Categoria: Imprensa

  • Global Media está à beira do colapso

    Global Media está à beira do colapso

    O PÁGINA UM teve acesso às contas preliminares do ano passado da Global Media, apresentadas ao accionistas em Fevereiro passado, e o cenário é mais do que negro: prejuízos de 7,2 milhões de euros, quebra de receitas de quase 10% e uma contínua ‘vampirização’ dos activos que continuam a minguar sem parança, estando suportados numa perigosa engenharia financeira, que agora usa o goodwill como principal valor. O grupo de media, que se prepara para ‘transferir’, sem se saber em que condições, o Jornal de Notícias e a TSF para uma empresa recém-criada por empresários do Norte, já nem crédito na banca tem e sobrevive com ‘calotes’ aos fornecedores, dívidas ao Estado e empréstimos das suas subsidiárias e dos accionistas. A culpa está longe de ser do World Opportunity Fund, embora a instabilidade nos três meses que durou o ‘mandato’ de José Paulo Fafe como CEO do grupo de media não ajudou nada.


    A Global Media está à beira do colapso. As contas preliminares de 2023 deste grupo de media, que foram apresentadas aos accionistas activos do grupo (Marcos Galinha, Kevin Ho e José Pedro Soeiro) na Assembleia Geral em 19 de Fevereiro, a que o PÁGINA UM teve acesso, mostram um cenário económico aterrador e revelam também algumas práticas de ‘engenharia financeira’ em anos anteriores. E permitem também concluir que o agravamento da situação financeira, já bastante visível nos meses anteriores ao breve controlo da Global Media pelo World Opportunity Fund (que se iniciou em Setembro de 2023), ainda se intensificou com a suspensão da conta caucionada pelo Banco Atlântico que causou um colapso de tesouraria, atrasando o pagamento de salários e subsídio de Natal aos trabalhadores. Só este estranho ‘episódio’ – ademais sabendo-se que o presidente da Assembleia Geral da Global Media e do Banco Atlântico é a mesma pessoa – provocou um impacto negativo de 588 mil euros.   

    Mas não foi essa, obviamente, a causa do descalabro de um grupo de media que soma agora, desde 2017, prejuízos acumulados de 50 milhões de euros. O ano passado contribui com mais 7,2 milhões de euros, o pior ano desde a era Galinha.

    Marco Galinha, chairman da Global Media, ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa.

    Os rendimentos, sobretudo vendas e serviços prestados, deste grupo de media – que tem o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo e a TSF como principais órgãos de comunicação social – decaíram 9% face a 2022, tendo-se situado nos 28,5 milhões de euros. Porém, comparando com 2019 – ano anterior à entrada do empresário Marco Galinha, que se mantém como chairman do grupo –, os rendimentos de 2022 registam uma queda de quase 24%.

    Em contraste, ou em consequência, o processo de ‘vampirização’ da Global Media continua, com os activos a minguarem. Confrontando também com 2019 – antes de Marco Galinha ter comprado por 4 milhões de euros as participações então detidas pelo BCP e Novo Banco –, a Global Media viu perder 23,5 milhões de euros em activos, com a agravante de grande parte desse montante (quase 30,5 milhões de euros) ser de valor real duvidoso por ser ‘goodwill’.

    Só no ano passado, face a 2023, os activos diminuíram 7,3 milhões de euros, dos quais 6,7 milhões desde a entrada do World Opportunity Fund no controlo do grupo de media. Mas em abono da verdade esse descalabro não se pode atribuir ao polémico e curto ‘mandato’ de José Paulo Fafe. Cerca de 1,7 milhões de perda de activos resultou da assumpção das perdas de negócios ruinosos ainda do tempo de Joaquim Oliveira. A Global Media, no relatório preliminar, diz que “a diminuição verificada de 1,966 M€ [milhões de euros] deve-se ao write off [redução do valor reconhecido] das participações acessórias na GM Macau (1,245 M€) e Tagus Media (721 K€), acrescentando que “foram também reconhecidas perdas de imparidade referentes aos valores a receber destas entidades no valor total de 734 K€”. Ou seja, tudo somado, este negócio na área do jogo online causou um impacto total negativo de 2,7 milhões de euros. Acrescem também perdas assumidas na participação na Açormedia – que publica o Açoriano Ocidental – de 747 mil euros.

    José Paulo Fafe foi CEO da Global Media entre Setembro do ano passado e finais de Janeiro deste ano.

    Por outro lado, a Global Media vendeu também a sede do antigo jornal Ocasião por 900 mil euros, que até originou uma mais valia contabilística de 430 mil euros, mas, sabe o PÁGINA UM, este terá sido um negócio onde foi Marco Galinha a entrar com o investimento, pelo que servirá, em princípio, para amortizar os empréstimo que o dono do Grupo Bel tem concedido ao grupo de media.

    Um outro impacto desfavorável no balanço de 2023 tem a ver com um ‘truque contabilístico’ usado no ano anterior. A gestão de Marco Galinha decidiu colocar cerca de 2 milhões de euros no balanço de 2022 como “activos por impostos diferidos”, que basicamente são as quantias de impostos sobre o rendimento recuperáveis em períodos futuros, designadamente reporte de perdas fiscais não utilizadas. Porém, contabilisticamente, essa valorização apenas se pode assumir se os prejuízos de um determinado ano forem conjunturais, o que está longe de ser o caso da Global Media.

    Assim, no relatório preliminar diz-se que “foram desreconhecidos os activos por impostos diferidos relacionados com o reporte de prejuízos por não se encontrarem reunidas as condições previstas no normativo contabilístico para o seu reconhecimento, nomeadamente a ausência de um plano de negócios que preveja a existência de lucros tributáveis futuros que possam ser compensados com esses prejuízos”. Ou seja, a própria Global Media admite que os prejuízos são para continuar.

    Práticas de ‘engenharia financeira’ escondem situação de colapso da Global Media, que pode ainda acelerar se ‘venda’ do Jornal de Notícias e de outros títulos mantiverem o actual passivo.

    Porém, até é pelo lado do passivo que se mostra que a Global Media está presa por arames, e também uma parte do dinheiro dos accionistas. De acordo com a lista discriminada dos detentores do passivo, o Estado surge em destaque com um crédito de 8,3 milhões de euros. A Global Media está abrangida por um regime excepcional de regularização tributária (RERT), mas ignora-se ainda os critérios da sua aplicação, sendo certo que a dívida ao Estado diminuiu quase 2 milhões de euros no ano passado quando em 2022 tinha aumentado cerca de 7 milhões.

    Não é apenas o Estado que tem a perder com o descalabro da Global Media. Além do investimento no capital próprio, os accionistas fizeram empréstimos que já totalizam 11,6 milhões de euros, sendo que 1,5 milhões vieram de Kevin Ho, um pouco mais de 1,6 milhões de José Pedro Soeiro e 8,5 milhões da Páginas Civilizadas, onde se insere o investimento do World Opportunity Fund. O fundo das Bahamas terá feito um empréstimo à Global Media a partir de Setembro do ano passado de cerca de 2,3 milhões de euros, e esta será uma das questões que está a dificultar a sua saída do negócios dos media em Portugal, após a suspensão dos direitos decretada no mês passado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

    Além dos empréstimos dos accionistas, uma empresa subsidiária, a Naveprinter, viu-se na contingência de emprestar dinheiro à ‘mãe’. A dívida da Global Media á Naveprinter totalizava no final do ano passado quase 6,7 milhões de euros, um crédito que, a não ser pago, colocará a empresa de impressão de jornais em maus lençóis. A Naveprinter – que em 2022 e 2023 acumulou prejuízos de 1,2 milhões de euros – tem mais de metade do seu activo ‘empatado’ com o empréstimo à Global Media. Ou seja, se a ‘mãe’ cair, logo a seguir cai a ‘filha’.

    Naveprinter: gráfica da Global Media tem metade do seu activo como empréstimo à ‘mãe’.

    Também outra pequena empresa do grupo de media, a Notícias Direct, teve também de emprestar dinheiro, cerca de um milhão de euros, sendo bem demonstrativo das dificuldades que a Global Media tem em aceder ao crédito bancário, que neste momento é de apenas 312 mil euros, ou seja, 0,7% de todo o passivo.

    Quanto a dívidas ao fornecedores, o montante ultrapassava no final de Dezembro os 7,2 milhões de euros, a que acresciam mais 6,5 milhões de euros na rubrica ‘outras contas a pagar’. Uma outra rubrica relevante no passivo referem-se a contratos de locação cuja dívida ultrapassa os 1,9 milhões de euros.

    Neste contexto, maiores sombras se colocam na própria existência da Global Media caso se avance, sem contemplar a assumpção do passivo, com a venda dos títulos ainda lucrativos do grupo, tal como o Jornal de Notícias, porque tal vai representar uma saída de receitas significativas.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário da actual administração da Global Media, sem sucesso.


