Categoria: Imprensa

  • Acórdão demolidor obriga ERC a mostrar razões para conceder confidencialidade no Portal da Transparência

    Acórdão demolidor obriga ERC a mostrar razões para conceder confidencialidade no Portal da Transparência

    Uma luta de David contra Golias, ainda mais porque a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) fiscaliza e supervisiona o PÁGINA UM. Perante a recusa do regulador em mostrar os processos de decisão sobre os pedidos de confidencialidade de determinadas empresas de media – que assim ficavam isentos de mostrar contas e indicadores sobre clientes e credores relevantes -, o PÁGINA UM intentou uma acção no Tribunal Administrativo de Lisboa. A ERC foi obrigada por uma sentença de Novembro de 2022 a ser transparente, mas recorreu para a instância superior, chegando mesmo a alegar que o director do PÁGINA UM, mesmo se tivesse direito de acesso, deveria este ser-lhe recusado por alegadamente estar em causa um pedido abusivo. Um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul – simbolicamente concluído na semana das comemorações dos 50 anos da Revolução dos Cravos (que concedeu direitos reforçados aos jornalistas) – veio porém dar uma forte machadada na política obscurantista do regulador dos media, reiterando a obrigação de ser escrutinada por jornalistas. Este processo de intimação, patrocinado pelos leitores do PÁGINA UM através de donativos ao FUNDO JURÍDICO, iniciou-se em Julho de 2022, e pode ainda não terminar se a ERC decidir ainda gastar mais dinheiro dos contribuintes e recorrer ao Supremo Tribunal Administrativo.


    Foi lento, mas mais vale tarde do que nunca. Mais de 21 meses depois da recusa da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em disponibilizar ao PÁGINA UM o acesso aos pedidos de empresas de media para lhes ser permitido a confidencialidade de informação e de indicadores financeiros no Portal da Transparência, bem como à respectiva análise, um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) dá mais uma machada contra a política de obscurantismo do regulador.

    Assinado pelos três desembargadores deste tribunal superior nos dias 24 e 26 de Abril – simbolicamente no dia antes e no dia posterior aos 50 anos do início do regime democrático que concedeu teoricamente liberdade de imprensa e de acesso à informação –, o acórdão reforça uma sentença já emitida em Novembro de 2022 pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, mas que não foi acatado pela ERC, que recorreu para o TCAS.

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    Os argumentos do recurso da ERC são, aliás, completamente arrasados pelos três desembargadores – Marcelo Mendonça, Ricardo Ferreira Leite e Pedro Figueiredo. O regulador tentou argumentar que os pedidos e a respectiva análise numa lei – que, saliente-se, pretende dar transparência à gestão dos media – não estavam abrangidos pela Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, pelo que deveriam ser considerados secretos, além de que, segundo o regulador, deveriam ser ouvidas as partes contrainteressadas, ou seja, todas as empresas que fizeram o pedido. Algo que iria eternizar qualquer processo de decisão.

    Os desembargadores, contudo, consideraram que os documentos são mesmo administrativos e que um “entendimento diverso obstaria ao princípio da administração aberta, constitucionalmente consagrado”. Também concluíram que “não se vislumbra prejuízo” das empresas de media em que o acesso a essa informação seja concedida.

    Aliás, o acórdão é bastante cáustico quanto à interpretação da ERC de que existindo a possibilidade de, arbitrariamente, conceder secretismo a determinada informação, o processo de decisão para tal seja também secreto. Os desembargadores salientam que essa norma da Lei da Transparência dos Media “[não] permite extrapolar que as decisões da ERC de excecionar a publicidade de determinados documentos entregues, repise-se, se encontrem à margem de qualquer escrutínio, e em particular do regime de acesso à informação administrativa”.

    Mas o regulador, não satisfeito em tentar interpretações abusivas dos diplomas legais para impedir o acesso a informação relevante por um órgão de comunicação social, ainda alegou que o pedido do PÁGINA UM, mesmo se fosse legítimo, “não poderia ser exercido de forma abusiva”, e como tal deveria ser recusado o acesso.

    Primeira página do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.

    “Novamente não se alcança o sustento desta invocação”, salientam a este respeito os três desembargadores, acrescentando que, se a ERC decidiu 101 pedidos de confidencialidade entre 2019 e 2021 – estimando assim que haja 404 documentos administrativos –, “não se vê como se alvitra encontrarmo-nos perante um caso de exercício abusivo do direito de acesso à informação”. Até porque, destacam ainda, “está em causa uma pesquisa necessariamente contextualizada, cingindo-se aos pedidos de confidencialidade, com a necessária limitação temporal”, além de que “os pedidos formulados pelo recorrido não implicam a criação ou adaptação de documentos, sendo certo que a entidade recorrente [ERC] nada concretiza quanto a este excesso, nem o mesmo se afigura notório quanto ao acesso a cerca de 404 documentos”.

    Apesar desta decisão demolidora para os argumentos da ERC, o regulador agora dirigido por Helena Sousa pode ainda recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo ou proceder ao expurgo abusivo de alegada informação comercial – o que obrigaria a uma execução de sentença, um expediente moroso e oneroso.

    Recorde-se que aquilo que está em causa é uma excepção absurda, mas aproveitada nos últimos anos, de isentar determinadas empresas de media de cumprirem os princípios da Lei da Transparência dos Media, que estipula a obrigatoriedade de comunicar à ERC a informação relativa aos principais fluxos financeiros daquelas entidades (com contabilidade organizada). Esta obrigação deveria, por lei, incluir “a relação das pessoas individuais ou coletivas que tenham, por qualquer meio, individualmente contribuído em, pelo menos, mais de 10% para os rendimentos apurados nas contas de cada uma daquelas entidades ou que sejam titulares de créditos suscetíveis de lhes atribuir uma influência relevante sobre a empresa”, mas em “termos a definir no regulamento da ERC”.

    Sede da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa.

    Efectivamente, a ERC criaria um regulamento em Outubro de 2020, onde, além de estabelecer a obrigação do envio do relatório anual de governo societário (RGS), concedia excepções arbitrárias que, na prática, destruíam o princípio da transparência. Com efeito, no artigo 8º do regulamento – que não teve de passar pela Assembleia da República – refere-se que “atendendo à sensibilidade e ao caráter sigiloso de alguns dados solicitados, as entidades poderão solicitar à ERC a aplicação do regime de exceção”.

    Em 6 de Julho passado, no decurso de um pedido de confidencialidade da TVI S.A. – empresa detentora da TVI e da CNN Portugal –, que o PÁGINA UM noticiou em primeira mão, a ERC não quis identificar quais as outras empresas que solicitaram igual tratamento.

    O regulador adiantou então apenas que “os pedidos podem incidir sobre informação muito específica ou cumulativamente sobre vários elementos comunicados em cumprimento das obrigações legais da transparência”, acrescentando ainda que “os requerentes invocam, genericamente, (…) a sensibilidade dos dados e antecipam impactos negativos resultantes da sua divulgação, relacionados com estratégias de negócio, estruturas de receitas e a sustentabilidade económico-financeira do meio, em particular em mercados locais.”

    A PÁGINA UM decidiu então em finais de 2022 solicitar formalmente mais informação à ERC sobre os pedidos de confidencialidade. Segundo o regulador, no quinquénio 2017-2021, mais de três quartos dos pedidos de confidencialidade (77%) tinham sido indeferidos pelo Conselho Regulador, “que entendeu que os argumentos apresentados não justificavam a não disponibilização da informação”.

    Perto de 12% dos pedidos tinham sido deferidos, “salientando-se que uma parte incidia sobre uma informação muito específica, como a percentagem que representa um cliente relevante”. Em perto de 11% das situações o Conselho Regulador concedeu deferimento parcial. No entanto, nessa altura nem sequer se sabia o número absoluto que esses 23% representavam nem que dados ficaram assim escondidos e porquê.

    Exemplo de informação que surge quando a ERC analisa pedidos de confidencialidade.

    Ao longo dos últimos dois anos, o PÁGINA UM tem sistematicamente falhas graves na gestão do Portal da Transparência dos Media, designadamente com omissões ou informação falsa na base de dados, designadamente informação errada sobre clientes, detentores do passivos e outras falhas nos indicadores financeiros, onde não constavam, por exemplo, dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira. Exemplos dessas falhas foram reveladas para a Global Media – dona do Diário de Notícias e Jornal de Notícias –, a Trust in News – dona da Visão -, a Inevitável e Fundamental – dona do Polígrafo -, Observador on Time – dona do Observador – e a Parem as Máquinas – dona do Tal&Qual.

    Num caso absurdo relacionado com a atribuição de confidencialidade sobre informação da IURD – onde, na sua deliberação, a ERC recusava revelar a que indicadores diziam respeito, embora mantivesse os dados financeiros omissos no Portal da Transparência dos Media -, o regulador chegou a apresentar uma queixa à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) contra o director do PÁGINA UM. O Secretariado desta entidade liderada pela jornalista Licínia Girão decidiu então instaurar um processo disciplinar, que viria entretanto a ser arquivado.


