Categoria: Imprensa

  • Ministro do Ambiente organizou conferência de imprensa apenas para jornalistas vacinados

    Ministro do Ambiente organizou conferência de imprensa apenas para jornalistas vacinados

    O gabinete de Matos Fernandes, ministro do Ambiente, exigiu aos jornalistas que apresentassem “certificado de vacinação” para aceder a uma conferência de imprensa sobre seca. Agora disse ao PÁGINA UM que foi um “equívoco”, e que deveria ter apenas sido pedido certificado digital ou teste. No entanto, nem isso pode ser exigido, segundo as normas de um Conselho de Ministros: em edifícios governamentais, só máscara; e nada mais.


    Apesar das medidas de controlo da pandemia terem sido decretadas pelo Governo através de uma Resolução do Conselho de Ministros, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática decidiu, na semana passada, convocar uma conferência de imprensa com uma exigência inédita: a obrigatoriedade de apresentação de um certificado de vacinação para aceder a uma sala do edifício ministerial, na Rua do Século, em Lisboa.

    A nota de imprensa do gabinete do ministro Matos Fernandes – que esteve presente numa conferência de imprensa no passado dia 1, terça-feira, para abordar o problema da seca e dos baixos níveis de armazenamento das albufeiras – informou previamente os jornalistas que “dada a situação pandémica, é obrigatório o uso de máscara e será necessário a apresentação de certificado de vacinação”.

    Texto integral da convocatória do Ministério do Ambiente e da Acção Climática.

    A exigência do Ministério do Ambiente excede em muito aquilo que constituem as normas sanitárias. Na verdade, o acesso a um edifício ministerial deverá ser livre – não sendo sequer necessário exibir um teste negativo, e muito menos um certificado digital de vacinação ou de recuperação –, sendo apenas exigível, como em todos os espaços interiores, o uso de máscara facial.

    Contactado o Ministério do Ambiente pelo PÁGINA UM – que não esteve presente na conferência de imprensa por razões meramente editoriais –, o assessor de imprensa Paulo Chitas justifica que o texto da convocatória foi um “equívoco”, salientando mesmo que a “formulação não foi a mais feliz”. E adiantou ainda que aquilo que “é necessário aos jornalistas é apresentarem um certificado de vacinação, de recuperação ou um teste negativo para aceder às instalações [do Ministério do Ambiente], como é comum em espaços onde se concentra um grande número de pessoas.”

    Isso não é verdade, tal como facilmente se constata pela leitura da Resolução do Conselho de Ministros, ou, de forma mais fácil, em cafés, supermercados, lojas e em qualquer transporte público – que é, aliás, sector tutelado por Matos Fernandes.

    Com efeito, a realização de teste com resultado negativo é, actualmente, exigível no acesso “a estabelecimentos turísticos ou de alojamento local, a estabelecimentos de restauração e similares, a estabelecimentos de jogos de fortuna ou azar, casinos, bingos ou similares, a bares, a outros estabelecimentos de bebidas sem espectáculo e a estabelecimentos com espaço de dança, a determinados eventos e, ainda, a ginásios e academias”.

    Matos Fernandes, ministro do Ambiente.

    No entanto, em caso de apresentação de prova de vacinação há pelo menos 14 dias, é dispensado o teste para acesso “a bares e discotecas, a determinados eventos, a estruturas residenciais para idosos, unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e a outras estruturas e respostas residenciais”.

    Ora, em nenhuma destas situações se encaixa, mesmo com interpretação muito lata, as instalações ocupadas pelo ministro Matos Fernandes. E mesmo se assim fosse – ou seja, se o Ministério do Ambiente fosse comparado, por exemplo, a um casino, a uma discoteca, a um lar de idosos ou a uma unidade de cuidados continuados –, nem a convocatória da conferência de imprensa jamais poderia exigir exclusivamente o “certificado de vacinação”, porquanto os recuperados também possuem certificado digital.

    O PÁGINA UM questionou de novo o Ministério do Ambiente sobre a sua justificação, e perguntou ainda se os assessores e demais funcionários foram obrigados a vacinarem-se para continuar em funções, ou se Matos Fernandes exige “certificado de vacinação” para receber pessoas em audiência. O gabinete de imprensa disse apenas que “nada mais temos a acrescentar”.

    Oficialmente, o Ministério do Ambiente não informou o PÁGINA UM se algum jornalista foi impedido de entrar naquela conferência de imprensa, ou se, no futuro, será vedado o acesso a um evento similar, ou mesmo conversar com o ministro Matos Fernandes, se não apresentar certificado digital (de vacinação ou de recuperação) ou um teste negativo.

    Saliente-se que o teste negativo – que constitui apenas um “retrato” no momento da sua realização – e muito menos o certificado digital – que apenas atesta a toma de vacinas ou a existência prévia de infecção, ou seja, a presença individual de imunidade vacinal e natural, respectivamente – não constituem uma garantia de ausência de infecção.

    Ou seja, na conferência de 1 de Fevereiro deste ano, Matos Fernandes ou outra qualquer pessoa no interior do palacete da Rua do Século poderia ter sido infectado por um dos jornalistas ordeiramente munidos de certificado de vacinação com dose tripla. Até porque qualquer um deles, mesmo vacinado, poderia estar infectado, e infectar um terceiro.

  • Noite eleitoral com três jornalistas ilegais

    Noite eleitoral com três jornalistas ilegais

    José Alberto Carvalho (TVI), Carlos Daniel (RTP) e José Carlos Castro (CMTV) são três destacados jornalistas que exercem sem carteira profissional activa. Comissão da Carteira Profissional de Jornalista pode multá-los até 7.500 euros cada. As multas para os canais televisivos podem ascender aos 15.000 euros. Entretanto, José Rodrigues dos Santos recuperou a sua carteira profissional, após notícia do PÁGINA UM.


    Três jornalistas de canais televisivos que acompanham, como pivots, esta noite eleitoral não possuem carteira profissional válida, e podem ser multados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). José Alberto Carvalho (TVI), Carlos Daniel (RTP) e José Carlos Castro (CMTV) não constam na base de dados da CCPJ, nem estão incluídos na lista de jornalistas com capacidade electiva das recentes eleições de representantes da classe para a CCPJ, que se realizou na semana passada.

    Carlos Daniel (RTP)

    José Rodrigues dos Santos regularizou entretanto a sua situação ilegal, revelada pelo PÁGINA UM no passado dia 10. O apresentador do Telejornal da RTP – que não tinha a carteira activa em 2018 – ostenta agora o número 7590, denotando assim que terá deixado de ser jornalista por largo tempo – ou por incompatibilidade ou por deixar caducar o título –, uma vez que a sua longevidade lhe daria, em situação normal, uma numeração inferior ao número 1000.

    Ao PÁGINA UM, o jornalista da RTP disse apenas não ter conhecimento de “nenhum período de incompatibilidade” e, depois de insistência para melhor esclarecimento desta sua situação, acrescentou apenas: “não sei como dizer isto, a não ser a verdade: desconheço o assunto”.

    José Alberto Carvalho (TVI)

    A falha de José Carlos Castro, que é também director-adjunto de Estratégia do Correio da Manhã, é ainda mais duradoura: a inexistência de carteira profissional já vem desde, pelo menos, o ano de 2018, uma vez que o seu nome não consta do universo eleitoral daquele ano, de acordo com a lista da CCPJ.

    Nos casos de Carlos Daniel e de José Alberto Carvalho, a ilegalidade será de menor duração: em 2018 tinham ambos carteira profissional com os números 1293 e 7128, respectivamente.

    No caso do pivot da TVI, o seu antigo número elevado mostra uma situação similar à de José Rodrigues dos Santos: é reincidente no incumprimento das regras para exercício da profissão de jornalista.

