Etiqueta: Saúde

  • Suposta ‘urgência imperiosa’ leva Forças Armadas a pagar 174 mil euros para ‘protecção’ contra o SARS-CoV-2

    Suposta ‘urgência imperiosa’ leva Forças Armadas a pagar 174 mil euros para ‘protecção’ contra o SARS-CoV-2


    Em pleno mês de Novembro do ano da graça de dois mil e vinte e três, o Estado-Maior-General das Forças Armadas considerou que existiam motivos de “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” para adquirir materiais de protecção para a “mitigação” da covid-19. E vai daí e gastou cerca de 174 mil euros em materiais que não se sabe o que é, nem a quantidade nem o preço unitário. Só se sabe que foi com dinheiro público. Nos últimos seis meses não se encontra compra similar, nem em valor irrelevante, feita por outra entidade pública.


    No início de Maio deste ano, a Organização Mundial da Saúde deixou de considerar a covid-19 como emergência global de Saúde Pública. Em Portugal, o Governo revogou todas as normas mais relevantes associadas à pandemia em Setembro do ano passado, e a própria Assembleia da República, há cinco meses, também ‘limpou’ a eficácia de 50 leis aprovadas em plenário. A normalidade regressou… mas não para todos.

    Por exemplo, para o Estado-Maior-General das Forças Armadas a ‘guerra’ contra o vírus continua, em força. Com muita urgência de meios. E com muito secretismo. E com muita despesa, claro. Fazendo lembrar outros tempos, a cúpula militar do país, liderada pelo general José Nunes da Fonseca, achou por bem, e necessário, celebrar no passado dia 16 de Novembro um ajuste directo à empresa Mundo Mercantil para a aquisição de uma ‘bazuca’ de 173.912 euros contra o vírus sob a forma de “material proteção consumo clínico – mitigação covid-19” (sic).

    General José Nunes da Fonseca, Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, ao lado do Almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada.​

    O PÁGINA UM gostaria de saber, em concreto, que material de protecção para mitigar a covid-19 foi efectivamente adquirido, e quais as quantidades e preços unitários, mas nada disso consta no Portal Base, por uma simples razão: a urgência dos ‘misteriosos’ materiais foi tão imensa que não houve tempo para lançar concurso público, e nem sequer para escrever um contrato. Com efeito, o Estado-Maior-General das Forças Armadas alegou “urgência imperiosa” para não disponibilizar qualquer informação em cláusulas contratuais ou em caderno de encargos sobre os materiais e quantidades adquiridas, as e os respectivos preços unitários.

    No Portal Base, refere-se que a não redução a escrito do contrato se justifica “por motivo de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” por parte do Estado-Maior-General das Forças Armadas, pelo que se mostrou “necessário dar imediata execução ao contrato”. O prazo de execução foi de cinco dias, pelo que os materiais já terão assim sido entregues.

    Saliente que este contrato surge como um anacronismo, porque há muito que se observam compras de materiais de protecção contra a covid-19, entre as quais máscaras, viseiras, luvas, batas e álcool-gel. Uma consulta ao Portal Base mostra que nos últimos seis meses não se encontram outras compras similares (materiais de protecção) relacionadas especificamente com a covid-19. Além de contratos respeitantes ao projecto educacional Skills 4 pós-covid, desde Junho destacam-se apenas algumas compras associadas a testes de presença do SARS-CoV-2 em hospitais, além de instalação e desinstalação de módulos hospitalares na Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo.

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    No mês passado, o Estado-Maior-General das Forças Armadas gastou quase 174 mil euros para materiais com vista à “mitigação” da covid-19, mas decidiu fazer um ajuste directo sem contrato escrito.

    O ajuste directo feito à Mundo Mercantil – uma empresa de importação e exportação de produtos médicos – é o maior que esta empresa conseguiu com entidades públicas. Mesmo durante a covid-19 não fez, comparando com outras empresas que nem eram do sector, muitos negócios com entidades públicas. Contudo, curiosamente os seus clientes públicos – com quem já celebrou 29 contratos no valor total de cerca de 597 mil euros – são quase apenas instituições militares e a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

    O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos do Estado-Maior-General das Forças Armadas sobre este contrato de quase 173 mil euros, mas o gabinete do general Nunes da Fonseca reagiu esta manhã dizendo apenas que ”o assunto foi encaminhado para os órgãos competentes a fim de ser analisado”.

  • Transporte de doentes: Centro Hospitalar do Oeste faz uma dezena de contratos ilegais com IPSS de Mafra

    Transporte de doentes: Centro Hospitalar do Oeste faz uma dezena de contratos ilegais com IPSS de Mafra


    Há filhos e enteados. Mas para o Centro Hospitalar do Oeste (CHO) – que integra os hospitais das Caldas da Rainha, Peniche e Torres Vedras –, no que diz respeito ao transporte de doentes há um ‘filho’ e os restantes são ‘enteados’. A partir de 2020, este centro hospitalar começou a privilegiar em especial uma IPSS de Mafra nos serviços de transporte, apesar de ter à disposição mais de uma dúzia de entidades para este serviço. Tudo à margem da lei.

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM, a Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação (ASFE), sedeada no concelho de Mafra – e liderada por Gil Ricardo, um antigo vice-presidente social-democrata da edilidade local – conseguiu do CHO desde Janeiro de 2020, de ‘mão-beijada’ (sem concurso público nem consulta prévia), seis contratos de valor superior a 500 mil euros, cada um, e mais quatro contratos entre os 250 mil e os 280 mil euros.

    Destes 10 ajustes directos, apenas hoje e na passada sexta-feira foram dados a conhecer no Portal Base os dois deste ano no Portal Base, cada um com um preço contratual de 588.000 euros. Se se considerar o IVA, a ASFE ‘sacou’, sem o incómodo da concorrência, um total de quase 5,4 milhões de euros. Note-se que Mafra fica na parte mais a sul da região de influência do CHO, que tem as suas unidades de saúde principais em Torres Vedras, Peniche e Caldas da Rainha. Este último concelho fica a cerca de 75 quilómetros

    Além de ser questionável o recurso a ajustes directos num sector – transporte de doentes – onde é possível um planeamento (com eventuais acertos em períodos de crise) e há imensa concorrência, os procedimentos de contratação por ajuste directo pela CHO dos serviços de transporte da ASFE colidem de forma escandalosamente grosseira com o Código dos Contratos Públicos. E ainda mais escandaloso sabendo-se que a presidente do Conselho de Administração deste centro hospitalar público, Elsa Banza, é jurista com extensa experiência em administração hospitalar.

    Com efeito, de acordo com o artigo 113º do Código dos Contratos Públicos, “não podem ser convidadas a apresentar propostas, entidades às quais a entidade adjudicante [neste caso, o CHO] já tenha adjudicado, no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores” contratos por ajuste directo que, no caso de aquisição de serviços, como transporte de doentes, tenham superados os 20.000 euros. No caso de contratos após consulta prévia, o montante de referência é de 75.000 euros.

    Com ajustes directos do CHO, o parque de ambulância da ASFE já vai em três dezenas. Esta IPSS tem também serviços de reabilitação e cuidados continuados, além de uma residência senior. No ano passado teve uma facturação de quase 18,2 milhões de euros.

    Contudo, a ASFE que em 2018 conseguira quatro pequenos contratos por ajuste directo no valor de 26.052 euros, voltou a ser convidada para mais ajustes em 2019. Mas até esse ano, o CHO fazia com a ASFE aquilo que fazia com outras entidades que prestavam serviços de transportes de doentes: ajustes directos de poucos milhares ou de dezenas de milhares de euros. Assim, em 2019, mesmo se já colidindo com a limitação do artigo 113º, a ASFE arrecadou nove ajustes directos no valor de 140.963 euros.

    Porém, a partir de Janeiro de 2020 saiu a sorte grande a esta IPSS de Mafra, ficando praticamente com o monopólio da região Oeste para transporte de doentes para os hospitais de Torres Vedras, Peniche e Caldas da Rainha. Em Janeiro de 2020 começou com um ajuste directo de três meses por 255.000 euros, que se repetiria em Abril para mais um ajuste directo trimestral.

    Em Junho desse ano, a administração do CHO passou para um contrato com duração de seis meses por 510.000 euros. Sem IVA, a ASFE ‘sacou’ 1.020.000 euros, ou seja, 90% do valor gasto pelo CHO nesse ano. A concorrência da ASFE ficou com ‘migalhas’: a empresa Abacinus (17.607 euros), o Centro Social e Cultural da Maceira (5.895 euros) e os bombeiros voluntários de Peniche (69.598 euros), das Caldas da Rainha (9.481 euros) e do Reguengo Grande (5.678 euros).

    A jurista Elsa Banza (segunda à direita), preside o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste desde 2018, apresenta no ‘currículo’ ajustes directos sucessivos à margem da lei e a não-divulgação dos contratos escritos com justificação sem enquadramento legal.

    Apesar da evidente ilegalidade de qualquer um dos três contratos com a ASFE estabelecidos em 2020, a administração do CHO repetiu a dose em 2021, com dois contratos com duração de três meses e um terceiro com duração de seis meses. No total, nesse ano, a ASFE garantiu em ajustes de ‘mão-beijada’ mais 1.051.500 euros, 89% do valor gasto pelo CHO em serviços de transporte de doentes declarados no Portal Base.

    Como a lei serve apenas para emoldurar estantes – ou nem isso agora, porque são publicadas em formato digital –, a administração liderada por Elsa Banza continuou a ‘festa dos ajustes directos’ com a ASFE. Em 2022 foram mais 1,11 milhões de euros em ajustes directos em benefício da ASFE, o que representou 81% dos encargos totais do CHO para transporte de doentes. Mas como já deveria dar muito trabalho três contratos, a administração do centro hospitalar optou por celebrar apenas dois.

    Assim, em Janeiro de 2022 saiu mais um ajuste directo para a ‘mesa’ da ASFE por 550.000 euros, e Junho seguinte foi outro de igual valor. Note-se que estes dois ajustes directos de 2022 só foram divulgados no Portal Base este ano, respectivamente nos meses de Abril e Julho. Portanto, estiveram escondidos durante mais de um ano.

    Montantes gastos nos últimos cinco anos, em euros, pelo Centro Hospitalar do Oeste em serviços de transporte de doentes por prestador de serviço. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.

