Categoria: Imprensa

  • Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

    Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

    De entre os nove maiores grupos de media em Portugal com títulos da imprensa escrita, segundo uma análise financeira do PÁGINA UM, apenas duas (Medialivre e Impresa Publishing) apresentaram lucros em 2023, mas somente o grupo que tem Cristiano Ronaldo como accionista mostra uma situação financeira saudável. De resto, a tónica destes grupos de media é a acumulação imparável de resultados negativos, havendo mesmo quatro em falência técnica (Swipe, Trust in News, Media9Par e Newsplex). A hecatombe não é maior porque, por exemplo, nos casos do Público (que acumula 24,2 milhões de euros de prejuízos desde 2017) e do Observador (prejuízos acumulados de 11,3 milhões de euros), os accionistas têm tapado os ‘buracos’. A crise neste sector não é uma surpresa, derivando de diversos factores, incluindo a ‘concorrência’ das grandes plataformas digitais na captação de publicidade e a mudança dos hábitos de leitura, embora a crescente quebra de credibilidade e a promiscuidade com o poder político e económico não ajudem.


    O cheiro a papel, a tinta que sobra para os dedos, os anúncios, as ‘gordas’, as palavras cruzadas têm lugar na era do pixel, do clique, do Chat GPT, e dos textos escritos por máquinas? Nesta era de acelerada transformação para um mundo digital, o sector da imprensa escrita em Portugal enfrenta uma crise longa e definha a olhos vistos. Um levantamento do PÁGINA UM, que analisou as contas dos maiores grupos da imprensa escrita, tanto impressa como digital, nos últimos oito anos, encontrou um cenário negro, com prejuízos sucessivos e até falências técnicas, com empresas já com a ‘corda no pescoço’ e outras em processo de desmantelamento.

    Neste cenário de decadência e ‘cheiro’ a fim dos dias, poucos se ‘salvam’ e ainda menos vivem desafogados. A excepção é, na verdade, Medialivre, dona do Correio da Manhã, da revista Sábado e do desportivo Record (e também dos canais televisivos CMTV e Now), que está para a imprensa em Portugal como Cristiano Ronaldo, seu accionista, está para o mundo do futebol: marca ‘golos’, acumulando lucros todos os anos. Mas ‘Ronaldos’ não há muitos e este grupo é um dos poucos na imprensa nacional com um registo de lucros sustentáveis, ao longo dos anos num sector em crise. De facto, na análise do PÁGINA UM, apenas três grupos registaram lucros em 2023. A Medialivre, que também detém a CMTV, destaca-se com um lucro de 7,2 milhões de euros no ano passado. Em oito anos, a empresa, antes conhecida como Cofina Média, registou lucros totais de 50 milhões de euros, o que se mostra excelente neste sector.

    A maioria dos grupos de imprensa está preso por ‘fios’, acumulando prejuízos atrás de prejuízos. Três terminaram o ano passado em situação de falência técnica, um deu início a um PER e outro foi desmantelado. (Foto: PÁGINA UM)

    Também a dona do Expresso, a Impresa Publishing, tem conseguido apresentar um resultado líquido positivo nos últimos anos, com o ano de 2023 a fechar com um lucro de 1,478 milhões de euros. Mas este desempenho tem uma explicação pragmática: em 2018 livrou-se ‘milagrosamente’ de um ‘pedregulho no sapato’: o tóxico portfólio de revistas, encabeçado pela Visão, que ‘chutou’ para uma empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, com um capital social de apenas 10 mil euros. Um negócio ainda hoje está muitíssimo mal explicado, e que está a dar um fenomenal calote de cerca de 15 milhões de euros ao Estado e outro tanto a outros credores. Mas já vamos à Trust in News.

    Hoje, a ‘divisão’ de imprensa escrita do Grupo Impresa, fundado por Pinto Balsemão, com o Expresso à cabeça, tem um passivo de ‘apenas’ 10,1 milhões de euros, quando em 2017 essa rubrica contabilizava um valor na ordem dos 30 milhões de euros. Transferida a ‘Impresa má’ para a Trust in News, já sem ónus e muitos encargos insuportáveis, ficou o caminho livre para a dona do Expresso registar lucros. Já a actual dona das revistas Visão e Exame, Trust in News, iniciou este ano um Processo Especial de Revitalização (PER), cujo desfecho ainda se aguarda.

    Com a excepção destes dois casos, de empresas com lucros em 2023, os restantes maiores grupos fecharam o exercício abaixo da ‘linha de água’. À cabeça, a Global Notícias, dona do Diário de Notícias, que apresentou um prejuízo 7,284 milhões de euros. O grupo, que detém também a rádio TSF, tem registado prejuízos sucessivos, que totalizam quase 50 milhões de euros em oito anos. O passivo da Global Notícias estava no final de 2023 nos 46,5 milhões de euros, quando em 2017 se situava nos 66,9 milhões de euros. Mas o activo, num processo de ‘vampirização’, caiu para metade, de 98,3 milhões de euros para 53,6 milhões de euros no fim do exercício passado. Quanto aos capitais próprios, sofreram uma redução de dois terços: passaram de 31,4 milhões de euros em 2017, para 7,2 milhões de euros no ano passado. Entretanto, o grupo foi já desmantelado, com a Notícias Ilimitadas de Marco Galinha a ficar com a ‘galinha dos ovos de ouro’ do grupo – o Jornal de Notícias –, além de engolir também outros títulos e a rádio TSF.

    Apesar de estar inserido num gigante, que é a Sonae, e de beneficiar da rede de distribuição e pontos de venda que incluem os supermercados Continente e demais lojas do grupo, o jornal Público registou em 2023 um dos maiores prejuízos de, pelo menos, os últimos oito anos. (Foto: PÁGINA UM)

    Ao descalabro da Global Notícias, segue-se um histórico prejuízo do jornal Público, que em 2023 fechou o ano com o pior resultado líquido de, pelo menos, os últimos oito anos, a atender aos dados do Portal de Transparência dos Media. De resto, o jornal do grupo Sonae tem um problema de prejuízos crónicos. Em 2023, o jornal fechou o ano com um prejuízo de 4,5 milhões de euros. Em 2022, o jornal tinha registado um prejuízo de 2,1 milhões de euros. Somado desde 2017, o Público deu um prejuízo acumulado de 24,2 milhões de euros, mesmo (ou por causa) das constantes promiscuidades entre informação e marketing empresarial por via de parcerias. Não se vislumbra uma melhoria da situação para o jornal, que se ‘aguenta’ por estar sustentado num dos maiores grupos empresariais do país e que lhe garante a ‘banca’ gigantesca que é a rede de lojas e supermercados da dona do Continente, com campanhas de assinatura que incluem desconto ‘em cartão’ da principal marca da Sonae.

    Também no ‘vermelho’, e muito, está a dona do Observador, a Observador Ontime, que, tal como o Público, tem a ‘sorte’ de contar com accionistas ‘generosos’, que têm efectuado injecções de capital na sociedade. O maior accionista, com 55% do capital, é a Amaral Y Hijas Holding, de Luís Amaral, dono da empresa de distribuição polaca Eurocash, seguido da Orientempo (com 7,69%), que tem o gestor António Carrapatoso como accionista de referência. São ainda accionistas de referência empresas ligadas a nomes como Alexandre Relvas, Filipe de Botton, João Talone, António Champalimaud e Carlos Moreira da Silva, entre outros.

    Em 2023, a Observador Ontime fechou o ano com prejuízos de quase 1,3 milhões de euros, mas isso é o ‘normal’: os prejuízos acumulados atingem já os 11,3 milhões de euros desde a sua criação. O passivo da empresa mais do que duplicou desde 2017, situando-se agora nos 2,5 milhões de euros. Mas, além de encontrar apoio nos seus accionistas famosos, a empresa conta ainda com o apoio dos seus principais credores: a Caixa Geral de Depósitos, com cerca de 30% do passivo, e o BCP, com 11%.

    O momento em que a Impresa passou os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa para a empresa unipessoal de Luís Delgado, que apesar do ‘calote’ que deu ao grupo liderado por Francisco Balsemão continua a ser comentador na SIC. Hoje, a Impresa Publishing apresenta lucros. Já a empresa de Delgado iniciou um PER e está ‘por um fio’ e o empresário arrisca ser condenado na Justiça, já que além de não ter pago contribuições dos trabalhadores à Segurança Social, também deve ao Fisco, nomeadamente pagamentos de IVA. (Foto: D.R.)

    De notar, que os resultados de 2023 da Observador Ontime não constam ainda do Portal da Transparência dos media, como é obrigatório. Desconhece-se se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já deu um ‘puxão de orelhas’ à empresa devido a este atraso na divulgação de informação financeira ao público.

    Quanto à Media9Par, dona do Jornal Económico e da Forbes, também está em ‘maus-lençóis’. Além do prejuízo ter piorado, passando de 412 mil euros em 2022 para 1,925 milhões de euros no ano passado, a empresa viu os seus capitais próprios descerem de 517 mil euros para o valor negativo de 1,079 milhões de euros, sinalizando estar em falência técnica.  O passivo da empresa do Emerald Group, do ‘misterioso’ empresário angolano N’Gunu Tiny – que é também accionista do Polígrafo –, mais do que duplicou, de 1,439 milhões de euros para 3,932 milhões de euros.  

    Outra empresa do sector da imprensa escrita, neste caso exclusivamente digital, a fechar o ano passado com prejuízos foi a Swipe News, dona do Eco, que registou um resultado líquido negativo de 235 mil euros. E isto depois de sucessivos anos sucessivos de prejuízos. Esta empresa de média – detida em 79% por empresários e empresas, incluindo a Amorim SGPS e a Valens Private Equity, de Mário Ferreira, principal accionista da TVI – não tem grandes motivos para festejar, pois tem capitais próprios negativos de 1,6 milhões de euros, o que não abona a favor de quem aborda sobretudo temas económicos. Além disso, registou um passivo de 2,6 milhões de euros, quando há oito anos, em 2017, o valor estava nos 375 mil euros. Entretanto, em Março deste ano, os accionistas abriram os cordões à bolsa com um aumento de capital de 1.302.647 euros para 3.211.397 euros. Aparentemente, vão ter de injectar mais.

    Outro grupo que registou uma deterioração dos resultados foi a Newsplex, dona do Nascer do Sol, que no ano passado viu os prejuízos aumentar de 474 mil euros para 574 mil euros. Os capitais próprios foram negativos, em 1,628 milhões de euros, e o grupo apresentava, no final de 2023, dívidas à Segurança Social (738 mil euros) e ao Fisco (398 mil euros).

    Mas estas dívidas ao Estado são ‘peanuts‘, quando comparadas com a situação da sua vizinha no Taguspark, a Trust in News, que está a dever mais de 15 milhões de euros aos contribuintes. O prejuízo da empresa que detém a Visão até nem foi tão elevado quanto o de outros grupos, já que a sociedade unipessoal do comentador e empresário Luís Delgado fechou 2023 com um resultado líquido negativo de 116 mil euros. O problema é mesmo os mais de 30 milhões de euros de passivo.

