Etiqueta: Editorial

  • A nova corrupção: nem malas nem envelopes; apenas avenças

    A nova corrupção: nem malas nem envelopes; apenas avenças


    A corrupção política, tal como a conhecíamos, tornou-se anacrónica. Já não se faz através de malas recheadas de notas, como nos tempos do antigo deputado António Preto – acusado de corrupção por causa de 40 mil euros em notas mas que acabou ilibado, quase quinze anos depois. Também não é mais uma questão de gabinetes ministeriais convertidos em cofres privados, pois nenhum espaço é seguro, nem mesmo o do próprio chefe de gabinete do primeiro-ministro, como bem aprendeu Vítor Escária.

    Os novos tempos exigiram novas formas de assegurar o tráfico de influências, a retribuição de favores e a manutenção de uma rede de lealdades. E estas formas são agora mais sofisticadas, legalmente blindadas e de difícil rastreio. Há três métodos principais para esta nova corrupção, que não precisam da tradicional troca de envelopes ou de contas bancárias na Suíça.

    banknotes, currency, finance, euro, investment, inflation, loan, corruption, bribes, money, wealth, cashbox, business, savings, coins, cent, loose change

    O primeiro método é o pagamento diferido, ou seja, o político exerce o seu cargo e, depois, é premiado com um lugar de gestão bem remunerado. Esta é uma prática antiga, mas altamente volátil, pois depende da continuidade da administração que corrompeu. Além disso, não há garantia de que a empresa que beneficiou se lembrará da “dívida” quando chegar o momento de pagar, excepto se o visado mantiver influência política.

    O segundo método é mais directo e eficaz: a criação de empresas por políticos ou testas-de-ferro, para as quais são canalizados pagamentos disfarçados sob a forma de contratos de consultoria, assessoria ou prestação de serviços. Esta estratégia tem várias vantagens. Primeira, o político não precisa de declarar os rendimentos da empresa como sendo seus, desde que não haja distribuição de lucros. Segunda, pode usar essa empresa para cobrir despesas do quotidiano sem levantar suspeitas. Terceira, os clientes que pagam pelos supostos serviços podem ser facilmente ocultados, tornando praticamente impossível provar que um determinado pagamento se trata, na realidade, de um suborno. Por fim, quarta, o corruptor ainda consegue uma factura para abater nos lucros, pelo que, de forma indirecta, o Estado contribui, sem saber, para esse acto de corrupção porque recebe menos impostos por causa dessa ‘despesa’.

    O terceiro método, muito apreciado por advogados, é o uso do sigilo profissional para ocultar clientes e transacções suspeitas. Em Portugal, a confidencialidade das relações entre advogados e clientes impede que se saiba quem paga a quem e porquê. Se um político se envolve na advocacia, qualquer pagamento pode ser justificado como honorários, sem que ninguém possa escrutinar a natureza do serviço prestado – ou sequer se esse serviço existiu. Aliás, aquilo que mais se destaca nas declarações de rendimentos dos políticos na Entidade para a Transparência é essa justificação. Basta ver a do presidente do Parlamento, José Pedro Aguiar-Branco.

    piggy bank, gold, money, finance, banking, currency, cash, pig, investment, wealth, savings, financial, save, economy, deposit, invest, loan, investing, rich, profit, fund, safe, gold, money, money, money, money, money

    Seja qual for a via escolhida, a verdade é que a nova corrupção tornou-se tecnicamente quase indetectável, mas não menos óbvia. E os sinais que emanam da Spinumvira são mais do que um mero problema político – são um problema judicial. A forma como a empresa de Luís Montenegro aceitou uma avença da Solverde, ainda mais a um valor quatro vezes superior ao praticado no mercado (avenças do género custam pouco mais de mil euros por mês), sem que se perceba quais os trabalhos efectivamente realizados, não pode ser vista como um detalhe irrelevante.

    Pior ainda, isto acontece num momento em que se aproxima um concurso público para a concessão de casinos. Mesmo que já nada tivesse a ver com a sua empresa familiar, há clientes que não podem ser aceites, porque, em certas situações, são sempre ‘tóxicos’. E se uma empresa for boa, pode dar-se ao luxo de prescindir de algumas propostas, aceitando outras.

    Ora, se António Costa se demitiu (e bem) pelas suspeitas que recaíam sobre o seu governo, o que justifica que Montenegro continue a brincar com moções de censura e de confiança, como se fosse apenas uma questão de gestão política?

    Entre o medo do PS de ir a eleições e os jogos estratégicos dos partidos e do Presidente da República, o problema essencial permanecerá: Montenegro não tem apenas uma questão política para resolver – tem uma questão judicial.

    Se há algo a discutir nas próximas semanas, não é se o primeiro-ministro tem condições políticas para continuar, mas sim se o país aceita reescrever a semântica da palavra “corrupção” para acomodar esta nova realidade. Se sim, então passemos a chamar-lhe outra coisa – avenças, consultorias, parcerias.

  • Será Montenegro o carrasco do PSD?

    Será Montenegro o carrasco do PSD?


    Luís Montenegro chegou ao poder como promessa de mudança, mas em poucos meses já colecciona episódios que colocam em causa a sua credibilidade e a confiança dos cidadãos. Depois das últimas semanas, em que uma alteração da Lei dos Solos descambou em revelações pouco éticas (ou mesmo ilegais) sobre o seu passado, envolvendo a empresa Spinumviva, a questão não é apenas se haverá uma crise política que leve a novas eleições legislativas. A verdadeira questão é a integridade política de quem governa o país.

    Pode-se confiar num primeiro-ministro que, até há bem pouco tempo, recebia avenças mensais de empresas ligadas ao jogo e de outras entidades com as quais manteve relações comerciais antes de assumir funções governativas? E, num plano mais abrangente, podem os políticos continuar a proclamar um regime de transparência quando, na prática, este mais não é do que um exercício de opacidade institucionalizada?

    Os contornos deste caso – e das relações pouco saudáveis de um primeiro-ministro – deveriam inquietar qualquer cidadão atento. O histórico de Montenegro não é um exemplo de sólida integridade, sobretudo quando se considera os sucessivos contratos públicos da sua sociedade de advogados. Enquanto líder da oposição, auferia remunerações regulares de entidades cujo sector depende, directa ou indirectamente, da regulação e acção do Estado. O conflito de interesses é evidente e a justificação, frouxa. O primeiro-ministro apressou-se a garantir que tudo foi feito dentro da legalidade, como se isso, por si só, bastasse para ilibá-lo do problema ético maior: a percepção de que, antes de se sentar à mesa do Conselho de Ministros, estava comprometido com interesses privados.

    E os problemas não ficam por aqui. Hoje mesmo, veio a público mais um caso. Segundo o Correio da Manhã, há discrepâncias nas declarações de rendimentos enviadas pelo primeiro-ministro à Entidade para a Transparência (EpT), nomeadamente na compra de dois apartamentos em Lisboa. Os imóveis, avaliados em mais de 715 mil euros, foram pagos a pronto, sem recurso a crédito bancário. Porém, na aquisição de um deles, há um montante de 226 mil euros cuja origem não foi possível apurar. Confrontado com estas dúvidas, Montenegro saiu-se com a habitual evasiva: “A origem do meu património foi o trabalho. Não existem dados ou meios ocultos.”

    E há mais. Muito antes do caso Spinumviva, Montenegro já acumulava episódios que lançam sombras sobre a sua conduta. O primeiro-ministro beneficiou de isenções fiscais na construção da sua vivenda em Espinho. O pedido foi submetido à Câmara Municipal quando esta era liderada pelo seu amigo Pinto Moreira – que, por coincidência, está a ser julgado por corrupção. O parecer favorável foi posteriormente emitido pelo sucessor, o socialista Miguel Reis. Oficialmente, a obra foi licenciada como uma reabilitação, mas o que aconteceu foi uma construção nova: uma moradia de seis pisos perto da Praia Azul, que resultou da demolição de uma minúscula casa. O Ministério Público arquivou o caso, mas deixou muitas perguntas sem resposta.

