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  • Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social


    Em 5 de Janeiro passado, enviei à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma queixa formal contra o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, contra mais seis jornalistas da CNN e contra os respectivos directores deste canal televisivo, por violação da Lei da Imprensa. Além disso, pedia que fosse determinada a obrigação de publicação de um direito de resposta pela CNN Portugal, que me fora negado. A queixa pode ser consultada AQUI e o direito de resposta negado AQUI.

    Em causa, como já revelei, estava um “artigo” completamente difamatório e ao arrepio de todas as regras éticas e deontológicas da autoria do primeiro visado, o dito jornalista-estagiário, publicado no site da CNN Portugal em 23 de Dezembro do ano passado, e que difundia uma notícia do PÁGINA UM (também divulgada na sua página do Facebook) com dados anonimizados relativos a internamentos de crianças com covid-19.

    Notícia do PÁGINA UM alvo do ataque da imprensa mainstream.

    Nem eu nem o PÁGINA UM éramos identificados directamente na peça da CNN Portugal intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista”, mas era por demais evidente que o jornalista-estagiário, os outros jornalistas que foram difundindo esta difamação ao longo daquele dia e os directores da CNN Portugal, sabiam a quem se estavam a referir.

    E também o que estavam a fazer. Até porque, em abono da verdade, o “artigo” era bem apoiado por médicos bem instruídos pela Ordem dos Médicos, tendo tido até a participação posterior, bem activa, do seu bastonário, incomodado pelas investigações do PÁGINA UM.

    Com efeito, para a preparação do seu “artigo”, o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino não apenas me enviara um pedido de comentário para o meu e-mail do PÁGINA UM – sabendo assim, de antemão, que era um órgão de comunicação social e que eu era jornalista – como no seu “artigo” dava pistas inequívocas sobre a minha identidade. O e-mail do jornalista-estagiário da CNN Portugal pode ser lido AQUI. A minha resposta AQUI.

    Tendo em conta que outros órgãos de comunicação social fizeram eco do “artigo” da CNN Portugal – sem sequer confirmar a sua veracidade –, e também recusaram publicar o meu direito de resposta, apresentei queixa à ERC contra o Público, a Lusa e o Expresso (em conjunto) e o Observador. A queixa contra o Público pode ser lida AQUI. As queixas relativas aos outros órgãos de comunicação social são muito similares, até porque todas se basearam e citaram a notícia inicial da CNN Portugal.

    Porém, todas aquelas queixas deram entrada cronologicamente após a queixa que apresentei à ERC contra a CNN Portugal.

    Notícia original da CNN Portugal com referências falsas e difamatórias ao PÁGINA UM, mesmo após contacto do seu autor. Público, Lusa, Expresso e Observador usam a informação da CNN Portugal sem confirmar a veracidade.

    Não poderia nem deveria, portanto, a análise da ERC ao comportamento da CNN Portugal ser realizada posteriormente à das outras queixas, tanto mais que a confirmar-se, como se mostra evidente, graves violações éticas, deontológicas e mesmo legais por parte do jornalista-estagiário, restantes jornalistas e directores da CNN Portugal, de imediato estaria em causa o comportamento dos restantes órgãos de comunicação social.

    Na verdade, condenar a CNN Portugal – que será fácil, se se quiser aplicar os princípios basilares da Justiça, pelas profusas provas documentais e evidências – seria condenar automaticamente o Público, a Lusa, o Expresso e o Observador por terem difundido uma notícia falsa e difamatória (feita pela CNN Portugal), a qual eles nem sequer se deram ao trabalho de confirmar a veracidade. Procedimento este – o não confirmar a veracidade da informação que se veicula – que é já usual na imprensa mainstream.

    Ora, mas a ERC – uma entidade que aparenta regular mais os amiguismos e companheirismos no pequenino e mesquinho mundo da imprensa de um país sem coluna vertebral e independência – não poderia jamais permitir-se a revelar que o “rei anda nu”, e há muito.

    O que fez, então?

    Um reles truque!

    “Engavetou” a primícia queixa contra a CNN Portugal – ou seja, adiou a sua análise sine die –, e põe-se a tratar primeiro da denegação do direito de resposta do Público.

    Comentários na notícia do Público que a ERC diz que “não pode razoavelmente interpretar-se” como associada ao jornalista Pedro Almeida Vieira e ao PÁGINA UM.

    E fez a “coisa” por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos, que chegou asnamente à conclusão que “não pode razoavelmente interpretar-se o teor da notícia divulgada pelo Público, bem como a hiperligação nela embebida que remete para a notícia da CNN Portugal, no sentido de ser associada inequívoca e patentemente ao Recorrente [eu] ou ao jornal que dirige [PÁGINA UM], não sendo a expressão ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’ subsumível ao conceito de referência indireta suscetível de afetar a reputação e boa-fama de Pedro Almeida Vieira.”

    Portanto, decidiu a ERC pelo arquivamento da queixa, e o Público ficou desobrigado, por agora, de publicar o direito de resposta. A Deliberação da ERC pode ser lida AQUI.

    A referência à pala dos cavalos tem mesmo, neste caso em concreto, um sentido simultaneamente metafórico e literal: de facto, os membros da ERC que assinam uma “coisa” chamada Deliberação só olharam de frente para a notícia online do Público.

    Não desviaram sequer o olhar do seu objectivo pré-concebido – ilibar – para ler os comentários de leitores que facilmente concluíram que a notícia do Público se referia a mim e ao PÁGINA UM. Alguns comentários podem ser lidos AQUI.

    Os doutos membros da ERC nem se dignaram em indagar qual poderia ser então a tal “página”, referidas nos “artigos” da CNN e Público (e outros), que divulgara os dados anonimizados (cumprindo, aliás, a legislação de protecção de dados), se esta não fosse afinal, como era, proveniente do PÁGINA UM, um órgão de comunicação social por ela regulada.

    Aliás, compreende-se bem que a ERC não tivesse escolhido, para o “truque” resultar, a queixa contra o Observador: aí, houve dezenas de leitores que me identificaram e identificaram o PÁGINA UM explicitamente.

    Por uma razão simples: os dados anonimizados das crianças internadas (dados reais, jamais desmentidos) tinham sido unica e exclusivamente divulgados pelo PÁGINA UM. Em jornalismo, o PÁGINA UM fizera aquilo que se chama uma cacha. Era um artigo jornalístico, escrito por um jornalista acreditado. Não havia, como nunca houve, uma publicação de uma “página negacionista”, feita de forma clandestina com conteúdos falsos.

    Aquilo que houve (com o “artigo” da CNN Portugal e seus sucedâneos) foi uma tentativa de “assassinato” de carácter a um jornalista (eu) e a um projecto jornalístico recente independente e incómodo, e que, aliás, já desvelara alguns dos podres da imprensa mainstream, da gestão da pandemia e das ligações promíscuas entre alguns médicos (e a Ordem dos Médicos) e as farmacêuticas. Aliás, basta ler esta secção da Imprensa no PÁGINA UM para compreender os engulhos que este projecto tem causado em certo jornalismo em tão pouco tempo de existência.

    Para a ERC tudo isto não interessa. Precisava de ilibar desde já o Público. E para quê começar pelo Público?

    Porque o “truque” da ERC é simples e eficaz, se não fosse, desde já, denunciado: ilibando o Público, torna-se óbvio que a ERC quer ilibar sobretudo a CNN Portugal com o argumento que tendo, sobre esta matéria, sido o Público já ilibado, então nem sequer merece análise o contacto que o jornalista-estagiário da CNN me fez nem as referências (mais que) implícitas a mim e ao PÁGINA UM no dito “artigo”.

    Portanto, com uma mão se lava assim a outra; mesmo que, no caso em apreço, seja mais a falta de vergonha de toda esta gente que apenas conspurca tudo à volta.

    Tendo sido eu notificado desta coisa chamada Deliberação da ERC sobre a queixa do Público no passado dia 3 de Março – apesar da decisão ter sido tomada em 9 de Fevereiro, ignorando eu as razões desta demora –, apresentei impugnação, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo (CPA) no passado dia 6 de Março. A impugnação pode ser lida AQUI, até por ser relevante sobre as minhas críticas à falta de regulação do jornalismo na cobertura da pandemia.

    Já no dia 3 também solicitara de imediato pedidos de audiência prévia, também prevista no CPA, para conhecer antecipadamente os projectos de Deliberação dos outros processos (incluindo o da CNN Portugal), de modo a poder adicionar outros elementos ou contestar antes de uma decisão. Esse pedido pode ser lido AQUI.

    Ora, mas que fizeram os senhores da ERC, entretanto?

    Correram lestos a publicar no respectivo site da ERC a sua Deliberação que, sem vergonha, ilibava o Público.

    Poderiam fazer isso?

    ERC divulgou Deliberação na terça-feira passada mesmo sabendo que já fora apresentada impugnação.

    Poder, podem, tanto assim que fizeram. Deveriam? Não. Só o fizeram porque faltam a ética e a moralidade ali pela sua sede na Avenida 24 de Julho. A ERC tinha conhecimento que o processo não estava concluído perante a minha impugnação; devia, pelo menos, mostrar recato, mas quis mostrar servilidade à imprensa mainstream.

    Apercebendo-me desta patifaria – não encontro melhor eufemismo –, enderecei anteontem, dia 8, ao presidente da ERC, o juiz Sebastião Póvoas (e depois surpreendemo-nos de a Justiça andar pelas ruas da amargura), o seguinte e-mail: “Tomei conhecimento que a ERC disponibilizou no seu site a Deliberação ERC/2022/52, decorrente de um processo que, como V. Exa. bem sabe, não está concluído por ter merecido da minha parte a competente impugnação. Nesse sentido, agradecia que V. Exa. desse indicação para a retirada da dita Deliberação do V. site até que seja analisada a dita reclamação, sem o que me verei obrigado (para minha defesa) a divulgar no site do PÁGINA UM não apenas a queixa inicial como a V. Deliberação por mim impugnada e a minha impugnação propriamente dita.”

    Que fez o Meritíssimo?

    Não retirou a Deliberação – cair-lhe-iam os paramentos se tal fizesse – e optou apenas por acrescentar a seguinte nota no site: “Esta deliberação foi objeto de reclamação, tendo sido pedida a sua invalidade (anulação), requerimento que vai ser apreciado pelo Conselho Regulador.”

    Acrescento feito no site da ERC após o pedido de retirada da Deliberação impugnada pelo PÁGINA UM, enquanto a reclamação não fosse decidida

    Entretanto, ainda não reagiu a ERC aos pedidos de audiência prévia sobre os outros processos, e sobretudo nem sequer se deu ao trabalho de justificar as razões da primícia queixa contra os jornalistas da CNN Portugal ter ficado a “marinar”.

    Quanto a mim, e ao PÁGINA UM, apenas estamos, com este texto, e a divulgação dos documentos, a cumprir a promessa feita ao presidente da ERC.

    E fazemos outra aos nossos leitores: enquanto Portugal ainda tiver uns laivos de democracia e de vergonha na cara, continuaremos a denunciar as pestilências desta fermosa estrebaria, como disse o Cavaleiro de Oliveira no século XVIII, e também diria no presente. Fermosa e cada vez mais malcheirosa, acrescento eu.

    Podem contar com o PÁGINA UM para defender um jornalismo isento e independente, mesmo perante certos Senhores que, parecendo regular a comunicação social com faca e queijo na mão, não hesitarão em continuar a dar o queijo à imprensa mainstream, enquanto se ajeitam para espetar, à primeira oportunidade, as costas (ou talvez mesmo o peito) de quem denuncia a podridão no jornalismo nacional.

  • Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias

    Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias


    Se desejarem perceber a razão do título, então terão de acompanhar-me num breve exercício de História. Não prometo que entenderão, mas fica o convite para me acompanharem.

    Vamos para o século XVIII. Século de guerras. Como todos, infelizmente. Mas este começou o rufar de tambores bem cedo.

    Entre 1700 e 1721, deu-se a chamada Grande Guerra do Norte, que envolveu a Rússia, Dinamarca-Noruega e Saxónia-Polónia, que desafiaram a supremacia da Suécia na zona do Báltico.

