No passado dia 9 de Agosto, nas instalações da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), com autorização superior para consultar processos administrativos por parte do senhor juiz conselheiro Sebastião Póvoas, circunstancial presidente daquele regulador – previsto na Constituição da República para defesa da liberdade de imprensa –, cometi um suposto “crime de lesa-majestade”: saquei do telemóvel e comecei a tirar fotografias às páginas.
Desde que os smartphones se vulgarizaram, não conheço, como jornalista, meio mais corriqueiro de consulta, mais eficiente pela rapidez e mais ecológico pela poupança de recursos. Em meia dúzia de minutos, capta-se os elementos estritamente necessários, evitando-se ocupar tempo a todos, e cada um segue caminho. Que venha o primeiro jornalista dizer que nunca usou, de forma descontraída e sem pressão, um telemóvel para fotografar papéis.
Porém, em 9 de Agosto, a ERC quis fabricar um “incidente”, e procurou proibir-me ilegalmente de usar um meio legítimo de reprodução de documentos, previsto na Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA). Um pedido para a PSP tomar conta desta ocorrência, transformou-se de repente num distúrbio (artificial), que culminou não apenas em um, mas logo em dois comunicados da ERC, o segundo da própria Comissão de Trabalhadores.
Os dois comunicados difamantes – divulgados na imprensa, em que chegava a colocar em dúvida a minha actividade de jornalista e me atribuía supostos insultos aos membros do Conselho Regulador e uma alegada “atitude invulgar e abusiva”, pretendia criar uma “cortina de fumo” nas investigações do PÁGINA UM sobre a ERC.
Fachada da ERC, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa, fotografada hoje de manhã.
Com efeito, o PÁGINA UM tem procurado saber como tem sido a intervenção do regulador na gestão dos pedidos de confidencialidade de grupos empresariais de media relacionado com a transparência de dados económicos, e também conhecer se haverá intervenção sobre estranhos contratos entre diversos grupos empresariais de media e entidades da Administração Pública que resultam em ingerências editoriais.
Ora, mas o PÁGINA UM não se deixa amedrontar com estas “manobras de diversão”. Nas últimas semanas, além de instaurar um processo de intimação contra a ERC por negar a consulta de documentos sobre a transparência dos media, fui insistentemente solicitando a remarcação da consulta dos processos inopinadamente interrompida em 9 de Agosto. Por três vezes se fez o pedido. Apenas no passado dia 24 de Agosto houve uma reacção da ERC, marcando nova consulta para hoje, dia 30, mas com a imposição de regras, entre as quais a proibição de fotografias.
Reacção: novo protesto, queixa na Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), indicação de que estaria presente na companhia de advogado e que não se aceitaria aquelas regras arbitrariamente impostas pelo Conselho Regulador da ERC, mesmo se ditadas por um juiz conselheiro que, na verdade, ali, assumia apenas o papel de presidente do regulador e não de qualquer tribunal.
Intolerável coacção sobre a ERC por um cidadão inoportuno?
Ou antes uma intransigente defesa de direitos por um jornalista incómodo?
Os leitores que decidam. Os cidadãos que escolham a perspectiva e, como a sua decisão, queiram aceitar o tipo de democracia que mais apreciam.
Ao fundo, advogado João Pedro César Machado, à entrada da ERC, que acompanhou o director do PÁGINA UM na consulta dos processos, aos quais se tiraram fotografias.
Em função desse protesto, enfim veio nova reacção da ERC: “excepcionalmente”, o presidente do Conselho Regulador autorizou ontem que a consulta de hoje pudesse ser feita com reprodução de fotografias dos processos – algo que, aliás, já eu fizera em outras oportunidades antes do dia 9.
E lá estive hoje, eu, Pedro na ERC, a consultar seis processos, na companhia do advogado João Pedro César Machado, na mesmíssima sala do dia 9 de Agosto, munido de telemóvel a fotografar páginas e a escrever seis requerimentos. Numa exacta hora e meia, despachei tudo: consulta, fotografias e requerimentos.
E onde está a “Anita no circo”? Talvez no facto de ter, durante esta corriqueira consulta, a “escoltar-me” o chefe de gabinete do presidente da ERC, acompanhada por mais uma jurista.
E, entretanto, lá em baixo, a guardar a porta, fiel, um agente da Polícia de Segurança Pública, convenientemente requisitado pela ERC, por certo.
Nunca antes, nas minhas diversas visitas à ERC, tinha visto à porta um agente da PSP. E foram várias. Nunca antes de 9 de Agosto esteve ali um agente. E não há coincidência. Há coacção sobre os jornalistas, agora olhados como Inimigos Públicos se saírem da bitola da “cordialidade” e do “respeitinho”.
Alguém da ERC achou que eu constituiria um perigo e requereu previamente presença policial; e alguém na hierarquia da PSP achou por bem destacar recursos públicos – um agente – para proteger não sei quem de um jornalista que, enfim, só ali entrou para exercer a sua actividade como jornalista, munido de telefone e caneta, e que dali saiu pacifica e livremente, mas a pensar se ainda se vive numa democracia.
Desde Abril, o PÁGINA UM, apresentou já nove processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões.
Em paralelo, desde Janeiro, mais de uma dezena de pareceres foram elaborados pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), sob pedido do PÁGINA UM, devido à recusa de diversas entidades públicas em satisfazer pedidos para consulta de processos.
Bem sei haver por aí entidades e pessoas – a começar por aquelas que regulam o sector da comunicação social e jornalistas – que tentam “vender” a ideia de que tantas demandas do PÁGINA UM – recorrendo agora, por sistema, aos tribunais – é sinal de uma postura “belicista”.
Manobras de diversão. Areia para os olhos.
O problema – verdadeiramente chocante numa democracia a caminho do meio século de existência – não é a (suposta) estratégia conflituosa do PÁGINA UM; é sim a postura de intransigente obscurantismo da Administração Pública.
A borracha da IGAS passou por aqui…
Qualquer jornalista que se preze, e detenha ainda memória e princípios, sabe ser normal uma certa renitência da Administração Pública em ceder dados sensíveis ou que permitam uma avaliação crítica ao seu desempenho.
Não é bem a Administração Pública, que é um ente abstracto; são as pessoas que circunstancialmente a integram, zelosas dos seus (pequenos ou grandes) poderes, e que resistem a ingerências externas, sobretudo pelos jornalistas.
Até um certo nível, isso é compreensível. Mas agora, nos tempos que correm, a resistência passou para um perfeito e absoluto bloqueio.
Hoje, qualquer informação é considerada comprometedora, de acesso obstaculizado. Bases de dados públicas, antes disponíveis, são apagadas ou mutiladas. Tudo serve para não ceder. Ou porque é demasiada informação, ou porque o jornalista tem de justificar o fim da consulta dos documentos – como defende, hélas, o próprio Conselho Superior da Magistratura – ou porque os documentos contêm dados nominativos sob reserva.
A interpretação abusiva – e se não fosse abusiva e grave, seria então apenas risível e patética – de até os simples nomes, incluindo de funcionários públicos no exercício de funções, deverem ser protegidos está, entretanto, a fazer “escola” dentro da Administração Pública.
O princípio é falacioso: qualquer cidadão tem direito de privacidade; porém, também todo o cidadão tem direito a sindicar o que os outros cidadãos que exercem funções públicas andam a fazer no exercício dessas mesmas funções, incluindo a sua identificação.
E porquê? Ora, porque, de contrário, a coberto do anonimato de uma suposta justa defesa da privacidade, um funcionário público, um dirigente da Administração Pública, um político (em última análise) jamais poderia ser identificado pelos demais. Todos os seus actos legais e ilegais ficariam no limbo, escondidos para todo o sempre.
No limite do absurdo, não poderíamos sequer conhecer o nome do primeiro-ministro, o nome de qualquer ministro, o nome de qualquer secretário de Estado, o nome de um director-geral ou de um presidente de um instituto público, nem o nome de qualquer funcionário, donde jamais se conheceriam o que fizeram, de bem ou de mal. Tudo secreto, tudo obscuro.
Dou aqui um exemplo paradigmático.
… e por aqui…
O PÁGINA UM solicitou à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) um conjunto de documentos relacionados com processos de fiscalização. A IGAS não os enviou numa primeira fase; não os cedeu de imediato após um parecer da CADA – e, portanto, o PÁGINA UM remeteu um pedido de intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 1 de Agosto, processo que está em curso.
Ontem, recebi um telefonema da IGAS, informando que os documentos seriam enviados por e-mail. E foram. Só que têm um “problema”: tudo o que era nomes e mesmo funções foram literalmente apagados. Centenas ou milhares de páginas, de algumas dezenas de processos, foram expurgadas de elementos essenciais. Para não parecer tão mal, não se usou rasura a negro; foi a branco.
Peguemos num exemplo: o Processo de Fiscalização 0020/2018-FIS teve como objecto a “verificação do cumprimento da legalidade dos procedimentos sobre a aplicação do regime jurídico das incompatibilidades”. O processo tem 154 páginas.