    Estas questões não constituem apenas um pormenor nem um detalhe numa profissão que, por princípio, “supervisiona” a democracia, e que por isso não está acima da lei. Com efeito, apesar de o jornalismo não ser uma profissão que seja reconhecida por uma Ordem – como os médicos, enfermeiros ou advogados –, a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalista estipularam regras para o seu exercício.

    Mesmo os jornalistas mais antigos – com mais de 10 anos ininterruptos ou 15 anos interpolados – necessitam de carteira profissional concedida pela CCPJ, renovável periodicamente. Ficam a partir daí sujeitos a diversos deveres éticos e deontológicos, entre os quais a proibição de exercer actividades de marketing ou executar, em qualquer grau, contratos comerciais. As consequências são também para os órgãos de comunicação social que os empregam.

    José Rodrigues dos Santos (RTP)

    O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.

    O incumprimento destas normas, por tão evidentes, terão de ser alvo de processo por parte da CCPJ.

    Porém, instada a comentar, a CCPJ respondeu na quinta-feira passada que as perguntas do PÁGINA UM receberão “a nossa melhor atenção”. Mas mais não respondeu.

    No dia 10, os serviços do secretariado da CCPJ já tinham prometido, em relação aos casos então apontados de José Rodrigues dos Santos e José Alberto Carvalho, que “a resposta ao solicitado [será dada] assim que [se] apurar os factos relativos às situações expostas”.

  • Director da TSF ‘borrifa-se’ para processo da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista

    Director da TSF ‘borrifa-se’ para processo da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista

    O administrador da Global Media e director da TSF, Domingos de Andrade, continua a assinar contratos comerciais, mesmo depois de alegadamente ser questionado pela entidade disciplinadora dos jornalistas. Desta vez, o PÁGINA UM detectou um contrato comercial assinado em 30 de Dezembro passado que pagou uma emissão radiofónica em directo sobre o Douro Património Mundial conduzida pelo histórico jornalista Fernando Alves.


    O jornalista e director da TSF Domingos de Andrade (CP 1723) já assinou pelo menos mais um contrato comercial como administrador da Global Media desde que a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) anunciou que lhe abriu um “processo de questionamento” por incompatibilidades.

    Em reacção às denúncias públicas do PÁGINA UM sobre a envolvência de jornalistas – alguns dos quais directores de órgãos de comunicação social de âmbito nacional – na planificação, assinatura e execução de contratos comerciais, a CCPJ esclareceu em 22 de Dezembro passado estar “a analisar as situações descritas sobre o Público, a Global Media e Domingos Andrade para avaliar os pontos que são da sua competência e quais os que, não sendo, justificam a participação à ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social]”.

    Director da TSF assinou contrato comercial para a rádio que dirige, destacando jornalistas para a sua execução

    Esta entidade reguladora da actividade dos jornalistas adiantava ainda ter iniciado “também processos de questionamento aos referidos responsáveis”, ou seja, a fase inicial de um processo com vista a eventual processo de cassação do título profissional de Domingos de Andrade.

    Recorde-se que os jornalistas estão impedidos de exercer “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”. A preparação, assinatura e execução de contratos comerciais constitui, sem margem para dúvidas, funções de “planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    O PÁGINA UM tinha então detectado vários contratos comerciais assinados com autarquias por Domingos de Andrade, que acumula funções de administrador da Global Media, de director-geral de conteúdos deste grupo e de director da TSF. Ou seja, ele não apenas é jornalista; também dirige e coordena redacções.

    Pouco mais de uma semana após a promessa da CCPJ, Domingos de Andrade demonstrou, na prática, uma completa indiferença em relação às incompatibilidades dos jornalistas. Com efeito, a sua assinatura consta num contrato assinado em 30 de Dezembro último com a Comissão da Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte no valor de 19.990 euros. Ainda por cima, este contrato refere-se à prestação de serviços “de produção radiofónica” na TSF, a estação onde Domingos de Andrade é director desde Novembro de 2020.

    O jornalista Fernando Alves moderou conversa paga pela CCDR-N, onde esteve a sua vice-presidente.

    Na parte do contrato assinado por Domingos Andrade que consta do Portal BASE não se encontra discriminados os compromissos da TSF, mas refere-se que a verba a entregar por aquela entidade do Estado se destina à produção radiofónica das comemorações da Classificação dos 20 Anos Douro Património Mundial”.

    A TSF efectivamente fez cobertura noticiosa sobre estas comemorações, com destaque para uma emissão especial no dia 14 de Dezembro a partir do Teatro Ribeiro Conceição, em Lamego, conduzido pelo conhecido jornalista Fernando Alves (CP 285), que assim se vê envolvido na execução de um contrato comercial. A emissão teve a participação de Célia Ramos, vice-presidente da CCDR-N, a entidade adjudicatária do contrato assinado pelo jornalista e director da TSF, Domingos de Andrade.

    Recorde-se que a assinatura de contratos comerciais entre entidades do Estado e as maiores empresas de media têm aumentado consideravelmente. Por exemplo, a CCDR-N e a Secretaria de Estado da Ciência e Educação já assinaram, nos últimos meses, vários contratos por ajuste directo com a Global Media, a Impresa e o Público para operações de marketing, que acabam por ser feitas com a colaboração de jornalistas.

  • Pivots da RTP e da TVI estão no activo sem carteira profissional

    Pivots da RTP e da TVI estão no activo sem carteira profissional

    José Rodrigues dos Santos (RTP) e José Alberto Carvalho (TVI) estão sem título profissional exigido para exercer actividade jornalística. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista está há cinco dias para “apurar os factos” que demorariam menos de cinco minutos a esclarecer nos registos daquela entidade.


    Os apresentadores dos telejornais da RTP e da TVI, respectivamente José Rodrigues dos Santos e José Alberto Carvalho, estão a exercer funções sem carteira profissional válida, que é uma “condição indispensável ao exercício da profissão de jornalista” – uma situação análoga à carta de condução para a condução de automóveis. O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.

    O pivot da RTP disse ao PÁGINA UM que “desconhecia a situação”, acrescentando que “certamente [será] um lapso”. José Alberto Carvalho, pivot do Jornal das 8 da TVI, não respondeu ao pedido de esclarecimento.

    José Rodrigues dos Santos na abertura do Telejornal do passado dia 30 de Dezembro.

    Alegado lapso ou não, a inexistência de uma carteira válida por estes dois conhecidos profissionais é uma evidência que o PÁGINA UM – no âmbito do dossier de investigação sobre os media – detectou na semana passada, e que confirmou através da consulta da base de dados da Comissão de Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). Este órgão regulador, com poderes de disciplina sobre estes profissionais –, é também responsável por detectar incompatibilidades no exercício da actividade jornalística, bem como por emitir e revalidar os títulos profissionais.

    Jornalistas como José Rodrigues dos Santos e José Alberto Carvalho – por exercerem há mais de 10 anos seguidos ou 15 interpolados – podem ter carteira sempre que assim entenderem, desde que não desenvolvam tarefas incompatíveis como acções de marketing e relações-públicas, serviço militar ou em forças de segurança, ou ainda funções em órgãos de soberania e cargos políticos, incluindo em autarquias. Em todo o caso, necessitam sempre de solicitar a renovação do título profissional de dois em dois anos.

    José Alberto Carvalho, pivot da TVI, não esclareceu o seu título inválido de jornalista.

    Apesar de um primeiro pedido de esclarecimento sobre a inexistência de carteira válida dos dois conhecidos pivots televisivos, feito no passado dia 5, a CCPJ mantém-se em silêncio. Ainda hoje, reiterado o pedido, o PÁGINA UM foi informado pelos serviços do secretariado da CCPJ que “a resposta ao solicitado [será dada] assim que [se] apurar os factos relativos às situações expostas”. A mensagem enviada à presidente da CCPJ, Leonete Botelho, para o seu e-mail do Público – onde sempre manteve funções de grande repórter da secção de Política enquanto exercia poderes disciplinadores dos jornalistas –, não obteve qualquer resposta.