    Abrangeu todo o período da Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), onde andaram em pleitos sangrentos, entre outros Estados, o Sacro Império Romano, Áustria, França, Baviera, Portugal e duas facções de Espanha. O nosso marquês das Minas chegou até a tomar Madrid por uma quarentena de dias em 1706, acabando escorraçado pelo povo espanhol.

    Pela Europa a paz deambulou por quase duas décadas. Ressurgiu com a sucessão do trono: o da Polónia, para o qual até um irmão do nosso D. João V esteve candidato. Resolveu-se com uma guerra que começou em 1733 e terminou cinco anos mais tarde, com refregas sanguinolentas entre austríacos, franceses, sardos, espanhóis e pretendentes ao trono daquele país.

    people gathering on street during nighttime

    Não houve duas sem três. Chegado o ano de 1740, veio a Guerra da Sucessão Austríaca, até 1748, tomando-se de agressivas razões austríacos, bávaros, holandeses, britânicos e espanhóis. Neste ínterim, Áustria e Prússia ainda tiveram tempo de se guerrear pela posse da Silésia, território hoje quase todo pertencente à Polónia, mas ainda com pedaços na Alemanha e República Checa. O primeiro período de guerras foi de 1740-1742, depois 1744-1745 e, por fim, 1752-1762.

    Apanhou assim a muito conhecida Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que foi uma verdadeira guerra mundial nos principais continentes, e que contou com os “suspeitos do costume”: Áustria, França, Grã-Bretanha, Prússia, Rússia, Suécia, e claro também Portugal e Espanha – que onde esteve um, esteve outro, sempre opostos.

    Como maus vizinhos, a Espanha chegou a invadir-nos, mais uma vez, à conta de sermos aliados dos britânicos, coisa que se resolveu a contento na denominada Guerra Fantástica – nuestros hermanos foram mais derrotados pelas diarreias e pelo Tejo do que pelas armas lusitanas.

    Resumamos a “coisa” até ao final do século, até porque não é somente de guerras que este texto trata.

    Portanto, ainda tivemos a conhecida Revolução Americana (1775-1783), e não havendo pouca, ainda lhe sucedeu a Revolução Francesa, a partir de 1787, que não acabaria, com as suas batalhas e ajustes de contas, antes da chegada de novo século.

    Isto foi na Europa, porque nas colónias dos países europeus muita bordoada houve. No continente asiático contabilizam-se as guerras carnáticas – na região sul da Índia – envolvendo França e Grã-Bretanha quase ininterruptamente entre 1701 e 1761. Na América do Norte houve a Guerra da Rainha Ana, entre 1702 e 1713.

    Podemos ainda incluir aqui, de fugida, a Guerra dos Emboabas (1708-1709), em Minas Gerais, envolvendo bandeirantes paulistanos e colonos portugueses recentes, por conta do ouro. Mais acima, entre 1715 e 1717 tem de se contar com Guerra de Yamasee, entre colonos britânicos e indígenas.

    Na zona do Caribe, bem como na Flórida e Geórgia, entre 1738 e 1748 decorreu a denominada Guerra da Orelha de Jenkins – que teve, como seu casus belli, a orelha cortada de um capitão britânico por um outro espanhol. A Espanha também se meteu.

    Mais para norte, também franceses andaram com britânicos a banharem-se em sangue entre 1744 e 1748, na denominada Guerra do Rei Jorge. Anos depois, em 1754, meteram-se os Cherokee ao barulho. Somente cessaram hostilidades em 1763.

    No último quartel do século XVIII ocorreu ainda, fora da Europa, a primeira fase das Guerras Maratha (1775-1782), em território colonial britânico na Índia. E ainda antes do final desse centúria, na região da África do Sul, deram-se, em 1779, os primeiros tiros das Guerras da Fronteira do Cabo, entre o povo xhosa e os holandeses e mais os ingleses. Duraram quase um século.

    Apenas uso o século XVIII, por ser centúria que a Enciclopédia Britânica lista com muitas guerras e poucos anos de paz. E escolhi o século XVIII e não o XIX, porque este ainda teve mais guerras: 36. E o século XX uma mais: 37.

    Mary and Jesus statue

    Com duas décadas e mais uns pós no século XXI, a Enciclopédia Britânica conta apenas três guerras (desconta os “pequenos” conflitos, mesmo se sanguinários): Afeganistão (2001-2014), Guerra do Iraque (2003-2011) e Guerra Civil da Síria (desde 2013).

    Notem: sendo certo que, nas últimas décadas, “apenas” houve três conflitos intensos, todos tiveram vários anos de duração.

    Assim, mesmo tendo em conta as horríveis fatalidades do actual conflito, a histeria quase generalizada que campeia pela imprensa, pelos políticos e pela população, numa época de globalização e de manipulação, está a reunir todos os ingredientes para se transformar tudo isto numa terrível e carnificina guerra. Exige-se coração frio e cabeça calma.

    Saibamos uma coisa: Putin é como aquele meliante que enquanto jovem se foi “alimentando” do desleixo exterior quanto à educação das crianças, foi bebendo do desprezo de adolescente, mas que agora, enquanto ele empunha a arma no assalto, surge um coro de co-responsáveis por inércia e inerência a chamar-lhe nomes feios.

    Caramba! Agora?! O homem, sendo facínora, está armado (na verdade, com um arsenal nuclear) e é imprevisível? Qual é a parte que não se percebe?

    Putin não é um comboio que apenas quer derrubar um país, ou até o Mundo, e que tem de ser parado.

    Putin é um comboio sim, e nada amistoso, mas está já em andamento. Não pára só porque lhe acenamos que tem de parar.

    Agora é que se quer atacá-lo com cocktails molotov à la suicida, enquanto se grita mais nomes feios? Será essa a solução para evitar males maiores?

    [Porque, nesta fase, já haverá, infelizmente, muitos males, mas muitos mais a evitar]

    Ou deverá simular-se uma fuga estratégica à la D. João VI – reflictam bem sobre ela, porque foi de grande argúcia –, para depois, com mais calma e melhor estratégia, atacar o inimigo em outras condições, como se fez no século XIX com Napoleão Bonaparte?

    brown concrete statue of a man

    E agora a pergunta retórica: que tem isto a ver com o título do texto?

    Tudo, ou nada.

    A História, minhas senhoras e meus senhores.

    A importância da História.

    A importância de sentir que esta não é a primeira batalha do Mundo, ou já guerra, como se queira, e nem seguramente será a derradeira.

    E, em suma, a importância de fazer e sonhar, de imaginar e cogitar, de dizer disparates e de ideias brilhantes, de não ter medo de opinar, de não ter receio em dizer uma idiotice. Calarmo-nos, ou impedir que outros falem – ou não queiram falar – pode sempre, é certo, poupar-nos de ouvir idiotas; mas também evitar que tenhamos homens com coragem para ideias brilhantes.

    Não queiram calar pessoas.

    Não queiram impor um mundo maniqueísta.

    Não permitam a manipulação, mesmo se parecer boa.

    Não cometam injustiças apenas porque há um tempo indecente e facínora de uma determinada nacionalidade.

    Não queiramos um Mundo impoluto de idiotas apenas porque ficou, o Mundo, destituído de ideias.

  • Mais uma lição de jornalismo: tenham dó, mas não!, não! e mais não!; ‘isso’ não é ser jornalista

    Mais uma lição de jornalismo: tenham dó, mas não!, não! e mais não!; ‘isso’ não é ser jornalista


    Na noite passada, fui relembrar o texto integral do Código Deontológico dos Jornalistas. Convém sempre, mesmo que se tenha os princípios na ponta da língua. A tentação de transigir em determinados contextos – como sucedeu na pandemia desde 2020, e agora ocorre com a nova invasão da Rússia à Ucrânia – é sempre muito elevada. Os jornalistas são humanos, emocionam-se, agem como humanos.

    Começa logo assim o dito Código, no primeiro ponto:

    “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.”

    Há mais 10 “mandamentos”, alguns deles redundantes, mas dois são fundamentais, e obrigam-me mesmo a invocá-los por imperativos de consciência, e como instrumento, enfim, talvez inglório, para defesa de um jornalismo independente. E quando falo de independência não pode significar dependência das vontades circunstanciais, e por vezes caprichosas, dos leitores.

    books over green trolley bin

    [Tem sido, aliás, muito interessante observar que alguns, felizmente muitíssimo poucos, dos meus leitores não compreendem o significado de “jornalismo independente”, reivindicando mesmo que lhes devolva pequenos donativos ao primeiro sinal de desagrado sobre algo que surge no PÁGINA UM. É, em escala micro, aquilo que sucede na imprensa mainstream, mas com entidades económicas e financeiras de muito maior relevo.]

    Num desses “mandamentos” fundamentais refere-se “o jornalista deve combater a censura e sensacionalismo”, enquanto no outro se recomenda que “o jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar”, acrescentando ainda ser sua “obrigação (…) divulgar as ofensas a estes direitos.”

    Neste contexto, é uma regra sem excepção: um jornalista jamais pode aceitar a existência de qualquer tipo de censura, mesmo se dirigida a terceiros, mesmo se alegando benefícios para um evidente bem comum.

    Nem que seja porque o bem comum é conceito difuso e escorregadio, geralmente definido pelo poder. Ora, a ética é a alma do jornalista; e não há bem comum que justifique um apoio à censura, seja qual for o “tipo” que a impõe, seja qual for o tipo e circunstâncias da sua aplicação.

    Sejamos claros: nenhuma censura é boa; nenhuma ditadura sobrevive sem censura; nenhuma democracia vive com censura.

    Mas o Código Deontológico nem deveria ser necessário: bastaria uma dose de bom senso e equilíbrio, para um jornalista ser aquilo que deve ser: isento, rigoroso, buscando a verdade, sem tomar aprioristicamente partido de um lado, sobretudo em conflitos. Sobretudo nestas últimas circunstâncias, e no conflito russo-ucraniano, não deve um jornalista comportar-se como um adepto de futebol, ou como um comentador na passadeira vermelha da feira das vaidades.

    Vou ser mais concreto.

    Parece por demais evidente que, no conflito russo-ucraniano, Putin é o agressor, independentemente das causas, que, em todo o caso, num trabalho jornalístico, devem ser sempre enquadradas. E é ele também um agressor violento, que merece forte e evidente reprovação – e eu, como jornalista, separando de forma clara (e muito clara mesmo) a opinião da notícia, posso e devo dizer que ele é um criminoso.

    I want you for U.S. Army

    Porém, tanto na opinião como na notícia, um jornalista deve trabalhar “com rigor e exactidão”, e não serve de desculpa não o fazer “só” porque Putin é um facínora.

    Um jornalista não é um cidadão comum.

    Alguns, esquecem-se.

    Muitos leitores, também.

    Um jornalista não é um simples adepto, que observa, relata, instiga as hostes em função de um objectivo: a vitória da sua facção. Um jornalista não serve facções: é um relator e um árbitro dos acontecimentos. Não tem sequer de intermediar nem influir nos acontecimentos, nem deve.

    O jornalista não é um agente dos acontecimentos, e daí que deve fazer um esforço suplementar para não ser instrumentalizado, nem instrumentalizar os leitores – como, aliás, se observou durante a pandemia que, por certo, não teria “terminado” assim tão de repente se não fosse o conflito russo-ucraniano.

    Numa guerra, a informação e a propaganda confundem-se, muitas vezes. Se houver censura ou condicionamento psicológico – fruto de um sentimento intenso de pertença ou afeição incondicional –, e o jornalista se deixar levar na onda, perde a sua independência e objectividade, e o seu trabalho descamba facilmente para a propaganda.

    Pode não ser intencional, mas se um jornalista não for zeloso na verificação de factos, no rigor da informação que transmite, porque enfim a “Rússia é a má da fita”, abre uma caixa de Pandora. Se uma parte que procura manipular o jornalista – e não sejamos ingénuos, mesmo em tempo de paz e assuntos mais comezinhos, as fontes sempre procuram levar água aos respectivos moinhos – observar que consegue uma primeira vez passar propaganda como notícia, e mesmo sendo “apanhado”, continua a ser aceite, jamais deixará de fazer propaganda. Mentirá, porque a mentira passará por verdadeira; a verdade será a mentira.

