Desconfianças há muitas sobre a promiscuidade entre jornalistas, agências de comunicação e entidades públicas, mas raramente existem provas. Mas, desta vez, existem. João Póvoa Marinheiro, jornalista e conhecido pivot da CNN Portugal, que ainda na semana passada entrevistou António José Seguro, foi contratado em Outubro pela agência LPM para apresentar a cerimónia dos 125 anos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) com a presença da ministra da Saúde e ‘aparições virtuais’ do primeiro-ministro e do Presidente da República. A entidade pública pagou à LPM mais de 77 mil euros pela organização deste evento de apenas três horas e por um vídeo de menos de dois minutos, e impôs ainda uma condição expressa no caderno de encargos: para a apresentação deveria ser contratada uma “figura pública”. João Póvoa Marinheiro predispôs-se assim a ‘mercadejar’ o seu estatuto de jornalista, disponibilizando-se a prestar serviços de ‘mestre de cerimónias’ à LPM, a conhecida agência de comunicação fundada por Luís Paixão Martins. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista promete intervir, e o pivot da CNN Portugal arrisca a cassação do seu título.
A agência de comunicação LPM, fundada por Luís Paixão Martins e actualmente gerida por um filho, contratou o jornalista João Póvoa Marinheiro (CP 6766), um dos mais conhecidos pivots da CNN Portugal, para apresentar, sob a forma de prestação de serviços, o evento comemorativo do 125º aniversário da Direcção-Geral da Saúde (DGS), que se realizou no mês passado.
A garantia de contratação do jornalista para um serviço de marketing e de relações públicas – absolutamente incompatível com o Estatuto do Jornalista e susceptível de cassação da carteira profissional – consta do caderno de encargo de um contrato entre a DGS e a LPM no valor de 62.820 euros, recentemente colocado no Portal Base. Com IVA, tudo ficou em 77.269 euros.
Jornalista e pivot da CNN Portugal foi apresentador de evento da Direcção-Geral da Saúde, depois de ser contratado pela LPM, uma agência de comunicação fundada por Luís Paixão Martins.
De acordo com esse documento, além da concepção de um vídeo sobre a DGS “até 10 minutos” – mas que foi ‘despachado’ em 1 minuto e 45 segundos –, a LPM comprometeu-se a realizar a “gestão, organização e coordenação do evento de aniversário dos 125 anos, para até 400 pessoas, a realizar a 4 de Outubro de 2024”, e que deveria obrigatoriamente incluir “a contratação de figura pública para apresentação do evento”, além da realização de assessoria de imprensa e actividades de logística.
João Póvoa Marinheiro foi assim a “figura pública” paga para fazer de ‘mestre de cerimónia’ de todo o evento que decorreu durante a manhã desse dia, dando as boas-vindas, de introdução e prestação de agradecimento aos convidados – que incluiu presencialmente a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e em vídeo do primeiro-ministro e do Presidente da República –, de anúncio do ‘coffee break’ e de despedidas. Foi uma dezena de aparições do jornalista João Póvoa Marinheiro ao melhor estilo de apresentador de uma qualquer ‘Miss Portugal’. O pivot é jornalista acreditado desde 2017.
A contratação, a troco de uma compensação financeira, por parte de uma empresa de consultadoria e de comunicação de um jornalista é uma prática que viola claramente o Estatuto do Jornalista, ainda mais grave por se tratar do pivot da CNN Portugal com uma intervenção pública relevante no canal da Media Capital. Por exemplo, ainda no dia 22, João Póvoa Marinheiro co-entrevistou, ao lado de Nuno Santos, director da CNN Portugal, o ex-secretário-geral do PS José António Seguro, putativo candidato às presidenciais.
Ao lado de Nuno Santos, director da CNN Portugal, João Póvoa Marinheiro entrevistou na semana passada uma entrevista a António José Seguro. Pelo Estatuto do Jornalista, o pivot teria de estar sem exercer jornalismo por um prazo mínimo de três meses após a incompatibilidade.
Fazer apresentações públicas usando-se da credibilidade da profissão é considerado, no Estatuto do Jornalista, uma grave incompatibilidade. Esta lei de 1999 considera impeditivo que um jornalista exerça funções de marketing e relações públicas, que se enquadram em eventos da natureza do aniversário da DGS, onde João Póvoa Marinheiro se prestou a ser um mero ‘mestre de cerimónias’, vendendo a cara e a voz. Na verdade, o pivot da CNN fez mesmo actos de publicidade, uma vez que uma norma do Estatuto do Jornalista determina que se deve considerar “actividade publicitária incompatível com o exercício do jornalismo a participação em iniciativas que visem divulgar produtos, serviços ou entidades através da notoriedade pessoal ou institucional do jornalista, quando aquelas não sejam determinadas por critérios exclusivamente editoriais”.
De acordo com a mesma lei, se o pivot da CNN quisesse mesmo assim receber o dinheiro pago pela LPM teria então de entregar previamente o título profissional, antes da realização do evento, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, mas ficaria depois sujeito um ‘período de nojo’. Ou seja, estaria impedido, devido a essa incompatibilidade, de exercer actividade jornalística “por um período mínimo de três meses”.
Além disso, findo o período dessa incompatibilidade, continuaria impedido, “por um período de seis meses, de exercer a sua actividade em áreas editoriais relacionadas com a função que desempenhou, como tais reconhecidas pelo conselho de redacção” da CNN Portugal. Nada disso sucedeu.
João Póvoa Marinheiro a apresentar a ministra do Saúde durante o evento.
João Póvoa Marinheiro não é, porém, ‘virgem’ as andanças de cometer violações ao Estatuto do Jornalista. No seu site pessoal, que funciona também como de promoção, o pivot da CNN Portugal lista as suas prestações como ‘host’ de eventos pagos, que iniciou em 2021. Nos últimos dois anos, se incluirmos o evento da DGS (que ainda lá não está), contabilizam-se seis participações desta natureza.
O PÁGINA UM pediu esclarecimentos tanto à LPM, através do seu administrador João Paixão, como ao jornalista João Póvoa Marinheiro. Nenhum respondeu. Contactada pelo PÁGINA UM, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) diz não haver nenhum registo de depósito da carteira profissional do jornalista João Póvoa Marinheiro, confirmando-se assim que agiu na apresentação do evento enquanto tinha título activo, e acrescenta que “qualquer situação que possa configurar uma violação do regime de incompatibilidades” será “devidamente investigada, o que acontecerá no caso vertente, e, se for o caso, serão desencadeados os procedimentos previstos na lei”.
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Em fim de mandato, e com ‘ferida’ com três renúnicas, a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, recusa revelar quaisquer documentos dos processos que levaram à amnistia de 15 jornalistas alegadamente beneficiários da Lei da Amnistia decorrente da visita papal do ano passado. A lei diz taxativamente que a protecção de dados pessoais “não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa”, mas nem assim a entidade de acreditação de jornalistas, constituída apenas por jornalistas, se demove. Licínia Girão reiterou a recusa esta semana, mesmo depois de um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) considerar que, pelo menos, deveriam ser disponibilizada documentos expurgados de dados nominativos. O caso vai continuar no Tribunal Administrativo, porque este caso abre um precedente que pode vir a ser aproveitado por outras entidades públicas.
O diploma legal de protecção de dados pessoais, de 2019, é taxativo no caso de pedidos feitos por jornalistas acreditados: “ a protecção de dados pessoais, nos termos do RGPD [Regulamento Geral da Protecção de Dados] e da presente lei, não prejudica o exercício da liberdade de expressão, informação e imprensa, incluindo o tratamento de dados para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária”, salientando apenas que “ o exercício da liberdade de expressão não legitima a divulgação de dados pessoais como moradas e contactos, à exceção daqueles que sejam de conhecimento generalizado”.
Porém, em casa de ferreiro, espeto de pau. Na passada segunda-feira, a presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), Licínia Girão, reiterou a recusa do PÁGINA UM para aceder a documentos administrativos relacionados com processos disciplinares extintos por amnistia papal a 15 jornalistas. Mesmo com a extinção desses processos – antes de se apurar eventuais sanções, pelo que foram arquivados antes da decisão –, o PÁGINA UM considerava serem documentos de acção administrativa e pretendia assim, entre outros aspectos, analisar o modus operandi da CCPJ na análise de queixas contra jornalistas. Com isso, possibilitava aferir assim, por exemplo, se antes da amnistia existiam processo em ‘banho maria’ a aguardar prescrição ou se estavam mesmo abrangidos pela Lei da Amnistia.
Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
A posição de Licínia Girão – que assume ser do Secretariado da CCPJ, constituída por três elementos, embora somente ela assine – surge após um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), e sustenta-se numa interpretação enviesada do RGPD e da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e Ambientais (LADA).
Apesar de na origem dos processos disciplinares estarem, em princípios, actos relacionados somente com a actividade profissional dos jornalistas visados, a CCPJ recusou uma primeira vez, no início de Outubro passado, referindo que “a amnistia respeita às infracções abstractamente consideradas, ‘apagando’ a natureza criminal do facto”, pelo que, segundo esta entidade que é dirigida por jornalistas, “se extintos os processos a que se refere, por via da Lei n.º 38-A/2023, estes estão abrangidos pelo ‘direito ao esquecimento’, logo todo e qualquer procedimento se ainda não do conhecimento público, também já não o poderá ser”. E acrescentava a CCPJ que a divulgação dos nomes e dos processos que envolveram jornalistas que beneficiaram da amnistia – que tem de merecer a sua concordância – “poderia causar danos graves e dificilmente reversíveis a bens e interesses patrimoniais”. Contudo, não explicitava de que forma havia bens que pudessem ser afectados.
No início deste mês, a CADA estabeleceu o entendimento, em parecer, de que a amnistia prejudicava, sem basear em qualquer jurisprudência, o acesso ao nome dos jornalistas amnistiados, mas reforçava que tal “não implica que se considere apagado ou inexistente o processo, desde logo porque a decisão de considerar extintos os processos disciplinares por parte da entidade requerida pressupõe que, relativamente às infrações, estivessem preenchidas as condições previstas” na Lei da Amnistia, “isto é, que as infrações tenham sido praticadas até às 00:00 horas de 19 de junho de 2023 e não constitu[íssem] simultaneamente ilícitos penais não amnistiados pela referida lei e cuja sanção aplicável não seja superior à suspensão”.
Visita do Papa Francisco deu origem a uma Lei da Amnistia. A CCPJ nem sequer quer permitir se aplicou bem a lei e se houve beneficiários ilegítimos, escondendo informação que diplomas legais permitem aos jornalistas ter acesso.
E a CADA considerou que “essa decisão de extinção, bem como a actuação da entidade requerida no decurso dos processos disciplinares, deve poder ser sindicada, expurgados que sejam os elementos de identificação e/ou que tornem identificáveis os jornalistas objecto dos processos disciplinares, designadamente o órgão de comunicação social onde exercem funções, bem como o expurgo de dados pessoais de terceiros que a documentação possa conter”, recomendando que a CCPJ facultasse “o acesso aos referidos processos disciplinares com expurgo dos referidos elementos”.
Porém, nem isto Licínia Girão quis acatar, reiterando que se estão perante “dados sensíveis”. Saliente-se que, de entre todos os pedidos formulados pelo PÁGINA UM à CCPJ nunca esta entidade se mostrou disponível para aceder a documentos administrativos, estando ainda a decorrer um processo no Tribunal Central Administrativo do Sul relacionado com o acesso a actas e outros processos relacionados com a intervenção deste órgão de acreditação e de disciplina dos jornalistas.
A CCPJ tem estado, nos tempos mais recentes, envolvida em casos polémicos, sobretudo a sua presidente, Licínia Girão, que viu três dos seus colegas, que a haviam cooptado há três anos (como suposta “jurista de mérito”), pedido a renúncia dos cargos a poucos meses de novas eleições. De entre as críticas, constavam atitudes de centralismo e de despesismo, que estavam a causar um rombo a esta entidade pública.
Para Eduardo Cintra Torres, jornalista e professor universitário, “a CCPJ continua a prestar o pior dos serviços ao jornalismo português, impedindo o conhecimento de factos verificados, administrativamente registados, a respeito da actividade jornalística, deste modo convidando todas as instituições e indivíduos noutras actividades a negarem-se a fornecer informações”. No contexto das práticas jornalísticas e democráticas, Cintra Torres diz que a entidade ainda presidida por Licínia Girão “parece comportar-se, neste caso, como porta-voz de putativos malfeitores e não como porta-voz de putativos benfeitores que foram amnistiados”. E pergunta: “se foram amnistiados, porque se esconde, ao contrário do que sucede com condenados que o Estado amnistia em certas ocasiões”, como no Ano Novo ou durante visitas papais.
A CCPJ tem sido, irónica e lamentavelmente, uma das entidades públicas mais fechadas relativamente ao acesso a documentos administrativos.