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  • Em tempos de crise, Global Media paga luxos e usa ‘expedientes’ para beneficiar administradores

    Em tempos de crise, Global Media paga luxos e usa ‘expedientes’ para beneficiar administradores

    Apesar de ainda há poucas semanas ter havido ordenados em falta e com as contas anuais a baterem bem no vermelho (serão mais 7,2 milhões de euros de prejuízos em 2023), e sem se vislumbrar futuro para alguns dos seus títulos da imprensa, a Global Media vai fazendo ‘vida de rica’. Para pagar ordenados de 14.700 euros aos membros da sua Comissão Executiva, o grupo de media concedeu que aqueles usassem as respectivas empresas, de modo a não pagar directamente IRS e Segurança Social. A empresa do CEO, Vítor Coutinho – ex-vice-reitor do Santuário de Fátima – foi criada em Julho do ano passado sobretudo para comercializar produtos não-alimentares e alimentares, incluindo compotas, e outros artigos, como loiças de porcelana. Também polémicas, por se estar em tempos de ‘vacas magras’ – que já duram mais do que os bíblicos sete anos neste grupo de media –, têm sido algumas despesas pessoais assumidas pela empresa em nome dos accionistas. Um dos casos é o pagamento de quase 11 mil euros de uma longa estadia em hotel de luxo em Lisboa e de uma viagem ao Dubai a um dos accionistas e agora administrador, José Pedro Soeiro.


    Os três membros da Comissão Executiva da Global Media, o topo do Conselho de Administração deste grupo de media, estão afinal a ser pagos como consultores através das suas próprias empresas. O expediente, embora legal, permite assim poupanças fiscais em IRS e no pagamento de taxas à Segurança Social, mas também um regime mais flexível em caso de dispensa de funções desses administradores por parte dos accionistas. Como prestadores de serviço, à factura mensal, não haverá indemnizações em caso de serem demitidos.

    De acordo com facturas de pagamento a que o PÁGINA UM teve acesso, cada um destes membros da Comissão Executiva está a cobrar por mês 14.760 euros, um valor substancialmente superior ao que era praticado nas anteriores administrações, incluindo a de José Paulo Fafe durante o curto controlo da Global Media pela World Opportunity Fund. Contas feitas, a Comissão Executiva custará cerca de meio milhão de euros por ano, numa empresa que apresentará um prejuízo de 7,2 milhões de euros em 2023. No entanto, por via de se optar por pagamentos de consultoria, a ‘factura’ para a Global Media reduzir-se-á, em princípio, em cerca de 100 mil euros, a verba de IVA que poderá ser deduzida.

    Global Media: depois da crise supostamente causada por um fundo das Bahmas, regressam as mordomias da administração, apesar dos prejuízos de 7,2 milhões de euros em 2023.

    O caso dos pagamentos ao presidente da Comissão Executiva, Vítor Coutinho, é muito sui generis. Antigo vice-reitor do Santuário de Fátima, Coutinho pediu a dispensa das obrigações do estado clerical e do celibato que lhe foi concedido em 19 de Março de 2021. Entretanto, casou com Aline Jorge Venâncio, com quem criou, em Julho do ano passado, a empresa Sunbow, com divisão de quotas. É através desta empresa que Vítor Coutinho está a ser pago. De início, a Sunbow tinha no seu objecto social previstas “actividades de consultoria para os negócios e a gestão” e também “actividades de relações públicas e comunicação”, mas estas partes encontravam-se no fim de uma vasta lista.

    No topo das actividades do objecto social da empresa sedeada em Leiria estava o comércio a retalho por correspondência, via internet ou em banca de bebidas, tabaco e produtos não-alimentares e alimentares, entre os quais, explicitamente, “conservas, mel, doces, compotas, sobremesas, chocolates, pastelaria, queijo, produtos preparados à base de carne, temperos e condimentos, chá, café, pão, fruta e produtos hortícolas, frescos e conservados”, bem como “suplementos alimentares e outros produtos naturais e dietéticos com fins alimentares”, não esquecendo também “ artigos em louça em porcelana, barro, vidro, metal e outros artigos para uso doméstico”. Também está prevista a venda a “retalho de produtos cosméticos e de higiene”, e a gestão de livrarias, cafés, pastelarias e casas de chá.

    Somente numa alteração ao contrato de sociedade em Outubro do ano passado se mudou completamente o foco da Sunbow, passando a dar destaque à “consultoria, orientação e assistência operacional a empresas, a organismos ou pessoas em matérias muito diversas, tais como: planeamento, organização, controlo, informação e gestão; reorganização de empresas e instituições; gestão documental; documentação de conformidade (políticas, normas, procedimentos); gestão de recursos humanos; relações públicas; comunicação e assessoria de imprensa”, além de “consultoria científica na área das ciências humanas, nomeadamente em bioética, ética empresarial e diversos âmbitos da ética aplicada”, entre outras actividades congéneres. A parte do comércio a retalho por internet, correspondência ou outros meios não físicos passou para uma parte secundária. Por ser bastante recente, ignora-se ainda a sua facturação, sendo que o seu capital social é de apenas 2.000 euros.

    O ex-reitor do Santuário de Fátima, Vítor Coutinho, actual CEO da Global Media, pensou em Julho entrar no negócio de venda de produtos alimentares e não-alimentares, e criou com a mulher a Sunbow. Agora, usa esta empresa para receber como mero consultor, cobrando 12 mil euros mais IVA.

    Em relação a Diogo Queiroz de Andrade – que mantém a sua carteira profissional de jornalista activa, apesar de exercer exclusivamente funções de administração –, as facturas como administrador da Global Media estão a ser passada em nome da sua empresa Vitri Unipessoal, criada em 2009. Neste caso, o objecto social é a   “prestação de serviços, consultoria, produção de informação e entretenimento na área da comunicação social; conteúdos multimédia portais web e produção televisiva”. Queiroz de Andrade, que chegou a ser director-adjunto do Público – e demitido em 2018 pela administração, o que fez cair o então director David Dinis – ocupava, antes da sua ascensão à Comissão Executiva da Global Media, o cargo de director de inovação, facturando também, segundo documento consultado pelo PÁGINA UM, através da Vitri Unipessoal, mas o valor era substancialmente inferior (6.150 euros com IVA). Agora, Queiroz de Andrade mais que duplicou o seu salário.

    Por fim, a factura mensal também de 14.760 euros (com IVA) para pagamento ao terceiro membro da Comissão Executiva, Rui Rodrigues, tem sido passada pela empresa Add On – Digital Media. Com a Mol 2 – que recentemente viu a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa conceder-lhe um contrato de 600 mil euros –, a Add On teve origem numa sociedade em que Rui Rodrigues entrou como sócio em parceria com uma empresa por ele detida que entretanto foi encerrada e se dissolveu. No caso da Mol 2, a empresa extinta era a Mol. No caso da Add On, a empresa extinta era a Mobbit Systems.

    Além deste expediente de pagamento à Comissão Executiva da Global Media em época de grande crise – e num grupo de media com mais de 8 milhões de euros ao Estado –, também questionáveis têm sido alguns dos gastos dos accionistas e dos administradores na época pós-fundo das Bahamas.

    Incerteza quanto ao futuro de alguns dos títulos da Global Media mantém-se.

    Um dos exemplos mais flagrantes foi o pagamento por parte da Global Media de uma longa estadia do accionista José Pedro Soeiro num hotel de luxo no centro de Lisboa, para além de uma passagem aérea de ida e volta para o Dubai. Com ligações e residência a Angola, José Pedro Soeiro tem 20,4% do capital social da Global Media – que acumula prejuízos de quase 50 milhões de euros desde 2017 – e decidiu que a sua permanência no Hotel Martinhal Lisboa entre 22 de Janeiro e 28 de Fevereiro desta ano fosse integralmente paga pela empresa de media.

    Não foram meia dúzia de tostões que custou esta estadia em pleno Chiado com vista para o Tejo: pelas 37 noites no hotel de 5 estrelas, a Global Media desembolsou 9.259,73 euros, ou seja, tendo a factura subido para quase 11 mil euros por via da viagem ao Dubai que custou quase 1.700 euros. O PÁGINA UM sabe que havia uma opção mais em conta, uma vez que, segundo se apurou, existe uma parceria entre este grupo de media e os hotéis Vila Galé. A aprovação para este pagamento da conta de José Pedro Soeiro foi feita depois de este accionista ter reocupado o cargo de administrador da Global Media em 19 de Fevereiro.


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  • Chuva de milhões em publicidade: ‘Isto é a Santa Casa da Misericórdia’ (de Lisboa)

    Chuva de milhões em publicidade: ‘Isto é a Santa Casa da Misericórdia’ (de Lisboa)

    Envolta em polémicas com investimentos ruinosos no Brasil, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa pode, ironicamente, servir para livrar da ruína algumas empresas de media em Portugal. Nas últimas semanas, o PÁGINA UM detectou 19 contratos (inéditos no Portal Base) com empresas de media e de marketing digital que totalizam, por agora, mais de 5,5 milhões de euros. Quem, por agora, mais festeja é a Global Media, que vai receber 820 mil euros em publicidade até ao final do ano. E um dos seus administradores, Rui Rodrigues (conhecido por ‘Piratinha do Ar’), encaixará mais 600 mil euros por via de uma empresa de marketing que detém. A SCML não respondeu às questões do PÁGINA UM, ignorando-se assim os critérios para a definição dos montantes e sobretudo das empresas escolhidas, entre as quais está una rádio de Luís Montez, que integra a Música no Coração, sem contas apresentadas em 2022 e que no ano anterior estava em falência técnica com capitais próprios negativos de 6,2 milhões de euros. Para a imprensa, este ano a SCML vai mesmo ser ‘a santa casa da misericórdia’.


    No meio de convulsões relacionadas com o fiasco do projecto de internacionalização de jogos no Brasil – com prejuízos que podem ultrapassar os 50 milhões de euros –, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) decidiu dar uma «mãozinha” um restrito número de grupos de empresas de media e de comunicação, garantindo-lhes receitas publicitárias de mais de 5,5 milhões de euros em campanhas a desenvolver durante este ano. De acordo com o Portal Base, a plataforma da contratação pública, é a primeira vez que esta instituição usa este modelo.