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    A incógnita permanece: como é que uma empresa com um capital social de apenas 10.000 euros conseguiu acumular uma dívida desta dimensão, ainda para mais, quando o maior credor é o Estado, mais concretamente a Segurança Social e o Fisco. Além disso, pela lista de credores do PER, a empresa deixou um longo rasto de dívidas a todo o tipo de fornecedores e também a trabalhadores. Do que não se duvida é que o acumular de dívidas aos cofres públicos só foi possível com ‘carimbo’ político, do Governo.

    Só falta saber se a factura do descalabro deste grupo e de outras empresas do sector da imprensa vai acabar por suportada pelos bolsos dos contribuintes, que, mesmo que não queiram ser leitores e assinantes das publicações, arriscam tornar-se apoiantes à força destes meios de comunicação social dos media mainstream. Os mesmos media que estão, por sua vez, cada vez mais reféns e dependentes de accionistas ‘generosos’ e de promíscuas parcerias comerciais que encomendam o funeral à ética jornalística, a troco da sobrevivência a prazo dos maiores donos da imprensa em Portugal.

    N.D.: A Swipe News começou por apresentar no Portal da Transparência dos Media um lucro no ano passado de cerca de 235 mil euros, que acabou por corrigir para valor negativo (prejuízo). O PÁGINA UM somente detectou essa correcção em 11 de Setembro de 2024, refazendo essa parte da notícia original.


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  • Cinco anos de prejuízos: TVI e CNN Portugal não saem do ‘buraco financeiro’

    Cinco anos de prejuízos: TVI e CNN Portugal não saem do ‘buraco financeiro’

    Longe vão os tempos em que a empresa gestora da TVI (e agora da CNN Portugal) nadava em lucros. Nos últimos cinco anos, as contas da TVI S.A., do Grupo Media Capital, têm estado sempre no vermelho, com prejuízos acumulados que já ultrapassam os 26 milhões de euros desde 2019. Mas não têm sido apenas questões de negócios que afectam os resultados dos canais televisivos: a Media Capital, através da Meglo, optou por uma gestão de ‘vampirização’ da TVI S.A.: empresta-lhe dinheiro, mas depois cobra-lhe juros elevados. Apenas nos últimos dois anos, este estratagema fez com que a Media Capital recebesse mais de 4,3 milhões de euros em juros da sua ‘filha’ TVI. Se não há dividendos, por não haver lucros, ‘saca-se’ em juros. O problema desta estratégia não é só de gestão amoral; está a criar-se uma crise financeira artificial na TVI e CNN Portugal – em seis anos, o passivo aumentou 35 milhões de euros e o capital próprio ‘encurtou’ 47 milhões –, talvez aguardando depois pelas (pré-anunciadas) salvíficas ajudas do Estado.


    Apesar de se anunciar como líder, a empresa gestora dos canais televisivos TVI e CNN Portugal não descola dos prejuízos. De acordo com o Portal da Transparência dos Media, a TVI-Televisão Independente S.A., a subsidiária da Media Capital, apresentou no ano passado, pelo quinto ano consecutivo, resultados líquidos negativos, também muito por força do endividamento crescente.

    Tem de se recuar aos idos de 2018 para se encontrar o último ano desta empresa com lucros. E foram então bastante razoáveis. Com rendimentos de cerca de 151,2 milhões de euros, a TVI S.A. apresentou resultados líquidos positivos em 2018 da ordem dos 27,7 milhões de euros. Esses lucros foram entretanto ‘derretidos’ à medida que se foi instalando a crise na comunicação social mainstream e a fuga para a frente causou um endividamento colossal.

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    Por exemplo, se o passivo em 2017 rondava os 56,4 milhões de euros, no final do ano passado saltara já para os 91,6 milhões de euros. Ao invés, o activo mingou, passando de 111,4 milhões para 98,9 milhões de euros entre 2017 e 2023. Deste montante, 66,6 milhões de euros são referentes a direitos de transmissão de programas de televisão – ou seja, de pouca utilidade imediata para pagar contas.

    Noutra perspectiva, significa que os cerca de 47,5 milhões de euros do capital próprio da empresa TVI S.A. despareceram à conta dos sucessivos prejuízos, grande parte dos quais agravados pelo serviço da dívida, incluindo pagamento de juros a empresas da holding da Media Capital.

    Segundo os elementos financeiros do Portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o descalabro financeiro da TVI S.A. começou em 2019 com prejuízos um pouco abaixo de um milhão de euros (963 mil euros). No ano seguinte, mesmo com a pandemia que trouxe receitas extraordinárias do Estado, a dona da TVI teve resultados desastrosos: prejuízos de 7,3 milhões de euros. Em 2021, a TVI S.A. apostou forte na criação da marca CNN Portugal, um ‘sucedâneo’ ao estilo de franchise do canal norte-americano, e os prejuízos continuaram, desta vez em 7,1 milhões de euros. Nesse ano, a TVI tentou obter uma autorização de confidencialidade dos elementos financeiros, situação denunciada pelo PÁGINA UM, e a ERC acabou por obrigar a empresa a revelar mesmo os seus prejuízos.

    Em 2022, o efeito CNN Portugal mais não fez do que afundar ainda mais as contas: o prejuízo atingiu os 9,3 milhões de euros, que se ‘atenuaram’ no ano passado para 1,4 milhões de euros.

    O canal televisivo TVI celebrou o seu 31º aniversário em Fevereiro passado. Já as contas da TVI S.A. são ‘um 31’. Fonte: DR

    Mas mais do que estes sucessivos prejuízos, que totalizam 26,1 milhões de euros, a evolução de diversos indicadores financeiros mostram-se assustadores. Por exemplo, a autonomia financeira da TVI S.A. – que compara o capital próprio com os activos – desceu de 49,3% em 2017 para apenas 7,4% no ano passado. Quando a empresa está em falência técnica, esta percentagem é virtualmente negativa. No caso da solvabilidade geral – que confronta o capital próprio com o passivo, dando assim indicações de quem é o dono –, passou-se de 97,3% em 2017 para apenas 8,0% em 2017.

    Em todo o caso, segundo a análise do PÁGINA UM às contas da TVI S.A., o endividamento a instituições bancárias nem sequer é muito elevado: não chega sequer a 2 milhões de euros. Na verdade, os maiores financiadores têm sido as próprias empresas do Grupo Media Capital, que no balanço de 2023 surge como empréstimos de accionistas num valor acima de 27,2 milhões de euros. Esse crédito será inteiramente detido pela Meglo-Media Global, a empresa da Media Capital que formalmente é detida pela Media Capital. Mas este empréstimo é remunerado – aliás, aparentemente muito bem remunerado.

    Com efeito, na demonstração de resultados, a TVI S.A. até mostra que teve em 2023 resultados positivos antes dos encargos de financiamento, mas acabou por ter prejuízos depois de pagar quase 3,06 milhões de euros de juros e gastos similares. Ora, como cerca de 92% da dívida por empréstimos é à accionista Meglo, uma subsidiária da holding Media Capital, a TVI S.A. pagou assim, ao longo de 2023, um total de 2.422.800 euros em juros à casa-mãe.

    No ano anterior, conforme se destaca no próprio relatório e contas de 2023, a TVI S.A. entregara já 1.929.679 euros à Meglo apenas em juros. Ou seja, em dois anos, a Media Capital ‘sacou’ mais de 4,3 milhões de euros em juros de uma ‘empresa-filha’ que deu sempre prejuízo. Ou seja, agravou ainda mais a situação financeira em período de crise.

    Embora este estratagema de gestão equilibre as contas (no curto prazo) da Media Capital, este processo de ‘vampirização’ (em que a holding descapitaliza as subsidiárias) traz, geralmente, maus resultados a médio prazo, neste caso colocando a TVI S.A. no caminho da falência técnica.


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  • ERC ‘puxa orelhas’ à TVI por promover ‘jovem milionário’ das cripto

    ERC ‘puxa orelhas’ à TVI por promover ‘jovem milionário’ das cripto

    Mais de um ano depois da polémica que gerou uma onda de contestação, sobretudo no mercado regulado das criptomoedas, o regulador dos media tornou público um ‘puxão de orelhas’ à TVI por ter transmitido uma reportagem da jornalista Conceição Queiroz sobre um suposto ‘jovem milionário’ português a residir no Dubai. Em causa está uma longa peça televisiva transmitida no dia 21 de Junho de 2023, em horário nobre, a promover os negócios de Renato Duarte Junior, apresentado como “o milionário improvável’ por via da sua ‘empresa de investimentos’, dbl.pt. Na sequência de várias queixas, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deixa agora fortes críticas à TVI por não ter sequer confirmado o perfil e legalidade das actividades do ‘jovem milionário’ e por ter apenas promovido um (alegado) estilo de vida luxuoso, susceptível de ludibriar os telespectadores mais ingénuos e sem literacia financeira. A ERC instou ainda a TVI a acrescentar um aviso na reportagem, no seu site, algo que ainda não sucedeu. Aliás, a estação de televisão de Queluz nem se dignou a responder a um ofício da ERC em Julho de 2023 para justificar este trabalho jornalístico. Subsistem ainda dúvidas sobre se a TVI recebeu contrapartidas financeiras para emitir a reportagem e se a jornalista e outros colaboradores da estação beneficiaram de viagens e estadia pagas pelo ‘jovem milionário’ ou pela sua suposta empresa. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista nunca se pronunciou sobre este assunto.


    Em sete pontos, o regulador dos media repreendeu a TVI por uma polémica reportagem que promoveu um ‘jovem milionário’ das criptomoedas a viver uma suposta vida de luxo no Dubai e que, através da empresa dbl.pt (Digital Bank Labs), prometia lucros enormes, mas sem que fossem apresentadas quaisquer provas sobre a veracidade e legalidade dos seus negócios. Numa deliberação aprovada a 29 de Maio, mas só ontem tornada pública, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deixa fortes críticas à estação de televisão de Queluz por não ter confirmado as afirmações do ‘jovem milionário’ e pela “falta de rigor informativo”.

    Em causa está a reportagem da jornalista Conceição Queiroz (CP 7851) que, em cenários luxuosos e idílicos gravados no Dubai, apresentava Renato Duarte Júnior (Silvério Renato Carneiro Duarte), o milionário improvável’, rodeado de fausto. A reportagem foi transmitida em 21 de Junho de 2023 em horário nobre e gerou uma onda de contestação na Internet pelo carácter duvidoso das informações veiculadas pela reportagem, incluindo do próprio sector regulado do sector das criptoactivos.

    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    Como noticiou o PÁGINA UM, em primeira mão em Junho do ano passado, vários reguladores emitiram, na altura, alertas na sequência da reportagem. O caso ficou rapidamente na mira da ERC dada a polémica que gerou. O Banco de Portugal emitiu um aviso aos investidores de que a empresa mencionada na reportagem e o suposto milionário não estavam autorizados a exercer qualquer actividade financeira em Portugal. A FACE – Federação Portuguesa das Associações da Cripto Economia revelou ao PÁGINA UM que considerava a reportagem ‘perniciosa’ e deixou um alerta. Também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários avisou que a suposta empresa dbl.pt não estava autorizada a operar em Portugal (na sua deliberação, a ERC cita o Jornal Económico como fonte deste aviso da CMVM, apesar de ter sido divulgado primeiro no PÁGINA UM).