Com efeito, saliente-se que, numa rápida pesquisa na Internet, conseguem-se identificar pessoas em concreto, até já condenadas ou com sanções já em aplicação, que beneficiaram da Lei da Amnistia proveniente da visita do Papa Francisco a Portugal em Agosto do ano passado. São os casos, por exemplo, de Rui Pinto, que beneficiou de amnistia em 79 crimes, de João Carreira, o jovem que planeou um ataque à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa em Fevereiro de 2022, e até o jogador de futebol Paulinho, do Sporting, viu um castigo de dois jogos de suspensão e uma multa de 2.555 euros ‘desaparecerem’ por intercessão indirecta do papa.
Perante mais este caso, Cintra Torres defende que “o mal que a CCPJ tem feito ao jornalismo português e à saúde da democracia é difícil de permitir nos tempos mais próximos a recuperação da dignidade e da ética profissionais dos jornalistas”, lamentando por fim que esta entidade, “em vez de servir o conhecimento da verdade, parece servir a ocultação de factos e, portanto, da verdade”. E conclui: “que isto aconteça com outras corporações profissionais não se aceita, mas compreende-se. Que aconteça com o jornalismo é uma tragédia nacional da profissão, das suas instituições e a democracia”.
O PÁGINA UM vai apresentar uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a CCPJ, através do seu FUNDO JURÍDICO, financiado pelos leitores.
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Um acordo parassocial entre os accionistas da Expressão Livre, a ‘holding’ que controla o Correio da Manhã e a CMTV – escondido inicialmente pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) –, ao qual o PÁGINA UM teve acesso, revela um elaborado esquema de investimento que aparenta ser extremamente desfavorável (e atípico no mundo dos negócios) para Cristiano Ronaldo, mas que pode, afinal, ser uma forma ‘encapotada’ de lhe entregar a prazo o domínio absoluto do grupo de comunicação social. Através da sua CR7, Cristiano Ronaldo não apenas se comprometeu a investir, sem retorno, cerca de 13 milhões de euros como se assumiu como o único fiador de um empréstimo de 14 milhões de euros da ‘holding’ de comunicação social, que comprou a Cofina Media, junto do Banco Santander Totta, desonerando os outros accionistas. Mas se tiver de pagar parte ou a totalidade desse empréstimo, então será recompensado através do reforço no capital social da Expressão Livre. Contas feitas, e atendendo à sua actual posição, Cristiano Ronaldo só precisará de suportar o peso de ser fiador em 40.001 euros para, com esse simples expediente, passar a deter mais de 50% do capital social da proprietária do jornal que, em tempos, odiou.
Cristiano Ronaldo arrisca ficar proprietário praticamente exclusivo da Medialivre – o grupo de media que controla o Correio da Manhã e dos canais televisivos CMTV e Now –, de acordo com cláusulas do acordo parassocial entre accionistas da holding Expressão Livre, entregue na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) no final do ano passado, a que o PÁGINA UM teve acesso após parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Numa primeira fase, depois de uma deliberação onde decidira não publicitar o acordo parassocial, o regulador recusou inicialmente o acesso. Em todo o caso, a ERC mantém secreto o plano de negócio da Expressão Livre, a holding da Medialivre que é detida pela Sorolla (32%), CR7 (30%), Livrefluxo (32%), Actium Capital (10%) e Caderno Azul (10%).
O acordo entre os accionistas da Expressão Livre, assinado no final de 2023, revela uma série de compromissos financeiros e operacionais que colocam a empresa de Cristiano Ronaldo, a CR7, numa posição singular dentro dos accionistas que controlam a Medialivre. Além de deter uma participação significativa de 30% no capital social da holding, o actual jogador do Al-Nassr aceitou, através da sua sociedade, um papel de fiador de um empréstimo bancário de 14 milhões de euros, contraído junto do Banco Santander Totta. Este papel de fiador, definido em cláusulas específicas do acordo, implica que a empresa de Cristiano Ronaldo será responsável por cobrir eventuais incumprimentos no pagamento da dívida ao banco.
Mas é, nesse ponto, que a CR7 pode passar a assumir o controlo absoluto do único grande grupo de media em situação financeira saudável, e que tem vindo a investir no último ano, com a fundação do canal Now e de estações de rádio. Caso a administração da Expressão Livre (e os outros accionistas) não cumpram – ou não queiram cumprir – as suas obrigações junto do Santander, a empresa de Cristiano Ronaldo será obrigada a cobrir os montantes em falta, incluindo juros e despesas adicionais, numa clara assunção de responsabilidade financeira.
Porém, nesta situação, sendo Cristiano Ronaldo forçado a efectuar esses pagamentos junto do Santander, a CR7 terá então, como compensação, um aumento da sua participação no capital social, através de um mecanismo de diluição da posição dos outros accionistas. Ora, como o capital social da Expressão Livre é, actualmente, de apenas 100 mil euros, basta a Cristiano Ronaldo pagar, por ser fiador, 40.001 euros para ficar como sócio mairitário, ou seja, mais de 50% do capital social. Se tiver de pagar um milhão de euros ao banco, fica automaticamente com 93,6%, em vez dos actuais 30%. Se tiver de pagar os 14 milhões de euros, ficaria então com 99,5% do capital social da Expressão, ou seja, ‘dono absoluto’ da Medialivre, uma empresa que detinha, no final do ano passado, activos de 93,4 milhões de euros e capital próprio de quase 33 milhões de euros. E, aliás, concedeu um lucro superior a 7,2 milhões de euros.
Este mecanismo permite que Cristiano Ronaldo possa transformar facilmente em accionista maioritário e até proprietário praticamente exclusivo da Medialivre. Na prática, esta cláusula funciona como uma ‘recompensa’ por Cristiano Ronaldo não apenas assumir o risco deste empréstimo de 14 milhões de euros, mas também por lhe ter sido exigido um maior esforço de investimento inicial, também estabelecido no acordo parassocial.
Expressão Livre é a holding da Medialivre, que edita, entre outros títulos, na imprensa escrita, o Correio da Manhã, o Record e a revista Sábado, detendo também os canais CMTV e Now, bem como um grupo de rádios. Foto: PÁGINA UM
Com efeito, também ficou estabelecido neste acordo – que, em condições normais, num outro sector de actividade, seria considerado confidencial, havendo mesmo impedimentos dos accionistas de o publicitarem –, que o envolvimento de Cristiano Ronaldo no sector dos media não é apenas financeiro, mas também estratégico. Através deste acordo, o mais internacional jogador futebol do Mundo comprometeu-se com um investimento significativo, através de um valor extra, denominado ágio, que não terá retorno em termos de dividendos.
Nesse aspecto, tendo uma participação de 30%– que se aplica à distribuição de dividendos e de atribuição de cargos de gestão –, Cristiano Ronaldo assumiu a entrega, a título de ágio, de 13,095 milhões de euros, num total de 34,9 milhões de euros de investimento por todos os accionsitas. Ou seja, para um capital social de 30%, a CR7 vai ter de investir 37,52% do total, o que confronta com o caso da Sorolla que, tendo 32% do capital social da Expressão Livre, apenas terá de investir 14,95%.
Em termos convencionais, seria esperado que a percentagem de investimento fosse proporcional à participação accionista, mas neste caso a empresa de Cristiano Ronaldo não teve pejo em assumir um investimento significativamente superior à sua actual quota de capital social, uma vez que o ágio constitui um investimento que não tem retorno, como sucede com as acções, as prestações suplementares ou os empréstimos feitos pelos accionistas.
As relações complicadas entre Cristiano Roinaldo e o grupo Correio da Manhã foram não lançadas ao lago mas sim enterradas. O mais famoso futebolista português detém agora 30% da Medialivre, sendo já o principal accionista individual, mas pode facilmente dominar a Expressão Livre, holding desta empresa de comunicação social.
Esta configuração pode indiciar que Cristiano Ronaldo reconhece o valor estratégico do controlo accionista, e está disposto a investir acima da média para garantir uma posição de relevância, ou então espera que o ‘efeito fiador’ venha a reforçar a sua futura posição na holding da Medialivre.
A potencial transformação de Cristiano Ronaldo em accionista dominante na Expressão Livre – que, controla, ‘em cascata’, a Medialivre –, através deste acordo parassocial, pode também ser alterado no decurso dos nove anos do seu prazo de validade. Os accionistas concordaram em manter-se na estrutura societária durante três anos, mesmo se com eventuais alterações do peso no capital social, mas caso haja, no futuro, o desejo de accionistas com mais de 75% de venderem a empresa a terceiros, os outros têm de disponibilizar a ‘cedência’, caso o comprador queira ficar com tudo.
N.D. A Lei da Transparência dos Media determina que as empresas de media enviem à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) os acordos parassociais, tal como os accionistas da Expressão Livre e Medialivre fizeram. Mas o regulador cedeu ao pedido de confidencialidade, alegando, em deliberação de 8 de Maio passado, que “a divulgação pública do teor do Acordo Parassocial não contribui para melhor concretizar os objetivos prosseguidos pela Lei da Transparência e respetiva regulamentação, nomeadamente, a transparência da titularidade, da gestão e dos meios de financiamento das entidades que prosseguem atividades de comunicação social, tendo em vista a promoção da liberdade e do pluralismo de expressão e a salvaguarda da sua independência editorial perante os poderes político e económico”.
Como a notícia do PÁGINA UM evidencia, existe matéria relevante no acordo parassocial da Expressão Livre que é de de interesse público, até para se perceber como um grupo de media se financia e pode facilmente mudar de mãos. Como a não divulgação pública não significa que o acesso fosse vedado, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, o PÁGINA UM fez um pedido de consulta do acordo parassocial à ERC, que viria a ser inicialmente recusado. Somente após a intervenção da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), através de um parecer do passado dia 18 de Setembro, o regulador se predispôs a revelar uma parte do acordo social, mas mantendo secreta a parte respeitante ao plano de negócios.
A vontade do PÁGINA UM em recorrer desta decisão para o Tribunal Aministrativo de Lisboa é significativa, pela atitude de obscurantismo patenteada pela ERC (como habitualmente), mas seria um esforço demasiado moroso para uma questão que somente se resolveria daqui a muitos meses ou mesmo mais de um ano. Assim, basta o opróbio de mais um caso do regulador que disciplina a transparência dos media, mas que acaba por ser o principal fautor da obscuridão, esquecendo que a transparência se mostra fundamental para a credibildiade deste sector em crise. Aliás, convém relembrar que o Conselho Regulador da ERC pretende uma alteração legislativa que lhe permita, através de uma lei especial, impedir aquilo que o PÁGINA UM (ainda) conseguiu: consultar um acordo parassocial e decidir se existe matéria noticiosa – algo que, para o regulador criado pela Constituição para garantir a liberdade de imprensa, é uma chatice.
Pedro Almeida Vieira
Director do PÁGINA UM
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O choque que muitos sofreram com o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos Donald Trump à Casa Branca não parece ter chegado aos mercados de capitais. Pelo contrário. Os dados sugerem que investidores e casas de investimento já estavam a prever um resultado favorável para o candidato republicano. A vitória do Partido Republicano acabou por ser esmagadora em várias frentes, do Senado à Câmara dos Representantes, reforçando os poderes de Trump, o que ajudará o novo presidente dos Estados Unidos a baixar os impostos a empresas, como pretende, e a impor taxas nas importações. Por outro lado, o Mundo também não parece ter mergulhado no apocalipse, o que está a desapontar grande parte da comunicação social e comentadores mediáticos que adoptaram uma posição activista em prol de Kamala Harris e do Partido Democrata durante a campanha. A ‘ressaca’ e espanto nos media tradicionais contrasta com a animação e confirmação das previsões nos mercados de capitais.
Não chegou o apocalipse nem acabou o mundo após a eleição de Donald Trump para a Casa Branca. Para grande desilusão de muitos comentadores influencers, e a generalidade dos jornalistas dos media tradicionais, o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos republicano à Casa Branca está a ser motivo de celebração para muitos, nomeadamente no sector empresarial e económico e nos mercados de capitais.
Ao contrário do que sucede cada vez mais nos media, em que jornais e jornalistas adoptam uma posição de activistas, neste caso de apoio a Kamala Harris e ao Partido Democrata, nos mercados de capitais os factos é que contam. Analistas financeiros destacam a “vitória esmagadora” dos republicanos que deixa a porta aberta para a prometida descida de impostos para empresas nos Estados Unidos. Os mercados também antecipam a perspectiva de se estar mais perto do fim de alguns conflitos armados, além de se preverem melhores expectativas para a economia. Tudo isto levou os índices norte-americanos para novos máximos históricos e gerou valorizações em diversos sectores de actividade e classes de activos.