    Por fim, este ano foram assinados dois contratos de periodicidade semestral, ambos no valor de 588.000 euros. O primeiro contrato foi assumido em Janeiro e demorou quase 11 meses a ser conhecido, porque apenas foi publicado em 30 de Novembro no Portal Base. E o segundo, que fora celebrado no início de Agosto, acabou for ser divulgado hoje mesmo, ou seja, ‘apenas’ demorou pouco mais de quatro meses.

    Sobre o teor dos contratos, e apesar de montantes tão elevados, nada se sabe. O CHO, liderado por uma jurista, considera que a revelação das cláusulas de contratos públicos, suportados por dinheiros públicos, e assinados por funcionários públicos devem ser escondidos do público. Com efeito, o CHO integra uma minoria de seis centros hospitalares que negam divulgar os contratos escritos, conforme o PÁGINA UM recentemente denunciou, com a desculpa (sem base legal) do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que apenas se aplica a dados sensíveis.

    Assim, invariavelmente, nestes contratos de transporte de doentes e nos demais, o CHO publica, em vez dos contratos, uma página onde está escrito que ” tendo em consideração que nos termos do artigo 127º e 465º do CCP, é publicada a celebração do presente contrato através do preenchimento deste formulário da BASEGOV, não é necessário submeter a cópia do contrato escrito”.

    Contactado o Conselho de Administração do CHO, as respostas só chegaram ao PÁGINA UM pelas 20h52 desta segunda-feira, já depois de uma primeira versão desta notícia ser publicada. Na missiva entretanto enviada pelo seu gabinete de comunicação, o CHO refere que entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2021 foram lançados três concursos públicos que terão ficado desertos. Embora sejam indicadas as datas dos anúncios e as referências de dois destes concursos públicos (Concurso Público Internacional nº 18003420 e nº 18005721), o PÁGINA UM não os conseguiu detectar no Portal Base. Na plataforma do Portal Base, o último contrato para transporte de doentes, no decurso de um concurso público lançado pelo CHO, foi celebrado com a empresa Luso – Ambulâncias Serviços Médicos em Outubro de 2016. Curiosamente, a ASFE concorreu a esse concurso público e perdeu.

    A administração do CHO diz que entretanto lançou um novo concurso público, publicado em Diário da República no passado dia 23 de Novembro, no valor de 3,9 milhões de euros, estando a aguardar as “propostas até dia 26 de Dezembro”. Este anúncio ainda não se encontra publicado no Portal Base, mas o PÁGINA UM detectou-o no Diário da República.

    Sobre a razão para a escolha sistemática da ASFE, o CHO refere que, após os alegados concursos públicos vazios, “foram consultadas todas as corporações de Bombeiros e Associações” na sua área de influência “para aferir interesse em assegurar o transporte de doentes, tendo-se apenas obtido anuência” da IPSS de Mafra. Diga-se, contudo, que em nenhum dos contratos referido pelo PÁGINA UM, e constantes no Portal Base, o CHO justifica a opção pelo ajuste directo pela existência de concursos públicos vazios ou por inexistência de concorrência.

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    Na generalidade dos contratos, como no mais recente, o CHO invoca a alínea c) do nº 1 do artigo 24º do Código dos Contratos Públicos, que serve para justificar o ajuste directo “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante [CHO]” e quando, em simultâneo, “não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. Ou seja, não coincide os argumentos agora aduzidos pelo CHO com a justificação dada no próprio Portal Base.

    Além disso, independentemente de se poderem justificar ajustes directos, o CHO estaria impedido legalmente, quaisquer que fossem as circunstâncias (mesmo de saúde pública), de escolher a ASFE, que só poderia ganhar novos contratos se fossem por concurso público. Mostra-se, aliás, estranho que a terem existido concursos públicos lançados pelo CHE entre Dezembro de 2019 e Dezembro de 2021, a ASFE não tenha sequer apresentado proposta, pois seria a única forma para legalmente poder celebrar novos contratos públicos com o centro hospitalar.

    A administração hospitalar justifica que assim procedeu, com 10 ajustes directos sucessivos com a ASFE, porque, “considerando os [alegados] sucessivos concursos públicos desertos, bem como a ausência de resposta de outras entidades para assegurar o transporte de doentes, este Centro Hospitalar, na defesa da saúde das pessoas, recorreu aos serviços da única entidade que garantia uma resposta em tempo útil”.

    Por fim, à pergunta sobre quem tem assinado os ajustes directos com a ASFE, uma vez que estes não são (ilegitimamente) publicados no Portal Base, o gabinete de comunicação diz apenas que é “o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste E.P.E.” Não há funcionários públicos do CHO a assumir a assinatura de contratos públicos.

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    O primeiro contrato deste ano entre o CHO e a ASFE integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 30 de Novembro e 3 de Dezembro. Desde Setembro, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

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    Nos últimos quatro dias, entre quinta-feira passada e ontem, no Portal Base foram divulgados 957 contratos públicos, com preços entre os 2,55 euros – para aquisição de isqueiro, pela Unidade Local de Saúde do Alto Minho, através de consulta prévia – e os 6.382.661,52 euros – para aquisição de serviços no âmbito da “Transformação do Posto de Trabalho Rumo ao Workplace do Futuro 2024-2025”, pelo Instituto de Informática, através de concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 18 contratos, dos quais 13 por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro e quatro por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados nove contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Centro Hospitalar Universitário de Santo António (com a Pfizer, no valor de 3.907.200,00 euros); Associação de Municípios do Douro Superior de Fins Específicos (com a FCC Environment Portugal, no valor de 785.864,70 euros); Centro Hospitalar do Oeste (com a Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação, no valor de 588.000,00 euros); Universidade de Coimbra (com a Kavo Dental Iberia, no valor de 547.000,00 euros); Casa Pia de Lisboa (com a Powershield – Segurança Privada, no valor de 272.486,07 euros); Centro Hospitalar de São João (com a Sanofi, no valor de 223.892,00 euros); Município de Leiria (com a RDL – Rodoviária do Lis, no valor de 213.895,84 euros); Ministério da Defesa Nacional – Marinha (com a F3F Ibérica, no valor de 145.663,00 euros); e os Serviços Municipalizados de Transportes Urbanos de Coimbra (com a Rodrigues & Filhos, Lda., no valor de 109.700,80 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 30 de Novembro a 3 de Dezembro

    1 Aquisição de serviços no âmbito da “Transformação do Posto de Trabalho Rumo ao Workplace do Futuro 2024-2025”

    Adjudicante: Instituto de Informática

    Adjudicatário: Crayon Software Licensing

    Preço contratual: 6.382.661,52 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2 Aquisição de serviços de transporte regular colectivo de passageiros na ilha do Pico

    Adjudicante: Fundo Regional dos Transportes Terrestres

    Adjudicatário: União dos Transportes dos Carvalhos

    Preço contratual: 5.023.350,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    3Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Laboratórios Pfizer

    Preço contratual: 3.907.200,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    4Execução de empreitada denominada “EN3 – Reformulação Geométrica das Interceções aos Kms 5+779 ao 6+467”      

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal

    Adjudicatário: Construções Pragosa, S.A.

    Preço contratual: 2.096.689,27 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Aquisição de refeições

    Adjudicante: Universidade do Porto

    Adjudicatário: Gertal – Companhia Geral de Restaurantes e Alimentação

    Preço contratual: 1.606.931,34 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia período de 30 de Novembro a 3 de Dezembro

    1 Aquisição de medicamentos

    Adjudicante: Centro Hospitalar Universitário de Santo António

    Adjudicatário: Laboratórios Pfizer

    Preço contratual: 3.907.200,00 euros


    2 Prestação de serviços de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos

    Adjudicante: Associação de Municípios do Douro Superior de Fins Específicos

    Adjudicatário: FCC Environment Portugal   

    Preço contratual: 785.864,70 euros


    3Aquisição de serviços de transporte de doentes em ambulância

    Adjudicante: Centro Hospitalar do Oeste

    Adjudicatário: Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação      

    Preço contratual. 588.000,00 euros


    4Aquisição de simuladores médico-dentários

    Adjudicante: Universidade de Coimbra

    Adjudicatário: Kavo Dental Iberia

    Preço contratual: 547.000,00 euros


    5Aquisição de serviços de vigilância e segurança

    Adjudicante: Casa Pia de Lisboa

    Adjudicatário: Powershield – Segurança Privada

    Preço contratual: 272.486,07 euros


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  • Paxlovid: Governo usou norma revogada para contrato secreto de 20 milhões com a Pfizer

    Paxlovid: Governo usou norma revogada para contrato secreto de 20 milhões com a Pfizer


    Foi mais um dos fármacos apontados como miraculoso durante a pandemia, e não se olhou a ‘burocracias’ nem a dinheiro. O Paxlovid, um antiviral da Pfizer, chegou apenas em 2021, mas rapidamente foi promovido por ‘peritos’, acabando também comprado pelo Governo português. Já se sabia que estaria a ser usado no país desde 2022, mas ignoravam-se pormenores sobre este fármaco que afinal causa um número elevado de recaídas. Na sexta-feira passada, no Portal Base surgiu finalmente informação demonstrativa de um modus operandi obscuro: a compra foi formalizada pela Direcção-Geral da Saúde em Dezembro do ano passado, há mais de 11 meses, custou 20 milhões de euros e para não haver contrato escrito nem caderno de encargos invocou-se o expediente de uma norma legal já revogada. A Pfizer, que vê esfumarem-se os anos de glória financeira, ‘agradece’ a falta de transparência.


    O Governo escondeu durante mais de 11 meses uma compra de quase 20 milhões de euros do fármaco Paxlovid, um antiviral de administração oral de eficácia muito duvidosa no combate à covid-19. A aquisição à Pfizer, feita pela Direcção-Geral da Saúde, somente surgiu na sexta-feira passada, mas a data do contrato no valor de 19.950.000 euros é de 31 de Dezembro do ano passado, constando apenas informação sintética sem qualquer contrato, alegadamente por ter sido feito por ajuste directo simplificado.

    Para o recurso ao regime de excepção do ajuste directo simplificado – que permite assim esconder os preços unitários, as quantidades adquiridas, as fases de entrega, as eventuais compras futuras e as possibilidades de devoluções por não administração –, o Governo invocou, sem justificar, um decreto-lei de Março de 2020 que estabeleceu “medidas excepcionais e temporárias” com a intenção de agilizar as compras urgentes de equipamentos, materiais e medicamentos contra o SARS-CoV-2.