    Na sua deliberação, a ERC sintetiza as participações de cerca de uma dezena de queixosos, e decidiu “instar a TVI a associar ao conteúdo disponível online uma advertência para os aspetos problemáticos identificados pelos vários reguladores”, o que a estação ainda não fez, apesar de terem passado dois meses desde a aprovação da deliberação do regulador.

    Para a ERC, “a peça não cumpre o dever de identificação de fontes relativamente a diversas informações” e considerou que “não foi cumprido o dever de rigor informativo inerente à prática jornalística e exigível aos órgãos de comunicação social”.

    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    Também criticou o facto de na reportagem ser apresentado “um estilo de vida, um modo de enriquecer e o discurso do seu protagonista, sem a problematização, o sentido crítico, a contextualização e o esclarecimento através de fontes fidedignas que sempre devem acompanhar a difusão destes temas pela comunicação social, mas especialmente devidos em conteúdos apresentados como informativos”.

    O regulador lamentou ainda que, com a reportagem, se prescindiu “de contribuir para a literacia
    financeira dos públicos, num contexto em que a desproteção dos mesmos e o tom promocional e apelativo do conteúdo o tornava adequado e especialmente necessário”.

    A ERC deliberou ainda instar “a TVI ao cumprimento, no futuro, da obrigação de assegurar o rigor e
    isenção da informação que difunde e da obrigação de observar uma adequada ética de antena” e de sensibilizar a estação para a “necessidade de limitar a proeminência da reportagem nas suas plataformas digitais, tendo em conta as críticas dos vários reguladores e o impacto que a reportagem pode ter nos cidadãos”.

    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    A ERC não divulga o número exacto de queixas que recebeu na sequência da emissão da reportagem da TVI, mas cita vários argumentos de telespectadores desagradados com o trabalho jornalístico. Entre as queixas, contam-se acusações de “incongruência” em afirmações de Renato Júnior e a ausência de confirmação da veracidade de muitos dos dados apresentados como ‘factos’.

    Uma das participações que chegou à ERC afirmava que a reportagem da TVI “tem como objetivo principal promover e publicitar um esquema em pirâmide de criptomoedas, com o claro intuito de atrair mais vítimas”. Segundo a participação, a peça “apresenta diversas informações falsas, com o propósito de enganar os telespectadores e incentivá-los a investir neste esquema fraudulento”, tais como “as garantias de retorno de 40% ao ano” e os “ganhos de 18 mil euros por segundo, que (…) representariam cerca de 567 mil milhões de euros por ano, mais do que os lucros combinados da Apple, Google, Microsoft, Amazon, Tesla, Nvidia, Intel, Netflix e Disney, e aproximadamente o dobro do PIB de Portugal”.

    “Tudo o que é mostrado pelo suposto investidor é a ostentação que vive, não mostra a empresa, não mostra qualquer infraestrutura da empresa que supostamente também faz mineração (de criptomoedas)”, apontou um dos telespectadores na sua queixa ao regulador. Outro queixoso considerou ser “escandaloso a TVI promover a empresa dum indivíduo que, sem sombra de dúvidas, exerce uma atividade criminosa”.

    A reportagem foi conduzida pela jornalista Conceição Queiroz (CP 7851) que chega a aparecer nas imagens num aparente cenário de luxo, a fazer uma entrevista num iate. Ao longo da reportagem, a jornalista mostra-se deslumbrada e aparenta desconhecer o modo de funcionamento do sector das criptomoedas. (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI).

    Outra participação mencionava tratar-se de “uma reportagem sobre uma pessoa, alegadamente milionária” que “alega ter lucros de 18.000 por segundo, e vangloriou-se da quantidade de dinheiro que fazia, e da vida que levava, no Dubai”. Alertava ainda que a “reportagem não mostra nada da vida profissional desta pessoa, focando-se na publicidade ao lucro e à vida de luxo, com a reportagem cheia de imagens de iates, joias e roupas de marca”, sem apresentar “nada que corroborasse a empresa ou a pessoa entrevistada”.

    Para o mesmo queixoso, a reportagem “pareceu um spot publicitário”, salientando que “[p]essoas na internet fazem peças com melhor fundamentação que isto”. O mesmo autor da participação à ERC, afirmou que “o discurso e as promessas são características de entidade relacionadas a burlas com criptocurrency” e que a “reportagem deu a conhecer promessas alucinantes e não justificadas a milhares de pessoas com pouca ou nenhuma literacia financeira”.

    Na sua análise, o regulador dos media sugere ter havido amadorismo na elaboração da reportagem. “O caso em análise é eloquente quanto à necessidade de evidenciar a diferença de paradigma que deve existir entre, por um lado, os conteúdos oferecidos pelos órgãos de comunicação social, em especial os de natureza informativa, necessariamente marcados pela insubstituível intermediação crítica especializada do profissional jornalista e, por outro, os demais conteúdos audiovisuais criados por entusiastas, autodidatas ou quaisquer pessoas que não jornalistas, incluindo para fins promocionais, que a cada vez maior acessibilidade das tecnologias de informação e comunicação tem permitido banalizar”, afirmou na deliberação.

    Diz ainda que “ao tratar o tema com tal ligeireza, de forma superficial e incompleta, a peça não
    contribui para a literacia financeira dos públicos, ao contrário do que o tema recomendaria e a responsabilidade social dos órgãos de comunicação social impõe”.

    A TVI não respondeu ao ofício enviado pela ERC em 18 de Julho de 2023. A estação de televisão também não adicionou ainda nenhum aviso na reportagem que ainda pode ser visualizada no seu site.

    Mas, o que é certo, é que o risco de haver ‘vítimas’ desta reportagem “continua a produzir-se de forma continuada, dado que a peça em causa continua disponível, sem qualquer indicação adicional, em páginas electrónicas da TVI” e sem qualquer aviso, como pediu a ERC na sua deliberação.

    Resta saber se o regulador vai ter uma mão mais pesada e se vai actuar para levar a TVI a acrescentar uma advertência ao público na reportagem disponível no seu site na Internet.

    Entre as dúvidas que persistem está a questão se a TVI recebeu alguma contrapartida para fazer e emitir a reportagem e se a jornalista Conceição Queiroz e outros colaboradores da TVI beneficiaram de viagens e estadia pagas pelo ‘jovem milionário’ ou a dbl.pt. O PÁGINA UM colocou estas questões à TVI aquando da polémica, em meados do ano passado, mas até hoje nunca recebeu qualquer resposta.


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  • ERC quer ‘escurecer’ Lei da Transparência dos Media

    ERC quer ‘escurecer’ Lei da Transparência dos Media

    Confidencialidade ‘ad hoc’ sobre os acordos parassociais, redução das entidades com obrigatoriedade de revelarem dados financeiros, expurgo eventual de informação sobre o governo societário e redução substancial de coimas, e mesmo a sua suspensão – eis a ‘resposta’ do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) para enfrentar a crise na imprensa portuguesa. A proposta de revisão da Lei da Transparência dos Media – uma legislação que, desde 2015 exige a revelação de informação essencial para perceber quem (e como) está a comunicação social -, apresentada este mês pelo regulador ao Governo e à Assembleia da República, ‘mutila’ diversos princípios de transparência e abre portas para a criação de modelos pouco ortodoxos de financiamento, através, por exemplo, de acordos parassociais a classificar como confidenciais. Com esse expediente, criam-se as condições para esconder do público quem são os ‘decisores’ efectivos de uma empresa de media, podendo os detentores do capital social serem meros ‘testas de ferro’, sobretudo em casos de ‘descapitalização’ ou falência técnica. Num período crítico para o Jornalismo, esta proposta do regulador é uma autêntica caixa de Pandora, de onde pode sair, efectivamente, todas as desgraças – se é que as já existentes não são suficientes.


    A resposta do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) à crise financeira e de valores da imprensa é ‘escurecer’ ainda mais já pouco respeitada Lei da Transparência dos Media, aprovada em 2015. A proposta de revisão desta legislação enviada este mês pelo regulador para a Assembleia da República e o Ministério dos Assuntos Parlamentares – sob a forma de deliberação assumida no passado dia 2 pelo órgão presidido por Helena Sousa – integra um autêntico repositório de alterações e subtracções das obrigações das empresas de media em termos de identificação dos titulares directos e indirectos dos órgãos de comunicação social, bem como um aligeiramento das penalizações em caso de não indicação (ou lacunas e erros) de indicadores financeiros.

    Uma das alterações mais relevantes com impacte futuro – por poder vir a ser explorada por grupos de media que pretendam esconder quem verdadeiramente os domina – é a possibilidade de acordos parassociais que visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada passarem a ser confidenciais se a ERC assim o determinar, impedindo assim o acesso por terceiros. Ou seja, uma Lei da Transparência dos Media passa a ser isso apenas por denominação.

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    Até agora, na actual legislação, uma empresa de media que estabelecesse um acordo parassocial teria de o enviar à ERC para ser analisado, podendo ser ou não publicitado por decisão do regulador. Porém, pela lei do acesso aos documentos administrativos seria sempre possível aceder aos textos, mesmo que eventualmente expurgados de matérias relacionadas com segredo comercial. Por exemplo, recentemente a ERC analisou um acordo parassocial da Medialivre e da sua holding – que controlam o Correio da Manhão, a CMTV e a Now –, tendo decidido não ser necessária a sua divulgação. Porém, em muitos casos, as decisões do regulador têm-se mostrado políticas, pelo que, por agora, se mostra possível legalmente requerer o acesso particular aos documentos, algo que deixará de ser possível se o novo articulado for aprovado.

    Esta questão não é de somenos importância. Os acordos parassociais são contratos celebrados por sócios (ou accionistas) de uma sociedade, com a eventual inclusão de terceiros, onde eventualmente se estabelece, por exemplo, condições de investimento ou compra ou aumentos de participações em função de determinados critérios ou objectivos. Na prática, os acordos parassociais podem, no limite, esconder os verdadeiros ‘donos’ de uma empresa de media, funcionando os sócios conhecidos como ‘testas de ferro’. Actualmente, começam a surgir um cada vez maior interesse de fundos de investimento, ou outras entidades, em influenciar os negócios dos media sem ser através da entrada no capital social, mas sim por via de empréstimos obrigacionistas.

    Regra geral, as obrigações não dão direito ao financiador de se imiscuir na gestão, excepto, claro, se houver um acordo parassocial que o determine ou que, por exemplo, seja acordado a possibilidade de conversão das obrigações em acções ou quotas (obrigações convertíveis). Essa possibilidade – ou perigo – ainda é maior em empresas de media descapitalizadas ou mesmo com capitais próprios negativos (falência técnica). Por isso, conceder apenas o controlo à ERC nesta matéria, tornando potencialmente secretos todos os acordos parassociais, constituirá um recuo clamoroso na transparência dos media.

