Etiqueta: Editorial

  • X: antes a Morte que tal Sorte

    X: antes a Morte que tal Sorte


    Se quisermos, a paranóia da pandemia pode eternizar-se. Ou pode acabar hoje mesmo.

    Depende se aceitamos o absurdo.

    Por exemplo, ontem o Expresso anunciava que “o surgimento de novas variantes, como a Ómicron, reforçou a necessidade de uma estratégia de controlo da covid-19”, e por isso os Estados Unidos estavam a “redobrar esforços colectivos para encerrar a fase aguda da pandemia (…) e nos preparamos para futuras ameaças relacionadas com a saúde”.

    Já sabemos, pela “amostra” dos últimos dois anos naquilo que isto vai dar.

    Vemos agora, pelo exemplo demencial de Xangai, naquilo que se pode transformar a vida mesmo em civilizadas sociedades ocidentais que foram criadas com base no livre-arbítrio responsável e nas liberdades individuais.

    mans face with white scarf

    Tudo isto se pode, e deve (defenderão os políticos sanitaristas), ser posto em causa se houver razões de excepção. Novas variantes de um vírus, “futuras ameaças relacionadas com a saúde”, eis a excepção, qual sonho húmido de políticos democratas com tentações despóticas, que pode ser a regra, se assim se quiser.

    Se assim a imprensa mainstream quiser. Se os Governos quiserem. Se os povos aceitarem.

    Pesquiso no Google News sobre a suposta nova variante XE, através das palavras XE e covid: contabilizo já 29.800.000 notícias. Estão reunidos os ingredientes para a renovação da pandemia.

    Ler algumas destas notícias causa uma dor de alma a quem defende um jornalismo que não permite manipulações, mistificações, especulações.

    Leio, por exemplo, uma notícia da CNN Portugal – pego nesta como poderia pegar em tantas de tantos outros órgãos de comunicação social mainstream –, publicada em 6 de Abril passado, que reza assim:

    A Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) detetou, em janeiro, uma nova variante do SARS-CoV-2. Chama-se Ómicron XE, combina duas estirpes desta variante e, do pouco que se sabe, é mais contagiosa do que as variantes anteriores. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já foi notificada.

    Esta nova variante é aquilo a que se chama de vírus ‘recombinante’, isto é, que combina o material genético de dois vírus, neste caso, de duas variantes e subvariantes do mesmo vírus. A Ómicron XE combina a BA.1 (chamada de Ómicron original) e a BA.2 (uma subvariante).

    Até ao momento, já tinham sido detetadas outras variantes recombinantes: as XD e XF, que juntavam a Delta e Ómicron BA.1. Segundo a OMS, a XD ‘está associada a maior transmissibilidade ou resultados mais graves”.

    Nem sei bem onde pegar quando leio “pérolas” deste jaez.

    A manipulação, a mistificação e a especulação começa logo em detalhes, que aliás serviram já para a Ómicron, que afinal acabou por ser uma bênção, do ponto de vista epidemiológico, pela sua maior transmissibilidade (mais casos) e menor letalidade (menos mortes), e portanto por ter concedido maior imunidade à população. Num raro momento de lucidez, Bill Gates até admitiu isso em 18 de Fevereiro deste ano numa conferência em Munique.

    Na verdade, existirão razões científicas muito plausíveis e compreensíveis para que agora surjam variantes que usam um X inicial para a sua denominação. Em todo o caso, não temos apenas a XE. Já andam também por aí, e por agora, as variantes XA, XB, XC, XD, XF, XG, XH, XJ (não há XI, por razões políticas!), XK, XL, XM, XN, XP, XQ, XR, XS e XT, todas elas recombinantes, como todas as outras, desde que o SARS-CoV-2 começou a infectar humanos.

    white and black speaker on green wall

    As letras e as denominações possuem também valor simbólico, uma carga, um karma. E isso tem-se notavelmente feito notar na alimentação da pandemia.

    A percepção da existência de um perigo (afinal inexistente, aparente ou real) proveniente de uma variante X qualquer coisa – como se marcasse um alvo – é maior do que seria se se continuasse a usar as letras A e B seguidas de pontos e números.

    [já agora, diga-se que também há, em muito menor número, iniciadas por C (47), D (4), G (1), K (3), L (4), M (3), N (10), P (29), Q (8), R (2), S (1), U (3), V (2), W (4), Y (1, que, aliás, “nasceu” em Portugal) e Z (1)]

    O “marketing vírico” em redor do surgimento (supostamente repentino) de novas variantes – que “podem” ser sempre mais perigosas, mais transmissíveis, mais um “par de botas”, como propalam jornalistas “acéfalos”, porque acríticos e preguiçosos – mostra bem o grau de insanidade colectiva.

    A variante XE – que aparenta ser uma novidade, que justifica o levantamento de redobrados alertas – foi, na verdade, já identificada em 19 de Janeiro passado. Existem dados sobre a sua letalidade que justifiquem preocupação? Claro que não.

    Nem sobre todas as outras variantes iniciadas por X, incluindo da primeira (XB) identificada no “longínquo” 8 de Julho de 2020!