    Paxlovid, um antiviral com contratos pouco claros.

    Porém, há um problema legal que o Portal Base desvenda: esse diploma (Decreto-Lei nº 10-A/2020) viu a parte respeitante ao “regime excepcional de ajuste direto simplificado” ser revogado no dia 30 de Setembro do ano passado, que fez cessar a vigência de dezenas de normas legais criadas pelo Governo socialista desde o início da pandemia. Ou seja, o Ministério da Saúde, através da DGS, jamais poderia contratualizar o Paxlovid usando um expediente que prescinde de procedimentos de contratação pública e omite informação sobre compras de milhões de euros.

    No entanto, em abono da verdade, até a data do contrato que consta agora no Portal Base poderá ser falsa. Com efeito, além desta compra de 20 milhões de euros do antiviral da Pfizer com data de 31 de Dezembro de 2022, não surge mais nenhuma na plataforma da contratação pública, mas o Infarmed revelara em Julho do ano passado – portanto, cinco meses antes – que o país tinha então “em stock 9.975 unidades do antiviral oral Paxlovid, de um total de 30 mil tratamentos adquiridos para este ano, dos quais foram já entregues em território nacional 10.000 unidades”. Ou seja, ou a data da celebração do contrato entre a DGS e a Pfizer é falsa ou então a Pfizer entregou fármacos à discrição sem qualquer acordo comercial prévio.

    Saliente-se que, no Verão do ano passado, o Infarmed também informara que também tinham sido adquiridas 5.000 unidades de Lagevrio à Merck Sharp & Dohme (MSD), mas não consta ainda qualquer contrato no Portal Base. Este fármaco da MSD, cujo princípio activo se denomina molnupiravir, acabou por ser retirado do mercado por ser ineficaz em Julho passado. O regulador liderado por Rui Santos Ivo também revelara que estava então em curso a aquisição de 1.728 tratamentos de Evushled e 300 de Xevudy, dois anticorpos monoclonais bastante caros com aprovação apressada pela Agência Europeia do Medicamento.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, mantém como política habitual o total e absoluto obscurantismo sobre contratos associados à pandemia que envolvem muitos milhões de euros.

    O primeiro destes fármacos, comercializado pela AstraZeneca, acabou por ser comprado em Novembro do ano passado, custando 695 mil euros, mas no contrato publicado entretanto no Portal Base foi ilegitimamente rasurado o preço unitário, desconhecendo-se assim a quantidade adquirida. Em todo o caso foi mais um flop: em Janeiro deste ano, a Food & Drug Administration retirou a autorização deste fármaco nos Estados Unidos por ser também ineficaz.

    Quanto ao Xevudy, comercializado pela GlaxoSmithKline, não há registo de compra, até agora, no Portal Base, mas tal não significa que o Governo não esteja também a esconder as aquisições.

    Esta compra de Paxlovid no valor de 20 milhões de euros vem assim acentuar a obscuridade dos negócios envolvendo o Governo e as farmacêuticas, tanto mais que surgem cada vez mais evidências que muitos dos fármacos concebidos para combater o SARS-CoV-2 se mostraram ineficazes ou mesmo contraproducentes. No caso particular do antiviral da Pfizer, apesar de mostrar eficácia, tem um grave problema: depois do tratamento, 20% dos pacientes têm uma recaída (denominado, em inglês, por rebound). Ao contrário, em pacientes que não usaram Paxlovid só cerca de 2% registaram esse fenómeno.

    Aliás, apesar desse evento adverso estar a ser cada vez mais consolidado em artigos científicos – do qual é exemplo um publicado no passado dia 14 de Novembro no Annals of Internal Medicine –, já era conhecido desde o ano passado. Por exemplo, em Julho de 2022 o presidente norte-americano Joe Biden sofreu um rebound após tratamento com Paxlovid. Também Antony Fauci alegou ter sofrido este evento. Na altura, o médico da Casa Branca, Kevin O’Connor, garantia que eram situações raras, e a própria FDA informara que os ensaios clínicos da Pfizer os rebounds tinham uma probabilidade de ocorrência entre 1% e 2%. Mas afinal é de 20%, pelo menos 10 vezes mais.

    Informação minimalista no Portal Base ‘aguardou’ 11 meses e nem sequer há contrato nem sequer indicação de quantidades compradas. Tudo isto num contrato de 20 milhões de euros através de um procedimento que já não podia legalmente ser usado.

    Estes resultados decepcionantes deste fármaco, a par da redução do impacte da covid19 na Saúde Pública (e na comunicação social mainstream), tem causado estragos financeiros à Pfizer, apesar da aprovação definitiva da FDA em Maio passado pra doentes com sintomas fracos a moderados.

    No mês passado, a farmacêutica norte-americana reduziu em 13% das suas previsões de receita para este ano por causa da queda nas receitas de produtos para a covid-19, tanto de vacinas como de Paxlovid. A Pfizer viu-se obrigada a reduzir a sua previsão de venda do antiviral em cerca de 7 mil milhões de dólares, incluindo a reversão de receitas devida a devoluções de 7,9 milhões de unidades por parte do Governo federal dos Estados Unidos, que ‘oferecia’ o tratamento gratuitamente.

    Os anos de ouro da Pfizer – entre 2020 e 2022 – estão, aliás, agora a esfumar-se. No terceiro trimestre de 2023 – que registou um prejuízo líquido de 2,39 mil milhões de euros –, as vacinas contra a covid-19 registaram uma queda de receitas de 42% face ao período homólogo do ano passado, enquanto as vendas de Paxlovid baixaram 97%. Depois de as suas acções na Bolsa de Nova Iorque (NYSE) terem atingido um máximo próximo dos 60 dólares em Dezembro de 2021, as cotação está agora nos 30 dólares, uma queda de metade do seu valor, e pouco acima dos mínimos dos últimos cinco anos.

    Foto inserida num tweet do dia 9 deste mês da conta da Pfizer da rede social X, informando que o Paxloxid deixará de ser oferecido pelo Governo Federal dos Estados Unidos aos seus cidadãos. Situação financeira da farmacêutica não é, porém, agora para grandes risadas.

    E sem os contratos secretos na União Europeia, assumidos por Ursula von der Leyen – que provavelmente manterão receitas para fármacos desnecessários e até eventualmente contraproducentes –, o cenário financeiro para o futuro da Pfizer (e de outras companhias que lucraram com a pandemia) ainda seria mais sombrio.

    Saliente-se que o PÁGINA UM contactou o Ministério da Saúde para obter comentário sobre o contrato com a Pfizer para a compra de Paxlovid, mas como é hábito não houve resposta do gabinete de Manuel Pizarro.

  • Expresso ‘trinca’ 23.985 euros para fazer notícias sobre dentes e saúde oral

    Expresso ‘trinca’ 23.985 euros para fazer notícias sobre dentes e saúde oral


    A palavra mágica é ‘media partner’, assim em inglês, mas, na verdade, significa tão-só uma prestação de serviços de um órgão de comunicação social com uma contrapartida monetária. Assim, se uma entidade ou empresa se quer promover ou fazer lobby, basta agora contratar uma empresa de media que disponibiliza jornalistas e comunicadores para ‘vender o peixe’ dos clientes. Ou as reivindicações, como as da Ordem dos Médicos Dentistas, que este mês, a troco de um pouco menos de 24 mil euros, conseguiu fazer sair uma mão-cheia de ‘notícias’, com a chancela de (suposto) jornalismo credível, num dos principais jornais portugueses. Mais um caso revelado pelo PÁGINA UM que mostra que, agora, com dinheiro e jeitinho, (quase) tudo se consegue na imprensa mainstream.


    Este mês, no jornal Expresso, os assuntos mediáticos não têm sido apenas dominados pela crise política, ou pelo conflito israelo-palestiniano, ou por outros temas candentes. Tem havido tempo e espaço para falar sobre muitos outros temas. Dentes, por exemplo. Ou mais propriamente das preocupações e reinvindicações da Ordem dos Médicos Dentistas.

    No dia 7 de Novembro, uma notícia assinada pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes naquele jornal dava conta das potencialidades de Portugal desenvolver o “turismo de saúde oral”, aproveitando para anunciar o congresso da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD).

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    Três dias depois, o mesmo jornal publicou novo artigo sobre dentição, desta vez com origem da Lusa, revelando dados de um estudo da OMD, e aproveitando para fazer eco das reivindicações do bastonário Miguel Pavão, que considerava que os números apurados por esta entidade “são preocupantes” e que demonstravam “a urgência da concretização de medidas há muito apresentadas pela Ordem, como a criação do cheque-dentista prótese e a criação de uma carreira especial no SNS capaz de atrair estes profissionais”.

    Como não há duas sem três, nesse mesmo dia, mais uma vez surgiu o jornalista Francisco de Almeida Fernandes a escrever um artigo jornalístico para o Expresso, incidindo sobretudo sobre um debate no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas, em Matosinhos, com a moderação pelo ex-jornalista Paulo Baldaia, comentador de órgãos de comunicação social do Grupo Impresa – e que o apresenta como jornalista, embora já não o seja.

    Cinco dias mais tarde, no dia 15 de Novembro, mais dentes no Expresso, desta vez a compilação de declarações dos “protagonistas da apresentação do Barómetro de Saúde Oral no congresso da Ordem dos Médicos Dentistas”.

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    Como se ainda não bastasse, na edição semanal do Expresso do passado dia 17, mais uma notícia, também na versão em papel, com destaque à fotografia do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, e revelando que o “Governo comprometeu-se a criar 300 gabinetes de saúde oral até 2026”.

    A notícia tinha uma pequena caixa onde se referia que “a Ordem dos Médicos Dentistas, que assinala este ano o 25º aniversário, voltou a reunir-se na 32ª edição do seu congresso, a que o Expresso se associou como media partner”, acrescentando que “o evento dedicado aos profissionais da saúde oral serviu para debater os principais desafios e as mais recentes inovações médicas que se colocam à profissão de médico dentista em Portugal”.

    Apesar de referir, em diversas ocasiões que o Expresso se associou ao congresso como media partner, na verdade mais uma vez foi omitido que se tratou de uma prestação de serviços – o que significa que houve mercantilização de jornalistas e omissão da verdadeira causa para a saída das notícias (e o seu número e ângulo de abordagem).