    E quem se lembra do Galpgate? Em 2016, Montenegro, então líder parlamentar do PSD, foi um dos políticos apanhados na polémica das viagens pagas pela Galp para assistir ao Euro 2016. Apresentou mais tarde comprovativos de pagamento, mas há suspeitas de que os cheques foram emitidos apenas depois de o caso ter sido denunciado, com datas duvidosas e, nalguns casos, fora de validade. O inquérito foi arquivado em 2021, mas o rasto de desconfiança permanece.

    O problema, agora, é que Montenegro está politicamente ferido. Em vez de assumir responsabilidade, parece preferir colocar-se no papel de vítima, aguardando uma moção de censura – desta vez aprovada (com apoio do PS) – ou sendo empurrado para uma moção de confiança que não conseguirá vencer.

    Seja qual for o desfecho, o primeiro-ministro, que quis vender-se como um líder credível e confiável, está profundamente fragilizado. O PSD, num Governo minoritário sem rumo claro, encontra-se numa encruzilhada, talvez rezando para que não surja mais um “elemento” que destrua o pouco que ainda resta da credibilidade de Montenegro.

    A partir de hoje, se um novo escândalo rebentar e o Governo de Montenegro cair com estrondo, o PSD não terá apenas um problema de liderança – poderá estar perante o início do seu próprio colapso. Entre a Iniciativa Liberal e o Chega, que se aproveitarão da ‘desgraça alheia’, e a habitual transição de votos para o Partido Socialista, a sobrevivência do PSD pode ficar seriamente comprometida.

    Montenegro entrou já na História como líder do PSD e primeiro-ministro. Resta saber se o seu nome não acabará também gravado na lápide do seu próprio partido.

  • Políticos e a hipocrisia da ‘transparência opaca’

    Políticos e a hipocrisia da ‘transparência opaca’


    Em mais um dos seus rasgos de hipocrisia em fim de festa, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, veio afirmar que “a comunicação social tem um papel a desempenhar”, que pode ser “desagradável para os titulares de poderes políticos, mas é um preço”. Claro que Marcelo, especialista em discursos flexíveis como um contorcionista de circo, gosta sempre de equilibrar o jogo: reconhece o papel da imprensa, mas logo relativiza, como se o escrutínio público fosse um incómodo inevitável, uma consequência desagradável da democracia, e não um direito fundamental dos cidadãos.

    Entretanto, o Governo, em coro harmonioso, anda a lamentar o suposto “voyeurismo” sobre os rendimentos dos políticos. A tese é brilhante: nunca há corrupção nem tráfico de influências, não há conflitos de interesse, jamais haverá favores encobertos – o problema é a obsessão dos jornalistas e do povo em querer saber demasiado. E, claro, José Pedro Aguiar-Branco, esse veterano da política e dos negócios, surge a fazer coro, alertando para o perigo de um clima onde, por “demagogia, inveja ou maledicência”, se anda demasiado preocupado com os interesses dos políticos. No limite, diz ele, corremos o risco de “só ficar com políticos sem interesse algum”. A ideia, subentendida, é que bons políticos precisam de um certo grau de opacidade, que os grandes talentos da política só sobrevivem se não forem demasiado escrutinados. Se não for permitido misturar negócios e política, se as perguntas forem muitas e incisivas, então só nos restará uma classe política medíocre.

    A falácia desta narrativa é que assenta numa inversão descarada de valores. Os políticos não são vítimas de um escrutínio excessivo – são, isso sim, os protagonistas de um sistema que se esforça ao máximo para evitar ser escrutinado. A ladainha do “voyeurismo” não é mais do que uma manobra de diversão, um pretexto para mascarar a falta de transparência e a aversão ao legítimo controlo dos actores políticos.

    Na verdade, a legislação sobre a transparência dos rendimentos e património foi desenhada pelos políticos para dificultar ao máximo o acesso a informações relevantes. E não para defender as vidas privadas, mas sim para esconder vícios privados com dinheiros públicos. Os mecanismos de consulta das declarações de rendimentos e interesses dos titulares de cargos políticos são deliberadamente burocratizados, e qualquer tentativa de furar essa barreira enfrenta obstáculos legais e acusações de perseguição mediática. Quando alguém exige mais rigor, a resposta é sempre a mesma: indignação, vitimização e apelos à moderação, como se o problema não fosse a falta de transparência, mas sim a ousadia dos jornalistas e cidadãos que insistem em perguntar.

    A Lei da Transparência dos detentores de cargos políticos, agora gerida pela Entidade para a Transparência, não passa de um exercício de cinismo político, um embuste cuidadosamente arquitectado para que a transparência continue a ser uma ilusão sem qualquer aplicação prática. O regime veste-se com as roupagens da ética e da prestação de contas, mas o corte do fato é feito à medida da classe política, com bainhas suficientemente largas para esconder o essencial e costuras reforçadas contra qualquer tentativa de escrutínio sério.

    A ilusão começa logo com a suposta abertura das declarações de rendimentos, património e interesses. Em teoria, tudo parece acessível, mas basta um olhar atento ao texto legal para perceber que os dados fornecidos são cuidadosamente depurados de qualquer utilidade para investigações jornalísticas. A lista de restrições é extensa: desde a justificada protecção de dados pessoais (como a morada) à exclusão de detalhes fundamentais sobre património e rendimentos. O resultado? Jornalistas e cidadãos são impedidos de cruzar dados de forma eficaz, deixando lacunas perfeitas para quem quiser ocultar informação sensível.

    Printscreen do registo de interesses de um deputados onde se considera que todas as cinco actividades, cargos ou funções que exerceu no ano anterior estão escondidas “devido a sigilo profissional”.

    Por exemplo, ao impedir a consulta detalhada de serviços prestados no âmbito de atividades sujeitas a sigilo profissional ou ao restringir o acesso a informações sobre rendimentos, participações societárias e aplicações financeiras apenas a valores totais, impossibilita-se qualquer verificação séria de potenciais conflitos de interesse. Um político pode ter realizado trabalhos em empresas que fazem negócios com o Estado, mas a lei assegura que ninguém terá acesso ao nome dessas empresas. Transparência? Só a fingir.

    E o grande truque desta encenação legislativa está na criminalização do escrutínio. A violação da “reserva da vida privada” é punida nos termos do Código Penal, o que significa que, em teoria, um jornalista que se atreva a publicar informações inconvenientes pode ser arrastado para os tribunais. E nem precisa de haver uma fuga de dados – basta que a divulgação não esteja formalmente autorizada para que o profissional da imprensa se veja transformado num réu. Como cereja no topo do bolo, há ainda um artigo que impede a publicação da declaração única na Internet ou nas redes sociais, tornando impossível que qualquer cidadão tenha acesso livre à informação.

    Portanto, documentos que, por definição, são públicos, não podem ser tornado verdadeiramente acessíveis, sob pena de punição. As imagens que decidi publicar a acompanhar este texto só não serão puníveis porque não identifico os deputados e posso alegar ser um “meio adequado para realizar um interesse público e relevante” – neste caso, denunciar uma fantochada.

    Mas a maior prova de que esta lei não passa de um embuste é a burocracia kafkiana montada para dificultar o acesso às declarações. Em vez de um sistema aberto e digitalizado, com dados acessíveis e pesquisáveis, impõe-se um sistema absurdo, onde cada pedido de consulta exige um requerimento formal e fundamentado, com registo individualizado, preenchimento repetitivo de formulários e um labirinto de códigos de acesso, reconfirmações e dificuldades informáticas.

    Prinstcreen de uma declaração de um político onde não se identificam as aplicações financeiras, que podem ser acções em empresas sob regulação ou intervenção do Estado.

    Para se ter uma ideia do grau de ridículo, demorei mais de seis horas – repito, seis horas – a concluir os 78 requerimentos das declarações dos deputados do PSD que resultaram nesta notícia. Sim, demorou-se mais tempo a fazer os requerimentos do que as consultas propriamente ditas. Quando tentei avançar com mais pedidos para cobrir todos os 230 deputados, o sistema informático da Entidade para a Transparência colapsou de novo. Desisti. Prefiro denunciar esta palhaçada. Para agravar, após a autorização – com registo –, o acesso expira ao fim de cinco dias, não sendo passível de se fazer a gravação em formato consultável.