    Saliente-se que a CCPJ tem um sistema informático, de actualização automática, dos registos dos jornalistas, que permite, de forma rápida – imediata, dir-se-ia –, confirmar o histórico de cada um, incluindo datas de todos os actos (pedidos de emissão, revalidação ou suspensão temporária), e respectiva validação. Em caso de a carteira estar inválida ou suspensa, o sistema contém o documento que justifica a situação.

    Este episódio soma-se a um vasto conjunto de casos denunciados pelo PÁGINA UM ao longo das últimas semanas, que tem merecida da CCPJ reacções titubeantes. Recorde-se que o PÁGINA UM detectou já diversos casos de evidentes incompatibilidades de um conjunto vasto de jornalistas, incluindo alguns com cargos de liderança ou administração em órgãos de comunicação social, nomeadamente Domingos de Andrade (director da TSF), Afonso Camões (director de conteúdos da Global Media e colunista do Jornal de Notícias), Manuel Carvalho (director do Público) – que, aliás, não usa o obrigatório nome profissional (Manuel Carlos Carvalho) que consta do registo da base de dados da CCPJ – e Mafalda Anjos (directora da Visão e comentadora da CNN Portugal). Em alguns casos, por assinarem contratos comerciais; noutros, por ajudarem, como jornalistas, à sua execução, situações consideradas incompatíveis por determinação legal e ética.

    Captura de ecrã da base de dados da CCPJ, executada hoje às 19h30, que mostra omissão de carteira válida de José Rodrigues dos Santos

    Existem ainda outras situações de clara promiscuidade, como as dos sócios da empresa de conteúdos Mad Brain, que são jornalistas com carteira de profissional, mas que fazem tanto artigos noticiosos como conteúdos comerciais.

    A questão das relações perigosas entre jornalistas e empresas é um dos aspectos quentes das eleições dos novos representantes dos jornalistas na CCPJ, que se realiza na próxima semana, entre os dias 17 e 19.

    A lista A – de continuidade, mas sem Leonete Botelho, que não se recandidata – assegura que tem lutado, no mandato que agora termina, “contra os conteúdos patrocinados feitos ilegalmente por jornalistas”, acrescentando que “passou a analisar com muito mais rigor todas as formas de publicidade disfarçadas de jornalismo, muitas delas a coberto de um autoproclamado jornalismo de lifestyle.”

    Além disso, esta lista defende que “não podem existir escolhas editoriais impostas através de contratos comerciais às direções dos órgãos de comunicação social, nem destas aos jornalistas, camufladas de ‘prémios monetários’, ou complementos salariais por prestações que não são jornalísticas.”

    Captura de ecrã da base de dados da CCPJ, executada hoje às 19h31, que mostra omissão de carteira válida de José Alberto Carvalho

    Porém, até agora, os membros desta lista que integram o actual elenco da CCPJ apenas anunciaram “processos de questionamento” a dois jornalistas da Global Media e ao director do Público, mas prometendo secretismo na divulgação destes actos.

    A lista concorrente, formada exclusivamente por profissionais da Cofina, “propõe-se lutar, por via disciplinar, contra todas as formas de violação dos deveres genericamente previstos no Estatuto do Jornalista”, denunciando, desde já, a “invasão galopante de narrativas comerciais, acobertadas por uma cosmética de géneros jornalísticos, em espaços puramente editoriais”. Para esta lista , liderada por Tânia Laranjo, grande repórter do Correio da Manhã, esta prática “corrói o jornalismo e está a ser assegurada, cada vez mais, por jornalistas com carteira profissional.”

    Saliente-se, contudo, que a investigação do PÁGINA UM – ainda não concluída – também já detectou o envolvimento de pelo menos um director de uma das publicações da Cofina, e de vários jornalistas, na execução de contratos comerciais, mas que na aparência surgem como eventos públicos com cobertura noticiosa.

  • Revista da Galp ligada aos servidores da Impresa é feita por jornalistas

    Revista da Galp ligada aos servidores da Impresa é feita por jornalistas

    Dois jornalistas com carteira profissional têm estado livremente a criar conteúdos comerciais e artigos noticiosos em simultâneo para jornais e para empresas privadas. O ataque dos hackers à Impresa incomodou indirectamente a investigação do PÁGINA UM sobre a Mad Brain, a empresa contratada para produzir a Energiser, a revista corporativa da Galp, mas cujos partners colaboram assiduamente com o Expresso, Eco, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo e Forbes. Mais um episódio sobre a promiscuidade no jornalismo.


    A revista Energiser, propriedade da Galp e alojada nos servidores da Impresa, está a ser produzida por jornalistas colaboradores do Expresso e de outros órgãos de comunicação social. Uma investigação que o PÁGINA UM estava a desenvolver sobre esta publicação corporativa – antes dos hackers do denominado Lapsus$ Group terem bloqueado os servidores da empresa detentora do Expresso e da SIC –, apurou já que os textos e outros conteúdos estavam a ser escritos pelos jornalistas Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) e Fátima Ferrão (CP 6197), através de uma empresa de conteúdos comerciais, a Mad Brain.

    A publicação online corporativa da Galp – dedicada à inovação e aos desafios do sector energético – começou a ser produzida há três anos em parceria com a Divisão de Novas Soluções de Media da Impresa Publishing. Antes de ser “desligada” pelo ciberataque no dia 2 deste mês, poder-se-iam ler ali textos sobre as novas tendências de mobilidade, cidades inteligentes, sustentabilidade e transição energética. Eram claramente conteúdos comerciais, não assinados, mas a “solução” da Galp e da Impresa terá passado por contratar os jornalistas-empresários da Mad Brain, que já colaboravam e continuam a colaborar com aquele semanário fundado por Pinto Balsemão.

    Site da Energiser, da Galp, bloqueado pelos hackers do Lapsus$ Group, é produzido e divulgado pela Mad Brain, tendo como partners dois jornalistas com carteira profissional.

    No entanto, na revista em papel, os autores dos textos são identificados. Por exemplo, na revista número 2, em edição bilingue, Fátima Ferrão escreveu sete artigos, ou seja, cerca de metade dos textos assinados.

    A Mad Brain – criada em 2017 para a organização de eventos, animação turística e serviços de comunicação e produção de conteúdos – tem sido particularmente activa tanto na escrita de textos comerciais como jornalísticos para o Expresso, Diário de Notícias, Dinheiro Vivo, Eco e Forbes.

    A empresa nem sequer esconde estas ligações incompatíveis entre jornalistas e empresas privadas fora da esfera da comunicação social, anunciando-as nas redes sociais.

    Recorde-se, entre os deveres dos jornalistas, previstos no seu Estatuto (Lei nº 1/99), está a recusa em exercer “funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”. Além disto, os jornalistas estão ainda impedidos de participar em acções de marketing ou de relações públicas.

    Na página do Facebook da empresa de conteúdos de Ferrão e Almeida Fernandes, muitas vezes os textos produzidos são apresentados como tendo “cunho #MadBrain” com links que remetem para, por exemplo, as páginas do Diário de Notícias. É o caso da série de perfis do “Projecto Mulheres Promova”, onde serão destacadas 20 líderes femininas de empresas concretas, e que constitui uma “parceria que junta o DN à CIP/CGD/Fidelidade/Luz Saúde/Ranstad”, conforme é referido numa primeira notícia publicada em 27 de Outubro do ano passado. Francisco de Almeida Fernandes já assinou 11 perfis de mulheres. O primeiro foi, curiosamente, ou talvez não, dedicado a Sofia Contente, legal manager da Randstad, que elogiou o apoio que aquela empresa de recursos humanos “dá aos colaboradores, nomeadamente o programa de incentivo e apoio à natalidade”. Também já foram publicados perfis de mulheres que trabalham na Sanofi, Sonae MC, CIP e, obviamente, Galp.