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    Não é apenas neste aspecto que a ERC ‘convida’ as empresas de media a tornarem-se menos transparentes. Sobre o relatório do governo societário (ou organizacional, na proposta da ERC) – que passa a ficar restrito às empresas com mais de 10 empregados (o que, neste caso, retira a obrigatoriedade de a empresa gestora do PÁGINA UM de o enviar anualmente) –, o regulador também propõe uma alteração que promove o obscurantismo: o acesso pode ser restrito alegando-se “a protecção de dados pessoais ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados”. Este tem sido, aliás, um argumento ‘estafado’, usado por outras entidades públicas, para apagarem até nomes, sabendo-se que esse regulamento define como dados pessoas a proteger apenas aqueles elementos que digam respeito à intimidade, designadamente dados de saúde, de orientação sexual, de religião e de associação. Ou seja, não abrange a reserva de nome nem outros elementos previstos nesse relatório.

    Outro aspecto polémico da proposta do Conselho Regulador da ERC é a possibilidade isenção do cumprimento das normas de transparência sobre os meios de financiamento e o relatório organizacional por parte das “entidades que prossigam actividades de comunicação social a título acessório, em que a actividade de comunicação social tenha comprovadamente um peso diminuto nos rendimentos e um alcance residual ao nível das audiências”. A ERC não determina o que é “um peso diminuto nos rendimentos” nem “um alcance residual ao nível das audiências”, mas claramente esta norma, a passar, isentará os partidos políticos, diversas instituições religiosas, sindicatos e associações.

    Por fim, ‘a cereja no topo do bolo’ diz respeito às penalidades previstas numa lei sistematicamente desrespeitada nas ‘barbas’ do regulador. Desde o ano passado, o PÁGINA UM detectou erros, alguns intencionais, ou omissões de grande relevância financeira na Global Media, na Trust in News, na Inevitável e Fundamental (Polígrafo), na Parem as Máquinas (do semanário Tal&Qual) e no Observador On Time. Muitos outros casos de incumprimento generalizado são evidentes, mesmo em projectos jornalísticos considerados independentes e alternativos.

    Ora, a proposta do Conselho Regulador é de baixar de forma significativa as coimas. Por exemplo, as contra-ordenações muitos graves que são puníveis com coimas de 5.000 a 25.000 euros quando praticadas por pessoa singular, e de 50.000 a 250.000 euros quando praticadas por pessoa colectiva, passam, na proposta da ERC, para 1.250 a 20.000 euros, e de 5.000 a 120.00 euros, respectivamente. Mas fica ainda a possibilidade imediata de suspensão da coima se a entidade ou pessoa apanhada em falta, corrigir as declarações. Ou seja, é um autêntico convite para se esconder – e se se for apanhado, então  corrige-se sem consequências, apenas tendo o ‘cuidado’ de não prevaricar durante um período entre dois e cinco anos a fixar pela própria ERC.

    Posto tudo isto, se esta proposta do Conselho Regulador da ERC for aprovada nestes moldes pela Assembleia da República, à Lei da Transparência dos Media restará apenas uma coisa: a denominação enganadora. E não vai contribuir assim, nessa linha, para melhorar o cenário terrível da imprensa onde campeiam, entre os principais grupos de imprensa, casos de dívidas ao Estado, falências técnicas e dificuldades de tesouraria, em simultâneo à promiscuidade entre jornalismo e interesses económicos e financeiros.


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  • Visão e Exame têm marcas penhoradas pelo Estado desde 2020

    Visão e Exame têm marcas penhoradas pelo Estado desde 2020

    Os registos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) comprovam que as marcas das revistas mais emblemáticas da Trust in News — a Visão e a Exame — estão penhoradas desde 2020. Já o título da revista Activa ‘está no prego’ desde o ano passado. Em causa estão processos judiciais de execução iniciados pela Segurança Social e pelo Fisco relativos a dívidas que se acumulavam já desde 2019, segundo documentos consultados pelo PÁGINA UM. Apesar de ter um capital social de apenas 10 mil euros, a sociedade de Luís Delgado conseguiu, surpreendentemente, acumular dívidas da ordem dos 30 milhões de euros e não pagou contribuições dos trabalhadores à Segurança Social nem os descontos de IRS ao Fisco. Em Junho, iniciou um Processo Especial de Revitalização numa tentativa de evitar a declaração de insolvência. Há outros títulos da Trust in News sob penhor, como garantias de empréstimo do Novo Banco, mas Luís Delgado foi registando marcas ‘paralelas’, salvas agora de penhoras. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nunca foi informada pela Trust in News destas penhoras.


    A Segurança Social e o Fisco mandaram penhorar, em 2020, as marcas de dois dos principais títulos da Trust in News, Visão e Exame, na tentativa de recuperar dívidas acumuladas pela empresa desde 2019. A sociedade unipessoal do empresário e comentador Luís Delgado iniciou recentemente um Processo Especial de Revitalização (PER) para tentar evitar a falência quase iminente. O Estado é o maior credor da empresa de media que comprou, em 2018, o portfólio de revistas da Impresa, dona do Expresso e da SIC.

    Segundo os registos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), desde 23 de Novembro de 2020 que a marca da revista Visão tem o seguinte averbamento: “[sic] penhora à ordem do instituto de gestão financeira da segurança social, i.p. exequente: secção de processo executivo de lisboa ii – instituto de gestão financeira da segurança social, i.p. executado: trust in news, unipessoal lda”. Segundo os dados do INPI, o pagamento de taxas relativas à manutenção da marca está suspenso a aguardar “sentença de tribunal”.

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    Também a marca da revista Exame tem no seu registo no INPI um averbamento relativo a uma penhora por ordem do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito de processo de execução da Trust in News desde a mesma data de 2020. No caso da marca da revista Activa, desde Maio de 2023 que o seu registo no INPI inclui um averbamento de penhora referente a um processo de execução fiscal da Autoridade Tributária, mais concretamente do ‘Serviço de Finanças de Oeiras 1’. Esta marca tem igualmente suspenso o pagamento de taxas a aguardar sentença. O Fisco também penhorou as marcas Tele Novelas e TVMais.sapo.pt.

    No total, de acordo com os documentos de reclamação de créditos consultados pelo PÁGINA UM, a Autoridade Tributária efectuou 10 penhoras referentes a dívidas da Trust in News e exigiu ainda duas fianças. A titularidade das marcas é essencial para o exercício da actividade jornalística. Ou seja, Luís Delgado não poderia já usar os títulos se não houvesse uma autorização da Segurança Social e a Autoridade Tributária.

    Segundo os documentos, a empresa unipessoal de Luís Delgado acumula dívidas ao Fisco desde Agosto de 2019 até ao anúncio do PER. Só a estas duas entidades, a dívida perfaz um total de 8.125.545,20 euros, sendo relativa a descontos dos trabalhadores para efeitos de IRS, IVA, juros e custas.

    A marca da revista Visão é uma das que está sob penhora desde 2020 por parte da Segurança Social. O Novo Banco tem penhora de 2º grau sobre a marca.

    Quanto ao incumprimento perante a Segurança Social, este ocorre desde Dezembro de 2019. Até Abril deste ano, a dívida da dona da revista Visão à Segurança Social ascendia aos 8.973.112,22 euros. Este montante engloba sobretudo contribuições não pagas relativas aos trabalhadores, mas também responsabilidades com trabalhadores independentes, juros e custas. Ou seja, há mais de quatro anos que Luís Delgado decidiu deixar de pagar as contribuições à Segurança Social, apesar da Trust in News nunca ter sequer sido inscrita na lista dos devedores, porque alegadamente chegou a um acordo de pagamento faseado que não só incumpriu como manteve a postura de não saldar as novas e sucessivas obrigações.

    Tanto o incumprimento do pagamento de IVA como o não pagamento à Segurança Social de descontos retidos dos trabalhadores são considerados crime e passíveis de pena de prisão, independentemente da aprovação do PER.

    Além das marcas acima mencionadas, outros títulos da Trust in News foram entregues ao Novo Banco como garantia do empréstimo que Luís Delgado assinou para efectuar a compra das revistas a Pinto Balsemão. O banco, que nasceu em 2014 para ficar com os ‘ativos bons’ do antigo BES, é um dos principais credores da Trust in News. Apesar do prolongado incumprimento por parte da empresa de media, só no ano passado é que o Novo Banco exigiu, como garantia, o penhor de sete marcas, nomeadamente, Exame Informática, Jornal de Letras, Visão Júnior, Visão História, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima (marca da União Europeia, já que o INPI recusou o registo como marca nacional). Mas o banco detém ainda penhor em segundo grau sobre outras marcas, incluindo a Visão, que será exercidas se o Estado permitir.

    Registo do INPI que mostra penhora da marca Visão pelo Instituto de Gestão da Segurança Social.

    Recorde-se que o Novo Banco arrisca perder 3,5 milhões de euros, uma verba que emprestou à Trust in News em 2018, quando ainda recebia injecções de capital com recurso a empréstimos do Estado.

    Não é de estranhar a entrega das marcas como garantia. Numa empresa de media, são sobretudo os títulos o principal activo e Luís Delgado atribui um valor de quase 11 milhões de euros a esses activos intangíveis que detém. Trata-se de um valor próximo ao da venda pela Impresa do portfólio das revistas há cinco anos, que foi de 10,2 milhões de euros. E é essencial para qualquer entidade poder exercer a sua actividade com essa marca.

    Contudo, no Portal da Transparência dos Media não se encontra qualquer referência ao facto de a maioria das marcas de publicações da Trust in News estarem penhoradas ou dadas como garantia a um possível futuro dono. Também não existe qualquer menção nas contas certificadas sobre os títulos penhorados, o que não se mostra compreensível por serem activos essenciais para a actividade de um grupo de media.

    Questionada sobre se recebeu alguma informação sobre as penhoras por parte da Trust in News, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) indicou ao PÁGINA UM que “não dispõe dessa informação”. A ERC foi apenas “informada”, no início de Junho deste ano, “de que a empresa Trust in News, Unipessoal, Lda., deu início a um processo especial de revitalização”. Aliás, a ERC é uma das entidades credoras da Trust in News: Luís Delgado deixou de pagar taxas de regulação e supervisão de 35.088 euros.

    Sobre se deveria ou não constar no Portal da Transparência a informação sobre a penhora das marcas dos títulos da Trust in News, a ERC remeteu para a legislação em vigor sobre a matéria, escusando-se a fazer mais comentários. Segundo o regulamento que estabelece as regras sobre a transparência dos media, as empresas têm de dar garantias de “independência em matéria editorial” e divulgar informação financeira, nomeadamente sobre os maiores credores, como é o caso da Segurança Social e do Fisco. Ora, o facto de existirem marcas de publicações dadas como garantia, constitui uma potencial ameaça à independência editorial.

