jornal ‘Lagoa Informa’, Rui Pires Santos, admitiu publicamente, num editorial publicado hoje, na página 13, que o contrato de cobertura mediática travestido de prestação de serviços de publicidade institucional, celebrado com a Câmara Municipal de Lagoa, no decurso de um concurso público, contém cláusulas que “não são cumpridas”.

    Nesta confissão, inserida num texto deste jornalista, que assinou o contrato comercial, é omitida a notícia do PÁGINA UM do passado dia 16, e o director do jornal local queixa-se de uma alegada ‘perseguição política’ por “elementos da Comissão Política do PSD Lagoa”. Contudo, acaba por confirmar os fortes indícios de falsidade contratual, colocando em dúvida a validade de um concurso público que atribuiu quase 100 mil euros ao jornal ‘Lagoa Informa’ para os anos de 2025 e 2026, em detrimento de outro candidato. E diz mesmo que a autarquia aceitou.

    Luís Encarnação celebrou dois contratos de mais de 200 mil euros em quatro anos com o jornal Lagoa Informa, que não pára de lhe conceder destaque.

    O contrato agora em causa, sob a capa de uma prestação de serviços de publicidade, inclui contrapartidas explícitas, impondo ao jornal uma cobertura sistemática e favorável das actividades da autarquia socialista. As cláusulas obrigam, por exemplo, que no mínimo 70% dos conteúdos sejam dedicados à “actualidade e figuras do concelho” e exigem ainda “presença no terreno” em eventos municipais, com a cobertura mediática por jornalistas acreditados, o que configura graves violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista, por se estar perante um ‘frete jornalístico’ institucionalizado.

    Segundo Rui Pires Santos, estas cláusulas não passam de letra morta, como o próprio confessa no seu editorial: “alguns responsáveis do PSD não devem conhecer, nem ler o ‘Lagoa Informa’ para compreenderem que as mesmas [cláusulas] não são cumpridas”. E avisa os seus supostos detractores: “Portanto, talvez devessem ter mais contenção, moderação e não ter esta postura de perseguição, que revela ignorância e replica maldade do texto partilhado. Mas isso dá-vos gozo, eu sei. Até porque, na verdade, este até já é um comportamento normal num conjunto de pessoas”.

    O director do ‘Lagoa Informa’ garante que, no passado, a ‘Gazeta de Lagoa’ – um jornal actualmente inactivo, embora ainda registado na ERC, em nome de Ana Maria Jesus Linha – teria recebido da autarquia local “valores médios de 120 mil euros por ano […] entre, por exemplo, 2003 e 2013.”, acrescentando que “há registos oficiais desses números”. E promete que “um dia até poderei publicá-los, para os recordar mais em pormenor e, quem sabe, reavivar a memória de alguns destes militantes do PSD mais distraídos sobre alguns mirabolantes e ‘épicos’ episódios de chantagem e pressão, de que vários políticos lagoenses têm conhecimento”.

    Editorial do ‘Lagoa Informa’ assume contrato com cláusulas proibidas mas que afinal não são para cumprir.

    Saliente-se que, no Portal Base, apenas constam diversos contratos de publicidade da autarquia local em 2008 e 2009 com Ana Maria Linha, a responsável da Gazeta de Lagoa, em valores diminutos (da ordem das centenas de euros, cada). A partir desse último ano, passaram a ser feitos contratos de assessoria de comunicação com Ana Maria Linha, que duraram até 2017, mas num período em que, segundo apurou o PÁGINA UM, a Gazeta de Lagoa já não publicava com regularidade.

    Independentemente da situação anterior, o editorial do director do ‘Lagoa Informa’ e gerente da empresa Pressroma constitui uma admissão inequívoca de incumprimento contratual, colocando em causa a legalidade do procedimento concursal e da execução do contrato. Em direito administrativo, um contrato público pode ser considerado nulo se for celebrado com base em declarações falsas ou intenções não genuínas de cumprimento. No seu editorial, Rui Pires Santos diz que “relativamente ao referido contrato [assinado este mês], constam cláusulas que, de facto, poderiam colocar em causa a liberdade de imprensa, se as cumpríssemos”, mas adianta que tal “não acontece e isso pode facilmente constatar-se e provar em cada edição do jornal”.

    Rui Pires Santos, que tem a carteira profissional de jornalista 3240, acrescenta ainda que “a discordância dessas cláusulas, demos a devida nota ao executivo camarário, que não soube explicar como as mesmas foram parar ao contrato, nem os serviços jurídicos da autarquia se mostraram disponíveis para as retirar do documento, alegando questões legais relacionadas com as regras de contratação pública”, manifestando ainda que “desde cedo, ficou explícito e vincado que não as íamos cumprir, tal como no passado, não tendo existido oposição a esse facto”.

    Trecho do contrato de Abril deste ano, onde a autarquia exige à Pressroma que faça “cobertura “acompanhamento da actividade da autarquia com presença no terreno, com reportagens, entrevistas e cobertura de eventos”, independentemente da sua dimensão.

    Do ponto de vista legal, se a autarquia de Lagoa adjudicou um contrato tendo por base um caderno de encargos cuja execução real é desconsiderada pela outra parte, com a sua concordância implícita, estar-se-á perante um contrato simulado, com o objectivo exclusivo de financiar um órgão de comunicação local próximo do poder político, quer em termos ideológicos quer regionais. Aliás, o recente contrato foi celebrado após concurso público, o que ainda agrava a promiscuidade, ao qual também se candidatou outra empresa de media, a Minius Publicações, proprietária do semanário AltoMinho.

    Esta tentativa de justificação histórica não só não iliba o actual contrato como evidencia que a prática de usar dinheiros públicos para sustentar jornais locais é recorrente e aceite como normal por sectores políticos diversos. O facto de Rui Pires Santos assumir que as cláusulas do contrato não são cumpridas, apesar de ter aceite formalmente as mesmas para vencer o concurso público, sugere que este procedimento poderá ter sido apenas uma formalidade para justificar legalmente um financiamento público previamente acordado. Se assim for, de acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM, além da eventual nulidade do contrato, poderá haver responsabilidade por viciação de concurso público, o que justifica a intervenção de entidades fiscalizadoras como o Tribunal de Contas e o Ministério Público.

    Perante esta confissão pública de incumprimento, que poderá configurar conivência com práticas contratuais fraudulentas e gestão danosa do erário público, o PÁGINA UM contactou hoje o gabinete do presidente da edilidade, o socialista Luís Encarnação, que se candidatará para um segundo mandato nas próximas autárquicas. O chefe de gabinete do edil, José Manuel Albino, respondeu que, tendo em conta “a matéria em causa”, as questões formuladas foram remetidas aos “serviços de contratação para melhor análise e apreciação”.

    Recorde-se que, na passada semana, depois de em Março ter aprovado uma deliberação menorizando a promiscuidade do anterior contrato de 2023, a ERC prometeu “abrir um procedimento de averiguações para aferir da existência de eventuais irregularidades”.

    Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social deixou impune o contrato de 2023 que já mostrava a promiscuidade entre uma autarquia socialista e a Pressroma com contrapartidas de cobertura mediática. Sob pressão da notícia do PÁGINA UM, já diz que vai reavaliar de novo a situação.

    Na semana passada, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) também prometeu pronunciar-se perante esta promiscuidade contratual, proibida por lei, mas a reunião do Secretariado foi adiada. Na semana passada também foram colocadas questões ao gerente da Pressroma e também director do Lagoa Informa, Rui Pires Santos, mas não houve ainda qualquer resposta.