    Mad Brain co-produz eventos comerciais para jornais da Global Media, e os seus partners publicam também aí notícias como jornalistas.

    Outro exemplo também recente com a participação da Mad Brain, e do seu partner Francisco de Almeida Fernandes, foi a cobertura do primeiro nascimento português de 2022, cuja notícia destaca a existência “de uma parceria entre o Diário de Notícias e o Continente, que premeia o primeiro bebé a nascer no distrito de Lisboa em 2022”. Os pais receberam um cheque-prenda de 250 euros. Por regra, o Diário de Notícias classifica como “parcerias” as relações com empresas e autarquias que estão consubstanciadas em contratos que envolvem muitas dezenas de milhar de euros.

    A Mad Brain, através de Francisco de Almeida Fernandes, também esteve, por exemplo, particularmente activa na cobertura da iniciativa “Movimento faz pelo planeta by Electrão”, patrocionada por uma associação de gestão de resíduos eléctricos e electrónicos. Foi mais uma das habituais “parcerias” da Global Media, neste caso usando o Dinheiro Vivo.

    Na sua actividade empresarial, a Mad Brain chegou mesmo a anunciar publicamente estar a “garantir cobertura mediática para vários dos seus clientes”, como foi o caso da WebSummit em 2020. Neste caso, o jornalista-empresário Francisco de Almeida Fernandes fez quatro reportagens para o Diário de Notícias, das quais três destacavam apenas responsáveis da Huawei. Aliás, a tecnológica chinesa, através da prosa da Mad Brain, é presença assídua nas páginas nas publicações da Global Media.

    As relações da Mad Brain, que apresenta publicamente o Diário de Notícias como “um dos [seus] clientes”, estende-se também à co-organização de eventos de carácter comercial. A cobertura noticiosa é depois executada, geralmente, por Francisco de Almeida Fernandes, que por vezes também serve de moderador. Foi ele que, em Junho passado, moderou um webinar – e depois escreveu dois artigos no Diário de Notícias – intitulado “Covid-19: é tempo de olhar em frente”, apresentado como sendo “promovido pelo DN/TSF com apoio da AbbVie”. Ou seja, pago pela AbbVie.

    No final de 2020, a Mad Brain anunciou estar a cobrir evento tecnológico para os seus clientes. O DN publicou quatro artigos, três dos quais dando destaque à Huawei.

    Apesar destas actividades de grande promiscuidade, tanto Francisco de Almeida Fernandes como Fátima Ferrão publicam, assinando como jornalistas, artigos noticiosos genéricos nas publicações da Global Media, no Eco e também no Expresso.

    No caso do semanário sediado em Paço de Arcos, tanto Francisco de Almeida Fernandes como Fátima Ferrão têm ali vários textos publicados, tanto sob a forma de conteúdos comerciais (sobretudo na secção “Projectos Expresso”) como sob a forma de artigos no jornal impresso ou no site, entretanto bloqueado. Fátima Ferrão foi a jornalista que fez a cobertura para o caderno de Economia do Expresso da polémica parceria entre a Impresa e a Secretaria-Geral da Educação para promover, através de um contrato comercial de 19.500 euros, o Programa Operacional Capital Humano. Antes do ataque dos hackers, o PÁGINA UM tinha registado diversos artigos que comprovam a colaboração de ambos os jornalistas com o jornal da Impresa enquanto produziam a revista corporativa da Galp.

    O PÁGINA UM pediu comentários e esclarecimentos à Galp, ao director do Expresso, João Vieira Pereira, à directora do Diário de Notícias, Rosália Amorim, e aos jornalistas Francisco de Almeida Fernandes e Fátima Ferrão. Apenas os dois partners da Mad Brain reagiram, por mensagem, solicitando que fosse enviado e-mail para a empresa. Ainda não responderam.

    Artigo com colaboração de Maria Afonso Peixoto

  • Contrato entre revista Visão e Grupo Águas de Portugal com água no bico

    Contrato entre revista Visão e Grupo Águas de Portugal com água no bico

    A troco de 60.000 euros, a Visão apresentou um menu de notícias, entrevistas e espaço para artigos de opinião aos responsáveis do Grupo Águas de Portugal. Cerca de três semanas após a decisão deste ajuste directo com esta empresa pública, a directora da Visão já estava a fazer uma entrevista à presidente da Águas do Tejo Atlântico. Mafalda Anjos diz, porém, que essa entrevista nada tem a ver com o contrato, mas não explica quem vai escrever os artigos e fazer as entrevistas previstas nos contratos. Por lei, os jornalistas não podem.


    A directora da Visão, Mafalda Anjos, fez recentemente uma entrevista a uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal (AdP) para cumprir um dos compromissos previstos num contrato comercial, no valor de 60.000 euros, entre aquela empresa pública e uma empresa de publicidade do antigo jornalista Luís Delgado, dono da Trust in News e detentor desta revista semanal.

    O contrato ficou decidido em 30 de Setembro pela Águas de Portugal, através de ajuste directo, mas acabou assinado apenas em 23 do mês seguinte. Quatro dias antes, já Mafalda Anjos entrevistava Alexandra Serra, presidente da Águas do Tejo Atlântico – uma subsidiária da Águas de Portugal, que trata os esgotos da região de Lisboa – aparentemente para cumprir, desde logo, uma parte da execução do contrato.

    Este caso da Visão é mais um dos detectados pela investigação do PÁGINA UM aos novos modelos de financiamento da imprensa portuguesa, que envolvem agora, em muitos casos, contratos comerciais com a participação activa de jornalistas e que subvertem a independência editorial exigida por lei.

    Mafalda Anjos entrevistou para o podcast uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal, mas garante que esta conversa não integrava um contrato já decidido com esta empresa pública.

    Neste episódio que, aparentemente, terá levado Mafalda Anjos a realizar uma entrevista que nem sequer livremente decidiu, está em causa um contrato para “concepção, produção e divulgação de conteúdos de comunicação associados aos Prémios Verdes Visão”, assinado entre a TIN Publicidade e Eventos – que tem um capital social de 100 euros – e a AdP – que possui um capital social de 434,5 milhões. Além de pacíficos compromissos publicitários e de naming, no contrato ficou estabelecido que a revista Visão se obrigaria a produzir diversos conteúdos e artigos noticiosos combinados ou em parceria com aquela empresa pública.

    Em concreto, de acordo com o contrato, a TIN – em nome da Visão – prometia à empresa pública um menu de conteúdos editoriais, que são, na verdade, puramente comerciais.

    Na cláusula 4 do contrato, a empresa de Luís Delgado concordou em “redigir em parceria com a AdP SGPS um artigo sobre os compromissos do Grupo Águas de Portugal em matérias de sustentabilidade”, a ser publicado “na versão impressa da revista (…) em data a acordar entre as partes”; a realizar entrevistas a dois representantes designados por aquela empresa pública, publicando-as na versão impressa e na rubrica “Conversa Verde ”; e ainda a publicar, no seu site, “dez artigos de opinião redigidos pela AdP SGPS”, dos quais quatro a serem também republicados na revista com uma periodicidade trimestral.

    brown duck on water during daytime

    A participação de Mafalda Anjos nesta entrevista não deixa, porém, de ser inusitada – por não ser habitual observar a responsável editorial máxima a fazer este tipo de entrevistas – , mas também ser reveladora de um novo estilo de jornalismo.

    Por um lado, a entrevista foi integrada num podcast habitual da Visão Verde – um site específico de ambiente desta revista –, já com 36 episódios, onde nunca antes a directora da Visão aparecera como entrevistadora.