    Diga-se, aliás, a talhe de foice, que a famigerada variante Ómicron – anunciada como se fosse o fim do Mundo, e que justificou mesmo o encerramento de uma ala pediátrica do Hospital Garcia de Orta em Novembro do ano passado – foi identificada afinal nos Estados Unidos (com a nomenclatura BA.1) em 7 de Setembro do ano passado, ou seja, dois meses antes do pânico ser novamente relançado a nível mundial.

    Porém, onde a insanidade colectiva espraia em todo o seu esplendor é nas notícias sobre o surgimento de uma nova variante, como se fosse fenómeno raríssimo, de sorte que cada vez que surgisse uma nova maiores perigos adviriam.

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    Vamos ser claros: é uma estupidez absoluta continuar a pensar que a “criação” de novas variantes alguma vez terminará, a menos que se continuem com lockdowns, com máscaras, vacinas, com a obrigação de fazer o pino virado para Meca ou com a entrega das nossas liberdades de viver antes de morrermos.

    Simplesmente, não vai acontecer.

    Se, porventura, em vez de perguntarem aos leitores quanto tempo vai durar a Guerra da Ucrânia, os jornais com maior capacidade de endividamento (não propriamente económico ou financeiro) questionassem as pessoas sobre quantas variantes do SARS-Cov-2 existem, talvez se chegasse à conclusão da existência de quatro ou cinco.

    E porquê? Porque se foi sempre moldando a percepção de que o surgimento de novas variantes era um fenómeno raro, imprevisível, e que, sendo assim, anunciada essa raridade, logo seria motivo necessário mas suficiente para alarme, medo e pânico.

    Aliás, a raridade de certos fenómenos foi sempre pasto para especulações e medos cegos. Daí que, durante séculos e séculos, o surgimento de cometas ou de eclipses eram vistos como prenúncios ou causas de desgraças. Ninguém jamais anunciou o fim do Mundo porque o sol nasceu em certo dia, porque nasceu tantas outras vezes antes e renascerá outras tantas no futuro. A banalização de um evento elimina qualquer fobia. Não se assusta uma criança gritando-lhe muuuu todos os dias por detrás da porta.

    Portanto, vamos lá fazer contas sobre variantes do SARS-CoV-2, procurando onde se deve. E arrumemos já com o assunto sobre a raridade das variantes.

    black and white human face drawing

    No Pango Network estão listadas, à data de hoje, 1.847 variantes, desde que as duas primeiras foram identificadas ainda em 2019: a variante B, em 24 de Dezembro, e a variante A, em 30 de Dezembro.

    Como sucedeu com os testes PCR para encontrar casos positivos, no caso das variantes, quanto mais que escarafunchou na investigação, mais pequenas diferenças se descobriram. Levado ao extremo do absurdo, se aplicada à espécie humana a busca de diferenças classificadas como variantes, teríamos hoje não quase oito mil milhões de pessoas mas sim quase oito mil milhões de variantes da espécie humana.

    Assim, no caso do SARS-CoV-2 foram “brotando” variantes. Só em Janeiro de 2020, ainda antes da chegada da covid-19 a Portugal, já havia 21 novas variantes no Mundo. No mês seguinte foram identificadas mais 35. Em Março – o mês do início do pandemónio na Europa – identificaram-se mais 385 novas variantes.

    Desta sorte, na primeira metade de 2020 já estávamos com 883 variantes de SARS-CoV-2. No final desse ano, eram já 1.328 variantes, ou seja, 72% do total identificado até agora, o que é um paradoxo.

    Até ao final de 2020, o SARS-CoV-2 “apenas” tinha infectado (casos positivos) 84 milhões de pessoas, mas “criou” mais de 1.300 variantes. Desde 2021, apesar de ter infectado mais 420 milhões de pessoas – isto é, cinco vezes mais – “só” teve habilidade para “criar” menos de meio milhar. Um mistério da virologia.

    De facto, ao longo de 2021, a “multiplicação” de variantes amenizou, e desconfio que não terá sido por cansaço do vírus, mas mais por “aborrecimento” dos virologistas. Mas nem assim se pode dizer que se tenha parado de descobrir ou de que passou a ser um fenómeno raro. No primeiro semestre do ano passado “descobriram-se” mais 219 variantes; no segundo semestre foram 104.

    Nos dois primeiros meses do presente ano contabilizam-se já 21 novas variantes, grande parte das quais recebendo agora a denominação iniciada por X. Não estão aqui contabilizadas 175 variantes que não têm data de identificação no Pango Network.

    Neste cenário de inevitável “descoberta” de novas variantes, aceitarmos candidamente que algumas possam ser escolhidas, de forma aleatória e manipulatória, para fazer soar alarmes – e sem se compreenderem os motivos –, e justificarem-se assim renovadas medidas de excepção em prol de uma quimérica Saúde Pública de risco zero, é rendermo-nos a um distópico Novo Normal. Um Mundo em que é preferível a Morte que tal Sorte.