    De acordo com o Portal Base, desde 2019 sucedem-se os contratos envolvendo publicidade, e não só, entre a Pressroma e três municípios algarvios, onde Lagoa surge em destaque com 490.518 euros. Os montantes dos contratos com Albufeira e Portimão são mais ‘modestos’: 52.716 e 20.018 euros, respectivamente.

  • Jornalistas aconselhados a apagar dados e ‘apps’ antes de viajar para os Estados Unidos

    Jornalistas aconselhados a apagar dados e ‘apps’ antes de viajar para os Estados Unidos

    Todos os jornalistas que considerem viajar para os Estados Unidos devem adoptar medidas para proteger os contactos e informações que possam ter armazenados nos seus dispositivos electrónicos. Esta é uma das recomendações do Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ) que emitiu ontem um alerta dirigido aos profissionais da comunicação social que planeiem visitar aquele país.

    Segundo o alerta do CPJ, divulgado ontem, a Administração Trump deverá restringir as condições exigidas aos que entram no país, ao abrigo de questões de segurança nacional e protecção da população, estando planeadas restrições a nacionais de mais de 40 países, o que pode afectar também jornalistas.

    De acordo com o comunicado, apesar de a introdução de restrições de viagem ter sido adiada, a medida poderá surgir repentinamente e “as notícias já indicam que funcionários da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos Estados Unidos estão a examinar a documentação de viagem dos visitantes com maior vigilância”.

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    Foto: D.R.

    Para o CPJ, o reforço de “controlo fronteiriço, a aplicação inconsistente e a ampla autoridade discricionária entre os agentes fronteiriços sugerem um ambiente imprevisível que justifica uma preparação proactiva”, com adopção de medidas de segurança por parte dos jornalistas.

    Por precaução, antes de entrarem ou saírem dos Estados Unidos, os jornalistas são assim aconselhados a apagar ou a fazer ‘backup‘, para contas seguras em ‘nuvem’, de todos os seus dados, contactos e informações que não queiram que as autoridades norte-americanas possam querer ‘vasculhar’.

    Devem também terminar a sessão em todas as contas e navegadores e eliminar todas as aplicações a que não gostariam que um agente de fronteira acedesse. São ainda aconselhados a rever o seu histórico de navegação e a eliminar quaisquer contas ou sites que não gostariam que outras pessoas vissem.

    “Os jornalistas que correm um risco elevado de serem detidos na fronteira devem considerar deixar os seus dispositivos pessoais e/ou de trabalho em casa e, em vez disso, transportar dispositivos separados e um novo cartão SIM”, aconselha o CPJ. Indica que estes dispositivos devem ter apenas as informações necessárias para a viagem e não devem estar associados a contas pessoais ou profissionais. Além disso, avisa que o jornalista deve estar “preparado para responder às perguntas dos guardas de fronteira sobre o motivo pelo qual atravessa uma fronteira sem os seus dispositivos pessoais ou de trabalho”.

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    Foto: D.R.

    Devem ainda analisar “o conteúdo de quaisquer aplicações de mensagens ou redes sociais nos seus dispositivos para garantir que não haja dados que possam comprometer” o próprio jornalista ou outras pessoas.

    O CPJ aconselha os jornalistas a “antecipar o aumento dos questionários por parte dos agentes fronteiriços sobre filiações políticas, histórico de trabalho e cobertura de temas sensíveis”. Se o trabalho do jornalista abrange questões politicamente sensíveis “que a administração dos Estados Unidos pode considerar críticas ou hostis, os agentes de fronteira podem questioná-lo”.

    Se o jornalista viajar de ou para um país afectado pelas restrições, ou se tiver dupla nacionalidade, ascendência ou outros vínculos com esses países, “poderá enfrentar um escrutínio adicional”, segundo o CPJ.

    Foto: D.R.

    Entre as medidas de segurança aconselhadas, o CPJ recomenda que o jornalista “considere de que forma o seu estatuto de imigração, país de origem ou destino e histórico de viagens anteriores o coloca em risco de ser travado na fronteira”.

    Sugere que o jornalista deve “identificar e manter uma lista de contactos de emergência, tais como consultores jurídicos de confiança e grupos de defesa da liberdade de imprensa que podem prestar assistência em caso de problemas”.

    Deve também levar a cabo “procedimentos de ‘check-in‘ com os principais contactos acordados antes da viagem” e certificar-se de que “eles conhecem os seus planos de viagem e podem fornecer suporte, se necessário”. Também deve manter “as informações de contacto de emergência em papel para o caso dos seus dispositivos serem confiscados”.

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    Num outro comunicado, o CPJ anunciou que vai divulgar no próximo dia 30 de Abril um relatório especial que examinará o estado da liberdade de imprensa e da segurança dos jornalistas nos Estados Unidos após os primeiros 100 dias do governo Trump.

    O documento “cobrirá a incidência de ataques direccionados contra jornalistas e organizações de comunicação social, abuso regulatório e problemas de acesso para jornalistas em trabalho nos Estados Unidos. O relatório “também examinará se as acções da Casa Branca criaram um efeito assustador entre os jornalistas locais em todo o país”.

    Estes comunicados e iniciativas do CPJ surgem num contexto de crescente tensão e animosidade recíproca entre a Administração Trump e os media ‘mainstream‘, depois de a Casa Branca ter adoptado novas regras de acesso dos jornalistas, com as mais recentes a limitar o acesso das principais agências noticiosas.

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    Recorde-se que, em geral, os principais grupos de media no país têm adoptado uma posição mais favorável ao partido democrata face ao partido republicano e aos conservadores. Exemplos disso são as diversas notícias que desmentiam o evidente declínio da saúde mental do ex-presidente norte-americano Joe Biden e também o grande destaque que os grupos de media deram a informações que alegavam que teria havido uma ligação da Rússia com a campanha presidencial de Donald Trump em 2016, o que não se confirmou, mas serviu para ensombrar as campanhas de Trump.

    Por outro lado, um dos grandes aliados e apoiantes de Trump, Elon Musk, tem sido um dos maiores críticos da actuação dos media ‘mainstream‘, que o milionário acusa de serem tendenciosos. Mas o clima de ‘guerra’ entre Musk e os media ‘mainstream’ começou quando o líder da Tesla comprou a rede social Twitter, actual X, e restaurou a liberdade de imprensa naquela plataforma.

    Com o apoio de Musk a Trump, o clima de animosidade entre os media e o milionário escalou. Musk tem lançado fortes ataques aos media nas suas publicações na rede X e os principais meios de comunicação social têm dado destaque sobretudo a notícias críticas da Tesla e de Musk, chegando a emitir a informação falsa de que teria feito uma saudação nazi num comício da campanha presidencial de Trump.

  • Poluição hídrica agravou: 39 concelhos sem ‘água de jeito’

    Poluição hídrica agravou: 39 concelhos sem ‘água de jeito’

    Num país onde a palavra Ambiente passou apenas a representar preocupações com as alterações climáticas e investimentos na chamada transição energética, a poluição hídrica mostra estar para durar — e a piorar. E nem é preciso ser cientista, ambientalista ou ecologista: basta saber ler e comparar os indicadores revelados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística, com base em informação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

    Preto no branco — ou melhor, mais negro do que transparente —, a qualidade das águas superficiais — leia-se, rios e ribeiras — piorou globalmente na última década. De acordo com os dados agora divulgados — e que abrangem a totalidade dos 278 concelhos do Continente —, a proporção de massas de água com bom ou excelente estado ecológico baixou de 53,9% em 2015 para 46,6% em 2024. Um retrocesso de 7,3 pontos percentuais, com impactos particularmente devastadores nas zonas mais populosas e urbanizadas do país.