    Assinado por jornalista e com declarações até do ministro da Saúde. Notícia ou conteúdo comercial? Aquilo que for, certo é haver um contrato de prestação de serviços no valor de quase 24 mil euros pago pela Ordem dos Médicos Dentistas.

    Com efeito, a cobertura noticiosa sobre saúde oral nestas duas semanas – que incluiu mesmo declarações políticas do ministro da Saúde – apenas foi possível não pelo interesse editorial, mas para cumprir um contrato de prestação de serviços no valor de 23.985 euros, que consta no Portal Base, uma vez que as ordens profissionais são equiparadas a entidades públicas. Como o montante sem IVA é inferior a 20 mil euros, a OMD e a Impresa – proprietária do Expresso – evitaram ter de expor por escrito uma evidência: o pagamento só seria feito se houvesse notícias na versão online e em papel, com a cobertura numa determinada abordagem.

    Recorde-se que já no ano passado a OMD tinha feito um contrato comercial com outra empresa detentora de órgãos de comunicação social para promover as suas reinvindicações e até o seu bastonário, o que incluiu uma entrevista no Diário de Notícias.

    Curiosamente, na agenda institucional do bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Pavão, surge uma reunião a 26 de Junho passado com o “Diretor de Negócios do Expresso”, que será Miguel Pacheco, um ex-jornalista que chegou a ser director-adjunto do Dinheiro Vivo. Esta é, aliás, a parte mais perniciosa da promiscuidade deste tipo de ‘parcerias’: a ‘mensagem’, mesmo se publicitária ou panfletária, deve incorporar uma ‘linguagem jornalística’ para aparentar credibilidade para se mostrar mais eficaz. Claro, no processo, enganam-se os leitores, ouvintes e telespectadores, mas tornando-se, a prazo evidente, o que acaba por ser uma ‘facada’ no jornalismo sério.

    Recorde-se que a mercantilização de notícias – isto é, o uso de jornalistas para cumprirem contratos comerciais de prestação de serviços com conteúdos informativos – viola o Estatuto do Jornalista e mesmo a Lei da Imprensa, por constituir uma ingerência externa nos critérios editoriais.

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    Mas, como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social se tem mostrado bastante tolerante e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista completamente alheada do ponto de vista disciplinar, os órgãos de comunicação social têm usado e abusado de um expediente ao qual eufemisticamente denominam agora de media partner, sobretudo quando os contratos são com entidades públicas, uma vez que essas prestações de serviços acabam por ser revelados, mais tarde ou mais cedo, no Portal Base.

    O recurso a empresas de comunicação social, disponíveis em época de crise a direccionar jornalistas para criarem conteúdos favoráveis, tem aumentado nos últimos anos, não apenas com entidades públicas, mas sobretudo com empresas privadas.

  • Excesso de mortalidade a longo prazo em Portugal é quatro vezes superior ao da Suécia

    Excesso de mortalidade a longo prazo em Portugal é quatro vezes superior ao da Suécia


    O PÁGINA UM pegou nos dados das autoridades estatísticas e de saúde de Portugal e da Suécia, e analisou a evolução da mortalidade desde 2020 até Setembro do presente ano, e comparou com o período de 2015-2019. O sueco ‘patinho feio’ da pandemia, afinal mostrou ser um cisne, enquanto o ‘sucesso lusitano’ repetido pelo Governo de António Costa e ovacionado pelo Presidente da República acaba por se mostrar um desastre. Mostramos aqui os gráficos comparativos para um ‘tira-teimas’ sobre gestão de crise sanitária, onde se demonstra que em Portugal ainda estamos numa. E na Suécia não.


    Considerado sistematicamente como o irresponsável ‘patinho feio’ do Mundo Ocidental, um país promotor do ‘negacionismo’ – por não seguir as fortes restrições dos parceiros comunitários e o uso de máscara –, acusado de ter deixado ‘morrer velhinhos’, a Suécia foi ostracizada como ‘ovelha negra’ da gestão supostamente responsável da pandemia da covid-19.

    Nos primeiros meses da pandemia, em Março de 2020, com o choque das primeiras mortes causadas pelo SARS-CoV-2 a ecoarem numa imprensa histérica e governantes titubeantes, a gestão da Agência de Saúde Pública da Suécia, então liderada por Anders Tegnell, manteve-se firme ao não impor regras que afectassem em demasia o quotidiano dos cidadãos, incluindo os cuidados de saúde para outro tipo de afecções. No mês de Maio do primeiro ano da pandemia, a então ministra dos Negócios Estrangeiros daquele país nórdico, Ann Linde, garantia: “Isto não é um sprint; é uma maratona”.

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    E assim o demonstra uma análise de médio prazo quando se confronta o impacte da pandemia na Saúde Pública de Portugal face à Suécia: desde Março de 2020 até finais de Setembro deste ano, o excesso de mortalidade no nosso país é um pouco superior a quatro vezes a daquele país nórdico. Nesse período, registaram-se em Portugal mais 46.827 óbitos do que a média, correspondendo a um incremento de 12,0%, enquanto na Suécia o aumento foi de 8.849 mortes, ou seja, mais 2,8% do que a média.

    E a situação ainda piora quando se analisa os três últimos anos. Por exemplo, em 2023, até finais de Setembro, a Suécia até apresenta um ‘défice’ de mortalidade, estando com valores mais baixos do que no quinquénio anterior à pandemia, enquanto Portugal, face ao mesmo período de referência, ainda apresenta um acréscimo de 5,7%.

    A análise do PÁGINA UM – que se baseia nos dados estatísticos da mortalidade total por semana em cada um dos países, em que se confronta a mortalidade semanal desde 2020 com a média registada no período de 2015-2019 – permite revelar que foi sobretudo em 2021, no segundo ano da pandemia, que a gestão sueca mostrou ser a mais correcta.

    Com efeito, no ano de 2020, sobretudo por causa do incremento repentino de óbitos entre Março e Junho – com um pico a atingir quase mais 50% do que o normal, que se deveu sobretudo a erros assumidos nos cuidados dos idosos em lares –, a Suécia ainda registou um excesso de mortalidade de 7,1% face ao quinquénio pré-pandemia. Porém, mesmo assim já abaixo do excesso contabilizado em Portugal (11,4%). Em termos absolutos, a Suécia teve nesse ano mais 6.443 mortes do que a média do quinquénio anterior, enquanto Portugal contou mais 12.846 óbitos.

    Mortalidade em PORTUGAL entre a primeira semana de 2020 e semana 38 de 2023, e comparação com a média do quinquénio 2015-2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Apesar de Portugal ter supostamente aguentado melhor a denominada primeira vaga, na Primavera de 2020, os aumentos da mortalidade fizeram-se sentir a partir de Agosto, muito associado também à decisão política de adiar ou suspender consultas, diagnósticos, exames e cirurgias, inculcando também medo à população no acesso às urgências hospitalares.

    Aliás, o crescente incremento da mortalidade em Portugal atingiria o seu auge nas primeiras semanas de 2021, que coincidiu com uma vaga de frio e o colapso do Serviço Nacional de Saúde. Na terceira semana de Janeiro desse ano, o excesso de mortalidade superou os 70%.

    O intenso programa de vacinação contra a covid-19 em Portugal, não teve a prometida redução da mortalidade. Pelo contrário. Sobretudo a partir de Julho desse ano, o excesso de mortalidade semanal esteve quase sempre bem acima dos 10%, chegando a ultrapassar os 20% no final de Novembro. Ao invés, na Suécia registaram-se várias semanas com mortalidade abaixo da média pré-pandemia, e no cômputo de 2021 este país nórdico até apresentou um ligeiro decréscimo (menos 27 óbitos). E quanto a Portugal, a desgraça revelou-se: mais 14.006 mortes do que no quinquénio 2015-2019, representando um excesso de óbitos da ordem dos 12,7%.

    Mortalidade na SUÉCIA entre a primeira semana de 2020 e semana 38 de 2023, e comparação com a média do quinquénio 2015-2019. Fonte: Statistiska centralbyrån (SCB). Análise: PÁGINA UM.

    Com o surgimento da menos agressiva variante Ómicron – e com a covid-19 a deixar de ser uma preocupação de Saúde Pública –, a Suécia recuperou a sua ‘vida habitual’, em função dos ciclos habituais da mortalidade, apenas com um acréscimo relevante num curto período do Inverno de 2022-2023, mas compensado por posteriores períodos de menor letalidade. Assim, no ano de 2022, a Suécia contabilizou um acréscimo de apenas 2,6% face ao quinquénio pré-pandemia, e este ano (até finais de Setembro) apresenta uma redução de 1,7%. Ou seja, desde o início de 2021, a Suécia conta apenas mais 1.164 mortes do no período pré-pandemia, ou seja, somente mais 0,5%.

    Ao contrário deste cenário sueco, o panorama da Saúde Pública em Portugal agravou-se, enquanto as autoridades governamentais se mantiveram zelosamente obscurantistas, adiando as avaliações das causas do excesso de mortalidade.

    Com efeito, se o ano de 2021 teve a ‘desculpa’ de um Inverno calamitoso – em particular em Janeiro, com o recorde mensal de óbitos no século XXI –, não se encontra ainda explicação capaz (e científica) de desvendar o que sucedeu em 2022 com sucessivos meses de excesso de mortalidade total, incluindo Inverno, Primavera, Verão e Outono. Em 2002, enquanto a Suécia apresentava uma ligeira subida de 2,6%, Portugal teve um acréscimo de 12,7%, semelhante ao ano anterior, mas mais grave porque mostrou uma situação mais alargada no tempo, e portanto indiciadora de ser um ‘mal estrutural’ – e não conjuntural, num curto período, como um surto gripal.

    Evolução da variação da mortalidade total em Portugal e na Suécia desde a semana 1 de 2020 até à semana 38 de 2023. Base: 100 (média do quinquénio pré-pandemia). Fonte: SICO e SCB. Análise: PÁGINA UM.

    O presente ano não atinge em Portugal um acréscimo tão elevado (5,8% acima da média, resultando em mais 4.644 óbitos), mas é revelador de uma gravidade elevada, porque 2023 será o quarto ano consecutivo de excesso, uma situação inédita nos tempos modernos em situações de crise sanitária. E observando a tendência das semanas mais recentes – com excesso de mortalidade acima dos 10% –, não se augura um Inverno dócil.  