  • Das árduas batalhas em defesa do jornalismo independente e da transparência

    Das árduas batalhas em defesa do jornalismo independente e da transparência


    O PÁGINA UM tem mantido, muito por via do apoio dos seus leitores, uma postura intransigente na defesa do jornalismo rigoroso e isento, sabendo, desde o seu nascimento, que tem um caminho espinhoso a percorrer. Não tem sido batalha fácil, até porque desgastante, porque com várias frentes.

    Recordamo-nos que, dois dias após o nascimento formal do PÁGINA UM, a CNN Portugal encetou, em 23 de Dezembro do ano passado, um vil ataque, acusando-nos de ser uma “página negacionista” e “anti-vacinas”, acusação ‘apadrinhada’ pela Ordem dos Médicos, e acompanhada por outros órgãos de comunicação social, como Público, Expresso, Lusa e Observador.

    Recentemente, após uma estranha deliberação que ilibou o Público, e que está agora em fase de reclamação, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acabou de tomar a decisão de obrigar a CNN Portugal a publicar na íntegra o meu texto de resposta em defesa dos valores do PÁGINA UM. Apesar de formalmente a notificação ter chegado ao PÁGINA UM na sexta-feira passada, e o mesmo terá sucedido com aquele canal televisivo, o direito de reposta não foi ainda publicado. Estaremos atentos.

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    A obrigatoriedade de publicar o texto de direito de resposta não será a única consequência para a CNN Portugal. A ERC determinou o envio do processo para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, e o PÁGINA UM acompanhará com detalhe o assunto, para que não haja “esquecimentos”. E outras medidas ainda serão tomadas.

    Entretanto, esta manhã, o PÁGINA UM enviou a sua defesa relativamente à queixa junto da ERC por parte da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e do seu presidente António Morais. A defesa do PÁGINA UM, que decidimos tornar pública desde já, conta com 39 pontos em 11 páginas.

    E como consideramos que a ERC tem a obrigação, porque está nas suas atribuições, defender o jornalismo de ataques soezes e sem provas, apresentámos uma queixa naquela entidade reguladora contra António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

    Em causa estão frases daquele responsável que, por exemplo, acusam os artigos do PÁGINA UM, que denunciaram as relações comerciais entre a Sociedade Portuguesa de Pneumologia e o sector farmacêutico, de terem “consequências para a saúde públicas”. Estamos assim perante graves ofensas ao livre exercício do direito à informação e à liberdade de imprensa; uma torpe tentativa de condicionar a independência de um órgão de comunicação social independente perante os poderes económicos; e uma agressão à efectiva expressão e ao confronto das diversas correntes de opinião, em respeito pelo princípio do pluralismo e pela linha editorial do PÁGINA UM.

    Campanha de angariação de fundos para intervenções judiciais do PÁGINA UM no MIGHTYCAUSE

    Aguardamos que esta queixa, que agora também divulgamos publicamente, constitua também um teste à ERC, de modo a apercebermo-nos se estamos perante uma entidade reguladora, que defende a comunicação social, ou se esta apenas deseja supervisionar e controlar a comunicação social.

    Por fim, o PÁGINA UM está em fase de preparação da intimação junto do Tribunal Administrativo para obrigar o Infarmed a disponibilizar os dados em bruto dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do remdesivir, uma vez que esta entidade reguladora dos medicamentos se recusou a cumprir o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    O PÁGINA UM, através de uma angariação de fundos do MIGHTYCAUSE, que já recolheu um pouco mais de 2.200 euros, tentará usar esses apoios dos leitores para apresentar outras intimações, nomeadamente para a Direcção-Geral da Saúde disponibilizar dados escondidos.

    Nesta linha, e com o vosso apoio, contribuiremos para uma sociedade mais interventiva e esclarecida, e para uma Administração Pública mais transparente e acessível.

    Enfim, o PÁGINA UM fará sempre aquilo que se deveria esperar de um órgão de comunicação social: pugnar pelos princípios da democracia.

  • Polígrafo: um indecente fact-checker para branquear a imprensa mainstream

    Polígrafo: um indecente fact-checker para branquear a imprensa mainstream


    Em 14 de Outubro de 2018, o fundador e director do Polígrafo, Fernando Esteves, escreveu o seguinte, ao anunciar o seu fact-checker: “Outro detalhe importante: o Polígrafo não analisa notícias de outros jornais. O trabalho dos nossos colegas, sendo muito relevante, não é o nosso core business. Escolhemos avaliar e classificar, de acordo com uma escala, as declarações dos protagonistas das notícias, porque são eles os agentes proativos na difusão de inverdades no espaço público.

    Convenhamos, que Fernando Esteves e os seus colaboradores têm cumprido: nunca analisam o trabalho dos seus colegas, e por maioria de razão, sendo eles jornalistas, nem a qualidade do seu próprio trabalho.

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    Ora, como bem se sabe, eu e particularmente o PÁGINA UM não somos propriamente defensores do papel imaculado da imprensa, nem tão-pouco que seja ela um mero agente de transmissão de informação.