    Embora a provedoria da SCML, liderada por Ana Jorge, não tenha respondido a um conjunto de questões do PÁGINA UM, no último mês foram celebrados 19 contratos de serviços de publicidade no valor totak de 4.496.400 euros, o que incluindo IVA faz disparar a factura para cima dos 5,5 milhões de euros. De entre as empresas beneficiadas, encontram-se oito empresas que trabalham sobretudo em marketing digital, sendo que a Mol 2 será a que mais receberá (600 mil euros). Esta empresa de publicidade e marketing é detida por Rui Manuel da Costa Rodrigues, actual administrador da Global Media (dona do Diário de Notícias e Jornal de Notícias), que ficou conhecido como ‘Piratinha do Ar’, depois de em 1980, aos 16 anos, ter desviado um avião da TAP para Madrid.

    Ana Jorge, ao centro, provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

    Com um pouco menos vão ficar a Quinta Avenida (525 mil euros). As restantes empresas de marketing beneficiadas pela SCML – ignorando-se porque foram estas estas as escolhidas e não outras – são a Netscreen (250 mil euros), a Kwanko (130 mil euros), a Filomena Moreira Lda. e a ADF Network (100 mil euros, cada), a Clickprofit (60 mil euros) e a Azerion Portugal (50 mil euros)

    Quantas às empresas de media, sem se conhecer também as razões da escolha e sobretudo os montantes, a principal beneficiada é a sucursal portuguesa do grupo alemão Bauer Media, dona da Rádio Comercial, M80, Cidade FM, Smooth FM e Batida FM. Prometidas estão, desde já, 766 mil euros em publicidade aos jogos da SCML.

    Contudo, em termos de grupo de media é a Global Media que pode ‘gritar bingo’. Directamente para o grupo liderado por Marco Galinha, que vive uma situação financeira catastrófica, a SCML vai entregar publicidade no valor de 560 mil, mas pode também incluir mais 260 mil euros a receber da sua subsidiária Rádio Notícias, que gere a TSF. Deste modo, a Global Media encaixará da instituição liderada pela antiga ministra socialista da Saúde um total de 820 mil euros. E então o seu administrador Rui Manuel da Costa Rodrigues só pode tecer loas, por via das verbas a receber da Mol 2.

    A distribuição da maior fatia à Global Media não deixa de surpreender ainda mais tendo em conta também a circulação dos seus principais diários, mesmo incluindo a componente digital. Por exemplo, a Impresa ‘só’ vai receber 350 mil euros. Este montante incluirá, em princípio, apenas os títulos da imprensa escrita, uma vez que a SIC é gerida por uma empresa própria. Como a SCML não quis revelar se houve mais contratos ainda não publicados no Portal Base, ignora-se se o grupo de media fundado por Pinto Balsemão terá mais razões para agradecer a bondade da SCML.

    Também por agora não se sabe se a componente de publicidade televisiva irá beneficiar os canais da Media Capital, designadamente a TVI e a CNN Portugal. O único contrato já celebrado entre a SCML e o grupo liderado por Mário Ferreira envolve a Media Capital Digital, que é proprietária da TVI Player (serviço audiovisual a pedido) e os sites noticiosos MaisFutebol, Away Magazine e V Versa por outro lado. Daqui já ficam garantidos até ao fim do ano 300 mil euros.

    De modo algo surpreendente, sobretudo pelo fraco alcance da rádio em questão e por envolver indirectamente uma empresa com dívidas ao Estado, é o contrato para publicidade que a SCML celebrou com a empresa da Rádio Amália, que envolve o pagamento de 176.800 euros, que representa 40% dos rendimentos que obteve em 2022. Esta empresa – a Rádio Nova Loures – pertence a Luís Montez, através da Música no Coração que, como o PÁGINA UM já revelou, nem apresentou contas em 2022, estando no ano anterior com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros.

    Luís Montez saiu-se duplamente beneficiado neste selecto grupo de adjudicatários para prestação de serviços de publicidade á SCML. Com efeito, a SIRS – a empresa que detém a Rádio Nova, onde ele possui 25% do capital, sendo que outro tanto é de Álvaro Covões e 50% pertence ao Público – vai receber até ao final do ano por serviços de publicidade um total de 62.400 euros.

    Marco Galinha, chairman da Global Media. Para a empresa em dificuldades económicas, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vai mesmo ser ‘a santa casa da misericórdia’ entregando 820 mil euros em publicidade até ao final de 2024.

    Quem também não se pode queixar é a Observador on Time, dona do jornal digital Observador e da Rádio Observador, que conseguiu um contrato de publicidade no valor de 151.200 euros. Qual a razão para os contratos destas duas últimas empresas não estarem arredondados aos milhares de euros é uma incógnita, tal como se ignora a formação de preços. E também a escolha dos outros órgãos de comunicação social que ficaram, porém, apenas com migalhas.

    Assim, a Time Out só vai ver 20 mil euros em publicidade da SCML, enquanto a Newsplex (proprietária do i e do Sol) e a Parem as Máquinas (proprietária do Tal&Qual) se terão de contentar com 15 mil euros, cada, mesmo assim mais do que a Multipublicações – proprietária da Marketeer e da Executive Digest, entre outros títulos –, a quem se destinou 5.000 euros. O PÁGINA UM vai continuar a acompanhar este assunto, até para confirmar se as empresas de televisão e a Medialivre (dona do Correio da Manhã e da CMTV) foram excluídas deste pacote, bem como os órgãos de comunicação social regional. Saliente-se que a Lei da Publicidade Institucional do Estado prevê que as entidades devem investir em “órgãos de comunicação social regionais e locais uma percentagem não inferior a 25% do custo global previsto de cada campanha de publicidade institucional do Estado de valor unitário igual ou superior a 5.000 euros”.


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  • Jornal Público aceita truque contratual para financiar notícias de ambiente ‘prêt-à-porter’

    Jornal Público aceita truque contratual para financiar notícias de ambiente ‘prêt-à-porter’

    A troco de mais 90 mil euros, o jornal Público repetiu a dose: disponibiliza-se, pelo segundo ano consecutivo, a fazer obrigatoriamente 26 artigos jornalísticos na secção ambiental Azul sobre as actividades da Biopolis, um consórcio da Universidade do Porto, da Porto Business School e da Universidade francesa de Montpellier. Apesar de o Público jurar independência, nos contratos ainda é usado um truque de legalidade duvidosa. Como a Biopolis está abrangida pelo Código dos Contratos Públicos, e não poderia entregar 90 mil euros ‘à Lagarère’, tem-se usado uma norma de excepção para fundamentar ajustes directos alegando-se estarem em causa direitos de propriedade intelectual apenas detidos pelo Público. Ora, muito estranhos serão esses “direitos intelectuais”, uma vez que os artigos nem sequer foram ainda escritos.


    Pelo segundo ano consecutivo, o jornal Público celebrou um contrato de prestação de serviços com a Associação Biopolis com a obrigação de publicar “26 (vinte e seis) artigos editoriais” sobre projectos na área do ambiente e sustentabilidade deste consórcio da Universidade do Porto, da Porto Business School e da Universidade francesa de Montpellier.

    A troco de 90 mil euros, o Público tem também a obrigação de formar um cientista, contratualmente ligado á Biopolis, “no domínio da actividade jornalística, através da sua integração na equipa editorial do AZUL”, a secção de ambiente deste jornal, “na qualidade de jornalista estagiário”. Tal como no ano passado, onde também recebeu 90 mil euros, o contrato garante a independência editorial, apesar da gestão do contrato ser seguida, no Público, pelo responsável da Área Financeira e Circulação.

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    Além das questões deontológicas na criação de um ‘pronto-a-vestir noticioso” – onde entidades externas têm, pelo menos, o poder expresso de indicar o número mínimo de notícias sobre determinados temas que disponibilizam numa espécie de menu, obrigando contratualmente o jornal a publicar –, o contrato celebrado entre as partes por ajuste directo fundamenta-se numa norma do Código dos Contratos Públicos que merece muitas dúvidas legais.

    Com efeito, mesmo sendo uma associação científica de direito privado, a Biopolis está abrangida pelas normas da contratação pública, pelo que para um contrato desta natureza e para este montante (90 mil euros) seria necessário abrir um concurso ou então encontrar uma excepção no Código dos Contratos Públicos. Ora, sucede que o Público – que integra o universo da imprensa que tem como funções detectar ‘truques’ nas contratações públicas – aceitou que o ajuste directo se fundamentasse numa excepção que dificilmente se encaixa nos serviços que os seus jornalistas serão obrigados a prestar para cumprir o contrato pecuniário com a Biopolis.

    Para a escolha do ajuste directo, a Biopolis e a empresa gestora do Público – a Público Comunicações, do Grupo Sonae – consideraram que os serviços em causa (publicar 26 artigos jornalísticos, ainda não escritos, e formar um jornalista – “só podiam ser confiad[o]s” ao Público, uma vez que se seria “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Esta norma de aplicabilidade absurda neste tipo de serviços – não apenas por haver mais entidades capazes de escrever 26 artigos jornalísticos como por não se poder considerar a existência de “propriedade intelectual” para textos ainda não escritos – já havia sido usada no ano passado para mais um contrato similar de 90 mil euros.

    David Pontes, director do Público.

    Estes dois contratos servem, na verdade, para enquadrar, de forma pouco ortodoxa, o desejo de a Biopolis apoiar o AZUL, projecto editorial do Público nascido em Abril de 2022 apresentado então como modelo de jornalismo independente dedicado em exclusivo ao Ambiente. Como não pode, como sucede com uma empresa privada, fazer um patrocínio directo, enquadrar tudo num contrato de prestação de serviços com um objecto concreto (destacando-se os 26 artigos) foi o ‘truque’ escolhido.