    Recorde-se que, em Julho de 2023, o PÁGINA UM revelou que a Trust in News registava uma dívida gigantesca ao Estado, a qual escondia da ERC e do Portal de Transparência dos Media. A empresa fez rectificação depois dessa notícia, mas mais uma vez enganou o regulador. Na declaração dos indicadores financeiros de 2022 – a Trust in News já está em falta sobre o ano de 2023 –, a empresa de Luís Delgado diz que a Autoridade Tributária e Aduaneira é detentora de 42% do passivo. Esse valor não estará correcto e, além disso, continuou omisso a existência de dívidas elevadíssimas á Segurança Social.

    Independentemente disso, estas novas revelações confirmam que as dificuldades financeiras da empresa de media remontam ao primeiro ano da sua existência, após a compra das revistas à Impresa, o que indicia que o negócio nunca deu qualquer indicador de viabilidade financeira. E nem sequer pode ser assacada á pandemia, porquanto as dívidas começaram ainda muito antes de 2020.

    Saliente-se também que, apesar de a Trust in News ter os seus títulos principais penhorados e outros dados como garantia, a Trust in News pediu, a partir de 2018, o registo junto do INPI de marcas ‘paralelas’, que estão, actualmente, livres de ónus, tais como Visão Digital; Courrier Internacional Digital; Activa Digital; Exame Informática Digital; Jornal de Letras Digital; e Visão Júnior Digital. Também é titular da marca Exame Digital, registada desde 2001, e da Exame Online, registada em 2000. Nenhuma destas marcas ‘irmãs’ dos títulos principais da empresa estão penhoradas ou dadas como garantia a grandes credores, mas subsistem dúvidas se serão de alguma utilidade sem as marcas originais.

    De fora destes imbróglios, estão publicações que a Trust in News tem registadas junto da ERC, mas cujas marcas pertencem a outras entidades, como é o caso da Caras e da Caras Decoração, detidas pelo Grupo Perfil Inversora, e o Courrier Internacional.


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  • Crédito ruinoso: Fundo de Resolução ‘sacode água’ para o Novo Banco

    Crédito ruinoso: Fundo de Resolução ‘sacode água’ para o Novo Banco

    O Novo Banco é um dos lesados da Trust in News, dona da revista Visão, que deve 3,5 milhões de euros à instituição financeira que nasceu na sequência do colapso do Banco Espírito Santo. O Fundo de Resolução, que é accionista e era o responsável pelas injecções de capital no banco para tapar os prejuízos herdados do BES, disse ao PÁGINA UM que não teve responsabilidades no crédito ruinoso concedido à sociedade unipessoal do empresário Luís Delgado para este comprar o portfólio de revistas à Impresa em 2018. Como é que o banco emprestou milhões a uma sociedade com um capital de apenas 10.000 euros e quem deu luz verde ao crédito, são questões sem resposta do Novo Banco. Este crédito, que permitiu a compra do portfólio de revistas da Impresa, deixará como maiores lesados os contribuintes, já que a dívida da Trust in News ao Estado supera os 15 milhões de euros. Recorde-se que o Novo Banco tem um histórico de créditos ruinosos que levaram a injecções milionárias de capital para tapar os buracos deixados por empréstimos concedidos sem que tivessem ficado acauteladas as devidas garantias.


    O Fundo de Resolução, que é acionista minoritário do Novo Banco, recusa responsabilidades no crédito ruinoso que levou a que o banco seja um dos lesados da Trust in News, dona da revista Visão que iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER) para evitar a falência.

    O banco criado em 2014 para ficar com os activos ‘bons’ do malogrado Banco Espírito Santo (BES) pode vir a dizer a ‘adeus’ a 3.557.280,68 euros, uma verba que emprestou à Trust in News quando ainda recebia injecções de capital com recurso a empréstimos do Estado. O empréstimo aprovado em 2018 serviu para que a sociedade unipessoal do empresário e comentador Luís Delgado pagasse uma parcela do valor referente à compra do portfólio de revistas do grupo Impresa, dona da SIC e do Expresso. O negócio anunciado pelo valor de 10,2 milhões de euros só pôde avançar com o ‘cheque’ passado pelo Novo Banco.

    Recorde-se que o Novo Banco recebeu diversas injecções de capital do Fundo de Resolução, sobretudo financiadas com recurso a empréstimos do Estado, para tapar os buracos deixados por perdas herdadas do antigo BES. Mais de metade dos prejuízos e dos activos tóxicos identificados no Novo Banco, que tiveram de ser cobertos principalmente com empréstimos dos contribuintes, foram sobretudo relativos a créditos ruinosos.

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    A lista de empresas credoras da Trust in News engloba a Impresa e o Novo Banco mas é ao Fisco e à Segurança Social que a dona da Visão mais deve.

    Questionada sobre quem autorizou o Novo Banco a conceder o empréstimo a Luís Delgado, fonte oficial do Fundo de Resolução, que é uma entidade pública, sacudiu a ‘água do capote’ e apenas respondeu que o crédito não estava, nem está, abrangido pelo Acordo de Capitalização Contingente feito aquando da venda do banco. A mesma fonte oficial adiantou ao PÁGINA UM que “o Fundo de Resolução não foi, nem tinha que ser, nos termos dos contratos, consultado” sobre a concessão do crédito milionário a uma sociedade com um capital social de uns meros 10.000 euros.

    Aquele Acordo de Capitalização Contingente foi efectuado quando o Novo Banco foi vendido ao fundo Lone Star, que ficou com 75% do banco numa operação concluída em Outubro de 2017, tendo o Fundo de Resolução ficado com 25% do capital do banco.

    Mediante aquele acordo, o Fundo de Resolução teria de fazer injecções de capital de até 3.890 milhões de euros para cobrir perdas que o Novo Banco registasse que estivessem relacionadas com activos tóxicos herdados do BES, incluindo milhões em empréstimos ruinosos. Entre os ‘caloteiros’ que lesaram o Novo Banco com empréstimos ‘tóxicos’ estiveram a Ongoing, liderada por Nuno Vasconcellos, e a Promovalor, do antigo presidente do Sport Lisboa e Benfica, Luís Felipe Vieira.

    Luís Máximo dos Santos, presidente do Fundo de Resolução. O Fundo entende que não tem nada a ver com o crédito ruinoso concedido pelo Novo Banco a Luís Delgado, quando o banco dependia de injecções de capital financiadas pelos contribuintes.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da audição no Parlamento, em Fevereiro de 2020)

    O empréstimo à Trust in News foi concedido em 2018, quando o banco era liderado por António Ramalho, que não quis comentar, agora, o facto de o Novo Banco ser um dos lesados da empresa de Luís Delgado. Ramalho também se escusou a indicar quem no banco deu o ‘OK’ à concessão de um empréstimo num valor tão elevado a uma sociedade unipessoal.

    Certo é que Ramalho não foi prejudicado. Naquele ano, o gestor viu o seu salário aumentar 16% para 382,4 mil euros. Já o Novo Banco fechou o exercício de 2018 com um prejuízo de 1.412 milhões de euros. No ano anterior, o banco tinha registado perdas colossais de 2,3 mil milhões de euros. Quanto ao Fundo de Resolução, liderado por Luís Máximo dos Santos, encerrou o ano de 2018 com um ‘buraco’ de 6,1 mil milhões de euros nos seus recursos próprios devido às injecções no Novo Banco.

    Também o Novo Banco escusou-se a explicar ao PÁGINA UM como é que ficou exposto a mais um crédito ruinoso. Também não explicou como pôde fazer um empréstimo milionário a uma sociedade com um capital social de apenas 10.000 euros e sem aparentes garantias sólidas correspondentes.

    António Ramalho, ex-presidente-executivo do Novo Banco. (Foto: Captura a partir de vídeo promocional do Novo Banco)

    O fundo Lone Star não respondeu às questões colocadas pelo PÁGINA UM, nomeadamente sobre como foi autorizado o crédito à Trust in News.

    O Novo Banco nasceu para ficar supostamente com os activos ‘bons’ do BES, que foi alvo de resolução em 2014. O banco foi comprado pelo fundo Lone Star, mas o Fundo de Resolução permaneceu accionista da instituição financeira e era a entidade responsável pela realização das injecções de capital anuais previstas no Acordo de Capitalização Contingente. Nos últimos anos, o Fundo foi diluindo a sua posição como accionista do banco mas em Maio ficou a saber-se que aquele fundo público decidiu pagar 128 milhões de euros ao Estado para comprar mais 4,14% do capital do Novo Banco, passando a deter 13,54% do capital.

    O Fundo de Resolução, que é “uma pessoa coletiva de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira“, foi criado em 2012 para “prestar apoio financeiro às medidas de resolução aplicadas pelo Banco de Portugal, na qualidade de autoridade nacional de resolução”. Desde 2014, o Fundo injectou 8.305 milhões de euros no Novo Banco, na maioria através de empréstimos do Estado. Recentemente, uma decisão judicial determinou que o Fundo tem ainda de pagar mais 185 milhões de euros ao banco, o que eleva a factura do Fundo para 8.490 milhões de euros.

    Luís Delgado (à esquerda) e Francisco Balsemão, presidente-executivo da Impresa. A dona da SIC é uma das lesadas da Trust in News e não se sabe ao certo quanto é que chegou a receber dos 10,2 milhões de euros anunciados em 2018 quando o grupo vendeu o seu portfólio de revistas a Delgado. (Foto: D.R.)

    O Fundo injectou 4900 milhões de euros no Novo Banco quando foi criado. Deste montante, 3900 milhões foram emprestados pelo Tesouro. Em 2017, com a venda do Novo Banco, foi criado um acordo com o fundo Lone Star que previa injecções de capital pelo Fundo de Resolução até 3.890 milhões de euros para cobrir perdas geradas por activos e créditos herdados do BES.

    A 13 de Fevereiro de 2023, foi anunciada a conclusão do processo de reestruturação do Novo Banco. Tinham sido injectados 3.405 milhões de euros desde 2017. Recentemente, soube-se que o Fundo ainda tem de pagar mais 185 milhões de euros, acrescidos de juros, e também juros pelo pagamento tardio, em 2021, da injecção anual pedida no âmbito do Acordo, além de danos adicionais causados pelo atraso. Por outro lado, o Fundo considera que tem ainda direito a receber um valor estimado de 127,8 milhões de euros referentes a verbas recuperadas pelo banco relativamente à sua exposição “a um devedor em particular”.

    Além das injecções do Fundo, outras operações permitiram o reforço do capital do Novo Banco. No total, o banco engoliu, desde que foi criado, um total de 11.875 milhões de euros.


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  • Reportagem sobre cupão de desconto do Correio da Manhã vai sair cara à CMTV

    Reportagem sobre cupão de desconto do Correio da Manhã vai sair cara à CMTV

    Para promover uma campanha de descontos do Correio da Manhã, a CMTV decidiu ir dar uma ‘ajudinha’, fazendo uma reportagem numa papelaria lisboeta e usando uma jornalista. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considerou, porém, abusivo o uso de um espaço noticioso para auto-promoção e levantou agora um processo de contra-ordenação à Medialivre. A campanha do Correio da Manhã, que nem sequer se mostrou um sucesso comercial, pode agora vir a custar uma coima de até 150 mil euros.