Logo na primeira página consta um espaço sobre a Entidade.
Qual? Não se sabe. Foi apagada pela borracha da IGAS.
Segue-se o nome do instrutor/a.
Quem foi? Não se sabe. Foi nome apagado pela borracha da IGAS.
Houve um secretário/a?
Talvez, mas aparentemente o nome também foi apagado pela borracha da IGAS.
Vá lá: não apagaram a data da instauração do processo: 31-07-2018.
Na página 2 consta a Ordem de Serviço nº 81/2018.
Sobre qual entidade? Não se sabe. Foi apagada pela borracha da IGAS.
Nome do chefe de equipa, dos dois inspectores e da inspectora-geral? Nada. Apagado.
E assim se segue na página 3, com pelo menos quatro nomes apagados.
… e por aqui… e por mais centenas e muitas mais centenas de páginas.
Na página 4 terão sido apagados 10 nomes de entidades.
E por aí fora.
Por exemplo, na página 20 do processo, fica-se a saber que alguém cujo nome foi apagado enviou às 14:47 horas de 2 de Outubro de 2018 um e-mail para a Exma. Senhora Presidente do Conselho Directivo APAGADO a informar do adiamento de uma acção de fiscalização “por motivos ponderosos de última hora”.
Nas páginas 25 e 26 são apagados todos os nomes dos membros dos júris de concursos de dispositivos médicos num hospital desconhecido porque também foi apagado pela borracha da IGAS.
Chegam a ser listadas, neste processo, diversas declarações de inexistência de incompatibilidades. De quem? Não se sabe. A IGAS meteu-lhe borracha.
Enfim, poupemos os leitores. Já basta. Não ficou nem um nome esquecido. Foi trabalho meticuloso. Moroso, acredito. Até porque em todas as outras dezenas de processos o modus operandi foi similar.
Limparam tudo. Muito bem. E agora, de certeza, vai ainda a descarada IGAS “vender” ao Tribunal Administrativo de Lisboa que já deu a informação ao PÁGINA UM toda a informação, alegando assim uma “inutilidade superveniente da lide” para se furtarem da transparência. Mandaram sim uma montanha de vergonhosa inutilidade.
Agora, já compreendem os leitores do PÁGINA UM a importância da intervenção dos tribunais para arejar a Democracia? Se não forem os juízes, esta nossa pobre Democracia apodrecerá.
São eles, agora, os juízes, como foram os militares em 1974, que podem salvar-nos de um regime vicioso, que não merecemos. Ou merecemos, se continuarmos impavidamente a aceitar o que certos senhores nos querem fazer.
N.D. Os leitores que desejem conhecer o exemplo aqui exposto, o Processo de Fiscalização 0020/2018-FIS, para conferir o aqui exposto, pode solicitar o seu envio para o e-mail geral@paginaum.pt. O ficheiro tem cerca de 91.544 KB.
A Ordem dos Médicos é uma associação profissional com um activo de mais de 58 milhões de euros, receitas anuais que rondam os 12 milhões de euros e acabou 2021 com um lucro de 2,4 milhões. É um Golias, presidida, conjuntural e efemeramente, pelo urologista Miguel Guimarães.
Ora, esta associação profissional, está neste momento em litígio no Tribunal Administrativo de Lisboa com o director do PÁGINA UM – jornal digital com um capital social de 10 mil euros e um orçamento mensal de poucos milhares de euros –, por causa do acesso a pareceres técnicos que o bastonário Miguel Guimarães insiste em esconder (já ganho em primeira instância), e à contabilidade de uma campanha de angariação de fundos mal-escrutinada em redor da pandemia.
O PÁGINA UM é, assim, um David – que tem como “funda” os seus leitores.
Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (que trabalha agora para a Gilead), e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária
Apesar dessa diferença de escala financeira, o PÁGINA UM – e particularmente eu – tem incomodado alguns senhores doutores que, desde 2020, foram cirandando pelos corredores do poder, dos hospitais e da imprensa, vendendo alegadas “opiniões independentes”, enquanto também se “vendiam” (ou vendiam os seus conhecimentos) às farmacêuticas e ao Governo.
O PÁGINA UM nasceu para ser um jornal independente e fazer jornalismo de âmbito nacional e genérico. Mas não esquece parte da sua motivação inicial. Durante dois anos, muitos calaram-se ou foram calados. Agora, com a acutilância de um jornalismo isento e sem cedências, queremos respostas, saber o que os mobilizou, saber como foram “alimentando” uma narrativa, conhecer os motivos para terem sido tão lestos a criar pânico e tão lentos a reivindicarem soluções para os verdadeiros problemas de Saúde Pública do país.
O PÁGINA UM não quer que se repita 2020 e 2021. Não quer que 2022 seja um sucedâneo, nem que o futuro confirme a perda de direitos e o crescimento do obscurantismo e falta de transparência. Por isso, fazemos este tipo de jornalismo, que vai até às últimas consequências legais.
Até ao Tribunal Administrativo.
Mas jogamos de forma limpa e com ética. Para fomentar a transparência não é necessário criar inimigos; mas não nos importamos de os ter se para tal for necessário. E consideramos que os tribunais são o palco para dirimir as questões, mas usando “armas” limpas.
Surge este editorial porque, enfim, no meio da sua defesa num dos processos administrativos envolvendo a Ordem dos Médicos (e também a Ordem dos Farmacêuticos) – o acesso aos documentos da campanha Todos por Quem Cuida –, ficámos ontem a saber que foram “depositadas”, como argumento (chamemos assim) da dita Ordem dos Médicos, 42 páginas de uma suposta queixa-crime por difamação contra mim.
Esta alegada queixa-crime terá sido apresentada no DIAP em 16 de Fevereiro passado, tendo como queixosos a própria Ordem dos Médicos, o bastonário Miguel Guimarães, o pediatra Luís Varandas e o pneumologista Filipe Froes.
[Filipe Froes ser um queixoso é piada que se faz sozinha]
Note-se: até ontem, esta queixa era completamente desconhecida tanto por mim como pelo meu advogado.
Nunca fui notificado para prestar declarações.
Não sou arguido.
António Guterres depôs em campanha que a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos insistem em esconder de escrutínio.
Pela leitura do arrazoado, aquela queixa tem, num país democrático que (espero) preza a liberdade de expressão, tem tantas pernas para andar como as de um caracol.
Mas, perguntem-me: que faz uma queixa-crime num processo administrativo?
Nada. Juridicamente, não serve para nada. Deve ser desentranhado. Nunca sequer deveria apresentado.
Porém, o senhor urologista Miguel Guimarães decidiu que aquilo era uma boa “arma” para tentar convencer uma juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa a não conceder-me o direito de escrutinar as contas e as operações de uma campanha de angariação de fundos de 1,4 milhões de euros, rodeada de muitos secretismos.
Foi jogo sujo, simples e lamentável.
Não vou aqui sequer explanar sobre esta queixa-crime em concreto que, aparentemente, sobre mim pende – patrocinada pelas quotas da mais de meia centena de milhar de médicos do país.
Até porque ainda acho que, num país decente e que preza a liberdade de expressão (ainda mais quando se questionam aspectos éticos e de promiscuidade com farmacêuticas, suportados em dados da Plataforma da Transparência e Publicidade do Infarmed), esta queixa-crime tem menos pernas para andar do que as de um caracol.
Mas devo lamentar, e de forma veemente, este jogo sujo do bastonário, porque esta queixa quis servir um único propósito: influenciar uma juíza através de uma “manobra de diversão”, colocando a Ordem dos Médicos (e médicos) como “vítimas” de um alegado difamador.
Mas isto também mostra um sinal de aflição da Ordem dos Médicos.
Para Miguel Guimarães já vale tudo para influenciar a decisão num processo administrativo, onde apenas está em causa a aplicação da lei e de direitos de cidadãos.
Qual é afinal o temor de Miguel Guimarães?
Teme a transparência?
Teme que esta juíza lhe conceda uma segunda derrota na primeira instância do Tribunal Administrativo, obrigando-o a divulgar como foi feita a gestão de 1,4 milhões de euros de uma campanha de angariação de fundos?
Teme que não consiga silenciar um jornalista como conseguiu silenciar muitos médicos com processos disciplinares?
Quem é este senhor, afinal, que assume a Ordem dos Médicos como seu feudo, para seu uso e dos apaniguados?
Em que página da História querem os médicos que fique os mandatos do senhor Miguel Guimarães? E a democracia, em que sítio o que colocar?
N.D. Sejamos, porém, pragmáticos, o PÁGINA UM está consciente do risco de vir a sofrer de SLAPP – acrónimo, que faz lembrar estalo (slap), para Strategic Lawsuit Against Public Participation. A denúncia destes casos, ainda mais quando está em causa um projecto de jornalismo completamente independente, mostra-se fundamental. Embora com meios incomensuravelmente menores, o PÁGINA UM não vergará na sua luta em prol da transparência e do acesso à informação. No caso dos processos judiciais, os apoios podem ser concedidos ao FUNDO JURÍDICO. Para o apoio ao trabalho jornalístico, podem apoiar através de várias modalidades.