    As estimativas do PÁGINA UM – numa altura em que o Sistema de Informação dos Certificados de Óbito regista já 103.541 mortes em Portugal até 20 de Novembro – é que até ao final de Dezembro se atinjam valores acima dos 117 mil óbitos. Será um valor abaixo dos 120 mil – que foram sempre ultrapassados em 2020, 2021 e 2022 –, mas mesmo assim 5% acima da média do quinquénio pré-pandemia. Ou seja, depois de três anos de ‘sangria’ de vulneráveis, a Ceifeira continua impávida em Portugal. E na Suécia não.

  • Seis hospitais públicos ocultam contratos de milhões

    Seis hospitais públicos ocultam contratos de milhões

    O Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD) tem servido de ‘desculpa’ para administrações hospitalares atropelarem a lei da transparência, não divulgando a cópia dos contratos públicos no Portal Base, alguns envolvendo mais de meio milhão de euros. As administrações dos hospitais de Santarém, de Loures, dos centros hospitalares do Oeste, do Barreiro-Montijo e de Setúbal e da Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano ‘mandam integralmente às malvas’ a transparência, mas ainda há mais 24 que fazem rasuras nos contratos, que incluem, na generalidade dos casos, que não se fique a saber sequer quem foi o administrador que os assinou. Numa investigação detalhada do PÁGINA UM, analisados os contratos assinados por 42 administrações das unidades do Serviço Nacional de Saúde, desde a entrada em vigor do RGPD, apenas 12 mostram transparência absoluta. 


    Para algumas administrações hospitalares, a decisão de divulgar, e em que termos, os seus contratos no Portal Base parece seguir o critério “à vontade do freguês”. Numa análise exaustiva às práticas de todos os centros hospitalares e hospitais integrados no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o PÁGINA UM identificou cinco que simplesmente não revelam qualquer contrato escrito, invocando erradamente os preceitos do Regulamento Geral de Protecção de Dados. E mais uma que faz quando calha.

    O Código dos Contratos Públicos obriga que todas as entidades públicas disponibilizem os contratos realizados no Portal Base, sendo apenas admissível o expurgo de alguns elementos de identificação pessoal, conforme estabelece uma norma do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade que gere a plataforma de contratação pública. Ou seja, as entidades públicas jamais podem simplesmente optar pela não inclusão do contrato escrito, como fazem seis administrações hospitalares detectadas pelo PÁGINA UM.

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    Para não divulgarem os seus contratos, o Hospital Distrital de Santarém e o Centro Hospitalar Barreiro Montijo, declaram simplesmente que “para os efeitos previstos nos artigos 127º e 465º do CCP, na sua última redação, é publicada/publicitada a celebração do presente contrato e seus elementos constituintes, através do preenchimento do presente formulário do portal base gov, não sendo assim necessário a submissão do contrato escrito, que contém elementos que violam o RGPD”. A argumentação não encontra justificação sequer no RGPD. O Hospital de Loures (Beatriz Ângelo) segue o mesmo diapasão, alegando a “protecção de pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais”, conforme a Lei n.º 58/2019, de 8 de Agosto. Ou seja, para supostamente proteger os nomes de pessoas em funções públicas, escondem-se contratos, o que impede assim que se detectem irregularidades nos contratos.

    Algumas administrações são mais lacónicas na justificação, como sucede com o Centro Hospitalar do Oeste, a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano e o Centro Hospitalar de Setúbal: limitam-se a informar que, tendo publicado a celebração dos contratos através do preenchimento de um formulário do Portal Base, “não é necessário submeter a cópia do contrato escrito”, o que está longe de ser legal.

    O Hospital de Loures (Beatriz Ângelo), por sua vez, tem uma atitude quase ‘esquizofrénica’: por vezes divulga os contratos; outras vezes esconde-os, alegando o RGPD.

    Para agravar a opção das seis administrações hospitalares, acima referidas, que escondem os contratos, diga-se que acabam por ser uma minoria. De entre as 42 administrações hospitalares analisadas, o PÁGINA UM identificou 12 que divulgam, quando aplicável, os contratos escritos sem qualquer rasura relevante, ou seja, incluindo o nome e detalhes dos signatários. São os casos dos centros hospitalares de Coimbra, de Lisboa Central, do Porto, de São João (Porto), de Espinho-Gaia, do Médio Ave, dos hospitais de Guimarães (Senhora da Oliveira), Amadora-Sintra (Fernando da Fonseca) e as Unidades Locais de Saúde (ULS) do Alto Minho, Nordeste, de Matosinhos e do Litoral Alentejano.

    Além destes 12, há outros 24 (vd. lista em baixo) que, embora revelem os contratos, expurgam demasiada informação, incluindo mesmo o nome dos administradores que os assinaram ou mesmo o gestor público responsável pela sua execução e supervisão. Esta prática, embora relativamente comum noutros sectores, e até ‘validada’ em certa medida pela norma do IMPIC, não se baseia, porém, em nenhum critério legal, porque não está em causa a protecção da intimidade dessas pessoas, mas sim a identificação de responsáveis em funções públicas.

    O PÁGINA UM tentou perceber, junto das administrações hospitalares que não divulgam os contratos, se existe algum parecer interno para sustentar a decisão de não publicação dos contratos, ou se, em alternativa, foi pedida uma opinião à Comissão Nacional de Protecção de Dados ou ao IMPIC.

    Nenhuma destas administrações apresentou ao PÁGINA UM qualquer parecer destas duas entidades ou qualquer parecer jurídico que justifique, com uma base legal, a não-inclusão dos contratos escritos na plataforma da contratação pública, de modo a existir um escrutínio dos dinheiros públicos gastos.

    Aliás, só uma das 12 administrações hospitalares que escondem os contratos públicos acharam por bem responder ao PÁGINA UM sobre uma matéria relevante em democracia; a transparência. Apesar das evidências de não conformidade legal, o Centro Hospitalar Barreiro Montijo reitera que “os contratos celebrados (…) estão devidamente publicados no Portal Base, de acordo com a legislação em vigor”, acrescentando que, na sua opinião, “as publicações do CHBM cumprem com o estipulado no artigo 27.º da Lei n.º 58/2019, de 8 de agosto, no que respeita à utilização de dados pessoais na contratação pública”.


    HOSPITAIS QUE NÃO DIVULGAM CONTRATOS PÚBLICOS (clicar para visualizar exemplo)

    Hospital Distrital de Santarém

    Centro Hospitalar do Oeste

    Hospital Beatriz Ângelo

    Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano

    Centro Hospitalar Barreiro Montijo

    Centro Hospitalar de Setúbal


    HOSPITAIS QUE DIVULGAM COM RASURAS ABUSIVAS (clicar para visualizar exemplo)

    Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga

    Centro Hospitalar do Baixo Vouga

    Hospital Dr. Francisco Zagalo

    Unidade Local de Saúde de Castelo Branco

    Hospital Distrital da Figueira da Foz

    Instituto Português de Oncologia de Coimbra

    Hospital do Espírito Santo de Évora

    Centro Hospitalar Universitário do Algarve

    Centro Hospitalar de Leiria

    Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte

    Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa

    Hospital de Vila Franca de Xira

    Instituto Português de Oncologia de Lisboa

    Centro Hospitalar Póvoa de Varzim

    Centro Hospitalar do Médio Tejo

    Hospital Garcia de Orta

    Centro Hospitalar de Tondela e Viseu

    Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro

    Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo

    Centro Hospitalar Universitário Cova da Beira

    Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental

    Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa

    Hospital de Magalhães Lemos

    Hospital Santa Maria Maior


    HOSPITAIS QUE DIVULGAM SEM RESTRIÇÕES (clicar para visualizar exemplo)

    Hospital da Senhora da Oliveira Guimarães

    Unidade Local de Saúde do Nordeste

    Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

    Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central

    Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca

    Centro Hospitalar e Universitário de São João

    Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia

    Centro Hospitalar do Médio Ave

    Centro Hospitalar Universitário do Porto

    Unidade Local de Saúde de Matosinhos

    Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano

    Unidade Local de Saúde do Alto Minho

  • Hospital de Santa Maria: Contratos do fármaco para tratar gémeas luso-brasileiras escondidos do Portal Base

    Hospital de Santa Maria: Contratos do fármaco para tratar gémeas luso-brasileiras escondidos do Portal Base


    A administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte nunca registou as compras das duas doses de Zolgensma usadas para o tratamento das gémeas luso-brasileiras, que terão beneficiado de ‘cunhas’, conforme revelou na sexta-feira passada uma reportagem da TVI. Também a compra de outra dose, administrada num outro caso mediático em 2019, não se encontra referenciada no Portal Base. De acordo com uma análise do PÁGINA UM, o Estado já terá gastado 20,7 milhões de euros em 10 doses deste fármaco, mas os custos de terapias inovadoras já vão nos 46,7 milhões desde 2018, com a introdução de outro fármaco, produzido pela Biogen. Os dois fármacos estão, contudo, longe de se mostrarem milagrosos, somando já inúmeros efeitos secundários graves, incluindo mortes, que estarão a abrandar o entusiasmo no seu uso, ainda mais tendo em conta os preços milionários praticados.


    O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – a empresa pública que gere o Hospital de Santa Maria – nunca registou no Portal Base as compras do fármaco onasemnogene para tratar em 2019 as duas gémeas luso-brasileiras e também a bebé Matilde, cujo caso espoletou uma enorme onda de solidariedade. O fármaco, comercializado sob a marca Zolgensma, tem vindo a ser usado como terapia genética para a atrofia muscular espinhal, sendo considerado um dos mais caros do Mundo. O custo por toma (única) ronda os 2 milhões de euros. O Conselho de Administração era então presidido por Daniel Ferro, que foi substituído em Fevereiro passado por Ana Paula Martins.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM ao Portal Base, a primeira compra registada por um hospital português ocorreu apenas em 28 de Julho de 2020, ou seja, largos meses após o tratamento das duas gémeas e da bebé Matilde. Esta compra, realizada pelo Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, não teve contrato escrito, mas terá sido para apenas uma criança, uma vez que o preço foi de 1.945.000 euros (sem IVA incluído). A justificação para a inexistência de contrato escrito, tendo a farmacêutica Avexis como adjudicatária, foi a “urgência imperiosa”. O prazo para a execução do contrato foi 157 dias, o que significa que a entrega do fármaco foi posterior a Julho de 2020.