Até em Lisboa houve quem celebrasse a vitória do candidato republicano e antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na corrida à Casa Branca. (Foto: PÁGINA UM)
De resto, os dados mostram que nos mercados de capitais já se contava com a vitória do candidato do Partido Republicano nestas eleições para a presidência dos Estados Unidos. “Havia uma cegueira, um certo negacionismo nos media tradicionais, de que Trump iria ganhar, mas os mercados já estavam a descontar que o cenário central seria o de uma vitória dos republicanos”, disse Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. “Os mercados só não previam que a vitória dos republicanos fosse tão vasta, por isso é que ainda reagiram”, adiantou em declarações em PÁGINA UM.
De facto, os mercados de capitais reflectem as perspectivas para a economia e para os lucros de diversos sectores e evolução dos preços de matérias-primas. Com a confirmação da eleição de Trump e a esmagadora vitória republicana em várias frentes, os índices norte-americanos dispararam para novos máximos, o dólar valorizou, as criptomoedas dispararam.
A 6 de Novembro, um dia a seguir às eleições, era claro que a vitória de Trump não era uma surpresa para muitos investidores e analistas. “Com todos os sinais a apontarem para uma vitória de Donald Trump, esperamos que muitas das suas políticas populistas tenham repercussões, embora os mercados tenham sido largamente avaliados a contar com este resultado”, escreveram responsáveis da Allianz Global Investors numa análise publicada a seguir às eleições.
Para Filipe Garcia, Trump ganhou sobretudo devido “à falta de propostas” do Partido Democrata. “O outro lado não tinha nada para oferecer”, sublinhou.
O regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca já era largamente antecipado pelos mercados financeiros que esperam um acalmar de alguns conflitos e tensões geo-políticas, nomeadamente na Ucrânia, e um cenário mais positivo para a economia norte-americana e as empresas dos Estados Unidos.
E o que dizem os mercados de capitais? Esperam que os republicanos implementem medidas que irão beneficiar as empresas norte-americanas e a economia nos Estados Unidos. Prevêem que Trump vai levar a que acalmem ou se resolvam guerras e conflitos. Segundo Filipe Garcia, “os mercados estão a descontar um apaziguar das coisas”, nomeadamente na Ucrânia. Mas lembrou que, para já, a administração Biden vai continuar a armar e a financiar Zelensky enquanto Putin, em troca, não quererá dar sinais de fraqueza, pelo que a acalmia naquele conflito pode não chegar já. “No anterior mandato, Trump não iniciou guerras, mas não quer dizer que resolveu os problemas, apenas os meteu debaixo do tapete”, lembrou Filipe Garcia.
Em termos de ‘vencedores’ deste resultado nas eleições nos Estados Unidos, no mercado accionista contam-se bancos, tecnológicas, e, claro, a Tesla de Elon Musk, um aliado do novo presidente. Entre os perdedores, estão as grandes farmacêuticas, a antecipar que os dias de políticas de saúde pública vergadas à influência e poder das ‘big-pharma‘ vão chegar ao fim, pelo menos nos Estados Unidos. Também o ouro desvalorizou para o mínimo em dois meses, com os investidores mais confiantes a apostarem no mercado accionista. O preço do ouro fechou nos 2749,7 dólares a onça, no dia 5 de Novembro e no dia 13 fechou a cotar nos 2586,5 dólares, uma queda de 6%.
Comecemos então por olhar para os vencedores destas eleições nos Estados Unidos.
Os principais índices accionistas norte-americanos dispararam para novos máximos de sempre com a eleição de Trump, a antecipar uma redução da carga fiscal sobre as empresas e uma maior pujança económica. Também esperam que a “vitória esmagadora” dos republicanos permita ao novo presidente dos Estados Unidos implementar políticas sem o boicote ou travões do Partido Democrata.
Os analistas da Allianz Global Investors destacaram, numa análise após as eleições que “o foco de Donald Trump na redução dos impostos sobre as empresas e numa maior desregulação deverá favorecer as empresas dos EUA (Estados Unidos), especialmente os pequenos negócios com avaliações atrativas no mercado acionista”.
Segundo Michael Heydt, analista da divisão de ‘ratings’ de dívida soberana da Morninstar DBRS, “a forte performance eleitoral dos republicanos – vencendo a presidência, o Senado e, potencialmente, a Câmara dos Representantes – coloca-os numa posição de mudar de várias formas importantes a política económica dos Estados Unidos”.
O dólar valorizou, designadamente face à moeda única europeia enquanto o petróleo reflecte a previsão de um aumento da oferta e de vir a haver menos entraves regulatórios à exploração nos Estados Unidos, que são já o maior produtor de mundial, liderando na produção de barris de ‘ouro negro’ por dia.
Para os especialistas da Allianz Global Investors, “a posição dura de Trump numa série de questões que vão desde o comércio à imigração poderá impulsionar o dólar americano e o ouro”. Já o impacto nos mercados obrigacionistas “é mais difícil de prever”.
No caso do preço do petróleo, fechou no dia 5 de Novembro nos 71,99 dólares o barril de crude e no dia 13 de Novembro valia 67,93 dólares o barril no fecho do mercado. Durante a campanha eleitoral, Trump apresentou uma política energética que promete focar-se na produção de combustível e energia dos Estados Unidos. Esta estratégia contraria as políticas da Administração Biden, mais voltadas para seguir a estratégia focada nos negócios e indústrias que beneficiam do tema em torno do combate às alterações climáticas. “Penso que será um governo positivo para as empresas de combustíveis fósseis, com menos regulamentação a restringir a produção”, disse Ronald Temple, responsável pela estratégia de mercado da Lazard, citado pela Reuters.
Quanto ao euro, cotava a 1,09 dólares no dia das eleições e no dia 13 de Novembro valia 1,07 dólares.
Acções de bancos valorizaram com a vitória do candidato republicano, com casos como a acção do Goldman Sachs a disparar com a confirmação da eleição de Trump. Também as ações dos norte-americanos JPMorgan Chase e Bank of America dispararam.
Os investidores contam agora com menos travões regulatórios e, sobretudo, um ambiente mais propício ao investimento e aos negócios. “Há uma expectativa de que o cenário regulatório diminua na Administração Trump”, o que ajuda a impulsionar a cotação das acções do sector financeiro, disse David Ellison, gestor de activos da Hennessy Funds, que detém várias acções de bancos, citado pela Reuters.
No caso das Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos a 10 anos já se antecipava que desvalorizassem. Trump prometeu implementar taxas sobre as importações estrangeiras, com o foco em produtos provenientes da China. Analistas esperam que a medida leve a aumentos de preços, o que, a acontecer, também levaria a um aumento da inflação.
Ao contrário do esperado, as acções da Trump Media registaram uma queda de 15%, pois no dia 5 de Novembro cotavam a 33,94 dólares por acção e no dia 13 de Novembro a 28,93 dólares.
Mas o destaque tem sido a Tesla, fabricante de veículos eléctricos de Elon Musk, que se tornou um grande aliado do agora presidente dos Estados Unidos. Musk vai mesmo ter uma tarefa de relevo na nova Administração Trump, tenso sido incumbido de ‘cortar’ a gordura e melhorar a eficiência ao nível federal.
Pode dizer-se hoje que as previsões ‘negras’ que tantas vezes os media tradicionais vaticinaram para a as acções da Tesla foram definitivamente enterradas, fazendo agora essas previsões apenas parte do cemitério de expectativas da imprensa mainstream para os títulos da empresa de Musk.
As acções da Tesla valiam 251 dólares no dias das eleições e chegaram a fechar nos 350 dólares no dia 11 de Novembro. Valorizaram quase 50% no último mês. Nos últimos cinco anos, subiram mais de 1260%.
Tal como a generalidade das empresas norte-americanas, as acções das ‘big-tech’ também beneficiaram com a vitória de Trump. “Até certo ponto, as tecnológicas podem beneficiar da sua lealdade a Trump”, salientaram os analistas da Allianz numa análise.
Por outro lado, espera-se menos pressão regulatória em geral, o que pode ajudar também as tecnológicas. Por outro, a intenção de aplicar taxas a importações, nomeadamente da China, deverá ajudar algumas empresas norte-americanas deste sector.
Mas há casos e casos. O historial do relacionamento de Trump com empresas que detêm plataformas e redes sociais, como a Meta, dona do Facebook e Instagram, e a Alphabet, dona do Google e do YouTube, tem sido acidentada, para dizer o mínimo. O novo Presidente dos Estados Unidos viu as suas contas serem suspensas em diversas plataformas e acusou várias empresas de censurarem conteúdos e favorecerem o Partido Democrata.
Um dos grandes vencedores das eleições norte-americanas foi o mercado das criptomoedas, com destaque para o ‘ouro digital, a Bitcoin. No dia 6 de Novembro, a seguir às eleições, a Bitcoin disparou para um valor acima dos 75.600 dólares e ontem já estava nos nos 89.747 dólares.
Mas, em geral, as moedas e activos virtuais dispararam após a confirmação da vitória de Trump, que é mais favorável a um ambiente pró-criptomoedas. A promessa de Trump de fazer dos Estados Unidos a capital do mundo das criptomoedas foi talvez o argumento mais forte por detrás desta euforia.
Também as acções de empresas ligadas ao sector dos criptoactivos dispararam, como foi o caso dos títulos da Coinbase e da MicroStrategy.
As acções das grandes farmacêuticas, sobretudo das que tiveram lucros pornográficos com a pandemia de covid-19, como a Pfizer, começaram há semanas a antecipar uma vitória dos republicanos. Com a confirmação da eleição de Trump e a vitória alargada do Partido Republicano em várias frentes, a desvalorização ainda se acentuou mais. Isto porque, com os republicanos no poder, arrefecem as perspectivas de as farmacêuticas poderem ter cortes nas receitas provenientes da subsidiação de de medicamentos e tratamentos por parte dos cofres federais. Trump também defende preços mais baixos dos medicamentos.
Por outro lado, a política de saúde pública dos republicanos deverá também sofrer alterações, com menor tolerância para o lobby das ‘big-pharma‘ junto de decisores públicos e a promessa de acabar com a corrupção e conflitos de interesses no sector regulatório e de saúde pública nos Estados Unidos.
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Os actuais gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, estão mesmo em maus lençóis. Os credores chumbaram o Processo Especial de Revitalização (PER) da empresa e decidirão em breve se a insolvência da TIN se faz através de um plano de rentabilização dos activos ainda com valor, nomeadamente a transmissão dos títulos de media, ou se se parte, de imediato, para a liquidação. Qualquer um dos cenários dará, garantidamente, calotes de milhões ao Estado e restantes credores. Seja como for, a actual gerência liderada por Luís Delgado, apesar de manifestar interesse, não terá as mínimas condições de credibilidade para se manter à frente da Trust in News durante o processo de insolvência, até porque, além de ter recebido a confirmação de uma condenação por abuso de confiança fiscal agravada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, aumentou ainda mais as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança durante o PER, chumbado na semana passada, e os atrasos no pagamento de salários agravaram-se.
Salários em atraso, dívidas de mais de 30 milhões de euros, um Processo Especial de Revitalização (PER) ‘chumbado‘ e uma condenação a pena de prisão pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada. Este é o cenário que enfrenta o ex-jornalista e comentador Luís Delgado, gerente e dono da Trust in News (TIN), que detém as revistas Visão e Exame. Com os títulos já penhorados desde 2020 pela Segurança Social e o Fisco, a Trust in News avança agora para um processo de insolvência. Os credores irão decidir se aprovam um plano ou se a empresa parte para a liquidação. Seja como for, os activos deverão ser vendidos, sendo alvo de um ‘saneamento’. Ou seja, os novos donos das revistas da TIN irão ficar com os títulos mas não com as dívidas. Também irão ‘herdar’ os trabalhadores.
Neste novo processo que vai ser iniciado pelo Tribunal, após o ‘chumbo’ do PER, Luís Delgado e os outros dois gerentes da TIN não estão em condições de liderar a insolvência da empresa, ainda que sob a fiscalização de um administrador judicial apontado pelo Tribunal. Isto porque os três gerentes da TIN viram confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a condenação, pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, a uma pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos sob condição de a dívida em causa ser saldada.
Apesar disso, a gerência da TIN anunciou a intenção de apresentar aos credores um plano de insolvência, depois de não ter conseguido convencê-los com o plano de recuperação da empresa que apresentou no decurso do PER. Curiosamente, os meios de comunicação social que noticiaram o anúncio da gerência da TIN, designadamente a agência Lusa, omitiram aos leitores que os três gerentes da dona da Visão foram condenados a penas de prisão, enfrentando ainda mais processos, incluindo um da Segurança Social, que deverá também levar a uma condenação a pena de prisão.
Sendo que na insolvência serão analisados ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta.