    Desde a sua fundação, integrado na edição digital do Público, os responsáveis do Azul diziam, no respectivo estatuto editorial, ser um projecto de jornalismo de causas ambientais – com a biodiversidade, a sustentabilidade e a crise climática como bandeiras –, e que, estando aberto à sociedade civil, contava “com o apoio de parceiros comprometidos com agenda do ambiente para financiar a sua equipa e a sua operação”.

    Na linha da frente, como parceiros, foram então destacadas quatro entidades: a Fundação Calouste Gulbenkian, a Biopolis , a Lipor – a empresa pública de tratamento de resíduos do Grande Porto, cuja central de incineração é um dos focos mais importantes de emissão de dioxinas em Portugal – e a Sociedade Ponto Verde – uma das empresas gestoras de resíduos de embalagem.

    Para garantir a execução do Azul, a direcção editorial do Público – então comandada por Manuel Carvalho – destacou, além de duas experientes jornalistas da área da Ciência, como editoras (Teresa Firmino e Andrea Cunha Freitas), uma equipa de 10 pessoas, das quais seis jornalistas, o que implicaria a impossibilidade de elaboração de conteúdos comerciais ou a subordinação a entidade externas.

    Porém, apesar de o Público ter garantido que o Azul seguiria “um modelo de cooperação e mecenato cada vez mais frequente em projectos jornalísticos na Europa e nos Estados Unidos”, e que “os parceiros e o jornal reconhecem que uma condição crítica para o sucesso” deste projecto editorial “passa[ria] pela transparência e pelo respeito integral das regras profissionais e deontológicas do jornalismo consagradas na lei”, a realidade mostra-se bem diferente.

    Em Outubro do ano passado, numa missiva de direito de resposta, ao abrigo da Lei da Imprensa, em sequência de anterior artigo do PÁGINA UM, o director do Público, David Pontes, garantia que a secção Azul e o seu jornal “pautam-se pela total transparência na relação com os seus parceiros, não tendo qualquer problema em revelar os contratos que firmam com eles, o que irão fazer muito em breve em local próprio”. O “muito em breve” prolonga-se até agora, e pelo menos no local próprio – a secção do AZUL – não há o mínimo sinal dos termos das parcerias nem de valores de patrocínios das outras três entidades assumidamente identificadas: Fundação Calouste Gulbenkian, Lipor e Sociedade Ponto Verde.

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    Com efeito, embora ainda sejam desconhecidos os protocolos com três dos alegados mecenas conhecidos do Azul – apesar de solicitados pelo PÁGINA UM à direcção editorial do Público –, sabe-se agora que a Biopolis fez afinal um contrato de prestação de serviços com a administração do jornal, pelo menos no período compreendido entre Março e Agosto deste ano.

    Tal como referia o contrato do ano passado, este agora assinado na passada terça-feira também garante total independência jornalística e salienta que os textos alvo da prestação de serviços serão identificados com a referência “promovido por BIOPOLIS”. Mas se for como o contrato de 2023, esta promessa no contrato deste ano será ‘para inglês ver’: se se pesquisar no Google por essa expressão o único resultado é a notícia do PÁGINA UM de Junho do ano passado que explicitava essa ‘promessa’ contratual, o que coloca em causa a própria concretização de um contrato público.


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  • Global Media está à beira do colapso

    Global Media está à beira do colapso

    O PÁGINA UM teve acesso às contas preliminares do ano passado da Global Media, apresentadas ao accionistas em Fevereiro passado, e o cenário é mais do que negro: prejuízos de 7,2 milhões de euros, quebra de receitas de quase 10% e uma contínua ‘vampirização’ dos activos que continuam a minguar sem parança, estando suportados numa perigosa engenharia financeira, que agora usa o goodwill como principal valor. O grupo de media, que se prepara para ‘transferir’, sem se saber em que condições, o Jornal de Notícias e a TSF para uma empresa recém-criada por empresários do Norte, já nem crédito na banca tem e sobrevive com ‘calotes’ aos fornecedores, dívidas ao Estado e empréstimos das suas subsidiárias e dos accionistas. A culpa está longe de ser do World Opportunity Fund, embora a instabilidade nos três meses que durou o ‘mandato’ de José Paulo Fafe como CEO do grupo de media não ajudou nada.


    A Global Media está à beira do colapso. As contas preliminares de 2023 deste grupo de media, que foram apresentadas aos accionistas activos do grupo (Marcos Galinha, Kevin Ho e José Pedro Soeiro) na Assembleia Geral em 19 de Fevereiro, a que o PÁGINA UM teve acesso, mostram um cenário económico aterrador e revelam também algumas práticas de ‘engenharia financeira’ em anos anteriores. E permitem também concluir que o agravamento da situação financeira, já bastante visível nos meses anteriores ao breve controlo da Global Media pelo World Opportunity Fund (que se iniciou em Setembro de 2023), ainda se intensificou com a suspensão da conta caucionada pelo Banco Atlântico que causou um colapso de tesouraria, atrasando o pagamento de salários e subsídio de Natal aos trabalhadores. Só este estranho ‘episódio’ – ademais sabendo-se que o presidente da Assembleia Geral da Global Media e do Banco Atlântico é a mesma pessoa – provocou um impacto negativo de 588 mil euros.   

    Mas não foi essa, obviamente, a causa do descalabro de um grupo de media que soma agora, desde 2017, prejuízos acumulados de 50 milhões de euros. O ano passado contribui com mais 7,2 milhões de euros, o pior ano desde a era Galinha.

    Marco Galinha, chairman da Global Media, ao lado de Marcelo Rebelo de Sousa.

    Os rendimentos, sobretudo vendas e serviços prestados, deste grupo de media – que tem o Jornal de Notícias, Diário de Notícias, O Jogo e a TSF como principais órgãos de comunicação social – decaíram 9% face a 2022, tendo-se situado nos 28,5 milhões de euros. Porém, comparando com 2019 – ano anterior à entrada do empresário Marco Galinha, que se mantém como chairman do grupo –, os rendimentos de 2022 registam uma queda de quase 24%.

    Em contraste, ou em consequência, o processo de ‘vampirização’ da Global Media continua, com os activos a minguarem. Confrontando também com 2019 – antes de Marco Galinha ter comprado por 4 milhões de euros as participações então detidas pelo BCP e Novo Banco –, a Global Media viu perder 23,5 milhões de euros em activos, com a agravante de grande parte desse montante (quase 30,5 milhões de euros) ser de valor real duvidoso por ser ‘goodwill’.

    Só no ano passado, face a 2023, os activos diminuíram 7,3 milhões de euros, dos quais 6,7 milhões desde a entrada do World Opportunity Fund no controlo do grupo de media. Mas em abono da verdade esse descalabro não se pode atribuir ao polémico e curto ‘mandato’ de José Paulo Fafe. Cerca de 1,7 milhões de perda de activos resultou da assumpção das perdas de negócios ruinosos ainda do tempo de Joaquim Oliveira. A Global Media, no relatório preliminar, diz que “a diminuição verificada de 1,966 M€ [milhões de euros] deve-se ao write off [redução do valor reconhecido] das participações acessórias na GM Macau (1,245 M€) e Tagus Media (721 K€), acrescentando que “foram também reconhecidas perdas de imparidade referentes aos valores a receber destas entidades no valor total de 734 K€”. Ou seja, tudo somado, este negócio na área do jogo online causou um impacto total negativo de 2,7 milhões de euros. Acrescem também perdas assumidas na participação na Açormedia – que publica o Açoriano Ocidental – de 747 mil euros.

    José Paulo Fafe foi CEO da Global Media entre Setembro do ano passado e finais de Janeiro deste ano.

    Por outro lado, a Global Media vendeu também a sede do antigo jornal Ocasião por 900 mil euros, que até originou uma mais valia contabilística de 430 mil euros, mas, sabe o PÁGINA UM, este terá sido um negócio onde foi Marco Galinha a entrar com o investimento, pelo que servirá, em princípio, para amortizar os empréstimo que o dono do Grupo Bel tem concedido ao grupo de media.

    Um outro impacto desfavorável no balanço de 2023 tem a ver com um ‘truque contabilístico’ usado no ano anterior. A gestão de Marco Galinha decidiu colocar cerca de 2 milhões de euros no balanço de 2022 como “activos por impostos diferidos”, que basicamente são as quantias de impostos sobre o rendimento recuperáveis em períodos futuros, designadamente reporte de perdas fiscais não utilizadas. Porém, contabilisticamente, essa valorização apenas se pode assumir se os prejuízos de um determinado ano forem conjunturais, o que está longe de ser o caso da Global Media.

    Assim, no relatório preliminar diz-se que “foram desreconhecidos os activos por impostos diferidos relacionados com o reporte de prejuízos por não se encontrarem reunidas as condições previstas no normativo contabilístico para o seu reconhecimento, nomeadamente a ausência de um plano de negócios que preveja a existência de lucros tributáveis futuros que possam ser compensados com esses prejuízos”. Ou seja, a própria Global Media admite que os prejuízos são para continuar.

    Práticas de ‘engenharia financeira’ escondem situação de colapso da Global Media, que pode ainda acelerar se ‘venda’ do Jornal de Notícias e de outros títulos mantiverem o actual passivo.

    Porém, até é pelo lado do passivo que se mostra que a Global Media está presa por arames, e também uma parte do dinheiro dos accionistas. De acordo com a lista discriminada dos detentores do passivo, o Estado surge em destaque com um crédito de 8,3 milhões de euros. A Global Media está abrangida por um regime excepcional de regularização tributária (RERT), mas ignora-se ainda os critérios da sua aplicação, sendo certo que a dívida ao Estado diminuiu quase 2 milhões de euros no ano passado quando em 2022 tinha aumentado cerca de 7 milhões.