    As gémeas luso-brasileiras Lorena e Maitê, agora com quatro anos, receberam terapia genética em 2019 num processo polémico. Contratos de aquisição não foram sequer registados no Portal Base. Foto retirada do Instagram dos pais, denominado ameemdobro.

    Tanto esta compra como uma outra realizada pelo Centro Hospitalar Universitário de São João – pelo mesmo valor em Abril de 2021 – ocorreram antes da conclusão da avaliação do financiamento por parte do Infarmed ao fármaco inventado pela Avexis, que viria a ser comprada em 2018 pelo gigante farmacêutico suíço Novartis, e actualmente denomina-se Novartis Gene Therapies.

    Com efeito, somente em 14 de Outubro de 2021, o regulador liderado por Rui Ivo Santos concluiu, apesar de reconhecer “o efeito benéfico” do onasemnogene, que “não existe demonstração de valor terapêutico em relação a um outro fármaco já no mercado, o nusinersen, comercializado sob a marca Spinraza. Este medicamento, produzido pela farmacêutica Biogen, foi o primeiro a obter autorização da Agência Europeia do Medicamento, em 2017, mas a frequência das tomas, depois das administrações iniciais, é de quatro em quatro meses.

    Como cada dose de nusinersen tem um custo de cerca de 67 mil euros, o custo anual ronda os 200 mil euros, donde a médio prazo o Zolgensma acaba por ser mais económico. Aliás, na generalidade dos novos fármacos, o preço colocado pelas farmacêuticas é definido muito em função dos custos das alternativas terapêuticas ou nas poupanças em internamentos. Daí que o Infarmed tenha salientado que “o custo da terapêutica com Zolgensma (onasemnogene abeparvovec) é inferior ao custo da terapêutica com nusinersen”.

    Hospital de Santa Maria lidera custos com terapias genéticas para a atrofia muscular espinhal.

    Em todo o caso, já depois dessa decisão, que teve como consequência a possibilidade de o Estado comparticipar a terapia com o Zolgensma, de acordo com o Portal Base apenas foram adquiridas cinco doses deste fármaco, todas pela valor unitário de 2.069.947 euros (IVA incluído): três pelo Centro Hospitalar Universitário do Porto (duas em Maio e outra em Junho de 2022), outra pelo Centro Hospitalar de Gaia-Espinho (em Maio de 2022) e outra pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (em Maio deste ano). Esta última compra de Zolgensma foi a única, até agora que teve contrato escrito.

    Considerando as compras registadas por agora no Portal Base, o Estado português já gastou assim cerca de 14,5 milhões de euros na aquisição de sete doses de Zogensma, valor que sobe para quase 20,7 milhões de euros se se incluírem as duas doses administradas às gémeas luso-brasileiras e outra à conhecida bebé Matilde, agora com quatro anos.

    Os custos nas terapêuticas para a atrofia muscular espinhal são, contudo, muito superiores, porque os gastos com a aquisição do primeiro fármaco (Spinraza, da Biogen), têm estado a aumentar. De acordo com o Portal Base, desde 2018 foram feitas 67 compras por diversas unidades hospitalares, com um custo total de um pouco mais de 26 milhões de euros. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte é aquele que mais compras tem feito com 11,7 milhões de euros. Segue-se o hospital de Coimbra com quase 6,1 milhões de euros.

    Registo dos contratos no Portal Base para aquisição do fármaco Zolgensma, onde não constam as compras de 2019 feitas para três tratamentos em 2019.

    Este medicamento da Biogen tem sido, porém, usado por muitos mais hospitais em comparação com o fármaco da Novartis: além dos já referidos, também os centros hospitalares de São João (Porto), do Porto, de Lisboa Central, de Garcia de Orta e do Algarve já adquiriram doses de Spinraza. Deste modo, no total, o tratamento da atrofia muscular espinhal atinge já os 46,7 milhões de euros.

    E diga-se que os gastos têm tendência a aumentar, até porque Biogen e Novartis até aparentam não estar em concorrência. Ainda recentemente, em Junho deste ano, a própria Biogen divulgou aos investidores um estudo que supostamente comprovava a melhoria da eficácia do medicamento da Novartis (Zolgensma) se fosse posteriormente adicionados os tratamentos com o seu fármaco Spinraza. Saliente-se que, por ambos serem fármacos muito recentes, a sua eficácia e os perfis de segurança a longo prazo ainda não estão completamente definidos.

    Embora se tenha de considerar que as crianças em tratamento se encontram bastante vulneráveis aquando do tratamento, certo é que no portal EudraVigilance, gerido pela Agência Europeia do Medicamento, já foram notificados quatro casos fatais associados ao uso do Spinraza. Em Outubro do ano passado, após duas destas mortes, o CEO da Novartis veio a público assegurar que a falha nas estimativas de receitas daquele medicamento não se deviam a esses casos.

    Zolgensma é considerado o fármaco mais caro do Mundo, mas apresentou-se como uma terapia de uso único para substituir um medicamento da Biogen que custa 200 mil por cada ano de tratamento contínuo.

    Em relação ao fármaco da Biogen, apesar de também se dever a um maior uso em comparação com o medicamento da Novartis, os efeitos adversos também não são nada negligenciáveis. Também de acordo com o portal EudraVigilance, associado ao uso de Spinraza (nusinersen) estão notificados 173 casos fatais só no último triénio, dos quais 55 já este ano, 51 no ano passado e 67 em 2020.

    Por estas ou outras razões, as receitas deste fármaco da Biogen têm estado em declínio: em 2017 começou com uma facturação de 362,5 milhões de dólares e atingiu o seu máximo em 2019, com receitas de 543,2 milhões de dólares. No ano passado situaram-se nos 458,8 milhões de dólares, uma queda de cerca de 15% face ao máximo, algo que não constitui um bom desempenho económico para uma terapia para uma afecção crónica.

  • Elefante na sala: excesso de mortalidade total pelo quarto ano consecutivo

    Elefante na sala: excesso de mortalidade total pelo quarto ano consecutivo


    Nem depois de um morticínio sem precedentes nas últimas décadas, o número de óbitos regressa a valores normais. Nos 10 primeiros meses deste ano, a mortalidade total continua anormalmente elevada, mesmo após pandemia e considerando o envelhecimento populacional. Análise do PÁGINA UM mostra que até finais de Outubro registaram-se 3.476 óbitos a mais. São 11 mortes por dia. Mas este valor ainda se mostra mais dramático porque calculado num cenário sem ocorrência da pandemia. O Governo continua sem apresentar um relatório prometido em Agosto do ano passado sobre o excesso de mortes em 2020 e 2021. E a situação actual mostra que é preciso saber o que aconteceu em 2022 e agora em 2023.


    Até final de Outubro tinham sido contabilizados 97.199 óbitos por todas as causas e será provável que dentro de uma semana se atinja a fasquia das 100 mil mortes este ano. Dito assim, sem contexto, pode significar pouco.

    Mas numa análise estatística do PÁGINA UM, adiante-se já, estamos perante a confirmação da existência de um enorme elefante na sala: pelo quarto ano consecutivo, e apesar da já elevadíssima mortalidade de 2020 e 2021 – no decurso da pandemia da covid-19, em que se abandonou à sorte todas as outras maleitas, e antes do programa de vacinação –, o ano de 2023 continua a ser demasiado funesto. Tal como já fora o ano passado. E agora não há já o SARS-CoV-2 para culpar. Em quanto? Mais 3.476 óbitos. São mais de 11 mortes a mais por dia.

    Sendo certo que, comparando com os três anos anteriores, o período compreendido entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro do presente ano apresenta já menor mortalidade (98.947, em 2020; 103.048, em 2021; e 101.861, em 2022), seria mais do que expectável que o número de óbitos fosse muitíssimo menor, por força da ‘redução’ dos mais vulneráveis. Na verdade, Portugal deveria estar a ‘beneficiar’ do morticínio de 2020, 2021 e 2022, pelo que, a não ser por um gravíssimo problema de saúde pública que está a ser escondido, numa situação normal seria expectável que o presente ano registasse um número de óbitos até inferior ao período pré-pandémico. Até porque a ‘razia’ causada pela pandemia incidiu na população mais idosa.

    Refira-se que este incremento não se pode justificar por causas demográficas, por via do aumento dos idosos na população portuguesa, porque esse acréscimo, embora evidente, não suporta o excesso de mortalidade do último quadriénio. Se analisarmos os últimos 20 anos, é expectável um acréscimo de mortalidade de apenas 525 pessoas por causa do envelhecimento populacional.

    Ora, se não houvesse pandemia nem desnorte do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – teria sido expectável que, nos primeiros 10 meses de 2020 tivessem morrido 92.148 pessoas, mas acabou por se registar um acréscimo de 6.799 óbitos. A culpa, apontou-se então, foi toda do SARS-CoV-2. O desvio em 2021 foi ainda superior: morreram 103.048 pessoas em vez das expectáveis 92.673, ou seja, mais 10.375 óbitos. A culpa foi do SARS-CoV-2 e de não estar muita gente vacinada, assim justificaram as autoridades e dos ditos peritos.

    Mortalidade expectável (série 2004-2019) e mortalidade efectiva entre 2004 e 2023 nos 10 primeiros meses do ano. Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM. Nota: valor de base comum do gráfico é 60.000 óbitos.

    Mas em 2022, com uma significativa redução da letalidade do SARS-CoV-2 – por via do surgimento da variante Omicron e supostamente da vacinação massiva –, o excesso de mortalidade em Portugal manteve-se ainda em valores elevados. De acordo com a análise do PÁGINA UM, o desvio nos primeiros 10 meses, face ao valor expectável, foi de mais 8.663 óbitos.

    No presente ano, e nem sequer considerando a mortalidade excessiva do triénio anterior, seria expectável que entre Janeiro e Outubro houvesse menos 3.476 óbitos do que os que efectivamente foram registados pelo Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Em suma, considerando os quatro anos (2020, 2021, 2022 e 2023) houve 29.313 óbitos a mais. Estes valores já incorporam o acréscimo expectável de 5.250 mortes devido ao envelhecimento populacional, o que dramatiza mais a situação actual e dos três anos anteriores.

    Saliente-se, no entanto, que numa situação normal, após um ou mais anos de mortalidade acima da média, por via de uma crise sanitária, seria praticamente certo observar-se uma redução bastante relevante no período seguinte. Por exemplo, entre 2004 e 2019 somente em quatro anos se observou uma mortalidade muito próximo valor previsto, mas nunca houve mais do que um ano acima do valor da linha de tendência. Significa então que continuam existir causas, mesmo se desconhecidas ou escondidas, para o excesso de mortalidade.