    Se houvesse verdadeira vontade de garantir transparência, os dados estariam acessíveis online, sem restrições, e com a totalidade da informação relevante disponível. Não haveria necessidade de pedidos formais, nem registos de quem consulta, nem poderes discricionários para decidir quem pode ou não ver. Mas isso seria um problema para o regime – que criou esta obtusa lei, ainda mais restritiva do que a anterior, gerida pelo Tribunal Constitucional –, porque a transparência real implica responsabilidade, e responsabilidade é precisamente aquilo que a classe política portuguesa mais teme. Melhor mesmo é continuar a iludir os cidadãos com esta transparência de faz de conta, onde tudo parece acessível e tudo se esconde.

  • Os 10 Mandamentos da especulação imobiliária e dos expedientes políticos

    Os 10 Mandamentos da especulação imobiliária e dos expedientes políticos


    Não é de hoje. A especulação imobiliária e a transformação de terrenos rústicos em urbanizáveis sempre foram verdadeiras minas de ouro para quem, nos meandros políticos, sabe navegar entre o Governo e a Assembleia da República, que fazem as leis e aprovam planos de ordenamento, e o mundo autárquico, que delimita áreas urbanizáveis e aprova os licenciamentos. Desde os anos 80, nos primórdios dos planos directores municipais (PDM), sob a aparência de desenvolvimento e progresso, bem como da necessidade de habitações, muitos empresários e políticos unem esforços para valorizar terrenos que, antes, valiam o preço da uva mijona. O segredo? Um jogo bem montado de influência, legislação e oportunidades bem aproveitadas.

    A especulação imobiliária baseada na reclassificação de terrenos é um dos negócios mais lucrativos para quem souber movimentar-se nos bastidores da política, combinando informação privilegiada, boas relações com o poder local e uma estrutura bem montada de influências e intermediação.

    Aqui ficam os Dez Mandamentos que sempre regeram este lucrativo negócio, sendo que a recente alteração da Lei dos Solos, que já fez subir os preços dos terrenos rústicos, é mais um capítulo da promíscua ligação entre o imobiliário e a política lusitana.

    1 – Amarás a informação privilegiada acima de todas as coisas

    O primeiro passo para o sucesso na especulação imobiliária é saber antes dos outros onde o dinheiro vai brotar. Se um município está prestes a rever o seu Plano Director Municipal (PDM) ou a alterar o perímetro urbano das cidades, vilas e aldeias, há que garantir que a informação chega primeiro aos interessados certos. Ligações próximas com vereadores do urbanismo, arquitectos municipais ou até membros de gabinetes governamentais são essenciais. O segredo do lucro está em comprar, aos proprietários papalvos de prédios rústicos, antes da valorização ser pública.

    A river running through a small town next to a hillside

    2 – Não tomarás o nome da transparência em vão

    O discurso oficial tem de ser sempre exemplar. Para evitar desconfianças, é fundamental defender publicamente boas práticas de ordenamento do território, sustentabilidade e desenvolvimento equilibrado, e, sobretudo, invocar o direito constitucional à habitação. Nos bastidores, no entanto, a actuação deve ser outra: pressão sobre técnicos municipais, negociações de bastidores e uma gestão “criativa” das normas ambientais e urbanísticas. O importante não é o que se faz, mas sim o que se aparenta fazer.

    3 – Santificarás as boas relações com autarcas

    Sem apoio político, não há reclassificação de terrenos. O jogo é simples: os autarcas precisam de financiamento para as suas campanhas, e os promotores imobiliários precisam de decisões favoráveis. Jantares estratégicos, promessas de futuros cargos ou simples favores pessoais criam uma teia de interesses mútuos. Um presidente de câmara ou um vereador do urbanismo alinhado pode valer milhões em mais-valias.

    a house in a field with a tree in the foreground

    4 – Honrarás os técnicos municipais e consultores

    A burocracia pode ser um entrave, mas também um grande aliado. O segredo está em ter nos quadros (ou no bolso) engenheiros, arquitectos, advogados especializados em ordenamento do território e, sobretudo, deputados e até governantes com empresas de consultoria de objecto social ambíguo. São eles que irão justificar, com argumentos técnicos e pareceres “científicos”, a necessidade de alterar a classificação de um terreno de cabras para área urbanizável essencial ao progresso da Nação. Sem um parecer bem fundamentado, nenhuma decisão política pode ser tomada – e é aqui que entra a influência sobre os profissionais da área.

    5 – Não darás parte de fraco nas negociações

    Antes da reclassificação, os terrenos rústicos devem ser adquiridos pelo menor preço possível. Os pequenos proprietários rurais, muitas vezes sem noção do verdadeiro potencial da terra, devem ser convencidos de que, se não aceitarem valores irrisórios, perdem uma oportunidade de vida. Pressionar, oferecer valores aparentemente vantajosos ou até recorrer a intermediários que escondam a identidade dos verdadeiros compradores são práticas que devem ser implementadas. Depois, quando a reclassificação ocorrer e o preço disparar, os intermediários usados jamais atenderão o telefone aos pobres vendedores ludibriados.

    A view of a city from a hill

    6 – Não ficarás preso a uma só estratégia

    Quando a alteração do uso do solo ou a expansão dos perímetros urbanos se mostrar difícil ou demorada, há sempre alternativas. Pode-se convencer o presidente da câmara e os autarcas a elaborarem Planos de Pormenor, Unidades de Execução ou a autorizarem pela via do “interesse público” para contornar obstáculos administrativos. Em casos mais complexos, nada como recorrer a lobbies e advogados influentes para encontrar brechas legais que permitam a reclassificação. A chave é nunca desistir à primeira barreira.

    7 – Não levantarás suspeitas desnecessárias

    Esconder os rastos é essencial. Para evitar que se perceba quem realmente lucra, utilizam-se sociedades offshore, empresas-fantasma ou testas-de-ferro para as compras iniciais de terrenos valorizados pela alteração do uso do solo. O verdadeiro dono do terreno só aparece mais tarde, talvez um fundo de investimentos – que melhor esconde os titulares de unidades de participação – quando os terrenos já estiverem valorizados e prontos para serem vendidos para construção imobiliária. Quanto menos ligações directas houver entre o político que aprovou a reclassificação e o beneficiado, melhor.

    brown long coated dog on brown wooden door

    8 – Não cobrarás dividendos de forma directa

    Lucros imediatos podem ser tentadores, mas os verdadeiros mestres da especulação sabem que a paciência paga melhor. Em vez de apenas vender terrenos valorizados, aproveitam-se oportunidades como adjudicações de obras públicas, concessões de exploração ou parcerias público-privadas, ou então contratos fictícios de empresas de consultoria que nem site ou funcionários de jeito precisam de possuir para facturarem bem. Muitas vezes, os verdadeiros lucros surgem anos depois, sob a forma de contratos vantajosos para empresas ligadas aos envolvidos.

    9 – Não desejarás o escândalo, mas estarás preparado

    Por mais discreta que seja a operação, há sempre o risco de um jornalista incómodo ou de um rival político levantar suspeitas. Nesses casos, a estratégia é clara: negar tudo, desvalorizar as acusações, clamar transparência, invocar a família e o futuro dos filhos, e alegar com fervor que a decisão seguiu todos os trâmites legais. Se necessário, recorre-se à velha desculpa da “cabala política” ou da “perseguição ideológica” para descredibilizar qualquer investigação.

    a house with a pool in the yard

    10 – Não cobrarás o lucro apenas uma vez

    Depois da valorização inicial, o jogo ainda não acabou. Quem domina o sector e os esquemas sabe que há sempre mais dinheiro a ganhar. Uma vez urbanizado, o terreno pode ser vendido para construção, os edifícios podem ser arrendados ou revendidos, e novas licenças podem ser obtidas para aumentar ainda mais o valor das propriedades. Assim, deves criar uma empresa de gestão de escritórios, de condomínios e até de limpezas. O ciclo da especulação é infinito para quem sabe aproveitar todas as oportunidades.