Têm sido dias atípicos para o PÁGINA UM que, por força dessa anormalidade, tem estado demasiado tempo concentrado em questiúnculas para as quais o têm empurrado, em vez de fazer jornalismo duro e puro. Mas também tenho consciência que essas questiúnculas constituem os “efeitos adversos” (leia-se, reacções de incómodo) decorrentes do jornalismo isento, rigoroso e sobretudo independente que temos feito desde o nosso nascimento em Dezembro passado.
Quem, por exemplo, coloca no Tribunal Administrativo (e até ganha processos) entidades como o Conselho Superior da Magistratura, a Ordem dos Médicos, o Ministério da Saúde e o Infarmed; ou quem incomoda farmacêuticas e questiona médicos “promíscuos”; ou quem faz requerimentos e perguntas incómodas a outros órgãos de comunicação social, a jornalistas e aos reguladores, não pode esperar vida fácil.
Assim, na mesma semana em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fabricou não apenas um mas logo dois incidentes – transformando um processo por si conduzido com puras ilegalidades – para atacar o PÁGINA UM com manobras de diversão, atribuindo-me absurdas condutas de coacção, vem agora a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) tentar dar a estocada final.
E usa um expediente tipicamente fascistóide, ademais cometido por dois jornalistas, de seu nome Jacinto Godinho e Maria Licínia Girão.
Que fizeram a senhora Girão e o senhor Godinho?
Parece que também receberam uma queixa do senhor António Morais no dia 17 de Março contra artigos de investigação do PÁGINA UM sobre os negócios da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e as suas relações com as farmacêuticas.
Para quem não tem acompanhado a novela SPP – e como tem sido a postura da ERC e agora da CCPJ –, saibam que o senhor António Morais, em virtude da investigação do PÁGINA UM, acabou afastado de consultor do Infarmed e está a braços com um processo de contra-ordenação (depois de um processo de averiguações) levantado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Jacinto Godinho, jornalista da RTP, professor da Universidade Nova de Lisboa, Prémio Gazeta de Jornalismo (1995 e 2007) e co-autor de uma Recomendação que não ouve o jornalista visado nem o informa da existência de uma queixa.
Ora, mas se a ERC ainda tentou dar razão às queixinhas do senhor António Morais forjando um processo mas falhando na concessão do direito do PÁGINA UM em apresentar defesa sustentada no âmbito de uma audiência prévia – única fase em que poderia conhecer as acusações concretas –, já a CCPJ arranjou um expediente de salafrário.
O senhor Godinho e a senhora Girão decidiram, sim, estar bem caladinhos sobre esta matéria durante 147 (cento e quarenta e sete) dias – quase cinco meses, portanto –, sem sequer avisarem: “ó sôr Pedro, tá aqui uma queixa contra si!”, e voluntariam-se para um frete.
Que o senhor Godinho e a senhora Girão tenham opinião sobre o trabalho de colegas, a “gente” até aceita; pode achar mal, discordar da opinião, mas aceita-se.
Porém, já o galo canta diferente quando eles, o senhor Godinho e a senhora Girão, (ab)usam do seu estatuto de Secretariado da CCPJ para escrevinhar um opróbrio superficial e acéfalo a que chamam pomposamente de Recomendação contra um trabalho de investigação jornalística do PÁGINA UM. E qual a consequência do trabalho de investigação jornalística alvo da queixa e da Recomendação do senhor Godinho e da senhora Girão? A conduta do queixoso (António Morais) foi já considerada censurável. E por quem? Pela IGAS e pelo Infarmed. Para começar…
Notem, o senhor Godinho e a senhora Girão, não me condenaram num qualquer processo disciplinar. Não! Isso eles não quiseram fazer. Não tiveram coragem de fazer. Isso não. Não querem atacar-me por essa via, mesmo se eu já lhes escrevi entretanto, hoje, a convidar, a sugerir, a recomendar, a exigir até, por uma questão de decência, que me levantassem uma acção disciplinar ao abrigo do artigo 1º do Aviso nº 23504/2008 – a base legal da CCPJ para a sua acção sobre os jornalistas.
Mas eles, o senhor Godinho e a senhora Girão, não quiseram seguir essa via, porque assim não conseguiriam atingir os intentos que estão a tentar com esta repugnante, mesquinha e asquerosa coisa a que chamam Recomendação.
Licínia Girão apresenta-se na rede LinkedIn como “Jornalista Jurista” freelancer (Junho de 2020 a Junho de 2022), como “Jurista” independente (Junho de 2020 a Junho de 2022), é presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista desde Maio deste ano.
Porque se assim fosse – se tivessem a coragem de recorrer a um processo disciplinar (e espero ainda que tenham; e se não tiverem, então confirmam a sua cobardia) –, o senhor Godinho e a senhora Girão teriam de provar, na acusação, onde e como violei “o dever fundamental dos jornalistas de exercer a respectiva actividade com respeito pela ética profissional”.
Uma “chatice”: teriam de identificar claramente onde cometi falhas para que me pudessem aconselhar a que “providencie no sentido de [me] abster de formular conteúdos de natureza, claramente, sensacionalista nos artigos noticiosos e de reforçar a distinção entre as peças noticiosas e os artigos de opinião que tem toda a legitimidade para escrever.”
Com uma torpe Recomendação não necessitaram desse incómodo de me permitirem sequer defesa. Nem sequer me avisaram da existência de uma queixa! Coisa extraordinária!
Mandaram simplesmente aquilo que pariram: um aborto, uma infame Recomendação, pura difamação sob a forma de bitaite.
Ora, mas a hipocrisia do senhor Godinho e da senhora Girão não teve limites. Depois de não me informarem de uma queixa, depois de nem sequer mencionarem os interesses e motivações do queixoso em conspurcar um legítimo trabalho jornalístico – a essência do jornalismo é aquilo que fiz –, fazem uma “recomendação” grotesca para finalizarem como uma “nota complementar” de puro asco: “Informa-se, também, que na sequência da citada denúncia apresentada pela SPP à CCPJ foi proferido, por unanimidade, pelo Secretariado da CCPJ, um despacho no sentido de indeferir o pedido de proceder à abertura de um processo disciplinar ao jornalista. Contudo, esta é uma decisão da qual a SPP poderá ainda recorrer para o Plenário da CCPJ.”
Senhor Godinho e senhora Girão, Excelentíssimos Senhores e Senhoras membros do Plenário da CCPJ, façam um favor: se a SPP não recorrer, por favor, processem!
Assim, poderei apresentar defesa, poderei contestar. Poderei, perante vós, mostrar a decência que vos falta.
E, entretanto, façam o favor, já agora, senhor Godinho e senhora Girão, de responderem às questões que o PÁGINA UM tem colocado à CCPJ desde Dezembro passado sobre as relações promíscuas entre jornalistas, incluindo directores de órgãos de comunicação social, e diversas empresas e anunciantes, aqui sim em clara violação das regras deontológicas.
Mas isso se calhar não convém. Mais vale aproveitar a “onda” dos ataques da ERC – junta-se a fome à vontade de comer – e tratar de se desenvencilharem de um jornalista incómodo; de um jornalista que vos surge, como fantasma, a relembrar-vos os jornalistas que deixaram de ser. Ou que nunca foram.
E, no meio, “queimando-me” no vosso grotesco pelourinho mostram aos outros jornalistas que é melhor serem como vós do que como eu. Os inquisidores do Santo Ofício também assim procediam contra a “herética pravidade”, para que todos fossem como eles.
Nota final: Em princípio, encerro com este texto o caso ERC/SPS e a CCPJ/SPS, esperando que estas dissensões subam para o nível onde devem ser debatidas: não na praça pública (onde não detenho o poder financeiro, nem o controlo da informação, como essas entidades), mas nos tribunais. Por esse motivo, conto apenas voltar a estes assuntos se e quando houver decisões judiciais, esperando que estas duas entidades e a SPP procedam com similar civilidade.
Como o PÁGINA UM também não detém financiamentos públicos e privados – aliás, eu até, como jornalista, tenho de pagar uma taxa à CPPJ; e como detentor de um órgão de comunicação social, tenho de pagar registos e emolumentos à ERC –, a luta judicial também está desequilibrada, apenas tornando-se mais justa com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO.
Regresso à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, porque o caso merece.
Atente-se ao comunicado inédito e virulento do Conselho Regulador. Ficará na História como prova indelével do estado de podridão da democracia portuguesa no ano da (des)graça de 2022. Reza assim:
“Hoje, dia 9 de agosto de 2022, um cidadão de nome Pedro de Almeida Vieira dirigiu-se à ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre [sic] pretexto de consultar processos em que o seu nome está envolvido.