    Em más mãos, em maus profissionais, em pessoas com problemas em perceber e praticar os princípios da ética e da deontologia, a informação facilmente se transforma em manipulação.

    Isto a pretexto de um fact-checking do Polígrafo, ontem publicado, sobre a veracidade da morte de soldados ucranianos na ilha de Zmiinii (ou ilha das Serpentes) por terem recusado a rendição, no início da invasão pela Rússia.

    Na introdução ao tema em verificação, a jornalista do Polígrafo Salomé Leal escreve o seguinte: “De acordo com várias publicações nas redes sociais, os 13 soldados ucranianos que defendiam a Ilha das Serpentes, no Mar Negro, terão sido mortos pelos russos, depois de terem protagonizado um ato de resistência que já é considerado histórico na guerra da Ucrânia. Confrontados por militares russos e aconselhados a renderem-se, os ucranianos terão respondido: ‘Vão-se lixar!’ Confirma-se que os 13 resistentes perderam a vida?

    Como se sabe agora, esta informação é falsa.

    Contudo, toda a análise do Polígrafo omite o papel crucial da comunicação social mainstream na divulgação desta fake news, propalada inicialmente pelo governo ucraniano, de tal modo que o presidente Volodymyr Zelenskyy até chegou a anunciar condecorações póstumas aos soldados massacrados.

    Na verdade, tanto a imprensa internacional como a nacional não fizeram o “trabalho de casa” essencial no jornalismo: verificação dos factos; ou, no mínimo, assumpção do erro pela manipulação a que foram sujeitos. A inverdade, termo usado por Fernando Esteves, não foi iniciada nas redes sociais. Teve a sua génese e eco, e maior, por causa das notícias na imprensa mainstream.

    No caso português, eis os jornais que relataram, em primeira-mão, esta fake news: Público (numa parceria com o Washington Post), Expresso, Visão, Sábado, Observador e (a inefável) CNN Portugal, apenas para citar alguns.

    Notícia do Público, em parceria com o Washington Post, de 25 de Fevereiro que se revelaria “fake news”

    Passado uns dias, vários destes órgãos de comunicação social deram o dito por não dito, sem um mea culpa. O Público até teve a desfaçatez de fazer a seguinte adenda, três dias mais tarde: “Esta notícia teve uma actualização“. Ou seja, os mortos (da primeira notícia) passaram a estar vivos (na segunda notícia).

    Convenhamos que uma situação dessa natureza, uma “actualização” assim, apenas é “conhecida” com Cristo: na Sexta-Feira Santa estava “morto”; no Domingo de Páscoa o seu estado sofreu uma “actualização” para “vivo”.

    E que faz o Polígrafo? Nada! Omite tudo isto. Omite o papel da imprensa mainstream. Execra as redes sociais como fonte de toda a manipulação. Limpa a imagem da imprensa, do triste papel dos jornalistas que na pressa de darem informação sem verificação, apenas divulgam, de forma viral, notícias manipuladas.

    Indicação da falsidade da notícia inicial com a mera referência de ser uma actualização

    Relembro, por isso, ao Polígrafo aquilo que, segundo consta no seu site, é – ou deveria ser – o seu método:

    A partir do momento em que o POLÍGRAFO (…) decide ‘checar’ uma informação, há cinco passos que devem ser cumpridos:

    Consultar a fonte original da informação

    Consultar fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem

    Ouvir os autores da afirmação, dando-lhes o direito de a explicar

    Contextualizar a informação

    Avaliar a informação de acordo com uma escala de avaliação“.

    Na sua ânsia de diabolizar as redes sociais e de lavar a imagem da imprensa mainstream, o Polígrafo não cumpriu, em rigor, nenhum destes passos.

    Manipulou.

    O habitual.

    Compreendo cada vez melhor por que razão Fernando Esteves nunca quis que o seu Polígrafo verificasse o trabalho dos jornalistas. Prefere branqueá-los quando fazem porcaria, culpando as redes sociais – excelentes bodes expiatórios. Uma indecência.

  • Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social


    Em 5 de Janeiro passado, enviei à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma queixa formal contra o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, contra mais seis jornalistas da CNN e contra os respectivos directores deste canal televisivo, por violação da Lei da Imprensa. Além disso, pedia que fosse determinada a obrigação de publicação de um direito de resposta pela CNN Portugal, que me fora negado. A queixa pode ser consultada AQUI e o direito de resposta negado AQUI.

    Em causa, como já revelei, estava um “artigo” completamente difamatório e ao arrepio de todas as regras éticas e deontológicas da autoria do primeiro visado, o dito jornalista-estagiário, publicado no site da CNN Portugal em 23 de Dezembro do ano passado, e que difundia uma notícia do PÁGINA UM (também divulgada na sua página do Facebook) com dados anonimizados relativos a internamentos de crianças com covid-19.

    Notícia do PÁGINA UM alvo do ataque da imprensa mainstream.

    Nem eu nem o PÁGINA UM éramos identificados directamente na peça da CNN Portugal intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista”, mas era por demais evidente que o jornalista-estagiário, os outros jornalistas que foram difundindo esta difamação ao longo daquele dia e os directores da CNN Portugal, sabiam a quem se estavam a referir.