  • Quem tem medo da Inteligência Artificial no Jornalismo?

    Quem tem medo da Inteligência Artificial no Jornalismo?


    Houve um tempo em que os pintores eram também alquimistas, misturando substâncias raras e perigosas para criar os seus próprios pigmentos. Um azul profundo exigia a trituração minuciosa do lápis-lazúli, uma pedra semipreciosa trazida do Oriente, e um branco puro requeria chumbo submetido a um processo químico prolongado e tóxico. O pintor não era apenas um artista: era um químico improvisado, um operário da sua própria paleta, um artesão obrigado a desviar-se do que realmente importava – o acto de pintar – para assegurar que as suas cores tivessem a intensidade e a durabilidade desejadas.

    Com o tempo, essa necessidade desapareceu. A evolução dos pigmentos sintéticos permitiu que os artistas pudessem concentrar-se naquilo que realmente importava: a concepção e a execução das suas obras. E, no entanto, a arte não perdeu nada da sua profundidade nem da sua beleza. Pelo contrário, com o fardo da manufactura das cores retirado dos seus ombros, os pintores puderam explorar novas técnicas, novos estilos, novas formas de expressão. Michelangelo, Caravaggio, Rembrandt, Velázquez, Goya, van Gogh ou Cézanne não teriam sido piores artistas se tivessem tintas pré-fabricadas. Pelo contrário, poderiam ter-se dedicado ainda mais à sua arte sem os incómodos da elevada toxicidade das tintas que afectaram (e mataram) muitos pintores. Ou a dedicarem mais tempo a simplesmente contemplar a vida. O génio não reside no método, mas na visão.

    white robot wallpaper

    Um paralelismo se pode fazer com todos os avanços tecnológicos – que só o são verdadeiramente quando criam rupturas, quando desconstroem paradigmas estabelecidos e impõem novas formas de pensar, produzir e interagir com o mundo. De nada serve uma inovação que apenas aprimora o que já existe sem desafiar a estrutura vigente; o verdadeiro avanço é aquele que obriga a Humanidade a reconsiderar o que tomava como certo, abrindo caminho para novas possibilidades e, inevitavelmente, novas resistências.

    A Inteligência Artificial, democratizada em aplicativos, mais do que uma inovação é uma revolução, que, em todo o caso, causa compreensivas apreensões e dilemas. Por exemplo, no caso do Jornalismo, há quem tema que as ferramentas de Inteligência Artificial transformem a informação num produto padronizado, numa sequência interminável de notícias indistintas, redigidas sem alma, sem contexto, sem aquela centelha que distingue um jornalista talentoso de um vulgar reprodutor de comunicados de imprensa.

    Mas este receio, embora natural, ignora a essência do verdadeiro Jornalismo e a perspicácia e espírito crítico dos leitores a médio e longo prazo. Porque, tal como um mau pintor não se torna um mestre por ter acesso às melhores e pré-fabricadas tintas, um mau jornalista não se tornará excelente apenas porque tem à sua disposição um assistente de inteligência artificial.

    selective focus photography of people sitting on chairs while writing on notebooks

    Obviamente, é inegável que a Inteligência Artificial levanta questões prementes sobre ética e controlo da informação. Quem programará as ferramentas que auxiliam os jornalistas? Com que critérios serão filtrados os dados e seleccionadas as fontes? Ora, sabemos que o risco de enviesamento algorítmico é real, e um jornalismo excessivamente dependente de automatismos pode tornar-se vulnerável à censura subtil e à manipulação encapotada. Mas a comodidade da tecnologia não pode ser desculpa para se abdicar do escrutínio editorial humano, sob pena de transformarmos o jornalismo numa ilusão de objectividade, quando, na verdade, apenas reflectirá os preconceitos embutidos nos sistemas que o regem.

    A Inteligência Artificial não substitui a inteligência humana – reforça-a. Potencia-a. Estimula-a. Aquilo que separa o grande jornalista do medíocre não é a ferramenta, mas a forma como a utiliza. A Inteligência Artificial pode estruturar dados, sintetizar informações dispersas, organizar fontes, até sugerir ângulos de abordagem, mas não pode compreender aquilo que torna uma história realmente relevante. Não pode substituir o faro de um repórter experiente, a intuição de quem percebe que a verdadeira notícia não está na declaração oficial, mas naquilo que não foi dito. Não pode replicar a ironia subtil de um grande cronista, nem a acutilância de um editorial bem elaborado. Pode, no entanto, libertar os jornalistas de tarefas mecânicas e repetitivas, permitindo que se concentrem naquilo que realmente importa: investigar, interpretar, analisar.

    Tal como no xadrez, o jogo não termina simplesmente quando os programadores conseguem construir um computador capaz de vencer um campeão mundial. Pelo contrário, a Inteligência Artificial cria sim, com essa vitória, um novo desafio: o de superar a própria máquina, de aprender com ela, de atingir um novo nível de jogo, antes inimaginável. O jornalismo não é diferente. Se o objectivo fosse apenas o de produzir notícias padronizadas, os algoritmos já o fariam sem qualquer necessidade de supervisão humana.

    A computer circuit board with a brain on it

    Mas a questão não é essa. O verdadeiro desafio não está em criar máquinas que produzam textos indistintos, mas sim em proporcionar aos jornalistas as ferramentas para que possam elevar a sua arte a um nível superior.

    O perigo do Jornalismo jamais estará na inteligência artificial, mas na mediocridade humana. O jornalismo, como qualquer forma de criação intelectual, depende da capacidade crítica, da curiosidade, do espírito analítico. O mau jornalismo não nasce da automação, mas da preguiça, da complacência, da falta de rigor e de ética. Se há algo a temer no Jornalismo, não é o uso da Inteligência Artificial, mas sim o uso passivo e acrítico que dela se possa fazer. Se os jornalistas aceitarem que a máquina pense por eles, se se limitarem a reproduzir textos gerados automaticamente sem questionar, sem interpretar, sem acrescentar valor, então não será a Inteligência Artificial a culpada pelo declínio do Jornalismo – mas sim os próprios jornalistas.

    Assim, tal como os pintores do passado souberam tirar partido dos avanços da química sem comprometer a sua identidade artística, também os jornalistas – que já contaram com o auxílio da máquina de escrever, dos gravadores, da rádio, da televisão, da Internet e de inúmeras outras ferramentas – devem encarar as novas tecnologias não como substitutos da sua essência profissional, mas como instrumentos que potenciam a acuidade da investigação, a profundidade da análise e a clareza da comunicação. Até porque não são as tecnologias que interferem com o rigor e a independência crítica que definem o verdadeiro jornalismo.

    a group of white robots sitting on top of laptops

    O grande jornalista do futuro não será aquele que rejeita a tecnologia por medo ou por atávico purismo, mas sim aquele que a domina, que a molda aos seus propósitos, que a usa para expandir os limites daquilo que é possível fazer. A Inteligência Artificial não apagará o talento, a intuição ou a visão crítica – será um estímulo para que cada jornalista vá mais longe, investigue melhor, escreva com mais profundidade e precisão.

    Por isso, o jornalismo do futuro não será feito por máquinas; continuará a ser feito pelos humanos – talvez menos, certo –, por aqueles e aquelas que souberam integrar a Inteligência Artificial no seu processo criativo, tal como os mestres da pintura aprenderam a usar os pigmentos modernos sem perder o toque de génio que distingue uma obra-prima de um exercício técnico. O Jornalismo, afinal, é uma arte. E como em qualquer arte, o que conta não é a ferramenta – é quem a utiliza.

  • O Código Deontológico e a contradição do contraditório

    O Código Deontológico e a contradição do contraditório


    O Código Deontológico do Jornalista (CDJ) contém uma incongruência flagrante que tem servido de base para interpretações enviesadas e, mais grave ainda, para a distorção da própria prática jornalística: a imposição de que “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso”. Esta formulação, que à primeira vista pode parecer um princípio equilibrado, esconde uma armadilha lógica: a ideia de que a comprovação dos factos depende da audição das partes envolvidas, como se a verdade jornalística só pudesse emergir de um processo dialéctico entre os visados.