Os próximos passos serão decisivos para as revistas da TIN e para os seus trabalhadores. O administrador judicial provisório do PER, Bruno Costa Pereira, indicou, ao PÁGINA UM, que iria entregar ao Tribunal na quarta-feira o seu parecer no sentido de se avançar para a insolvência da empresa. De seguida, o Tribunal irá encerrar o processo do PER e iniciar um novo processo, desta vez relativo à insolvência da TIN. Será, depois, convocada uma assembleia de credores , os quais irão, ou não, aprovar um plano de insolvência ou decidir pela liquidação da dona da Visão.
Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.
O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram apareceu a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendem as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
Os novos donos das revistas da Trust in News, onde se destaca a Visão, irão ficar com os títulos da empresa após um ‘saneamento’ que ‘limpará’ os activos das dívidas. (Foto: PÁGINA UM)
Certo é que, com aprovação do plano de insolvência ou com a liquidação, o desfecho mais provável é de que as revistas da empresa irão ter de encontrar novos donos, os quais ficarão com os activos da TIN sem dívidas. Haverá um ‘saneamento’ e os novos donos das revistas não ficarão com as dívidas, apenas com os títulos e os trabalhadores.
Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas.
Entretanto, os trabalhadores da Visão e da Exame convocaram um plenário para o dia 18 de Novembro para analisar a insolvência da empresa de media, segundo noticiou o jornal Expresso.
Para já, após o início do processo de insolvência decretado pelo Tribunal, os credores só serão chamados a pronunciar-se no prazo de 45 dias a 60 dias, em sede de assembleia de credores. Aí será então decidido o destino dos activos da TIN. Será também o culminar de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu portfólio tóxico de revistas, ‘salvando’ a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de dívida. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.
Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores do Fisco e da Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.
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EDIÇÃO ESPECIAL: O Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News só serviu para adiar o inevitável… e aumentar as dívidas do grupo de media ao Estado. Esta tarde soube-se da decisão final dos credores, que votaram contra a recuperação da dona da revista Visão (e de cerca de uma dezena e meia de outros títulos da imprensa), onde pontificam a Autoridade Tributária e a Segurança Social, que no conjunto detêm 51% dos direitos sobre as dívidas da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado. A ‘máquina fiscal’ assegura agora que a Trust in News continuou este ano a aumentar as dívidas, que se situam agora em mais de 8,5 milhões de euros, e a Segurança Social informou que só em Maio passado houve um pagamento esporádico. A insolvência está cada vez mais próxima, e o risco do colapso completo das revistas do grupo – entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – é quase certo. Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.
Fim de linha para Luís Delgado e para um modelo desastroso de negócios de media que levou uma empresa com capital social de apenas 10 mil euros a deter uma dezena e meia de títulos de imprensa e ‘conseguir’ o prodígio de acumular dívidas de mais de 30 milhões de euros em apenas oito anos.
Foi chumbado esta tarde o plano do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, com os votos tanto da Autoridade Tributária e Aduaneira (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Ao lado da continuação da Trust in News apareceu apenas a Impresa (13,5% do total dos créditos), a quem foram vendidas das revistas em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
Luís Delgado (à esquerda), dono e co-gerente da Trust in News, na altura em que assinou, em 2018, a compra das revistas da Impresa, presidida por Francisco Pedro Balsemão (à direita).
A partir de agora, o administrador judicial provisório, Bruno Costa Pereira, solicitará à Trust in News e aos credores uma pronúncia sobre a eventual insolvência – que aparenta ser inevitável face ao ‘chumbo’ do PER e às dificuldades de obtenção de crédito imediato. Num caso destes, a suspensão da publicação das revistas será imediata, podendo, contudo, num processo de insolvência serem vendidos os títulos a terceiros, embora seja previsível que tal suceda somente se não houver ‘migração’ do passivo.
Saliente-se que numa situação de insolvência será então possível averiguar se houve gestão danosa e mesmo se poderá averiguar as circunstâncias da estranha venda das revistas pela Impresa em 2018 a Luís Delgado, que constituiu uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros, e cuja contabilidade merece bastantes dúvidas.
Uma das razões principais para este ‘chumbo’ do PER acabou por ser a falta de confiança dos principais credores em garantir que a Trust in News iria cumprir as obrigações passadas e as futuras. Até porque nem nos últimos meses, já com a ‘corda na garganta’, a gerência liderada por Luís Delgado – sócio único da empresa de media – se comportou de forma diferente. Num ofício ontem enviado pela AT, a directora de serviços de Gestão dos Créditos Tributários, Ana Tavares Silva, revelava que a Trust in News continuava a aumentar a dívida, salientando que a dívida fiscal é, actualmente, de 8.570.711,37 euros, ou seja, “um aumento da dívida, desde Janeiro de 2024, de 1.292.147,65 euros”.
A dirigente da ‘máquina fiscal’ salienta que “não obstante as medidas de redução de custos previstas e incluídas nos planos anteriores, como indutoras e suscetíveis de reverter a situação de incumprimento crónico”, a Trust in News “não pára de constituir dívida nova”, apesar “dos compromissos assumidos para com o credor tributário de dar cumprimento ao plano prestacional implementado, bem como, ao cumprimento tempestivo e integral de todas as novas obrigações tributárias vincendas (declarativas e de pagamento)”.
Constatando assim que os resultados dos últimos anos da Trust in News “não produz excedentes capazes de saldar o valor dos créditos em dívida”, a AT destaca ainda que a qualidade e quantidade das dívidas (retenções de IRS e IVA não entregues) enquadra-se num crime de abuso de confiança. Recorde-se, aliás, que Luís Delgado, e os outros dois gerentes da Trust in News (Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro), já sofreram uma condenação, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, conforme noticiou o PÁGINA UM, por abuso de confiança agravada, a dois anos e meio de prisão suspensa mas com a condição de pagamento. Ora, essa condenação diz apenas respeito às dívidas de menos de 900 mil euros.
Em sentido similar foi a posição da Segurança Social. A própria presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), Teresa Cordeiro, salientou, na comunicação do voto desfavorável ao PER, que houve um “incumprimento reiterado do pagamento de contribuições por parte da empresa [Trust in News] desde Setembro de 2019 (inclusive), sendo que, desde esse mês, apenas ocorreram pagamentos esporádicos e parciais das contribuições mensais, sendo o único mês pago na totalidade o de Maio de 2024”, acrescentando que “a empresa não cumpriu nenhum dos planos prestacionais que foram autorizados e implementados”. Na deliberação, a IGFSS acrescentou também que se o PER viesse a ser eventualmente aprovado, seria interposto recurso da sentença de homologação, até porque houvera “consentimento expresso à modificação dos seus créditos”.
De entre os documentos do PER, consultados pelo PÁGINA UM, destacam-se também os votos, grande parte dos quais contra, dos jornalistas das diversas revistas da Trust in News. Numa dessas cartas, a directora de arte da Caras, Carla Mendes, além de informar não ter recebido o salário de Outubro e o subsídio de férias, salienta que “diariamente estamos a perder condições e ferramentas essenciais de trabalho, sem qualquer explicação ou comunicação da administração. Aliás, são os próprios empregados sem qualquer cargo de direção, como eu, que vamos encontrando soluções que permitam contornar as dificuldades existentes para que se consigam fazer as revistas, que é o nosso produto”
Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.
Esta jornalista, na missiva enviada para o processo, acusa a gerência da Trust in News de “não apresentar linhas condutoras de negócio, demonstra[ndo] total desconhecimento das necessidades e funções de uma editora”, acrescentando que o “comportamento danoso” da empresa a faz acreditar que “não haverá capacidade para pagar as dívidas”. E alerta, por fim, para a existência de “situações graves sociais decorrentes dos atrasos dos pagamentos”, apelando “à celeridade da resolução deste problema e de um esclarecimento sobre o que podemos contar nos próximos dias”, lamentando o “silêncio desesperante”.
Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.
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Não estalou apenas o verniz. Escaqueirou-se o edifício inteiro, neste caso a (pouca) credibilidade da actual Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), revelando-se o caos que há muito ruminava por dentro. A demissão de três membros da ‘polícia dos jornalistas’, que concede acreditações e tem funções disciplinares, veio sob a forma de acusações de centralismo, despotismo, desvio de funções e mesmo gastos excessivos que colocaram as contas da CCPJ no vermelho. Nas cartas de renúncia dos três jornalistas (Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão) são expostos vastos exemplos da forma como a presidente da CCPJ, Licínia Girão, que não tem exercido jornalismo nos últimos anos, usou e abusou dos seus poderes para, através de senhas de presença e outros gastos, bem como de acções de formação, transformar uma função não remunerada num ‘salário’ que estará a ultrapassar os 4.000 euros por mês. Também se soube que, por causa de notícias do PÁGINA UM, Licínia Girão contratou um escritório de advogados para apresentar uma queixa pessoal, mas apresentou a conta de 6.000 euros à CCPJ. Com inéditos prejuízos, a CCPJ arrisca agora ficar nos mesmos ‘lençóis’ onde as finanças pessoais de Licínia Girão estiveram há poucos anos: em 2019, a jornalista beneficiou de um perdão de dívidas num processo de insolvência pessoal.
As renúncias de três dos nove membros da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), conhecidas ontem, vieram trazer a público uma gestão financeira caótica e casos de centralismo e despotismo da sua presidente, a jurista e também jornalista Licínia Girão, que tomou posse em Maio de 2022, três anos depois de um processo de insolvência (falência) pessoal, interposto em 2012, ter sido concluído.
No rol de acusações agora conhecidas nas cartas de renúncia de três dos seus pares – que a designaram por cooptação, em Maio de 2022 -, constam as excessivas despesas, sobretudo por uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’ e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.
Licínia Girão, presidente da CCPJ
Neste último caso, a carta de renúncia de Anabela Natário e de Isabel Magalhães, datada de 24 de Outubro, explicita o uso indevido de recursos financeiros da CCPJ no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre o currículo e experiência profissional de Licínia Girão, e que colocavam em causa os seus pergaminhos de “jurista de mérito” exigido por lei para o cargo, incluindo a existência de um estágio de advocacia fictício e um ‘chumbo’ nas provas de acesso ao curso de magistrados no Centro de Estudos Judiciários.
De entre o rol de exemplos de anormalidades da gestão centralizadora de Licínia Girão, as duas jornalistas demissionárias relatam a decisão da presidente da CCPJ em processar o director do PÁGINA UM, por notícias publicadas sobre o seu percurso profissional, mas às custas desta entidade com estatuto público. “Foram, pelo menos, seis mil euros em advogados, e desconhecemos quanto em senhas e viagens”, relatam Anabela Natário e Isabel Magalhães, recordando que Licínia Girão tinha garantido, em plenário de 15 novembro de 2023, que tinha “apresentado uma queixa, em nome pessoal, contra o jornalista Pedro Almeida Vieira junto do Conselho Deontológico (…) e apresentado igualmente queixa junto do Ministério Público”. As duas jornalistas dizem ainda que “só depois de uma grande pressão, [Licínia Girão] acabou por retirar a queixa, querendo, no entanto, impor condições tão esquisitas que foram ‘chumbadas’. E não se comprometeu a devolver a quantia gasta indevidamente.” A queixa judicial terá sido mesmo retirada, mas o processo enviesado no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas avançou, sendo mesmo recusada a defesa apresentada pelo director do PÁGINA UM. Saliente-se que não é necessário que seja um advogado a apresentar uma queixa judicial nem a solicitar uma intervenção do Conselho Deontológico, bastando saber escrever razoavelmente. Além disso, embora não sendo advogada, por não ter conseguido concluir o estágio da Ordem dos Advogados, Licínia Girão é jurista.
Mas este gasto de seis mil euros é apenas uma ‘gota de água’ nos despesismos de Licínia Girão, e que estão rapidamente a delapidar os recursos financeiros da CCPJ, que ‘vive’ sobretudo dos emolumentos pagos pelos jornalistas (70,50 euros a cada dois anos). Se nas contas de 2021, a CCPJ apresentava resultados transitados (ou seja, acumulação de lucros) de 343.882 euros, os dois anos de gestão de Licínia Girão já ‘comeram’ uma parte substancial destas reservas. Em 2022, a CCPJ apresentou um ligeiro mas inédito prejuízo (2.588 euros), mas no ano passado o prejuízo subiu para os 78.904 euros, havendo indicações de o ano de 2024 terminar com mais perdas. A parte substancial destes prejuízos advirá da constante apresentação de gastos diversos e de senhas de presença de Licínia Girão, que ao contrário dos anteriores presidentes da CCPJ, não tem actividade jornalística conhecida. Nos seus estatutos, este organismo, apenas com funções de acreditação e de acção disciplinar, nunca previu a remuneração dos membros dos seus órgãos sociais, sendo os nove membros recompensados por senhas de presença em reuniões.
Renúncias de três membros da CCPJ destapam gestão centralista e ruinosa de Licínia Girão.