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    Com excepção da Área Metropolitana de Lisboa (AML) — que registou uma ligeira melhoria, passando de 12,3% em 2015 para 16,4% —, todas as regiões pioraram neste intervalo de tempo. Em todo o caso, a AML mantém-se como a região portuguesa com maior degradação ecológica, muito atrás das restantes. No Alentejo, em 2024, apenas 36% das massas de água estão em boas ou excelentes condições; no Centro, 50%; no Norte, 55%; e no Algarve, 63%.

    Os dados da APA — recolhidos com uma periodicidade trienal, e que começou em 2012 — abrangem cursos de água naturais, como rios, ribeiros e regatos, bem como canais de rega, uso industrial, navegação, sistemas de drenagem, aluviões (águas sub-superficiais) e reservatórios naturais e artificiais. Estão excluídas a água do mar, massas de águas estagnadas permanentes e as águas das zonas de transição, como pântanos salobros, lagoas e estuários.

    A análise concelhia revela em 2024 uma degradação transversal, com 39 concelhos sem qualquer massa de água classificada como de bom ou excelente estado. Esta falência ecológica absoluta estende-se por concelhos urbanos e industrializados — como Amadora, Barreiro, Estarreja, Lisboa, Loures, Maia, Odivelas, Oliveira do Bairro, Santarém, São João da Madeira, Santo Tirso, Seixal, Trofa, Valongo, Vila Nova de Famalicão e Vizela —, mas também por concelhos mais agrícolas, onde a poluição difusa, ainda que menos visível, é igualmente perniciosa. São os casos, entre outros, de Almeirim, Alpiarça, Bombarral, Cadaval, Carregal do Sal, Cuba, Golegã, Santa Comba Dão e Santa Marta de Penaguião. Zonas esquecidas e negligenciadas, que revelam uma governação ambientalmente falida e um alheamento político gritante.

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    Lisboa, um dos 39 concelhos do país sem qualquer massa de água em boas ou excelentes condições.

    Em 2015, a situação nacional já era má: 30 concelhos apresentavam 0% de massas de água em bom estado. Destes, 20 concelhos mantêm-se hoje na mesma condição, sem qualquer melhoria: Alenquer, Alpiarça, Amadora, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Barreiro, Bombarral, Cadaval, Cartaxo, Golegã, Moita, Odivelas, Rio Maior, Santa Comba Dão, Santarém, São João da Madeira, Seixal, Sobral de Monte Agraço, Trofa, Valongo, Vila Nova de Famalicão. Ou seja, se em 2015 já estavam muito mal, em 2024 continuam exactamente no mesmo estado — ou pior.

    A Área Metropolitana de Lisboa, com os seus 18 municípios, apresenta o pior cenário nacional. A capital do país, Lisboa, surge agora com 0% de massas de água em bom ou excelente estado ecológico, descendo face aos 20% registados em 2015. A esmagadora maioria dos concelhos da AML mantém-se abaixo dos 25%, com excepção de Setúbal (50%) e Cascais (40%). O caso de Setúbal, que regista melhorias, esconde a estagnação geral da região — ou até o agravamento. A indústria da narrativa ambiental, sempre generosa em relatórios, brochuras e eventos, omite sistematicamente este colapso ecológico urbano.

    A Área Metropolitana do Porto também não escapa à indigência hídrica. A média dos seus 17 concelhos é de 35,2%, ligeiramente acima dos 34,7% registados em 2015. O Porto permanece nos 25%, Vila Nova de Gaia nos 40%, e Espinho nos 20%. Municípios como Maia, Santo Tirso, São João da Madeira, Trofa e Valongo continuam com 0% de massas de água em boas ou excelentes condições. Os números globais da região são apenas sustentados pela boa qualidade hídrica em Arouca (77%) e Vale de Cambra (90%).

    No quadro nacional, apenas sete concelhos apresentam 100% das massas de água com boa ou excelente qualidade em 2024: Arcos de Valdevez, Castanheira de Pêra, Manteigas, Montalegre, Pedrógão Grande, Ponte da Barca e Vila de Rei. Desses, apenas dois — Castanheira de Pêra e Vila de Rei — já ostentavam essa classificação em 2015. Por outro lado, concelhos como Lousã, Vila Nova de Poiares e Miranda do Corvo, que em 2015 estavam no patamar máximo de qualidade, sofreram quedas abruptas.

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    Rios der boa qualidade: uma miragem em muitas regiões do país.

    No cômputo geral, a degradação superou as melhorias. Comparando os dados de 2015 e 2024, identificam-se 80 concelhos que melhoraram, 128 que pioraram e 70 que mantiveram o seu desempenho — entre os quais os 20 que se mantiveram a 0% e os dois que mantiveram os 100%. Em termos de progressos mais expressivos, Belmonte, Pedrógão Grande, Rio Maior, Vila Flor, Fronteira e Castelo de Paiva registaram aumentos superiores a 40 pontos percentuais. Já em sentido inverso, concelhos como Anadia, Entroncamento, Estarreja, Mealhada, Nelas, Oliveira do Bairro e Vizela sofreram quedas superiores a 50 pontos percentuais.

    As causas para esta regressão da qualidade das águas superficiais são múltiplas: descargas poluentes não tratadas, redes de saneamento degradadas, expansão descontrolada da agricultura intensiva, ausência de investimentos estruturais em despoluição e, sobretudo, inacção política e mediática. O país mergulhou num discurso ambiental dominado pelas alterações climáticas e pela energia verde, esquecendo o essencial para a saúde pública e ecológica: a qualidade da água. Porque, como se sabe, o que está longe da vista está também longe do coração — e da acção.

  • Contrato de publicidade exige que jornal faça fretes a autarquia socialista

    Contrato de publicidade exige que jornal faça fretes a autarquia socialista

    Nem sequer foi um simbólico “puxão de orelhas”. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu deixar passar completamente incólume um caso gravíssimo de promiscuidade entre um órgão de comunicação social do Algarve e uma autarquia daquela região – Lagoa – que envolvia um contrato de publicidade com contrapartida de cobertura mediática das actividades da vereação. Para agravar, o gerente e sócio único da empresa de media – a Pressroma – é um jornalista, Rui Pires Santos, que acumula a direcçºao editorial de três publicações (Lagoa Informa, Algarve Vivo e Portimão Jornal), mas que tem assinado contratos comerciais, em violação do Estatuto do Jornalista. O contrato analisado pela ERC, no valor de quase 112 mil euros (com IVA), vigorou durante 2023 e 2024.

    Apesar de a Lei da Imprensa impedir a ingerência de entidades externas na linha editorial de órgãos de comunicação social, o regulador dos media, em deliberaçºao publicada este mês mas aprovada no passado dia 24 de Março, apenas recomendou (usando o verbo instar) que a Pressroma observasse “a necessidade de garantir a independência editorial das publicações de que é detentora, bem como a identificabilidade dos conteúdos de natureza comercial e a respectiva separação face aos conteúdos editoriais.” A recomendação caiu em saco roto: apenas 10 dias depois, Rui Pires Santos (com a sua Pressroma) marimbou-se para a ERC e assinou um novo contrato, após concurso público, que ainda agrava a promiscuidade. Neste caso, também se candidatou para fazer ‘fretes’ à autarquia algarvia uma outra empresa de media, a Minius Publicações, proprietárida do semanário AltoMinho.

    Luís Encarnação celebrou dois contratos de mais de 200 mil euros em quatro anos com o jornal Lagoa Informa, que não pára de lhe conceder destaque.

    Com efeito, tal como já sucedia com o contrato de 2023 alvo da análise da ERC – que demorou quase dois anos a tomar uma deliberação após uma queixa de pessoa não identificada –, a Câmara de Lagoa exige agora, na adjudicação celebrada no dia 4 do presente mês, no valor de 121 mil euros, que a Pressroma, através do Lagoa Informa, se comprometesse a uma tiragem mínima de 3.000 exemplares de distribuição gratuita, devendo “garantir que pelo menos 70% dos conteúdos” sejam dedicados à actualidade e às figuras do concelho de Lagoa, com um mínimo de 16 páginas por edição.