    Ora, os factos existem independentemente da sua comprovação pelas partes. Um documento oficial que ateste um desvio de fundos, um contrato que revele tráfico de influências ou um relatório forense que demonstre um erro médico não precisam da validação dos protagonistas da história para serem verdadeiros. A verdade não se negocia, nem precisa de um carimbo de autenticidade de quem tem um interesse directo na narrativa.

    grayscale photo of person holding iphone 6

    A exigência do contraditório como critério universal para a comprovação dos factos cria um paradoxo: por um lado, exige-se ao jornalista rigor na apresentação de provas; por outro, obriga-se o mesmo jornalista a conceder espaço à parte interessada para que esta relativize, negue ou distorça a informação documentada. Assim, um facto objectivamente comprovado pode ser transformado num “alegado facto” apenas porque uma das partes o contesta. A verdade passa a ser condicionada pela disposição dos intervenientes em confirmá-la ou negá-la, convertendo-se num jogo retórico em vez de uma questão factual.

    Além disso, a formulação do código deontológico é ambígua e contraditória. Diz-se que os factos devem ser comprovados, mas o critério subsequente (ouvir as partes) não é uma via de comprovação, mas sim um procedimento de contextualização. Factos não se tornam mais verdadeiros porque as partes os corroboram, nem mais falsos porque os negam. Esta formulação, ao misturar um princípio objectivo (a necessidade de comprovar factos) com uma prática jornalística circunstancial (a audição das partes), resulta numa incoerência conceptual.

    O verdadeiro jornalismo assenta na busca pela verdade através de métodos rigorosos: cruzamento de fontes, análise documental, investigação aprofundada. O contraditório pode ser um elemento útil nesse processo, mas não pode ser uma condição obrigatória para validar o que já está demonstrado. Quando um jornalista possui documentos sólidos que sustentam uma investigação, o contraditório não serve para “comprovar” nada – apenas para permitir que a parte visada apresente uma defesa.

    O que é um facto? A participação de André Carvalho Ramos em formações de media training? Não! Para a ERC só é um facto quando se concede um ‘direito ao contraditório’, que permitisse André Carvalho Ramos simplesmente negar…

    O problema é que a ERC e outros reguladores, ao basearem-se nesta falha estrutural do Código Deontológico, transformaram o contraditório numa regra cega, aplicável acriticamente a qualquer contexto, como mais uma vez se verifica numa recentíssima deliberação contra o PÁGINA UM por causa de ‘um jornalista promíscuo’ da CNN Portugal, André Carvalho Ramos, não ter sido ‘ouvido’. O dito jornalista aceitou ser formador de media training organizado pela empresa onde o filho de António Costa é director-geral. A confirmação desse facto, além de estar no site do curso, foi comprovada numa notícia do jornal Eco em Setembro do ano passado e, cereja em cima do bolo, reconfirmada pelo próprio André Carvalho Ramos no LinkedIn [se, entretanto, ele pensar na ‘chico-espertice’ de apagar o registo, está aqui para memória futura].

    Mas, para a ERC, apesar do nome de André Carvalho Ramos continuar a estar no site do curso (que não tem características académicas, por ausência de ECTS, logo é um simples media training, incompatível com a profissão de jornalista), existe um ‘sacrossanto’ direito ao contraditório para eliminar os factos. Na prática, isto significa que a verdade factual pode ser contestada não com provas, mas com declarações de quem tem interesse em desmenti-la. Assim, um mecanismo que deveria servir para enriquecer a investigação jornalística passou a ser um expediente para diluir a responsabilidade de quem é alvo de uma reportagem.

    [Já agora, se se quiser escrever, como já se escreveu, que André Carvalho Ramos continua a constar nos formadores do mesmo curso a iniciar em Outubro deste ano, também se deveria dar-lhe um ‘direito ao contraditório’, ou mandar-se a ERC às malvas?]

    Cartaz do curso de media training (sem ECTS, portanto sem créditos universitários), organizado pela GCI Media e Universidade Europeia. Como não tem créditos universitários nem sequer se pode assumir que exista corpo docente; apenas formadores.

    Se o jornalismo quiser recuperar a sua função essencial – a de expor factos com base na melhor evidência disponível – tem de rejeitar esta visão burocrática e estéril do contraditório. O Código Deontológico dos Jornalistas precisa de ser revisto, clarificando que a comprovação dos factos não depende da aceitação das partes interessadas, mas da força das evidências apresentadas.

    O jornalista, com a sua credibilidade e seriedade – sem ingerências de uma ERC, que não aprecia ser investigada e se ‘vinga’ do PÁGINA UM sempre que lhe dão uma oportunidade -, é o garante de um serviço público essencial, e não deve permitir que o seu trabalho seja um simples palco para relativismos factuais onde a verdade depende sempre de quem tem direito de antena.

  • Jornalismo: o contraditório vale mais do que os factos?

    Jornalismo: o contraditório vale mais do que os factos?


    O jornalismo é, antes de tudo, um exercício de rigor e de compromisso com a verdade factual. E de confiança com os leitores. O jornalismo verdadeiro e íntegro não é uma caixa de ressonância para declarações convenientes, nem uma plataforma para relativizações artificiais que, sob a capa da imparcialidade, apenas servem para diluir evidências concretas. Contudo, nos últimos tempos, tem-se tentado impor uma ideia perniciosa ao exercício do jornalismo: a obrigatoriedade de um alegado “direito ao contraditório”, como se o dever de comprovar factos fosse substituível pela necessidade de garantir espaço a quem se sente desconfortável com a sua revelação.

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que teoricamente deveria defender a liberdade editorial da imprensa, volta e meia incide as suas deliberações sobre este falso problema, ao considerar que um jornal deve conceder destaque a todas as opiniões em pé de igualdade, mesmo quando os factos noticiados se sustentam em provas documentais inequívocas. Sucedeu agora, mais uma vez, com um jornalista promíscuo da TVI, André Carvalho Ramos, que teve – e tem agora de novo – o seu nome associado a uma formação (não-universitária) de media training dirigida a gestores e executivos, organizada por uma agência de comunicação dirigida pelo filho deo ex-primeiro-ministro António Costa.

    white and black printed paper

    A ERC censurou o PÁGINA UM por, apesar das evidências documentais, achar que alegado “direito ao contraditório” deveria ter sido respeitado numa investigação que envolvia três dezenas de jornalistas, alguns dos quais (14) até foram identificados pelo próprio reguador.

    A exigência do “direito ao contraditório” é particularmente absurda quando aplicada a este caso concreto: uma peça sobre promiscuidade jornalística, onde cada menção é acompanhada por documentos que sustentam as ligações de jornalistas a entidades que deveriam escrutinar.

    Ou seja, apesar de o trabalho se basear em evidências objectivas, a ERC decide insistir que deveria ter sido dado espaço a cada um dos visados para apresentar uma versão alternativa – ainda que não haja margem para interpretação de documentos e provas que atestam o que foi relatado. Os factos existem, mas podem ser negados ou esvaziados por uma simples declaração dos visados.

    Esta ideia de “direito ao contraditório” aplicado de forma absoluta ao jornalismo não encontra sequer sustentação na Lei da Imprensa nem no Código Deontológico dos Jornalistas. Aquilo que tanto a legislação como o código exigem é que os factos sejam comprovados, ouvindo as partes atendíveis – e deduz-se que essa ‘audição’ serve para confirmar os factos, e nem tal implica que se tenha que transpor todos os comentários. Aquilo que a lei e o código não dizem é que cada notícia tenha de ser um palco de encenações onde qualquer denunciado tenha a oportunidade de relativizar ou distorcer uma verdade documentalmente sustentada.

    A close-up of a stack of newspapers resting on a desk, symbolizing information and media.

    Nem a lei nem o código dizem, em parte alguma, ser uma obrigação de um jornalista é ouvir todos os envolvidos. Essa é uma escolha editorial, sob a qual pode pender responsabilidade – mas é uma escolha que jamais pode implicar a visão maniqueísta da ERC: há contraditório, há rigor; não há contraditório, não há rigor. Note-se o absurdo: invente-se um facto e oiça-se todas as partes, a ERC dá o OK; comprovem-se facto e decide-se se se mostra relevante ouvir todas as pessoas, e a ERC censura.