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  • 15 jornalistas quiseram ser ‘salvos’ pelo Papa Francisco

    15 jornalistas quiseram ser ‘salvos’ pelo Papa Francisco

    Se a coragem e responsabilidade são apanágios da profissão de jornalista, recentemente houve 15 profissionais com esta carteira que preferiram jogar pelo seguro e ‘escapar’ de responsabilidades ou dos incómodos de uma defesa contra acusações injustas. E assim aproveitaram a visita do Papa Francisco para se livrarem de processos disciplinares, através da Lei da Amnistia. Quem são, não se sabe, porque a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que revelou sempre os nomes dos visados, mesmo quando foram ilibados, os mantém agora em segredo. No entanto, na lista de potenciais beneficiados pela ‘benção papal’ terá havido quatro jornalistas alvo de processos disciplinares que recusaram receber qualquer benesse, mantendo a sua defesa. Um desses processos, ainda em curso, visa o director do PÁGINA UM por um queixa accionada pelo almirante Gouveia e Melo.


    Quinze jornalistas portugueses decidiram aproveitar a amnistia papal para se livrarem de processos disciplinares, mas os seus nomes estão a ser intencionalmente escondidos pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), liderada por Licínia Girão. É a primeira vez que esta entidade com funções disciplinares não revela a identidade dos visados em processos concluídos, mesmo quando estes acabam arquivados por se provar não ter havido qualquer violação ao Estatuto do Jornalista.

    Recorde-se que no âmbito da visita do Papa Francisco a Portugal para a Jornada Mundial da Juventude, no Verão passado, a Assembleia da República concedeu amnistias  para as “sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que [tivessem] entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, com excepções em função da tipologia do crime, bem como as sanções acessórias relativas a contraordenações e infracções disciplinares  civis e militares até àquela data, desde que, nestes últimos casos, não houvesse ilícitos penais em causa.

    person wearing white cap looking down under cloudy sky during daytime

    Contudo, a amnistia não era automática, podendo o arguido recusar que essa benesse lhe fosse aplicada, de modo a evitar que ficasse a dúvida sobre uma eventual conduta que apenas não acabara a uma sanção por via desse ‘perdão’. Aliás, o director do PÁGINA UM – alvo de um processo disciplinar, por queixa do almirante Gouveia e Melo, que decorre desde Maio do ano passado sem sequer ser deduzida acusação – foi ‘convidado’ a aceitar a amnistia papal em Dezembro passado, mas informou a secção disciplinar da CCPJ que se opunha. E salientava que “como não necessito de amnistias para defender, como jornalista, o meu trabalho que, ainda mais neste caso em concreto, reputo de rigoroso e pertinente, não poderia jamais aceitar que a CCPJ pudesse deixar no ar qualquer dúvida sobre essa matéria, pelo que aguardava com interesse a finalização da instrução do processo disciplinar”. Saliente-se que as notícias do PÁGINA UM que visaram o actual Chefe de Estado-Maior da Armada estão ainda a ser investigadas pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde.

    Distinta opção tiveram outros 15 jornalistas, que jogaram pelo seguro, aceitando a amnistia – que não é uma absolvição, pois simplesmente anula a existência do acto suspeito de ser ilícito. De acordo com uma listagem no site da CCPJ, relativamente a alegadas infracções do ano de 2022 foram amnistiados os processos disciplinares 5/2022, 6/2022, 7/2022, 8/2022/9/2022, 10/2022 e 11/2022, enquanto para o ano de 2023 receberam ‘perdão’ os processos 2/2023, 3/2023, 4/2023, 5/2023, 6/2023, 7/2023, 8/2023 e 10/2023. Tendo em conta que tinham sido decididos entretanto dois processos abertos em 2022 (processo 1/2022 e 2/2022), em princípio cinco jornalistas terão recusado receber amnistia.

    Ao contrário da norma aplicada por todas as entidades abrangidas pelo Código do Processo Administrativo, o organismo que gere os títulos e a disciplina dos jornalistas tem pautado a sua conduta pela falta de transparência. Por esse motivo, ignora-se quem foram os jornalistas que, sendo alvo de processos disciplinares, preferiram não assumir as consequências ou não se quiseram dar ao incómodo de se defenderem condigna e corajosamente de acusações injustas.

    Com efeito, apesar de em todos os anos anteriores surgir a listagem dos processos disciplinares concluídos com a respectiva decisão – que, em muitos casos, é o arquivamento –, pela primeira vez a CCPJ, presidida por Licínia Girão, decidiu esconder os nomes ‘benzidos’ pela amnistia do Papa Francisco. Em todo os processos apenas é indicado o número, o objecto – ou seja, a alegada violação do Estatuto do Jornalista – e a seguinte frase: “A SD [Secção Disciplinar] deliberou, por unanimidade, declarar extinta, por amnistia, o processo disciplinar [número] e, em consequência determinar o arquivamento dos presentes autos (Lei de Perdão de Penas e Amnistia de Infrações, Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto)”.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos à CCPJ e à sua presidente, Licínia Girão, sobre as razões para esconder o nome dos beneficiados pela amnistia, e para confirmar o número exacto de jornalistas que a recusaram. Não foi dada qualquer resposta. O PÁGINA UM pondera recorrer à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos para aceder aos processos concluídos por via da aplicação da amnistia, mesmo se se mostra absurdo de ter usar esse método contra o obscurantismo numa entidade pública que, na verdade, integra oito jornalistas.


    N.D. Jamais concebi, como jornalista, beneficiar de qualquer amnistia para ‘apagar’ qualquer erro que possa cometer no exercício das minhas funções profissionais, nem aceitaria que ficassem quaisquer dúvidas sobre a minha conduta que me impossibilitasse a cabal defesa do meu trabalho. Cada um é como é, mas há uma ética no jornalismo que não está sequer escrito no Estatuto do Jornalista nem nas ‘linhas orientadoras’ corporativistas da CCPJ. Aliás, a CCPJ acabou de arquivar – e bem, até por não lhe restar outra alternativa – um processo disciplinar contra mim (por iniciativa da sua presidente coadjuvada por outros dois membros do Secretariado) no decurso de uma iniciativa da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Escrevi sobre essa matéria quando me abriram o processo, agora arquivado. Também convidei a CCPJ a abrir-me um processo disciplinar depois de a sua presidente Licínia Girão ter conseguido um ‘parecer de favor’ do lastimável Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas por causa de artigos que escrevi sobre ela. A senhora presidente da CCPJ não teve sequer coragem de abrir-me um processo para tirar tudo a limpo, e o mais caricato é terem andado meses a ‘fugir’ de uma resposta até alegarem a Lei da Amnistia para não abrirem o processo. Obviamente, uma patetice, porque só arquivamento somente seria possível se houvesse processo aberto e não houvesse oposição para amnistiar. Quanto à não divulgação dos nomes dos 15 amnistiados: enfim, a questão da falta de transparência em Portugal é algo que está enraizado até no jornalismo, por isso se anda a cultivar tanto esse predicado.

    Pedro Almeida Vieira


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  • Secretário de Estado da Presidência ‘meteu’ empresa de media em falência técnica

    Secretário de Estado da Presidência ‘meteu’ empresa de media em falência técnica

    Nos últimos seis anos, além de gestor em empresas do sector têxtil, o vimaranense Rui Armindo Freitas, empossado ontem como secretário de Estado-adjunto e da Presidência, tem estado ligado a empresas de media. Teve mesmo de abandonar agora a administração da Media Capital, dona da TVI. Mas foi na Swipe News, dona do jornal digital ECO, que Rui Freitas pôde mostrar o seus dotes por mais tempo, integrando a administração desde 2018 e a presidência entre 2020 e Setembro de 2023. Não se pode dizer que se saiu bem: a Swipe News nunca teve qualquer ano com lucros e acumula prejuízos que deverão atingir, com as contas de 2023, os cinco milhões de euros. No seu mandato, a empresa passou mesmo a estar em falência técnica, algo que se manterá mesmo com um aumento de capital de 1,3 milhões de euros no mês passado assumido pelas três dezenas de accionistas, onde se destacam o Grupo Mota-Engil e também Mário Ferreira.


    Luís Montenegro estará a partir desta semana, se não estava antes, bastante sensível às dificuldades financeiras dos grupos de media portugueses. O novo secretário de Estado-adjunto e da Presidência, Rui Armindo Freitas tem larga experiência em empresas de media deficitárias.

    Saindo directamente da administração da Media Capital (o seu nome ainda constava ontem à noite no site da empresa liderada por Mário Ferreira), este licenciado em Economia e gestor no secter têxtil esteve também desde 2018 como vogal e desde 2020 até Setembro do ano passado como presidente da administração da Swipe News, a empresa proprietária do jornal ECO e de outras publicações online centradas em branded content, como a Capital Verde, a ECOseguros, a Fundos Europeus, a Local Online, a +M e a Trabalho by ECO.

    Rui Armindo Freitas é o novo secretário de Estado adjunto e da Presidência no ministério liderado por António Leitão Amaro.