Não é a primeira vez que o faz, não aceitando as regras estabelecidas para o funcionamento da ERC e, insatisfeito, com deliberações em que a ERC não lhe dá razão, tem vindo a insultar os membros do Conselho Regulador e a exercer coação sobre os funcionários que o atendem, insistindo, inclusive, em gravar uma audiência de conciliação apesar de advertido de que não o poderia fazer, e fotografar peças processuais.
Culminou, após ameaça, por pedir a comparência de Autoridade Policial para concretizar tal coação.
Intitulando-se jornalista, o referido cidadão tenta legitimar comportamentos nos quais, consideramos, que a classe jornalística não se revê.
A ERC não pode deixar de condenar e repudiar esta atitude invulgar e abusiva do referido cidadão e irá acionar os mecanismos legais e judiciais para a defesa do bom nome da Instituição e dos direitos dos cidadãos e da Liberdade de Imprensa.”
“Acto de coacção” número 1, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada
Quem lê isto – eu próprio – imaginará, por certo, que eu, talvez munido de um taco de beisebol, irrompi por ali adentro, na sede da ERC, vociferando impropérios, ameacei meio-mundo, uma Sicília em plena Avenida 24 de Julho, gritos por todo o lado, e tudo isto sob [assim, sim] pretexto de consultar processos, ali se fez um banzé e mais trinta por uma linha, ao ponto de enfim, até ficar envolvida a Autoridade Policial para se concretizar a minha coação.
A silly season misturada com um filme de terceira classe.
Se não fosse grave até julgaria muito curioso o estratagema da ERC de tentar transmitir a ideia de que eu sou um “vândalo” que “não aceita as regras estabelecidas para o funcionamento da ERC”.
Porém, para azar, e sobretudo para compor um processo judicial por difamação, contabilizo, na minha caixa de correio profissional do PÁGINA UM, 39 e-mails enviados à ERC desde Janeiro deste ano, entre requerimentos, questões e pedidos de esclarecimento.
Sempre cordatos, sem uma palavra imprópria. A ERC pode mostrá-los, são documentos administrativos, públicos. Na generalidade, sempre direccionados ao “Exmo. Senhor Presidente da ERC”.
Em grande parte dos quais, recorrendo, e explicitando, normas legais da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, da Lei da Imprensa, dos Estatutos da própria ERC e do Código do Procedimento Administrativo. Noutros, colocando perguntas concretas.
Não se pense que os meus contactos com a ERC sejam apenas de assuntos relativos ao PÁGINA UM. Muito longe disso – e, aliás, por não serem quase nunca sobre o PÁGINA UM, e sim sobre a acção da ERC, eu compreendo a irritação e o nervosismo dos senhores do Conselho Regulador.
Desde que o jornal nasceu, publicámos já mais de uma dezena de artigos abordando a acção – ou inacção – desta entidade reguladora em assuntos sobre a comunicação social em que o PÁGINA UM (como “actor”) em nada estava relacionado, como se pode ver aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Ou seja, são 21 artigos noticiosos puros e duros, alguns de investigação – mas, repito, o interesse do PÁGINA UM foi estritamente editorial pela relevância dos assuntos na esfera jornalística. O PÁGINA UM não era “parte achada” nem directa nem indirectamente.
Acto de coacção número 2, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada.
Diferentes são, de factos, os casos em que o PÁGINA UM – e eu, em particular, como seu director – recorri à ERC por esta ser a entidade reguladora, devido à denegação do direito de resposta da CNN Portugal, Observador, Público, Expresso e Lusa por causa de uma campanha vergonhosa iniciada por uma abjecta notícia em 23 de Dezembro do ano passado.
Mas até aqui o comunicado de ontem da ERC foge à verdade. De entre as cinco deliberações da ERC sobre esta matéria, três acabaram por ser globalmente favoráveis ao PÁGINA UM (uma das quais depois de reclamação formal em que a ERC reverteu a sua decisão inicial), e apenas as do Expresso e da Lusa não o foram, mesmo com o voto do próprio presidente da ERC a favor da pretensão do PÁGINA UM.
Portanto, em abono da verdade, de entre estas cinco deliberações, o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, até esteve sempre “ao lado” do PÁGINA UM. Portanto, pessoalmente, nestes casos em concreto, eu e o senhor juiz conselheiro estamos de acordo.
Bem diferente, porém, é o caso da deliberação da ERC sobre uma queixa da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra a investigação jornalística isenta e rigorosa do PÁGINA UM.
Não apenas por ser uma deliberação indigna e atentatória da Liberdade de Imprensa – em consequência dos artigos noticiosos do PÁGINA UM o presidente da SPP foi afastado de consultor do Infarmed e está a braços com um processo de contra-ordenação da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde –, mas também por a ERC ter cometido nulidades insanáveis (não concedeu a pedida audiência prévia para apresentação de documentos e testemunhas).
A ERC – e sobretudo o seu presidente, que é um juiz conselheiro – sabem que fizeram “porcaria” jurídica, sabem que se portaram de forma enviesada em todo o processo. Foram “apanhados” no meio de uma farsa, e perante a irredutível postura do PÁGINA UM de levar isto até às últimas consequências – e de defender que não têm condições para se manterem no cargo – estão a fabricar incidentes. E a tentar manipular a opinião pública.
Por isso, a alegada ilicitude da gravação de “audiência de conciliação” – expressamente mencionada no comunicado da ERC – é uma parvoíce. Durante essa audiência foi suscitado esse “incidente”, houve uma comunicação interna sobre essa matéria, mas um despacho da própria ERC, “não se vislumbrando ilicitude tratando-se de declarações ditadas pelo arguido”, arquivou o assunto. Emitir esse suposto incidente para me “conspurcar” é grave.
Quanto a “fotografar peças processuais” ser ilícito, só poderia ser piada, se não tivesse como objectivo colar-me uma atitude censurável. Fotografar papéis numa consulta autorizada é o acto mais banal de registo para um jornalista desde que os telemóveis têm boas câmaras fotográficas, tornando a recolha de notas mais rápida e prática.
“Acto de coacção” número 3, “intentado” ontem nas instalações da Entidade Reguladora para a Comunicação Social durante o processo de consulta, e com entrada convenientemente anotada.
Ademais, estava em causa documentos administrativos em processos já decididos, e que até me diziam respeito. Além disso, essas fotografias constituem, além de auxiliar de trabalho, uma prova da consulta e da existência desses documentos, independentemente de se requererem cópias (que têm um custo).
Por outro lado, sobre a chamada da “Autoridade Policial para concretizar tal coação”, sejamos claros: a PSP apenas foi chamada porque as técnicas da ERC ameaçaram chamar um “segurança” quando protestei sobre o impedimento de fotografar os documentos, e se recusaram a indicar a base legal desse impedimento. Considerando que estaria em causa um acto ilícito, somente com a presença de uma “Autoridade Policial” se poderia registar a veracidade da ocorrência.
Por fim, e na verdade, os meus actos de “coação” acabaram, ao fim e ao cabo, por ser a entrega de mais dois requerimentos e um pedido de fotocópias relativos a três processos consultados. Outros ficaram por consultar porque, entretanto, chegaram quatro polícias da Esquadra da Estrela para registar uma ocorrência, e meteu-se a hora do almoço, e disseram-me que não havia possibilidade de retomar a consulta pela tarde.
Uma chatice, porque vou ter de ir lá outro dia. Com advogado, presumo. Para já, seguiu hoje novo requerimento. Até porque, se o Conselho Regulador da ERC pensava que uma deliberação iníqua e cheia de nulidades e um comunicado difamante (e até para toda a classe jornalística) seriam suficientes para “vergar” o PÁGINA UM, e “amansar-me”, enganaram-se. Comportar-me-ei sempre, como jornalista, dentro da lei mas sem limites que não sejam os princípios deontológicos e a isenção e rigor.
Portanto, quando o exercício de um direito legal de consulta a processos e documentos administrativos se “transforma”, perante uma entidade pública, e ainda por cima a entidade que regula a Comunicação Social, num acto de coacção, ficamos com a verdadeira noção de que a Democracia está podre. Ou então que há pessoas que não sabem estar em democracia.
Os senhores cidadãos Sebastião Póvoas, Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo vieram hoje, penosamente, contribuir com mais um episódio para a consolidação do pantanal em que transformaram a regulação da Comunicação Social.
Quando se diz “consolidação”, significa, neste caso, “putrefacção”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) é hoje, com estes três senhores e esta senhora, uma versão rasca de Tomatina de Buñol, mas fora do prazo de validade, estão podres, e não são os tomates – vivem eles, e não os tomates, numa democracia mas comportam-se ainda como se estivessem em regime totalitário. Como não podem, mesmo assim, encerrar um projecto editorial independente e não-servil, optam por o conspurcar. E fazem o que querem. Confiam na inércia da sociedade, na lentidão e nos custos do acesso à Justiça.
Não contentes com o que andaram a fazer nos últimos meses, esta tarde acometeram com nova sessão de pantomina, e decidiram responder à carta do advogado do PÁGINA UM, Rui Amores, que enfim lhes tinha apontando, em tom cordato, as nulidades processuais da Deliberação a “pedido” da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Nervosos, os três senhores – um dos quais, enfim, juiz conselheiro – surgem a assinar espantosas duas folhas e meia para procurar justificar o injustificável, mas aditando confusões e incongruências tamanhas que, enfim, esta novela só já não é um novelo porque não tem ponta por onde se pegue.