    Por outro lado, a entrevista, sobretudo versando o tratamento de esgotos na zona de Lisboa, pautou-se por um estilo demasiado informal, com diversas interrupções de Mafalda Anjos para dar opiniões pessoais. Por exemplo, quando quis explicar como aprendeu algo sobre o destino das águas residuais urbanas. A partir do minuto 25, a directora desta revista explica que “um dia fui estudar essa matéria porque a minha filha (..) me perguntava: ó mãe, mas para onde é que vai esta água? (…) e eu verifiquei que não sabia dar uma resposta muito concreta sobre o tema. E então fui estudar, e até há um livro muito interessante produzido sobre isto”. E, por fim, para reparar, houve uma derradeira e sapiente pergunta da directora da Visão: “Isso é muito importante, é uma área importantíssima: o que é que não se pode meter na sanita ou pelo cano das nossas casas?”

    spiral water droplets

    A directora da Visão, Mafalda Anjos, garantiu ao PÁGINA UM que a sua entrevista “foi uma conversa puramente editorial, motivada pelo Dia [Mundial] do Saneamento, e pelo facto de a AdP ter uma nova CEO que acabou de entrar em funções”, acrescentando que a conversa se desenrolou de “forma didática e explicativa”. Explicando que a sua participação se deveu à impossibilidade do coordenador da Visão Verde, por estar “com Covid, facto que é público”, Mafalda Anjos salienta que o contrato entre a TIN e o Grupo AdP visa “a atribuição dos Prémios Verdes 2022”, e que estabelece “uma série de acções de divulgação dos mesmos, onde – cumprindo todas as regras deontológicas –, todos os conteúdos serão claramente identificados como uma parceria.”

    Em conclusão, a directora da Visão referiu ainda ao PÁGINA UM que as “entrevistas [previstas] ainda não aconteceram, serão feitas no âmbito destes prémios e estarão identificadas com logo dos prémios e da parceria, como aliás estipula o contrato.”

    Na verdade, como pode ser verificável pela leitura da cláusula 4ª do contrato, entre as alíneas h) e p), nada ali está explícito nem implícito de que os conteúdos venham a ser “identificados como uma parceria” nem com outra qualquer menção que mostrem ser comerciais. Por outro lado, Mafalda Anjos parece ignorar até as funções da sua entrevistada: Alexandra Serra não é “uma nova CEO que acabou de entrar em funções” na AdP. O presidente da AdP é, na verdade, José Carlos Remédios Furtado, que ocupa este cargo desde Maio de 2020. A sua entrevistada é sim a presidente do conselho de administração da Águas do Tejo Atlântico, uma das 23 subsidiárias da ADP, estando ao nível, por exemplo, da EPAL.

    Mafalda Anjos também não esclarece quem, independentemente de existir menção ou não a conteúdos pagos, fará os artigos noticiosos e mesmo as entrevistas. O Estatuto dos Jornalistas impede, nestas circunstâncias, que sejam realizadas por jornalistas.

  • Expresso e SIC usam jornalistas para executar contrato comercial com o Governo

    Expresso e SIC usam jornalistas para executar contrato comercial com o Governo

    Não foi apenas ao Público que o Governo comprou a divulgação dos resultados de um programa estatal. A Impresa também lucrou pela promoção do Programa Operacional Capital Humano. A moderação de um debate por uma pivot da SIC Notícias e dois artigos no semanário Expresso, usando jornalistas, deram um encaixe de quase 20 mil euros.


    A Impresa – detentora da SIC e do semanário Expresso – também assinou, tal como o Público, um contrato com a Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC) para a promoção do Programa Operacional Capital Humano (POCH), recebendo 19.500 euros pela produção de um debate e de duas notícias. Para a execução do contrato – assinado no próprio dia do evento, em 30 de Junho passado – foram usadas duas jornalistas com carteira profissional.

    De acordo com dados recolhidos pelo PÁGINA UM no Portal BASE, a Impresa comprometeu-se, entre outras iniciativas de divulgação, a realizar um debate online, obrigatoriamente com “moderação por director do Expresso/SIC ou jornalista/pivot da SIC Notícias”, a emitir em Zoom e na plataforma do Expresso no Facebook. Ficou ainda acordado a “cobertura da conferência no Caderno de Economia do Expresso”. O contrato definia mesmo a dimensão dessa notícia: “1 página”.

    O contrato não estipulava, como sucedeu com o do Público, que seria a SGEC a escolher os participantes no debate, mas obviamente esteve presente em estúdio o presidente da Comissão Directiva do POCH, Joaquim Bernardo. O tema do debate – que contou, entre outros, em painel virtual, com a deputada bloquista Joana Mortágua – versou a avaliação do contributo do programa Portugal 2020 para a qualificação e empregabilidade dos jovens.

    Expresso e SIC Notícias nunca revelaram que evento era pago pelo Governo.

    Deu a cara e voz pela moderação do evento, e execução de um contrato comercial da Impresa, a pivot da SIC Notícias Ana Patrícia Carvalho (CP 7225), que aliás teve dificuldade em soletrar o Programa Operacional Capital Humano no início do debate.

    Com a duração de quase duas horas e meia, o evento comercial seria abordado em duas notícias do Expresso, dirigido pelo jornalista João Vieira Pereira (CP 2725). Ambas assinadas pela jornalista Fátima Ferrão (CP 6197), nunca se refere que são conteúdos comerciais, ou seja, sem independência editorial e pagos por uma entidade externa. Pelo contrário, ilude-se a sua origem.

    Embora encaixados, tanto na edição digital como em papel, numa secção denominados Projectos Expresso – que incluem textos de dúbia classificação, entre o comercial e o editorial, uns assinados e outros não –, pela leitura dos artigos noticiosos ninguém desconfiaria que o Governo, através da SGEC, os tinha afinal pagado para os fazer sair.

    Com efeito, na notícia online, a jornalista Fátima Ferrão escreveu que o evento (uma prestação de serviços contratualizada) se tratou afinal de uma “conferência promovida pelo Programa Operacional de Capital Humano (POCH), à qual o Expresso se associou.”

    Já a notícia desta colaboradora do Expresso, na edição impressa do caderno de Economia, possui um claro estilo noticioso, elogiando os efeitos do POCH, ao destacar que 54% dos alunos de cursos profissionais arranjam emprego em seis meses. E apresenta, além disso, um enganador destaque: “O Expresso junta-se ao Programa Operacional Capital Humano (POCH) para medir, através de um estudo, o que está a ser feito para o aumento da qualificação da população, para a redução do abandono escolar precoce e para a melhoria do desempenho escolar.” Ou seja, nem implicitamente se descortina tratar-se de um conteúdo comercial.

    O POCH, no seu site, também não revela que o evento foi pago, referindo que o debate foi realizado “em parceria com o Jornal Expresso”. E acrescenta, mais adiante que “o Jornal Expresso, que se juntou ao POCH nesta iniciativa, disponibilizou já um artigo na sua versão online e outro na edição semanal, que sintetizam as principais conclusões do estudo e das intervenções dos palestrantes.” Faltou referir que “se juntou” a troco de 19.500 euros.

    Ana Patrícia Carvalho, pivot da SIC Notícias, durante a apresentação do debate.

    Recorde-se que o Estatuto dos Jornalistas (Lei nº 1/99) estipula que estes profissionais, para garantir a sua independência, estão impedidos de participar em acções de marketing ou de relações públicas.

    A moderação num evento de divulgação (marketing) de uma entidade governamental no contexto de um contrato de prestação de serviços, bem como a escrita de conteúdos comerciais “travestidos” de notícias, pode ser considerada incompatível com a actividade jornalística. Ademais sabendo que, tal como sucedeu com o Público, a participação dos jornalistas constituiu uma exigência contratual de uma entidade externa, e que beneficia financeiramente os órgãos de comunicação para onde trabalham.

    As eventuais incompatibilidades cometidas por estas jornalistas apenas poderão ser alvo de procedimento disciplinar por iniciativa da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Porém, também a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tem competências para intervir junto dos órgãos de comunicação social, disciplinando esta agora prática corrente de oferta de “prestação de serviços” a empresas privadas, e mesmo ao Governo, em que se utilizam jornalistas.