    Não é apenas o Estado que tem a perder com o descalabro da Global Media. Além do investimento no capital próprio, os accionistas fizeram empréstimos que já totalizam 11,6 milhões de euros, sendo que 1,5 milhões vieram de Kevin Ho, um pouco mais de 1,6 milhões de José Pedro Soeiro e 8,5 milhões da Páginas Civilizadas, onde se insere o investimento do World Opportunity Fund. O fundo das Bahamas terá feito um empréstimo à Global Media a partir de Setembro do ano passado de cerca de 2,3 milhões de euros, e esta será uma das questões que está a dificultar a sua saída do negócios dos media em Portugal, após a suspensão dos direitos decretada no mês passado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

    Além dos empréstimos dos accionistas, uma empresa subsidiária, a Naveprinter, viu-se na contingência de emprestar dinheiro à ‘mãe’. A dívida da Global Media á Naveprinter totalizava no final do ano passado quase 6,7 milhões de euros, um crédito que, a não ser pago, colocará a empresa de impressão de jornais em maus lençóis. A Naveprinter – que em 2022 e 2023 acumulou prejuízos de 1,2 milhões de euros – tem mais de metade do seu activo ‘empatado’ com o empréstimo à Global Media. Ou seja, se a ‘mãe’ cair, logo a seguir cai a ‘filha’.

    Naveprinter: gráfica da Global Media tem metade do seu activo como empréstimo à ‘mãe’.

    Também outra pequena empresa do grupo de media, a Notícias Direct, teve também de emprestar dinheiro, cerca de um milhão de euros, sendo bem demonstrativo das dificuldades que a Global Media tem em aceder ao crédito bancário, que neste momento é de apenas 312 mil euros, ou seja, 0,7% de todo o passivo.

    Quanto a dívidas ao fornecedores, o montante ultrapassava no final de Dezembro os 7,2 milhões de euros, a que acresciam mais 6,5 milhões de euros na rubrica ‘outras contas a pagar’. Uma outra rubrica relevante no passivo referem-se a contratos de locação cuja dívida ultrapassa os 1,9 milhões de euros.

    Neste contexto, maiores sombras se colocam na própria existência da Global Media caso se avance, sem contemplar a assumpção do passivo, com a venda dos títulos ainda lucrativos do grupo, tal como o Jornal de Notícias, porque tal vai representar uma saída de receitas significativas.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário da actual administração da Global Media, sem sucesso.


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  • 15 jornalistas quiseram ser ‘salvos’ pelo Papa Francisco

    15 jornalistas quiseram ser ‘salvos’ pelo Papa Francisco

    Se a coragem e responsabilidade são apanágios da profissão de jornalista, recentemente houve 15 profissionais com esta carteira que preferiram jogar pelo seguro e ‘escapar’ de responsabilidades ou dos incómodos de uma defesa contra acusações injustas. E assim aproveitaram a visita do Papa Francisco para se livrarem de processos disciplinares, através da Lei da Amnistia. Quem são, não se sabe, porque a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que revelou sempre os nomes dos visados, mesmo quando foram ilibados, os mantém agora em segredo. No entanto, na lista de potenciais beneficiados pela ‘benção papal’ terá havido quatro jornalistas alvo de processos disciplinares que recusaram receber qualquer benesse, mantendo a sua defesa. Um desses processos, ainda em curso, visa o director do PÁGINA UM por um queixa accionada pelo almirante Gouveia e Melo.


    Quinze jornalistas portugueses decidiram aproveitar a amnistia papal para se livrarem de processos disciplinares, mas os seus nomes estão a ser intencionalmente escondidos pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), liderada por Licínia Girão. É a primeira vez que esta entidade com funções disciplinares não revela a identidade dos visados em processos concluídos, mesmo quando estes acabam arquivados por se provar não ter havido qualquer violação ao Estatuto do Jornalista.

    Recorde-se que no âmbito da visita do Papa Francisco a Portugal para a Jornada Mundial da Juventude, no Verão passado, a Assembleia da República concedeu amnistias  para as “sanções penais relativas aos ilícitos praticados até às 00:00 horas de 19 de Junho de 2023, por pessoas que [tivessem] entre 16 e 30 anos de idade à data da prática do facto”, com excepções em função da tipologia do crime, bem como as sanções acessórias relativas a contraordenações e infracções disciplinares  civis e militares até àquela data, desde que, nestes últimos casos, não houvesse ilícitos penais em causa.

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    Contudo, a amnistia não era automática, podendo o arguido recusar que essa benesse lhe fosse aplicada, de modo a evitar que ficasse a dúvida sobre uma eventual conduta que apenas não acabara a uma sanção por via desse ‘perdão’. Aliás, o director do PÁGINA UM – alvo de um processo disciplinar, por queixa do almirante Gouveia e Melo, que decorre desde Maio do ano passado sem sequer ser deduzida acusação – foi ‘convidado’ a aceitar a amnistia papal em Dezembro passado, mas informou a secção disciplinar da CCPJ que se opunha. E salientava que “como não necessito de amnistias para defender, como jornalista, o meu trabalho que, ainda mais neste caso em concreto, reputo de rigoroso e pertinente, não poderia jamais aceitar que a CCPJ pudesse deixar no ar qualquer dúvida sobre essa matéria, pelo que aguardava com interesse a finalização da instrução do processo disciplinar”. Saliente-se que as notícias do PÁGINA UM que visaram o actual Chefe de Estado-Maior da Armada estão ainda a ser investigadas pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde.

    Distinta opção tiveram outros 15 jornalistas, que jogaram pelo seguro, aceitando a amnistia – que não é uma absolvição, pois simplesmente anula a existência do acto suspeito de ser ilícito. De acordo com uma listagem no site da CCPJ, relativamente a alegadas infracções do ano de 2022 foram amnistiados os processos disciplinares 5/2022, 6/2022, 7/2022, 8/2022/9/2022, 10/2022 e 11/2022, enquanto para o ano de 2023 receberam ‘perdão’ os processos 2/2023, 3/2023, 4/2023, 5/2023, 6/2023, 7/2023, 8/2023 e 10/2023. Tendo em conta que tinham sido decididos entretanto dois processos abertos em 2022 (processo 1/2022 e 2/2022), em princípio cinco jornalistas terão recusado receber amnistia.

    Ao contrário da norma aplicada por todas as entidades abrangidas pelo Código do Processo Administrativo, o organismo que gere os títulos e a disciplina dos jornalistas tem pautado a sua conduta pela falta de transparência. Por esse motivo, ignora-se quem foram os jornalistas que, sendo alvo de processos disciplinares, preferiram não assumir as consequências ou não se quiseram dar ao incómodo de se defenderem condigna e corajosamente de acusações injustas.

    Com efeito, apesar de em todos os anos anteriores surgir a listagem dos processos disciplinares concluídos com a respectiva decisão – que, em muitos casos, é o arquivamento –, pela primeira vez a CCPJ, presidida por Licínia Girão, decidiu esconder os nomes ‘benzidos’ pela amnistia do Papa Francisco. Em todo os processos apenas é indicado o número, o objecto – ou seja, a alegada violação do Estatuto do Jornalista – e a seguinte frase: “A SD [Secção Disciplinar] deliberou, por unanimidade, declarar extinta, por amnistia, o processo disciplinar [número] e, em consequência determinar o arquivamento dos presentes autos (Lei de Perdão de Penas e Amnistia de Infrações, Lei n.º 38-A/2023, de 2 de Agosto)”.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos à CCPJ e à sua presidente, Licínia Girão, sobre as razões para esconder o nome dos beneficiados pela amnistia, e para confirmar o número exacto de jornalistas que a recusaram. Não foi dada qualquer resposta. O PÁGINA UM pondera recorrer à Lei do Acesso aos Documentos Administrativos para aceder aos processos concluídos por via da aplicação da amnistia, mesmo se se mostra absurdo de ter usar esse método contra o obscurantismo numa entidade pública que, na verdade, integra oito jornalistas.


    N.D. Jamais concebi, como jornalista, beneficiar de qualquer amnistia para ‘apagar’ qualquer erro que possa cometer no exercício das minhas funções profissionais, nem aceitaria que ficassem quaisquer dúvidas sobre a minha conduta que me impossibilitasse a cabal defesa do meu trabalho. Cada um é como é, mas há uma ética no jornalismo que não está sequer escrito no Estatuto do Jornalista nem nas ‘linhas orientadoras’ corporativistas da CCPJ. Aliás, a CCPJ acabou de arquivar – e bem, até por não lhe restar outra alternativa – um processo disciplinar contra mim (por iniciativa da sua presidente coadjuvada por outros dois membros do Secretariado) no decurso de uma iniciativa da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Escrevi sobre essa matéria quando me abriram o processo, agora arquivado. Também convidei a CCPJ a abrir-me um processo disciplinar depois de a sua presidente Licínia Girão ter conseguido um ‘parecer de favor’ do lastimável Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas por causa de artigos que escrevi sobre ela. A senhora presidente da CCPJ não teve sequer coragem de abrir-me um processo para tirar tudo a limpo, e o mais caricato é terem andado meses a ‘fugir’ de uma resposta até alegarem a Lei da Amnistia para não abrirem o processo. Obviamente, uma patetice, porque só arquivamento somente seria possível se houvesse processo aberto e não houvesse oposição para amnistiar. Quanto à não divulgação dos nomes dos 15 amnistiados: enfim, a questão da falta de transparência em Portugal é algo que está enraizado até no jornalismo, por isso se anda a cultivar tanto esse predicado.