    A propaganda, diga-se, faz parte das regras do jogo – e, por vezes, cai-se na esparrela –, mas um jornalista que entre num jogo onde voluntariamente sabe que está a participar na propaganda, deixa de ser jornalista. Deixa de fazer notícias. E isto não é uma notícia que eu esteja a dar-vos, embora devesse ser: é claramente a minha opinião, que deveria levar a uma reflexão qualquer jornalista.

    A coragem no jornalismo não se mede apenas em percorrer estradas sem nexo nas imediações de um “teatro de guerra”, mas, sim, também em enfrentar poderes instalados, em investigar e escrever sobre assuntos delicados, mesmo quando se pode sair prejudicado na sua imagem e na sua vida – ou perdê-la mesmo – por mor da sua independência.

    person in blue denim jeans and orange backpack walking on street during daytime

    Isto também escrevo a propósito da “mensagem de solidariedade a congéneres ucranianas” feita pelo nosso (e meu) Sindicato dos Jornalistas, onde aliás se consulta o Código Deontológico. Acho bem uma mensagem de solidariedade, mas esta tem um “pecado capital”: denota um enviesamento incompatível com os princípios que atrás enunciei.

    Com efeito, é um erro e uma injustiça que os jornalistas ofereçam o seu apoio e solidariedade “apenas” aos jornalistas ucranianos; primeiro, porque não são os únicos potencialmente visados em conflitos armados – que já mataram, desde 1992, um total de 2.128 jornalistas e outros profissionais dos media, de acordo com o Committee to Protect Journalists (CPJ). Aliás, na verdade, o SJ está atrasado alguns anos: os jornalistas ucranianos já precisavam de ajuda pelo menos desde 2014, no decurso da invasão da Crimeia e dos conflitos em Donbass.

    [Sobre estes perigos, e as semanas que antecederam o actual conflito, aconselho vivamente a leitura destas breves entrevistas no CPJ aos jornalistas Anastasiya Stanko e Sergiy Tomilenko, este último que ocupa a liderança do União Nacional de Jornalistas da Ucrânia.]

    De facto, tanto ou mais que os jornalistas ucranianos, são os jornalistas russos independentes que mais apoio e solidariedade precisam – e de incentivo para não caírem na propaganda e para perseverarem na sua coragem. E não se diga que não há jornalistas independentes na fria Rússia, excepto se a memória for mesmo muito curta: no passado dia 10 de Dezembro foi entregue em Oslo o Prémio Nobel da Paz ao fundador e editor-chefe do Novaya Gazeta, Dmitry Muratov. Já se esqueceram do que ele passou, e os seus camaradas (termo usado entre jornalistas) para receber esta distinção? Se não se recordam, o PÁGINA UM relembra aqui.

    Sejamos mais uma vez claros.

    A Rússia não é, e muito menos foi antes desta invasão de Putin, um país para jornalistas independentes.

    A Rússia ocupa o 11º lugar no triste ranking da Global Impunity Index da CPJ relacionada com homicídios, raptos e aprisionamentos de profissionais dos media. Mesmo não havendo mortes de jornalistas desde 2017 – mas desde 1992 já caíram 58 e há sete desaparecidos há vários anos –, ao longo de 2021 contabilizam-se 14 presos (um recorde): Abdulmumin Gadzhiev, Aleksandr Dorogov, Aleksandr Valov, Alla Gutnikova, Armen Aramyan, Igor Kuznetsov, Ivan Safronov, Natalia, Vladimir Metelkin, Yan Katelevskiy, Osman Arifmemetov, Remzi Bekirov, Rustem Sheikhaliev, Vladislav Yesypenko – os quatro últimos na invadida Crimeia.

    Mensagem de solidariedade do Sindicato dos Jornalistas apenas às suas congéneres ucranianas.

    O público português pode até ignorar isto; um bom jornalista português não pode, não deve.

    Por isso, pasmo ao ver jornalistas, ou responsáveis na imprensa, a apoiarem (nem que seja pelo silêncio) a censura de órgãos de comunicação, e a incentivarem (nem que seja por omissão) a perseguição sobre aqueles que não seguem princípios maniqueístas, como se estivesse em causa um mero despique futebolístico, em que é obrigação de todos vestir a camisola do mais fraco, e se a não veste merece apupos (ou pior ainda) porque estará infalivelmente a favor do inimigo.

    São estes os tempos que temos, e a culpa é dos jornalistas, que até metem mais álcool para a fogueira.

    Isto não faz esquecer o essencial. Jamais questionei e questionarei o óbvio: a Rússia invadiu a Ucrânia, e está a cometer atrocidades terríveis. Mas o jornalismo não é isto que se tem visto. O jornalismo deve, pelo menos, agir como o russo Novaya Gazeta promete – e aparentemente está a cumprir: “seguir o derramamento de sangue no país irmão e continuar apresentando apenas factos verificados sobre os horrores da guerra.”

    É isto que “basta” o jornalismo fazer, e os jornalistas executar. Comecem por ler, por exemplo, a cobertura noticiosa do Novaya Gazeta sobre os conflitos – aproveitando, ademais, as boas traduções já feitas pelos browsers – ou este texto de hoje assinado por Dmitry Muratov e Beatrice Fihn em nome da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (entidade que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2017).

    Leiam, já agora, também, por exemplo, o excelente artigo de opinião de Julia Latynina, intitulado “Eles não mentem. Eles pensam assim”. Ou então o lúcido e pacificador artigo de opinião de Petr Shelishch, presidente da União dos Consumidores da Rússia. Ou uma análise muito interessante sobre o efeito da desconexão do SWIFT aplicado ao sistema bancário russo e suas implicações directas no quotidiano dos cidadãos daquele país. Ou este artigo do cineasta Vladimir Mirzoev. E tantos outros.

    E vejam onde há coragem, onde há jornalismo. Onde há esperança. Onde há gente também a precisar de ajuda e alento para combater a barbárie humana, mesmo se intentada por alguém da sua nacionalidade.

    Se acharmos que devemos censurar, estaremos ao mesmo nível de Putin, que começou já a encerrar órgãos de comunicação social classificando-os com “agentes de media estrangeiros”. Hoje foi silenciado canal televisivo Dozhd e a rádio Eho Moskvy. Reparem: o Novaya Gazeta não perdeu tempo a criticar esta medida. E continuará, talvez, até ser silenciada, se deixarmos que a censura até no Ocidente prolifere e seja defendida. A imprensa do regime e os jornalistas russos “dependentes” devem ter achado bem, presumo.

    Onde está, enfim, e por fim, a verdade, pergunto-vos?

    Estará em jornais independentes russos, como o Novaya Gazeta?

    Dmitry Muratov, editor-chefe do Novaya Gazeta, com a jornalista filipina Maria Ressa, na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz em Oslo, no dia 10 de Dezembro do ano passado (© Nobel Prize Outreach. Foto: Jo Straube)

    Ou estará apenas e só na imprensa ocidental?

    Naquela que, por exemplo, noticiava a chacina de 13 soldados ucranianos numa pequena ilha do Mar Negro – revelando mesmo que o presidente ucraniano os agraciaria com medalhas póstumas –, mas que, três dias mais tarde, anunciava que afinal estavam vivos, dando este volte-face acompanhada com uma mera menção de ser uma “actualização” à informação primitiva.

    Eu, por mim, fiz já uma escolha. Como jornalista e como leitor. Não quero censura, e quero apoio a todos os jornalistas. Sei serem escolhas pouco simpáticas nestes tempos continuamente distópicos. Mas se alguém quer ser simpático, não deve jamais querer ser jornalista independente. Está a mais. E a fazer mal às democracias.

  • Porque estando eu a 3.806,3 quilómetros de Kiev tenho raiva de Putin e medo de Helena Ferro de Gouveia

    Porque estando eu a 3.806,3 quilómetros de Kiev tenho raiva de Putin e medo de Helena Ferro de Gouveia


    Há uma grave tragédia na Ucrânia, à escala mundial, humanitária, política, geoestratégica, psicológica. Mais grave ainda por suceder no culminar de dois anos de uma pandemia que criou uma psicose colectiva – formatada por políticos, imprensa e indústria farmacêutica –, e que permitiu transformar um evento grave de Saúde Pública em prenúncio de um cataclísmico Armageddon vírico.

    Desde 2020, pasmo com a mudança das mentalidades, mesmo em espíritos abertos. Ressurgiu, como em sombrios tempos passados, um pensamento unívoco e dogmático, baseado num mundo maniqueísta: o altruísta e o egoísta; o bondoso e o maldoso; o santo e o pecador; o humano e o desumano; o anjo e o demónio; o imaculado e o hediondo; o generoso e o sovina; o insigne e o abjecto; o puro e o impuro; o elevado e o rasteiro; o herói e o vilão.

    Obviamente que, neste mundo, e desde que o mundo é mundo – que, neste contexto, se situa desde que o ser humano surge com as suas imperfeições –, há homens e mulheres egoístas, maldosos, pecadores, desumanos, demoníacos, hediondos, sovinas, abjectos, impuros, rasteiros, vilões. Porventura, ou “malventura” nossa, Putin será alguém que bem se encaixa em todas estas adjectivações. Se lhe faltar alguma, será, por certo, compensada por todas as outras.

    Porém, o maior problema do mundo nem é a existência de Putins – porque houve piores ou iguais em séculos passados (e não apenas Hitler), e os haverá em séculos futuros. E no futuro sobretudo se pensarmos que ele é único, e fruto de um acaso ou de um azar genético.

    Na verdade, a grande causa das piores desumanidades da Humanidade (lembremo-nos que a desumanidade é algo apenas dos humanos) foi a incapacidade colectiva em prevenir e precaver a existência desses maldosos, pecadores, desumanos, demoníacos, etc. – e, pior ainda, que estes fossem concebidos e crescessem na base, ou sob a assistência ou apatia, de pessoas que até se assumem como altruístas, bondosas, santas, humanas, anjos, imaculadas, generosas, insignes, puras, elevadas e heróicas.

    Talvez uma leitura da Divina Comédia de Dante ajudasse a compreender os erros deste pensamento maniqueísta, mas se tal não for possível bastará a máxima popular, “de boas intenções está o Inferno cheio”.

    Desse modo, colocar o conflito russo-ucraniano – ou, para se ser mais rigoroso, a invasão da Rússia à Ucrânia, porque é disso que se trata – numa esfera simplista, maniqueísta, é esquecer tudo aquilo que sucedeu antes. Até porque esquecer o que aconteceu antes impede compreender o que está a suceder. E o que mais virá.

    Para que não seja uma interpretação minha dos acontecimentos, cito a excelente base de dados do Departamento de Pesquisa da Paz e Conflitos da Universidade de Uppsala, para termos presente o que tem sido a Rússia das últimas três décadas:

    “Após o colapso da União Soviética, a recém-criada Federação Russa reprimiu uma tentativa de golpe das forças parlamentares em 1993. Também lutou contra movimentos pró-independência no norte do Cáucaso. No contexto do conflito na Chechênia, iniciado em 1994, o Governo russo usou violência unilateral em grande escala. As brutais guerras chechenas contra a República Chechena de Ichkeria arrastaram-se até 2007, quando o líder da República Chechena de Ichkeria declarou o estabelecimento do Emirado do Cáucaso. No final de 2015, o grupo estava praticamente extinto, com seus membros mortos ou capturados pelas forças de segurança, ou desertando para se juntar ao Estado Islâmico em seu conflito para estabelecer um Estado Islâmico no Cáucaso, que ainda está em andamento como uma insurgência de baixa intensidade.

    Os governos da União Soviética e da Federação Russa também forneceram apoio secundário de guerra a vários governos e grupos não estatais na sua esfera de interesse. Tais conflitos incluíram: Irão (1946), Coreia (1949–1953), Tajiquistão (1993–1996), Afeganistão (1979–1988 e 2001), Ucrânia (a partir de 2014 até à actualidade) e Síria (a partir de 2015 até à actualidade)”.

    Ou seja, Putin não saiu assim do nada, de repente, de forma surpreendente.