    Em 2013, a ERC considerou que contratos similares celebrados entre a empresa detentora do Porto Canal – detida maioritariamente pelo Futebol Clube do Porto SAD – e as Comunidades Intermunicipais de Tâmega e Sousa e do Minho-Lima colocavam “em causa a autonomia editorial”. E obrigou “o operador do canal [Avenida dos Aliados, S.A.] a denunciar os mesmos contratos”, caso ainda não o tivesse feito.

  • Governo paga webinar ao Público moderado pelo próprio director

    Governo paga webinar ao Público moderado pelo próprio director

    A Secretaria-Geral da Educação e Ciência exigiu que evento online de duas horas, organizado pelo Público, tivesse moderação de um jornalista, cobertura noticiosa garantida, e convidados por si indicados. O director do jornal, Manuel Carvalho, não apenas aceitou essas condições como se prestou mesmo ao papel de moderador, ajudando à execução de um contrato comercial. Eis mais um episódio da investigação do PÁGINA UM aos (novos tipos de) financiamentos da imprensa portuguesa.


    O director do Público, Manuel Carvalho, aceitou moderar um webinar pago pelo Governo, e aceitou ainda que fossem publicados “conteúdos editoriais e de publicidade” nos canais em papel e online sobre o Programa Operacional Capital Humano (POCH), em contrapartida ao ajuste directo, no valor de 16.000 euros, feito pela Secretaria-Geral da Educação e Ciência (SGEC).

    A compra factual de “conteúdos editoriais” está explicitada no contrato assinado em 15 de Outubro passado entre Purificação Cavaleiro Pais, secretária-geral adjunta da SGEC, e a administração do Público. Além do webinar de cerca de duas horas, transmitido em directo na plataforma do Público no dia 28 daquele mês – que consistiu num debate em torno dos resultados da avaliação da Estratégia de Comunicação do POCH –, o jornal fez muito mais do que promover o evento, com recurso à habitual publicidade.

    Com efeito, no contrato a que o PÁGINA UM teve acesso, o Público concordou em publicar, como contrapartida para o recebimento daquela verba proveniente do Governo, quatro artigos em formato digital e/ou impresso.

    Director do Público aceitou moderar um evento pago pelo Governo, mas promovido pelo seu jornal, e nem pôde escolher convidados.

    De acordo com o contrato a que o PÁGINA UM teve acesso, o Público viu-se obrigado a cumprir escrupulosamente “especificações/requisitos técnicos”, constantes na cláusula 15ª, entre os quais publicar um artigo pré-evento, um “artigo de antevisão (digital) + artigo de cobertura (digital + imprensa)” do webinar, e por fim um “artigo pós-Talk”. Neste último caso, estipulou-se mesmo a obrigação de o conteúdo possuir “declarações dos intervenientes” e um prazo de execução: “2 a 3 dias após”.

    Pelo menos dois dos artigos terão sido publicados como menção a serem conteúdo comercial, mas ignora-se se o artigo impresso em papel teve similar tratamento.

    Num dos textos de antecipação editado na secção estúdio P, no site do Público, o POCH era considerado “um dos mais dinâmicos programas operacionais que compõem o Portugal 2020.” Este texto, em estilo jornalístico, não foi assinado – como todos aqueles classificados como conteúdo comercial neste jornal –, mas o seu director não quis esclarecer se existe, para esta secção, uma equipa de redactores sem carteira profissional. Por lei, os jornalistas estão proibidos de escrever textos de conteúdo comercial.

    Em todo o caso, o contrato determinou algo que se reveste de especial gravidade no contexto da independência editorial, exigida por lei, e das tarefas que são incompatíveis para os jornalistas.

    Extracto do contrato que estipula os conteúdos a publicar e a obrigatoriedade de o evento ser moderado pelo Público, apesar dos convidados serem indicados pela Secretaria-Geral da Educação e Ciência.

    Nas cláusulas contratuais para a execução do webinar, a moderação teria obrigatoriamente de contar com um jornalista do Público – que acabou por ser o próprio director – e os quatro participantes foram escolhidos a dedo pelo ”cliente”, a saber: Joaquim Bernardo (presidente do POCH, a entidade a ser promovida neste evento), Gustavo Cardoso (professor do ISCTE, e coordenador do MediaLab), António Figueiredo Dias (director na Quaternaire Portugal e coordenador da avaliação do POCH) e ainda Mónica Silvares (jornalista do jornal ECO). Em suma, o jornal Público – e o seu próprio director – subordinaram-se a uma entidade estatal durante este evento, a troco de 16.000 euros.

    Outro aspecto polémico do contrato encontra-se na alínea g) do número 2 da cláusula 6ª, que acabava por limitar a liberdade do jornal Público em realizar uma cobertura isenta do evento. De facto, a empresa detentora do Público comprometeu-se contratualmente a “manter o sigilo e garantir a confidencialidade, não divulgando quaisquer informações que obtenha no âmbito da formação e execução do contrato, nem utilizar as mesmas para fins alheios àquela execução, abrangendo esta obrigação todos os seus agentes, funcionários, colaboradores ou terceiros que nelas se encontrem envolvidos”. Ou seja, abrange os jornalistas do Público.

    Contactado pelo PÁGINA UM, o director do Público, Manuel Carvalho, garante que o evento por si moderado, “foi celebrado pelo departamento comercial (…), sem qualquer intervenção da Direcção Editorial na sua concepção ou organização”, acrescentando que apenas se disponibilizou “a utilização da plataforma ‘Ao Vivo’ para a transmissão em streaming do webinar e, em paralelo, a publicação de conteúdos sobre o evento no Estúdio P.”

    O director do Público defende que a publicação de conteúdos comerciais do Estúdio P adoptam a mesma linha seguida “na imprensa internacional (ver Guardian Labs ou a TBrand do NYT)”, estando dependente “do departamento comercial do Público e não tem qualquer ligação à área editorial”, apontando mesmo o grafismo diferente. Sendo isto certo, Manuel Carvalho não esclareceu, porém, o motivos de os textos do Estúdio P, em estilo jornalístico, nunca serem assinados, e não constar na ficha técnica do seu jornal qualquer menção às pessoas ou à equipa redactorial desses conteúdos comerciais.

    Manuel Carvalho, director do Público, ao lado da jornalista Mónica Silvares, diz que aceitou a moderação do evento como o fez “tantas outras vezes com eventos similares promovidos por entidades públicas ou privadas”.

    Manuel Carvalho salienta ainda que “na qualidade de director do jornal, [foi] convidado para moderar o debate” – que, repita-se, se enquadrava num contrato comercial entre uma entidade governamental e a empresa detentora do Público –, e que aceitou o convite como fez “tantas outras vezes com eventos similares promovidos por entidades públicas ou privadas”. Acrescentou ainda ao PÁGINA UM não ter obtido qualquer remuneração por essa participação.

    Recorde-se, entre os deveres dos jornalistas, previstos no seu Estatuto (Lei nº 1/99), está a recusa em exercer “funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”.

    Além disto, os jornalistas estão ainda impedidos de participar em acções de marketing ou de relações públicas. A moderação num evento de divulgação (marketing) de uma entidade governamental no contexto de um contrato de prestação de serviços pode ser classificada como actividade incompatível. Até porque, no caso em apreço, o jornalista (e director) está, com a sua participação, a cumprir uma exigência contratual que beneficia financeiramente o periódico onde trabalha.

    As eventuais incompatibilidades cometidas por Manuel Carvalho neste contrato – que, aliás, não é único, tanto no Público como em outros periódicos de âmbito nacional – apenas poderão ser alvo de procedimento disciplinar por iniciativa da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista. Recorde-se que esta entidade é presidida por Leonete Botelho, que acumula funções de grande repórter na secção de política do próprio jornal Público.