    Mas o pior surge nas cláusulas seguintes.. Segundo o contrato, por imposição da autarquia de Lagoa, o jornal da Pressroma está ainda obrigado a prestar informação de proximidade, que inclui acompanhar a actividade da autarquia com “presença no terreno”, através de “reportagens, entrevistas e cobertura de eventos, não só os de maior dimensão, como os de menor visibilidade, mas com importância informativa para a população e comunidade local, com qualidade e profissionalismo”. E para isso tem de dispor de pelo menos “dois jornalistas com carteira profissional”. Para aumentar o controlo, a Pressroma deve apresentar relatórios quinzenais de distribuição e reunir quinzenalmente com responsáveis da Câmara Municipal..

    Embora as ilegalidades serem mais do que evidentes – por ser proibida a ingerência de entidades externas, como autarquias, na direcção editorial de um órgão de comunicação social, e de estar vedado aos jornalistas exercerem funções de promoção –, a ERC não viu ou não quis ver qualquer ilegalidade neste contrato de 2023.

    Aliás, o regulador dos media foi bastante ‘benevolente’ na análise a esse contrato de 2023, agora repetido, até aceitando as desculpas da Pressroma, que quis fazer crer que a autarquia utilizara por lapso um modelo contratual usualmente empregue nas suas publicações internas. Ora, a ERC nem sequer reparou – ou quis reparar – que a Pressroma assinara um contrato após um concurso público, em que, para o vencer, teve de assumir que cumpriria as exigências detalhadas do caderno de encargos.

    Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social deixou impune um caso evidente de promiscuidade entre uma autarquia socialista e um jornal através de contratos de publicidade com contrapartidas de cobertura mediática.

    Na prática, a Lagoa Informa, através da Pressroma, aceitou ser um boletim municipal da autarquia de Lagoa travestido de jornal de informação registado na ERC e com jornalistas com título profissional. E a ERC acreditou na versão da empresa de media de que os únicos conteúdos pagos eram os espaços publicitários e editais municipais devidamente assinalados com a sigla “PUB”, e que os conteúdos informativos não eram encomendados.

    Certo é que, numa análise ao conteúdo do Lagoa Informa, com periodicidade quinzenal, o presidente socialista sai quase sempre na primeira página com direito a fotografia,. Nas quatro últimas edições aparece na primeira página em três, e é notícia em todas. A edição da primeira quinzena de Março integra, aliás, um autêntico encómio sobre o seu percurso de vida.

    Numa longa peça assinado por José Garrancho (com cartão de colaborador da CCPJ), Luís Encarnação é apresentado como “um trabalhador dedicado e eficiente, educado, de bom trato e muito preocupado com as necessidades da sua terra natal, o Parchal, local onde nasceu em 1968”. E faz um percurso sempre elogioso, desde o trabalho na hotelaria até à sua dedicação ao estudo e ascensão política. E coloca-o como um homem culto, desprendido do poder e com paixão pela leitura, “devorador de livros”, embora ‘traído’ pelo discurso directo. “Quando deixar de ser presidente de Câmara, vou abraçar a minha grande paixão, que é ler e não quero cargos nenhuns. Quando tinha nove ou dez anos já lia livros da maior complexidade. Toda a vida fui um devorador de livros. A 1 de novembro de 2013, quando iniciei funções como vereador, estava a ler um livro que ainda hoje está a meio. A primeira coisa que vou fazer é acabar de o ler e começar de novo, pois já perdi o fio à meada, ao fim de todos estes anos”, diz o autarca socialista ao jornal que ‘patrocina’.

    Prwesidente socialista é preseça constante no jornal Lagoa Informa.

    Mas estas ‘ligações intimas’, ou promíscuas, entre o edil e o jornal nem sequer mereceram uma linha de análise por parte da ERCl. No decurso da instrução, que demporou quase dois anos, a ERC apenas detectou incumprimentos da Lei da Transparência por parte da Pressroma, nomeadamente na omissão de informação sobre clientes relevantes e dados financeiros de vários anos, mas nada mais fez do que insistir para que fossem preenchidas, ficando-se a saber que, em alguns anos, mais de 40% dos rendimentos provêm do Município de Lagoa – que, aliás, nem se dignou responder aos pedidos de esclarecimento da ERC sobre o conteúdo do contrato nem forneceu os relatórios de acompanhamento solicitados. A ERC, na verdade, nem sequer se consegue impor para fazer uma regulação decente.

    Assim, mesmo com a Lei da Imprensa, o Estatuto do Jornalista, a Lei da Transparência e os Estatutos da ERC, o regulador mais não fez do que constatar o óbvio: a Pressroma aceitou cláusulas que põem em causa a autonomia editorial do Lagoa Informa; não salvaguardou devidamente a separação entre conteúdos editoriais e comerciais e colocou em risco a liberdade de imprensa.

    Consequência disto? Nenhuma. Nem um processo de contra-ordenação – que deveria abranger também a autarquia –, nem uma ameaça de suspensão do título, nem uma comunicação à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) por uso de “jornalismo comercial”.

    Quer dizer, há uma consequência que se extrapola. Com esta deliberação sobre a impunidade da promiscuidade – em que se mercantiliza o jornalismo num contrato de inserção publicitária – a ERC indica expressamente que qualquer órgão de comunicação social, desde os de maior dimensão até aos regionais, pode livremente celebrar contratos publicitários onde possam expressamente surgir como contrapartidas a elaboração de entrevistas e artigos promocionais feitos por jornalistas – e, quiçá, mesmo a garantia de que não serão publicadas notícias “desagradáveis”.

    Trecho do contrato de Abril deste ano, onde a autarquia exige à Pressroma que faça “cobertura “acompanhamento da actividade da autarquia com presença no terreno, com reportagens, entrevistas e cobertura de eventos”, independentemente da sua dimensão.

    Confrontada a ERC sobre este novo contrato, dias depois de uma deliberação ‘fofinha’, o regulador afirma que, perante este novo contrato, foi decidido “abrir um procedimento de averiguações para aferir da existência de eventuais irregularidades” já identificadas na deliberação de Março, mas que deram em nada.

    O PÁGINA UM também contactou a CCPJ, que adiou uma posição para a próxima semana. Também foram colocadas questões ao gerente da Pressroma e também director do Lagoa Informa, Rui Pires Santos, mas não houve qualquer resposta. De acordo com o Portal Base, desde 2019 sucedem-se os contratos envolvendo publicidade, e não só, entre a Pressroma e três municípios algarvios, onde Lagoa surge em destaque com 490.518 euros. Os montantes dos contratos com Albufeira e Portimão são mais ‘modestos’: 52.716 e 20.018 euros, respectivamente.

  • ERC institucionaliza ‘taxa de promiscuidade’ nos media

    ERC institucionaliza ‘taxa de promiscuidade’ nos media

    Na aparência é uma condenação, mas serve ‘para inglês ver’ – e pior, vai servir para perpetuar esquemas de promiscuidade entre empresas de media e entidades públicas e privadas. Uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), aprovada no início deste mês e divulgada esta semana, aplicou uma coima à Impresa Publishing, dona do Expresso, pelo facto de o jornal ter publicado um artigo publicitário, assinado por uma jornalista com carteira profissional, sem fazer referência de se tratar de publicidade contratualizada.