    Pedro Almeida Vieira


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  • Secretário de Estado da Presidência ‘meteu’ empresa de media em falência técnica

    Secretário de Estado da Presidência ‘meteu’ empresa de media em falência técnica

    Nos últimos seis anos, além de gestor em empresas do sector têxtil, o vimaranense Rui Armindo Freitas, empossado ontem como secretário de Estado-adjunto e da Presidência, tem estado ligado a empresas de media. Teve mesmo de abandonar agora a administração da Media Capital, dona da TVI. Mas foi na Swipe News, dona do jornal digital ECO, que Rui Freitas pôde mostrar o seus dotes por mais tempo, integrando a administração desde 2018 e a presidência entre 2020 e Setembro de 2023. Não se pode dizer que se saiu bem: a Swipe News nunca teve qualquer ano com lucros e acumula prejuízos que deverão atingir, com as contas de 2023, os cinco milhões de euros. No seu mandato, a empresa passou mesmo a estar em falência técnica, algo que se manterá mesmo com um aumento de capital de 1,3 milhões de euros no mês passado assumido pelas três dezenas de accionistas, onde se destacam o Grupo Mota-Engil e também Mário Ferreira.


    Luís Montenegro estará a partir desta semana, se não estava antes, bastante sensível às dificuldades financeiras dos grupos de media portugueses. O novo secretário de Estado-adjunto e da Presidência, Rui Armindo Freitas tem larga experiência em empresas de media deficitárias.

    Saindo directamente da administração da Media Capital (o seu nome ainda constava ontem à noite no site da empresa liderada por Mário Ferreira), este licenciado em Economia e gestor no secter têxtil esteve também desde 2018 como vogal e desde 2020 até Setembro do ano passado como presidente da administração da Swipe News, a empresa proprietária do jornal ECO e de outras publicações online centradas em branded content, como a Capital Verde, a ECOseguros, a Fundos Europeus, a Local Online, a +M e a Trabalho by ECO.

    Rui Armindo Freitas é o novo secretário de Estado adjunto e da Presidência no ministério liderado por António Leitão Amaro.

    E o ‘melhor’ que Rui Freitas conseguiu foi durante esse triénio foi transformar uma empresa de media que nunca apresentara lucros numa empresa em falência técnica, ou seja, com capitais próprios negativos, que significa que o dinheiro metido pelos accionistas se ‘esfumou’ e quem a sustenta são os bancos ou os ‘calotes’ aos fornecedores. A situação financeira insustentável deixada pela administração presidida por Rui Armindo Freitas – substituído em Setembro do ano passado por Luís Lopes Guimarães –, obrigou os accionistas a injectarem, há duas semanas, 1,3 milhões de euros para suprir necessidades de tesouraria, através de um aumento de capital.

    Criada em 2016, a Swipe News – que lançaria o jornal Eco em meados desse ano – é um daqueles casos paradigmáticos da imprensa portuguesa que faz jus ao adágio popular: “quem nasce torto, tarda ou nunca se endireita” – neste caso aplicando-se à parte económica, ou seja, os prejuízos são a norma, que se acumulam sem que ninguém, aparentemente, questione a sustentabilidade.

    No primeiro ano completo em funcionais, no exercício de 2017 a Swipe News – que tinha Rui Freitas como vogal – apresentava-se com um capital social de 1,2 milhões de euros, mas os prejuízos desse período (mais de 800 mil euros) ‘comeram-lhe’ logo dois terços do investimento inicial dos accionistas. Resultado: em 2018 houve dois aumentos de capital, o primeiro em Abril de 250 mil euros e o segundo em Novembro de 453.750 euros.

    Jornal digital ECO nasceu em meados de 2016, sendo, desde sempre, dirigido por António Costa.

    Nesse ano, contudo, os lucros foram ‘coisa’ arredada desta empresa de media que noticiava sobretudo os sucessos empresariais dos outros. No final de 2018, por mor de resultados líquidos negativos de mais de 691 mil euros, restava como capitais próprios uns meros 91.071 euros (arredondado para cima). Ou seja, um pouco mais de 95% do investimento dos accionistas tinha-se ‘esfumado’ sem se vislumbrar indicadores de sustentabilidade, até porque os activos se cifravam então em 636 mil euros, apenas um terço do investimento.

    Em 2019, um ano antes da passagem de Rui Freitas para a presidência da Swipe News, a empresa até superou, pela primeira vez, a fasquia de um milhão de euros, mas os gastos também dispararam, acabando o ano com um prejuízo de mais de 847 mil euros. Foi esse o último ano com os capitais próprios positivos, de acordo com a informação constante no Portal da Transparência dos Media.

    No primeiro ano da pandemia, com Rui Freitas como presidente do Conselho de Administração, a Swipe News até aumentou a facturação (cerca de 1,22 milhões de euros), mas também os encargos, o que resultou num prejuízo de mais de 656 mil euros. Em resultado, todo o investimento dos accionistas se ‘esfumou’ – os capitais próprios passaram a negativos em 314 mil euros – e o passivo mais do que duplicou, passando de 486 mil euros para 1,14 milhões de euros.

    O segundo ano de presidência de Rui Freitas à frente deste grupo de media não foi melhor: em 2021, a Swipe News registou o mesmo diapasão, com um significativo aumento dos rendimentos (acima de 1,5 milhões de euros), mas com prejuízos de 456 mil euros. Deste modo, os capitais próprios negativos subiram para 893 mil euros e a dívida a terceiros superava então os 1,55 milhões de euros.

    O terceiro ano da presidência de Rui Freitas teve mais do mesmo, agravado pelos capitais próprios negativos a duplicarem, passando a 1,64 milhões de euros, fruto de mais um prejuízo, desta vez de quase 749 mil euros. Nas contas de 2022, analisadas pelo PÁGINA UM, mostra-se notório que a Swipe News ‘vive’ de sucessivas injecões de financiamento bancário sofre de uma falta de liquidez confrangedora. Só em 2022, contabilizou financiamentos externos de quase 800 mil euros, mas toda essa verba foi ‘sugada até ao tutano’ para conseguir suportar pagamentos de salários e a alguns fornecedores. Tanto assim que a caixa (contas bancárias e o ‘mealheiro’ para a redacção apresentava no final desse ano uns míseros 350 euros menos oito cêntimos.

    Tudo somado – e numa altura em que ainda não são conhecidos os resultados do ano de 2023, mas que deverão confirmar um prejuízo acima de meio milhão de euros, como tem sucedido –, a Swipe News já acumulou prejuízos de mais de 4,6 milhões de euros. Ou seja, mostra-se expectável que os capitais próprios negativos nas contas de 2023 superem largamente os 2 milhões de euros.

    Por esse motivo, o aumento de capital de 1.302.647 euros determinado no passado dia 21 de Março apenas aliviará um pouco a situação de falência técnica. E desse modo, alegremente, o ano de 2024 perspectiva-se como o quinto sucessivo em falência técnica.

    Tomada de posse dos secretários de Estado do Governo Montenegro decorreu ontem. Foto: Mário Lopes Figueiredo / Presidência da República.

    Tendo 34 accionistas individuais e empresariais – com destaque para a Mota Gestão e Participações (23,4%), a Palopique (13,0%) e a Valens Private Equitity integralmente detida pelo principal accionista da TVI, Mário Ferreira (8,2%) –, a Swipe News encontra-se assim no rol de grupos de media em fortes dificuldades financeiras, das quais se destacam a Global Media, a Trust in News, a Impresa e as rádios do universo de Luís Montez.

    Mas agora, por certo, o Governo social-democrata – que integra Rui Armindo Freitas e também o ministro Pedro Reis (que presidiu o conselho editorial do jornal Eco) e ainda a secretária de Estado da Gestão da Saúde, Cristina Vaz Tomé (que tinha entrado em Janeiro para directora financeira da Swipe News) –, se renovará o debate para eventualmente salvar com dinheiros públicos (leia-se dinheiro dos contribuintes) modelos de negócio de empresas de comunicação social com resultados económicos desastrosos.


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  • O ‘império das rádios’ de Luís Montez está em colapso e com contas escondidas

    O ‘império das rádios’ de Luís Montez está em colapso e com contas escondidas

    As duas principais empresas de rádio e de promoção de festivais de Verão de Luís Montez estarão em falência técnica com capitais próprios negativos de 12 milhões de euros. E usa-se o verbo ‘estar’ na forma condicional porque esse montante ser o último passível se conhecer, pois a Música no Coração e a Rede A não registaram as demonstrações financeiras de 2022 na Base de Dados das Contas Anuais, como é obrigatório por lei. Em todo o caso, a evolução dos últimos anos mostram uma crescente descapitalização e um aumento dos passivos que indiciam que o conhecido genro de Cavaco Silva transformou as suas empresas em ‘fábricas de calotes’.


    O outrora pujante ‘império de rádios’ do empresário Luiz Montez, também conhecido por ser genro de Cavaco Silva, está a desmoronar-se por completo, com indícios de gestão danosa, com descapitalização das suas empresas e um assombrosa acumulação de dívidas aos fornecedores e até ao Estado, em especial da Música no Coração (também promotora de espectáculos) e da Rede A – Emissora Regional do Sul, que detém a Rádio Sudoeste, associado ao festival na Zambujeira do Mar.

    A gravidade da situação financeira atinge tamanha dimensão, segundo apurou o PÁGINA UM, que Luiz Montez – que criou o seu ‘império, assente no sucesso das promoções de festivais de música como o Super Bock Super Rock e o Festival Sudoeste – nem sequer inseriu até agora a Informação Empresarial Simplificada do ano de 2022 daquelas duas empresas na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA). As contas de 2023 ainda estão em fase de elaboração.