    A CMTV arrisca uma multa máxima de 150 mil euros por ter transmitido num noticiário uma reportagem em directo a promover cupões de desconto do Correio da Manhã. Para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que aprovou a deliberação no final do mês passado, e a divulgou ontem, o serviço noticioso Grande Jornal da Tarde, no canal televisivo não poderia ter feito, no passado dia 22 de Janeiro, uma evidente campanha de autopromoção do diário da Medialivre, ainda mais usando uma jornalista-estagiária, Beatriz Henriques Ferreira (TP 1351), apesar de ser ilegalmente identificada como Beatriz Ferreira, uma vez que este é o nome profissional de uma jornalista do Observador (CP 7350).

    Por esse motivo, a ERC fez também uma participação à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), contra a jovem jornalista face à regulamentação que impede a participação em actividades de índole promocional, excepto se for para o próprio órgão de comunicação social. Apesar do mesmo grupo de media, o Correio da Manhã e a CMTV são órgãos de comunicação distintos, mesmo compartilhando a mesma direcção. Na CCPJ, porém, um dos três membros do Conselho Disciplinar é o jornalista Miguel Alexandre Ganhão, editor da seção de Política e Economia da CMTV.

    Para aumentar vendas do Correio da Manhã, CMTV promoveu a campanha de cupões.

    Espoletado por uma queixa particular, a reportagem integrada no noticiário da CMTV destacava “a campanha que lhe permite comprar o Correio da Manhã por apenas um euro”, sendo que o pivot, antes de ‘lançar’ a jornalista Beatriz Ferreira presente na Papelaria Suave, em Lisboa, informava que “hoje é dia de usar o cupão que saiu durante o fim de semana e ter um desconto de 50 cêntimos”. E no oráculo lia-se, em letras garrafais: “HOJE: O SEU CM POR APENAS 1€” e “CUPÃO DÁ DESCONTO DE 50 CÊNTIMOS”.

    Analisada a reportagem, onde a jornalista aludia “desde logo ao preço do jornal com o desconto dado pelo cupão” – dizendo que “começa mais uma semana em que os leitores podem comprar o Correio da Manhã por apenas um euro”, e instruía sobre a forma de obter os descontos”, a ERC não teve dúvidas em considerar uma “auto-promoção”, assentando que “existe um dever de separação entre conteúdos promocionais e conteúdos jornalísticos que vem sendo sedimentado ao longo do tempo e que vem englobando as adaptações que a evolução do campo da comunicação social vem exigindo”.

    Particularmente evidente se mostrou a ‘entrevista’ da jornalista Beatriz Ferreira à proprietária da Papelaria Suave sobre a adesão à campanha, que garante que “até há clientes que deixam o cupão quando é publicado para reserva do jornal nos dias que se seguem”, revelando também que no seu estabelecimento o Correio da Manhã é “o jornal diário mais vendido, sim senhora”.

    Jornalista Beatriz Ferreira, da CMTV, foi usada para fazer auto-promoção a uma campanha do Correio da Manhã em violação do Estatuto do Jornalista.

    E, sua defesa, a CMTV assegurou à ERC que apenas “pretendeu fazer uma cobertura noticiosa com relevância editorial (concorde-se ou não com as opções editoriais seguidas), da iniciativa do Correio da Manhã e não actuar ‘promocionalmente’ para facilitar/incrementar a venda do jornal”.

    Embora admitindo que “se possa entender que a divulgação de uma iniciativa, com o impacto e o sucesso que esta teve junto do público, acaba por elogiar a imagem do Grupo Correio da Manhã”, acrescenta que “esse é o preço do reconhecimento que o público deu à iniciativa”, e que, nessa medida a Lei da Televisão (LTSAP) “não tem por objectivo vedar a divulgação de campanhas bem-sucedidas e apenas publicitar as ‘más notícias’.

    A ERC não foi, contudo, da mesma opinião, e assim além de instaurar um processo de contra-ordenação à CMTV – que prevê uma coima entre 20 mil e 150 mil euros –, recomendou ao canal televisivo a cumprir os deveres de isenção dos conteúdos jornalísticos, designadamente através da separação clara entre conteúdos editoriais e conteúdos promocionais”. Ou seja, uma questão cada vez mais sensível na comunicação social portuguesa.

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    Saliente-se que esta campanha de descontos não teve um impacte muito significativo nas vendas do Correio da Manhã durante o primeiro trimestre deste ano, que fechou com uma média diária em banca de 37.121 exemplares contra 36.396 exemplares ao longo do trimestre anterior, de acordo com dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação.

    Mas comparando com o período homólogo de 2023, o diário da Medialivre vendeu menos 4.689 exemplares por dia em papel. Em todo o caso, o Correio da Manhã bate largamente a concorrências na venda de jornais em papel, vendo quase tanto quanto a soma dos três outros principais diários: Jornal de Notícias (17.943 exemplares), Público (10.234 exemplares) e Diário de Notícias (apenas 1.116 exemplares).

    N.D. 21h40 de 5 de Agosto de 2024 – Lamentavelmente, o PÁGINA UM foi induzido em erro pela identificação da jornalista da CMTV que, de forma pública usa, o nome profissional de Beatriz Ferreira, sendo que está impedida por lei de o fazer, uma vez que esse nome profissional é detido por outra jornalista, do jornal Observador, que detém a carteira profssional (CP) 7350. Na verdade, a Beatriz Ferreira da CMTV, ainda nem sequer é jornalista, estando em estágio com a carteira TP 1351, sendo identificada pelo nome Beatriz Henriques Ferreira. Por lei, um jornalista não pode usar o nome de outro, ainda mais estando no activo. Mas a ‘bandalheira’ impera na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que deveria impedir estas situações ilegais. Mas, convenhamos, que, neste aspecto, a CCPJ até já teve uma presidente (Leonete Botelho) que nada fez para que o então director do jornal onde trabalha(va) usasse apenas o nome profissional do seu registo pessoal. Independentemente de ter cometido um lapso por causa de uma ilegalidade da CMTV, o PÁGINA UM apresenta as desculpas à verdadeira Beatriz Ferreira (CP 7350). E procedeu à devida correcção.


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  • Trust in News: Luís Delgado sob risco de condenação por crime de abuso de confiança fiscal

    Trust in News: Luís Delgado sob risco de condenação por crime de abuso de confiança fiscal

    O volume de dívidas da Trust in News – dona da Visão e de mais 16 títulos da imprensa – à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira revelam que o ex-jornalista e empresário Luís Delgado nunca se preocupou em cumprir as obrigações com o Estado, mesmo estando a ultrapassar largamente o risco de abuso de confiança fiscal, por nem sequer pagar o IVA. Mas, nos últimos tempos, a estratégia mudou: além de não pagar ao Estado, não pagar também a fornecedores. E, nos últimos tempos, aos jornalistas. Assim, além de volumosas dívidas aos bancos (Novo Banco e BCP) e à Impresa, a quem terá comprado as revistas em 2018, a Trust in News foi somando calotes: ao senhorio, aos CTT, a uma empresa de limpeza e a duas de táxis, à Entidade Reguladora para a Comunicação e a tudo o que se cruzasse. Até a sociedade de advogados de Pedro Santana Lopes e o Benfica estão no rol. Pressente-se, aliás, o colapso do grupo, tanto assim que mais de oito dezenas de jornalistas reivindicam créditos. Nesse lote está a ex-directora da Visão, Mafalda Anjos, que no ano passado considerou “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. Afinal, agora, Mafalda Anjos talvez necessite de apelar à fantasia, pegando numa ‘varinha mágica’ para sonhar vir a receber mesmo os 54 mil euros que lhe foram prometidos aquando da rescisão do contrato no início deste ano.


    O dono da Trust in News, Luís Delgado, arrisca uma condenação por crime de abuso de confiança fiscal, até cinco anos de prisão, independentemente da aprovação do processo especial de revitalização (PER) do grupo de media que tem a revista Visão como principal título. Essa possibilidade advém da constatação de que a dívida de 8.125.545,20 euros, apurada pelo administrador judicial, no âmbito do PER, anotar a existência quer de dívidas de IRS, incluindo retenções na fonte dos salários, quer de IRC, quer sobretudo de IVA.

    De acordo com o documento do Tribunal de Sintra que lista nominalmente os 166 credores com montantes reconhecidos que superam os 32,2 milhões de euros, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) reivindica o pagamento de quase 7,1 milhões de euros em dívidas, a que acresce já 802 mil euros em juros, quase 110 mil euros em coimas e 113 mil em custas. Considera-se crime, com pena de prisão de entre um e cinco anos se não for feita a entrega de IVA de mais de 50 mil euros, sendo que a punição se aplica se tiverem decorridos mais de 90 dias sobre o termo legal para entrega da quantia e não for tudo pago (incluindo juros e coimas) no prazo de 30 dias após a notificação pela AT. Ora, a notificação terá ocorrido, uma vez que só em juros a dívida aumentou mais de 800 mil euros.

    Acresce também as dívidas à Segurança Social, que serão também bastante antigas, a atender aos juros de mora que atingem agora mais de 836 mil euros, a que se juntam cerca de nove mil euros em custas. No total, a Trust in News conseguiu, airosamente continuar a laborar, enquanto acumulava dívidas de contribuições à Segurança Social que, de acordo com o PER, atinge já os 8.979.252 euros.

    Este ‘volume’ de dívidas ao Estado confirma que o histórico de endividamento começou desde a própria existência da Trust in News – que assumiu ter comprado o portefólio das revistas à Impresa, prometendo pagar 10,2 milhões de euros. E também revela que, apesar de essas dívidas serem conhecidas pelo Governo socialista de António Costa, nunca houve ordem para estancar os calotes ao Estado, que se mostraram sempre recorrentes e crescentes. E nunca a Trust in News surgiu na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social.

    Mas talvez o principal sinal mais evidente de que o destino da Trust in News será a insolvência – a solução se o PER não for aprovado – encontra-se no facto de, entre os credores, estarem 79 jornalistas das diversas revistas do grupo, que reivindicam já salários em atrasos nos últimos meses, subsídios de alimentação e / ou de férias. De modo a garantir os créditos, com carácter privilegiado em caso de insolvência, essa acção sugere sinais de colapso iminente. Existem também casos de prestações não pagas a jornalistas freelancer e também outros sete antigos jornalistas do grupo reivindicam agora créditos por incumprimentos dos acordos de rescisão, entre os quais está a antiga directora da Visão, Mafalda Anjos, que exige agora 54.250 euros.

    Mafalda Anjos, ex-directora da revista Visão: há um ano garantiu ser “fantasiosa” a crise da Trust in News. Agora, está no rol de ‘vítimas’ da Trust in News, e só em sonhos pode ambicionar receber os 54.250 euros prometidos no acordo de rescisão contratual no início de 2024.