    A ERC tem de terminar com este tipo de ingerências editoriais, até porque a sua visão é enviesada, e pouco lhe importa a veracidade dos factos. Aquilo que se estabelece é que um órgão de comunicação social tem o dever de assegurar a veracidade das informações publicadas e que os factos apresentados sejam suportados por elementos objetivos – o que, num trabalho baseado em documentos, é plenamente garantido, como tem sido apanágio do PÁGINA UM.

    A imposição editorial feita pela ERC sobre esta matéria do “contraditório” não apenas representa uma interferência indevida na liberdade editorial como também pode distorcer a própria percepção do leitor. Se um jornalista revela um facto sustentado por provas documentais e é obrigado a publicar uma resposta de alguém que, sem desmontar a prova, apenas contesta ou nega o seu conteúdo, cria-se artificialmente uma dúvida onde esta não deveria existir. O jornalismo não pode ser refém de uma falsa imparcialidade, que dá o mesmo peso ao documento que prova e à declaração que desmente sem fundamento. O jornalista é um mediador e intérprete da realidade; não um mero pé de microfone.

    newspapers, leeuwarder current, press, news, newspaper, newspapers, press, newspaper, newspaper, newspaper, newspaper, newspaper

    Se levássemos esta lógica ao extremo, seria necessário, por exemplo, que:

    • Sempre que se noticiava uma acusação judicial, fosse obrigatória a audição do arguido por parte do jornalista, independentemente das provas nos autos.

    • Quando um sindicato denunciasse uma política ou medida do Governo, o mesmo espaço teria de ser dado ao Governo, sob pena de “falta de contraditório”.

    • Sempre que uma peça se baseasse em estatísticas criminais, se tivesse de ouvir simultaneamente polícias e ladrões para dar “as duas versões”.

    Este absurdo revela a falácia da argumentação: não é função do jornalismo criar um equilíbrio artificial entre factos e versões. A função do jornalismo é interpretar, conferir, validar e apresentar os factos da forma mais clara e rigorosa possível, assegurando que provas físicas e documentos oficiais não sejam diluídos por declarações defensivas que apenas visam confundir o público.

    Foto: PÁGINA UM

    É importante ainda notar que o contraditório não se confunde com o direito de resposta. A Lei da Imprensa salvaguarda todas as partes, prevendo expressamente este último, permitindo que qualquer visado por uma notícia possa publicar a sua posição quando se sinta injustiçado ou prejudicado.

    O PÁGINA UM – e eu, em particular – já exerceu esse direito noutros órgãos de comunicação social; já publicámos direitos de resposta (como, aliás, nesta edição). Mas isso não significa que o jornalista tenha a obrigação prévia de lhe dar espaço na construção da notícia, sobretudo quando os factos apresentados são incontroversos e se baseiam em documentação robusta.

    A exigência da ERC não é apenas errada do ponto de vista legal e jornalístico – é também profundamente perversa na forma como condiciona o trabalho dos jornalistas. O seu efeito prático é claro: criar obstáculos para que determinadas verdades sejam ditas. Se cada jornalista souber que, para noticiar um facto comprovado, terá de gastar tempo e espaço com reações que nada acrescentam ao esclarecimento do público, a tendência natural será evitar determinados temas. E este, no fundo, parece ser o objetivo – desincentivar a investigação, protegendo aqueles que prefeririam que certos factos permanecessem desconhecidos.

    grayscale photo of person holding iphone 6

    A liberdade de imprensa não pode ser condicionada por exigências formais – melhor dizendo, artificiais – que nada acrescentam ao rigor do jornalismo. O contraditório pode ser útil e desejável em muitos casos – e o PÁGINA UM usa-o, preferindo chamar-lhe comentário -, mas a sua imposição como regra cega transformará o jornalismo numa arena de relativismo, onde a verdade dos factos é apenas mais uma “opinião” entre tantas.

    No PÁGINA UM, não caímos nesse jogo, mesmo correndo o risco de sucessivis bitates da ERC sobre a forma de deliberações que nem sequer podem ser contestadas em tribunal, porque a esse nível valem como meras opiniões, mesmo se irritantes. Uma coisa é certa e garantimos aos leitores; tudo o que publicamos como notícia é sustentado por provas. Em factos. E o jornalismo são factos, interpretações e comentários; não um palco do comntraditório.

  • Licínia Girão, uma mulher sem qualidades

    Licínia Girão, uma mulher sem qualidades


    A emancipação das mulheres não é uma causa de ocasião. É um princípio essencial de justiça social e de progresso civilizacional. Durante séculos – ou mesmo milénios –, as mulheres foram relegadas para um estatuto subalterno, privadas de oportunidades, silenciadas na sua capacidade de contribuir para o desenvolvimento humano.

    Essa opressão, em muitas geografias, ainda hoje se mantém, impedindo milhões de mulheres de viverem condignamente. Mas nas sociedades modernas, como a portuguesa, se é certo que ainda há obstáculos e desigualdades, também é verdade que estamos em plena transformação estrutural. O esforço, a perseverança e o talento de muitas mulheres têm conduzido a um reequilíbrio progressivo, e até justamente a tender para o seu lado – visível, por exemplo, nos rankings escolares e na crescente presença feminina no ensino superior, na Administração Pública e em diversos sectores empresariais. Prevejo que não seremos, no futuro, sociedades matriarcais, mas seremos, por certo, sociedades mais equilibradas e harmoniosas.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ.

    Essa evolução, contudo, não pode ser – e seria errado se fosse – travada por um paternalismo mal disfarçado quando se avalia o desempenho das mulheres. A igualdade plena não se alcança com condescendência ou com protecção indevida. Se queremos uma sociedade justa, então temos de julgar homens e mulheres pelos mesmos critérios, sem benevolência selectiva. Se uma mulher ocupa um cargo de relevância pública e nele se revela incompetente, deve ser denunciada com o mesmo rigor e vigor que qualquer homem na mesma posição. Não há mérito na tolerância excessiva quando essa tolerância permite a mediocridade e a prevaricação.

    Quando, em 2022, comecei a escrever sobre Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), fi-lo com a reserva e a contenção que o estatuto do cargo impõe. Mas rapidamente se tornou evidente que essa contenção não era compatível com a gravidade dos factos. Licínia Girão não só não reunia os requisitos legais para ocupar o cargo – pois deveria ser “jurista de mérito”, e não o era –, como desde então demonstrou uma conduta inaceitável, marcada pela arbitrariedade, pelo abuso de poder e pela perseguição a jornalistas independentes.

    Aceitei estoicamente os ataques que me dirigiu após as notícias que escrevi sobre a sua formação e a sua actuação apenas como presidente da CCPJ. Em resposta, fez ela, com Jacinto Godinho – o qual, apesar de ser um jornalista de mérito, revela carácter mesquinho – um parecer inédito para me criticar por um artigo em que expus a promiscuidade de um médico que acabou exonerado do Infarmed. Abriu-me ela, como líder de um Secretariado sem registos (sem actas) processos disciplinares por investigações jornalísticas legítimas, incluindo uma sobre Gouveia e Melo – numa tentativa evidente de o proteger de suspeitas de prevaricação – e outra sobre a IURD.

    Jacinto Godinho, jornalista da RTP e ‘braço direito’ de Licínia Girão no Secretariado da CCPJ.

    Gastou ela seis mil euros da CCPJ para me processar judicialmente. Aliou-se ao então presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, João Paulo Menezes, para tentar censurar o meu trabalho jornalístico que incidia sobre o seu percurso profissional, tema relevante jornalisticamente. Recusou ela, de forma inqualificável, pedidos de acesso a documentos da própria CCPJ, obrigando o PÁGINA UM a avançar com duas intimações em tribunal para fazer valer o direito à informação.