Porém, Licínia Girão tem vindo a assumir, pessoalmente, múltiplas tarefas fora das competências da CCPJ, entre as quais acções de formação, para amealhar um autêntico salário. Na carta de renúncia, Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que os gastos associados a senha de presença em 2022 chegaram aos 26 mil euros – quando em 2021, no mandato de Leonete Botelho, jornalista do Público tinham sido de 22 mil euros –, mas que aumentaram abruptamente em 2023 para os 40 mil euros [na verdade, 40.986 euros, de acordo com as demonstrações financeiras, consultadas pelo PÁGINA UM]. Do montante despendido no ano passado, só Licínia Girão embolsou, segundo as duas demissionárias, 18.948 euros apenas em senhas de presença, ou seja, quase tanto quanto o que os oito membros auferiram no mesmo período. No primeiro semestre de 2024, o recebimento, nesta modalidade, situou-se já nos 14 mil euros, ou seja, um ‘salário’ médio de mais de 2.300 euros por mês. Na carta de renúncia de Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que Licínia Girão atribuiu a si própria as senhas de presença.
Porém, existem mais gastos assumidos pela CCPJ, sedeada em Lisboa, que acabaram nos bolsos da sua presidente, que vive em Coimbra. De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM – e que encontram respaldo numa análise na evolução das despesas desta entidade face ao mandato anterior –, enquanto Leonete Botelho, anterior presidente da CCPJ, auferiu cerca de seis mil euros por ano para compensar o tempo dedicado, Licínia Girão fez por ganhar o direito de receber 33 mil euros em senhas de presença e outras compensações ao longo de 2023. Este ano, a ‘factura’ de Licínia Girão, suportada sobretudo pelos emolumentos dos jornalistas, foi já de 24 mil euros apenas no primeiro semestre, ou seja, uma média de quatro mil euros por mês.
Destaque-se que os gastos em senhas de presença têm sido escondidos activamente pela CCPJ, tendo o PÁGINA UM intentado uma acção de intimação no ano passado junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos documentos de pagamentos individuais. Uma sentença de Setembro do ano passado chegou a conceder o direito ao PÁGINA UM de acesso à “totalidade das actas do Plenário” desta entidade desde 2020, bem como “a consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”. Porém, a sentença ainda não foi executada porque houve recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul sobre outras matérias, mas tem sido evidente ao longo dos anos que a CCPJ, apesar de ser constituída por jornalistas, nunca se mostrou muito defensora da transparência. Muito pelo contrário.
Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.
O mal-estar pelos gastos e gestão da presidente da CCPJ à frente de uma entidade que tem tido uma actuação polémica por via da ausência de acção sobre ‘jornalistas comerciais’ e pela acção pífia face ao descrédito generalizado da profissão não são recentes, mas ganharam agora expressão com o bater da porta dos três membros eleitos com o apoio do Sindicato dos Jornalistas, apenas restando Jacinto Godinho, jornalista da RTP e docente na Universidade Nova de Lisboa, que se tem comportado como o ‘braço direito’ de Licínia Girão. Apesar de ser um órgão colegial de nove elementos que funciona em Plenário com frequência mensal, orientado por um Secretariado de três membros (Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro), os três jornalistas demissionários tecem críticas demolidoras, incluindo a tomada de decisões da CCPJ que, na verdade, apenas reflctem a posição da presidente.
“Quase tudo é feito por ‘iniciativa’ do Secretariado, a maioria das vezes apenas com a assinatura da presidente em nome do mesmo, contudo, no corpo dos textos ou nos depoimentos fala-se em nome da CCPJ, como se representasse de facto todos os seus membros”, salientam Anabela Natário e Isabel Magalhães, que denunciam um clima pouco saudável criado pela gestão de Licínia Girão. E acrescentam que “a centralização de quase tudo na pessoa da presidente é um dos entraves ao bom funcionamento da CCPJ”, exemplificando com “os inúmeros pontos na ordem de trabalhos das reuniões semanais do secretariado, tão evocados, interna e externamente, para justificar a ineficácia da sua gestão”.
Já Miguel Alexandre Ganhão, o terceiro demissionário, é mais curto mas igualmente contundente nas suas críticas expostas na carta de renúncia, falando, como exemplo, no “processo burocrático que desabou no gigantismo de 80 pontos a serem discutidos em reunião de Secretariado”, acrescentando que “mais uma vez, este não é um indicador de eficácia, é uma entropia que foi alimentada por uma estratégia centralizadora”.
Todos os três demissionários são unânimes também em criticar a opção de Licínia Girão em tentar reorientar as funções da CCPJ para a área da formação e mesmo para cativar fundos comunitários, de forma a encontrar fontes de financiamento que a beneficiem, algo que acabou por ser travado pela Direcção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT). Como tal não avançou, por ‘chumbos’ diversos, Licínia Girão acabou por optar pelo estabelecimento de parcerias com o Centro de Estudos Judiciários e o CENJOR. Isabel Magalhães e Anabela Natário lamentam, na carta de renúncia, ser “incompreensível o facto da presidente [Licínia Girão] arranjar formações para ela própria ganhar financeiramente com as mesmas”.
Jacinto Godinho é o único jornalista eleito pelo seus pares a manter-se aliado de Licínia Girão, ocupando funções de ‘braço direito’ da presidente. Os outros quatro membros da CCPJ, a par de Licínia Girão, que se mantêm em funções são indicados pelas empresas de media.
Acrescente-se que, antes mesmo destas renúncias, o PÁGINA UM estava já a investigar a promoção de acções de formação entre a CCPJ e o CENJOR, tendo questionado ambas as entidades sobre os montantes a receber por Licínia Girão. Ambas as entidades não quiserem revelar esses montantes.
Com a saída dos três membros do Plenário da CCPJ, em princípio deveriam ser substituídos pelos suplentes, mas o PÁGINA UM apurou que ninguém manifestou disponibilidade, até por estarem previstas eleições para esta entidade em finais de Janeiro do próximo ano. Certo é que Licínia Girão respondeu às demissões acusando os ex-membros de terem “muitas dificuldades em lidar com a democracia quando as suas opiniões são contrárias“. E tem a esperança de vir a ser reconduzida em novo mandato por mais três anos.
Nesse caso, e tendo em conta o desempenho financeiro de Licínia Girão no seu primeiro mandato à frente da CCPJ, com elevados prejuízos acumulados, e o seu passado de gestão pessoal, não se prevêm bons resultados. Recorde-se que Licínia Girão beneficiou de um processo de insolvência pessoal, iniciado em 2012, e que a partir de 2019 a desonerou das dívidas que acumulara com o Banco Credibom, o Barclaycard, a Gesphone, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Optimus e a Universidade Aberta.
N.D. O Código Deontológico dos Jornalistas estipula que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”. Nessa linha, pode eventualmente criticar-se o facto de eu co-assinar uma notícia em que se revela que Licínia Girão apresentou uma queixa judicial (aparentemente retirada) contra mim. A opção poderia passar por incluir a autoria exclusivamente à Elisabete Tavares, que também é a autora da intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Mas, ponderado com racionalidade, não há aqui, salvo melhor opinião (um jargão jurídico), qualquer conflito de interesses, no pressuposto de que o rigor com que o PÁGINA UM tem vindo a tratar dos assuntos relacionados com a CCPJ e Licínia Girão são a nossa maior garantia de credibilidade daquilo que assinamos. Se temos, como jornalistas do PÁGINA UM, algum interesse a manifestar nesta ‘estória’ da CCPJ que culminou na renúncia aos cargos de três membros, então acrescentarei apenas: lamento e não estou absolutamente nada surpreendido.
Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM
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Durante anos, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – que detém, directa e indirectamente, 12 rádios locais, dois periódicos, um canal televisivo – tentou que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a desobrigasse de revelar os indicadores financeiros de uma actividade religiosa, assente numa mera associação privada do tipo clube, que movimentou 209 milhões de euros entre 2017 e 2022. Nunca conseguiu. Até este ano. Sem sequer qualquer deliberação conhecida, o novo Conselho Regulador da ERC decidiu que, afinal, bastava a IURD divulgar dados parcelares e não validados, passando a esconder as informações financeiras globais. Sustentação legal para esta acção do regulador dos media, presidida por Helena de Sousa, não existe. A ERC diz que a actividade de comunicação da IURD é secundária, o que se mostra bastante questionável, tanto mais que também detém uma ‘holding’ de empresas de rádio, a Global Difusion, que em 2022 tinha dívidas de 58 milhões de euros e estava em falência técnica. E não registou ainda as contas do ano de 2023.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), presidida por Helena de Sousa, aceitou este ano que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) não divulgasse os seus dados financeiros reais de toda a sua actividade, permitindo-lhe, ao arrepio da lei, que inserisse na Plataforma da Transparência dos Media somente algumas informações financeiras não validadas respeitantes às actividades de comunicação social, que incluem dois periódicos e um canal televisivo por cabo (UniFé TV), que entrou em actividade em Agosto de 2022. Essa documentação não está acessível nem sequer é validável, por a IURD se tratar de uma associação privada.
Nos últimos anos, a IURD andou insistentemente a tentar obter a confidencialidade dos dados financeiros, com sucessivos requerimentos, mas o anterior Conselho Regulador, presidido pelo Sebastião Póvoas, recusou por sistema essa pretensão, conforme documentos consultados pelo PÁGINA UM após a intervenção do Tribunal Administrativo de Lisboa, confirmado por um acórdão ‘demolidor’ do Tribunal Central Administrativo de Lisboa. Recorde-se que o PÁGINA UM teve uma ‘luta’ de quase dois anos contra o regulador que se opunha a identificar as entidades que solicitavam confidencialidade na transmissão do reporte financeiro exigido pela Lei da Transparência dos Media.
Domingos Siqueira, o ‘homem forte’ da IURD em Portugal. Foto: DR.
Para tentar não divulgar publicamente qualquer informação, a IURD alegava, segundo os documentos consultados na ERC, “que, por se tratar de uma associação de carácter religioso sem fins lucrativos, as suas contas não se encontra[v]am sujeitas a um dever de publicação” e que desenvolvia uma actividade “que vai muitíssimo além da publicação periódica da qual é detentora, actuando neste prisma de empreender de forma meramente acessória por referência ao seu escopo principal”. E defendia que, deste modo, “a maioria dos dados financeiros inseridos na Plataforma da Transparência não está relacionada com a sua actividade de comunicação social”. Contudo, o sector da comunicação social na IURD, com uma estratégia de compra tem aumentado substancialmente nos últimos anos, detendo directa e indirectamente dois periódicos, um canal televisivo e 12 rádios locais.
De entre essas largas dezenas de entidades que pediam confidencialidade destacava-se a IURD, bem como as empresas de rádios regionais integradas na holding Global Difusion, detida a 100% por esta igreja evangélica de origem brasileira, e ainda a RecordTV. Este canal televisivo integra a holding de Edir Macedo, o fundador e líder da IURD no Brasil.
Em anos anteriores, a ERC recusara sistematicamente essa pretensão de obscuridão por parte da IURD, até porque uma autorização abriria uma caixa de Pandora. Ou seja, qualquer investidor ou fundo poderia passar a deter um ou vários órgãos de comunicação social sem divulgar publicamente a informação, bastando ‘provar’ que a actividade de media era completamente acessória. No limite, os próprios partidos políticos que detêm os seus periódicos oficiais deixariam de ser obrigados a transmitirem dados financeiros no Portal da Transparência dos Media, bem como centenas de outras entidades, entre as quais algumas de carácter religioso ligadas à Igreja Católica, sindicatos, instituições de solidariedade social e diversas empresas privadas, ou até mesmo fundos financeiros.
Desde Agosto de 2022, a IURD fez um forte investimento numa televisão por cabo, com uma programação mista, entre a informação ao estilo da CMTV, com jornalistas profissionais, e programas associados à divulgação do culto da igreja evangélica. A ERC optou por ‘aligeirar’, sem sustentação legal, as obrigações de transparência da IURD.
Até ao ano passado, mesmo se até houve um ano em que os serviços técnicos recomendaram o deferimento dos dados financeiros da IURD, o Conselho Regulador da ERC foi intransigente, indeferindo sempre os pedidos de confidencialidade dos dados financeiros, apenas permitindo a ocultação dos sócios da IURD em Portugal, que é uma associação privada do tipo clube apenas acessível aos ‘bispos’, e que vive dos chorudos donativos dos fiéis. Por esse motivo, através do Portal da Transparência dos Media era possível conhecer tanto os rendimentos, como o activo total, o capital próprio e o passivo da IURD. Consultando essa informação, fica-se a saber que a igreja evangélica conseguiu arrecadar 209 milhões de euros entre 2017 e 2022, passando o activo, que inclui edifícios de culto, para os 184,5 milhões de euros, mais 110 milhões do que em 2017.
Com as novas ‘contas’, alegadamente referentes apenas à componente associada à comunicação social, a IURD inscreveu apenas rendimentos de 1,4 milhões de euros, reportando também prejuízos de 1,38 milhões de euros e capitais próprios negativos de 2,7 milhões de euros. Mas em anos anteriores essa informação discriminada não existirá.