    Recorde-se que Mafalda Anjos, agora comentadora na CNN Portugal, chegou a apelidar de “fantasiosas” as primeiras notícias do PÁGINA UM em Agosto do ano passado sobre a situação financeira da Trust in News. Arrisca agora a ver os 54.250 euros, com que chegou a sonhar quando saiu da revista no início deste ano, em formato de notas do Monopólio. Convém também salientar que, pela Lei da Imprensa, os directores dos órgãos de comunicação social detêm o direito de acesso detalhado à situação das suas empresas.

    Contudo, o mais surpreendente neste breve caminho da Trust in News – uma empresa com seis anos de existência e 10 mil euros de capital social – é o rol de ‘calotes’ que foi semeando em entidades do seu sector, que podem inviabilizar a continuidade da actividade por receio de aumentarem as dívidas. O caso da Lisgráfica, que actualmente ainda imprime as revistas do grupo, é o principal exemplo. A dívida da Trust in News vai já em 546.761 euros. Como o PER a impedirá, dentro de um prazo acordado pedir a execução desta dívida, a opção poderá passar por não aceitar mais trabalhos para estancar a possibilidade de novos incumprimentos. Similar situação tende a acontecer com o Grupo CTT que, através de três empresas, reivindica créditos muito próximos dos dois milhões de euros.

     A dívida da Trust in News à Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação é muito menor (22.648 euros), mas já levou ao corte de serviços. A associação que transmite as vendas dos títulos da imprensa portuguesa por trimestre – sendo um indicador vital para a definição dos preços de publicidade –, deixou de validar a circulação da Visão e de outros títulos da Trust in News este ano. Também não deverá haver muito interesse da Marktest em fazer controlo de audiência em meios digitais, através do Netscope, para a empresa de Luís Delgado. A empresa, também conhecida pela realização de sondagens, reivindica o pagamento de 110.946 euros.

    Luís Delgado deixou de pagar as rendas onde estão as redacções das revistas na Quinta das Fontes, em Paço de Arcos.

    Até a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) apanhou um calote, que deve ser bastante antigo, por já contabilizar a falta de pagamento da Trust in News de 35.088 euros. Um pouco menos (33.553 euros) é da dívida à Agência Lusa. Desde Janeiro, Luís Delgado também decidiu deixar de enviar o valor das quotas dos jornalistas sindicalizados ao Sindicato dos Jornalistas. Esse atraso constitui formalmente um crime, mesmo se essa falta representa um ‘grão de areia’ na dívida global, embora seja sintomático da desesperada falta de liquidez.

    Aliás, o rol de credores torna evidente que a estratégia dos últimos tempos baseou-se em simplesmente não pagar. Duas empresas de táxis, a Autocoope e Táxis do Alto da Barra, estão a ‘arder’ com 3.268 e 5.181 euros, respectivamente. A Taguspark tem a haver 273.117 euros por prestação de serviços. A empresa QDF, proprietária do edifício onde as revistas da Trust in News têm as redacções, reclama rendas vencidas, com juros, que atingem 82.942 euros. Se houver aprovação do PER, a QDF está impedida de acções de despejo.

    Além de dívidas por serviços de limpeza (12.282 euros), a Trust in News nem se incomodou em pagar os serviços de certificação legal de contas – que, como o PÁGINA UM revelou na semana passada, acrescentou um alerta às contas de 2021 com dois anos de atraso. A DFK & Associados, contratada para olhar a saúde financeira da empresa de Luís Delgado, fez um serviço de auditoria tão bom que nem conseguiu prever que iria apanhar um calote de 17.989 euros, o valor que viu ser reconhecido pelo administrador judicial no âmbito do PER. Entre os demais credores consta também a sociedade de advogados de Santana Lopes (48.973 euros) e até o Sport Lisboa e Benfica (9.942 euros).

    Sociedade de advogados fundada por Pedro Santana Lopes, actual presidente da autarquia da Figueira da Foz, tem créditos de quase 49 mil euros que dificilmente recuperará.

    Sem quaisquer activos não correntes relevantes, a Trust in News valoriza os seus títulos em cerca de 11 milhões de euros, mas mesmo que seja declarada insolvência, o Estado ficará sem quaisquer direitos, embora possa responsabilizar Luís Delgado e os outros dois gerentes, accionando uma reversão fiscal, incluindo a penhora da quinta em Santo Estêvão, em Benavente, que o empresário detém. Quanto aos títulos, não é líquido que se extingam com a insolvência da Trust in News.

    Uma parte dos títulos ainda detidos pela Trust in News, como a Exame Informática e a Visão História, são já penhor do Novo Banco do ponto de vista contratual. Porém, sobre os outros títulos mais apetecidos, como a revista Visão, embora se saiba também estarem sob penhor, não se conhece o detentor desse direito. A Impresa, que tem créditos superiores a quatro milhões de euros, nunca confirmou ou desmentiu se detinha qualquer direito de ‘reversão’ da Visão e de outros títulos em caso de insolvência ou não pagamento da dívida por parte da Trust in News.


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  • Trust in News: Luís Delgado corrigiu ontem contas de 2021 para assumir elevadas dívidas ao Estado

    Trust in News: Luís Delgado corrigiu ontem contas de 2021 para assumir elevadas dívidas ao Estado

    A revista Visão é semanal, mas agora a sua dona, a Trust in News, ‘dá’ notícias quase diárias, e todas más. Ontem, a empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado decidiu entrar com uma correcção das contas de 2021 para ‘introduzir’ uma reserva do revisor oficial de contas (ROC) onde se alertava para a dívida ao Estado que era então de 8,2 milhões de euros. A Trust in News, que tinha obrigação legal de certificar as suas contas, nunca o fez, violando o código das sociedades comerciais. Mas isso é apenas mais uma peça de um puzzle que não explica o essencial: como é que um empresário dos media, mesmo se com boas relações no poder socialista (é ainda sócio de João Cepeda, director de comunicação do Governo Costa, na empresa Capital da Escrita) conseguiu sem incómodo endividar-se tanto (30 milhões de euros) em tão pouco tempo (seis anos), tendo investido apenas 10 mil euros? E depois disso, será que o Estado (Governo) vai dar-lhe a mão e usar dinheiros públicos para ‘salvar’ empregos de jornalistas que andaram seis anos a assobiar para o ar?


    Já não é apenas um caso de crise na imprensa, mas sim um caso de polícia. A Trust in News, a empresa unipessoal de Luís Delgado – dona da revista Visão e de mais 16 títulos de imprensa – esteve a esconder durante anos a situação de dívidas ao Estado, porque nem sequer emitiu a Certificação Legal de Contas (CLC), que no seu caso era claramente obrigatória por ser uma sociedade por quotas com um balanço superior a 1,5 milhões de euros, deter vendas anuais superiores a 3 milhões de euros e contar mais de 50 trabalhadores.

    Nas contas de 2018 a 2022 – as do ano passado ainda não foram aprovadas – depositadas regulamente na Base de Dados das Contas Anuais, a Trust in News informava sempre que não estava obrigada a ter contas certificadas por um revisor oficial de contas. Mas isso foi até ontem, porque a empresa de media apresentou esta quinta-feira uma “declaração de substituição” respeitante às contas do ano civil de 2021, para assim ‘eliminar’ aquela que fora apresentada em 15 de Julho de 2022, e que o PÁGINA UM tinha obtido numa consulta aos registos no ano passado.

    Esta declaração de substituição não alterou absolutamente nada das demonstrações financeiras já conhecidas (balanço, demonstração de resultados, demonstrações dos fluxos de caixa e alteração do capital próprio). A alteração é mais relevante por um formalismo substancial: o revisor oficial de contas – DFK & Associados – faz uma reserva extremamente relevante: “Chamamos a atenção para o facto da Entidade [Trust in News] apresentar dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária [e Aduaneira] no montante total aproximado de 8.200.000 euros. Do valor indicado refira-se que até à emissão da presente Certificação tinham sido liquidados, pelo menos, 790.000 euros e celebrado acordos de pagamentos prestacionais no montante de 2.500.000 euros“.

    Este ‘adiamento’ de dois anos, violando o Código das Sociedades Comerciais, em relevar as dívidas fiscais e o não pagamento das contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores, mesmo com um acordo (secreto) com o Estado, pode ser fundamental para uma eventual responsabilidade civil e judicial de Luís Delgado e dos outros dois gestores da Trust in News, Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro. No limite, pode haver lugar a reversão fiscal sobre o património dos gerentes em caso de insuficiência patrimonial, que sempre se mostrou insuficiente.

    Também não deixa de ser anormal que a auditora DFK & Associados – com regras específicas e sob supervisão da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC) se tenha aprestado a proceder, agora em 2024, a uma adição de uma reserva às contas de 2021. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos à empresa de auditoria – que tem uma vasta experiência em consultoria financeiras com entidades públicas, contabilizando 87 contratos no valor de quase 2 milhões de euros – sobre as razões deste extemporâneo alerta, e se as contas de outros anos sofreriam idêntica alteração.

    Informação constante no IES das contas de 2021 da Trust in News na declaração entregue em 15 de Julho de 2022 (A) e na declaração de substituição em 4 de Julho de 2024 (B)

    Contudo, fonte desta sociedade escusou-se a responder, dizendo apenas que “a DFF & Associados presta serviços de auditoria e encontra-se sujeita a supervisão das entidades competentes e regras deontológicas deste setor de atividade”, acrescentando que “neste enquadramento não fará publicamente ou através de órgãos de comunicação social comentários sobre situações particulares dos seus clientes”. Essa posição não retira a anormalidade desta situação.

    Em todo o caso, a assumpção pela Trust in News – mesmo que esc0ndida durante dois anos, embora com o ‘rabo de fora’ por serem detectáveis na análise ao passivo – das dívidas ao Estado para o ano de 2021 sugere que, em breve, o mesmo seja extensível aos anos seguintes, onde o ‘calote’ foi aumentando. Na verdade, quase duplicou, uma vez que se situa agora, sendo os dados do Processo Especial de Revitalização (PER), em quase 16 milhões de euros.

    Os montantes em dívida em 2021, bem como os actuais, indiciam que a Trust in News nunca cumpriu, desde a sua fundação, e após a compra das revistas à Imprensa, quaisquer obrigações fiscais e de Segurança Social. Por exemplo, no caso dos trabalhadores, os encargos da empresa de media respeitante a IRS e Segurança Social atingiu ultrapassou os 1,6 milhões de euros, que não terão ido para os cofres do Estado. Mas para que a dívida seja agora tão elevada, não apenas ficaram por cumprir como se acumularam outras obrigações. Certo é que entre 2022 e o primeiro semestre deste ano, a dívida ao Estado aumentou mais de 250 mil euros em cada mês, não tendo havido ninguém, dentro do Governo, que tenha mandado parar o ‘regabofe’ que se iniciou logo no primeiro ano de existência da Trust in News.