    E também o que estavam a fazer. Até porque, em abono da verdade, o “artigo” era bem apoiado por médicos bem instruídos pela Ordem dos Médicos, tendo tido até a participação posterior, bem activa, do seu bastonário, incomodado pelas investigações do PÁGINA UM.

    Com efeito, para a preparação do seu “artigo”, o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino não apenas me enviara um pedido de comentário para o meu e-mail do PÁGINA UM – sabendo assim, de antemão, que era um órgão de comunicação social e que eu era jornalista – como no seu “artigo” dava pistas inequívocas sobre a minha identidade. O e-mail do jornalista-estagiário da CNN Portugal pode ser lido AQUI. A minha resposta AQUI.

    Tendo em conta que outros órgãos de comunicação social fizeram eco do “artigo” da CNN Portugal – sem sequer confirmar a sua veracidade –, e também recusaram publicar o meu direito de resposta, apresentei queixa à ERC contra o Público, a Lusa e o Expresso (em conjunto) e o Observador. A queixa contra o Público pode ser lida AQUI. As queixas relativas aos outros órgãos de comunicação social são muito similares, até porque todas se basearam e citaram a notícia inicial da CNN Portugal.

    Porém, todas aquelas queixas deram entrada cronologicamente após a queixa que apresentei à ERC contra a CNN Portugal.

    Notícia original da CNN Portugal com referências falsas e difamatórias ao PÁGINA UM, mesmo após contacto do seu autor. Público, Lusa, Expresso e Observador usam a informação da CNN Portugal sem confirmar a veracidade.

    Não poderia nem deveria, portanto, a análise da ERC ao comportamento da CNN Portugal ser realizada posteriormente à das outras queixas, tanto mais que a confirmar-se, como se mostra evidente, graves violações éticas, deontológicas e mesmo legais por parte do jornalista-estagiário, restantes jornalistas e directores da CNN Portugal, de imediato estaria em causa o comportamento dos restantes órgãos de comunicação social.

    Na verdade, condenar a CNN Portugal – que será fácil, se se quiser aplicar os princípios basilares da Justiça, pelas profusas provas documentais e evidências – seria condenar automaticamente o Público, a Lusa, o Expresso e o Observador por terem difundido uma notícia falsa e difamatória (feita pela CNN Portugal), a qual eles nem sequer se deram ao trabalho de confirmar a veracidade. Procedimento este – o não confirmar a veracidade da informação que se veicula – que é já usual na imprensa mainstream.

    Ora, mas a ERC – uma entidade que aparenta regular mais os amiguismos e companheirismos no pequenino e mesquinho mundo da imprensa de um país sem coluna vertebral e independência – não poderia jamais permitir-se a revelar que o “rei anda nu”, e há muito.

    O que fez, então?

    Um reles truque!

    “Engavetou” a primícia queixa contra a CNN Portugal – ou seja, adiou a sua análise sine die –, e põe-se a tratar primeiro da denegação do direito de resposta do Público.

    Comentários na notícia do Público que a ERC diz que “não pode razoavelmente interpretar-se” como associada ao jornalista Pedro Almeida Vieira e ao PÁGINA UM.

    E fez a “coisa” por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos, que chegou asnamente à conclusão que “não pode razoavelmente interpretar-se o teor da notícia divulgada pelo Público, bem como a hiperligação nela embebida que remete para a notícia da CNN Portugal, no sentido de ser associada inequívoca e patentemente ao Recorrente [eu] ou ao jornal que dirige [PÁGINA UM], não sendo a expressão ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’ subsumível ao conceito de referência indireta suscetível de afetar a reputação e boa-fama de Pedro Almeida Vieira.”

    Portanto, decidiu a ERC pelo arquivamento da queixa, e o Público ficou desobrigado, por agora, de publicar o direito de resposta. A Deliberação da ERC pode ser lida AQUI.

    A referência à pala dos cavalos tem mesmo, neste caso em concreto, um sentido simultaneamente metafórico e literal: de facto, os membros da ERC que assinam uma “coisa” chamada Deliberação só olharam de frente para a notícia online do Público.

    Não desviaram sequer o olhar do seu objectivo pré-concebido – ilibar – para ler os comentários de leitores que facilmente concluíram que a notícia do Público se referia a mim e ao PÁGINA UM. Alguns comentários podem ser lidos AQUI.

    Os doutos membros da ERC nem se dignaram em indagar qual poderia ser então a tal “página”, referidas nos “artigos” da CNN e Público (e outros), que divulgara os dados anonimizados (cumprindo, aliás, a legislação de protecção de dados), se esta não fosse afinal, como era, proveniente do PÁGINA UM, um órgão de comunicação social por ela regulada.

    Aliás, compreende-se bem que a ERC não tivesse escolhido, para o “truque” resultar, a queixa contra o Observador: aí, houve dezenas de leitores que me identificaram e identificaram o PÁGINA UM explicitamente.