    Mas, apesar desta condenação parecer, à primeira vista, um sinal de que o regulador dos media está, finalmente, a punir actos de promiscuidade por violação da Lei da Imprensa e de comercialização da actividade jornalística, os factos mostram o oposto. A deliberação serve como sinal de que o ‘crime’ compensa e até dá dicas para contornar futuras sanções. Isto porque a coima aplicada (2.000 euros) foi muito inferior aos proveitos obtidos pelo Expresso por essa violação da Lei da Imprensa.

    Ou seja, a ERC aplicou, na verdade, uma espécie de ‘taxa de promiscuidade’, que pode muito bem passar a ser encaixada em futuras parcerias comerciais entre media e entidades públicas e privadas, na eventualidade do regulador os voltar a incomodar. E tem incomodado pouco, diga-se, até porque este processo de contra-ordenação demorou mais de dois anos a ser concluído e envolve actividades que ocorreram em 2021.

    Na base da condenação da Impresa Publishing está uma notícia publicada pelo semanário, no dia 28 de Junho de 2021, com o título “Taxa de abandono escolar precoce caiu 10% desde 2013“, na rubrica ‘Projectos Expresso’. Trata-se de uma notícia elaborada no âmbito de um contrato de 29 mil euros efectuado entre a Secretaria-Geral de Educação e Ciência e a Impresa Publishing, para a aquisição de serviços para organização, cobertura e promoção de evento para o Programa Operacional Capital Humano (POCH), em 9 de março de 2022. Este contrato foi um dos 56 contratos identificados pelo PÁGINA UM numa investigação sobre promiscuidade nos media, publicado em Maio de 2022. Cinco destes contratos envolviam o Expresso. Cerca de um ano mais tarde, a ERC anunciou a abertura de processos de contra-ordenação a sete empresas de media.

    A ERC acaba apenas por sancionar um dos cinco contratos -havendo mais outro que foi analisado, referente ao Instituto Nacional de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), também revelado pelo PÁGINA UM em Maio de 2022, mas sem quaisquer consequências.

    Nesse contrato, que visou promover o POCH, esteve em ‘discussão’ se um artigo ambíguo publicado na secção ‘ Projectos Expresso’ era notícia ou publicidade. Esse artigo foi escrito pela então jornalista Fátima Ferrão, que neste momento não tem carteira profissional, até porque tem vindo a acumular a profissão de jornalista com a de coordenadora de uma empresa que faz conteúdos empresariais, a Mad Brain. Em todo o caso, Fátima Ferrão continua a assinar notícias em meios de comunicação social e a apresentar-se como jornalista, colaboradora do Expresso e coordenadora da Mad Brain, o que constitui uma acumulação de irregularidades.

    No decurso do processo de contra-ordenação, a ERC concluiu que, embora assinada por um jornalista e com um formato de um texto jornalístico, não evidenciava, aos olhos dos leitores, tratar-se de conteúdos publicitários. Isto porque a formatação do texto era similar às das notícias jornalísticas, com o mesmo tipo, cor e tamanho de letra e fundo. Porém, estava associado a um contrato para a sua elaboração, ou seja, era um compromisso assumido previamente pela Impresa Publishing perante o pagador, a Secretaria-Geral de Educação e Ciência.

    Sede da ERC, em Lisboa. / Foto: D.R.

    Para a ‘condenação’ da Impresa Publishing contribuiu, no entanto, apenas o facto de o contrato com a SGEC contemplar, para além da organização de um evento, “a cobertura jornalística […] no jornal Expresso”. A ERC nem sequer considera grave que um evento pago tenha tido a presença de directores e jornalistas do Expresso, cuja participação era exigida também no contrato. Ou seja, o regulador ignora, na decisão final, que um director e um jornalista do Expresso tem mesmo de estar ao serviço de uma entidade externa, neste caso do Governo, para cumprir um contrato. E também realizar entrevistas aos oradores do evento e “cobrir a conferência no caderno de Economia”, e logo na primeira página, como está no contrato. E foi cumprido,

    Isto tudo apesar da ERC concluir que, “o jornal Expresso não cobriu a referida conferência porque viu nela interesse jornalístico, mas [sim] porque a sua entidade proprietária se comprometeu a fazer a promoção e cobertura jornalística desse evento num contrato que celebrou” com o Governo de António Costa..

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    Estranhamente, apesar de se tratarem de casos similares, envolvendo a secção ‘Projectos Especiais’, a ERC entendeu que não existiam provas de que as notícias associadas aos outros cinco contratos tenham violado também a Lei da Imprensa e estavam feridas de promiscuidade. E por uma simples razão: a instituição liderada por Helena Sousa, mesmo com todos os poderes de um regulador, não mexeu uma palha para obter sequer os cadernos de encargos, mesmo não estando no Portal Base.

    Assim, a ERC deixou escapar, ou quis deixar escapar, as ‘notícias’ promocionais efectuadas no âmbito de outros contratos, designadamente aquele que foi assinado em Maio de 2022 com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no valor de 19.500 euros, para a aquisição de serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022. E isto porque não teve acesso ao caderno de encargos. Curiosamente, o PÁGINA UM teve, bastando um pedido ao ICNF. Está aqui.

    Sem qualquer sanção ficou também a cobertura ‘noticiosa’ feita pelo Expresso na sequência de um contrato celebrado com a Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (SGTSSS) em Dezembro de 2020, no valor de 19.800 euros, para a aquisição de serviços diversos para apoio à realização do evento anual do Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego – POISE.

    Helena Sousa, presidente do conselho regulador da ERC. / Foto: D.R.

    A ERC considerou que não tinha provas de que as seguintes notícias feitas na sequência dos dois contratos efectuados com o ICNF e a SGTSSS, estivessem inseridas nos serviços prestados pela Impresa: “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’“; “Mulheres duplamente penalizadas com a crise“; e “Conquistas no emprego e igualdade de género poderão ‘regredir’ com a pandemia“.

    Mas o facto é que a ERC assume que, no concerne aos “factos considerados não provados, tal ficou a dever-se à circunstância de, quanto a eles, não ter sido produzida qualquer prova suficientemente consistente”. Melhor dizendo, o regulador não se deu ao trabalho de a produzir, porque nem sequer mostra que pediu às entidades públicas os respectivos cadernos de encargos. Bastaria, talvez, um e-mail.

    A ERC teve a ousadia de dizer, na sua deliberação, que não encontrou provas de que a publicação do artigo “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’” “estivesse prevista no contrato celebrado entre o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. e a Impresa Publishing, S.A., para aquisição de serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022, celebrado em 20 de maio de 2022”.

    Foto: D.R.

    Porém, consultando o caderno de encargos deste contrato, estão claramente descritos os serviços a prestar no âmbito da realização de três conferências, designadamente: “Divulgação do evento num jornal de referência nacional (1 página)”; “Elaboração do resumo das principais conclusões”; e “apresentação das conferências, com recurso a uma personalidade reconhecida de um canal de televisão nacional com elevado número de telespetadores”. A ERC usa o argumento ‘in dubio pro reo‘ para não condenar a Impresa, mas, na verdade, verifica-se que se aplicou a máxima pouco ortodoxa ‘in ignavia iudicis, absolutio sequitur‘, ou seja, na preguiça do juiz, segue-se a absolvição.

    O caderno de encargos tem, aliás, uma particularidade que mostra a promiscuidade destes contratos: o ICNF exigia contratualmente a cobertura noticiosa mas concedendo que o Expresso dispunha “de autonomia na prestação dos referidos serviços, designadamente no apoio técnico, streaming, promoção e cobertura dos eventos”. Ou seja, o Expresso podia fazer tudo o que lhe apetecesse, do ponto de vista editorial, desde que não pensasse sequer em ignorar a cobertura noticiosa do evento pago.