Sei porque eles o fazem: talvez para os seus “apaniguados”, talvez para as suas clientelas, talvez mesmo para a imprensa mainstream, talvez para os próprios leitores do PÁGINA UM. Convém-lhes fomentar entropia e lançar mistifórios para confundir, de sorte que os meus argumentos para os desmascarar sejam necessariamente longos. Eles sabem bem a táctica da (des)comunicação.
Dizem eles, para começar, que o “requerente” [eu], foi “notificado da queixa/participação feita pela Associação [sic] Portuguesa de Pneumologia – SPP”, e que a pude contraditar. E assim fiz, é certo, naquela fase. E, aliás, fui contraditando com mais investigações, a ponto de que o queixoso, o senhor António Morais, foi alvo de um processo de averiguações e depois de contra-ordenação por parte da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, e ainda descartado de consultor do Infarmed. A “culpa” foi do PÁGINA UM, o jornal do qual se queixou à ERC, e sobre o qual a ERC abriu um processo e quis censurar com uma Deliberação abjecta.
Depois dizem eles, os senhores do Conselho Regulador da ERC, que se fez uma “audiência de conciliação, realizada no dia 27 de Abril”, acrescentando que “durante a qual até proced[i] (ou tent[ei]…] gravar o [m]eu depoimento, tendo sido advertido pela instrutora que tal conduta era irregular”.
Tontice! Não tentei gravar. Gravei mesmo, integralmente, apesar dos protestos, porque estávamos perante um acto público de defesa e, já desconfiando do enviesamento da ERC, tinha de garantir provas do que ali era dito. Não cometi qualquer irregularidade. Aliás, convenço-me hoje que procedi bem.
Mais uma velhacaria, a dos membros do Conselho Regulador, aludirem à minha alegada conduta “irregular”.
Sobre esta matéria, até existe um despacho, em 3 de Maio passado, com o seguinte: “Como se desconhece qual o segmento gravado, não se vislumbrando ilicitude tratando-se de declarações ditadas pelo arguido, arquive”. Esta informação interna, sobre a qual nunca tive conhecimento anterior, apenas foi apensa ao processo hoje, dia 8 de Agosto.
Mas, para quem não sabe disto, pensa que tive um comportamento “irregular”. Para os senhores do Conselho Regulador da ERC já vale tudo.
Por outro lado, é completamente falso, como escreve o Conselho Regulador da ERC, que “na eminência [sic]” de ser notificado da Deliberação, apresentei “em 18 de Julho p.p., um requerimento alegando ter pedido, à CADA, acesso a vários documentos que pretenderia juntar e podiam ter influência na decisão”.
Os senhores membros do Conselho Regulador da ERC estão, por certo, tontos ou afectados pelas ondas de calor derivadas das alterações climáticas. Ou são, apenas, mentirosos.
Este normativo diz que “os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”, acrescentando-se ainda que, nessa altura, “os interessados podem pronunciar-se sobre todas as questões com interesse para a decisão, em matéria de facto e de direito, bem como requerer diligências complementares e juntar documentos.”
Ora, havendo uma Deliberação – como houve – em 13 de Julho, a ERC manifestamente incumpriu o meu direito de audiência prévia. Os senhores do Conselho Regulador da ERC, incluindo o seu presidente, um juiz conselheiro, diz algo sobre esta matéria? Nanja!
Na verdade, quando enviei um e-mail em 18 de Julho passado, eu nem sabia que viria a ser notificado para aditar novos documentos, e muito menos que já houvera uma Deliberação cinco dias antes.
E mais – e grande confusão anda naquelas cabeças da ERC: a minha comunicação de 18 de Julho passado, nada tem a ver com a CADA [Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos] nem com documentos que supostamente lhes pedira.
“Uma vez que considero relevante para a avaliação das queixas quer da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra mim (director e jornalista do Página Um) quer a minha contra o presidente da SPP, tomo a liberdade de reencaminhar para V. Exa. um e-mail hoje recebido da Inspecção-Geral das Actividades [em Saúde], e que em grande medida envolve investigação jornalística do Página Um à dita sociedade médica.
Certo que V. Exa. e a ERC tenham consciência do que está em causa na diligência da SPP junto da instituição que V. Exa. preside, e estando eu, pessoalmente, confiante do papel de um regulador na promoção de uma imprensa livre num Estado Democrático, queira aceitar os melhores cumprimentos.”
Em suma, eu reencaminhava as comunicações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde sobre o processo de contra-ordenação instaurado contra o senhor António Morais, presidente da SPP, no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre aquela sociedade médica.
Aliás, tão preocupado estava eu então com a iminência de um “golpe de teatro” – e as informações que detinha davam-me conta de enviesamentos na análise dos meus casos na ERC – que, em 27 de Julho passado, solicitei por escrito, novamente ao presidente do regulador, que, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo, me informasse do andamento dos processos em curso.
E, de facto, no dia seguinte, dia 28 de Julho, o chefe de gabinete do Conselho Regulador da ERC, Paulo Barreto, informava-me por ofício que, em relação à “queixa formulada pelo Senhor António Morais”, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia contra o PÁGINA UM, eu tinha sido notificado [ou viria a ser notificado, porque tal só sucedeu em 2 de Agosto passado], através do Ofício SAI-ERC/2022/6661, de 21 de Julho de 2022, para, querendo, vir ao processo apresentar documentos e outros elementos que considere pertinentes”.
Neste caso em concreto, notem que a ERC omitiu intencionalmente – o que, neste caso, se mostra sinónimo de mentira – que afinal já havia uma Deliberação tomada em 13 de Julho, e que não cumprira o pedido de audiência prévia.
Não me escreveram, na verdade; ditaram uma pantomima.
Portanto, não é apenas uma mentira os membros do Conselho Regulador dizerem hoje que foi por estar “na eminência [sic]” de ser notificado [da Deliberação], que eu apresentei “em 18 de Julho p.p., um requerimento alegando ter pedido, à CADA, acesso a vários documentos que pretenderia juntar e podiam ter influência na decisão”.
Eu não sabia da Deliberação de 13 de Julho porque aguardava pela audiência prévia quando enviei o e-mail em 18 de Julho. Eu não sabia da Deliberação de 13 de Julho porque a ERC me informou em 28 de Julho que me notificara para “querendo, vir ao processo apresentar documentos e outros elementos que considere pertinentes”. Eu não sabia da Deliberação de 13 de Julho quando, na manhã do dia 4 de Agosto, me desloquei à sede da ERC, na Avenida 24 de Julho em Lisboa, porque estava ciente que estava a cumprir a audiência prévia, que se concretizaria após a consulta prévia de um projecto de decisão.
E, afinal, aquilo que vi, nessa manhã, foi a mais vil sacanice de uns senhores a quem entregaram a função de regulador da Comunicação Social da República Portuguesa.
Na verdade, com a carta de hoje, os senhores do Conselho Regulador da ERC quiseram chafurdar ainda mais, aumentando a confusão, criando o caos, avacalhando um processo que teve, desde o início, apenas um fito: censurar o trabalho de investigação jornalística isento, rigoroso e, hélas, incómodo do PÁGINA UM.
Por isso, também é falso – e patético como argumento – que o meu requerimento em 18 de Julho devesse ser “liminarmente indeferido, esgotado que estava o poder deliberatório do Conselho Regulador”. Os senhores e a senhora que assinam o triste texto em nome da ERC esquecem-se que fizeram uma deliberação fora-da-lei, fizeram uma análise típica de um regime totalitário e que omitiram e mentiram ao longo do mês. Fizeram tudo isto intencionalmente, mesmo o envio da Deliberação fora-da-lei para consumarem um acto de pura sacanice.
Aliás, nem sequer se predispuseram a incluir na farsa deste processo qualquer análise do Departamento Jurídico e/ ou de Análise de Media…
Por tudo isto, só pode ser por hipocrisia – poderia usar termo mais forte e apropriado, mas fico-me por esta palavra – que o Conselho Regulador da ERC venha ainda dizer que me notificaram, para juntar documentos por uma “preocupação de assegurar as mais amplas garantias e, eventualmente, prevenir pedidos de reforma do acto administrativo ao abrigo do disposto no artigo 184º do Código do Procedimento Administrativo, assim acautelando economia processual”.
Aliás, o artigo 184º do Código do Procedimento Administrativo nem sequer se aplicaria, naquela fase, ao processo em causa. Qualquer aluno do primeiro ano de Direito chumbaria se dissesse tal coisa.
Enfim, e que dizer ainda, e por fim, do desplante dos senhores do Conselho Regulador da ERC de concluírem que, na passada quinta-feira, quando fui consultar o processo e descobri a marosca, nada acrescentei, “mantendo-[me] silente quanto a tal processo”. Queriam que eu fizesse ainda mais parte da farsa por eles montada?