    Agora, num último acto de vilania institucional, Licínia Girão ataca Elisabete Tavares – jornalista do PÁGINA UM e, declaro como ‘conflito de interesses’, minha companheira desde 2021 [anterior à fundação deste jornal]. A Elisabete Tavares tem um passado jornalístico (e de vida) impoluto, imaculado, de uma idoneidade a toda a prova – e não merecia, do ponto de vista pessoal, um ataque institucional ad hominem, apenas e somente por um ‘crime’ aos olhos de Licínia Girão e de quem ainda lhe admite ‘vendettas’: trabalhar no PÁGINA UM. E pior: vindo do seio do jornalismo que ela tem servido – e não ‘se servido’, como muitos – ao longo de mais de duas décadas.

    Licínia Girão, que se diz jornalista, usou uma instituição ao serviço dos jornalistas para fazer algo que seria inadmissível em qualquer Estado democrático: usar o poder para abusar do poder, vingar-se de jornalistas incómodos, afrontando a liberdade de imprensa com actos que configuram crimes de prevaricação e de obstrução ao livre exercício do jornalismo.

    white and black printed paper

    Por tudo isto, e pesando bem as palavras, Licínia Girão é uma mulher sem qualidades. Jamais deveria ter ocupado este cargo. O seu mandato é um exemplo claro de como não deve ser exercido o poder, e a sua escolha deve ser lembrada apenas para evitar futuras repetições deste erro.

    Que fique, porém, ainda registado: Licínia Girão foi cooptada por outros oito jornalistas, a saber: Jacinto Godinho, Anabela Natário, Miguel Alexandre Ganhão, Isabel Magalhães, Cláudia Maia, Paulo Ribeiro, Luís Mendonça e Pedro Pinheiro. Que também eles respondam pelo que ajudaram a criar.


    Este texto teve um direito de resposta de Licínia Girão que pode ser lido AQUI.

  • Sobre o infame comunicado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista

    Sobre o infame comunicado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista


    O PÁGINA UM repudia com veemência as afirmações proferidas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), e particularmente do seu Secretariado, presidida por Licínia Girão, que esta tarde, ao tentar justificar um claro abuso de poder e de liberdade de imprensa no caso da (não) renovação do título da jornalista Elisabete Tavares, recorreu a um comunicado recheado de sofismas, omissões e distorções legais, que claramente demonstram má-fé, dolo e ignorância dos procedimentos administrativos de uma entidade pública. Quis, mais uma vez a CCPJ, atirar lama contra o PÁGINA UM através de mais um expediente, que por não ser o primeiro nem o segundo se desconfia não ser o último, sendo enquadráveis numa atitude de falta de transparência e de idoneidade desta entidade.

    1. FALÁCIAS LEGAIS E INTERPRETAÇÕES ENVIESADAS

    A CCPJ afirma que a revalidação de uma carteira profissional deve seguir o Estatuto do Jornalista e os regulamentos internos, como se, para o caso da jornalista Elisabete Tavares, estivesse a cumprir a lei e as normas. Não está.

    No entanto, ao longo dos anos, a renovação de carteiras profissionais de jornalistas com mais de 10 anos de experiência tem sido um procedimento rotineiro e estritamente administrativo que demora poucos dias. Na verdade, administrativamente, menos tempo que a escrita de um comunicado de 29 pontos. O bloqueio arbitrário no caso de Elisabete Tavares, e a sua retirada da base de dados dos jornalistas, demonstra um desvio à prática comum, que apenas pode ser entendido como uma retaliação contra o PÁGINA UM.

    Ademais, o prazo de 60 dias alegado pela CCPJ é do envio da carteira (física) profissional, para poder ser ostentada presencialmente pelo jornalista nas condições em que tal se mostra necessário; não se refere ao prazo obrigatório para a CCPJ proceder à renovação, ainda mais no regime simplificado para profissionais com mais de 10 anos de actividade. Nestes casos, sendo feito o requerimento, basta verificar que o jornalista cumpre esse requisito para uma renovação. Houve intencionalidade da CCPJ para deixar caducar a carteira profissional da jornalista Elisabete Tavares e, com esse expediente, eliminá-la da base de dados dos jornalistas.

    1. INCOMPATIBILIDADES FABRICADAS PARA JUSTIFICAR PERSEGUIÇÃO

    Alega a CCPJ que a eventual incompatibilidade de um jornalista deveria ser considerada no momento da renovação, contrariando a lei e aquilo que sempre tem sido prática. é completamente falso, e apenas justificável numa CCPJ presidida por uma falsa ‘jurista de mérito’, que haja possibilidade de “não renovação do título enquanto subsistir a incompatibilidade e durante os prazos de impedimento”. Primeiro, porque são procedimentos autónomos – a emissão e renovação está prevista na secção I do Decreto-Lei nº 70/2008 – e a suspensão e cassação na secção II. A cassação e a suspensão são processos administrativos distintos, que devem ser instaurados com os formalismos legais, algo que jamais foi feito.

    Qualquer incompatibilidade que suscite dúvidas deve ser tratada em processo autónomo e separado do processo de renovação, com possibilidades de defesa até trânsito, podendo chegar ao Tribunal Administrativo. Essa análise de incompatibilidades jamais pode determinar uma suspensão da renovação da carteira e muito menos a eliminação do nome do jornalista da base de dados, que sendo pública constitui a forma de qualquer pessoa conferir se determinada pessoa é jornalista.

    Além disso, a alegada e espúria incompatibilidade da jornalista Elisabete Tavares desencantada agora pela CCPJ diz respeito à moderação de um debate num congresso realizado em Março de 2022, ou seja, entre essa data e a actualidade, a CCPJ já concedeu uma renovação. O requerimento para essa renovação foi então feita em 29 de Dezembro de 2022 pela jornalista Elisabete Tavares e concedida pela CCPJ, sem qualquer pergunta, em 14 de Janeiro de 2023. Existem dúvidas sobre a má-fé da actual CCPJ?

    1. DISPARIDADE DE TRATAMENTO E O DUALIDADE DE CRITÉRIOS

    A CCPJ, ao tentar justificar a sua decisão, esquece também convenientemente que outras duas jornalistas participaram no mesmo evento que agora pretende usar contra Elisabete Tavares. Nem Teresa Silveira (do jornal Público) nem Isabel Martins (da revista Mundo Rural) tiveram, entretanto, qualquer problema com a renovação das suas carteiras. Além disso, esquece convenientemente, que em anteriores mandatos, houve jornalistas que solicitaram esclarecimentos sobre se a moderação de congressos caía nas incompatibilidades do Estatuto do Jornalismo, mesmo sendo claro que não. E a resposta da CCPJ foi que não existiam incompatibilidades? O que justifica esta dualidade de critérios? Será necessário fazer a lista das centenas de jornalistas que moderaram debates em congressos? Ou estamos apenas perante uma descarada acção para só atingir o PÁGINA UM e os seus jornalistas.

    1. MENTIRAS SOBRE O ESTATUTO DOS JORNALISTAS EM SITUAÇÃO DE RENOVAÇÃO

    A CCPJ tenta desvalorizar a gravidade do impedimento administrativo de Elisabete Tavares, com base em fundamentos ilegais, afirmando que o facto de o seu nome desaparecer da base de dados é um mero efeito técnico. No entanto, sabe-se que a ausência de nome na base de dados pode ser utilizada para criar entraves legais e administrativos ao exercício da profissão, ou mesmo fazer acusações na praça pública, algo que o PÁGINA UM não pode permitir. No ponto 28 do seu comunicado, a CCPJ tem o descaramento de confessar que este ‘desaparecimento’ causa “constrangimentos”, mas pouco se importa que tal situação suceda única e exclusivamente por sua responsabilidade. E ainda se faz de ingénua quando afirma que pode emitir “um documento comprovativo de que o pedido foi efectuado dentro do prazo e está em análise”. Então, e qual a razão para não ser feito por regra? Não há dinheiro para isso, mas há 6.000 euros para pagamento de serviços jurídicos para processar o director do PÁGINA UM?