    Os conflitos da Ucrânia, associados à Rússia, também não. Não começaram este mês. Se não antes, começaram pelo menos em 2013, nos protestos pacíficos (EuroMaidan) em Kiev que, depois causaram a morte de 88 pessoas entre Janeiro e Fevereiro do ano seguinte.

    Sucederam-se depois com a anexação da Crimeia, e com as intermináveis lutas na região de Donbass, que constituíram uma consequência directa da viragem da Ucrânia para o Ocidente, com a participação activa da Rússia.

    Os dados da sueca Universidade de Uppsala, do departamento acima citado, ajudam-nos, tristemente, a compreender o caminho até aos dias de hoje, apenas pelo registo detalhado dos eventos e número de baixas nos últimos sete ou oito anos: Donetsk e arredores, 2.618 mortos, Horlivka 140, Debaltseve 238, Volnovakha 720, Ilovaisk 601, Mariupol 200, Hrabove 2.215, incluindo o abate de um avião civil da Malasya Airlines com 298 passageiros e tripulantes, em 17 de Julho de 2014. Os quatro suspeitos, actualmente a serem julgados à revelia na Holanda, têm óbvias ligações à Rússia.

    Desde a Crimeia – ou mesmo antes disso –, a Rússia de Putin apenas “sofreu”, como consequência mais nefasta, deixar de ser convidada para as reuniões do G7. Ninguém quis perceber o que estava por detrás da decisão de Putin em descartar há três anos, por completo, uma readmissão a estas reuniões dos orgulhosos países com as economias consideradas mais desenvolvidas do Mundo.

    Desdenharam Putin e a Rússia: os livros de História estão cheios de ensinamentos passados sobre o que, em muitos e trágicos casos, resulta disto.

    Porém, há quem faça agora de conta que não se estava a ver crescer o “papão”; na verdade, a fazer crescer o “papão”. E que muitos contribuíram para aguçar a vontade do “papão”.

    Os supostos e autodenominados altruístas, os bondosos, os santos, os humanistas, os anjos, os imaculados, os generosos, os insignes, os puros, os elevados e os heróis – que assobiaram anos a fio para o ar, enquanto concordavam com os negócios e investimentos da Rússia, aceitando-os como cidadãos de visto gold, graças a investimento sujo, com homicídios e perseguições de Estado –, surgem agora como paladinos da democracia e da paz. E contra o Mal, corporizado em Putin.

    Putin é o Mal, sem dúvida. Mas não está sozinho. E, pior, do lado do suposto Bem, está outro mal.

    [escrito em minúsculas para que não se queira interpretar, hélas, que estou a colocar tudo ao mesmo nível]

    O mal (em minúsculas) está naqueles que agora, céleres, rotulam quem diz “mas” – como já tinham feito durante a pandemia com quem colocava críticas à gestão política – com epítetos, impondo um pensamento único.

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    Hoje, cada vez mais se nota, que quem disser um “mas” ao conflito da Ucrânia, não seguindo a lógica dos demais, corre o risco de ser olhado de soslaio, de ser ostracizado e renegado.

    Eis aquilo que agora temos, enfim, em democracias: paladinos do maniqueísmo. São pessoas que, aproveitando circunstâncias especiais, de emoção, de forte cunho psicológico e atrelados à Comunicação Social – que vê agora a crise ucraniana com o mesmo apetite por clickbaits que usou na pandemia –, promovem em cada indivíduo um futuro sacerdote dogmático.

    Um povo que só veja preto e branco, que assimila uma linha narrativa única, sem investigar nem questionar. Obediente.

    É esse o nosso mal, que pode medrar até ter um M maiúsculo disseminado por todo o Mundo.

    São esses perigosos e nefastos paladinos do maniqueísmo, que encontramos na nossa imprensa, de que o expoente, não sendo isolado, é Helena Ferro de Gouveia, uma persona que se fez administradora caída do céu na Lusa, a agência noticiosa do Estado português.

    Ver alguém como ela, a defender num país democrático (e como fez ontem na CNN Portugal), o condicionamento da informação – hoje da Rússia, amanhã, se calhar, cá de dentro, desde que fuja da narrativa oficial –, porque “nem toda a gente tem capacidade e o conhecimento e a literacia mediática para poder desconstruir” uma determinada narrativa externa, é de uma extrema perigosidade para um português, para um democrata, para uma democracia.

    Na verdade, estando eu a 3.806,3 quilómetros de Kiev, as palavras de Helena Ferro de Gouveia – e de muitos e muitos outros que, na imprensa, defendem as suas teses, incluindo muitos jornalistas – têm trejeitos de Putin.

    E têm, porque são estas posturas anti-democráticas, censórias, que alimentaram poderes como os de Putin, que se impôs na Rússia enquanto implantava, em simultâneo, supostas medidas para o Bem Comum contra um “inimigo externo”. E eliminando opositores, em sentido figurado ou literal.

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    As palavras de Helena Ferro de Gouveia não são balas nem mísseis, mas corroem uma democracia, sobretudo porque nem são irrealistas. São exequíveis – e foram mesmo agora aplicadas em sites noticiosos (mesmo se propagandísticos da Rússia) –, até porque socialmente aceites em contextos como os que vivemos há dois anos.

    Saibamos compreender que a ausência da democracia pode não matar já, como as balas na Ucrânia. Mas mata a prazo. Aliás, como se constata pela invasão decidida por Putin, só possível porque Putin conseguiu manter-se mais de duas décadas no poder de um país com eleições mas nunca sendo um democrata. E conseguiu porque começou por impor uma imprensa condicionada e restrições de acesso à informação.

    Ora, Helena Ferro de Gouveia trata de nos dizer que, em Portugal e no Ocidente democrático, a imprensa e a informação devem também estar condicionadas a uma narrativa – aliás, como já esteve durante a pandemia.

    E isso é dramático.

    Contudo, também muito mais facilmente resolúvel: basta demiti-la da administração de uma agência noticiosa pública, e deixá-la, enfim, manifestar as suas parvoíces antidemocráticas nos canais que lhe derem acolhimento.

    Se se fizer isso, pelo menos ficaremos um pouco mais afastados de termos sósias de Putin no mundo ocidental. O mundo não ficará perfeito, como nunca foi, mas um pouco menos imperfeito.

  • Difícil é mobilizar portugueses para salvar Portugal

    Difícil é mobilizar portugueses para salvar Portugal


    Não pode ninguém decente com o mínimo espírito humanista e civilizacional aceitar as atrocidades perpetradas pelas tropas russas a mando de Vladimir Putin nem tão-pouco considerar que estas se devem, em exclusivo, às suas paranoias, à sua maldade e aos seus sonhos de czarismo.

    O Mundo, e as suas guerras, nunca foram coisas simples nem fáceis de explicar, nem de entender. E quem conheça um pouco de História saberá, ainda mais no Leste da Europa, que batalhas sanguinárias se fizeram por aspectos bem mais comezinhos do que certo país não apreciar que um seu vizinho, ainda mais “irmão”, ande em namoros com quem não aprecie, neste caso os países da NATO. Foi por razões de fé (religião), por disputas de famílias, por traição, por desaforo, por dinheiro, por coisas mundanas e do Mundo, humanas.

    people gathering on street during daytime

    Aliás, convém recordar que se Olivença se perdeu para Espanha – ainda hoje não oficialmente reconhecido por Portugal – foi por razões de alianças: o nosso país recusou aceitar em 1801 aliar-se à Espanha e França contra a Inglaterra, nosso parceiro histórico. A Guerra das Laranjas seria mesmo o prenúncio das invasões napoleónicas anos mais tarde.

    Em todo o caso, não pretendo aqui, e agora, tecer grandes considerações sobre a génese e as razões e desrazões do conflito russo-ucraniano, excepto considerar que a única solução, para evitar um banho de sangue ou um recrudescimento para um nível de guerra mundial, seja a via negocial.

    Por muito que nos custe, nas actuais circunstâncias – e isso já sucedeu milhentas vezes –, a via militar maciça para fazer recuar a Rússia de Putin parece a pior solução, mesmo sendo aquela que nos mais reconfortaria a consciência e o coração.

    person raishing his hand

    De igual modo, as sanções prometidas e em execução – desde censurar pessoas da Cultura pelo “crime” de serem próximas de Putin até “expulsão da Rússia do sistema bancário internacional SWIFT (que afectaria tanto aqueles países como todos os negócios do “lado bom” –, não parecem ser instrumentos muito eficazes para uma solução pacífica.

    Derrotar Putin agora é virtualmente impossível; e a prazo apenas através de uma guerra fraticida; e não é isso que ninguém deseja (e se for não está do “lado bom”). Por isso, a solução é fazê-lo sair com uma aparente vitória.

    Mas, perguntam, quem sou eu, no meio deste enorme conflito internacional, para tecer estas considerações?

    Ninguém.

    E é exactamente por isso que escrevo este texto. Num conflito desta natureza, mesmo em países ditos democráticos, valemos cada vez menos – e muito por nossa culpa -, até porque, nos últmos tempos, deixámos que os movimentos sociais e a contestação pública fossem ostracizados e maltratados.

    Veja-se, aliás, como foram tratadas pela imprensa mainstream as contestações públicas à gestão da pandemia, entre o menosprezo e a colocação de rótulos, completamente descabidos, como sucedeu recentemente no Canadá.

    Por isso, olho agora para os apelos nos jornais e nas redes sociais, e pasmo com as campanhas de mobilização dos portugueses para a crise na Ucrânia.

    Por exemplo, o Expresso e o Público fazem eco dos movimentos ucranianos, e colocam mesmo ligações para donativos. Alguns desses financiamentos aparentam servir para a compra de armamento, e não propriamente para acções humanitárias. E pasmo. É esta a função da imprensa portuguesa?

    O politólogo Nuno Rogeiro faz um apelo para um “cordão humano pela Paz na Ucrânia”, insistindo para que “não fiques em casa a ver a guerra na TV; intervém, vem para a rua pela PAZ”. E eu pergunto: é essa a função de um comentador português de política?

    A Juventude Socialista (JS), a Juventude Social Democrata (JSD), a Juventude Popular (JP), o Livre, a Iniciativa Popular e o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) juntam-se para organizar amanhã uma manifestação pela paz e contra a invasão da Ucrânia em frente à embaixada da Rússia. E eu pergunto: é esta a função das juventudes partidárias e dos partidos políticos?

    E eu respondo, já: é (com excepção de apelos para armamento da “resistência” ucraniana).

    grayscale photo of man and woman holding hands

    Também é.

    Porém, lamento que esta capacidade de mobilização, este direito à indignação, esta demonstração colectiva de repúdio seja “apenas” para este tipo de causas. Para as causas boas, para as causas politicamente consideradas boas; contudo, boas sobretudo para as consciências, mas irrelevantes, hélas, para o desenrolar do conflito russo-ucraniano.

    Não é no “tabuleiro das ruas” de Lisboa ou de qualquer outro lugar do mundo ocidental que se encontrará uma solução.

    De facto, esta mobilização pela Ucrânia faz-me também olhar para o nosso país. Infelizmente, não se vê, em Portugal, este tipo de atitude activa e proactiva, militante mesmo, para outras necessidades domésticas : para uma Justiça melhor; para uma Educação melhor; para um Serviço Nacional de Saúde melhor; para uma Economia mais justa; para um investimento sério na investigação e uma maior penalização da corrupção; para uma gestão política mais equitativa e justa; para uma maior participação pública nas estratégias de investimento; para um país que adopte políticas não discriminatórias; para um melhor país.

    Para isso, não vejo jornais mobilizados, comentadores mobilizados, partidos e suas juventudes mobilizadas, pessoas mobilizadas para um “cordão humano”.

    E, contudo, ao invés daquilo que sucederá com tudo aquilo que os portugueses fizerem e disserem sobre a Ucrânia – incluindo o português António Guterres na ineficaz Organização das Nações Unidas –, porque no xadrez político tudo isto será irrelevante, se tivéssemos em Portugal metade da ora mobilização, porventura teríamos uma melhor democracia, vidas mais felizes, umas quantas salvas, por certo.