Confrontada com esta situação, o Conselho Regulador da ERC alega que “as entidades proprietárias de órgãos de comunicação social, mas cuja actividade principal não é a comunicação social (como é o caso da IURD) quando inserem as suas informações na Plataforma da Transparência podem optar por inserir os indicadores relativos à atividade global ou apenas os indicadores financeiros relativos à actividade de comunicação social”, acrescentando que “neste enquadramento, até 2022 inclusive, os dados inseridos pela IURD dizem respeito à actividade da igreja como um todo”, mas que, “em 2023, passaram a apresentar os indicadores financeiros para a actividade de comunicação social isoladamente”.
Nos noticiários da UniFé TV existem mesmo debates e comentários, mas o actual Conselho Regulador da ERC passou a tratar a IURD como sendo uma entidade com actividade irrelevante na comunicação social.
A ERC acrescenta ainda que a informação reportada pela IURD “está devidamente documentada”, mas defende que “a prova dos indicadores financeiros não é documentação de domínio público”. Esta é mais uma interpretação abusiva por parte do regulador, uma vez que, estando essa informação em sua posse, em formato analógico ou digital, passa a constituir imediatamente o ‘estatuto’ de documento, acessível ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Aliás, o PÁGINA UM já requereu hoje a consulta formal desses documentos.
Mas o acesso á documentação é somente um pormenor, porque, na verdade, a liberalidade do regulador constituiu uma ilegalidade. Com efeito, a ERC até tem o poder arbitrário de conceder confidencialidade às empresas – e somente em condições muitos especiais o fez, como o PÁGINA UM teve oportunidade de conferir em mais de uma centena de processos consultados nas instalações do regulador até ao final da passada semana –, mas não pode alterar as normas da Lei da Transparência dos Media, uma vez que esta é uma incumbência exclusiva da Assembleia da República.
Ora, na lei de 2015 e no regulamento subsequente que estabelece as regras de reporte financeiro, aprovado em 2020, não existe a mínima referência à possibilidade de se indicar apenas a parte alegadamente respeitante a uma suposta componente minoritária associada à comunicação social. Nesse aspecto, os deputados que aprovaram a Lei da Transparência dos Media em 2015 foram taxativos: a lei da transparência aplicava-se às agências noticiosas, às pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas (quaisquer que fossem), aos operadores de rádio e de televisão (incluindo emissão por via eletrónica), às “pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua seleção e agregação”, bem como às “pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente”.
A única excepção seria para os casos em que não há, por razões de dimensão financeira, contabilidade organizada, algo que jamais se pode aplicar à IURD que movimentou mais de 200 milhões de euros desde 2017.
Certo é que desde que tomou posse no ano passado, o novo Conselho Regulador da ERC, presidido por Helena de Sousa, tem mostrado interesse em ‘escurecer’ a Lei da Transparência dos Media, justificando a intenção com o cenário de crise financeira do sector. Em Julho passado, numa polémica proposta de revisão desta legislação, sob a forma de deliberação, a ERC propôs à Assembleia da República um autêntico repositório de alterações e subtracções das obrigações das empresas de media em termos de identificação dos titulares directos e indirectos dos órgãos de comunicação social, bem como um aligeiramento das penalizações em caso de não indicação (ou lacunas e erros) de indicadores financeiros.
Por outro lado, nessa proposta, a ERC ainda manifestava o desejo de se ocultar o acesso a acordos parassociais – escondendo assim formas de controlo indirecto sem ser sob a forma de quotas ou acções – e também a possibilidade de isenção do cumprimento das normas de transparência sobre os meios de financiamento e o relatório organizacional por parte das “entidades que prossigam actividades de comunicação social a título acessório, em que a actividade de comunicação social tenha comprovadamente um peso diminuto nos rendimentos e um alcance residual ao nível das audiências”.
A ERC nunca determinou, nesta deliberação nem em outros documentos, os critérios para determinar o que é “um peso diminuto nos rendimentos” ou ainda “um alcance residual ao nível das audiências”, mas, conforme o PÁGINA UM alertava há três meses, claramente esta norma, a ser acolhida numa alteração legislativa na Assembleia da República, isentaria os partidos políticos, sindicatos, associações e diversas instituições religiosas, como a IURD, de mostrarem contas, sobretudo por não serem ‘empresas convencionais’ obrigadas a registo e depósito das demonstrações financeiras na Base de Dados das Contas Anuais, gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado (IRN).
O novo Conselho Regulador da ERC continua a tomar decisões arbitrárias que aniquilam a transparência num sector onde cada vez mais impera a desconfiança nos investimentos.
Ou seja, o Conselho Regulador da ERC – a entidade que, muitas vezes, aplica coimas aos órgãos de comunicação social que cometem infracções legais – está a agir, no caso concreto da IURD, completamente à margem da lei, usando de um poder discricionário incompatível com o seu estatuto de entidade somente reguladora. O PÁGINA UM pediu, aliás, que a entidade presidida por Helena de Sousa dissesse que norma (a existir) em concreto, com indicação do artigo da Lei da Transparência dos Media, que sustenta a ‘benesse’ agora concedida à IURD para não revelar os dados financeiros principais de toda a actividade desta associação privada, como sucedeu entre 2017 e 2022. Hoje, ao final do dia, o Conselho Regulador da ERC respondeu ao PÁGINA UM, continuando sem indicar, em concreto, a norma da Lei da Transparência dos Media que poderia dar respaldo legal à benesse concedida à IURD.
O regulador diz que “31% das entidades registadas na Plataforma da Transparência não têm como atividade principal a comunicação social”, e que, desse modo, entende que “o reporte integral dos indicadores financeiros destas empresas [ou entidades] no Portal da Transparência, a par e passo com empresas cuja actividade é apenas a comunicação social, não só é desproporcional, como é comparada com informação que abrange um universo de atuação distinto – o da comunicação social exclusivamente”. E acrescenta ainda que, “ao permitir que empresas de outros sectores de actividade reportem informação financeira, quando o conseguem fazer, em exclusivo relativa à actividade de comunicação social, reforça a comparabilidade da informação e a sua relevância para a prática regulatória e para os objetivos prosseguidos pela Lei da Transparência”.
Mas esta interpretação abre também uma infinidade de problemas de transparência complexos, sobretudo porque, como sucede no caso da IURD, não há uma validação dessa contabilidade analítica. Aliás, a igreja evangélica sabe disso, razão pela qual nem sequer se mostrou interessada em colocar o canal televisivo UniFé na esfera da sua ‘holding’ Global Difusion ou criar uma empresa específica, que a obrigaria a contas mais rigorosas e transparentes.
Evento político coberto pela UniFé TV
O PÁGINA UM colocou também questões à IURD, que respondeu apenas através de Martim Menezes, advogado da sociedade Abreu Advogados, que tem vindo ‘facilitar’ diversos negócios no sector dos media associados à igreja evangélica, incluindo a aquisição de rádios locais, através da ‘holding’ Global Difusion. Aliás, a recente actividade empresarial desta sociedade anónima, detida a 100% pela IURD, é desconhecida, pois ainda não surgiu, como a lei estabelece, o registo da Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa a 2023, que incluiu as demonstrações financeiras, na Base de Dados das Contas Públicas.
Mas a situação não era, em 2022, nada positiva. Pelo contrário, era mesmo muito negativa. Em Setembro do ano passado, numa análise às contas da Global Difusion – que detém, por sua vez, seis empresas que gerem 12 rádios locais –, o PÁGINA UM detectou dívidas de 58 milhões de euros e uma situação de falência técnica, com capitais próprios negativos de 20,8 milhões de euros. A existência de uma ‘holding’ de comunicação social detida a 100% pela IURD com dívidas de 58 milhões de euros é, além disso, uma prova de que este sector não é nada irrelevante para esta igreja evangélica.
Certo é que, efectivamente, esta estranha alteração de procedimentos foi mesmo autorizada, mesmo se de forma informal, sem qualquer sustentação por deliberação, mesmo sabendo-se que houve troca de correspondência entre a ERC e a IURD sobre esta matéria. Martim Menezes garantiu ao PÁGINA UM ser “totalmente falso que a situação [financeira] da Instituição [IURD] não seja óptima”, e que “a parte da comunicação social decorre sem problemas, mas é deficitária e cabe à Instituição suprir esse défice”. No entanto, recusou sempre enviar ao PÁGINA UM quaisquer documentos que validem contabilisticamente quer o desempenho financeiro da IURD, no seu conjunto, quer da Global Difusion.
O advogado em causa, Martim Menezes, assegura que a ERC autorizou que a IURD passasse a remeter apenas informação financeira relativa à comunicação social, e insiste que as contas de 2023 da Global Difusion “foram aprovadas e comunicadas à AT [Autoridade Tributária], embora, mais uma vez, o PÁGINA UM confirmou, mais uma vez hoje, que não foram enviadas à Base de Dados das Contas Anuais, o que é um processo extremamente expedito. O advogado da IURD coloca a hipótese de poder haver “algum problema informático dado o recente ataque à AT”. A debilidade nesta argumentação é exactamente o facto de o ataque informático ser muito recente, pois o envio da IES teria de ser feita obrigatoriamente até 31 de Julho passado, ou seja, há três meses.
Em todo o caso, a alternativa seria o envio da IES da Global Difusion ao PÁGINA UM, conforme pedido, mas Martim Menezes respondeu: “Não vejo qualquer interesse em enviar-lhe o documento. Se quer publicar algum dado especifico agradeço que o contradite antecipadamente pois a Igreja é muito vigilante quanto ao seu bom nome”.
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O Grupo Impresa respirou de alívio quando, em 2018, vendeu o seu deficitário portefólio de revistas, que incluía a Visão e a Exame, ao antigo jornalista Luís Delgado. Seis anos depois, a Trust in News, que tem um capital social de apenas 10 mil euros detido integralmente por Delgado, soma já 32 milhões de euros em dívidas, dos quais mais de 17 milhões ao Estado. Algumas destas dívidas fiscais e à Segurança Social, apesar da ‘protecção política’ durante o Governo Costa, acabaram por ir parar aos tribunais. Esta semana, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou uma pena de prisão de dois anos e um mês a Luís Delgado e aos outros dois gerentes da Trust in News, por uma dívida ao Fisco de 828 mil euros contraída em 2018. A pena foi suspensa por cinco anos sob a condição de ser saldada a dívida. Mas o calote nunca parou de aumentar e a dívida de 2018 representa agora apenas 5% daquilo que Luís Delgado deve ao Estado. Nos próximos dias, o Governo Montenegro votará, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), se vai continuar a confiar em Luís Delgado, e no seu ‘histórico’, ou se exigirá o seu afastamento preferindo que se avance para a insolvência. Nessas circunstâncias, Delgado arrisca ficar atrás das grades por abuso de confiança fiscal.
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou esta quarta-feira as penas de prisão de dois anos e um mês aos gerentes da Trust in News – empresa proprietária das revistas Visão e Exame, entres outros periódicos em papel comprados em 2018 ao Grupo Impresa – por um crime de abuso de confiança fiscal agravado. Esta condenação segue-se à sentença já decretada em Junho pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 pelo Ministério Público por dívidas fiscais no valor de cerca de 828 mil euros. Essa dívida dizia respeito à parte da dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira acumulada em 2018, ou seja, apenas no primeiro ano de actividade do grupo de media de Luís Delgado. Este ex-jornalista é um dos três gerentes da Trust in News, sendo os outros dois, também condenados, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
A sentença do Tribunal de Oeiras terá também espoletado a abertura do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, uma estratégia desesperada para suspender o trânsito em julgado deste e de outros processos por dívidas. Isto porque a dívida fiscal no primeiro ano de existência da empresa unipessoal de Luís Delgado (ou seja, ele é o único sócio com um investimento de 10 mil euros) constitui agora uma ‘gota de água’ num ‘oceano de dívidas’ de todo o género, incluindo tanto a Autoridade Tributária e Aduaneira como a Segurança Social.
Luís Delgado, à esquerda, cumprimentando Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, aquando da compra das revistas em 2018. Foto: DR.
Com efeito, o PÁGINA UM apurou que, para além deste processo de 2021, a Trust in News – e o seu sócio único, Luís Delgado, e dois outros dois gerentes – enfrentam mais casos na Justiça. No total, as dívidas ao Estado superam já os 17,1 milhões de euros num total de créditos reconhecidos de quase 33 milhões. As dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o PER, já totalizam 8.125.545,20 euros, sendo que estão ainda em falta pagamentos de contribuições à Segurança Social no montante de 8.979.252,35 euros.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa será, em princípio, o ‘ponto de partida’ para Luís Delgado e os demais gerentes da Trust in News acabarem mesmo presos, uma vez que, conforme destaca o desembargador Alfredo Costa, na síntese do acórdão desta quarta-feira, “a pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa por 5 anos […] foi condicionada ao pagamento da dívida, de acordo com a prática comum em crimes fiscais, equilibrando a sanção penal com a recuperação do montante devido”. O acórdão foi também votado também pelas desembargadoras Ana Guerreiro da Silva e Maria Elisa Marques.