    Foto: PÁGINA UM

    O mais curioso é que a ERC na sua deliberação – e convém referir que existem propostas de deliberação elaboradas pelos seus serviços que podem ser alteradas pelo Conselho Regulador – reconhece ser “convicção do regulador que estes artigos também foram elaborados na sequência dos mencionados contratos, pois os mesmos promovem os eventos visados pelos contratos”.

    Mas diz depois que, “dada a natureza híbrida destes conteúdos [‘Projectos Expresso’], que se assemelham a conteúdos jornalísticos, e considerando que os mesmos revestem certo interesse informativo, sem existirem nos contratos cláusulas específicas que prevejam a sua elaboração (que sejam do conhecimento do regulador), poder-se-á admitir que as peças em causa foram elaboradas por decisão da direção de informação do Expresso, dentro da sua liberdade editorial, que decidiu anunciar e descrever as conferências em causa, citando as declarações dos seus oradores”.

    E até acrescenta então que se considera “pouco provável essa ocorrência” mas que, face à existência de dúvidas acerca de quem partiu a decisão para elaborar os conteúdos em causa (da direção de informação do Expresso ou se já estavam previstos nos contratos para a organização desses eventos) e da existência de um pagamento pela redação dos mesmos, convoca-se o princípio ‘in dubio pro reo‘ [na dúvida, decide-se a favor do réu], aplicável ao processo de contraordenação”. Dúvidas existenciais da ERC que teriam sido sanadas com a leitura do caderno de encargos, que no caso do ICNF, está aqui. E também na imagem em baixo.

    Excerto do caderno de encargos do contrato assinado entre o ICNF e a Impresa Publishing.

    Assim, não só a ERC deixou escapar estas notícias à aplicação de coimas, já que são em tudo similares à notícia que gerou a presente condenação da Impresa Publishing, como sugere uma dica preciosa aos media promíscuos: desde que as ‘notícias’ não estejam especificamente previstas nos contratos, escapam a coima do regulador e não serão tratadas como publicidade, apesar de o serem, mas não estarem identificadas como tal aos leitores.

    Deste modo, além de aplicar apenas uma coima, e de valor baixo (2.000 euros para um contrato de 29.000 euros), a ERC ainda explica aos grupos de media como podem ‘fugir’ à Lei da Imprensa.

    Acresce a demora na análise, porque este caso remonta a Maio de 2023, quando a ERC deliberou instaurar processos de contra-ordenação contra a Impresa Publishing relacionados com “conteúdos referentes aos cinco contratos celebrados entre entidades públicas e a empresa”, no período compreendido entre 26 de fevereiro de 2020 e 20 de maio de 2022.

    De resto, essa deliberação inicial só surgiu após uma notícia do PÁGINA UM sobre promiscuidade nos media, que identificava que, desde 2020, tinham sido efectuados 56 contratos de ‘parceria comercial’ entre empresas de media e de entidades públicas.

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    Normalizou-se na imprensa a publicação de conteúdos promocionais travestidos de notícias, assinados por jornalistas, e sem que reguladores actuem para parar com a promiscuidade e a violação da Lei da Impresa no sector. / Foto: D.R.

    Este é mais um caso em que a promiscuidade vence pela inacção e posterior lentidão de actuação do regulador, mas também pela reduzida coima aplicada e demais incentivos a que os grupos de media continuem a violar a Lei de Imprensa, publicando notícias que são, afinal, publicidade.

    Recorde-se que, segundo a Lei da Imprensa, toda a publicidade “deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”. Mas grupos de media têm criado áreas como a de ‘Projectos Especiais’ do Expresso para publicar notícias que resultado de contratos comerciais.

    Na base da presente condenação da Impresa Publishing pelo conselho regulador da ERC está também o argumento de que “os factos ocorreram porque a arguida não procedeu com o cuidado a que está obrigada e de que é capaz, já que não fez uma interpretação correta da Lei de Imprensa”.

    O PÁGINA UM detectou, em Maio de 2022, a existência de 56 contratos de ‘parceria comercial’ entre grupos de media e entidades públicas.

    A ERC frisa, na deliberação, que “a arguida tinha os meios necessários e a capacidade de compreender que uma peça que promova uma conferência por cuja organização recebeu uma contrapartida económica, estando prevista a sua redação no contrato de prestação de serviços, constitui um conteúdo publicitário, o qual tem de ser identificado expressamente”.

    Considerou ainda que “a arguida não revela arrependimento, no sentido da interiorização do desvalor da sua conduta”.

    O certo é que, após esta decisão e a coima aplicada pela ERC, fica aberto o caminho para que esta e outras empresas de media continuem a não interiorizar “o desvalor da sua conduta” quando publicam notícias ou entrevistas ou reportagens como se se tratasse de conteúdo informativo e não de publicidade encapotada.

  • Impresa à beira do precipício e a arrastar a SIC

    Impresa à beira do precipício e a arrastar a SIC

    Foi a galinha de ovos de ouro, depois passou a ser a vaca que dava leite; agora  mostra mais ser uma cabra vampirizada até à última gota de sangue – este pode bem um possível retrato alegórico da SIC, a empresa televisiva da Impresa, e a história de uma ‘mãe’ que está a matar a ‘filha’.

    Na semana passada, na divulgação  dos resultados da Impresa, a holding controlada pela família Balsemão – embora com uma parte distribuída em bolsa – revelou que “face à evolução de determinadas actividades nos segmentos de Televisão e da Infoportugal” tinham revisto os valores dos activos, na componente do ‘goodwill’, implicando uma imparidade da ordem dos 60,7 milhões de euros. O impacte contabilístico foi brutal, adicionado a provisões de 5,3 milhões de euros: um prejuízo anual de 66,2 milhões de euros. De um ano para o outro, os capitais próprios da Impresa terão caído de valor cerca de 40%.

    Porém, mais grave do que isso, para além dos sinais para o mercado de uma holding endividada, são os reflexos desta desvalorização. Em abono da verdade, a redução do goodwill da Impresa é uma diminuição de um valor que efectivamente nunca existiu; era artificial. Isto porque o goodwill da holding Impresa – que antes desta revisão estava definido como valendo 251 milhões de euros – tinha sido ‘fabricado’.

    De facto, a origem deste goodwill registado no balanço consolidado da Impresa não resultou de aquisições externas, nem de operações de expansão que tivessem trazido valor acrescentado ao grupo. Aquilo que a holding fez, ao longo dos anos, foi reavaliar internamente as suas próprias subsidiárias, em particular a SIC, atribuindo-lhes um valor superior ao seu valor contabilístico líquido e registando essa diferença como goodwill.

    Para financiar estas operações internas de reestruturação e ‘compra’ das participadas, a Impresa recorreu a dívida bancária. Ou seja, criou-se um activo intangível assente em expectativas futuras, enquanto se aumentava o passivo financeiro com empréstimos que suportaram esta operação meramente contabilística. Agora, a imparidade de 60 milhões de euros reconhecida sobre esse goodwill revela aquilo que o mercado já pressentia: o grupo vale menos do que anunciava, e a principal fonte de valor, a SIC, está fragilizada, sem margem para sustentar por muito mais tempo uma holding que vive da sua exploração.

     Durante anos, este goodwill’ da Impresa – completamente separado do valor dos activos intangíveis da SIC, que são de apenas cerca de 17 milhões – justificava-se pela capacidade dos canais televisivos fazerem dinheiro. E fizeram muito. Considerando os resultados da empresa SIC em 2024, os seus lucros acumulados desde 2019 são bastante expressivos: cerca de 69 milhões de euros. Porém, toda esta verba tem integralmente canalizada, como dividendos para a ‘casa-mãe’ Impresa, limitando a capacidade de novos investimentos ou mesmo a redução da própria dívida da SIC. Pior: apesar deste fluxo lucrativo, em forte queda nos últimos anos (em 2024, os lucros foram apenas de cerca de 25% dos de 2021), tem-se assistido ao aumento do passivo da SIC em mais de 50 milhões de euros, porque a ‘filha’ também empresta dinheiro ‘mãe’ e até lhe serve de ‘fiadora’.