    E o ‘melhor’ que Rui Freitas conseguiu foi durante esse triénio foi transformar uma empresa de media que nunca apresentara lucros numa empresa em falência técnica, ou seja, com capitais próprios negativos, que significa que o dinheiro metido pelos accionistas se ‘esfumou’ e quem a sustenta são os bancos ou os ‘calotes’ aos fornecedores. A situação financeira insustentável deixada pela administração presidida por Rui Armindo Freitas – substituído em Setembro do ano passado por Luís Lopes Guimarães –, obrigou os accionistas a injectarem, há duas semanas, 1,3 milhões de euros para suprir necessidades de tesouraria, através de um aumento de capital.

    Criada em 2016, a Swipe News – que lançaria o jornal Eco em meados desse ano – é um daqueles casos paradigmáticos da imprensa portuguesa que faz jus ao adágio popular: “quem nasce torto, tarda ou nunca se endireita” – neste caso aplicando-se à parte económica, ou seja, os prejuízos são a norma, que se acumulam sem que ninguém, aparentemente, questione a sustentabilidade.

    No primeiro ano completo em funcionais, no exercício de 2017 a Swipe News – que tinha Rui Freitas como vogal – apresentava-se com um capital social de 1,2 milhões de euros, mas os prejuízos desse período (mais de 800 mil euros) ‘comeram-lhe’ logo dois terços do investimento inicial dos accionistas. Resultado: em 2018 houve dois aumentos de capital, o primeiro em Abril de 250 mil euros e o segundo em Novembro de 453.750 euros.

    Jornal digital ECO nasceu em meados de 2016, sendo, desde sempre, dirigido por António Costa.

    Nesse ano, contudo, os lucros foram ‘coisa’ arredada desta empresa de media que noticiava sobretudo os sucessos empresariais dos outros. No final de 2018, por mor de resultados líquidos negativos de mais de 691 mil euros, restava como capitais próprios uns meros 91.071 euros (arredondado para cima). Ou seja, um pouco mais de 95% do investimento dos accionistas tinha-se ‘esfumado’ sem se vislumbrar indicadores de sustentabilidade, até porque os activos se cifravam então em 636 mil euros, apenas um terço do investimento.

    Em 2019, um ano antes da passagem de Rui Freitas para a presidência da Swipe News, a empresa até superou, pela primeira vez, a fasquia de um milhão de euros, mas os gastos também dispararam, acabando o ano com um prejuízo de mais de 847 mil euros. Foi esse o último ano com os capitais próprios positivos, de acordo com a informação constante no Portal da Transparência dos Media.

    No primeiro ano da pandemia, com Rui Freitas como presidente do Conselho de Administração, a Swipe News até aumentou a facturação (cerca de 1,22 milhões de euros), mas também os encargos, o que resultou num prejuízo de mais de 656 mil euros. Em resultado, todo o investimento dos accionistas se ‘esfumou’ – os capitais próprios passaram a negativos em 314 mil euros – e o passivo mais do que duplicou, passando de 486 mil euros para 1,14 milhões de euros.

    O segundo ano de presidência de Rui Freitas à frente deste grupo de media não foi melhor: em 2021, a Swipe News registou o mesmo diapasão, com um significativo aumento dos rendimentos (acima de 1,5 milhões de euros), mas com prejuízos de 456 mil euros. Deste modo, os capitais próprios negativos subiram para 893 mil euros e a dívida a terceiros superava então os 1,55 milhões de euros.

    O terceiro ano da presidência de Rui Freitas teve mais do mesmo, agravado pelos capitais próprios negativos a duplicarem, passando a 1,64 milhões de euros, fruto de mais um prejuízo, desta vez de quase 749 mil euros. Nas contas de 2022, analisadas pelo PÁGINA UM, mostra-se notório que a Swipe News ‘vive’ de sucessivas injecões de financiamento bancário sofre de uma falta de liquidez confrangedora. Só em 2022, contabilizou financiamentos externos de quase 800 mil euros, mas toda essa verba foi ‘sugada até ao tutano’ para conseguir suportar pagamentos de salários e a alguns fornecedores. Tanto assim que a caixa (contas bancárias e o ‘mealheiro’ para a redacção apresentava no final desse ano uns míseros 350 euros menos oito cêntimos.

    Tudo somado – e numa altura em que ainda não são conhecidos os resultados do ano de 2023, mas que deverão confirmar um prejuízo acima de meio milhão de euros, como tem sucedido –, a Swipe News já acumulou prejuízos de mais de 4,6 milhões de euros. Ou seja, mostra-se expectável que os capitais próprios negativos nas contas de 2023 superem largamente os 2 milhões de euros.

    Por esse motivo, o aumento de capital de 1.302.647 euros determinado no passado dia 21 de Março apenas aliviará um pouco a situação de falência técnica. E desse modo, alegremente, o ano de 2024 perspectiva-se como o quinto sucessivo em falência técnica.

    Tomada de posse dos secretários de Estado do Governo Montenegro decorreu ontem. Foto: Mário Lopes Figueiredo / Presidência da República.

    Tendo 34 accionistas individuais e empresariais – com destaque para a Mota Gestão e Participações (23,4%), a Palopique (13,0%) e a Valens Private Equitity integralmente detida pelo principal accionista da TVI, Mário Ferreira (8,2%) –, a Swipe News encontra-se assim no rol de grupos de media em fortes dificuldades financeiras, das quais se destacam a Global Media, a Trust in News, a Impresa e as rádios do universo de Luís Montez.

    Mas agora, por certo, o Governo social-democrata – que integra Rui Armindo Freitas e também o ministro Pedro Reis (que presidiu o conselho editorial do jornal Eco) e ainda a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé (que tinha entrado em Janeiro para directora financeira da Swipe News) –, se renovará o debate para eventualmente salvar com dinheiros públicos (leia-se dinheiro dos contribuintes) modelos de negócio de empresas de comunicação social com resultados económicos desastrosos.


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  • O ‘império das rádios’ de Luís Montez está em colapso e com contas escondidas

    O ‘império das rádios’ de Luís Montez está em colapso e com contas escondidas

    As duas principais empresas de rádio e de promoção de festivais de Verão de Luís Montez estarão em falência técnica com capitais próprios negativos de 12 milhões de euros. E usa-se o verbo ‘estar’ na forma condicional porque esse montante ser o último passível se conhecer, pois a Música no Coração e a Rede A não registaram as demonstrações financeiras de 2022 na Base de Dados das Contas Anuais, como é obrigatório por lei. Em todo o caso, a evolução dos últimos anos mostram uma crescente descapitalização e um aumento dos passivos que indiciam que o conhecido genro de Cavaco Silva transformou as suas empresas em ‘fábricas de calotes’.


    O outrora pujante ‘império de rádios’ do empresário Luiz Montez, também conhecido por ser genro de Cavaco Silva, está a desmoronar-se por completo, com indícios de gestão danosa, com descapitalização das suas empresas e um assombrosa acumulação de dívidas aos fornecedores e até ao Estado, em especial da Música no Coração (também promotora de espectáculos) e da Rede A – Emissora Regional do Sul, que detém a Rádio Sudoeste, associado ao festival na Zambujeira do Mar.

    A gravidade da situação financeira atinge tamanha dimensão, segundo apurou o PÁGINA UM, que Luiz Montez – que criou o seu ‘império, assente no sucesso das promoções de festivais de música como o Super Bock Super Rock e o Festival Sudoeste – nem sequer inseriu até agora a Informação Empresarial Simplificada do ano de 2022 daquelas duas empresas na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA). As contas de 2023 ainda estão em fase de elaboração.

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    Conforme ontem foi noticiado pelo PÁGINA UM a pretexto da venda de duas rádios de Luís Montez à Medialivre (a dona do Correio da Manhã e da CMTV), quase todas as sete empresas radiofónicas detidas pela ‘holding’ Música do Coração estão em situação de falência técnica. No caso da Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação – que será uma das adquiridas pela Medialivre – está em falência técnica pelo menos desde 2017, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media. No mais recente exercício com contas fechadas, a empresa que tem a filha e a neta de Cavaco Silva na administração apresentava capitais próprios negativos de quase 200 mil euros e um passivo total de mais de 2,3 milhões de euros.

    Este último montante inclui 407.273,99 euros de dívidas o Estado e outros entes públicos, que serão dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda por cima não declaradas no Portal da Transparência dos Media, uma vez que ultrapassa os 10% do passivo.

    A segunda empresa que vai ser vendida à Medialivre tem uma a situação financeira bastante similar, apesar dos capitais próprios negativos serem menos baixos (-8.777 euros). Em todo o caso, o passivo ultrapassa a fasquia de um milhão de euros, dos quais quase 482 mil euros será empréstimos (com juros) do próprio Luís Montez e 319 mil euros são dívidas ao Estado. 

    Luís Montez vai livrar-se de duas empresas de rádios que são ‘máquinas de fazer calotes’.

