CNE abre processo à Ordem dos Engenheiros pelo pagamento de debates autárquicos


A Comissão Nacional de Eleições (CNE) abriu um processo contra a Ordem dos Engenheiros após a sua  secção regional do Norte ter patrocinado um conjunto de debates autárquicos promovidos pelo Jornal de Notícias (JN). Em causa está a violação do dever de neutralidade e imparcialidade exigido a entidades públicas, que também integra as ordens profissionais, em períodos eleitorais, um crime punido com pena de prisão até dois anos ou pena de multa até 120 dias.

A CNE também decidiu remeter o caso para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) para eventual punição da Notícias Ilimitadas, a empresa proprietária do JN, por eventual violação das “normas próprias da actividade da comunicação social”. Isto porque foi a Ordem dos Engenheiros que indicou os dois temas a tratar – habitação e mobilidade -, o que configura uma ingerência editorial.

Debate eleitoral no Porto dinamizado pelo Jornal de Notícias e pago pela Ordem dos Engenheiros. Presidente da secção regional do Norte, Bento Aires, teve direito a foto de conjunto no meio dos candidatos. / Foto: D.R.

A decisão da CNE foi enviada esta quinta-feira ao PÁGINA UM em resposta a questões colocadas pelo jornal sobre o conjunto de debates patrocinados que teve lugar ao longo de duas semanas, entre os dias 25 de Setembro e 1 de Outubro, em plena campanha eleitoral.

Na origem deste caso está a realização de quatro debates autárquicos promovidos pelo JN com o patrocínio da secção regional do Norte da Ordem dos Engenheiros, através do pagamento de cerca de 25 mil euros (com IVA). Os debates abrangiam candidatos às presidências das Câmaras Municipais do Porto, Braga, Viana do Castelo e Bragança, mas o contrato de patrocínio excluía alguns dos partidos concorrentes. Os candidatos, apurou o PÁGINA UM, desconheciam a existência de contrapartidas financeiras entre a Ordem dos Engenheiros e a empresa do Jornal de Notícias, que tinham combinado os dois únicos temas do debate: habitação e mobilidade.

A iniciativa decorreu ao longo das últimas duas semanas, em plena campanha eleitoral, sendo que os debates foram centrados sobretudo em dois temas escolhidos pela Ordem dos Engenheiros – Região Norte (OERN): habitação e mobilidade.

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Foto: D.R.

Apresentada como uma série de “debates com Engenharia”, o JN acabou por publicar os conteúdos do evento em formato informativo, tendo ainda envolvido a participação de jornalistas, o que constitui uma incompatibilidade legal, já que estes não podem participar em eventos de índole comercial.

A CNE sublinhou, na resposta enviada ao PÁGINA UM, que “a Ordem dos Engenheiros, na sua qualidade de entidade pública, encontrava-se, a partir da data da marcação das eleições autárquicas, sujeita àqueles especiais deveres de neutralidade e imparcialidade”.

Também recordou que “as entidades públicas e os titulares dos respetivos órgãos estão obrigados a especiais deveres de neutralidade e de imparcialidade no decurso dos processos eleitorais, i.e., a partir da marcação da data da eleição”.

Deste modo, é-lhes “vedado que pratiquem actos que de algum modo favoreçam ou prejudiquem uma candidatura ou uma entidade proponente em detrimento ou vantagem de outras, sob pena de violação dos deveres previstos no artigo 41.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL) e, consequentemente, da prática do crime punido nos termos do artigo 172.º da mesma Lei”.

Debate eleitoral em Braga pago pela secção do Norte da Ordem dos Engenheiros, liderada por Bento Aires. / Foto: D.R.

A decisão da CNE foi tomada na reunião plenária na passada terça-feira, onde se decidiu pela “abertura de processo e a notificação do visado para se pronunciar, no que toca à matéria da neutralidade e imparcialidade imposta pela lei eleitoral, bem ainda a remessa à ERC, quanto à matéria da atividade da comunicação social”.

Saliente-se que este é um precedente grave, apenas detectável porque o contrato, sendo público, consta do Portal Base. Ora, se os órgãos de comunicação social perderem a ética podem vir a receber verbas de entidades privadas para, através de debates ou conferências com políticos e governantes, passarem a criar agendas temáticas com contrapartidas comerciais directas.