  • Gaia paga mais de meio milhão de euros em contratos com grupos de media através de empresa com dívida astronómica

    Gaia paga mais de meio milhão de euros em contratos com grupos de media através de empresa com dívida astronómica

    Autarquias quase abandonaram a publicação de anúncios na imprensa. Optam agora por chorudos contratos de prestação de serviços para eventos e notícias pagas. Um dos casos mais flagrantes passa-se com a Gaiurb, uma endividada empresa municipal de Vila Nova de Gaia que gere os bairros sociais.


    Uma empresa municipal de Vila Nova de Gaia – que em 2020 registou um lucro de apenas 3.495 euros, mas tem um passivo de 6,1 milhões – gastou ao longo do último ano mais de 583 mil euros em contratos com empresas de comunicação social para a realização de eventos e aquisição de conteúdos noticiosos feitos por jornalistas.

    No último ano, de acordo com a investigação do PÁGINA UM, a Gaiurb – com competência na gestão urbanística e habitacional deste município nortenho presidido pelo socialista Eduardo Vítor Rodrigues – realizou três contratos com empresas da Global Media (num total de 465.000 euros), um com o Público (no valor de 65.400 euros) e outro com a Cofina (53.000 euros). Todos os contratos foram realizados por ajuste directo, sem visto prévio do Tribunal de Contas.

    Segundo o último relatório e contas, a situação financeira em 2020 da Gaiurb – que também é responsável pela gestão municipal dos bairros – não estava particularmente favorável. Com encargos de pessoal extremamente elevados – cerca de 270 empregados representaram um custo de quase 6,6 milhões de euros –, esta empresa municipal apenas não registou fortes prejuízos porque aumentou o seu endividamento de longo prazo em quase 280 mil euros. Além disso, a sua dívida de curto prazo (a exigir pagamento em menos de um ano) é astronómica: quase 3,7 milhões de euros. Apesar disso, no último ano foi usada pela autarquia de Gaia como adjudicante de chorudos contratos com grupos de media, especialmente com a Global Media, a empresa detentora do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF.

    Global Media recebeu 195.000 euros para organizar programa natalício de 2021 em Gaia. O Jornal de Notícia fez a cobertura noticiosa.

    Com efeito, no caso da Global Media, a Gaiurb estabeleceu um primeiro contrato ainda em Dezembro de 2020 para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    No dia 3 de Dezembro deste ano, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. No ano passado ainda se apontavam os motivos para o ajusto directo: “não existe alternativa ou substituto razoável” e “inexistência de concorrência”. No segundo contrato nada se refere. Estes dois contratos comerciais foram assinados por Domingos de Andrade, simultaneamente administrador e director de conteúdos da Global Media e director da TSF (CP 1723), algo que o Estatuto do Jornalista considera incompatível.

    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março deste ano com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões (CP 4707), mas sem liberdade editorial.

    De facto, este contrato comercial – que possui, em nome da Global Media, a assinatura do jornalista Afonso Camões (CP 308), o que constitui uma função incompatível nesta profissão – estipulava, na prática, uma subordinação editorial da TSF perante a Gaiurb. Por exemplo, o ponto 1 da cláusula 5ª determinava que “o prestador de serviços obriga-se a entregar à Gaiurb, EM [empresa municipal] os produtos, serviços e conteúdos informativos a aplicar na execução do contrato, de acordo com as características, especificações e requisitos previstos no anexo ao Caderno de Encargos, que dele fazem, parte integrante”.

    Por um montante de 65.400 euros, o Público também rubricou contrato com a Gaiurb para o desenvolvimento de algo denominado “Conversas Urbanas”. Escreve-se assim “algo”, porque o contrato constante do Portal BASE não permite aferir aquilo que foi contratualizado, porque remete para anexos que não são mostrados. Aliás, uma prática cada vez mais habitual.

    Notícia do Público, assinada por um jornalista, publicada em 15 de Dezembro, feita no âmbito do contrato com a Gaiurb.

    Este contrato concretizou-se através de 16 podcasts numa rubrica intitulada “Conversas Urbanas”, assumida pelo Público como tendo o “apoio da Gaiurb”. Saliente-se, contudo, que esse apoio, em concreto, foi exclusivamente monetário, ou seja, uma prestação de serviços de âmbito comercial. Este programa, financiado pela Gaiurb, consistiu sobretudo em entrevistas com especialistas em urbanismo, conduzidas pela jornalista Ana Isabel Pereira (CP 4720) e pelo director-adjunto David Pontes (CP 1255), que assim participaram activamente na execução de um contrato comercial.

    Já depois destes podcasts, o Público manteve a rubrica “Conversas Urbanas”, e mencionando a referência ao apoio da Gaiurb mesmo em notícias assinadas por jornalistas, como foi o caso de uma recentemente publicada pelo jornalista Mário Barros (CP 7963) sobre o “regresso das casas ilegais”.

    Por fim, o contrato da Cofina – que não consta ainda no Portal BASE – foi assinado em 10 de Novembro passado, e o único pormenor conhecido, além do valor do ajuste directo (53.000 euros), é que serviu para promover o projecto Meu Bairro, Minha Rua durante 20 dias.

    A única referência que o PÁGINA UM encontrou em órgãos de comunicação social da Cofina sobre este projecto foi um vídeo, já inactivo, no Correio da Manhã, na secção de conteúdos pagos denominada C-Studio CM. Na sua página do Facebook, a Gaiurb informa que existiriam quatro vídeos, mas apenas divulgou o primeiro, em 3 de Julho deste ano. Essa informação registou 25 reacções e duas partilhas.

    Gaiurb pagou à Cofina 53.000 euros por quatro vídeos, mas somente um (já inactivo) foi divulgado.

    A aquisição de serviços pelas autarquias para a elaboração de conteúdos editoriais ou eventos com uma componente de divulgação noticiosa, tem sido uma fórmula cada vez mais seguida pelos media nacionais, como alternativa financeira à queda do mercado publicitário e à “fuga” de leitores.

    Porém, além da forte dependência que estes contratos autárquicos já representam nas contas de alguns dos órgãos de comunicação social – e que, desse modo, podem condicionar a livre “fiscalização” dos seus periódicos –, a participação de jornalistas, mesmo se indirecta, na execução destes contratos coloca profundas dúvidas do ponto de vista ético e sobretudo legal.

    Com efeito, o Estatuto dos Jornalistas impede que estes profissionais exerçam “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”. No caso específico de Domingos de Andrade e Afonso Camões – que acumulam funções de administração na Global Media com tarefas editoriais, mantendo a carteira profissional –, as suas assinaturas em contratos comerciais constituem, sem dúvida, acções de “planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    No caso dos jornalistas que participam em conteúdos financiados directamente por entidades públicas (Estado e autarquias, por exemplo) ou empresas privadas –, pode também estar em causa incompatibilidades, sobretudo se houver subordinação contratual nos serviços prestados à entidade adjudicante ou se forem emitidas mensagens consideradas como marketing.

    Saliente-se que o Estatuto do Jornalista (Lei nº 1/99) refere que, entre outros aspectos, “constitui dever fundamental dos jornalistas (…) recusar funções ou tarefas susceptíveis de comprometer a sua independência e integridade profissional”.

    Por causa de situações similares às dos contratos da Gaiurb com os media, esta semana, após insistência do PÁGINA UM, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) informou estar “a analisar as situações descritas sobre o Público, a Global Media e Domingos Andrade para avaliar os pontos que são da sua competência e quais os que, não sendo, justificam a participação à ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social]”. E acrescentou ter já iniciado “também processos de questionamento aos referidos responsáveis”, embora anunciando desde já que “irá preservar o sigilo sobre as conclusões” destes inquéritos, bem como “eventuais procedimentos que se entendam por convenientes”.