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    Conforme ontem foi noticiado pelo PÁGINA UM a pretexto da venda de duas rádios de Luís Montez à Medialivre (a dona do Correio da Manhã e da CMTV), quase todas as sete empresas radiofónicas detidas pela ‘holding’ Música do Coração estão em situação de falência técnica. No caso da Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação – que será uma das adquiridas pela Medialivre – está em falência técnica pelo menos desde 2017, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media. No mais recente exercício com contas fechadas, a empresa que tem a filha e a neta de Cavaco Silva na administração apresentava capitais próprios negativos de quase 200 mil euros e um passivo total de mais de 2,3 milhões de euros.

    Este último montante inclui 407.273,99 euros de dívidas o Estado e outros entes públicos, que serão dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda por cima não declaradas no Portal da Transparência dos Media, uma vez que ultrapassa os 10% do passivo.

    A segunda empresa que vai ser vendida à Medialivre tem uma a situação financeira bastante similar, apesar dos capitais próprios negativos serem menos baixos (-8.777 euros). Em todo o caso, o passivo ultrapassa a fasquia de um milhão de euros, dos quais quase 482 mil euros será empréstimos (com juros) do próprio Luís Montez e 319 mil euros são dívidas ao Estado. 

    Luís Montez vai livrar-se de duas empresas de rádios que são ‘máquinas de fazer calotes’.

    Contudo, apesar de Luís Montez esconder intencionalmente as contas de 2022, a situação da ‘holding’ Música do Coração ainda é mais problemática do que as suas subsidiárias. No final de 2021, a ‘holding’ estava com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, registando, nesse ano, um pouco mais de um milhão de euros de prejuízos. Saliente-se que as contas da Música no Coração não estão consolidadas.

    Na verdade, somente por via de alguma engenharia financeira, o colapso da Música no Coração não se mostrava mais patente, pois existem sinais de exagero na avaliação dos activos financeiros e excedentes de revalorização. Além disso, em 2021, esta ‘holding’ de Luís Montez tinha uma liquidez praticamente nula, inconcebível numa empresa promotora de espectáculos: em caixa apenas se registaram 3.099 euros. Grande parte dos activos (cerca de 11,2 milhões de euros) estavam então contabilizados em participações financeiras através do método da equivalência patrimonial, mas, na verdade, esse montante poderá estará fortemente inflacionado face à actual situação financeiras das subsidiárias.

    Além disso, o endividamento da Música no Coração era, já em 2021, asfixiante, com empréstimos bancários de longa duração de 14,6 milhões de euros, mais quase 2,8 milhões de euros de contas a pagar a fornecedores, mais 1,4 milhões de euros de dívidas ao Estado e mais cerca de 6,3 milhões de euros em outros compromissos. Neste caso, não deixa de ser curioso que, apesar de ter uma empresa em falência técnica, com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, Luís Montez ainda tinha 786 mil euros emprestados a juros. A ‘sangria’ á sua própria empresa ‘moribunda’.

    Também promotora de festivais de Verão, a Música no Coração está em falência técnica e acumula ‘calotes’.

    No caso da Rede A, a situação financeira mostra-se em tudo similar. Apesar de Luís Montez não ter entregado as contas de 2022 no BDCA, enviou, porém, alguns indicadores financeiros mais básicos para o Portal da Transparência dos Media. E a situação é, efectivamente, de pasmar: nesse ano, os capitais próprios eram negativos em quase 5,4 milhões de euros e o passivo seguia nos 5,6 mihões de euros. Significa isto que o activo (‘património’) da Rede A era já somente de um pouco menos de 240 mil euros.

    Será de um optimismo desmesurado ter a esperança de, entretanto, ter ocorrido uma inversão da situação financeira da Rede A – que contabilizou em 2022 apenas rendimento de 14 mil euros e prejuízos de 184 mil euros. Pelo contrário, pela análise das contas de 2017 e 2021 (o último ano com contas disponíveis), feita pelo PÁGINA UM, esta empresa de Luís Montez está em franco processo de descapitalização e é um caso patológico de ‘maquina de fazer calotes’.

    Com efeito, em 2017 a Rede A ainda deu lucro (44.688 euros) e tinha uma situação financeira equilibrada com capital próprios positivos (251 mil euros), activos não correntes de um pouco mais de 2 milhões de euros. O único indicador que destoava era uma dívida ao Estado de 467 mil euros. A partir de 2018 começaram os prejuízos e, sobretudo, a descapitalização da empresa, com uma diminuição absurda de activos que acabaram por fazer resvalar a empresa para um abrupto estado de falência técnica. Assim, se em 2019, a Rede A apresentava activos da ordem dos 3,8 milhões de euros com o capital próprio já no vermelho (-171.373 euros), no ano seguinte registou-se um ‘terramoto’ financeiro: os activos para apenas 182 mil eeros (um ‘rombo’ de mais de 3,2 milhões de euros) e os capitais próprios despencaram para arrepiantes valores negativos (5.016.762 euros).

    woman laying on bed near gray radio

    Nas contas de 2021 da Rede A que constam na BDCA, analisadas pelo PÁGINA UM, torna-se evidente o desaparecimento completo dos activos não correntes da Rede A (que ultrapassavam os 2 milhões em 2017), e um aumento colossal da rubrica ‘Outras contas a pagar’ (5,3 milhões de euros) – que não se referem a dívidas a fornecedores nem ao Estado (neste caso, o valor situava-se então nos 91 mil euros).

    Contas feitas, e descontando as contas escondidas de 2022 e também de mais um ‘ano de vida’ – que não terá, pela tendência histórica, sido muito favorável -, o ‘império das rádios’ e dos espectáculos de Luís Montez só existe ainda porque as empresas mesmo quando são ‘fábricas de calotes’ perduram enquanto houver alguém – leia-se, Governo e reguladores – que lhes permita docemente continuar a ‘safra’. Ou seja, a acumular dívidas indefinidamente ao estilo Ponzi. Alguém um dia ficará a ‘arder’. Pelo andar da carruagem, Luís Montez – que não se mostrou disponível para responder ao PÁGINA UM – ficará a salvo. As empresas são de responsabilidade limitada.


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  • Grupo do Correio da Manhã compra rádios falidas e com dívidas fiscais a familiares de Cavaco Silva

    Grupo do Correio da Manhã compra rádios falidas e com dívidas fiscais a familiares de Cavaco Silva

    O segredo é a alma do negócio, mas há negócios que, desvendando-se alguns pormenores, custa a acreditar que se concretizem. A Medialivre – que detém o Correio da Manhã e a CMTV, tendo Cristiano Ronaldo como principal accionista – vai adquirir, para ficar com estações de rádio em Lisboa e no Porto, duas empresas de Luís Montez, uma das quais tem como administradoras a filha e a neta de Cavaco Silva. Os montantes do negócio são desconhecidos, mas as contas públicas destas empresas do genro do ex-presidente da República mostram que têm sido ‘máquinas de fazer calotes’ sem ninguém as incomodar: capitais próprios negativos, prejuízos sucessivos, faltas de liquidez crónicas e existem mesmo indicadores de fluxos de caixa que indiciam atrasos em salários e fornecedores à míngua. E, claro, há dívidas ao Fisco, que parece ter-se tornado um ‘ponto de honra’ de certas empresas de media com o beneplácito do regulador (que nada vê) e do Estado (que fecha os olhos).


    A Medialivre – o grupo de media que detém o Correio da Manhã e que tem Cristiano Ronaldo como principal accionista – está em processo de aquisição de duas rádios detidas por empresas em falência técnica de Luís Montez, genro de Cavaco Silva. Numa das empresas, as vogais do Conselho de Administração são a filha (Patrícia) e a neta (Mariana) do ex-presidente da República e ex-primeiro-ministro.

    Os montantes envolvidos não são revelados – o PÁGINA UM aguardou uma semana por comentários oficiais da Medialivre –, mas, na verdade, se este fosse um ‘puro negócio’ ao estilo capitalista, na verdade deveria ser Luís Montez – que detém a Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação (tendo a mulher e a filha na administração) e a Rádio Festival do Norte – a dar dinheiro ao comprador, porque as duas empresas deram prejuízo nos últimos anos, estão com capitais próprios negativos e estão inundadas de dívidas, incluindo ao Estado.

    Luís Montez vai livrar-se de duas empresas de rádios que são ‘máquinas de fazer calotes’.

    O único activo apetecível destas duas empresas de Montez – que através da sociedade unipessoal Música no Coração detém sete empresas radiofónicas – encontra-se nas suas licenças radiofónicas, um ‘bem restrito’ a poucos e que podem ser mantidas mesmo por empresas que devem dinheiro ao Fisco. Para concretizar a sua estratégia de expansão, a Medialivre não se importou assim de manifestar interesse em comprar empresas falidas para obter as licenças da Rádio SBSR (que emite a partir de Lisboa) e da Rádio Festival do Norte, mesmo que tenha agora de assumir, em passivo, um passivo elevado.

    As autorizações para a transmissão das licenças para a Medialivre, por aquisição das duas empresas de Montez, já foram concedidas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social no final de Fevereiro, embora o negócio ainda não se tenha concretizado.

    Embora seja expectável que a Medialivre tenha capacidade financeira para encaixar na sua estrutura o passivo das empresas das duas rádios que vai adquirir, não deixa de causar espanto a situação financeira do universo empresarial da família de Luís Montez. A Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação está em falência técnica pelo menos desde 2017, consultando os registos do Portal da Transparência dos Media. No mais recente exercício com contas fechadas, a empresa que tem a filha e a neta de Cavaco Silva na administração apresentava capitais próprios negativos de quase 200 mil euros e um passivo total de mais de 2,3 milhões de euros, que vai assim passar, em princípio, a ser assumido pela Medialivre.