    Por uma razão simples: os dados anonimizados das crianças internadas (dados reais, jamais desmentidos) tinham sido unica e exclusivamente divulgados pelo PÁGINA UM. Em jornalismo, o PÁGINA UM fizera aquilo que se chama uma cacha. Era um artigo jornalístico, escrito por um jornalista acreditado. Não havia, como nunca houve, uma publicação de uma “página negacionista”, feita de forma clandestina com conteúdos falsos.

    Aquilo que houve (com o “artigo” da CNN Portugal e seus sucedâneos) foi uma tentativa de “assassinato” de carácter a um jornalista (eu) e a um projecto jornalístico recente independente e incómodo, e que, aliás, já desvelara alguns dos podres da imprensa mainstream, da gestão da pandemia e das ligações promíscuas entre alguns médicos (e a Ordem dos Médicos) e as farmacêuticas. Aliás, basta ler esta secção da Imprensa no PÁGINA UM para compreender os engulhos que este projecto tem causado em certo jornalismo em tão pouco tempo de existência.

    Para a ERC tudo isto não interessa. Precisava de ilibar desde já o Público. E para quê começar pelo Público?

    Porque o “truque” da ERC é simples e eficaz, se não fosse, desde já, denunciado: ilibando o Público, torna-se óbvio que a ERC quer ilibar sobretudo a CNN Portugal com o argumento que tendo, sobre esta matéria, sido o Público já ilibado, então nem sequer merece análise o contacto que o jornalista-estagiário da CNN me fez nem as referências (mais que) implícitas a mim e ao PÁGINA UM no dito “artigo”.

    Portanto, com uma mão se lava assim a outra; mesmo que, no caso em apreço, seja mais a falta de vergonha de toda esta gente que apenas conspurca tudo à volta.

    Tendo sido eu notificado desta coisa chamada Deliberação da ERC sobre a queixa do Público no passado dia 3 de Março – apesar da decisão ter sido tomada em 9 de Fevereiro, ignorando eu as razões desta demora –, apresentei impugnação, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo (CPA) no passado dia 6 de Março. A impugnação pode ser lida AQUI, até por ser relevante sobre as minhas críticas à falta de regulação do jornalismo na cobertura da pandemia.

    Já no dia 3 também solicitara de imediato pedidos de audiência prévia, também prevista no CPA, para conhecer antecipadamente os projectos de Deliberação dos outros processos (incluindo o da CNN Portugal), de modo a poder adicionar outros elementos ou contestar antes de uma decisão. Esse pedido pode ser lido AQUI.

    Ora, mas que fizeram os senhores da ERC, entretanto?

    Correram lestos a publicar no respectivo site da ERC a sua Deliberação que, sem vergonha, ilibava o Público.

    Poderiam fazer isso?

    ERC divulgou Deliberação na terça-feira passada mesmo sabendo que já fora apresentada impugnação.

    Poder, podem, tanto assim que fizeram. Deveriam? Não. Só o fizeram porque faltam a ética e a moralidade ali pela sua sede na Avenida 24 de Julho. A ERC tinha conhecimento que o processo não estava concluído perante a minha impugnação; devia, pelo menos, mostrar recato, mas quis mostrar servilidade à imprensa mainstream.

    Apercebendo-me desta patifaria – não encontro melhor eufemismo –, enderecei anteontem, dia 8, ao presidente da ERC, o juiz Sebastião Póvoas (e depois surpreendemo-nos de a Justiça andar pelas ruas da amargura), o seguinte e-mail: “Tomei conhecimento que a ERC disponibilizou no seu site a Deliberação ERC/2022/52, decorrente de um processo que, como V. Exa. bem sabe, não está concluído por ter merecido da minha parte a competente impugnação. Nesse sentido, agradecia que V. Exa. desse indicação para a retirada da dita Deliberação do V. site até que seja analisada a dita reclamação, sem o que me verei obrigado (para minha defesa) a divulgar no site do PÁGINA UM não apenas a queixa inicial como a V. Deliberação por mim impugnada e a minha impugnação propriamente dita.”

    Que fez o Meritíssimo?

    Não retirou a Deliberação – cair-lhe-iam os paramentos se tal fizesse – e optou apenas por acrescentar a seguinte nota no site: “Esta deliberação foi objeto de reclamação, tendo sido pedida a sua invalidade (anulação), requerimento que vai ser apreciado pelo Conselho Regulador.”

    Acrescento feito no site da ERC após o pedido de retirada da Deliberação impugnada pelo PÁGINA UM, enquanto a reclamação não fosse decidida

    Entretanto, ainda não reagiu a ERC aos pedidos de audiência prévia sobre os outros processos, e sobretudo nem sequer se deu ao trabalho de justificar as razões da primícia queixa contra os jornalistas da CNN Portugal ter ficado a “marinar”.

    Quanto a mim, e ao PÁGINA UM, apenas estamos, com este texto, e a divulgação dos documentos, a cumprir a promessa feita ao presidente da ERC.