    Excesso (vermelho) e défice (verde) de óbitos face ao valor expectável de mortalidade nos primeiros 10 meses de cada ano, tendo como referência a série 2004-2019. Fonte: INE e SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Convém referir que o PÁGINA UM continua ainda a aguardar a decisão de um recurso no Tribunal Central Administrativo Sul para aceder à base de dados integral do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO) para analisar as causas de morte nos últimos anos, para assim identificar os desvios mais relevantes.

    Embora esta análise estatística deva ser complementada com os dois próximos meses (Novembro e Dezembro), o inexplicado excesso de óbitos pelo quarto ano consecutivo nos primeiros 10 meses, com desvios tão elevados, atinge dimensões escandalosas, só ultrapassado, talvez, pelo silêncio da imprensa mainstream (que durante a pandemia matraqueou sem ceder com número de mortes por covid-19) e pelo desinteresse cúmplice do Ministério da Saúde.

    Recorde-se que, em Agosto de 2022, a então ministra da Saúde prometeu um “estudo aprofundado” sobre o excesso de mortalidade. Tanto a elaboração do estudo como o excesso de mortalidade continuam, embora sem confirmação no primeiro caso, face ao número de meses que já leva. E ambos, tanto o estudo como o excesso de mortalidade, não têm data para terminar.  

  • Covid-19: Governo socialista paga à Sanofi e GSK 90.823 euros por cada dose injectada

    Covid-19: Governo socialista paga à Sanofi e GSK 90.823 euros por cada dose injectada


    Os polémicos acordos de aquisição prévia (APA) de vacinas contra a covid-19 concederam milhões e milhões às farmacêuticas através de contratos leoninos. Mas quem se atrasou nos ensaios clínicos deveria ficar sem nada, porque os APA deixavam de vigorar. Seria o caso do consórcio da francesa Sanofi e da britânica GlaxoSmithKline que produziram a vacina VidPrevtyn. Mas o Governo português quis ser benevolente e, sem qualquer obrigação e em cenário de excesso de oferta, comprou-lhes mais de 830 mil doses. Para nada, a não ser desviar 7,2 milhões de euros dos contribuintes portugueses para os bolsos dos accionistas das duas farmacêuticas. Segundo um organismo da União Europeia, até ao mês passado, foram administradas em Portugal apenas 79 doses da VidPrevtyn. Ou seja, 0,0095% do total comprado. E a probabilidade de um português vacinado ter recebido uma dose desta vacina é de 0.0003%.


    Os acordos de aquisição prévia (APA) de vacinas contra a covid-19 concederam milhões e milhões às farmacêuticas em contratos leoninos com compras garantidas. Mas, sabe-se agora, que até quem se atrasou nas aprovações dos ensaios clínicos, e que deixou de estar abrangido pelos APA, teve direito ao seu quinhão graças à ‘benevolência’ do Governo português. Foi o caso da francesa Sanofi e a britânica GlaxoSmithKline (GSK).

    Como vincou recentemente o próprio Tribunal de Contas numa auditoria à gestão das vacinas contra a covid-19 , não havia obrigatoriedade de qualquer compra da vacina da Sanofi e da GSK, baptizada de VidPrevtyn. Mas o Governo português, mesmo já num cenário de excesso de oferta, em finais de 2022, comprou-lhes 830.440 doses. Para nada, adiante-se já, a não ser o benefício para os accionistas da Sanofi e GSK que receberam 7,2 milhões de euros dos contribuintes portugueses.

    E diz-se para nada, em temos de eventual benefício de imunização, porque, segundo um organismo oficial da União Europeia, em Portugal, até ao mês passado, foram administradas apenas 79 doses da VidPrevtyn. Ou seja, 0,0095% do total comprado. Como a validade é curta, o lixo é o destino final.

    Inicialmente, em 2020, a Sanofi e a GSK até estavam optimistas na ‘corrida às vacinas’, tendo sido das primeiras farmacêuticas a assinarem os polémicos contratos com a Comissão von der Leyen. O acordo – do qual apenas se conhece uma versão cheia de rasuras – foi celebrado em 18 de Setembro de 2020, mesmo antes dos contratos assinados com a Pfizer e com a Janssen, respectivamente, em Outubro e Novembro desse ano.

    Mas enquanto a Pfizer, Moderna, AstraZeneca e Janssen conseguiram acelerar os ensaios e obter autorizações da Agência Europeia do Medicamento (EMAS) ainda em 2020 ou início de 2021, a vacina da Sanofi e a GSK foi sofrendo atrasos sucessivos. E só conseguiu aprovação em 10 de Novembro de 2022, ou seja, já com a procura de vacinas em forte declínio e com os países europeus inundados de doses adquiridas ao abrigo dos APA, mas que já não conseguiam escoar.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, celebrou contratos secretos com as farmacêuticas.

    O enorme atraso face à concorrência teve assim também uma consequência nefasta para a Sanofi e a GSK. Conforme uma recente auditoria do Tribunal de Contas salienta, “existia uma garantia de compra, por parte dos Estados-Membros, de todas as doses iniciais a eles alocadas, salvo quanto à vacina Vidprevtyn [Sanofi e GSK)], cuja compra era facultativa”.

    Contudo, mesmo havendo excesso, e não sendo assim obrigatória nem necessária qualquer aquisição, o Governo decidiu comprar à mesma as vacinas Vidprevtyn. De acordo com referências que surgem no relatório do Tribunal de Contas, numa nota de rodapé da página 51, numa primeira fase o Governo português até decidiu cancelar uma encomenda à Sanofi e GSK de 19.200 doses, mas acabou por pagar-lhes 165.888 euros a título de “indemnização”, ou seja, 8,64 euros por dose não entregue.

    No entanto, depois disso o Governo acabou mesmo assim por comprar, a partir de Novembro do ano passado, um total de 830.440 doses, conforme consta de um quadro do relatório do Tribunal de Contas. Considerando o custo unitário de 8,64 euros, o preço destas vacinas atingiu assim quase 7,2 milhões de euros.

    Quadro retirado da página 51 do Relatório n.º 13/2023 do Tribunal de Contas intitulado “Auditoria à vacinação contra a COVID-19“, com data de Setembro de 2023, que lista as vacinas por marca efectivamente encomendadas.

    Poder-se-ia defender que a aquisição da vacina Vidprevtyn fazia sentido se alguma vantagem clínica houvesse sobre a concorrência. Não foi o caso. Na altura da aquisição, em finais de 2022 e já no início deste ano, decorria então o terceiro reforço (booster), estando já vacinada praticamente toda população mais idosa. Os menores de 50 anos manifestaram uma procura diminuta. E as novas vacinas da Sanofi e GSK foram colocadas não nos braços dos portugueses, mas no canto dos armazéns frigoríficos.

    Com efeito, as doses da vacina Vidprevtyn – que, repita-se, não eram de compra obrigatória, ao contrário das da Pfizer, Moderna, Janssen e AstraZeneca – praticamente não saíram das embalagens. Embora o Tribunal de Contas não chegue a debruçar-se sobre o desperdício em concreto das doses da vacina Vidprevtyn – mas refere, por exemplo, que na vacina da Novavax “o desperdício foi de quase 100% das doses encomendadas –, sabe-se, na verdade, quantas foram efectivamente administradas até ao passado dia 5 de Outubro.

    Assim, com registo obtido hoje a partir do site do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) – um organismo oficial da União Europeia –, verifica-se que, de um total de 28.3 milhões de doses administradas em Portugal, a vacina Comirnaty (Pfizer) foi a mais usada, com quase 18 milhões de doses (63,5% do total), a que acrescem mais 2,9 milhões da ‘versão’ bivalente (10,3%). Ou seja, em cada 10 doses administradas em portugueses, mais de sete foram produzidas pela Pfizer. As receitas da venda das vacinas contra a covid-19 por esta farmacêutica norte-americana totalizaram cerca de 74,6 mil milhões de dólares em 2021 e 2022 a nível mundial. Muito mais atrás surge a Spikevax, da farmacêutica Moderna, com 3,9 milhões de doses em Portugal, se incluirmos a bivalente, representando assim 13,9% do total administrado.

    Quantidade de doses de vacina contra a covid-19 administradas em Portugal por marca até 5 de Outubro de 2023. Fonte: ECDC.

    Já com pouca expressão, muito decorrente dos efeitos secundários detectados, surgem as vacinas da AstraZeneca (Vaxzevria) e da Janssen, com 2,3 milhões (8%) e 1,1 milhões (4%) de doses, respectivamente.

    E depois destas, surgem então mais cinco vacinas sem qualquer expressão: as duas vacinas de origem chinesa – Sinovac e Beijing CNBG – tiveram administradas 12.864 e 5.619 doses, respectivamente; a vacina Nuvaxovid foi dada a 338 pessoas, a Covaxin a 244 pessoas e, por fim, a VidPrevtyn foi administrada a… 79 pessoas. Exacto: 79 pessoas, o que significa 0.0003% do total das doses administradas.

    Ou seja, o Governo português, podendo optar por não comprar as 830.440 doses à Sanofi e GSK, porque nem sequer faziam falta, poupando assim cerca de 7,2 milhões de euros às finanças públicas, acabou por gastar esse dinheiro para injectar 79 pessoas. Perante o excesso de oferta de outras vacinas, de compra obrigatória, significa assim que o Governo pagou, por cada dose efectivamente administrada da vacina VidPrevtyn, um total de 90.823 euros.

    O PÁGINA UM tentou obter um comentário sobre esta matéria do Ministério da Saúde, mas como habitualmente sem sucesso.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, recusa mostrar contratos das compras de vacinas. Mesmo daquele contrato que resultou num custo efectivo de 90.823 euros por dose administrada.

    Recorde-se que o PÁGINA UM tem, desde 31 de Dezembro do ano passado, uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o Ministério do Manuel Pizarro a entregar os contratos das vacinas contra a covid-19, mas expedientes dilatórios e tentativas de ludibriar a juíza do processo estão a adiar uma decisão.