Chamar-lhes só patifes ainda seria pouco… Já merecem mais do que a demissão.
N.D. Este caso, obviamente, será dirimido em tribunal, onde se impugnará quer a Deliberação quer se procurará que terceiros possam servir-se desta vil Deliberação para desacreditarem o PÁGINA UM. Os processos judiciais do PÁGINA UM são financiados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO.
Em inglês chama-se SLAPP – acrónimo, que faz lembrar estalo (slap), para Strategic Lawsuit Against Public Participation. Consiste em processos de intimidação, perseguição e silenciamento, quase sempre recorrendo a processos judiciais ou similares, não apenas para desacreditar vozes independentes como para lhes causar danos patrimoniais.
Esta estratégia, muito em voga em diversos países, teve já em Portugal um infeliz momento, quando o então presidente (de “má memória”) do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, moveu mundos e fundos (públicos) para levar à condenação do então director do Público, José Manuel Fernandes, por um artigo de opinião em 2006. A República Portuguesa acabaria condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por esta decisão que teve contornos kafkianos e pouco abonatórios de um país que defende a liberdade de imprensa na sua Constituição.
Ora, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) parece querer agora introduzir um novo patamar no SLAPP lusitano, predispondo-se a ser uma “plataforma” para silenciar, desacreditar e intimidar vozes independentes e incómodas do jornalismo português.
Para resumir: como se sabe, a ERC aceitou em Abril passado uma queixa do senhor António Morais, circunstancialmente presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), por o PÁGINA UM ter publicado diversos artigos de investigação sobre a promiscuidade desta associação perante os interesses das farmacêuticas durante a pandemia. Dados públicos, exactos. Tentativa de ter contraditório, foi feita; impossível por a SPP se ter sempre recusado a dar informações.
Na verdade, as consequências eram apenas para o senhor António Morais e seus apaniguados.
António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019. Investigação do PÁGINA UM levou à sua saída de consultor do Infarmed e à abertura de um processo de contra-ordenação, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social aprestou-se para uma “farsa” em seu apoio.
De facto, no mais puro e nobre jornalismo de investigação e de denúncia – em qualquer lado democrático –, as notícias do PÁGINA UM tiveram consequências, mas mais ao nível da “limpeza ético-atmosférica”: o senhor António Morais está a ser alvo de um processo de contra-ordenação, depois de um processo prévio de averiguação, pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, e foi entretanto “chutado” por evidentes incompatibilidades pelo Infarmed como consultor.
Basicamente, o senhor António Morais – que, entretanto, por exemplo, andou a fazer publicidade ao Paxlovid, da farmacêutica Pfizer – só podia ser simultaneamente consultor de um organismo público e presidente da SPP se esta última entidade recebesse menos de 50 mil euros por ano das farmacêuticas. A SPP recebeu mais de 800 mil no último quinquénio. No ano passado recebeu 1,3 milhões de euros do sector do medicamento. Havia dinheiro a rodos; os leitores poderiam tirar as suas conclusões; é esta a função essencial do jornalismo.
Mas, SLAPP: a ERC – já muito incomodada pelas questões que o PÁGINA UM lhe tem andado a colocar – decidiu fabricar uma farsa e arranjar para si o papel principal: farsante, travestindo-se de regulador para vir em defesa da carcomida honra de certos respeitáveis senhores doutores.
Por aceitar a queixa da SPP? Não. Ora essa! Por quem sois!
Ofício da ERC com a notificação, no âmbito de audiência prévia, para juntar elementos a um processo que, afinal, estava já concluído.
Pode a ERC sempre aceitar queixas, embora tenha o dever de as analisar previamente, e definir de forma clara uma acusação (ou um arquivamento), e não simplesmente solicitar uma defesa obrigatória, sem a qual (segundo os seus absurdos Estatutos) se está perante uma assumpção da culpa (é mesmo assim).
Ou seja, a ERC tem a obrigação de proteger os bons cidadãos da má imprensa, mas deve proteger também a boa imprensa dos maus cidadãos. Caso contrário está-se perante o consumo de recursos (tempo e dinheiro) em sucessivas defesas de obtusas acusações. E, nessa medida, um verdadeiro regulador da comunicação social deveria ser, de igual modo, um instrumento para contrariar a estratégia do SLAPP.
Ora, mas onde está então a farsa encenada pela ERC? Está em ter composto um processo falsamente justo e imparcial, que, por tão mal engendrado, acaba por ser mais triste do que trágico.
Na passada terça-feira, dia 2 de Agosto, mais de três meses após a instauração do processo, recebi um ofício da ERC com um convite para ir às suas instalações no “prazo de 10 (dez) dias úteis contados a partir do dia seguinte ao dia de recepção da presente notificação para, querendo, vir ao processo apresentar documentos e outros elementos que considere pertinentes”.
E lá fui eu, diligente, à ERC no dia 3 de Agosto, ontem, portanto.
E o que vi?
Primeiro, uma dificuldade inicial para consultar o processo, que apenas se desbloqueou quando comecei a manuscrever uma exposição de protesto.
Depois, lá tendo conseguido que o processo ficasse disponível, abriu-se o pano para uma má peça de teatro – por maus actores.
Assim, ao longo de 134 páginas, em vez de surgir no final um projecto de deliberação – que basicamente poderia ser contestado com depoimento, acréscimo de documentação ou mesmo indicação de testemunhas –, encontrava-se, hélas, já devidamente assinada na página final e rubricada em todas as outras, por todos os membros do Conselho Regulador da ERC, a Deliberação ERC/2022/225 (CONTJOR-NET)… Uma Deliberação. Uma decisão final formalmente assumida.
Em termos práticos, imaginem uma sessão de julgamento, com réus e advogados e testemunhas, e um juiz muito atento, a ouvir todos e a fazer perguntas, e debaixo da secretária com a sentença já escrita.
E pior ainda: a Deliberação ERC/2022/225 (CONTJOR-NET) não foi aprovada nem ontem nem anteontem. Foi aprovada já no (longínquo) dia 13 de Julho. Quase três semanas antes da minha ida para supostamente conhecer a “acusação” e acrescentar elementos à minha defesa.
Reparem: o ofício da ERC convidando-me a juntar elementos ao processo tem a data de 21 de Julho (oito dias depois da já feita Deliberação), sendo que eu fui notificado apenas no dia 2 de Agosto.
Primeira página (de um total de 21 páginas) da Deliberação ERC/2022/225 (CONTJOR-NET), assinada e rubricada pelos membros do Conselho Regulador. A “sentença” já estava feita antes do processo estar concluído, mesmo convidando-se o “réu” a apresentar novos elementos de defesa.
Na verdade, tudo correu mal à ERC (porque até para se ser bom farsante tem de haver arte), porque alguém se “esqueceu” de retirar aquelas folhas do processo – contendo a Deliberação já feita, assinada e rubricada. Se lá não estivesse a “sentença” – que não revelarei, mas que obviamente é um “presente” para senhores como o senhor António Morais –, eu iria até pensar que estava ali, muito bem, perante um “julgamento” imparcial e sério, onde os meus direitos de defesa estavam salvaguardados.
Assim, não – descobriu-se a careca, facilmente; revelou-se uma fraude. E a fraude chama-se Conselho Regulador da ERC.
Por isso, não obstante as nulidades do processo – que ainda incluem outros elementos “estranhos” como uma numeração não cronológica dos documentos e a “retirada” de pareceres do Departamento de Análise de Media da ERC –, tem de haver outra consequência.
A podridão revelada pelas torpes condutas do senhor Sebastião Póvoas (ainda por cima juiz conselheiro), do senhor Francisco Azevedo e Silva, da senhora Fátima Resende e do senhor João Pedro Figueiredo – nas suas vãs tentativas de desacreditar e pôr na lama investigação jornalística verdadeiramente independente –, só tem uma solução: a demissão.
Nos tribunais, eu ainda poderia, além de alegar nulidade processual, suscitar um incidente de suspeição, de modo a me serem atribuídos novos juízes, verdadeiramente imparciais e idóneos. Mas como não há outros “juízes” na ERC, a não ser estes quatro, não vejo como podem eles manter-se no cargo, nestas circunstâncias, e julgarem-me ou julgarem outros.
Podem manter-se no cargo depois desta farsa, claro – que nada é escandaloso o suficiente em tempos de desavergonha. E, mantendo-se eles, podem censurar-me uma, duas, três mil vezes.
Porém, no caso de se manterem como membros da ERC, aviso já: não me defenderei enquanto as decisões partirem do senhor Sebastião Póvoas (ainda por cima, um juiz conselheiro), do senhor Francisco Azevedo e Silva, da senhora Fátima Resende e do senhor João Pedro Figueiredo. As suas censuras, para mim, serão medalhas. E a História reservar-lhes-á, por certo, um lugar no Panteão da Vergonha.