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    Recorde-se que há quase um ano, em 24 de Julho de 2023, o PÁGINA UM começou a revelar, apesar do então silêncio absoluto da generalidade da imprensa mainstream, as dívidas astronómicas da Trust in News ao Estado já se encontrava, em 2022, nos 11,4 milhões de euros, um aumento de 3,2 milhões face ao ano anterior.

    O montante dessa dívida, que representava já 42% do passivo da empresa, não era assumido nem identificado quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, então liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM quando questionado. E o Ministério das Finanças, então chefiado por Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, respondeu apenas “A AT [Autoridade Tributárias e Aduaneira] não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.

    Recorde-se também que o director de comunicação do Governo Costa era João Cepeda, que se mantém como sócio de Luís Delgado na empresa Capital da Escrita, fundada em 2007. Tendo sido a proprietária inicial da revista Time Out, esta empresa – ‘irmã’ da Mercados da Capital, que geriu o franchising Time Out no Mercado da Ribeira até ser vendida em 2015 à Oakley Capital Investments – ainda existe, embora sem actividade. Nas últimas contas apresentadas, relativas a 2022, a Capital da Escrita não teve vendas e só registou gastos de 80 euros, mas ainda possuía activos de 567 mil euros, além de uma dívida ao Estado de quase 142 mil euros. Certo é que os sócios ainda têm esperança de vir a distribuir entre si cerca de 303 mil euros se dissolverem a empresa. Mas isso são outras contas.

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    No caso da Trust in News, a dissolução não é sequer possível; o mais provável será a insolvência, no caso de o PER não ser aprovado face à quase impossibilidade de equilibrar a situação financeira mesmo sem Luís Delgado. De acordo com elementos constantes do PER, a Trust in News apresenta, actualmente, dívidas de cerca de 30 milhões de euros, sendo 8,9 milhões de euros de comparticipações não pagas à Segurança Social e mais 7 milhões de euros respeitam a dívidas fiscais.

    A Impresa – que se ‘safou’ das revistas agora nas mãos de Luís Delgado, mas que teve de suportar imparidades brutais (23,2 milhões de euros) que lhe impactou as contas em 2017 – é o terceiro principal credor da Trust In News, reivindicando 4,2 milhões de euros. Mas o negócio concretizado em 2018 continua, apesar da fiscalização das contas da Impresa pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), envolto em obscurantismo, porque só indirectamente se tem uma estimativa sobre os valores efectivamente pagos por Luís Delgado após a venda.

    Também relevante é o ‘calote’ da Trust in News ao Novo Banco: 3,5 milhões de euros, uma parte dos quais foram financiamento para o pagamento de uma parte da compra das revistas à Impresa, o que significa que Luís Delgado adquiriu as revistas à conta de calotes e empréstimos não pagos. Fica ainda na dúvida sobre quem, no Novo Banco, sob intervenção do Fundo de Resolução, concedeu autorização de milhões para uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Seis anos depois, o negócio afecta a credibilidade e a independência dos media, deixando um rasto de dívidas. (Foto: D.R.).

    Sabe-se também que existem cerca de 170 credores da Trust in News que, além dos acima referidos, incluem os CTT (1,86 milhões de euros), o BCP (922 mil euros), a Associação Portuguesa de Imprensa (36.305 euros), a Lusa (27.575 euros), a Reuters (25.403 euros), a APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (21.072 euros), o Sport Lisboa e Benfica (8824 euros), a Associação Nacional de Jovens Empresários (4320 euros), à Misericórdia do Porto (2.331 euros), o Facebook (480 euros) e ainda a empresa unipessoal do apresentador Cláudio Ramos (3.400 euros). E há também, conforme apurou o PÁGINA UM, antigos jornalistas da Visão que são credores da empresa, no âmbito de processos de rescisão, como são os casos de Cláudia Lobo, Rosa Ruela; Sara Belo Luís e Cesaltina Pinto. Até ao Sindicato dos Jornalistas são devidas verbas, mostrando assim que a Trust in News não enviava para a estrutura sindical as quotas descontadas do salário. O PÁGINA UM confirmou junto do Sindicato dos Jornalistas a existência de atrasos no envio das quotas de jornalistas sindicalizados, o que também constitui crime.

    Luís Delgado, que mantém silêncio sobre a situação da Trust in News desde que lançou o PER, continua, em todo o caso, a fazer as suas frequentes curtas crónicas no site da revista Visão. Numa delas, no passado dia 13 de Março, a pretexto da greve dos jornalistas, chegou a defender que “esta nova AR [Assembleia da República] e Governo têm o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social”. E acrescentava: “Era o que faltava preocuparem-se apenas com a RTP, RDP e Lusa. Merecem, sem dúvida, mas são a ínfima parte da Imprensa em Portugal”, concluindo que “com a Imprensa em greve, está suspenso um dos pilares fundamentais e independentes da Democracia. Assim não pode ser!”


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  • Trust in News: sem pagar nada, empresa de 10 mil euros já vai em ‘calotes’ de 30 milhões

    Trust in News: sem pagar nada, empresa de 10 mil euros já vai em ‘calotes’ de 30 milhões

    Por agora, são 170 os credores da Trust in News, que até incluem o apresentador Cláudio Ramos, embora o apresentador da TVI tenha ficado a ‘arder’ com apenas 3.400 euros. Pior está o Estado, que é credor de quase 16 milhões de euros. O colapso da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado é uma das estórias mal contadas do jornalismo português, porque surge apenas seis anos depois de um suposto negócio de sucesso, quando a Trust in News comprou diversos títulos, com a revista Visão à cabeça, prometendo pagar 10,2 milhões de euros à Impresa. Afinal, só pagou cerca de um terço, usando um empréstimo do Novo Banco, a quem deu calote, e foi construindo sem incómodo um passivo que vai já nos 30 milhões de euros. Mais de metade são dívidas à Segurança Social e à Autoridade Tributária e Aduaneira. Tudo com a ‘protecção’ do Governo de António Costa, que, desde o ano passado, quando o PÁGINA UM descobriu o ‘buraco’ da dona da Visão, nunca esclareceu como era possível uma empresa com capital social de 10 mil euros manter actividade com um tão elevado grau de incumprimento perante o Estado.

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    Há quase um ano, em 24 de Julho de 2023, o PÁGINA UM revelava, num dos ‘segredos’ mais escondidos da crise financeira dos media, assente em cumplicidade política ao mais alto nível governamental, que a Trust in News – a empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado – tinha uma dívida astronómica ao Estado, e que até a escondia da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Nessa primeira investigação, destacava-se que a dona da revista Visão – e de mais uma dezena e meia de títulos, comprados à Impresa em 2018 – tinha uma dívida ao Estado que já se encontrava, em 2022, nos 11,4 milhões de euros, um aumento de 3,2 milhões face ao ano anterior.

    O montante dessa astronómica dívida, que representava já 42% do passivo da empresa, não era assumido nem identificado quer pelo Ministério das Finanças quer pelo Ministério da Segurança Social. Este último, então liderado por Ana Mendes Godinho, nem sequer respondeu ao PÁGINA UM quando questionado. E o Ministério das Finanças, então chefiado por Fernando Medina, embora tenham sido colocadas diversas questões específicas, respondeu apenas “A AT [Autoridade Tributárias e Aduaneira] não se pronuncia sobre a situação tributária de contribuintes específicos, incluindo a tributação de operações concretas, pois estão protegidas pelo dever de sigilo fiscal, previsto no artigo 64º da Lei Geral Tributária”.

    a bird flying in the sky

    No decurso dessa primeira notícia, à qual se seguiriam outras, a então directora da revista Visão, Mafalda Anjos, chegou a rotular de “fantasiosos” os trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM. E durante largos meses, a imprensa mainstream, quase toda com dificuldades financeiras, foi ‘escondendo’ o elefante que se passeava pela sala. E a ERC ‘assobiava’ para o ar. Até há cerca de um mês, quando deu entrada no Tribunal de Sintra um pedido de Processo Especial de Revitalização (PER), tendo o PÁGINA UM confirmado, mais uma vez em primeira mão, no passado dia 4 de Junho, que a empresa de Luís Delgado tinha também dívidas à Segurança Social, o que consubstanciava um eventual crime. O PÁGINA UM apontava então que as dívidas ao Estado já teriam ultrapassado os 14 milhões de euros, sendo que o passivo rondava os 30 milhões de euros.

    E assim é. De acordo com elementos constantes do PER, a Trust in News apresenta mesmo dívidas de cerca de 30 milhões de euros, dos quais 15,9 milhões são ao Estado. Deste montante, 8,9 milhões de euros são de comparticipações não pagas à Segurança Social e 7 milhões de euros respeitam a dívidas fiscais. Saliente-se que o plano de recuperação proposto apenas será aprovado com o voto favorável das entidades estatais, o que a suceder com o Governo Montenegro constitui um regime de proteccionismo a grupos de media que não cumprem as normas legais. Recorde-se que em apenas cinco anos, o então Governo de António Costa permitiu que o grupo de revistas da Trust in News subisse o ‘calote’ até aos 15 milhões ao Estado, sem nunca sequer passar pela lista de devedores. E isto numa empresa com um capital social de apenas 10 mil euros.

    A Impresa – que se ‘safou’ das revistas agora nas mãos de Luís Delgado, mas que teve de suportar imparidades brutais (23,2 milhões de euros) que lhe impactou as contas em 2017 – é o terceiro principal credor da Trust In News, reivindicando 4,2 milhões de euros. Mas o negócio concretizado em 2018 continua, apesar da fiscalização das contas da Impresa pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), envolto em obscurantismo, porque só indirectamente se tem uma estimativa sobre os valores efectivamente pagos por Luís Delgado após a venda.

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Seis anos depois, o negócio afecta a credibilidade e a independência dos media, deixando um rasto de dívidas. (Foto: D.R.).

    Foi anunciado no início de 2018 que a transacção seria de 10,2 milhões de euros, mas nas contas da Imprensa surgem sucessivas renegociações. Nas contas de 2023, o grupo de Pinto Balsemão assumiu já que não esperava vir a receber 2,5 milhões de euros. Assim, se consideramos que ainda está em dívida 4,2 milhões de euros, então Luís Delgado apenas pagou à Impresa 3,5 milhões de euros, através de um empréstimo do Novo Banco. Ora, como o ‘calote’ da Trust in News ao Novo Banco é de 3,5 milhões de euros, significa que Luís Delgado adquiriu as revistas à conta de calotes e empréstimos não pagos.

    Hoje, o Jornal de Negócios adiantou ainda um rol com alguns dos 170 credores da Trust in News que, além dos acima referidos, incluem os CTT (1,86 milhões de euros), o BCP (922 mil euros), a Associação Portuguesa de Imprensa (36.305 euros), a Lusa (27.575 euros), a Reuters (25.403 euros), a APCT – Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (21.072 euros), o Sport Lisboa e Benfica (8824 euros), a Associação Nacional de Jovens Empresários (4320 euros), à Misericórdia do Porto (2.331 euros), o Facebook (480 euros) e ainda a empresa unipessoal do apresentador Cláudio Ramos (3.400 euros).


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