    O PÁGINA UM continuará a desenvolver este dossier de investigação, que incluirá averiguar se a CCPJ sempre tomou, ou tomará, diligências formais sobre estas matérias, conforme prometido na passada quarta-feira. Até porque, sendo certo que as diligências anunciadas pela CCPJ serão documentadas – para provar a sua existência – quer sejam por escrito quer por áudio, então serão documentos administrativos, logo acessíveis ao público em geral, e em particular aos jornalistas.

  • Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista abre processos a directores editoriais do Público e da Global Media

    Contratos comerciais assinados por jornalistas, como Domingos de Andrade (director da TSF), e conteúdos patrocinados ou contratualizados mas executados por profissionais acreditados, levam entidade a averiguar alegadas incompatibilidades. A entidade que regula e disciplina os jornalistas manifesta-se preocupada com “as formas de promoção comercial disfarçadas de jornalismo”, mas defende sigilo das suas diligências.


    Entre outros casos, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) anunciou hoje a abertura de um processo de averiguação ao director da TSF, Domingos de Andrade, por este jornalista assinar contratos comerciais como administrador da Global Media, detentora de periódicos como o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias. Em causa estará o regime de incompatibilidade previsto pelo Estatuto do Jornalista. A sua violação poderá levar à cassação do título profissional e à aplicação de uma coima até 5.000 euros.

    Em resposta a um conjunto de situações anómalas, e documentadas, que o PÁGINA UM tem detectado, a CCPJ – o organismo independente de acreditação e de disciplina dos jornalistas – informou estar “a analisar as situações descritas sobre o Público, a Global Media e Domingos Andrade para avaliar os pontos que são da sua competência e quais os que, não sendo, justificam a participação à ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação Social]”. E acrescenta ter já iniciado “também processos de questionamento aos referidos responsáveis”.

    Domingos de Andrade, jornalista e director da TSF, tem assinado contratos comerciais em nome da Global Media

    De acordo com o regime de incompatibilidades, previsto em lei desde 1999, os jornalistas – como Domingos de Andrade, detentor da carteira profissional número 1723, e que também acumula o cargo de diretor-geral editorial da Global Media – estão impedidos de exercer “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”. A preparação, assinatura e execução de contratos comerciais constitui, sem margem para dúvidas, funções de “planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    O PÁGINA UM detectou já, pelo menos, dois contratos comerciais assinados este ano por Domingos de Andrade como administrador da Global Media, designadamente com a Câmara Municipal de Valongo (para a produção de reportagens, no valor de 74.000 euros) e com a Comunidade Intermunicipal da Beira Alta (para aquisição de serviços de publicidade e divulgação turística para o período do Verão de 2021, no valor de 25.000 euros).

    Domingos de Andrade não está, obviamente, impedido de assinar contratos, mas deveria ter suspendido a sua carteira profissional, além de as suas funções de direcção editorial ficarem assim feridas do ponto de vista deontológico.

    Extracto do contrato comercial entre a DGS e a Global Media, para publicidade institucional relacionada com a pandemia, assinado por Afonso Camões, que mantém carteira profissional de jornalista.

    Domingos de Andrade não será o único jornalista a ser agora escrutinado pela CCPJ – o organismo com tutela disciplinar desta profissão especialmente regulada.

    Também o director do Público, Manuel Carvalho, e os directores das diversas publicações da Global Media, nomeadamente Rosália Amorim (Diário de Notícias) e Inês Cardoso (Jornal de Notícias), serão investigados por suspeita da existência de contratos comerciais, sobretudo com autarquias, para a encomenda de conteúdos patrocinados, mas que são escritos por jornalistas – algo estritamente proibido pelo estatuto e pelo código deontológico.

    Além disto, poderão ainda ser escrutinadas as suas participações activas, como jornalistas e directoras de órgãos de comunicação social, em eventos comerciais contratualizados entre autarquias e a Global Media.

    Na esmagadora maioria dos casos da escrita de conteúdos patrocinados, o PÁGINA UM sabe que os jornalistas chegam a ser forçados a escrever sob anonimato pelas chefias ou administração. O PÁGINA UM já detectou diversos “conteúdos patrocinados” não assinados, e que surgem, depois, republicados integralmente nas secções editoriais já assinados por jornalistas com carteira profissional. Ou seja, os textos originalmente patrocinados foram escritos por jornalistas, constituindo uma violação legal.

    A própria CCPJ afirmou ao PÁGINA UM que “tem sido crescente o número de denúncias generalizadas sobre jornalistas obrigados a elaborar conteúdos patrocinados sob anonimato ou sem sequer saberem que os conteúdos que lhes eram encomendados tinham na sua origem contratos comerciais ou de marketing do respetivo órgão de comunicação social.”

    Presidente da CCDR-N escreveu artigo em revista que pagou, por contrato, mas Público considerada não ser conteúdo comercial, e sim apenas apoiado.

    E acrescentou ainda que tem tomado diligências nos últimos anos, nomeadamente a elaboração de uma directiva sobre conteúdos patrocinados, a solicitação de um estudo à OberCom – Observatório da Comunicação, e a realização de reuniões de sensibilização junto dos directores dos principais órgãos de comunicação social.

    Também Afonso Camões – antigo director do Jornal de Notícias e actual director-geral de conteúdos da Global Media – estará eventualmente sob a alçada disciplinar da CCPJ. Apesar de sempre ter mantido a carteira profissional de jornalista (CP 308), Camões também assinou contratos comerciais.

    Por exemplo, em Agosto do ano passado, Afonso Camões apôs a sua assinatura no contrato de aquisição de publicidade institucional no âmbito da pandemia entre a Global Media e a Direcção-Geral da Saúde, no valor de 401.485 euros.

    Este jornalista, que tem actualmente colunas de opinião regulares no Jornal de Notícias e no Diário de Notícias, escreve com frequência sobre questões relacionadas com a gestão política da actual crise sanitária.

    No caso do Público, a situação em concreto, agora em averiguação pela CCPJ, refere-se sobretudo à assinatura de um contrato com a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), no valor de 44.135 euros.

    Assinado em Outubro passado, esse contrato tinha por objecto a prestação de serviços de “criatividade e marketing no âmbito das Comemorações dos 20 anos da classificação do Douro Património”, de publicidade e de “Parceria Editorial com o Jornal Público”. Na semana passada, como desfecho deste contrato comercial sob a forma de alegada “parceria editorial”, o Público editou uma revista contendo artigos assinados por jornalistas e um editorial do director Manuel Carvalho, fazendo alusão a ser um conteúdo apoiado.

    Leonete Botelho, presidente da CCPJ, promete investigar jornalistas por incompatibilidades, incluindo o seu director no Público, mas defende sigilo sobre as conclusões.

    Saliente-se que em aditamento ao seu Livro de Estilo – feito em 2017 pelo então director David Dinis –, o Público considera que os conteúdos apoiados não são comerciais, porque são “editorialmente independentes e produzidos de forma autónoma pela redacção”.

    Porém, neste caso estamos perante não um conteúdo apoiado por publicidade, como habitualmente, mas sim pago por contrato comercial de prestação de serviços.

    Ademais, a revista contém, logo na página 5, um texto do presidente da entidade adjudicante (CCDR-N), António Cunha.

    Apesar das anunciadas promessas de fazer diligências para questionar os jornalistas do Público e das publicações da Global Media, o Secretariado da CCPJ promete já que “irá preservar o sigilo sobre as conclusões” destes inquéritos, bem como “eventuais procedimentos que se entendam por convenientes”.

    A CCPJ alega o sigilo a que os seus membros estão abrangidos por um decreto-lei de 2008. Contudo, sobreposta a esse diploma (decreto-lei) está juridicamente a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, a qual abrange os documentos também emanados pela CCPJ.

    Deste modo, o PÁGINA UM irá solicitar, a seu tempo, o acesso às eventuais diligências prometidas pela CCPJ aos jornalistas visados.