    Contudo, apesar de Luís Montez esconder intencionalmente as contas de 2022, a situação da ‘holding’ Música do Coração ainda é mais problemática do que as suas subsidiárias. No final de 2021, a ‘holding’ estava com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, registando, nesse ano, um pouco mais de um milhão de euros de prejuízos. Saliente-se que as contas da Música no Coração não estão consolidadas.

    Na verdade, somente por via de alguma engenharia financeira, o colapso da Música no Coração não se mostrava mais patente, pois existem sinais de exagero na avaliação dos activos financeiros e excedentes de revalorização. Além disso, em 2021, esta ‘holding’ de Luís Montez tinha uma liquidez praticamente nula, inconcebível numa empresa promotora de espectáculos: em caixa apenas se registaram 3.099 euros. Grande parte dos activos (cerca de 11,2 milhões de euros) estavam então contabilizados em participações financeiras através do método da equivalência patrimonial, mas, na verdade, esse montante poderá estará fortemente inflacionado face à actual situação financeiras das subsidiárias.

    Além disso, o endividamento da Música no Coração era, já em 2021, asfixiante, com empréstimos bancários de longa duração de 14,6 milhões de euros, mais quase 2,8 milhões de euros de contas a pagar a fornecedores, mais 1,4 milhões de euros de dívidas ao Estado e mais cerca de 6,3 milhões de euros em outros compromissos. Neste caso, não deixa de ser curioso que, apesar de ter uma empresa em falência técnica, com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, Luís Montez ainda tinha 786 mil euros emprestados a juros. A ‘sangria’ á sua própria empresa ‘moribunda’.

    Também promotora de festivais de Verão, a Música no Coração está em falência técnica e acumula ‘calotes’.

    No caso da Rede A, a situação financeira mostra-se em tudo similar. Apesar de Luís Montez não ter entregado as contas de 2022 no BDCA, enviou, porém, alguns indicadores financeiros mais básicos para o Portal da Transparência dos Media. E a situação é, efectivamente, de pasmar: nesse ano, os capitais próprios eram negativos em quase 5,4 milhões de euros e o passivo seguia nos 5,6 mihões de euros. Significa isto que o activo (‘património’) da Rede A era já somente de um pouco menos de 240 mil euros.

    Será de um optimismo desmesurado ter a esperança de, entretanto, ter ocorrido uma inversão da situação financeira da Rede A – que contabilizou em 2022 apenas rendimento de 14 mil euros e prejuízos de 184 mil euros. Pelo contrário, pela análise das contas de 2017 e 2021 (o último ano com contas disponíveis), feita pelo PÁGINA UM, esta empresa de Luís Montez está em franco processo de descapitalização e é um caso patológico de ‘maquina de fazer calotes’.

    Com efeito, em 2017 a Rede A ainda deu lucro (44.688 euros) e tinha uma situação financeira equilibrada com capital próprios positivos (251 mil euros), activos não correntes de um pouco mais de 2 milhões de euros. O único indicador que destoava era uma dívida ao Estado de 467 mil euros. A partir de 2018 começaram os prejuízos e, sobretudo, a descapitalização da empresa, com uma diminuição absurda de activos que acabaram por fazer resvalar a empresa para um abrupto estado de falência técnica. Assim, se em 2019, a Rede A apresentava activos da ordem dos 3,8 milhões de euros com o capital próprio já no vermelho (-171.373 euros), no ano seguinte registou-se um ‘terramoto’ financeiro: os activos para apenas 182 mil eeros (um ‘rombo’ de mais de 3,2 milhões de euros) e os capitais próprios despencaram para arrepiantes valores negativos (5.016.762 euros).

    woman laying on bed near gray radio

    Nas contas de 2021 da Rede A que constam na BDCA, analisadas pelo PÁGINA UM, torna-se evidente o desaparecimento completo dos activos não correntes da Rede A (que ultrapassavam os 2 milhões em 2017), e um aumento colossal da rubrica ‘Outras contas a pagar’ (5,3 milhões de euros) – que não se referem a dívidas a fornecedores nem ao Estado (neste caso, o valor situava-se então nos 91 mil euros).

    Contas feitas, e descontando as contas escondidas de 2022 e também de mais um ‘ano de vida’ – que não terá, pela tendência histórica, sido muito favorável -, o ‘império das rádios’ e dos espectáculos de Luís Montez só existe ainda porque as empresas mesmo quando são ‘fábricas de calotes’ perduram enquanto houver alguém – leia-se, Governo e reguladores – que lhes permita docemente continuar a ‘safra’. Ou seja, a acumular dívidas indefinidamente ao estilo Ponzi. Alguém um dia ficará a ‘arder’. Pelo andar da carruagem, Luís Montez – que não se mostrou disponível para responder ao PÁGINA UM – ficará a salvo. As empresas são de responsabilidade limitada.


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  • Grupo do Correio da Manhã compra rádios falidas e com dívidas fiscais a familiares de Cavaco Silva

    Grupo do Correio da Manhã compra rádios falidas e com dívidas fiscais a familiares de Cavaco Silva

    O segredo é a alma do negócio, mas há negócios que, desvendando-se alguns pormenores, custa a acreditar que se concretizem. A Medialivre – que detém o Correio da Manhã e a CMTV, tendo Cristiano Ronaldo como principal accionista – vai adquirir, para ficar com estações de rádio em Lisboa e no Porto, duas empresas de Luís Montez, uma das quais tem como administradoras a filha e a neta de Cavaco Silva. Os montantes do negócio são desconhecidos, mas as contas públicas destas empresas do genro do ex-presidente da República mostram que têm sido ‘máquinas de fazer calotes’ sem ninguém as incomodar: capitais próprios negativos, prejuízos sucessivos, faltas de liquidez crónicas e existem mesmo indicadores de fluxos de caixa que indiciam atrasos em salários e fornecedores à míngua. E, claro, há dívidas ao Fisco, que parece ter-se tornado um ‘ponto de honra’ de certas empresas de media com o beneplácito do regulador (que nada vê) e do Estado (que fecha os olhos).


    A Medialivre – o grupo de media que detém o Correio da Manhã e que tem Cristiano Ronaldo como principal accionista – está em processo de aquisição de duas rádios detidas por empresas em falência técnica de Luís Montez, genro de Cavaco Silva. Numa das empresas, as vogais do Conselho de Administração são a filha (Patrícia) e a neta (Mariana) do ex-presidente da República e ex-primeiro-ministro.

    Os montantes envolvidos não são revelados – o PÁGINA UM aguardou uma semana por comentários oficiais da Medialivre –, mas, na verdade, se este fosse um ‘puro negócio’ ao estilo capitalista, na verdade deveria ser Luís Montez – que detém a Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação (tendo a mulher e a filha na administração) e a Rádio Festival do Norte – a dar dinheiro ao comprador, porque as duas empresas deram prejuízo nos últimos anos, estão com capitais próprios negativos e estão inundadas de dívidas, incluindo ao Estado.

    Luís Montez vai livrar-se de duas empresas de rádios que são ‘máquinas de fazer calotes’.

    O único activo apetecível destas duas empresas de Montez – que através da sociedade unipessoal Música no Coração detém sete empresas radiofónicas – encontra-se nas suas licenças radiofónicas, um ‘bem restrito’ a poucos e que podem ser mantidas mesmo por empresas que devem dinheiro ao Fisco. Para concretizar a sua estratégia de expansão, a Medialivre não se importou assim de manifestar interesse em comprar empresas falidas para obter as licenças da Rádio SBSR (que emite a partir de Lisboa) e da Rádio Festival do Norte, mesmo que tenha agora de assumir, em passivo, um passivo elevado.

    As autorizações para a transmissão das licenças para a Medialivre, por aquisição das duas empresas de Montez, já foram concedidas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social no final de Fevereiro, embora o negócio ainda não se tenha concretizado.

    Embora seja expectável que a Medialivre tenha capacidade financeira para encaixar na sua estrutura o passivo das empresas das duas rádios que vai adquirir, não deixa de causar espanto a situação financeira do universo empresarial da família de Luís Montez. A Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação está em falência técnica pelo menos desde 2017, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media. No mais recente exercício com contas fechadas, a empresa que tem a filha e a neta de Cavaco Silva na administração apresentava capitais próprios negativos de quase 200 mil euros e um passivo total de mais de 2,3 milhões de euros, que vai assim passar, em princípio, a ser assumido pela Medialivre.

    Este último montante inclui 407.273,99 euros de dívidas o Estado e outros entes públicos, que serão dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda por cima não declaradas no Portal da Transparência dos Media, uma vez que ultrapassa os 10% do passivo. As omissões e falsas declarações dos media perante a ERC é uma situação que se tem vindo a tornar banal.

    Neta do ex-presidente da República, agora com 27 anos, já tem experiência de administração de uma empresa… em falência técnica e com dívidas ao Estado.