    Este último montante inclui 407.273,99 euros de dívidas o Estado e outros entes públicos, que serão dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, ainda por cima não declaradas no Portal da Transparência dos Media, uma vez que ultrapassa os 10% do passivo. As omissões e falsas declarações dos media perante a ERC é uma situação que se tem vindo a tornar banal.

    Neta do ex-presidente da República, agora com 27 anos, já tem experiência de administração de uma empresa… em falência técnica e com dívidas ao Estado.

    Mas o mais absurdo da contabilidade da Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação – e que causa estranheza não ter sido motivo de preocupação por parte da Medialivre – é ter terminado o ano de 2022 com a rubrica Caixa e depósitos bancários literalmente a zeros. Ou seja, a conta bancária estava a zeros e nem sequer havia um mealheiro na sede da empresa com meia dúzia de tostões para o café da manhã de Janeiro de 2023. A ausência absoluta de liquidez desta empresa é de pasmar: apesar de ter declarado vendas e serviços prestados de 209.443,47 euros, no fluxo de caixa – que ‘mede’ a entrada e saída de ‘dinheiro vivo’ –, só entraram 11.841,53 euros.

    No caso de saídas de dinheiro, está apenas contabilizado o pagamento ao pessoal de 31.654,69 euros, apesar de ter sido contabilizado gastos com pessoal de mais de 286 mil euros, o que denuncia salários em atraso. Também a empresa está a deixar fornecedores a ver navios. Apesar de contabilizar gastos de quase 33 mil euros em fornecimentos e serviços externos, os fornecedores só viram ser-lhe pagos 115,86 euros, o que, sabendo-se tratar de uma empresa de comunicação, até em electricidade se deu calote em 2022.

    Quanto à Rádio Festival Norte – a empresa que detém rádio com o mesmo nome –, a situação financeira é bastante similar, apesar dos capitais próprios negativos serem menos baixos (-8.777 euros). Em todo o caso, o passivo ultrapassa a fasquia de um milhão de euros, dos quais quase 482 mil euros será empréstimos (com juros) do próprio Luís Montez e 319 mil euros são dívidas ao Estado. Também com esta empresa a ERC anda a ‘ver navios’, porque todos os detentores de mais de 10% do passivo de um órgão de comunicação social têm de ser identificados. Ora, Luís Montez detém 41% do passivo e o Estado 27,2% do total do passivo., mas nenhuma dessa informação se encontra registada no Portal da Transparência, incumprindo a mesma lei que determinou a suspensão dos direitos de voto de um obscuro fundo das Bahamas que controlava a Global Media.

    Ao contrário da sua ‘irmã’ Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação, a Rádio Festival Norte terminou o ano de 2022 com dinheiro em caixa, mas apenas 66,96 euros – dariam apenas para três espartanos almoços, talvez sem sobremesa, mas com café, seguramente. A falta de liquidez é, aliás, apanágio das empresas de Luiz Montez. Também a Rádio Festival Norte anuncia valores de vendas e serviços prestados que acabam por dar em pouco. Em 2022, a empresa declarou rendimentos de quase 315 mil euros, mas só foram efectivamente pagos nesse ano pouco mais de um terço (113 mil euros). Quanto aos pagamentos a fornecedores e ao pessoal foram custos que depois não se reflectiram em saídas de dinheiro, até porque a empresa não o tem, até porque já nem possui crédito junto da banca, como se intui do balanço e da demonstração dos fluxos de caixa.

    Cristiano Ronaldo é, actualmente, o principal accionista da Medialivre, dona do Correio da Manhã e da CMTV, que agora está a apostar na rádio.

    Com efeito, apesar de em 2022, esta empresa de Luís Montez – em que este surge como administrador único – ter contabilizado gastos de quase 132 mil euros em fornecimentos e serviços externos e cerca de 194 mil euros em gastos de pessoal, apenas assumiu pagamentos de 2,3% e 4,8% do total. Ou seja, comporta-se como uma ‘máquina de fazer calotes’.

    Numa análise a partir do Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC – o que coloca sempre algumas dúvidas da completa veracidade da informação –, pode-se dizer que as outras cinco empresas do grupo da Música no Coração estão também em dificuldades financeiras ou apresentam indicadores ou pouco risonhos ou estapadúrdios.

    A Radiodifusão – Publicidade e Espectáculos tem capitais próprios negativos (-83.182 euros), um passivo de quase 868 mil euros em 2022 e pelo menos desde 2017 nunca teve lucros. A Rádio Clube de Gondomar – que detém a rádio Meo Sudoeste – estava em 2022 com capitais próprios negativos de 90 mil euros e é uma empresa (se assim se pode chamar) muito sui generis: em 2017 o seu activo (‘património’) era de 23.017,11 euros; em 2022 era de 270 euros, sendo que teve um rendimento declarado de 1 euro e prejuízos de 4.025 euros.

    Quanto à Rádio Voz de Setúbal – que detém a Rádio Amália –, está em pouco melhor estado do que a diva do fado que pretende homenagear. Apesar de recentemente ter realizado uma gala para comemorar os seus 14 anos, a empresa declarou no Portal da Transparência dos Media – e a ERC achou razoável suceder – um rendimento de apenas 2 euros e resultados líquidos de 1,50 euros. Esta estranha empresa tinha nesse ano, no entanto, capitais próprios negativos de 103.736 euros. E nos registos geridos pela ERC não há sombras de actividade, isto é, rendimentos entre 2017 e 2021.

    A SBSR FM, actualmente detida pela Sociedade Franco Portuguesa de Comunicação, em falência técnica, estará em breve nas mãos do grupo de media do Correio da Manhã.

    A Rádio Nova Loures tem, por sua vez, um capital próprio ainda positivo (158 mil euros), mas aumentou o passivo de 431 mil euros em 2017 para quase 1,5 milhões de euros em 2022.

    A Rádio Nova Era é a única das empresas de Luiz Montez no sector da comunicação social com rendimentos em 2022 acima de um milhão de euros (1,7 milhões), e em até teve lucros nesse ano, apesar de magros (um pouco menos de 26 mil euros). Porém, em cinco anos, o passivo disparou de 1,2 milhões para 1,6 milhões de euros, e os capitais próprios baixaram de 114 mil euros para 95 mil.

    O PÁGINA UM enviou há mais de uma semana diversas questões a Luís Montez, que não respondeu.


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  • Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Regulador confirma perda de controlo da World Opportunity Fund na Global Media

    Já tinha sido antecipado pelo PÁGINA UM, mas formalizou-se hoje: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) suspendeu os direitos de voto e os direitos patrimoniais ao World Opportunity Fund, que assim deixa de poder gerir, através da Páginas Civilizadas, os periódicos da Global Media, entre os quais o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias. Esta é a primeira vez que o regulador toma uma decisão desta natureza com base na Lei da Transparência, abrindo assim as portas ao anunciado desmembramento do grupo de media. Resta saber quem vai pagar, no processo, as avultadas dívidas fiscais do grupo que regressa de novo às mãos de Marco Galinha.


    Faltava o formalismo, veio hoje em reunião da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador dos media deu como verificada a falta de transparência do World Opportunity Fund, Ltd. (WOF), confirmando o projeto de deliberação aprovado no passado 15 de Fevereiro que formaliza a perda de direitos de voto do fundo das Bahamas sobre a participação de 51% do capital social da Páginas Civilizadas, que detém uma participação indireta de 25,628% na Global Notícias, mas que, na prática, a controlava.

    Em comunicado, a ERC salienta que “perante a ausência de elementos ou medidas tomadas pelos interessados que pudessem pôr fim à situação identificada [a recusa do fundo em identificar os seus investidores], o Conselho Regulador deliberou prosseguir com a publicitação da falta de transparência” no seu site, implicando de imediato a suspensão do exercício dos direitos de voto e dos direitos patrimoniais” do World Opportunity Fund tanto na Páginas Civilizadas como na Global Notícias.

    O regulador destaca que a sua deliberação “do Conselho Regulador “não restringe a possibilidade de transmissão da participação” do fundo das Bahamas, “desde que, sob prova bastante […] resulte uma inequívoca sanação da situação de falta de transparência identificada. Em concreto, significa que o empresário Marco Galinha, um dos sócios minoritários da Páginas Civilizadas – e que foi o responsável por introduzir o fundo das Bahamas no negócios do Grupo Global Media, inclusive concordando com a contratação de João Paulo Fafe antes da concretização da transacção em Setembro do ano passado – tem agora ‘carta branca’ para negociar ainda melhor a recuperação do que vendeu.

    Por outro lado, saído o fundo das Bahamas – que está longe de ter criado uma situação financeira grave, já que em 2022 a Global Media terminou o exercício com prejuízos acumulados de 42 milhões de euros desde 2017 e uma dívida ao Estado que aumentou 7 milhões de euros em apenas um ano -, Marco Galinha pode agora concretizar, com despedimentos colectivos à mistura, o desmembramento dos diversos órgãos comunicação social. Resta saber quem vai ficar com a dívida ao Estado, porque nesse processo de desmembramento, se as autoridades tributárias e a ERC permitir, pode bem suceder que o Jornal de Notícias, um título ainda apetecível, fique ‘limpo’ de dívidas, ficando todo o ‘calote’ à Autoridade Tributária em títulos que, mais tarde ou mais cedo, o mercado tratará de falir, excepto, claro, se o Estado intervir para o sanear


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