    1. PERSEGUIÇÃO RECORRENTE E O USO DE DINHEIRO PÚBLICO PARA FINALIDADES QUESTIONÁVEIS

    Não é a primeira vez que a CCPJ, sob a liderança de Licínia Girão, adopta expedientes administrativos duvidosos para atacar o PÁGINA UM, abrindo-me até processos disciplinares sobre investigações jornalísticas em curso e fazendo mesmo queixa no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas com recurso a expedientes pidescos. Vale lembrar sempre que Licínia Girão, que preside a uma entidade que constitui o ponto focal da lei anti-SLAPP, decidiu gastar 6.000 euros em serviços jurídicos para processar-me pessoalmente, numa acção que acabou por ser abandonada devido à pressão de vários membros. Além disso, Licínia Girão até esconde a acta do Plenário da CCPJ onde tal questão foi debatida, o que me obrigou a uma intimação, em curso, no Tribunal Administrativo de Lisboa. O uso de dinheiro público para perseguição política e pessoal é inaceitável e tem de ser devidamente investigado.

    1. RESISTÊNCIA E TRANSPARÊNCIA

    O PÁGINA UM não cederá a tácticas intimidatórias e de vitimização da CCPJ, que usa de poderes públicos e administrativos para atacar um projecto jornalístico independente, que tem incomodado os poderes e, em grande parte, também as promiscuidades na imprensa e no jornalismo. Com este caso da renovação do título da jornalista Elisabete Tavares, com um passado e um presente irrepreensíveis do ponto de vista ético e deontológico, e uma vasta e reconhecida experiência profissional, a CCPJ deseja tão-só arrastar o PÁGINA UM para o chavascal que se tem tornado o jornalismo português, para que assim não possamos manter publicamente a imagem imaculada.

    Posto isto, a CCPJ pode continuar a recorrer a expedientes mesquinhos, a comunicados inqualificáveis, mas não conseguirá abalar a nossa determinação na defesa da liberdade de imprensa. E mais: agiremos judicialmente se a renovação não for diligenciada num prazo curto ou se não for enviado comprovativo para o exercício da profissão com a imediata recolação do nome da Elisabete Tavares na base de dados dos jornalistas.

    De resto, houve em tempos alguém que defendeu que, aprestando-se o fim do exercício de um cargo, se deveria permitir que o incumbente terminasse o mandato com dignidade. No caso de Licínia Girão, a haver dignidade, então recorro ao nosso ‘cronista’ Brás Cubas: deveriam aplicar, de forma metafórica, a esta senhora um estímulo locomotor à maneira espartana.

    Uma nota final: apesar da CCPJ afirmar que nenhuma sanção se aplica a um jornal por admitir ou manter ao seu serviço um jornalista que esteja a aguardar decisão para renovação, o PÁGINA UM não publicará qualquer artigo noticioso da jornalista Elisabete Tavares enquanto a CCPJ mantiver abusiva e ilegalmente a decisão de não revalidar o seu título profissional. Aceitar que a CCPJ prolongue uma decisão é estar a aceitar um acto de abuso de poder e ‘legitimar’ atentados à liberdade de imprensa. Os membros da CCPJ – que, aliás, são jornalistas de profissão – não são os donos dos jornalistas nem estes lhes têm de prestar vassalagem.

  • Contra o abuso de poder, a força dos leitores

    Contra o abuso de poder, a força dos leitores


    Este é um dos momentos em que o PÁGINA UM precisa da força dos seus leitores, porque é nos seus leitores que, na verdade, se alimenta.

    Desde a sua fundação, o PÁGINA UM tem pautado a sua actuação pelo jornalismo independente, recusando qualquer tipo de conivência com os poderes instituídos e denunciando sistematicamente os abusos, as falhas de transparência e as práticas que minam a credibilidade dos media em Portugal. A nossa missão tem sido clara: informar com rigor, sem receios, sem cálculos de conveniência e sem submeter-se a qualquer agenda alheia ao interesse público.

    No entanto, essa independência tem um custo. E os ataques contra o PÁGINA UM têm-se intensificado, vindos daqueles que deveriam zelar pela liberdade de imprensa e pelo exercício digno do jornalismo. A mais recente manifestação dessa perseguição surge da Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ), liderada por Licínia Girão, que bloqueou arbitrariamente a revalidação da carteira profissional de Elisabete Tavares, uma das colunas do nosso jornal.

    Editorial

    A pretexto de um não-facto remoto – a moderação de um só debate sobre mercados agrícolas em 2022, de não tem qualquer carácter comercial nem de promoção, onde até estiveram mais duas jornalistas (Público e Mundo Rural)  –, a CCPJ decidiu, de forma inédita e injustificável, não renovar do título profissional de Elisabete Tavares, pelo que a sua carteira se encontra caducada e colocando-a numa situação de irregularidade e constrangendo directamente a actividade do PÁGINA UM. Note-se que as duas outras jornalistas mantêm as suas carteiras profissionais válidas.

    Saliente-se que a moderação de conferência, como jornalista, a título gratuito ou remunerado, não constitui qualquer incompatibilidade no âmbito do Estatuto do Jornalista. Nada tem a ver com a gravidade da produção de notícias por jornalistas sob contratos de empresas privadas ou entidade públicas; nada tem a ver com as funções de consultoria e media training ou ainda de uso de jornalistas para concretização de media partner sob a forma de prestação de serviços.

    Além da tentativa da CCPJ de querer arrastar uma jornalista do PÁGINA UM para a ‘lama da promiscuidade’ da imprensa generalista, a recusa de validar a renovação é um acto ilegal e de abuso de poder, uma vez que os jornalistas com mais de 10 anos de actividades – como é o caso da Elisabete Tavares, que conta 14 renovação bianuais – têm um sistema de renovação simplificado. Ou seja, é um mero acto administrativo sem avaliação prévia.

    Por isso, ao não conceder a renovação e deixando caducar a carteira profissional, constitui mais um acto discriminatório e persecutório da CCPJ contra um órgão de comunicação social independente, que tem sido incómodo para os poderes instituídos. Esta decisão, sem precedentes conhecidos, levanta sérias dúvidas sobre a isenção e os critérios da CCPJ. A mesma entidade que não questiona incompatibilidades evidentes de jornalistas ligados a grandes grupos empresariais e políticos, opta por usar um critério duplo para atacar directamente um meio independente.

    A CCPJ ‘eliminou’ ontem o nome da jornalista Elisabete Tavares da base de dados onde constam os profissionais que podem exercer jornalismo em órgãos de comunicação social numa atitude de abuso de poder, de prevaricação e de atentado à liberdade de imprensa.

    A CCPJ já recorreu, no passado, a processos disciplinares e expedientes administrativos contra o PÁGINA UM, chegando mesmo a gastar 6.000 euros em serviços jurídicos para intentar um processo judicial contra mim, simplesmente porque denunciei factos inconvenientes para a sua presidente. A obsessão da CCPJ em retaliar contra a imprensa independente tornou-se tão evidente que já não há qualquer dúvida: estamos perante um caso de abuso de poder e de prevaricação, com claros contornos de atentado à liberdade de imprensa.

    Perante esta situação gravíssima, o PÁGINA UM não se deixará intimidar. Já tomámos as devidas providências jurídicas para exigir a revalidação da carteira profissional de Elisabete Tavares e para responsabilizar os autores deste acto de perseguição. Até lá, e como forma de protesto, a cada dia que esta injustiça persistir, substituiremos uma manchete de Elisabete Tavares por uma faixa negra, assinalando a censura administrativa a que estamos sujeitos.

    Apelamos, também, à solidariedade e acção dos leitores do PÁGINA UM. Instamos assim os nossos leitores a manifestarem junto da CCPJ o seu repúdio por esta vergonhosa tentativa de silenciamento. Exijam, como cidadãos livres e informados, que cessem de imediato estas práticas abusivas que atentam contra os princípios democráticos e contra o direito fundamental de acesso a uma informação livre e independente.

    white and black letter t-letter blocks

    Podem e devem usar o seguinte e-mail para CCPJ: carteira.press@ccpj.pt , e agradecemos que nos coloquem em Cc com o seguinte endereço: geral@paginaum.pt .

    Não cederemos. E muito menos com apoio dos nossos leitores, continuaremos a fazer aquilo que sempre fizemos: jornalismo independente, com coragem e integridade.

    Pedro Almeida Vieira