    Mas isso parece ser irrelevante. Por norma, preferimos lutas para descansar consciências – porque estamos afastados dos problemas – às lutas pelos nossos verdadeiros direitos, porque nessas lutas os “inimigos” estão próximos, e podem ficar chateados connosco.

    É muito mais fácil mobilizarmos portugueses para salvar a Ucrânia do que para salvar Portugal.

  • Dos ataques à liberdade de imprensa: o caso da Ordem dos Médicos vs. Página Um (e a sua investigação às farmacêuticas e à pandemia)

    Dos ataques à liberdade de imprensa: o caso da Ordem dos Médicos vs. Página Um (e a sua investigação às farmacêuticas e à pandemia)


    Por indicação da Ordem dos Médicos – e à laia de argumento por uma queixa minha à Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA) pela recusa daquela associação profissional de direito público em ceder acesso aos documentos sobre um donativo da Merck no valor de 380.000 euros –, uma sociedade de advogados, com procuração do bastonário Miguel Guimarães, lançou-me um ataque pessoal ao longo de sete páginas. Tive apenas hoje acesso integral a este ofício, porquanto antes somente surgiam pequenos extractos num parecer da CADA que me foi favorável.

    O ofício integral escrito em nome da Ordem dos Médicos pode ser consultado AQUI.

    Poderia isto ser visto apenas como um ataque pessoal, mas dá-se o caso de eu ser jornalista e de esse ataque pessoal ser feito em consequência, e apenas por causa, de actos no exercício da actividade de um jornalista: solicitação de acesso a documentos públicos a uma associação de direito público, pedido de informação e escrita de trabalhos informativos.

    Há sempre formas para “justificar” estas atitudes da Ordem dos Médicos, incluindo que eu sou um “ista” daquilo ou daqueloutro, mesmo não sendo verdade, mas procurando que os outros pensem que seja. Temos visto isso mesmo, nos últimos dois anos, e mesmo no meio jornalístico.

    Ora, para mim, queira-se ver isto da perspectiva que se queira, é pura tentativa de silenciamento, intolerável numa democracia, da Liberdade de Imprensa. Estamos perante um ataque à liberdade de expressão, estamos perante uma soez ofensiva aos direitos a uma imprensa independente, consagrada na Constituição da República.

    Não é pouco, sendo feita por uma ordem profissional representativa de uma classe prestigiada como são os médicos; e executada por advogados.

    Primeira página do ofício em nome da Ordem dos Médicos enviado à CADA (ver aqui o texto integral)

    No ofício desta sociedade – A. de Freitas Gomes e Inês Folhadela Sociedade de Advogados R. L. – enviado à CADA, além da acusação de eu estar, “desde há vários meses”, a “adotar um comportamento suscetível de integrar a prática de crimes para com a Ordem dos Médicos, o Bastonário Dr. Miguel Guimarães e alguns dos Médicos seus membros” – mas não identificando as normas do Código Penal que estarei a violar –, o advogado signatário (de assinatura ilegível) insinua sistematicamente de eu estar a agir com interesses inconfessáveis, e mesmo de pretender “instrumentalizar a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para atingir os [meus] objectivos”.

    E insinua também sistematicamente de eu mentir e de usurpar funções de jornalista, solicitando mesmo que a CADA “se digne oficiar a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para informar a partir de que data, no presente ano [2021], o Sr. Pedro Almeida Vieira ‘recuperou’ a sua carteira profissional de jornalista”.

    Além disso, fazendo sistematicamente alusões desrespeitosas às minhas legítimas pressões num Estado de Direito e democrático para obtenção de documentos de carácter público – que a Ordem dos Médicos continua sem facultar, mesmo após parecer favorável da CADA às minhas pretensões –, a dita sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos requereu também à CADA que considerasse “abusivos os pedidos formulados pelo Sr. Pedro Almeida Vieira”.

    Ou seja, a Ordem dos Médicos pretendeu que eu, como cidadão e jornalista, e por decisão da CADA, ficasse excluído de exercer direitos como jornalista e como cidadão, de poder solicitar informação e documentos à Ordem presidida pelo Sr. Miguel Guimarães.

    O ofício da sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos também expõe os apelos que fui fazendo, nas redes sociais, ao apoio financeiro necessário à criação e consolidação do PÁGINA UM, numa lamentável tentativa de depreciar o meu trabalho e de menorizar a minha independência e rigor.

    Não tenho muitos comentários a fazer nesta matéria, mas não posso deixar de fazer duas breves considerações.

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    Primeiro: pessoalmente, já recebi telefonemas de empresas de marketing a trabalhar para jornais nacionais (e.g., Público e Expresso), tentando convencer-me a fazer uma assinatura ou a renovar assinaturas outrora por mim anuladas, e considero isso legítimo; e, neste contexto, não tenho memória da Ordem dos Médicos andar a criticar estratégias de comunicação, nem me parece que, entre as suas competências, ou atributos do Sr. Miguel Guimarães, se incluam a análise de estratégias comerciais de entidades, como o PÁGINA UM, registadas na Entidade Reguladora da Comunicação Social. Sempre poderei acrescentar que o PÁGINA UM opta por fazer apelos ao apoio financeiro dos leitores para, desse modo, não ter de recorrer a publicidade institucional ou privada, por considerar que poderiam condicionar a acção. São opções legítimas.

    Segundo: faço notar que a Ordem dos Médicos, sendo uma associação profissional, está porém isenta de pedir apoios, de forma pública ou privadas, aos seus sócios para funcionar, porquanto, por imperativos legais, os seus sócios apenas podem exercer a profissão de médico se pagarem as devidas quotas.

    Este ofício em nome da Ordem dos Médicos , e no decurso de uma investigação jornalística, constitui mais uma prova de uma degradação do sistema democrático em Portugal, de uma inusitada mudança no paradigma das relações entre as instituições e a imprensa independente – que nunca foi popular, quando se pretende exercer um “jornalismo incómodo, irritante para os poderes, denunciador de injustiças, comprometido apenas com a verdade” (palavas minhas, destacadas pela sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos como se fosse um “crime”).

    Antes, as pressões existiam, mas eram mais discretas e mantinham-se as relações cordiais. As instituições compreendiam o papel incómodo, mas essencial, do jornalismo. Agora, pessoas como o Sr. Miguel Guimarães não apenas não gostam de uma imprensa livre e de jornalistas independentes como mostram as pressões de forma clara, impetuosa, agressiva, ameaçadora, numa evidente tentativa de limitar e condicionar direitos da imprensa.

    Querem calar-me e não escondem já as suas intenções.

    Veja-se: perante um mero pedido de consulta de documentos administrativos à Ordem dos Médicos sobre um inédito donativo de 380.000 euros de uma farmacêutica para uma campanha que angariou 1,4 milhões de euros, e da qual não se conhecem documentos da sua gestão, aquilo que a sociedade de advogados diz à CADA é que o “Sr. Pedro Almeida Vieira age deliberadamente contra a Ordem dos Médicos, o Bastonário, alguns Médicos, e agora também, o Chefe de Gabinete, o que justifica que, quer a Ordem dos Médicos, quer todas as demais pessoas, não tenham que continuar a sujeitar-se a serem espezinhadas ou vilipendiadas na página do Facebook do Sr. Pedro Almeida Vieira que, quanto mais não seja, sempre poderia obstar a que comentários ofensivos do bom nome, honra e reputação das pessoas, fossem objeto das afirmações que lhes são dirigidas”.

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    Faço, entretanto, notar que, como se pode confirmar AQUI (printscreen da extranet da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista), a minha carteira profissional foi revalidada com efeitos a partir de 16 de Setembro de 2021. Nunca antes dessa data, e posteriormente a 28 de Abril de 2011, quando solicitei suspensão temporária da actividade (que nem sequer seria necessário, porque tinha mais de 10 anos de profissão de jornalista, podendo assim mantê-la para todos os efeitos), fiz uso desse título em qualquer contacto pessoal ou institucional. Comecei a minha actividade jornalística em 1995, e tenho carteira profissional desde 1996, e tenho mais de 15 anos de profissão, conforme pode ser confirmado AQUI.

    Por todos estes motivos, e por ser orquestrado por uma instituição como a Ordem dos Médicos, e por ser executada por advogados – que têm o dever de conhecer e reconhecer leis e direitos constitucionais, e devem assumir que não vale tudo para defender os seus clientes –, enderecei uma participação à Ordem dos Advogados para as diligências consideradas pertinentes.

    Enderecei também uma carta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, à Provedoria da Justiça, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e ao Sindicato dos Jornalistas para as diligências que considerarem pertinentes.

    E faço, obviamente, esta publicação. E esta denúncia

  • Como os jornalistas podem acabar com manifestações e com a democracia, e eu não quero

    Como os jornalistas podem acabar com manifestações e com a democracia, e eu não quero


    Durante mais de duas semanas, acompanhei com detalhe, mesmo se à distância, através de vídeos, da análise das redes sociais, das notícias de todo o tipo de imprensa, as manifestações do Freedom Convoy.

    Acompanhei-as com a visão de jornalista, mas também analisando o próprio trabalho dos jornalistas, na forma como tratavam ambas as partes em confronto: os protestantes e as autoridades.

    Nem sequer vou falar muito da cobertura da imprensa mainstream portuguesa, porque dela não rezará a História – e se rezar, não será por boas razões -, mas da cobertura internacional, incluindo a canadiana.

    Os protestos, como se sabe, decorreram durante quase 20 dias num confronto sobretudo de palavras. Perante a invasão dos camionistas das ruas de Ottawa, e de outras partes do Canadá, o Governo de Justin Trudeau respondeu sempre com acusações de se estar perante uma minoria extremista e violenta.

    E a imprensa relatava, e até aqui, tudo bem. A posição de uma autoridade é, em si mesma, uma notícia.

    Porém, com honrosas excepções, jamais observei os media tentarem confrontar a validade de muitas das acusações governamentais contra os manifestantes, desde a alegada violência até à presença massiva de extremistas, passando pelas ligações a Trump ou ao QAnon, e a interesses nunca bem explicados ao estrangeiro.

    Acolhendo como completamente verídicas as acusações do Governo, que sempre recusou dialogar com os porta-vozes dos manifestantes – o que não me parece algo muito democrático num país com os pergaminhos do Canadá -, os jornalistas permitiriam sim a radicalização da postura de Justin Trudeau.

    Primeiro, pressionando a plataforma GoFundMe para suspender a angariação de fundos (mais de 1o milhões de dólares canadianos), e depois dando ideia de todos os doadores (mais de 120 mil) estivessem a proceder à lavagem de dinheiro ou a financiar actos terroristas. E, por fim, criando o cenário político e social para a implementação de uma lei de emergência, que basicamente passa por dar direitos especiais aos governantes, retirando direitos aos governados. Basicamente, suspende-se a democracia, que é o que tem estado a suceder desde Março de 2020.

    Não tenho dúvidas algumas da elevada probabilidade de existirem, no meio dos protestantes, e até de algumas das suas figuras proeminentes, algumas pessoas com ideologia pouco recomendável. Porém, vai uma grande distância entre identificar, num movimento de cidadãos pacíficos, umas quantas pessoas dessa índole – mas não as vi em actos desordeiros, nem vislumbrei imagens de violência dos manifestantes, gravadas pelas autoridades, que seriam as mais interessadas em apresentar provas desses actos – e considerar, desde logo, que estamos perante manifestantes que devem ser difamados, vilipendiados e escorraçados.

    Comecei sim, a ver, mais de duas semanas após o início dos protestos, uma violência de Estado – sim, bem sei que a pandemia alimentou os “instintos” de muitos em se castigar fisicamente quem de si discorda -, com operações policiais musculadas e com detenções apenas porque as pessoas, ali estão, a manifestar-se. E a incomodar.

    Ver-se-á, nos próximos dias, nova descarada tentativa de “criminalizar” junto da opinião pública as pessoas que vão sendo detidas, colando-as a determinadas “linhas ideológicas”, para, assim, desmobilizar os milhares e milhares de protestantes que ali estão, apenas (e já é muito) a lutarem pela sua liberdade, pela racionalidade, pela justiça, pelos seus direitos.