    O paradoxo é evidente. A SIC lucra, mas não capitaliza. Os lucros são integralmente drenados pela Impresa e, não restando liquidez na operadora de televisão, recorre-se à dívida bancária para manter a actividade corrente e financiar investimentos e sustentar a holding Impresa. A SIC faz dívida para pagar dividendos e ainda faz dívida para emprestar à sua própria accionista. O que deveria ser um ciclo virtuoso de criação e retenção de valor, transformou-se num círculo vicioso de endividamento crescente e dependência financeira, resultando na fragilização estrutural da SIC.

    Esta é a realidade que os números expõem de forma clara e inequívoca. Ao longo dos últimos anos, a SIC foi sucessivamente espoliada dos seus resultados operacionais positivos para garantir a sobrevivência financeira da Impresa. A holding, esvaziada de actividade produtiva própria, não tem tido qualquer capacidade de gerar fluxos de caixa que não resultem da exploração directa da sua subsidiária.

    Francisco Pinto Balsemão: a queda de um império de media está iminente.

    A SIC é o pulmão e o coração financeiro da Impresa. Sem ela, a holding não viveria, até porque as portas dos bancos se fecharam desde 2017 – a partir desse ano praticamente não se registam fluxos de caixa provenientes de empréstimos bancários directos à Impresa. E assim, como qualquer organismo parasitário, a Impresa tem vindo a alimentar-se dos recursos da SIC sem nada devolver que reforce a vitalidade da sua operadora.

    Excluindo ainda os lucros de 2024, note-se que os dividendos entregues à Impresa pela SIC – controlada pela família Balsemão – totalizam, entre 2019 e 2023, um total de 64,9 milhões de euros, uma soma considerável num sector pressionado pela quebra da publicidade televisiva tradicional e pela concorrência das plataformas de streaming. Ou seja, em vez de servir para reforçar o capital próprio da SIC, ou para amortizar a dívida bancária que, em Junho de 2024, atingiu 94,5 milhões de euros, esse valor foi integralmente entregue à ‘casa-mãe’, também controlada pela família Balsemão.

    Como se não bastasse, uma vez que a própria SIC foi ainda forçada a conceder sucessivos empréstimos à Impresa (85 milhões de euros), com maturidade de dez anos e com reembolso apenas em 2029, isto significa que, no curto e médio prazo, tem imobilizados recursos significativos em favor de uma holding cuja única estratégia parece ser sugar o que resta do activo que detém. Além disso, não existem garantias de que o empréstimo de 85 milhões de euros seja devolvido à SIC.

    Lucros da SIC (em milhões de euros), que acabaram por ser canalizados como dividendos para a Impresa, No caso dos lucros de 2024 ainda não houve decisão em Assembleia Geral. Fonte: Relatórios e contas da SIC.

    Observando as demonstrações dos fluxos de caixa dos últimos anos, observa-se que a SIC tem sido o ‘banco’ da Impresa, à medida que os verdadeiros bancos fecham a porta pelo risco de incumprimento. Em 2017, a SIC emprestou à ‘mãe’ quase 10,3 mihõoes de euros em dinheiro vivo; em 2018 foram mais 48,8 milhões; em 2019 mais 45,8 milhões; em 2021 mais 1,1 milhões; e em 2023 quase três milhões. Só uma parte foi devolvida.

    Este ciclo de extracção financeira gerou um paradoxo que salta à vista de qualquer análise, mas que parece escapar à gestão da Impresa: uma empresa que lucra, a SIC, não é já uma cadeia de televisões; serve para fazer fluir dinheiro para a holding, custe o que custar, mesmo que se endivide cada vez mais – até porque já ninguém empresta um tostão directamente à Impresa. Na verdade, observando as contas da empresa SIC, constata-se de imediato uma dependência crescente dos financiamentos externos, enquanto sustenta uma holding que nada parece fazer para aliviar a sua carga de dívidas e de custos.

    O resultado é uma fragilização estrutural da SIC, que arrisca acabar com a existência tanto da principal subsidiária da família Balsemão como da holding, já condenada. O passivo total da SIC subiu de 123,4 milhões de euros em 2018 para 170,6 milhões de euros em Junho de 2024 – a Impresa não revela ainda o balanço do final do ano da sua subsidiária. Um agravamento de mais de 47,2 milhões de euros, não obstante a geração de lucros anuais e o reconhecimento contabilístico de uma operação que, em si mesma, continua a ser rentável. Esta dicotomia revela aquilo que é hoje a essência da relação entre a Impresa e a SIC: a primeira já não é uma holding no sentido clássico, mas sim um organismo dependente que parasita o seu activo produtivo até à exaustão.

    Evolução do passivo e da dívida financeira (em milhões de euros) SIC. Valores de 2024 referentes ao primeiro semestre. Fonte: Relatórios e contas da SIC.

    Mas mesmo com a drenagem constante de recursos da SIC, nem a Impresa conseguiu travar o esvaziamento do seu património. O sinal mais visível do esgotamento do modelo parasitário reside na queda abrupta do capital próprio consolidado do grupo. De uma ‘folga patrimonial’ de 156 milhões de euros – se bem que algo ‘maquilhada’ –, a Impresa terá passado agora, com o reconhecimento da imparidade e consequentes prejuízos de 66,2 milhões de euros – para cerca de 96 milhões.

    Além da queda abrupta do valor – com sinais fortes de que o sector televisivo estará em crise –, a Impresa agravou fortemente os seus principais rácios. Embora não tenha ainda sido divulgado o passivo de 2023, a solvabilidade da Impresa anda pelas ruas da amargura. Além disso, como a maioria dos activos da Impresa são ‘artificiais’ – ou seja, são o tal ‘goodwill’ (que representava 71% do total em 2023) –, a confiança do mercado começa a aproximar-se do zero.

    Aguardando-se ainda o relatório e contas final para o ano de 2024, a autonomia financeira da Impresa deverá agora rondar os 30%, algo que, em muitos sectores, mostra sinais de exposição excessiva à dívida. No caso da Impresa, trata-se de um indicador ainda mais preocupante, porque a holding não possui activos patrimoniais robustos, não gera cash flow operacional próprio e depende quase exclusivamente da SIC para sustentar as suas contas. A composição dos activos – dominada por intangíveis como o goodwill, agora desvalorizado – agrava o risco.

    Francisco Pedro Balsemão.

    Em 2023, se se excluísse o goodwill, os activos da Impresa situavam-se em apenas em 110 milhões de euros, dos quais 22 milhões do edifício que recompraram em 2022 e que será vendido para dar liquidez. A parte restante distribui-se sobretudo por direitos de transmissão de programas 42,7 milhões de euros), créditos sobre clientes (21,8 milhões de euros) e dinheiros em caixa (13,2 milhões). Esta última parcela pode parecer imensa, mas não é: os custos operacionais em 2023 foram, em média, de quase 14,3 milhões de euros por mês, a que acresceu quase um milhão de euros de pagamentos de juros e outros custos financeiros.

    Na verdade, se observamos as contas individuais da Impresa, antes da consolidação das contas das suas subsidiárias, a holding controlada pela família Balsemão é hoje financeiramente estéril, dependendo integralmente da liquidez gerada pela SIC para pagar os seus compromissos correntes, incluindo o serviço da sua própria dívida. A Impresa vive do que a SIC lhe transfere, não gera valor, nem contribui para a resiliência do grupo. Ou seja, reiterando o que se expôs, estamos perante um modelo de exploração financeira em que a Impresa actua como um parasita, retirando tudo o que pode da SIC sem garantir o seu futuro. E o futuro está a acabar.