No jornalismo há heresias. E há hereges. Bem sei, e por isso, herege me confesso: faço perguntas. Muitas perguntas. Faço perguntas incómodas. Sou relapso e pertinaz: insisto em fazer perguntas e incómodas perguntas. E até pergunto a pessoas que se incomodam porque lhes fazem perguntas. E as pessoas que mais se incomodam quando lhes fazem perguntas são paradoxalmente as pessoas cuja principal função é fazerem perguntas. Questionarem. Questionarem-se.
Os jornalistas, hélas.
Sim, os jornalistas gostam de fazer perguntas; mas detestam que lhes façam perguntas. Ofendem-se se lhes fazem perguntas. Muitos pelam-se em ser inquisidores, em ser verificadores de factos, em serem, enfim, fact checkers, mas jamais aceitam de bom grado o papel oposto.
Quando, na sexta-feira passada, abordei a recusa do Instituto Superior Técnico (IST) em ceder um pretenso relatório que atribuía mortes concretas aos festivais musicais e às festas populares, não estava em causa apenas a legítima desconfiança sobre a idoneidade científica de investigadores universitários, obrigados ao cumprimento de uma ética de abertura à comprovação e ao debate.
Em Portugal, perguntar ainda é visto como sinónimo de desconfiança; e se assim é, em muitos casos deve-se ao facto de existirem motivos para tal; e quem se incomoda por ser alvo de desconfiança – ou dúvida –, na verdade é porque tem motivos fundados, íntimos, para não querer justificar-se.
Por isso, a recusa do IST – que, certamente, será dirimida no Tribunal Administrativo de Lisboa, até porque o senhor professor Rogério Colaço não pagará aos advogados nem pagará custas nem sequer se envergonhará nem se demitirá se um juiz o obrigar a ceder documentos públicos ou a admitir que estamos perante um relatório-fantoche – releva outro tipo de problema. Grave. Muito grave.
Instituto Superior Técnico: um bastião da Ciência?
Ou melhor, vários, e todos muito graves.
Primeiro, o jornalista (não identificado) da Lusa que relatou ter tido acesso a um relatório do IST tinha a obrigação – de contrário só pode ser tachado, sem complexo, de falta de rigor e ser um “pé de microfone” – de o validar, com sentido crítico. Teria de se questionar se, efectivamente, era plausível que as festividades e o levantamento das restrições em Junho passado tivessem tido a responsabilidade pela morte de 790 pessoas com covid-19, das quais 330 associadas às festas populares.
O jornalista da Lusa não podia ignorar que a sua própria agência noticiosa tinha divulgado, em 8 de Junho, umas previsões da mesma equipa de investigadores do IST, que se mostraram um falhanço rotundo.
Esse relatório de 6 de Junho – esse sim, comprovadamente publicado – estimara que “o número de contágios produzidos sem máscara com os níveis actuais de susceptíveis, em eventos como ‘Rock in Rio’ ser[ia] de 40.000 no total, sendo maior no caso dos santos populares em Lisboa e Porto”, e apontara para “um mínimo de 60.000 contágios nos dias mais movimentados em Lisboa e 45.000 no Porto”. Os investigadores do IST garantiam então, nesse início de Junho, que “todas as festas populares no país poder[iam] traduzir-se num total de contágios directos de, num mínimo, de 350.000 no país, podendo atingir valores mais elevados se novas variantes entr[ass]em em Portugal.”
Ora, na verdade o número de casos positivos em Portugal – em todo o território – foi quase linearmente diminuindo ao longo de Junho. Sempre. Paulatinamente. Não houve qualquer aumento nem estagnação. Nem com festas nem sem festas.
O SARS-CoV-2, caprichoso bicho, foi imune às vontades e às presciências dos modelos catitas dos senhores professores do IST. Do ponto de vista epidemiológico, o impacte das festividades foi nulo. E nem era preciso ser matemático, nem inteligente – bastaria ser um jornalista decente e com uma destreza numérica de quarta classe – para verificar que jamais se poderia identificar, com um modelo matemático ou de forma empírica, qualquer incremento nas transmissões.
Por absurdo, na realidade, em quantas mais festas se entrava – Santo António, São João, Rock in Rio e outros festivais –, menos casos positivos surgiam.
Por exemplo, para todo o país, no dia 1 de Junho a média móvel de sete dias estava nos 24.602 casos positivos para todo o país, no dia 8 tinha descido para 20.575 casos, no dia 15 já estava nos 15.368 casos positivos, no dia 22 baixou para os 12.939 casos positivos e no final do mês estava mesmo abaixo dos 10 mil casos.
Durante o mês de Junho, para desespero dos senhores investigadores – inexactos nas estimativas e precisos no erro –, a covid-19 acelerou mas na redução. Em Julho sucedeu o mesmo. De acordo com os dados do Worldometer para Portugal, no final de Julho contabilizavam-se 3.258 casos positivos (média móvel de sete dias).
Evolução dos casos positivos de covid-19 em Portugal. Desde o início de Junho, os casos diminuíram de quase 25 mil para cerca de três mil em finais de Julho. Fonte: Worldometers.
Perante isto – e sobretudo perante o facto de o take da Lusa ter proliferado como notícia viral por outros órgãos de comunicação social –, será legítimo que eu desacredite na veracidade de um relatório, mesmo se citado por jornalistas? Eu julgo que sim, sobretudo porque, de forma clara, não foram cumpridos pelo jornalista da Lusa os preceitos de rigor e de isenção exigíveis à profissão.
Ademais, não se vislumbra qualquer motivo plausível para que o IST – uma instituição pública da área da Ciência – tenha escolhido especificamente a Lusa para ceder um suposto relatório em exclusivo e recusado posteriormente, e de forma tão enfática e veemente, o acesso a outros órgãos de comunicação social.
Será porque só a Lusa tem jornalistas credíveis e com capacidade para tratar estudos estatísticos e epidemiológicos? Ou será antes o contrário: os jornalistas da Lusa são permeáveis a aceitar qualquer tipo de “relatório”?
É, portanto, legítimo um jornalista pedir à direcção da Lusa que lhe apresente uma prova – e não necessariamente o relatório, porque essa é, na verdade, uma obrigação do IST – da existência do dito relatório. E perguntar se foram cumpridas as regras deontológicas e de verificação interna da veracidade dos elementos?
Claro que é. Defendo ser justificável e, neste caso em concreto, as dúvidas subsistirão, legitimamente, até que o relatório veja mesmo a luz do dia e possa ser analisado do ponto de vista jornalístico e científico. A gravidade do caso exige-o.
Mas, na mesma medida que é legítimo eu perguntar, também é legítimo que a jornalista Maria de Deus Rodrigues, directora-adjunta de Informação da Lusa, responda da seguinte forma: “O relatório que refere existe, naturalmente, caso contrário a Lusa não teria feito notícia. E foi tratado segundo as regras jornalísticas. Não cabe à Lusa, no entanto, facultar estudos a terceiros, o que é uma prorrogativa dos autores do mesmo.”
E, perante estas duas posições – e de não termos provas cabais da existência de um relatório cuja revelação a terceiros é recusado por uma instituição pública científica – que os leitores formem a sua opinião. No limite, que até me critiquem.
Na verdade, até eu – mantendo dúvidas sobre a existência formal deste (inacreditável) relatório – já formei uma opinião: nos moldes transcritos pela Lusa, gostava que este suposto documento não existisse, porque a existir constituirá uma vergonha científica – as supostas conclusões, com atribuições de mortes concretas, é uma vergonha científica, repito. Existir um relatório assim, saído do IST, será pior do que nunca ter existido, porque aí só estaríamos perante uma fraude. Assim, estamos perante uma vergonha para a credibilidade das instituições científicas portuguesas.
Mas, além de tudo isto, há um aspecto que verdadeiramente me preocupa: a facilidade que a imprensa mainstream tem de propalar notícias, tanto verdadeiras como falsas sem qualquer verificação prévia séria. Questionei responsáveis editoriais do Público, Observador, Visão, TSF, Correio da Manhã, jornal i, Sábado e CNN Portugal para saber se, tendo sido publicado o take da Lusa, houvera uma confirmação da veracidade dos dados, se houve confronto de outras fontes e, hélas, se alguém vira o famigerado relatório do IST.
Só dois responderam: Sábado e jornal i. E confirmaram que não tinham tido acesso ao relatório. Depreendo que todos os outros também não, até porque nem responderam… Responder a perguntas de um jornalista? Onde isso já se viu?
Mas o relatório existe, diz-nos a Lusa. E existe mesmo, mas só se tivermos fé. É nesta fase que hoje o jornalismo está: acredita por uma questão de fé, de confiança, sem questionar. E quem questiona, ah!, malvado! abrenúncio!, arreda satanás!, meu apóstata!, seu herege!
Ontem, relatei exaustivamente, a novela envolvendo o meu singelo pedido para obtenção dos relatórios e ficheiros informáticos relacionados com as estimativas do impacte das festas populares e dos festivais em Junho na transmissão da covid-19.
Como se sabe, a notícia começou por ser divulgada pela Lusa, que alegou ter tido acesso ao relatório, mas do relatório nada se conhece.