    Essa desmobilização será um terrível perigo, porque, a ocorrer, será um ensinamento para “governos democráticos” sobre um método eficaz de calarem manifestações futuras, quaisquer que sejam a causa e a razão. Basta que digam, e que seja essa mensagem propalada pela imprensa “amiga”, que os manifestantes são isto, e aquilo, e mais aqueloutro.

    Não quero, pessoalmente, como democrata, ver o meu direito de manifestação ou de opinião coarctado apenas porque, num determinado assunto ou movimento, está alguém que ideológica e/ou pessoalmente não merece a minha simpatia, e que em tudo resto, e em questões essenciais, se encontra nos antípodas das minhas posições.

    Por exemplo, para concretizar: durante a pandemia, não comunguei muitas opiniões, que considero infantis ou desprovidas de compostura e de Ciência, como aquelas que negavam até a existência do vírus e da doença, e o grau de gravidade em determinados grupos mais vulneráveis, mas isso jamais me impediu de contra-atacar a Narrativa Oficial baseada em manipulação de dados, na subversão dos princípios da Ciência, em alimentação de pânico e na promoção da discriminação.

    Sofri, e ainda sofro, dessa “ousadia”, e o próprio PÁGINA UM sofre e sofrerá desse lamentável estigma, que mostra mais a natureza de quem acusa do que a minha. Bem, na verdade, também mostra a minha…

    Outro exemplo: eu não quero ter de limitar a minha participação democrática se, em certo dia, num movimento contra a corrupção em que participe, estiverem presentes certos cidadãos, dos quais ideologicamente quero distância, e pessoalmente afastamento.

    Não estarei fisicamente a seu lado, mas não quero deixar de estar presente. E não quero, nem mereço, como até agora sucede, ser acusado de seguir uma certa ideologia apenas porque não concordo com certa tese oficial.

    Não devo fazer isso como cidadão, e muito menos como jornalista.

    Ainda menos como jornalista, repito.

    Não aceito, como cidadão e jornalista, e nunca aceitarei, que um Governo, seja o canadiano, seja o português, seja de outro qualquer país, me utilize, utilize jornalistas, para colar ferretes em manifestantes. Não embarco neste tipo de embarcações, ainda mais tendo a oportunidade de viver numa democracia e desejando continuar a viver numa democracia.

    A manipulação dos jornalistas, muitos deles por opção ideológica ou por ignorância ou por comodismo, é a mais grave ameaça à democracia nos países ocidentais.

    Quando um Governo acusa manifestantes de actos de extremismo e de vandalismo, tem necessariamente de apresentar provas imediatas. As palavras não bastam, até porque têm, devem ter, meios para mostrar essas provas.

    Se os jornalistas desistirem de ser os fiscalizadores da acção governativa, de fiscalização dos cidadãos que, circunstancialmente, estiverem com cargos políticos, acordarão, certo dia, numa ditadura. Numa ditadura que eles ajudaram a criar. Mostrarão então que foram sempre pequenos tiranetes. Não deixemos, por isso, que muitos deles, agora já tiranetes, andem vestidos com pelo de cordeiro, sendo lobos.

  • Quero o meu bife. E a minha salada. E também a minha democracia.

    Quero o meu bife. E a minha salada. E também a minha democracia.


    “Quero o meu bife”. Nos anais da pandemia, ficará certamente célebre este recente “grito de revolta” do virologista Pedro Simas, à porta do mítico Snob, clamando, e reclamando, pelo seu direito a entrar no restaurante para, enfim, deglutir uma refeição.

    O caricato deste episódio de Simas é que o impediram de entrar para comer o “seu” bife não por um imperativo da Ciência – por ele eventualmente constituir, mesmo que por hipótese académica, um perigo para outrem –, mas por uma questão administrativa. O virologista tinha tomado a terceira dose da vacina, mas ficou paradoxalmente em pé de igualdade durante duas semanas – enquanto o papel, sempre um papel, não fosse actualizado – como aqueles que tinham optado por não tomar qualquer dose. O “seu” bife acabou assim comido por alguém que tinha uma dose a menos, ou seja, por quem tivesse tomado duas doses.

    Faltou, portanto, a Pedro Simas um papel, que a máquina administrativa determinou servir como instrumento fundamental para controlo da pandemia; e a Política di-lo agora que sempre por mor da Ciência, exarada por “peritos” e por “especialistas”.

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    Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” andaram, como Pedro Simas, a fazer publicidade enganosa a lente de contactos;

    Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como Filipe Froes, avençados da indústria farmacêutica;

    Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como Raquel Duarte, “enterrada” no Partido Socialista até ao tutano;

    Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como Carlos Antunes, um engenheiro geográfico que andava a modelar correntes marítimas e se viu investido em modelador-mor de nunca acertadas previsões epidemiológicas;

    Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como os membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, que escondem os seus pareceres e, afinal, se vai ver e baseiam as suas recomendações numa mão-cheia de nada que levariam seus alunos universitários a chumbarem com orelhas de burro;

    Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como todos aqueles que peroraram alarvidades e recusaram debater e bateram palmas ou assobiaram para o ar perante as perseguições ferozes de inquisidores-mores como o senhor urologista Miguel Guimarães, ou o opróbrio da imprensa mainstream a todos aqueles

    que, como eu, defenderam o reforço do SNS para as outras doenças, “abandonadas” pelos decisores políticos;

    que, como eu, ponderaram, desde muito cedo, ser a covid-19 uma doença sazonal, e que deveria ser abordada como tal;

    que, como eu, criticaram o alarmismo que afugentou pessoas dos hospitais, por vezes os únicos sítios onde podiam ser salvas;

    que, como eu, alertaram para a manipulação de dados pela DGS; que denunciaram o obscurantismo das autoridades no acesso a informação credível;

    que, como eu, tiveram de aguentar todos os dissabores e ofensas apenas por desejar transparência, informação e debate, mesmo se, eventualmente, para sair “derrotados” num confronto de ideias, limpo e com base em informação.

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    Tudo o que se fez durante a pandemia foi executado por políticos, mas sempre com a bênção de supostos “peritos” e “especialistas”. Sempre em nome da sacrossanta Ciência, fizeram os segundos o trabalho sujo dos primeiros, de eliminar vozes dissonantes, sempre com a colaborante imprensa mainstream e seus sacerdotes-jornalistas.

    Ora, a Ciência não é sacrossanta, nem o conhecimento científico é estático. Muito menos dogmática. Se artificialmente presa, deixa de ser Ciência. Em tempos de antanho, quando o poder – administrativo e/ou religioso – a quis estacar, vivemos tempos de trevas, de que são exemplo a Idade Média ou os períodos de controlo da Inquisição, sobretudo nos países católicos.

    O Iluminismo veio emancipar de novo a Ciência, concedeu-lhe a liberdade para ser palco de estimulantes debates, “proibindo-a” apenas de ser dogmática. A Ciência não derrota uma tese pelo dogmatismo, mas sim pelo confronto de ideias, pelo escrúpulo, pela confirmação, pela abertura do espaço para qualquer um poder ousar estar certo em minoria, ou pela humildade de um “gigante” em aceitar a hipótese de se estar completamente errado mesmo se até em maioria.

    Porém, e essa foi a mais triste e trágica consequência da pandemia, a Ciência tornou-se dogmática, inflexível, arrogante, impositiva, punitiva. Ou melhor, muitos cientistas tornaram-na. E por um simples motivo: venderam a “alma” aos políticos; e imbuídos desse “canto da sereia” do poder político não quiseram depois admitir aquilo que a Ciência deve mostrar: dinamismo, e prontidão em se corrigir.

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    O caso dos certificados digitais – os tais que impediram Simas de comer o “seu” bife – constitui, porventura, o paradigma do uso e abuso da Ciência pelos políticos, com a reprovável cumplicidade e conluio dos tais “peritos” e “especialistas”.

    Recordemos sua história dos certificados digitais, e como agora a Ciência – com os seus “peritos” e “especialistas” – estão a contribuir para um retrocesso civilizacional, para um período de discriminação, para um assalto às democracias mesmo em países onde há muito está consolidada.

    O certificado digital foi uma “invenção” da União Europeia, em meados do ano passado, para que o controlo das fronteiras, e sobretudo das viagens aéreas, se fizesse de uma forma mais fluída. A ideia aparentava sensata à luz da Ciência da época, mas também, de forma paradoxal, censurável à luz da Ciência da época.

    Por um lado, pensava-se então – e sobretudo a Ciência feita pelas farmacêuticas e das entidades reguladoras dos diversos países – que as vacinas contra a covid-19 não só constituíam uma protecção muito relevante contra as formas graves da doença (falava-se em valores muito próximos de 100%) como também reduziam enormemente (acima dos 90%) a possibilidade de se ser infectado. E, nessa linha de raciocínio, fazia todo o sentido, do ponto de vista político, a adopção de uma medida para melhorar a fluidez burocrática entre fronteiras.

    Ou seja, nesse pressuposto, o certificado digital parecia ser um melhor instrumento de controlo da pandemia do que, por exemplo, os testes PCR, uma vez que, podendo estes ser realizados até 48 horas antes, nada garantia que uma pessoa com resultado negativo no momento do teste não estivesse susceptível de infectar no momento do embarque.

    Havia, contudo, um problema na implementação dos certificados digitais (dos vacinados), e que continua a existir: a Ciência não conseguiu até agora dar resposta às incertezas de longo prazo de uma vacina tão recente. Não há resposta científica para o longo prazo, ponto final. E não havendo, e sabendo-se, pela Ciência, que as vacinas contra a covid-19 têm diferentes níveis de benefício-risco-incerteza em função da idade, do sexo e da região, não seria eticamente prudente impor vacinas e certificados. Atenção que a prudência ética salva vida.

    Por isso, colocar a exigência de vacinação contra a covid-19 ao nível, por exemplo, da vacina contra a febre amarela, exigível em viagens para certos países africanos e sul-americanos, não tem qualquer sentido científico: o risco desta segunda doença é maior e mais generalizada; e essa vacina já tem quase 85 anos, mais do que suficiente para mostrar um bom perfil de segurança.

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    Aliás, assumir que a vacina contra a covid-19 é segura porque existem outras vacinas seguras, ou apelar para acreditarmos na Ciência porque os cientistas integram um grupo de pessoas que já fizeram maravilhas pela Humanidade, é algo anticientífico.

    Por mais baixa que seja a agora a probabilidade de se errar em Ciência, é exactamente para manter residuais esses riscos que se devem manter padrões elevados de segurança e precaução. Por isso, mais precaução sobretudo em comunidades onde o risco da doença nem sequer é relevante.

    Na verdade, até vista na perspectiva da Ciência em relação à pandemia, foi exactamente por bons motivos científicos – por não serem seguros ou comprovadamente eficazes – que se abandonou ensaios clínicos de terapêuticas para a covid-19 como o uso de cloroquina e hidrocloroquina, mas também de muitos outros fármacos, como pamrevlumab, losmapimod, naproxeno, ruxolitinibe, acalabrutinib e rivaroxabana, apenas para citar alguns que se podem observar numa excelente base de dados na norte-americana National Library of Medicine.

    Antes de serem abandonados, todos estes fármacos descartados por diversas razões; e o último, um fármaco da Bayer, o estudo que mostrou ser ineficaz até foi financiado pela Fundação Melinda e Bill Gates. Significa isto que, mesmo tendo passado as três fases de testes, as actuais vacinas contra a covid-19 ainda não estão com certificação absoluta de segurança a longo prazo.

    Podem-me dizer que não haverá azar. E eu fico sempre a recordar-me de um acidente em 1999 na Petrogal de Matosinhos, com uma monobóia oceânica: a operação, só se faria uma vez, e a probabilidade de correr mal era de uma em um milhão. Correu mal, e morreu uma pessoa na praia de Leça da Palmeira. Por esse e outros motivos, não se mete uma petrolífera no meio de uma cidade por mais segura que possa parecer; e pelo mesmo motivo, a prudência (mesmo perante uma incerteza pouco provável), não se deveria assim vacinar crianças, adolescentes e jovens adultos saudáveis contra a covid-19.