    E fazemos outra aos nossos leitores: enquanto Portugal ainda tiver uns laivos de democracia e de vergonha na cara, continuaremos a denunciar as pestilências desta fermosa estrebaria, como disse o Cavaleiro de Oliveira no século XVIII, e também diria no presente. Fermosa e cada vez mais malcheirosa, acrescento eu.

    Podem contar com o PÁGINA UM para defender um jornalismo isento e independente, mesmo perante certos Senhores que, parecendo regular a comunicação social com faca e queijo na mão, não hesitarão em continuar a dar o queijo à imprensa mainstream, enquanto se ajeitam para espetar, à primeira oportunidade, as costas (ou talvez mesmo o peito) de quem denuncia a podridão no jornalismo nacional.

  • Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias

    Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias


    Se desejarem perceber a razão do título, então terão de acompanhar-me num breve exercício de História. Não prometo que entenderão, mas fica o convite para me acompanharem.

    Vamos para o século XVIII. Século de guerras. Como todos, infelizmente. Mas este começou o rufar de tambores bem cedo.

    Entre 1700 e 1721, deu-se a chamada Grande Guerra do Norte, que envolveu a Rússia, Dinamarca-Noruega e Saxónia-Polónia, que desafiaram a supremacia da Suécia na zona do Báltico.

    Abrangeu todo o período da Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), onde andaram em pleitos sangrentos, entre outros Estados, o Sacro Império Romano, Áustria, França, Baviera, Portugal e duas facções de Espanha. O nosso marquês das Minas chegou até a tomar Madrid por uma quarentena de dias em 1706, acabando escorraçado pelo povo espanhol.

    Pela Europa a paz deambulou por quase duas décadas. Ressurgiu com a sucessão do trono: o da Polónia, para o qual até um irmão do nosso D. João V esteve candidato. Resolveu-se com uma guerra que começou em 1733 e terminou cinco anos mais tarde, com refregas sanguinolentas entre austríacos, franceses, sardos, espanhóis e pretendentes ao trono daquele país.

    people gathering on street during nighttime

    Não houve duas sem três. Chegado o ano de 1740, veio a Guerra da Sucessão Austríaca, até 1748, tomando-se de agressivas razões austríacos, bávaros, holandeses, britânicos e espanhóis. Neste ínterim, Áustria e Prússia ainda tiveram tempo de se guerrear pela posse da Silésia, território hoje quase todo pertencente à Polónia, mas ainda com pedaços na Alemanha e República Checa. O primeiro período de guerras foi de 1740-1742, depois 1744-1745 e, por fim, 1752-1762.

    Apanhou assim a muito conhecida Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que foi uma verdadeira guerra mundial nos principais continentes, e que contou com os “suspeitos do costume”: Áustria, França, Grã-Bretanha, Prússia, Rússia, Suécia, e claro também Portugal e Espanha – que onde esteve um, esteve outro, sempre opostos.

    Como maus vizinhos, a Espanha chegou a invadir-nos, mais uma vez, à conta de sermos aliados dos britânicos, coisa que se resolveu a contento na denominada Guerra Fantástica – nuestros hermanos foram mais derrotados pelas diarreias e pelo Tejo do que pelas armas lusitanas.

    Resumamos a “coisa” até ao final do século, até porque não é somente de guerras que este texto trata.

    Portanto, ainda tivemos a conhecida Revolução Americana (1775-1783), e não havendo pouca, ainda lhe sucedeu a Revolução Francesa, a partir de 1787, que não acabaria, com as suas batalhas e ajustes de contas, antes da chegada de novo século.

    Isto foi na Europa, porque nas colónias dos países europeus muita bordoada houve. No continente asiático contabilizam-se as guerras carnáticas – na região sul da Índia – envolvendo França e Grã-Bretanha quase ininterruptamente entre 1701 e 1761. Na América do Norte houve a Guerra da Rainha Ana, entre 1702 e 1713.

    Podemos ainda incluir aqui, de fugida, a Guerra dos Emboabas (1708-1709), em Minas Gerais, envolvendo bandeirantes paulistanos e colonos portugueses recentes, por conta do ouro. Mais acima, entre 1715 e 1717 tem de se contar com Guerra de Yamasee, entre colonos britânicos e indígenas.

    Na zona do Caribe, bem como na Flórida e Geórgia, entre 1738 e 1748 decorreu a denominada Guerra da Orelha de Jenkins – que teve, como seu casus belli, a orelha cortada de um capitão britânico por um outro espanhol. A Espanha também se meteu.

    Mais para norte, também franceses andaram com britânicos a banharem-se em sangue entre 1744 e 1748, na denominada Guerra do Rei Jorge. Anos depois, em 1754, meteram-se os Cherokee ao barulho. Somente cessaram hostilidades em 1763.

    No último quartel do século XVIII ocorreu ainda, fora da Europa, a primeira fase das Guerras Maratha (1775-1782), em território colonial britânico na Índia. E ainda antes do final desse centúria, na região da África do Sul, deram-se, em 1779, os primeiros tiros das Guerras da Fronteira do Cabo, entre o povo xhosa e os holandeses e mais os ingleses. Duraram quase um século.