    Mas o mais absurdo da contabilidade da Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação – e que causa estranheza não ter sido motivo de preocupação por parte da Medialivre – é ter terminado o ano de 2022 com a rubrica Caixa e depósitos bancários literalmente a zeros. Ou seja, a conta bancária estava a zeros e nem sequer havia um mealheiro na sede da empresa com meia dúzia de tostões para o café da manhã de Janeiro de 2023. A ausência absoluta de liquidez desta empresa é de pasmar: apesar de ter declarado vendas e serviços prestados de 209.443,47 euros, no fluxo de caixa – que ‘mede’ a entrada e saída de ‘dinheiro vivo’ –, só entraram 11.841,53 euros.

    No caso de saídas de dinheiro, está apenas contabilizado o pagamento ao pessoal de 31.654,69 euros, apesar de ter sido contabilizado gastos com pessoal de mais de 286 mil euros, o que denuncia salários em atraso. Também a empresa está a deixar fornecedores a ver navios. Apesar de contabilizar gastos de quase 33 mil euros em fornecimentos e serviços externos, os fornecedores só viram ser-lhe pagos 115,86 euros, o que, sabendo-se tratar de uma empresa de comunicação, até em electricidade se deu calote em 2022.

    Quanto à Rádio Festival Norte – a empresa que detém rádio com o mesmo nome –, a situação financeira é bastante similar, apesar dos capitais próprios negativos serem menos baixos (-8.777 euros). Em todo o caso, o passivo ultrapassa a fasquia de um milhão de euros, dos quais quase 482 mil euros será empréstimos (com juros) do próprio Luís Montez e 319 mil euros são dívidas ao Estado. Também com esta empresa a ERC anda a ‘ver navios’, porque todos os detentores de mais de 10% do passivo de um órgão de comunicação social têm de ser identificados. Ora, Luís Montez detém 41% do passivo e o Estado 27,2% do total do passivo., mas nenhuma dessa informação se encontra registada no Portal da Transparência, incumprindo a mesma lei que determinou a suspensão dos direitos de voto de um obscuro fundo das Bahamas que controlava a Global Media.

    Ao contrário da sua ‘irmã’ Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação, a Rádio Festival Norte terminou o ano de 2022 com dinheiro em caixa, mas apenas 66,96 euros – dariam apenas para três espartanos almoços, talvez sem sobremesa, mas com café, seguramente. A falta de liquidez é, aliás, apanágio das empresas de Luiz Montez. Também a Rádio Festival Norte anuncia valores de vendas e serviços prestados que acabam por dar em pouco. Em 2022, a empresa declarou rendimentos de quase 315 mil euros, mas só foram efectivamente pagos nesse ano pouco mais de um terço (113 mil euros). Quanto aos pagamentos a fornecedores e ao pessoal foram custos que depois não se reflectiram em saídas de dinheiro, até porque a empresa não o tem, até porque já nem possui crédito junto da banca, como se intui do balanço e da demonstração dos fluxos de caixa.

    Cristiano Ronaldo é, actualmente, o principal accionista da Medialivre, dona do Correio da Manhã e da CMTV, que agora está a apostar na rádio.

    Com efeito, apesar de em 2022, esta empresa de Luís Montez – em que este surge como administrador único – ter contabilizado gastos de quase 132 mil euros em fornecimentos e serviços externos e cerca de 194 mil euros em gastos de pessoal, apenas assumiu pagamentos de 2,3% e 4,8% do total. Ou seja, comporta-se como uma ‘máquina de fazer calotes’.

    Numa análise a partir do Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC – o que coloca sempre algumas dúvidas da completa veracidade da informação –, pode-se dizer que as outras cinco empresas do grupo da Música no Coração estão também em dificuldades financeiras ou apresentam indicadores ou pouco risonhos ou estapadúrdios.

    A Radiodifusão – Publicidade e Espectáculos tem capitais próprios negativos (-83.182 euros), um passivo de quase 868 mil euros em 2022 e pelo menos desde 2017 nunca teve lucros. A Rádio Clube de Gondomar – que detém a rádio Meo Sudoeste – estava em 2022 com capitais próprios negativos de 90 mil euros e é uma empresa (se assim se pode chamar) muito sui generis: em 2017 o seu activo (‘património’) era de 23.017,11 euros; em 2022 era de 270 euros, sendo que teve um rendimento declarado de 1 euro e prejuízos de 4.025 euros.

    Quanto à Rádio Voz de Setúbal – que detém a Rádio Amália –, está em pouco melhor estado do que a diva do fado que pretende homenagear. Apesar de recentemente ter realizado uma gala para comemorar os seus 14 anos, a empresa declarou no Portal da Transparência dos Media – e a ERC achou razoável suceder – um rendimento de apenas 2 euros e resultados líquidos de 1,50 euros. Esta estranha empresa tinha nesse ano, no entanto, capitais próprios negativos de 103.736 euros. E nos registos geridos pela ERC não há sombras de actividade, isto é, rendimentos entre 2017 e 2021.

    A SBSR FM, actualmente detida pela Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação, em falência técnica, estará em breve nas mãos do grupo de media do Correio da Manhã.

    A Rádio Nova Loures tem, por sua vez, um capital próprio ainda positivo (158 mil euros), mas aumentou o passivo de 431 mil euros em 2017 para quase 1,5 milhões de euros em 2022.

    A Rádio Nova Era é a única das empresas de Luiz Montez no sector da comunicação social com rendimentos em 2022 acima de um milhão de euros (1,7 milhões), e em até teve lucros nesse ano, apesar de magros (um pouco menos de 26 mil euros). Porém, em cinco anos, o passivo disparou de 1,2 milhões para 1,6 milhões de euros, e os capitais próprios baixaram de 114 mil euros para 95 mil.

    O PÁGINA UM enviou há mais de uma semana diversas questões a Luís Montez, que não respondeu.


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  • Transparência dos media: Futura dona do Jornal de Notícias esconde accionistas

    Transparência dos media: Futura dona do Jornal de Notícias esconde accionistas

    Depois do ‘furacão’ causado pela fugaz passagem de um obscuro fundo das Bahamas, não se pode dizer que prime pela transparência o plano de transferência de alguns dos títulos mais atractivos da Global Media, com o Jornal de Notícias à cabeça, para a esfera de uma nova sociedade de empresários. Pelo contrário. Criada no final do mês passado, com um capital social de apenas 50 mil euros, a Notícias Ilimitadas não revela qualquer accionista nem detentor de direitos de voto no Registo Central do Beneficiário Efectivo, contrariando uma lei de prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo, sendo que os administradores indicados (Alexandre Bobone, Diogo Freitas e Domingos de Andrade) declaram não terem qualquer participação accionista. O modelo sugerido para a ‘cisão’ dos títulos da Global Media, a ser autorizado pelo regulador e pelo futuro Governo, abre também a porta a uma eventual ‘Global Media tóxica’ com o Diário de Notícias à boleia. Ou seja, se a Notícias Ilimitadas ficar apenas com o direito de usufruto dos títulos, não assume assim qualquer parte do elevadíssimo passivo da Global Media, que atingia quase 55 milhões de euros em 2022, incluindo 10 milhões de dívidas fiscais. Se, com isto, e com a redução de receitas, a Global Media entrar em falência, o Governo pode então querer salvar o Diário de Notícias, assumindo dívidas e concedendo um perdão fiscal. Um precedente arrepiante…


    A falta de transparência continua a ensombrar os títulos jornalísticos ainda detidos pela Global Media. Após a retirada decretada na semana passada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) dos direitos de voto ao World Opportunity Fund – o fundo das Bahamas que chegou a controlar a administração da Global Media, através da maioria do capital da Páginas Civilizadas ao empresário Marco Galinha em Setembro do ano passado –, por não identificar os investidores, agora também se desconhece quem, efectivamente,  controla a nova empresa criada para concretizar a cisão dos títulos da Global Media.

    Com efeito, apesar de ter sido já constituída em finais de Fevereiro uma empresa – a Notícias Ilimitadas, com sede na Maia –, que já terá assinado um memorando de entendimento com os accionistas da Global Media com direito de voto válidos (Kevin Ho, José Pedro Soeiro e Marco Galinha), em concreto desconhecem-se os verdadeiros investidores. Sabe-se apenas que detém, por agora, um capital social de apenas 50.000 euros distribuídas por 10.000 acções nominativas.

    De acordo com uma consulta ao Registo Central do Beneficiário Efectivo (RCBE), a empresa Notícias Ilimitadas apenas identificou os três administradores – o jornalista e actual director-geral da TSF e do JN Domingos de Andrade, que também é agora administrador da Global Media, e os empresários Diogo Freitas e Alexandre Bobone, que preside –, mas nenhum deles indica que possui qualquer nível de controlo da empresa ou sequer direitos de votos.

    Saliente-se que, apesar de a Notícias Ilimitadas não deter ainda formalmente qualquer título de comunicação social – e, portanto, não estar, por agora, sujeita à Lei da Transparência dos Media –, o RCBE estipula a obrigatoriedade das sociedades comerciais manter um registo atualizado dos sócios, com discriminação das respetivas participações sociais, ou das pessoas singulares que detêm, ainda que de forma indireta ou através de terceiro, a propriedade das participações sociais, ou de quem, por qualquer forma, detenha o respetivo controlo efetivo.