    Ora, mas voltando ao tema dos certificados digitais. Com o tempo, mesmo em tempo de pandemia, a Ciência evoluiu, obteve-se conhecimento científico sobre o vírus e sobre as vacinas. Mais e melhor. Não foram boas notícias. Afinal, mostrou que as vacinas não cumpriam uma das premissas essenciais da utilidade dos certificados digitais como “arma” de controlo da pandemia: não concediam uma significativa protecção contra a infecção, mesmo confirmando-se uma redução (um pouco menos significativa e mais curta no tempo do que também previsto) do risco de doença grave e morte, tendo em conta também as variantes.

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    Ora, perante o conhecimento dinâmico da Ciência, o que fizeram os “peritos” e os “especialistas”?

    Calaram-se ou arranjaram jogos de cintura para manter o agrado dos políticos e dos jornalistas que bajulavam as suas sapiências. Deixaram de ser cientistas para serem meros políticos. Enfim, serviram os Governos dos países democráticos (ou outros não precisavam já disso) para abusarem até do objecto inicial dos certificados digitais, aplicando-os para práticas de discriminação e de segregação.

    O objectivo tornou-se claro: além de beneficiar as farmacêuticas, forçavam e coagiam os cidadãos a tomarem as vacinas. No limite, quanto mais se se vacinasse, se se vacinasse tudo, deixava de existir até um “grupo de controlo” (os não-vacinados). Ora, sem grupo de controlo não há Ciência que possa comprovar um efeito epidemiológico.

    O certificado digital – ou a obrigatoriedade de vacinação para o exercício de determinadas profissões ou acesso a certos locais – também representou uma janela de oportunidade para, de uma forma impensável numa democracia em funcionamento normal, aumentar o controlo da contestação e de movimentos sociais.

    man in blue jacket wearing blue mask

    O caso do Freedom Convoy, em que o Governo canadiano de Justin Trudeau coloca agora entraves aos donativos de mais de cem mil doadores, acenando com o fantasma do risco de terrorismo e lavagem de dinheiro, mostra-nos uma perigosa involução das democracias ocidentais. A China não faz pior.

    [E que se pode esperar em Portugal? Que António Costa possa, de repente, suspender os donativos ao PÁGINA UM para o estrangular e terminar assim com críticas?]

    E note-se, aspecto fulcral, que o certificado digital continua sem sequer deter qualquer base científica, porquanto a sua validação sempre dependeu não de um qualquer diagnóstico (por exemplo, o valor de um teste serológico), mas sim de um prazo meramente administrativo. Primeiro foi de seis meses; agora passou para nove meses, não se conhecendo, porém, estudos científicos que lhe dêem respaldo.

    [Como aqui já referi, tendo eu perdido a validade do meu certificado digital de recuperado no início de Dezembro do ano passado – que nunca usei –, o resultado de um teste serológico (anticorpos IgG) deu 427 BAU/ml, mas mesmo que assim desejasse usá-lo, não mo concederiam].

    Durante cerca de um ano, o certificado digital serviu assim como elogiado “prémio” para quem se vacinava, e como feroz “castigo” para quem tomava a decisão de não aceitar vacinar-se, por razões aceitáveis ou estapafúrdias – dentro de um contexto de direitos e liberdades que eram aceites numa comunidade democrática antes da pandemia.

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    Os certificados digitais, à luz da verdadeira Ciência, serviram, portanto, sobretudo, para criar dois grupos de pessoas, e dificilmente esquecerei quem apoiou activamente, ou através do silêncio, a aplicação deste modelo segregacionista. Até porque a pandemia, mais o seu certificado digital, foi um veículo de abuso de autoridade – proibir liberdades e direitos por um direito de opção, consagrado em lei e na Constituição –, e mesmo de impensáveis abusos nas relações sociais.

    Um empregado de bar ou de restaurante sentia-se ufano ao “exigir” a apresentação de um certificado digital a um seu cliente frequente ou fortuito, e investido desse inusitado poder até os escorraçaria de bom grado, esquecendo os seus prejuízos, ou ignorando que papel zelosamente requerido nada significa quanto ao risco de ser infectado, e menos ainda quanto ao risco de ficar gravemente doente se estiver vacinado.

    [Acredito sempre que as pessoas que se vacinam acreditam que a vacina basta para as proteger, de contrário paradoxalmente não acreditam na protecção dada pelas vacinas].

    Esta semana, em que caiu a necessidade de apresentar um certificado digital em Portugal para aceder a certos locais, mantém-se, porém, a segregação e os seus riscos. Os “peritos” e os “especialistas” ao serviço dos Governos – e que renegaram a Ciência, apesar de a apregoarem em cada frase – continuam a escudar decisões antidemocráticas de políticas, fazendo de conta que os certificados digitais garantem coisa alguma.

    Por exemplo, defender que são essenciais para proteger idosos em lares não é Ciência. Quem visita lares e hospitais com certificado digital pode infectar, tal como aqueles sem certificado digital poderão. Defender que são essenciais como uma arma de controlo da pandemia – e daí a Comissão von der Leyen estar interessada em prolongar a sua vigência por mais um ano – constitui sobretudo um atentado à democracia, nada têm de Ciência.

    Por tudo isto, a aprovação de mais um ano de certificado digital pela Comissão Europeia – que nem sequer é um órgão democrático, mas sim eleito por uma clique de políticos, muitos dos quais nem sequer vimos ao vivo no nosso país, e que nem a nossa língua falam [e isto não é ser nem nacionalista, nem patriótico e muito menos xenófobo] – constituirá não apenas a manutenção de uma discriminação de vantagens fúteis do ponto de vista da Saúde Pública, como também o reforço de uma espada cada vez mais próxima da nuca da democracia europeia.

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    Servirá um renovado certificado digital europeu – e a sua manutenção para uso doméstico – para agravar (ainda mais numa fase claramente endémica de uma doença sazonal com um perfil bem conhecido) uma discriminação de direitos, uma forma também de se identificarem cidadãos hipoteticamente “subversivos”, ou com capacidade de pensarem (mesmo que mal) pela sua cabeça, e não em “manada” com os demais.

    Mas, para mim, o grande perigo advém de estas políticas serem suportadas por zelosos “peritos” e “especialistas” que, invocando a Ciência, a cospem, e que com os seus vómitos ajudarão a destruir a democracia em prol dos seus interesses comezinhos e mesquinhos.

    Se estes e outros não quiserem ser cúmplices de um crime, não gritem apenas “Quero o meu bife”, quando um acto administrativo parvo não os deixar entrar num restaurante. Gritem antes comigo: “Quero a minha democracia!”, e depois podemos todos ir comer um bife. Ou uma salada.

    [Eu prefiro o bife e a salada].

  • Eu, 52 anos, impuro de sangue, herético da Ciência ‘oficial’, me confesso, e também acuso…

    Eu, 52 anos, impuro de sangue, herético da Ciência ‘oficial’, me confesso, e também acuso…


    Desde Dezembro passado, só vou a restaurantes que, sujeitando-se a multas, não me pedem certificado digital. São poucos. Podia optar por um certificado falso – até fiz um com o nome e data de nascimento de Marcelo Rebelo de Sousa, talvez passasse – ou pedir um “emprestado”, mas não entro em esquemas de falsificação.

    Tive direito a um certificado digital, durante cerca de seis meses do ano passado, que nunca usei, depois de sobreviver a uma infecção por covid-19, a uma infecção bacteriana hospitalar e a uma grosseira negligência de um médico que permitiu que o fio-guia de um cateter andasse enrodilhado entre ventrículos do coração durante cinco dias, e cuja identidade a senhora Rosa Augusta Valente de Matos Zorrinho, circunstancial presidente do Conselho de Administração Central do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (certamente pela sua competência, e não pelos esponsais com o eurodeputado socialista de quem ganhou o último apelido), não me quer revelar. Não sofro de “long covid”, estragando as estimativas do Doutor Filipe Froes de que 10% dos infectados padecem de tal maleita.

    Nunca usei nem usarei, porque a minha recusa é por imperativos de Cidadania e de Ciência.

    Vamos primeiro à Cidadania, até porque manteria a recusa mesmo que tivesse optado por me ter vacinado. E fá-lo-ia se não fosse pelas razões que mais adiante indico sobre a Ciência.

    Já lá vou.

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    Nenhum cidadão decente, em pleno século XXI democrático, deveria poder aceitar sequer um certificado, digital ou analógico, com o objectivo de separar, só por si, um dos demais.

    Por vezes, há quem invoque, perante a institucionalização e aceitação quase generalizada do certificado, a perseguição perpetrada pelo nazismo aos judeus, que se iniciou também através de um documento segregacionista.

    Não sigo essa linha por duas razões: primeiro, avocar o nazismo tem como consequência que um debate sobre discriminação descarrila vertiginosamente para o Reductio ad Hitlerum; segundo, Hitler não inventou nada. E agora também não se está a inventar nada, mesmo se Hitler e as atrocidades em nome da sua loucura não tivessem jamais existido, como existiram.

    Na verdade, não precisamos em Portugal de viajar para a Alemanha Nazi, nem para a América com o seu one-drop rule, a infame regra de uma gota, que discriminava pessoas por descenderem de negros, mesmo que fossem tetravós.

    Basta recuarmos nos nossos tempos, neste mesmo território onde estamos. Durante séculos e séculos, tivemos muito dignos “inquisidores apostólicos contra a herética pravidade e apostasia” que averiguavam, judicialmente, se alguém era “legítimo e inteiro Cristão velho, e de limpo sangue, e geração”. E até ao início do século XIX português chegou-se a afastar de cargos ou confrarias aqueles que apresentassem ascendência judaica, moura ou gentia, até ao 4º grau.

    Ademais, no caso do certificado digital, estamos perante uma segregação sem sequer uma lógica ou sentido jurídico e legal: quem se vacina cumpre a lei; quem toma a decisão de não aceitar a vacina também cumpre a lei, porquanto a vacina não é obrigatória, é voluntária. Sabemos que quem incumpre as normas legais ou os códigos penais está sujeito ao pagamento de uma coima ou condenado a ser “segregado” pela sociedade, sendo-lhe retirado direitos e liberdades.

    Porém, não é isso que sucede com a vacina contra a covid-19. No caso de uma vacina, ainda mais com uma tecnologia recente, estamos ao mesmo nível de uma lei que permite que se ande em qualquer dos lados dos passeios de uma avenida.

    Seria ridículo permitir tal liberalidade – a escolha do passeio – e depois segregar quem tivesse a “ousadia” de escolher o lado esquerdo, não permitindo que entrasse em restaurantes ou visitasse um museu, apenas porque o Governo “achava” que era melhor para a comunidade que andasse pelo lado direito.

    Despachados os princípios de Cidadania, só por si suficientes, passemos para a Ciência.

    Como escritor de romances do género histórico, nas minhas deambulações pela Biblioteca Nacional amiúde me ia rindo e sorrindo durante a leitura de documentos coevos sobre usos “médicos” de antanho, suportados pela Ciência da época. Recordo, aliás, que durante a Peste Negra, no século XIV, se usaram fogueiras nas ruas e até salvas de artilharia ou música, pois julgava-se que as vibrações afastariam o ar corrupto. E até as célebres máscaras de “médicos” com bico de corvo nem sequer tinham o objectivo de “filtrar” o ar – pensava-se então que a doença se devia a miasmas e não a uma bactéria transmitida por pulgas –, tendo apenas um simbolismo místico.

    Enfim, mas também deve ter sido por simbolismo místico que as autoridades multaram trabalhadores por comerem sandes dentro do carro em plena pandemia, ou uma reformada por ir ao café comer um bolo de arroz e a meia de leite, ou um jovem por comer gomas junto a uma máquina de vending.

    E também deve ter sido por simbolismo místico que a Autoridade de Saúde Nacional é uma senhora, burocrata desde sempre, com conhecimentos de Medicina adquiridos por neurónios de paradeiro agora desconhecido, e somente usados na década de 70 do último século do milénio passado, que alardemente nem sabe utilizar um computador e com sérias dificuldades em aceitar aceder aos meus pedidos de documentos ao abrigo de uma lei da transparência da Administração Pública. By the way, na próxima quarta-feira, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) debruçar-se-á em mais quatro pareceres sobre recusas da DGS.