Na base das recusas em ceder os dados brutos – um acto banal e corriqueiro em Ciência – por parte de um dos investigadores, Henrique Oliveira, e depois da assessoria de imprensa do Instituto Superior Técnico, pensei estar um “dia mau”, uma sexta-feira aziaga.
Afinal, não. Está entranhada na cúpula.
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusa divulgar os estudos e os dados.
Depois de ter reagido, via e-mail, com surpresa ao teor da recusa pelo seu gabinete de imprensa, desceu esta tarde, do Olimpo, Sua Excelência o Senhor Presidente do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa Professor Doutor Rogério Anacleto Cordeiro Colaço, e não perdeu a oportunidade de disparar do seu Galaxy a seguinte sentença:
“Senhor Pedro Vieira,
O sr André Pires [assessor de imprensa] respondeu exatamente de acordo com as instruções dadas por mim. O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa”.
Nem mandou cumprimentos, o Senhor Presidente do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa Professor Doutor Rogério Anacleto Cordeiro Colaço.
Sucede que o Senhor Presidente do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa Professor Doutor Rogério Anacleto Cordeiro Colaço esquece elementares regras em Democracia – para além de todas as regras deontológicas em Ciência, que não cumpre, porque se recusa a comprovar afirmações de uma gravidade colossal sem provas (mortes em número concreto associadas directamente a festas populares e a festivais de música).
Resposta de recusa do presidente do Instituto Superior Técnico ao PÁGINA UM, via e-mail.
Esquece ele, o Senhor Professor Doutor, por muitos canudos e artigos científicos que merecidamente detenha pelo seu intelecto, uma regra democrática elementar: ele não é proprietário, mesmo se circunstancialmente presidente dessa instituição, da informação e dos documentos em posse e realizados sobre a égide do Instituto Superior Técnico. São documentos públicos, que devem ser publicitados, sobretudo quando publicamente foi vincada a participação daquela instituição.
Pode o Senhor Professor Doutor pensar que o seu grandioso poder lhe permite usar um Galaxy e dizer que a resposta para o pedido de um jornalista é negativa. E ponto final.
Pode e pode bem, como fez.
Tal como pode um jornalista, como eu, director do PÁGINA UM, achar essa sua postura lamentável, e que não pode fazer mais “escola” em Portugal. Até porque é ilegal. Até porque é anti-Ciência.
E, nesse linha, não pode o Senhor Professor Doutor ficar agora surpreendido por ter de responder formalmente, sem ser por Galaxy, a um pedido formal ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, ficando, desde já ciente, como avisado foi, de que uma recusa o sujeitará a ter de se justificar junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, e eventualmente a ser obrigado por um juiz (que não recebe recusas por Galaxy) a divulgar mesmo os relatórios e os dados, e a dizer como se processou o acordo estabelecido com a Ordem dos Médicos.
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. Quando foi solicitado o envio de dados em bruto sobre estimativas sob sua supervisão, o seu gabinete de imprensa respondeu que “o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquela que já é do conhecimento público”. Por Galaxy reiterou secamente a recusa.
Há pessoas, como Sua Excelência o Senhor Presidente do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa Professor Doutor Rogério Anacleto Cordeiro Colaço, que não pensam que vivem num regime democrático. Ora, enquanto ele ainda existir, o PÁGINA UM quer recordar-lhes que isso lhes dá direitos e também deveres.
O pedido formal foi esta tarde feito. Aguardam-se 10 dias úteis. Se não houver resposta favorável, segue para Tribunal Administrativo.
Entretanto, o fim-de-semana pode fazer bem ao Senhor Professor, e fazê-lo portar-se como um cidadão exemplar, e como um cientista exemplar.
N.D.: O PÁGINA UM tem uma postura intransigente e inflexível perante a falta de transparência e a recusa de acesso a documentos administrativos, estando a recorrer, por sistema, ao Tribunal Administrativo, para petições para intimação de entidades públicas. Esta é, no entanto, uma tarefa complexa e onerosa, do ponto de vista financeiro, que tem estado a ser suportado pelo FUNDO JURÍDICO apoiado pelos leitores através da plataforma MIGHTYCAUSE. O vosso apoio é fundamental para quebrar este tipo de obscurantismo por isso apelamos ao vosso contínuo e generoso apoio. Obrigado.
Perante as sucessivas recusas do Ministério da Saúde, e particularmente da Direcção-Geral da Saúde, em ceder qualquer tipo de informação fidedigna e factual em redor da gestão da pandemia e do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia, tomei uma decisão. Simples, legal e constitucionalmente: solicitar arquivo aberto ao Ministério da Saúde.
Requeri assim, em 2 de Junho passado, à ministra da Saúde, Marta Temido, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), toda a “correspondência oficial, pareceres, relatórios e outros documentos escritos ou em formato audiovisual, na posse do Ministério da Saúde (e respectivas Secretarias de Estado), por si elaborados ou elaborados por outras entidades públicas e privadas, ou mesmo por particulares (incluindo assessores e consultores), produzidos desde Janeiro de 2020 até à data.” E elencava um conjunto de entidades a quem esses documentos tivessem sido remetidos ou que tivessem enviado para o Ministério da Saúde.
É muita informação? Claro que é! Mas essencial para conhecer os meandros de um Governo opaco que nos faz viver numa Democracia do faz de conta.
Ora, que fez a senhora ministra?
Cinco dias depois, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde respondeu-me, dizendo que considerava “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”, acrescentando que assim “não nos é possível satisfazer o solicitado”. Retorqui, explicando ser temerária essa postura num Estado de Direito recusar pedidos dessa natureza a jornalistas.
A senhora Marta Temido – que, aliás, tutela entidades que sistematicamente obstaculizam acesso à informação – mudou de estratégia. E, assim, no dia 15 de Junho informou-me que tinha feito um pedido de parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos – uma entidade supostamente defensora do arquivo aberto da Administração Pública, mas muito ciosa de interpretações enviesadas quando se trata de matéria delicada.
Nada contra, porém, o Ministério da Saúde pedir esse parecer.
Mas, obviamente, sucede que, sabendo eu como a CADA “trabalha” em matérias delicadas – ao que acrescenta a morosidade na emissão de pareceres e ao facto de os seus pareceres não serem vinculativos –, tomei a decisão de avançar de imediato com um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 24 de Junho.
Uma “chatice”, suponho, para o Ministério da Saúde, mas que, na verdade, se resolveu facilmente. A CADA, que costuma fazer “marinar” os seus pareceres longos meses, desde o pedido até à emissão do parecer, demorou apenas 24 simples dias para elaborar um parecer a preceito para o Ministério da Saúde. Acredito que deve ter sido um recorde de produtividade para aqueles lados.
E também quis ganhar tempo no Tribunal Administrativo alegando que ainda não recusara o acesso e que aguardava o parecer da CADA, como se isso fosse relevante para a decisão.
Ah, e a CADA nem se incomodou a ouvir a minha perspectiva; somente me enviou hoje o dito parecer.
E o que diz o parecer? Muita coisa, que prova como são esguios e enviesados os campos da transparência e da ética, mas deixo aqui as conclusões.
“A dimensão do acesso solicitado implicaria, para a entidade requerida [Ministério da Saúde], procedimentos ou consequências que parecem exceder o limite aceitável, à luz de um são e avisado critério ético-jurídico do que é o direito de acesso. Assim, não se afigura que a entidade requerida tenha que satisfazer o pedido nos termos em que foi inicialmente formulado”.
Em trocados: a CADA defende que, não se conhecendo detalhes da documentação de um Ministério, não se pode ter acesso. Portanto, eis a receita: esconda-se tudo, porque assim se justifica não se conhecer nada.
Ou, se não defende, fez um rico frete.
Obviamente, este parecer – que deve ir para os anais da pouca-vergonha democrática – poderá ter um peso nulo no Tribunal Administrativo de Lisboa. Confiemos na juíza que recebeu o processo, e na sua (assim espero) independência.
Aliás, este é um daqueles processos que, ganhando-se ou perdendo-se, serve muito para responder a uma questão fundamental, que é a seguinte:
Somos mesmo uma Democracia Plena ou uma Democracia Fantoche?
Tenho medo que a resposta seja a segunda opção, mas não me surpreende se for.
N.D. A partir de hoje o PÁGINA UM deixará de recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, essa inutilidade. Não apenas por este caso, mas porque nenhuma entidade, até agora, cumpriu os pareceres (não-vinculativos) que dali saíram, mesmo quando nos foram favoráveis. Por esse motivo, passámos a recorrer directamente ao Tribunal Administrativo. Continuaremos a fazê-lo enquanto tivermos o apoio financeiro dos leitores para pagamento das taxas de justiça, dos honorários de advocacia e gastos administrativos. Como sabem, as verbas recolhidas pelo FUNDO JURÍDICO, na plataforma MightyCause, destinam-se exclusivamente para este propósito. Até este momento apresentámos sete processos de intimação.