    Ora, nenhuma dessa informação consta do registo referente à Notícias Ilimitadas, que, como indica apenas administradores, está ao mesmo (baixo) nível da ‘qualidade de transparência’ da World Opportunity Fund, que sempre indicou apenas no RCBE o nome e elementos do administrador, o francês Clement Ducasse.

    A forma pouco transparente como decorre o processo de cisão dos títulos da Global Media – com a entrada da Notícias Ilimitadas em jogo, depois do breve e conflituoso ‘reinado’ do fundo das Bahamas –, levanta sérias dúvidas sobre as operações financeiras em curso e sobre quem assumirá, no futuro, o elevadíssimo endividamento deste grupo de media.

    Fraca transparência nos negócios da Global Media tem sido o ‘código postal’ para a crise de títulos históricos da imprensa nacional. A crise vem de longe mas agudizou-se no ‘reinado’ de Marco Galinha, o responsável pela entrada do World Opportunity Fund no (seu) grupo de media.

    Recorde-se que a Global Media finalizou 2022 com um passivo de 54,9 milhões de euros, dos quais 11 milhões a instituições bancárias e 10 milhões de dívidas fiscais, das quais cerca de sete milhões criada ao longo desse ano. Ou seja, estava já há muito em situação financeira desastrosa, sendo garantido que concluiu 2023 com capitais próprios negativos. Este mês, a nova administração liderada novamente por Marco Galinha revelou que a demonstração de resultados preliminar aponta para um prejuízo de 7,2 milhões de euros, a transitar para um capital próprio que era de pouco mais de 5,7 milhões de euros em 2022. Efeito disto, sem que tenha sido aprovado qualquer aumento de capital. é a Global Media estar já em falência técnica, ou seja, com capitais próprios negativos de 1,5 milhões de euros. Em 2019, antes da ‘era Galinha’, os capitais próprios eram positivo de quase 15,5 milhões de euros. Além disto, cerca de metade dos activos da Global Media, no valor de cerca de 30,6 milhões de euros em 2022, eram constituídos por goodwill, de reduzidíssima liquidez e de valor de mercado bastante questionável por estar associado ao valor dos títulos, incluindo os arquivos históricos.

    No início de Fevereiro, o jornal Público avançou como hipótese mais provável que um grupo de empresários – onde se inclui os dois actuais administradores da Notícias Ilimitadas – viesse a comprar o JN, O Jogo e as revistas Evasões e Volta ao Mundo. Estas últimas são, na verdade, propriedade de Marco Galinha, através da Páginas de Prestígio, não estando integradas desde Setembro do ano passado na Global Media. No entanto, o jornal Eco concretizou que o negócio implicaria “a compra dos títulos, não de nenhuma empresa”, adiantando que os “actuais accionistas minoritário do grupo devem assumir uma posição na nova sociedade”, ou seja, na novel Notícias Ilimitadas – algo que não se consegue confirmar por ausência de informação no RCBE.

    A concretizar-se uma simples venda ou cedência dos títulos para uma empresa fora do universo da Global Media seguir-se-á então um modelo muito similar à que ocorreu com o Tal & Qual. Com efeito, este título encontra-se registado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial em nome da Global Media mas foi concedido o direito de usufruto à empresa Parem as Máquinas – curiosamente fundada por José Paulo Fafe em finais de 2020 – em (re)publicar o semanário. Obviamente, neste modelo não existe qualquer relação societária entre as duas empresas, antes apenas uma relação comercial com o eventual pagamento pelo uso da marca.

    Aliás, o objecto social da Notícias Ilimitadas sugere esta opção, uma vez que a empresa diz que a sua actividade, no âmbito estrito da imprensa, é de “difusão de actividades de terceiro designadamente por anúncio; editar, produzir, comercializar e distribuir jornais e revista e outros meios de comunicação social”.

    Transferência do título do Jornal de Notícias para a Notícias Ilimitadas sem assumpção do passivo vai agravar ainda mais as contas da Global Media, que deverá apresentar capital próprio negativo nas contas de 2023.

    Seguir este modelo para o JN, O Jogo, a TSF e as revistas Evasões e Volta ao Mundo pode ser um expediente atractivo para os accionistas (desconhecidos) da Notícias Ilimitadas (onde estarão, em princípio, também Marco Galinha, Kevin Ho e José Pedro Soeiro), mas potencialmente catastrófico para os credores da Global Media, incluindo o Estado. Isto porque sendo aceite pela ERC a transmissão dos títulos – e até os jornalistas e produção – da Global Media para a Notícias Ilimitadas, a sobrevivência daqueles órgãos de comunicação social fica garantida pela nova empresa sedeada na Maia, mas se a situação financeira da Global Media se deteriorar, e entrar mesmo em falência, o ‘calote’ não ‘infectará’ a Notícias Ilimitadas, mesmo se houver sócios ou accionistas comuns.

    Com a retirada dos seus títulos ainda rentáveis, a Global Media fica mesmo assim com dois ‘trunfos’, que valem muito pelo simbolismo: o Diário de Notícias (que detém a 100%) e o Açoriano Oriental (a 90%) são os mais antigos órgãos de comunicação social de Portugal. Daí que numa eventual falência da ‘Global Media tóxica’, pode vir a ‘salvação’, aceite e até recomendada por partido como o Livre e o PCP, através de uma operação de nacionalização com assumpção das dívidas e perdão fiscal pelo Estado.

    Saliente-se, por fim, que desde a entrada de Marco Galinha ao universo da Global Media em 2020, sucedem-se as empresas com nomes muito sui generis com um similar diapasão. Embora a novel Notícias Ilimitadas não venha a ser, em princípio, nem accionista nem subsidiária da Global Media, o dono do Grupo Bel mostra ser apreciador de nomes pomposos para empresas ligadas aos media. Foi ele que criou uma ‘matrioska’ de empresas, quando assumiu o controlo da Global Media, fundando a Páginas Civilizadas e ainda a Norma Erudita e a Palavras de Prestígio.

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    Curiosamente, esta última empresa, criada também por Marco Galinha em 2020, teve como sócios a Parsoc e a Ilíria – que agora surgem como eventuais accionistas da Notícias Ilimitadas –, mas as quotas foram adquiridas, sem qualquer explicação, pelo Grupo Bel pouco tempo antes da entrada do World Opportunity Fund na Global Media.

    O PÁGINA UM, no decurso da elaboração desta notícia, tentou obter comentários e esclarecimentos de Alexandre Bobone, presidente do C0nselho de Administração da Notícias Ilimitadas, e que surge como contacto no RCBE, mas não houve qualquer reacção.


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  • Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas formalizou-se hoje: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) suspendeu os direitos de voto e os direitos patrimoniais ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, os periódicos da Global Media, entre os quais o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência, abrindo assim as portas ao anunciado desmembramento do grupo de media. Resta saber quem vai pagar, no processo, as avultadas dívidas fiscais do grupo que regressa de novo às mãos de Marco Galinha.


    Faltava o formalismo, veio hoje em reunião da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador dos media deu como verificada a falta de transparência do World Opportunity Fund, Ltd. (WOF), confirmando o projeto de deliberação aprovado no passado 15 de Fevereiro que formaliza a perda de direitos de voto do fundo das Bahamas sobre a participação de 51% do capital social da Páginas Civilizadas, que detém uma participação indireta de 25,628% na Global Notícias, mas que, na prática, a controlava.

    Em comunicado, a ERC salienta que “perante a ausência de elementos ou medidas tomadas pelos interessados que pudessem pôr fim à situação identificada [a recusa do fundo em identificar os seus investidores], o Conselho Regulador deliberou prosseguir com a publicitação da falta de transparência” no seu site, implicando de imediato a suspensão do exercício dos direitos de voto e dos direitos patrimoniais” do World Opportunity Fund tanto na Páginas Civilizadas como na Global Notícias.

    O regulador destaca que a sua deliberação “do Conselho Regulador “não restringe a possibilidade de transmissão da participação” do fundo das Bahamas, “desde que, sob prova bastante […] resulte uma inequívoca sanação da situação de falta de transparência identificada. Em concreto, significa que o empresário Marco Galinha, um dos sócios minoritários da Páginas Civilizadas – e que foi o responsável por introduzir o fundo das Bahamas no negócios do Grupo Global Media, inclusive concordando com a contratação de João Paulo Fafe antes da concretização da transacção em Setembro do ano passado – tem agora ‘carta branca’ para negociar ainda melhor a recuperação do que vendeu.