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    É esta senhora, rodeada de “especialistas” – desde um doutorado em migrações de carapaus até a um (re)conhecido pneumologista-mercenário ao serviço das farmacêuticas –, que tem ditado as regras sanitárias em tempos de pandemia, invocando a Ciência, que deveria ter, como as de Deus através de Moisés, umas tábuas onde um dos Mandamentos fosse: “Não faças mau uso do nome do Senhor, tua Ciência, porque Ele não deixará sem castigo os que fizerem mau uso do seu nome.”

    Na verdade, sobre Ciência em Tempos de Pandemia, já vimos de tudo. Já vimos o esplendor da Ciência nas máscaras que, primeiro, davam uma falsa sensação de segurança, até às declarações de um presidente da República que jurava vir a ser o “último moicano” a deixá-las, apesar de já o termos visto na semana passada a cantar o Grândola Vila Morena de (desavergonhada) face destapada na companhia de Emmanuel Macron.

    Já vimos a maravilhosa Ciência nas garantias de que os lockdowns eram fundamentais, e por isso mesmo tivemos o “milagre” português como uma evidência na Primavera de 2020, para depois termos o desastre em Janeiro de 2021, “apenas” porque nem todos seguiram o conselho de Rui Portugal, subdirector-geral da Saúde, de oferecerem compotas no Natal em “vistas rápidas no quintal de uns e de outros, ou no patamar do prédio”.

    Já vimos também a fantástica Ciência na garantia da eficácia das vacinas, primeiro, para toda e qualquer idade em quase 100%, para depois ir descendo, descendo, descendo, até que daqui a nada, para dar protecção, se tem (exageremos!) que dar tantas picas como as doses de insulina necessárias num diabético.

    Já vimos a extraordinária Ciência nas juras de uma vacina que era também muito eficiente na redução da capacidade de se ser infectado e de infectar, e daí que íamos ter de vacinar tudo e um par de botas, para criar imunidade de grupo, mas que em pouco já não era possível, e depois ainda assistimos ao maior aumento de casos com uma variante que, afinal, se disseminou mais facilmente entre os vacinados. Tudo a Ciência, maleável, justificou.

    Vamos ser claros. Não sou absolutamente nada contra vacinas – ou mais correctamente, no caso específico das destinadas contra a covid-19, o fármaco injectável –, que, em determinadas circunstâncias e para determinados grupos, pode e será uma ferramenta preventiva de doença grave e morte.

    Nem sou absolutamente nada contra – muito pelo contrário – à investigação e busca de terapêuticas contra a covid-19 ou contra qualquer outra doença. Seria um absurdo, sobretudo para quem conhece História.

    Já sou, e muito, e sobretudo por conhecer História, e a História da Ciência, contra o obscurantismo, a falta de transparência, a burocrática mesquinhez, e a sobranceria.

    Em finais de Dezembro do ano passado, e princípio de Janeiro deste ano, através do PÁGINA UM, tomei a iniciativa de patrocinar um conjunto de testes serológicos para verificar os níveis de seropositividade à covid-19 em sete pessoas, das quais cinco com infecção anterior (com níveis diferentes de gravidade), e apenas duas vacinadas (uma das quais com infecção prévia).

    Darei detalhes em breve sobre as outras situações – embora não revelando identidades –, mas no meu caso, como podem confirmar, seis meses após ter sido declarado “negativo” (curado), o valor para as imunoglobinas G IgG) no meu sangue era de 427,00 BAU/ml, muito acima do valor a partir do qual se considera positivo (33,8 BAU/ml).

    Bem sei que “a evidência científica actual ainda não nos permite afirmar que um título elevado de anticorpos IgG anti SARS-CoV-2 é garante de imunidade efetiva ou duradoura”, conforme avisa o boletim do laboratório Germano de Sousa, mas a Ciência, se estivesse a ser usada nestes tempos, dir-me-ia que este meu valor deveria valer mais do que um qualquer papelucho, um qualquer certificado de vacinação.

    Um médico decente, baseando-se na Ciência, nunca diria que eu deveria vacinar-me com estes níveis. Excepto, talvez, um que também sugerisse que o Michael Phelps, pelo sim, pelo não, deveria usar uma bóia quando se lançasse a uma piscina. Ou aqueloutro que recomendasse protector solar factor 50 a um senegalês para, enfim, precaver algum carcinoma.

    Para a Ciência, os diagnósticos pessoais são essenciais para uma decisão, e na atribuição e caducidade dos certificados digitais nunca nada houve de científico. Nada.

    Exigir a vacinação – e com isso obter-se um salvo-conduto através de um certificado digital – com base num prazo administrativo é anti-científico (excepto para as Ciências Políticas que estudam os estados ditatoriais), porque nem sequer assente em qualquer estudo científico conhecido. E mesmo que assim fosse, nunca deveria ser uma opção generalizável.

    Não é, por exemplo, por ser saber que a hipercolesterolemia está associada a ataques cardíacos a partir de uma determinada idade que se vai colocar toda a gente em dieta ou a tomar comprimidos contra o colesterol a partir de uma determinada idade; se calhar a sugestão (não imposição) por uma dieta ou por uma determinada terapêutica depende de um diagnóstico prévio. Digo eu, que não sou médico, mas uso neurónios.

    Por insistentes quatro vezes, contactei a Direcção-Geral da Saúde para que me esclarecesse sobre a existência de estudos serológicos, questionando as razões científicas para exigirem que me vacinasse se quisesse entrar num restaurante. Não responderam sequer.

    Foi um engano, um equívoco meu: na Direcção-Geral da Saúde não se faz nem se usa Ciência; “cozinham-se” argumentos, temperados por “especialistas”, que justificam uma deriva autoritária.

    Aos 52 anos, não posso ir a um restaurante por causa de um papel. E ainda me acusam de negacionista. Isto não é Ciência. Isto não é Democracia.

  • Do adeus ao GoFundMe por se vergar a um Governo… e um olá ao Mightycause, a nova plataforma de crowdfunding do PÁGINA UM

    Do adeus ao GoFundMe por se vergar a um Governo… e um olá ao Mightycause, a nova plataforma de crowdfunding do PÁGINA UM


    Quando se defende que o jornalismo deve ser isento – e, talvez, me tenham já lido a usar este adjectivo nesse contexto –, deveria esclarecer que a isenção significa uma demonstração de imparcialidade, ser justo, ser neutro. Ora, a neutralidade, a justiça e a imparcialidade são excelentes características de um jornalismo credível, mas não representa indiferença aos factos, à sua eventual manipulação, à verdade e à mentira.

    O jornalista deve partir, para qualquer notícia, imbuído de um espírito de isenção – ou seja, sem ideias pré-concebidas, sem intenção de criar enviesamentos, sem predisposição de orientar os leitores para uma linha previamente definida.

    A partir do conhecimento que for adquirindo, daquilo que for observando e analisando, então deverá partir para a fase seguinte: tomar uma posição isenta, mas já não na exclusiva acepção de neutro, sem tomar uma posição. Pelo contrário.

    PÁGINA UM deixa, a partir de hoje, de querer recerber donativos a partir da plataforma de crowdfunding do GoFundMe

    Deve ser a isenção interpretada como sendo independência de carácter. Ou seja, depois da sua análise, um jornalista se quiser então ser justo, não pode ser completamente neutro; não pode ser imparcial, tem de tomar partido.

    Um jornalista é, na verdade, um árbitro dos acontecimentos. Espera-se que um árbitro seja neutro, mas também justo e imparcial; porém, se ele, analisando um lance, vir que um jogador da casa dá uma canelada no adversário quando este se dirigia isolado em boa posição para o golo, e não marcar falta nem expulsar o caceteiro, estará então a cometer uma injustiça, uma batotice. Mesmo se receber os elogios do clube da casa pela sua “prestação”.

    Ora, foi como antigo jornalista – assistente pasmado dos maiores atropelos à isenção, no sentido de independência de carácter, durante a pandemia – que decidi, depois de uma profunda análise, recuperar a carteira profissional e enveredar pelo projecto do PÁGINA UM.

    Também foi por observar a realidade do Freedom Convoy – analisando dezenas de notícias, vendo vídeos, alguns ao vivo, e pesquisando pelas redes sociais –, que me foi possível fazer uma cobertura isenta sobre este movimento popular,praticamente ignorado pela nossa imprensa mainstream, a mesma que ignora qualquer outra manifestação em se conteste a gestão da pandemia.

    E, nesta cobertura, não pode ninguém acusar-me de falta de isenção, porquanto coloquei sempre a opinião de todas as partes, mesmo quando me pareciam absurdas. A acusação feita pelo primeiro-ministro canadiano contra os manifestantes e os organizadores do GoFundMe, à luz de todos os acontecimentos que se podem visualizar – e agora é possível ver tudo – , são completamente inverosímeis e absurdas.

    Trudeau até de transfobia os acusou; até de “roubarem comida a sem-abrigos”. Entrámos no mundo do surreal. O governo canadiano, com tantos meios, nunca conseguiu mais do que simples palavras acusatórias. Nem uma foto, nem um vídeo, nada. Apenas palavras acusatórias e vexatórias.

    Não apenas palavras. Também actos. Assustados ou não com a mobilização por força de apoios financeiros de monta através da plataforma do GoFundMed, as autoridades políticas canadianas trataram de diabolizar ainda mais os manifestantes, acusando-os por receberem financiamentos de obscuros interesses estrangeiros e de serem promotores de extremismo. O objectivo era simples: fechar a “torneira” da angariação de fundos através do GoFundMe. Impedir uma manifestação de ter poder, de não vacilar.

    Trudeau chamou aos manifestantes do Freedom Convoy de “pequena minoria marginal” (smal fringe minority”

    Justin Trudeau ganhou este round. Durante esta madrugada, o GoFundMe veio suspender em definitivo a campanha do Freedom Convoy, e já não distribuirá nove dos 10 milhões de dólares canadianos (6,3 dos 7,0 milhões de euros) ao organizadores do GoFundMe, alegando que as “autoridades” lhes demonstraram que a campanha visava a “promoção da violência e do assédio”, o que viola os termos do serviço.

    O GoFundMe concedeu assim um presente ao Governo canadiano – não apenas secando a fonte de financiamento do Freedom Convoy como dando-lhes um estatuto de promotores de violência e assédio, que o Governo de Trudeau não desaproveitará ao longo dos próximos dias – e, em simultâneo, deu uma terrível facada na democracia, na liberdade de manifestação e de intervenção, que são sagradas numa democracia, independentemente de serem desejadas ou convenientes para as autoridades.

    O GoFundMe cedeu à pressão de um Governo,

    O GoFundMe cedeu à manipulação de informação.

    E isso é intolerável.

    Como se sabe, o PÁGINA UM recorreu a várias formas de financiamento, para garantir o seu arranque inicial, o seu crescimento e a sua sustentabilidade financeira. O PÁGINA UM sabia que, pela sua postura e filosofia, traria inimizades e críticas, porventura muitas dos círculos do poder.

    Mas nunca o PÁGINA UM colocou a hipótese de que, um dia, pudessem seguir queixas para este tipo de plataformas, como a do GoFundMe, e ver-se envolvido numa eventual acusação de promoção de violência e de assédio, de estar a receber dinheiro de fontes anónimas e eventualmente associadas a extremismos. Note-se que os apoios são apenas permitidos por cartão de crédito, e a possibilidade de anonimato do doador é apenas para terceiros; não para os angariadores.

    Mightycause,a nova plataforma para apoiar pontuaknente o PÁGINA UM

    Por esse motivo, pelo comportamento do GoFundMe, o PÁGINA UM não poderia continuar a manter nesta plataforma uma campanha de angariação de fundos.

    Não terá essa decisão qualquer efeito para o GoFundMe. É uma decisão simbólica, de protesto, porque a democracia não é assim que se constrói. O montante angariado pelo PÁGINA UM na plataforma do GoFundMe foi apenas de 13.884 euros, através de 356 donativos. O GoFundMe, e entidades associadas, ficaram com cerca de 10% em comissões e encargos de transacção.

    Assim, a partir de hoje, se desejar financiar pontualmente o PÁGINA UM, então pedia que optassem pela campanha agora em curso no Mightycause, AQUI.

    Obrigado, Espero que compreendam esta decisão.