Em sua defesa, a Trust in News terá argumentado que a dívida apurada em 2018 era inferior ao valor de 828.364,59, mas o acórdão concluiu que o Tribunal de Oeiras decidiu bem sobre a moldura penal, uma vez que o crime de abuso de confiança fiscal agravado se aplica “quando o montante em dívida excede os 50.000 euros”. Ora, como o montante devido “ultrapassava largamente este valor”, o acórdão conclui que se justificava “a agravação automática, sem necessidade de outros elementos subjectivos”.
Revista Visão, o principal activo da Trust in News (Foto: PÁGINA UM)
Se esta condenação se aplicou com uma dívida fiscal de cerca de 828 mil euros, imagine-se então com a dívida fiscal agora acumulada de 8,1 milhões de euros (quase 10 vezes superior), a que acresce as dívidas à Segurança Social de mais de 8,9 milhões de euros. No início de Setembro, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social confirmou ao PÁGINA UM que, de entre os vários inquéritos instruídos na Justiça “contra entidades empregadoras que não entregaram à Segurança Social as quotizações obrigatórias dos salários dos seus trabalhadores”, está também “incluído um processo contra a empresa em apreço, Trust in News”.
Saliente-se que o Regime Geral das Infracções Tributárias determina que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. Contudo, “nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50.000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas”.
No caso da Segurança Social, a falta de pagamento das contribuições dos trabalhadores é considerada abuso de confiança, sendo aplicadas as mesmas penas previstas para os casos de infracções tributárias de maior gravidade, incluindo prisão e multa.
Recorde-se que Luís Delgado, através da sua empresa unipessoal, a Trust in News, adquiriu o portfólio de revistas da Impresa em Janeiro de 2018 por 10,2 milhões de euros. O negócio rapidamente se revelou ruinoso e as dívidas começaram cedo a avolumar-se. Actualmente, rondam os 30 milhões de euros, sendo o Estado o maior credor. No entanto, as dívidas incluem também empresas de comunicação e o próprio proprietário das redacções das revistas no Taguspark, bem como trabalhadores e ex-trabalhadores. Neste lote, está Mafalda Anjos, a directora que ‘abandonou o barco’ e que em Julho do ano passado apelidou de “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. A actual comentadora da CNN Portugal reivindica agora 54 mil euros que não lhe foram pagos por Luís Delgado no acordo de rescisão.
Tribunal da Relação de Lisboa. Foto: DR.
Após o pedido de acesso ao PER junto do Tribunal de Sintra, para evitar a falência, a empresa de media está sob gestão de um administrador judicial, estando o plano já apresentado para ser votado ainda este mês. Inexplicavelmente, apesar das dívidas ao Estado se terem acumulado desde o primeiro dia, bem como ao Novo Banco, que financiou a compra das revistas, e à própria Impresa, a Trust in News continuou a sua actividade com o beneplácito do Governo de António Costa. Durante largos meses no ano passado, o PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao então ministro das Finanças, Fernando Medina, que nunca explicou as razões para uma empresa de media com um capital social de apenas 10 mil euros continuar a sua actividade apesar das dívidas fiscais de milhões de euros.
Aliás, apesar de estar sempre a acumular dívidas ao Estado, estranhamente a empresa de Luís Delgado nunca integrou a lista de devedores e continuou a beneficiar de contratos comerciais e publicidade junto de entidades públicas. Não se sabe quem autorizou a acumulação sucessiva de dívidas ao Fisco e à Segurança Social, mas terá eventualmente existido autorização superior, da tutela, para atingir os 17,1 milhões de euros.
Também se desconhece se este eventual ‘favor’ político foi concedido mediante a negociação de contrapartidas. Mas é certo que durante todo este período, desde que começou a dever ao Estado, a Trust in News e os seus títulos de media ficaram com ‘uma espada sobre a cabeça’.
Joaquim Miranda Sarmento e Rosário Palma Ramalho vão decidir, no âmbito do PER, se Luís Delgado pode continuar à frente da Trust in News, uma empresa de media que em seis anos conseguiu ‘criar’ 17,1 milhões de euros de dívidas ao Estado. Foto: DR.
Saliente-se também que, desde 2019, a empresa de Luís Delgado tem as suas principais marcas penhoradas pelo Fisco e pela Segurança Social, como já noticiou o PÁGINA UM. Tanto o Ministério das Finanças, tutelado por Joaquim Miranda Sarmento, como o Ministério da Segurança Social, liderado por Rosário Palma Ramalho, ainda não tomaram posição sobre se o Governo Montenegro viabilizará o plano apresentado pela Trust in News no âmbito do PER, uma vez que o Estado detém 51,92%, ou seja, a maioria dos créditos, sendo que 12,98% são detidos por instituições financeiras, 33,62% por outros credores e 1,48% por trabalhadores.
Caso o Governo vote favoravelmente pela aprovação do PER, sob o compromisso (sem garantias) do pagamento das dívidas no prazo de 15 anos, Luís Delgado continuará à frente dos destinos da Trust in News, com o ‘histórico’ de dívidas ‘na lapela’. No caso de o Governo chumbar o PER, mesmo com votos contrários dos outros credores, a Trust in News avançará para a insolvência, o que não significará necessariamente o fim da actividade de media. Na verdade, no processo de insolvência, passando a gestão para um administrador judicial, os títulos poderão ser vendidos e renegociadas as dívidas, mas já sem que Luís Delgado possa manter-se ao leme, dando ‘calotes’ ao Estado e aos outros credores.
A Trust in News e os seus gerentes nunca responderam aos pedidos de informação e esclarecimentos do PÁGINA UM.
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Nos últimos dois anos, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) retirou a carteira a nove jornalistas, mas na sua acção sancionatória tem deixado escapar o ‘peixe graúdo’. Os jornalistas que trabalham ou colaboram em grandes grupos de comunicação social têm uma espécie de imunidade, e não sofrem sanções ou penalizações mesmo quando exercem actividades absolutamente incompatíveis com a profissão. Este é um cenário de uma ‘terra com leis enviesadas’, onde o exercício da profissão sem carteira profissional até é o menor dos ‘crimes’. Por exemplo, há um pivot da CNN que se orgulha de ser dono de uma empresa de consultoria em comunicação e de fazer media training para a Força Aérea. Há jornalistas a trabalhar em empresas ou agência de comunicação e conteúdos comerciais. Outros tantos dão formação em ‘media training’ ou ensinam a escrever ‘press releases’ e a saber ‘apresentar um produto’, como faz uma das mais mediáticas jornalistas da RTP. E há ainda directores e jornalistas a executar contratos comerciais. E isto é o que se mostra visível. O PÁGINA UM revela aqui quem são e como tudo isto é feito nas ‘barbas’ da CCPJ e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que pouco ou nada fazem neste ‘faroeste’ em que se transformou o sector do Jornalismo em Portugal.
Os jornalistas em Portugal vivem numa ‘terra com leis enviesadas’, um ‘faroeste’ em que os ‘xerifes’ dormem muito, e quando acordados são fortes com os fracos mas fracos com os fortes. Os casos de jornalistas ‘estrela’ que estão a exercer a profissão à margem da lei, sem terem carteira profissional, é apenas a ponta de um icebergue que esconde ilegalidades, muitíssimo mais graves, como jornalistas a exercer impunemente actividades incompatíveis e que violam a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista.
Uma análise do PÁGINA UM detectou inúmeros casos de jornalistas, alguns conhecidos do grande público, que facturam com o exercício de actividades incompatíveis com a profissão. Mas isto faz-se a par de uma aparência de fiscalização, mas pífia e enviesada.
Numa primeira consulta ao site da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) contabilizaram-se nove jornalistas que viram as suas carteiras profissionais serem cassadas nos últimos dois anos até 5 de Abril de 2024, por, na sua maioria, terem sido ‘apanhados’ a exercer actividade incompatível com a profissão. Numa consulta feita esta semana, embora surja a última cassação com data de 9 de Outubro de 2024, somente aparecem oito casos. Existem também processos de contra-ordenação pela ‘polícia dos jornalistas’ que resultaram em multas. Contudo, nenhum destes agora ex-jornalistas pertence ao grupo dos que trabalham para grandes grupos de media. O ‘peixe graúdo’ tem escapado à acção sancionatória da CCPJ e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
Em 2023, de acordo com a primeira informação recolhida pelo PÁGINA UM, a CPCJ retirou a carteira a quatro jornalistas: Manuel T. Perez (CP 8265) e Sérgio Velhote (CP 8002), da Revista Dragões; Paula Charro (CP 4342), da Associação Mutualista Covilhanense; e Maria João Silva (CP 8411), da publicação Leonino. Os três primeiros perderam o título por “incompatibilidade com o exercício da profissão de jornalista” e a quarta por exercer “atividade ao serviço de publicação predominantemente promocional”, infracções previstas no Estatuto do Jornalista.
Já este ano, terá sido cassada a carteira a cinco jornalistas: André Estima (TE779) e Artur Arêde (TE793), do Notícias Ribeirinhas; Maria Pinto Jorge (CP8420) e Duarte Pereira da Silva (CP8419), do EuroRegião; e Sofia Ribeiro (CP8434), do Jornal Fórum. O primeiro ficou sem carteira por ter sido detectada a “falta de requisitos obrigatórios” e os restantes por “incompatibilidade com o exercício da profissão de jornalista”.
Na lista mais recente, estranhamente desaparecem, nos processos de 2024, os nomes de Maria Pinto Jorge e Duarte Pereira da Silva, mas aparece Alice Machado (TE117), directora da doPapel, de Angra do Heroísmo, por uma estranha causa: a revista não estar registada na ERC, o que, sendo matéria de controlo do regulador dos media, não aparenta constituir matéria para retirada da carteira profissional. A CPCJ também decidiu dois processos de contra-ordenação, em 2023, tendo aplicado multas a dois jornalistas por “exercício de actividade incompatível”.
De acordo com o Estatuto do Jornalista, o exercício do jornalismo é incompatível com funções em áreas como publicidade, marketing, relações públicas, assessoria de comunicação, serviços de segurança e informação, serviço militar, cargos políticos ou executivos em órgãos autárquicos, além de actividades que promovam produtos ou entidades através da notoriedade do jornalista, excepto quando regidas por critérios editoriais ou se para acções de solidariedade e promoção das actividades informativas do seu órgão de comunicação social.
Mas as diligências da CCPJ só valem para o ‘peixe miúdo’, os jornalistas que trabalham em publicações de menor dimensão ou especializadas, e sobretudo os jornalistas mais jovens que são ‘enviados’ pelas chefias para fazerem trabalhos incompatíveis, e que assim ficam ‘queimados’. Aliás, a generalidade dos jornalistas que têm a carteira profissional (CP) começada pelo número 8 obtiveram o título há menos de três anos. No caso das carteiras com a denominação TE são títulos equiparados a jornalistas, geralmente detidas por responsáveis editoriais com outras profissões sem formação jornalística.
Certo é que nesta selecta ‘rede’ da CCPJ não caem ‘tubarões’, ou seja, jornalistas com estatuto ou trabalhando em órgãos de comunicação social de âmbito nacional. Esses, mesmo que publicamente assumam actividades incompatíveis, têm escapado incólumes, sem multas, sem penalizações ou sem repreensões públicas, apesar de estarem a cometer infracções graves.
Há jornalistas com carteira profissional a facturar milhares de euros com actividades incompatíveis com a profissão, como formação em ‘media training’, consultoria de comunicação e produção de conteúdos pagos. Alguns dos casos têm sido noticiados pelo PÁGINA UM desde 2022.
Veja-se o caso de jornalistas como José Alberto Carvalho, pivot da TVI, que tem exercido ilegalmente a profissão sem ter carteira profissional válida, algo que o PÁGINA UM noticiou em Janeiro de 2022. Ou os casos de jornalistas e de responsáveis editoriais de jornais de grandes grupos de media nacionais que exercem a profissão também sem carteira. Depois, há todo um conjunto de jornalistas que tem executado contratos comerciais em grandes órgãos de comunicação social, incluindo directores de publicações. Outros dão formação em ‘media training’, e há até jornalistas que têm empresas que prestam serviços de comunicação ou que fazem produção de conteúdos comerciais.