    Por outro lado, saído o fundo das Bahamas – que está longe de ter criado uma situação financeira grave, já que em 2022 a Global Media terminou o exercício com prejuízos acumulados de 42 milhões de euros desde 2017 e uma dívida ao Estado que aumentou 7 milhões de euros em apenas um ano -, Marco Galinha pode agora concretizar, com despedimentos colectivos à mistura, o desmembramento dos diversos órgãos comunicação social. Resta saber quem vai ficar com a dívida ao Estado, porque nesse processo de desmembramento, se as autoridades tributárias e a ERC permitir, pode bem suceder que o Jornal de Notícias, um título ainda apetecível, fique ‘limpo’ de dívidas, ficando todo o ‘calote’ à Autoridade Tributária em títulos que, mais tarde ou mais cedo, o mercado tratará de falir, excepto, claro, se o Estado intervir para o sanear


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  • Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Principal accionista da Global Media estabeleceu sede numa ‘caixa de correio’ de um ‘cowork’

    Numa ‘guerra fraticida’ que tem ‘liquidado’ a credibilidade dos títulos da Global Media, os quatro sócios da empresa maioritária, a Páginas Civilizadas – onde ainda se insere o fundo das Bahamas ‘chumbado’ pelo regulador por questões de transparência –, acharam por bem arranjar um local expedito enquanto decorrem as negociações entre Marco Galinha e o World Opportunity Fund para uma saída airosa de um negócio rocambolesco. Não é um ‘vão de escada’; mas é uma ‘caixa de correio’ num espaço de cowork, em open space, no primeiro piso de um prédio no Saldanha. O PÁGINA UM foi visitar o espaço, enquanto se anunciava a nomeação dos novos administradores da Global Media e se retirava da discussão um aumento de capital de cinco milhões de euros. Perspectiva-se assim um rápido desmembramento do grupo de media, restando saber quem fica com a dívida de 7,5 milhões de euros ao Estado e com o Diário de Notícias, que vende menos de 1200 exemplares em banca.


    No epicentro de uma ‘guerra’ de accionistas sobre a gestão da Global Media, a accionista maioritária – a Páginas Civilizadas, ainda controlada pela World Opportuny Fund, em negociações com o Marco Galinha para a sua saída desta empresa – está remetida não para uma sede de ‘vão de escada’, mas quase.

    Depois da demissão no final de Janeiro de José Paulo Fafe de CEO da Global Media, cargo para o qual tinha sido indicado pelo fundo das Bahamas, os sócios da Páginas Civilizadas – WOF (51%), Grupo Bel (10,21%), Norma Erudita (28,57%) e Palavras de Prestígio (10,22%) – não encontraram melhor solução do que meter a sede social no primeiro andar do número 6 da Avenida da República, em Lisboa, saindo do Taguspark.

    Nova sede da Páginas Civilizadas, accionista maioritária da Global Media, no número 6 da Avenida da República, num ‘cowork’, que lhe serve apenas para receber correspondência.

    A localização parece bastante central, tem mesmo uma saída do metro do Saldanha literalmente à porta, mas trata-se de um movimentado cowork gerido pela Avila Spaces, com um open space e algumas salas de reunião para entre cinco e 10 pessoas. Mas o uso que a Páginas Civilizadas tem neste cowork, segundo apurou o PÁGINA UM, que visitou o local esta tarde, será apenas o de escritório virtual, um serviço que custa entre 60 e 87 euros por mês. O valor mínimo permite a recepção de correspondência e o uso de morada para efeitos de sede social. Foi no passado dia 9 que os sócios da Páginas Civilizadas – que tem um capital social de cerca de 2,8 milhões de euros – passaram a assumir o cowork da Avila Spaces como sede social.

    Recorde-se que, conforme o PÁGINA UM revelou em investigação feita em Outubro do ano passado, a Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media (50,25%) e que detém 22,35% da Agência Lusa, maioritariamente estatal – tem apenas dois funcionários desde a sua criação em Setembro de 2020, começando por ter a sua sede no mesmo edifício do Grupo Bel. Aliás, serviu desde sempre como veículo financeiro para Marco Galinha estar na Global Media. Ao contrário de Kevin Ho e João Pedro Soeiro – os outros dois accionistas de referência –, Marco Galinha nunca quis ser accionista directo da Global Media, metendo o dedo através da Páginas Civilizadas, permitindo assim uma contabilidade ‘paralela’.

    Tanto assim que, apesar de não lhe ser conhecida actividade concreta, a Páginas Civilizadas apresentou uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros no ano passado. Mas para essa facturação, os dois funcionários tiveram de tratar de gastos superiores a 5,7 milhões de euros, o que, para além de outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, deu para ter um lucro de 29 mil euros.

    Localização da sede da Páginas Civilizadas é excelente: tem à porta, literalmente, uma saída (e entrada) para o metropolitano do Saldanha.

    A entrada do WOF em Setembro do ano passado trouxe apenas uma redefinição da estrutura accionista da Páginas Civilizadas, que dois meses antes, em 21 de Julho,  já sofrera alterações indirectas, por via da compra por Marco Galinha das participações detidas na Palavras de Prestígio pela Parsoc e Ilíria.

    Estas duas empresas, curiosamente, colocam-se agora como a solução para a crise da Global Media, integrando o ‘consórcio’ de interessados na compra do Jornal de Notícias, O Jogo, Revistas JN História, Notícias Magazine, Evasões e Volta ao Mundo. As duas últimas revistas são já, actualmente, propriedade da Palavras de Prestígio, no seguimente do acordo em Setembro passado com a WOF.

    Certo é que a situação financeira da Páginas Civilizadas estará agora em piores condições do que no final de 2022, meses antes da aquisição da maioria do capital pelo WOF, que agora estará a tentar desfazer-se do investimento depois da decisão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em lhe retirar os direitos de voto por causa da Lei da Transparência dos Media. Em 2022, o passivo da Páginas Civilizadas era de 6,1 milhões de euros.

    Marco Galinha fundou a Páginas Civilizadas em 2020, e em 2022 já ia com um passivo de mais de seis milhões de euros. A empresa começou por estar sediada no edifício do Grupo Bel, passou depois para o Taguspark (com a compra da quota maioritária pelo fundo das Bahamas) e agora acaba de se ‘estabelecer’ num movimentado cowork em pleno Saldanha.

    A nomeação de uma nova administração da Global Media – onde pontifica como CEO o ex-padre Vítor Coutinho, antigo vice-reitor do Santuário de Fátima – deixa mais dúvidas do que certezas quanto ao destino da Global Media como grupo íntegro, sobretudo porque caiu, na ordem de trabalhos da assembleia geral de hoje, um aumento de capital de cinco milhões de euros para atenuar mais um ano de prejuízos.

    Ganha assim força um desmembramento a curto prazo da Global Media, com a venda dos títulos que, do ponto de vista da contabilidade analítica, ainda dão lucro, com o Jornal de Notícias á cabeça. Isso pode significar, se as autoridades de regulação o permitirem, que a Global Media fique apenas com os títulos com prejuízo e economicamente inviáveis, como o Diário de Notícias (que vende menos de 1200 exemplares diários em banca), me ainda grande parte do passivo, entre o qual se encontra uma dívida assumida de 7,5 milhões ao Estado e mais 647 mil euros de serviços à Lusa não pagos.


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  • World Opportunity Fund perde controlo da Global Media

    World Opportunity Fund perde controlo da Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas confirma-se duas semanas depois: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) retrou os direitos de voto ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, a Global Media. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência.


    Era a decisão esperada, já antecipada pelo PÁGINA UM no passado dia 31 de Janeiro, e saiu esta noite: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) retirou os poderes de voto ao World Opportunity Fund, o fundo de investimentos das Bahamas que, através da empresa Páginas Civilizadas, controla a Global Media, detentora, entre outros, dos periódicos Diário de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF. O fundo das Bahamas ainda terá 15 dias para recorrer dessa decisão para se tornar definitiva.

    É a primeira vez que o regulador toma esta posição que, na prática, concede aos restantes accionistas da empresa de media (João Pedro Soeiro e Kevin Ho) o total controlo dos destinos sem qualquer intervenção da Páginas Civilizadas. Por ironia, o empresário Marco Galinha, que continua a querer assumir um papel de charneira na resolução da crise financeira do grupo de media, com a decisão da ERC também perdeu, formalmente, o direito de intervir em decisões magnas, uma vez que a sua participação na Global Media é indirecta, através da Páginas Civiizadas.

    Recorde-se que a estrutura accionista da Global Media não se modificara com a entrada do fundo das Bahamas na Páginas Civilizadas; na verdade, a única alteração societária, que veio da descambar numa ‘tempestade mediática’, resultou na decisão de Marco Galinha em vender, em Setembro do ano passado, uma parte substancial da sua quota na Páginas Civilizadas, permitindo, ademais, que o World Opportunity Fund nomeasse dois dos seus três gerentes da empresa que já era a principal accionista da Global Media.