  • Parlamento: Conferência de Líderes ‘salva’ concerto de 140 mil euros de Rui Veloso

    Parlamento: Conferência de Líderes ‘salva’ concerto de 140 mil euros de Rui Veloso

    Vinte e quatro horas antes do Governo Montenegro cair com o ‘chumbo’ da moção de confiança, director de Cultura da Assembleia da República assinou um inusitado contrato de 140 mil euros (IVA incluído) para um concerto de Rui Veloso nas escadarias do Parlamento viradas para a Rua de São Bento. O concerto, por um cachet ‘gordo’ – duas a três vezes o montante habitual cobrado pelo cantor de ‘Chico Fininho’ –, realizar-se-á, ainda por cima, no dia 24 de Maio, ou seja, apenas seis dias após as eleições legislativas antecipadas.

    A confirmação da queda do Governo ainda levou a ponderar-se a suspensão do contrato, mas Aguiar-Branco – colega de liceu e amigo de longa data do músico portuense – e os líderes parlamentares decidiram, na quarta-feira passada, que o concerto vai mesmo avançar.

    Rui Veloso quase perdeu um concerto com um ‘cachet’ de 140 mil euros.

    Embora de forma oficiosa o PÁGINA UM tenha apurado que este concerto está enquadrado ainda nas comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos – mesmo se já depois de se soprarem 51 velas –, certo é que não consta em qualquer programa conhecido do Parlamento ou mesmo da comissão oficial.

    Num programa que consta no site da Assembleia da República sobre iniciativas previstas para este e para o próximo ano no âmbito das comemorações destacam-se, entre outras, a exposição ‘As Primeiras Eleições Livres’, a publicação da antologia ‘A Poesia está na Assembleia’ e do livro ‘Memórias: o Jornalismo e os Jornalistas nos 50 Anos do 25 de Abril’, a produção em parceria com a RTP de documentários, bem como a encenação de uma peça de teatro pelos Artistas Unidos sobre a democracia e a Constituição.

    Nada há, neste programa, sobre um concerto musical, e muito menos se conhecem as razões da escolha do músico do Porto para abrilhantar uma noite de sábado ao preço de 140 mil euros. A preços de mercado, este montante daria para um festival com três ou quatro grupos musicais, opção bem mais democrática.

    Apesar de o PÁGINA UM ter procurado ao longo do dia entender as razões da oportunidade do contrato e, mais em concreto, de Rui Veloso – que será acompanhado pela banda Sinfónica da GNR (sem custos) –, não foi ainda possível obter, apesar de diversas tentativas, comentários do director de Informação e Cultura da Assembleia da República, José Manuel Araújo, que também ocupa há mais de 12 anos o cargo de secretário-geral do Comité Olímpico Português.

    Em todo o caso, a proposta inicial da contratação de Rui Veloso veio da actual secretária-geral do Parlamento, Anabela Cabral Ferreira, desembargadora do Tribunal da Relação que liderou a Inspecção-Geral da Administração Interna entre 2019 e o ano passado. A aprovação passou ainda pelo crivo do Conselho de Administração, que inclui, além da secretária-geral, sete deputados: Emídio Guerreiro (PSD), Eurídice Pereira (PS), Pedro dos Santos Frazão (Chega), Rui Rocha (IL), Joana Mortágua (BE), Alfredo Maia (PCP) e Rui Tavares (Livre). Conforme a acta da reunião, a proposta “foi aprovada por maioria”, com os votos favoráveis dos deputados do PSD, PS, PCP, e do representante dos funcionários parlamentares, a abstenção do Chega, IL e BE, e registando-se a ausência do deputado do Livre.

    Contactado pelo PÁGINA UM no início desta noite, Emídio Guerreiro, que formalmente preside ao Conselho de Administração da Assembleia da República, confirmou a aprovação desta contratação sob proposta dos serviços do Parlamento, embora não se recordando, por não deter os documentos à mão, os motivos para a escolha do músico portuense.

    José Manuel Araújo, director de Informação e Cultura da Assembleia da República, ocupa também o cargo de secretário-geral do Comité Olímpico Português. Foi ele que assinou o contrato na véspera da queda do Governo / Foto: D.R.

    Porém, o PÁGINA UM sabe que, já depois da assinatura do contrato, e sabendo-se já da realização de eleições antecipadas, a secretaria-geral ponderou a suspensão do concerto, decidindo dar a última palavra à Conferência de Líderes. Esta estrutura – formada pelo presidente do Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco, e dos deputados Hugo Soares (PSD), Alexandra Leitão (PS), Pedro Pinto (Chega), Mariana Leitão (Iniciativa Liberal), Fabian Figueiredo (BE), Isabel Mendes Lopes (Livre), Paula Santos (PCP) e Paulo Núncio (CDS) – acabou por aprovar a manutenção do concerto.

    De um modo formal, não existem indícios de que José Pedro Aguiar-Branco tenha influenciado a escolha de Rui Veloso, apesar da sua longa amizade com Rui Veloso, desde os tempos de liceu. No ano passado, o ainda presidente da Assembleia da República confessou que, por ocasião do seu 50º aniversário, organizou uma festa para a família e amigos e surpreendeu todos com o disco gravado no estúdio da casa de Belas de Rui Veloso. Terão gravado juntos ‘Não Há Estrelas no Céu’ e ‘Porto Sentido’. Ainda não foi possível obter comentários de Aguiar Branco para saber se participará no concerto do amigo.

    Por parte da agência que representa Rui Veloso – a PG Booking, que assinou o contrato como adjudicatária –, foi apenas indicado ao PÁGINA UM que o anúncio do concerto ainda não era público. Os únicos aspectos conhecidos surgem no contrato assinado na passada semana, onde se refere Rui Veloso será acompanhado pela Banda Sinfónica da GNR num concerto de 100 minutos sob oito arranjos musicais de John Beasley, um pianista de jazz norte-americano.

    José Pedro Aguiar-Branco preside também à Conferência de Líderes, onde estão os líderes dos diferentes grupos parlamentares, onde se decidiu esta quarta-feira manter o concerto de Rui Veloso.

    Aos 67 anos, Rui Veloso – que saltou para a ribalta logo em 1980 com o seu disco de estreia ‘Ar de Rock’ – continua a ser um dos músicos portugueses mais requisitados por entidades públicas. De acordo com o Portal Base, desde o início de 2024, o espectáculo na Assembleia da República será o seu 24º concerto alvo de contrato público, embora este seja de longe o de maior valor.

    Em média, excluindo o concerto das escadarias do Parlamento, Rui Veloso cobra uma média de 45 mil euros. Curiosamente, é nos concertos comemorativos do 25 de Abril que Rui Veloso mais tem facturado. No ano passado, no dia 25 de Abril esteve no castelo de Alandroal e cobrou um pouco mais de 71 mil euros. Dois meses depois, também no âmbito da Revolução dos Cravos, pelo  concerto em Alcácer do Sal facturou, através da agência PG Booking, um pouco menos de 60 mil euros. O mais barato foi um concerto em Novembro passado no Cine-Teatro Avenida de Castelo Branco, que ‘só’ custou cerca de 27 mil, uma vez que já havia palco.

    N.D. Notícia actualizada no dia 15/03/2025 para acrescentar a informação de que a proposta de adjudicação do contrato foi aprovada por maioria, mas com a abstenção do Chega, da IL e do BE, enquanto o deputado do Livre este ausente da reunião.