Por exemplo, José Gabriel Quaresma (CP 1713), pivot da CNN, tem uma empresa de comunicação e ‘media training’, a Sardine Conjugation Lda, criada a 29 de Fevereiro de 2023. O jornalista apresenta-se publicamente como CEO da empresa, a qual tem um capital social de apenas 250 euros, e também como um especialista em comunicação, prestando serviços de consultoria de marca, relações públicas e preparação para entrevistas. O jornalista da CNN participa mesmo como orador em eventos de ‘estratégia de comunicação’, ao lado do ‘guru das agências de comunicação, Luís Paixão Martins, e publicita abertamente a sua actividade de consultoria em comunicação nas redes sociais, designadamente no Facebook e na rede profissional LinkedIn. Além disso, José Gabriel Quaresma refere no seu perfil no site da CNN que colabora “há 9 anos com a Academia da Força Aérea Portuguesa, enquanto Media Coach (Media Training)”.
José Gabriel Quaresma (à esquerda na foto) celebrou num post na rede Facebook o aniversário da sua empresa que presta serviços de “consultadoria em comunicação, formação, media training e consultadoria online”.
Já a jornalista Rita Marrafa de Carvalho (CP 3195 ), uma das jornalistas mais mediáticas da RTP, ensina a escrever “press releases”, “newsletters”, “artigos de opinião” e “crónicas” na empresa Proficoncept – Formação Profissional, Unipessoal Lda. Trata-se de uma empresa que tem como objecto social um vasto conjunto de serviços, designadamente consultoria, auditoria e formação profissional”, mas também prestação de serviços de higiene e segurança no trabalho, bem como “actividades de consultoria para negócios e gestão” e até “desinfecção, desratização e similares“. A sociedade é actualmente detida pela Ferreira da Cunha Saúde, Lda, uma empresa criada em Junho de 2020, em plena pandemia, e que “disponibiliza serviços e cuidados de saúde e bem-estar ao domicílio”. Por sua vez, esta empresa tem como principal sócio um médico, Miguel Ferreira da Cunha.
O mais recente curso com a presença de Rita Marrafa de Carvalho, denominado ‘Estrutura da Comunicação Escrita’, custa 205 euros a cada participante, podendo render até 4.100 euros por cada edição, se houver lotação esgotada. A página que anuncia esta formação inclui um vídeo promocional protagonizado por Rita Marrafa de Carvalho, completamente incompatível com o Estatuto do Jornalista, no qual afirma, designadamente, que ensina aos participantes diversas técnicas de ‘escrita’ para diferentes fins, incluindo para “apresentar um produto”. O curso, com a duração de 20 horas, vai na sua terceira edição, decorre online, via Zoom, e terá lugar em oito sessões, entre os dias 22 de Outubro e 10 de Dezembro.
Recorde-se que o Estatuto do Jornalista proíbe que jornalistas prestem serviços como os de “consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”, nomeadamente consultoria na elaboração de ‘press releases’ e ‘apresentação de produtos’.
Num outro caso, o jornalista André Carvalho Ramos (CP 6177), da CNN Portugal e da TVI, que fez parte da equipa do programa Ana Leal (agora na CMTV), é um dos formadores no Curso de Especialização em Media Training da Universidade Europeia/Grupo GCIMedia, que começa no próximo mês de Novembro. Também é formadora neste curso a jornalista Patrícia Matos (CP 5341), da Medialivre (Now) e ex-pivot da TVI. O estatuto de formador nestas condições não confere nenhuma categoria de professor, mesmo realizando-se numa universidade, porque se trata de consultoria de comunicação.
A jornalista Rita Marrafa de Carvalho, da RTP, é formadora na empresa Profi Concept, onde ensina a escrever comunicados de imprensa e a saber escrever para “apresentar um produto”. Cada participante paga 205 euros, podendo a formação gerar uma receita de 4.100 euros, se tiver lotação esgotada. Este curso online vai na sua terceira edição.
Na verdade, este curso com André Carvalho Ramos e Patrícia Matos é dirigido à formação de gestores e executivos, sendo realizado em parceria com o GCIMEDIA Group, um grupo da área de comunicação e relações com a imprensa. Os líderes da GCI coordenam e participam como formadores no curso, como é o caso de Pedro Costa, filho do ex-primeiro-ministro António Costa. O membro da comissão política nacional do PS é o actual director-geral da GCI, onde lidera “em particular a área de comunicação institucional”. André Gerson, CEO da GCI é um dos dois coordenadores do curso e Bruno Baptista, presidente do grupo de comunicação, é outro dos formadores.
O curso da Universidade Europeia/Grupo GCIMedia em questão promete “reforçar competências essenciais ao desenvolvimento profissional no mercado da comunicação”, e dando a possibilidade aos participantes de poderem “progredir nas carreiras de comunicação, relações-públicas ou similar”. Entre as saídas profissionais consta ainda “integrar empresas de comunicação, agências de relações-públicas, departamentos de comunicação externa e outros em que o media training pode ser uma mais-valia”.
Mas há mais casos. Por exemplo, Augusto Madureira (CP 1059), um dos mais antigos jornalistas da SIC, também anuncia na sua página no LinkedIn que presta serviços de ‘media training’, sem fornecer mais detalhes.
Uma antiga jornalista da RTP, Teresa Botelheiro (CP 2549), detém carteira profissional e apresenta-se como jornalista, apesar de indicar na sua página na rede social LinkedIn que trabalha desde 2019 no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto e na Universidade Aberta, onde é formadora de ‘media training’. Teresa Botelheiro, que diz ainda ser formadora há oito anos na World Academy PT, tem também apresentado diversos programas da Universidade Aberta transmitidos na RTP.
No anúncio do curso de ‘media training’ que lecciona, cuja lotação é de 100 inscritos, lê-se que a formação “destina-se a capacitar um profissional que pretenda atuar como porta-voz de uma organização” e ajuda os profissionais a “adotar conhecimentos e competências para se posicionar em relação à comunicação social”. Neste curso “serão simuladas situações de comunicação de crise, onde o porta-voz será confrontado pelos diferentes meios de comunicação, em situação de entrevista, direto, conferência de imprensa ou na elaboração de comunicados de imprensa (press release)”.
André Carvalho Ramos (CNN) e Patrícia Matos (Now) são formadores num curso de Media Training da Universidade Europeia e da empresa de comunicação e consultoria Grupo GCIMedia, que tem como director-geral Pedro Costa, membro da comissão política nacional do PS e filho do ex-primeiro-ministro, António Costa.
Os destinatários desta formação são todos os “profissionais com interesse em adquirir competências em técnicas de comunicação organizacional”. Nos seus critérios de admissão, o curso confere prioridade de admissão aos profissionais cuja entidade patronal seja um “Associado do Turismo de Portugal”, a Sonae, a Polícia de Segurança Pública ou um “associado da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias)”. Esta formação começou a 17 de Setembro e dura até 15 de Novembro.
A questão da actividade de ‘Media Training’ até foi objecto de uma recomendação da CPCJ, em Janeiro de 2021, por considerar que “pode dar origem a um conflito de interesses em algumas situações” e colocar em causa a “imparcialidade do jornalista”.
Na altura, a CCPJ identificou alguns exemplos em que a actividade de ‘media training’ pode gerar conflito de interesses, designadamente “nos casos em que os sujeitos passivos da formação recebem instruções sobre como se apresentar nos media, evitar perguntas difíceis, esconder informação, ou contribuir para a desinformação apresentando dados incorretos”. Ou ainda “nos casos em que os sujeitos passivos da formação são líderes partidários ou outros protagonistas da atividade informativa e cujo relacionamento com os jornalistas põe claramente em causa o dever de isenção e imparcialidade destes”. Também incluiu as situações “em que os sujeitos passivos da formação venham a marcar presença em peças noticiosas, debates, entrevistas ou programas de informação produzidos ou coordenados pelo jornalista que fez o treino”.
Há jornalistas a ensinar profissionais de marketing e executivos a darem entrevistas, gerirem situações de crise, a escrever comunicados de imprensa e a saber apresentar produtos.
Certo é que, numa rápida análise, o PÁGINA UM detectou inúmeros casos de jornalistas que usam a sua ‘carteira’ e o estatuto (mediático) de jornalista para anunciarem e prestarem serviços de formação em ‘media training’ e para dar formação a gestores e executivos e profissionais de marketing sobre a forma como devem lidar com jornalistas, para ensinar a escrever comunicados de imprensa e a “apresentar produtos”.
Questionada sobre se tem fiscalizado e actuado nos casos de jornalistas que fazem formação em ‘media training’, a CCPJ indicou ao PÁGINA UM, no início de Setembro, numa fase em que se estava já a investigar este tema, que não tem “nos seus quadros, ‘equipas’ ou ‘agentes’ de ‘fiscalização’ que, aliás, não estão prevista(o)s em nenhum normativo legal que rege este organismo, pelo que não realiza ações de fiscalização”.
Mas a Comissão adiantou que “contudo, como é sua obrigação, sempre que seja identificada pela CCPJ uma eventual violação de deveres e/ou do regime de incompatibilidades, este organismo independente de direito público desencadeia os procedimentos necessários para averiguar se estão reunidos os pressupostos para desencadear a abertura de um processo de contraordenação e/ou disciplinar”. Nestas situações, “fá-lo oficiosamente ou a partir de queixas, denúncias ou participações”.
Mas a actividade de ‘media training’ não é a única incompatibilidade detectada na análise do PÁGINA UM. Uma das mais comuns incompatibilidades observadas é a elaboração de conteúdos comerciais, seja através de empresas de comunicação, seja na execução de contratos feitos pelo departamento comercial dos órgãos de comunicação social onde os jornalistas trabalham.
A ERC anunciou processos de contra-odenação contra órgãos de comunicação social que puseram directores e jornalistas a executar parcerias comerciais, o que é ilegal. Mas desconhece-se o desfecho desses processos. O ‘faroeste’ continua.
No primeiro caso, o PÁGINA UM já tinha noticiado a situação envolvendo dois colaboradores do Expresso que trabalham na empresa de produção de conteúdos e comunicação Mad Brain. Trata-se de Francisco de Almeida Fernandes e Fátima Ferrão que tinham carteira profissional activa, mas actualmente não constam da base de dados da CCPJ como jornalistas ou colaboradores. Contudo, continuam a apresentar-se na rede social profissional LinkedIn como jornalistas. Fátima Ferrão apresenta-se como “Coordenadora Editorial at Mad Brain, jornalista colaboradora do Expresso” e Francisco de Almeida Fernandes diz ser “Colaborador do Expresso e Jornalista na Mad Brain – Produção de Conteúdos” e ainda colaborador do Diário de Notícias. A Mad Brain é detida e gerida por Maria Ferrão, segundo o portal oficial com os registos de actos das sociedades, e presta diversos serviços, nomeadamente em comunicação e produção de conteúdos, chegando a produzir revistas para empresas e instituições.
Depois, há ainda jornalistas e directores de grandes órgãos de comunicação social que executam contratos feitos pelos departamentos de marketing, como o PÁGINA UM também já noticiou, o que também é incompatível com o Estatuto do Jornalista. Neste lote estavam então Celso Filipe (CP 852), diretor-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018; Miguel Midões (CP 4707), então jornalista da TSF; Luís Ribeiro (CP 3188), jornalista na Visão e comentador da SIC; Tiago Freire (CP 3053), director da Exame; Alexandra Costa (CP 2208), Rute Coelho (CP 1893), Adriana Castro (CP 7692) e Carla Aguiar (CP 739), jornalistas em periódicos da Global Media; Filipe S. Fernandes (CP 1175), jornalista no Jornal de Negócios; António Larguesa (CP 5493), jornalista no Jornal de Negócios; Mário Barros (CP 7963), jornalista colaborador no Público; e José Miguel Dentinho (CP 882), jornalista colaborador no Expresso.
A ERC abriu processos de contra-ordenação neste âmbito aos órgãos de comunicação social, mas, mais de um ano depois, desconhece-se ainda o seu desfecho e efeitos práticos. No caso da CCPJ, esta entidade tem vindo a recusar revelar se abriu qualquer processo. Certo é que não procedeu à cassação de títulos a estes jornalistas.
Luís Ribeiro (à esquerda), inflluencer da rede X, comentador da SIC Notícias e jornalista da Visão desde 1999. Coordena a Visão Verde, que foi acusada pela ERC de ter conteúdos comerciais escritos por jornalistas, incluindo pelo próprio.
Por fim, o PÁGINA UM detectou vários casos de jornalistas com carteira activa que prestam serviços de comunicação e produção de conteúdos empresariais. Além disso, há um mar de produtores de conteúdos e relações públicas que se apresentam como jornalistas nas redes sociais e no seu curriculum vitae, não possuindo, contudo, qualquer habilitação profissional.
Assim, perante a lentidão ou mesmo inacção dos ‘xerifes’ deste ‘faroeste’ em que se tornou o sector do Jornalismo em Portugal, os casos de ilegalidades, incompatibilidades e usurpação de funções alastram, ameaçando a reputação de uma classe que já viveu melhores dias.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
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