    No comunicado divulgado esta noite – e ainda a tempo de influir na assembleia geral da Global Media marcada para a próxima segunda feira, conforme o PÁGINA UM já antecipara –, a ERC salienta que “não sendo sanadas as dúvidas” colocadas sobre os investidores do World Opportunity Fund, se declarou uma “falta de transparência”. Nesses termos, e de acordo com a legislação, “os termos do artigo 14.º, n.º 4, da Lei da Transparência, a partir desta publicitação formal, “no limite das consequências legalmente previstas, ficará ‘imediata e automaticamente suspenso o exercício do direito de voto e dos direitos de natureza patrimonial inerentes à participação qualificada em causa’” do fundo das Bahamas, “até que a situação de falta de transparência da titularidade das participações qualificadas se encontra corrigida”.

    Conforme noticiado no final de Janeiro, o PÁGINA UM tivera acesso aos documentos enviados à ERC por correio registado pelo então representante do World Opportunity Fund em Portugal, José Paulo Fafe, onde se justificava que a UCAP Bahamas detinha 0,002% do capital do fundo, correspondente a “10 voting non participating shares”, denominadas “management shares” (acções de gestão), mas que, apesar disso, possui a “totalidade dos direitos de voto”.

    Deste modo, segundo os documentos, “as acções de Investidor não [tinham] direitos de voto”, tendo apenas “direito a participar integralmente nos lucros líquidos da Sociedade e são remíveis de acordo com as disposições” dos estatutos do fundo. Porém, recusara-se a identificar os investidores que, de acordo com a estrutura deste tipo de fundos, seriam, no máximo, 50 pessoas ou instituições.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário de José Paulo Fafe sobre esta matéria, mas não foi possível. Aliás, o antigo CEO da Global Media, que se demitiu em 31 de Janeiro, já nem sequer é o representante do fundo das Bahmas desde o passado dia 3 de Fevereiro, sendo que quem responderá agora será Clement Ducasse. Na verdade, tanto Fafe como o outro gerente nomeado pelo World Opportunity Fund, Filipe Nascimento, renunciaram aos cargos da Páginas Civilizadas, não se sabendo ainda se o fundo das Bahamas já os substituiu. Marco Galinha é o terceiro gerente, em minoria, da Páginas Civilizadas, por via de ser o sócio com maior participação naquela empresa a seguir ao World Opportunity Fund.


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  • ERC considera lícito detalhes mórbidos de crimes de ‘faca e alguidar’ em programas da manhã

    ERC considera lícito detalhes mórbidos de crimes de ‘faca e alguidar’ em programas da manhã

    Descrições macabras de um homicídio e afirmações sobre uma alegada maior prevalência da violência em casais homossexuais numa rubrica criminal integrada num programa matinal da SIC, então apresentado por Cristina Ferreira há cinco anos, teve agora um epílogo. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considerou não ser afinal chocante o uso dessa linguagem se for enquadrada por especialistas, mas em 2020 o anterior conselho regulador tecera críticas contundentes à SIC, também por usar jornalistas em programas de entretenimento, e acusou mesmo Hernâni Carvalho de deturpar um estudo, alimentando os mitos em redor da violência entre casais homossexuais.


    Cinco anos depois dos factos, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) arquivou um processo de contra-ordenação contra a SIC aberto em 2020 por uma rubrica de crimes, integrada no então programa matinal de Cristina Ferreira, detalhar um homicídio envolvendo um casal homossexual, onde se chegou a afirmar que “as relações homossexuais têm um tipo de violência muito maior”. A decisão foi tomada no final do mês passado e divulgada hoje.

    O novo conselho regulador, agora presidido por Helena Sousa, veio assim contrariar a interpretação do anterior conselho, então presidido pelo juiz Sebastião Póvoas – e então ainda com Mário Mesquita como vice-presidente –, que instaurara um processo contra o canal televisivo do Grupo Impresa por, sendo orientado por jornalistas, a rubrica sustentar-se em comentários e descrições macabras, além de se ter tecido comentários susceptíveis de discriminação por orientação sexual, e até divulgados “a morada completa e por escrito da vítima, bem como outros dados pessoais dos visados”.

    Em causa estava a rubrica “Crónica Criminal” de 14 de Fevereiro de 2019, integrada no “Programa da Cristina”, num modelo que a ERC então criticou por constituir “a inserção de um conteúdo ou género jornalístico num programa anunciado como pertencendo ao macrogénero ‘entretenimento’”, imprimindo-lhe assim “um carácter híbrido, tornando mais escorregadias as fronteiras entre os géneros discursivos talk-show e entrevista jornalística e funções a que estão associadas”.

    Na rubrica daquele dia, apresentada pelo jornalista Luís Maia (que não tem actualmente a carteira profissional activa), esteve em debate um homicídio no seio de um casal homossexual, pormenorizando-se repetidamente o número de facadas e outros pormenores mórbidos, algo que o regulador em 2020 considerou não ser compatível com um programa matinal classificado para todas as idades.

    Porém, mais do que isso, um dos comentadores, o também jornalista Hernâni Carvalho (actualmente com carteira activa), mas apresentado como especialista em Psicologia Forense, fez considerações sobre uma alegada maior violência nas relações homossexuais. Na sua intervenção, Hernâni Carvalho referiu textualmente que «as relações homossexuais têm um tipo de violência muito maior», algo que em 2020 a ERC considerou que “pode ser entendida como dando corpo a uma visão estereotipada, construindo definições generalizadoras sobre determinados comportamentos sociais”.

    Em 2020, ERC foi bastante crítica na mistura do género jornalístico em programas de entretenimento. O Programa da Cristina integrava uma rubrica criminal com dois jornalistas.

    Com efeito, na sua primeira análise em 2020, o regulador é bastante crítico sobre a postura de Hernâni Carvalho por aquele até ter alegado que a sua afirmação se basearia num estudo concluído em 2006 intitulado “Mitos e estereótipos sobre a violência nas relações homossexuais”. A ERC constatou que, afinal, “os comentadores e em particular Hernâni Carvalho produziu “um discurso que é totalmente divergente e mesmo contrário às conclusões [desse] estudo em que se diz basear, apesar de recorrer a números que o estudo indica, para depois deturpar por completo o seu sentido”.

    E a ERC ia em 2020 ainda mais longe nas críticas, ao dizer que “Hernâni Carvalho não apenas retira do estudo conclusões que ele não tem, como insiste no reforço dessa conclusão com a afirmação de que ‘nos casais homossexuais, há testosterona do mesmo nível nos dois lados’, e que isso justifica a mais elevada intensidade da violência”, quando “esse argumento, reiterado pela apresentadora, está totalmente ausente do estudo com que pretende justificar a sua argumentação”. E o regulador concluía então que “apesar da referência ao estudo e dos elogios a uma das suas autoras [Carla Machado], o comentador deturpou completamente as suas conclusões, tendo inclusivamente reforçado aquilo que o próprio estudo refere como ‘Mitos e estereótipos sobre a violência nas relações homossexuais’, exatamente o que, de acordo com o estudo, se deve evitar”.

    Além de tudo isto, na deliberação de 2020, com 18 páginas, o regulador considerava ainda que “a linguagem utilizada, por todos os intervenientes na ‘Crónica criminal’ (jornalista, apresentadora e comentadores), consubstanciado a exploração de um acontecimento dramático, violento e chocante, prende a atenção dos espectadores, sem séria ponderação das respetivas implicações no plano da violação da dignidade humana e da intimidade da vítima, uma inobservância dos princípios ético-legais que regem a prática do jornalismo e tem por fim acicatar o estímulo ao voyeurismo através de um sensacionalismo reprovável, tido por eficiente na captação do ‘interesse’ do espectador, o que é particularmente grave na peça jornalística apresentada”.

    Interpretação da ilicitude pela ERC modificou-se com a entrada do novo Conselho Regulador, agora presidido por Helena Sousa.

    Contudo, apesar do rol de acusações feitas na deliberação de 22 de Abril de 2020, e que abriu então o processo de contra-ordenação por violação da Lei da Televisão, o caso foi-se arrastando. Na deliberação hoje publicada, e votada por unanimidade pelo novo conselho regulador, destaca-se que a única questão abordada no processo de contra-ordenação acabou por ser a inserção da rubrica criminal e da linguagem usada num programa matinal.

    Ora, o novo conselho regulador considerou quem apesar de naquela rubrica em 2019 ter sido feita uma “descrição verbal de um crime desacompanhada de imagens gráficas de violência extrema”, o tema “teve o devido enquadramento por especialistas no espaço de comentário que se seguiu, e que as expressões utilizadas não são sequer apresentadas de forma enfatizada, detalhada ou evidenciada e foram emitidas no final da manhã de um dia de semana (quinta-feira) – e não, por exemplo, no intervalo de programas infantojuvenis”. Para a ERC isso foram “circunstâncias que contribuem para formar a convicção sobre a baixa probabilidade de a sua visualização ser suscetível de ter repercussões ou efeitos graves em crianças ou adolescentes”.

    Caso fosse condenada, a SIC poderia ter de pagar uma coima entre os 20 mil e os 150 mil euros.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário de Hernâni Carvalho sobre este caso e a decisão definitiva da ERC, mas ainda não obteve resposta.


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