    Recentemente, o Ministério da Saúde conseguiu convencer a juíza do processo no Tribunal Administrativo de Lisboa de que os contratos entre a Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas estariam no site da Comissão Europeia, o que é falso. Certo é que a juíza solicitou então a tradução desses alegados documentos, dando cinco dias para entrega. Mas o Ministério da Saúde conseguiu uma prorrogação de 30 dias e, na semana passada, mais uma segunda prorrogação de mais 20 dias, concedida pela juíza em novo despacho, fazendo com que uma intimação urgente esteja ao fim de 10 meses no mesmo sítio que começou.


    N.D. Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, para suportar as despesas com os processos de intimação do PÁGINA UM, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt.

  • Vírus sincicial respiratório: Sanofi já factura (bem) com novo fármaco ‘apadrinhado’ pela imprensa

    Vírus sincicial respiratório: Sanofi já factura (bem) com novo fármaco ‘apadrinhado’ pela imprensa


    Desde Fevereiro deste ano não há registos de internamentos em Portugal de crianças com infecções causadas pelo vírus sincicial respiratório (VSR), mas a farmacêutica Sanofi já começou a recolher em Portugal dividendos de uma forte campanha mediática em redor desta doença banal e praticamente inofensiva (sem mortes conhecidas), que foi transformada num suposto problema gravíssimo de Saúde Pública. Conferências e conteúdos comerciais pagos em jornais, como o Público e o Expresso, ajudaram a promover um novo fármaco para ser administrado a todos os recém-nascidos, substituindo um antigo, apenas usado em prematuros e bebés com comorbilidades graves. O negócio é literalmente de milhões. Este mês, a Madeira deu o ‘pontapé de saída’ comprando 2.400 doses, quando nascem 1.700 bebés por ano, e gastando 560 mil euros. Se no Continente se optar pela mesma bitola, o negócio vai chegar aos 26 milhões por ano. Não existem evidências sobre o benefício de um novo medicamento em crianças saudáveis, até porque em França e Itália já se contabilizam reacções adversas ao novo fármaco.


    O mais recente boletim de vigilância epidemiológica da gripe e de outros vírus respiratórios, relativa à semana 41 deste ano (9 a 15 de Outubro), aponta para “ausência de casos notificados de infeção por VSR [vírus sincicial respiratório] em crianças internadas menores de 2 anos”. O relatório da semana 40, diz o mesmo. Na semana 39, idem. Igualmente na semana 38. Idem para a semana 37.

    Na verdade, é preciso recuar à semana 8 deste ano, em finais de Fevereiro, para se encontrar um destes relatórios do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) que reporte casos de internamento por VSR, uma das infecções respiratórias mais comuns no início de vida (até aos dois anos), mas geralmente benigna, excepto em prematuros ou recém-nascidos com problemas respiratórios e cardíacos. Mas mesmo nos casos muito raros, não existe registo em Portugal de qualquer morte tendo o VSR como causa.

    baby's gray knit hat

    Mas pequenos surtos ocorridos durante a pandemia da covid-19 – já previstos por investigadores, como resultado do distanciamento social, dos lockdowns e do amplo uso de máscaras, que implicou uma redução da imunidade passiva natural (a partir do leite materno) – transformaram uma “banal doença, muito banal” num mediático fenómeno de saúde pública. Para isso muito contribuíram médicos e comunicação social, mesmo a nível internacional, que trataram de equiparar o VSR à covid-19 e à gripe, falando mesmo há um ano na iminência de uma tripla pandemia tripla no passado Inverno, que nunca aconteceu. E devia ter sucedido, a atender pelos especialistas na matéria que, em Portugal, asseguraram esta fatalidade.

    Em Portugal, este fenómeno também sucedeu com uma crescente abordagem mediática. Conforme o PÁGINA UM destacou em Maio passado, ao longo de 2022 registou-se um invulgar número de notícias sobre o VSR na imprensa portuguesa, contabilizando-se 14 artigos no Diário de Notícias, 12 no Observador, 22 na CNN Portugal, 25 no Expresso e 15 no Público.

    No caso destes últimos dois jornais, coincidentemente, surgiram eventos comerciais pagos pela farmacêutica Sanofi, que em parceria com a AstraZeneca, estavam a promover um novo anticorpo monoclonal – o nirsevimab, um substituto de um outro fármaco similar (palivizumab), que há já vários décadas era administrado apenas a prematuros ou crianças com comorbilidades muito específicas.

    Em 4 de Novembro do ano passado, o pneumologista Filipe Froes ‘anunciava’ no Diário de Notícias a iminência de uma pandemia tripla: gripe, covid e vírus sincicial respiratório (VSR). Falhou triplamente, mas contribuiu para o alarmismo e para alcandorar a VSR ao estatuto de grave problema de Saúde Pública.

    A articulação entre parcerias comerciais e notícias favoráveis aos interesses económicos da Sanofi ficou bem patente no caso específico do jornal Público. No seguimento de outros eventos comerciais, incluindo conferências, a Sanofi fez publicar, na edição em papel de 29 de Abril, um inaudito conteúdo comercial de quatro páginas em texto ao estilo jornalístico, com chamada de primeira página.

    Nesse texto, surgia um pediatra, Luís Varandas, a anunciar “um novo anticorpo monoclonal, já autorizado pela Agência Europeia do Medicamento, de administração única, a recém-nascidos e lactentes, no início da estação do VSR”, omitindo-se que se tratava do niservimab, comercializado pela própria Sanofi.

    Duas semanas depois, o Público daria destaque a um artigo na revista científica da Ordem dos Médicos sobre a incidência da VSR em 2021, salientando ter sido uma “epidemia ‘de época’”, com 37 semanas, mas sem que surja, nessa análise, qualquer reporte de mortes. E, por fim, ainda nesse mês de Abril surgiria uma manchete no Público a anunciar um alegado parecer, nunca revelado oficialmente, da Sociedade Portuguesa de Pediatria – que no ano passado recebeu 108 mil euros da Sanofi – que fora entregue na Direcção-Geral da Saúde recomendando a administração do nirsevimab a todos os recém-nascidos. Só depois de questionado pelo PÁGINA UM, o Público viria a identificar que este fármaco era comercializado pela Sanofi, com indicação dessa alteração no final do artigo online.

    Sanofi conseguiu, através de conteúdos comerciais e conferências pagas a órgãos de comunicação social, ‘promover’ uma doença banal a um caso grave de Saúde Pública. Depois de pequenos surtos decorrentes da gestão da covid-19, não há hospitalizações de crianças com infecções por VSR desde Fevereiro, mas há o negócio de novo anticorpo monoclonal.

    Embora não exista conhecimento de uma decisão da DGS ou do Infarmed para a compra deste fármaco, e a sua administração às cerca de 80 mil crianças que nascem em Portugal por ano –, a Sanofi já começou a recolher dividendos da mediatização do VSR nos últimos anos. Com efeito, o PÁGINA UM detectou já uma avultada compra de nirsevimab – comercializado pela Sanofi sob a marca Beyfortus – este mês pelo Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (SESARAM).

    Assinado no passado dia 13, a empresa pública que gere o Hospital Nélio Mendonça adquiriu 2.400 unidades deste fármaco injectável (em doses de 50 e 100 miligramas), cada uma custando 220 euros. Preço total: 528 mil euros, o que, com IVA, alcança quase 560 mil euros. Como o fármaco é de administração única e tem um prazo de validade de apenas dois anos, significa que, em princípio, esta compra não visa injectar apenas os prematuros e recém-nascidos com comorbilidades, uma vez que, por ano, nascem pouco mais de 1.700 crianças, segundo dados da Direcção Regional de Estatística da Madeira. O PÁGINA UM pediu esclarecimentos e informações, na passada segunda-feira, à Secretaria Regional de Saúde e Protecção Civil da Madeira, mas não obteve resposta.

    Considerando que em Portugal nasceram um pouco mais de 84 mil crianças por ano no último quinquénio (2018-2022), se houver uma decisão similar para comprar à Sanofi o seu anticorpo monoclonal no sentido de uma administração generalizada, então a factura atingirá mais de 27 milhões de euros por ano.  

    Sanofi e AstraZeneca já começaram a vender um fármaco a ser administrado a todos os bebés. Desde Fevereiro não há registos de internamentos causados pelo vírus sincicial respiratório.

    Este valor potencial é incomensuravelmente superior ao que se tem gastado com o palivizumab, o antecessor do nirsevimab. Pela consulta dos contratos no Portal Base, desde 2008 foram comprados 9,1 milhões de euros deste anticorpo monoclonal, sendo que em 2014 se registou o maior gasto: quase 2,2 milhões de euros. No ano passado despendeu-se 713 mil euros – mesmo se houve supostamente surtos graves.

    Mesmo podendo-se ser populista em matérias de Saúde Pública, certo é que gastos excessivos com baixos (ou mesmo nulos) benefícios podem resultar em balanços muito negativos. Por exemplo, em 2011, um artigo científico apontava que na Flórida “o custo da imunoprofilaxia com palivizumab excedeu em muito o benefício económico de prevenir hospitalizações, mesmo em lactentes com maior risco de infecção por VSR”. Isto porque o preço por tratamento era extremamente elevado. Por exemplo, em prematuros com menos de seis meses de idade, a imunoprofilaxia com este anticorpo monoclonal da AstraZeneca custava entre 3.092 mil e quase 915 mil euros.

    No Canadá, onde este fármaco é comercializado pela AbbVie – devido a um acordo comercial –, o preço de venda atingia há poucos anos os 15.000 dólares por grama, sendo esta farmacêutica acusada de tácticas de vendas agressivas. Segundo uma notícia da CBC, no período de 2015-2016, o Canadá gastou 43,5 milhões de dólares para imunizar apenas 6.392 crianças, o que significou, em média, à cotação actual, um custo de quase 4.700 euros por criança.  

    a baby with wide eyes

    Além disso, e no caso do nirsevimab, não é prudente começar uma administração generalizada num medicamento tão recente, apenas aprovado pela Agência Europeia do Medicamento em Novembro de 2022 e pela Food and Drug Administration, no Estados Unidos, em Julho passado. Neste momento, apenas com registos da França e Espanha, foram reportados ao sistema da EudraVigilance um total de 28 reacções adversas, das quais 25 classificadas como sérias. Destas, 11 resultaram em hospitalizações prolongadas.

    A consultora Airfinity previu, em Setembro do ano passado, que a AstraZeneca e a Sanofi poderiam atingir uma receita da ordem dos 1,1 mil milhões de dólares apenas por conseguirem a aprovação da imunoprofilaxia contra o VSR antes da concorrência.