    Apenas uso o século XVIII, por ser centúria que a Enciclopédia Britânica lista com muitas guerras e poucos anos de paz. E escolhi o século XVIII e não o XIX, porque este ainda teve mais guerras: 36. E o século XX uma mais: 37.

    Mary and Jesus statue

    Com duas décadas e mais uns pós no século XXI, a Enciclopédia Britânica conta apenas três guerras (desconta os “pequenos” conflitos, mesmo se sanguinários): Afeganistão (2001-2014), Guerra do Iraque (2003-2011) e Guerra Civil da Síria (desde 2013).

    Notem: sendo certo que, nas últimas décadas, “apenas” houve três conflitos intensos, todos tiveram vários anos de duração.

    Assim, mesmo tendo em conta as horríveis fatalidades do actual conflito, a histeria quase generalizada que campeia pela imprensa, pelos políticos e pela população, numa época de globalização e de manipulação, está a reunir todos os ingredientes para se transformar tudo isto numa terrível e carnificina guerra. Exige-se coração frio e cabeça calma.

    Saibamos uma coisa: Putin é como aquele meliante que enquanto jovem se foi “alimentando” do desleixo exterior quanto à educação das crianças, foi bebendo do desprezo de adolescente, mas que agora, enquanto ele empunha a arma no assalto, surge um coro de co-responsáveis por inércia e inerência a chamar-lhe nomes feios.

    Caramba! Agora?! O homem, sendo facínora, está armado (na verdade, com um arsenal nuclear) e é imprevisível? Qual é a parte que não se percebe?

    Putin não é um comboio que apenas quer derrubar um país, ou até o Mundo, e que tem de ser parado.

    Putin é um comboio sim, e nada amistoso, mas está já em andamento. Não pára só porque lhe acenamos que tem de parar.

    Agora é que se quer atacá-lo com cocktails molotov à la suicida, enquanto se grita mais nomes feios? Será essa a solução para evitar males maiores?

    [Porque, nesta fase, já haverá, infelizmente, muitos males, mas muitos mais a evitar]

    Ou deverá simular-se uma fuga estratégica à la D. João VI – reflictam bem sobre ela, porque foi de grande argúcia –, para depois, com mais calma e melhor estratégia, atacar o inimigo em outras condições, como se fez no século XIX com Napoleão Bonaparte?

    brown concrete statue of a man

    E agora a pergunta retórica: que tem isto a ver com o título do texto?

    Tudo, ou nada.

    A História, minhas senhoras e meus senhores.

    A importância da História.

    A importância de sentir que esta não é a primeira batalha do Mundo, ou já guerra, como se queira, e nem seguramente será a derradeira.

    E, em suma, a importância de fazer e sonhar, de imaginar e cogitar, de dizer disparates e de ideias brilhantes, de não ter medo de opinar, de não ter receio em dizer uma idiotice. Calarmo-nos, ou impedir que outros falem – ou não queiram falar – pode sempre, é certo, poupar-nos de ouvir idiotas; mas também evitar que tenhamos homens com coragem para ideias brilhantes.

    Não queiram calar pessoas.

    Não queiram impor um mundo maniqueísta.

    Não permitam a manipulação, mesmo se parecer boa.

    Não cometam injustiças apenas porque há um tempo indecente e facínora de uma determinada nacionalidade.

    Não queiramos um Mundo impoluto de idiotas apenas porque ficou, o Mundo, destituído de ideias.

  • Mais uma lição de jornalismo: tenham dó, mas não!, não! e mais não!; ‘isso’ não é ser jornalista

    Mais uma lição de jornalismo: tenham dó, mas não!, não! e mais não!; ‘isso’ não é ser jornalista


    Na noite passada, fui relembrar o texto integral do Código Deontológico dos Jornalistas. Convém sempre, mesmo que se tenha os princípios na ponta da língua. A tentação de transigir em determinados contextos – como sucedeu na pandemia desde 2020, e agora ocorre com a nova invasão da Rússia à Ucrânia – é sempre muito elevada. Os jornalistas são humanos, emocionam-se, agem como humanos.

    Começa logo assim o dito Código, no primeiro ponto:

    “O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.”

    Há mais 10 “mandamentos”, alguns deles redundantes, mas dois são fundamentais, e obrigam-me mesmo a invocá-los por imperativos de consciência, e como instrumento, enfim, talvez inglório, para defesa de um jornalismo independente. E quando falo de independência não pode significar dependência das vontades circunstanciais, e por vezes caprichosas, dos leitores.

    books over green trolley bin

    [Tem sido, aliás, muito interessante observar que alguns, felizmente muitíssimo poucos, dos meus leitores não compreendem o significado de “jornalismo independente”, reivindicando mesmo que lhes devolva pequenos donativos ao primeiro sinal de desagrado sobre algo que surge no PÁGINA UM. É, em escala micro, aquilo que sucede na imprensa mainstream, mas com entidades económicas e financeiras de muito maior relevo.]

    Num desses “mandamentos” fundamentais refere-se “o jornalista deve combater a censura e sensacionalismo”, enquanto no outro se recomenda que “o jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar”, acrescentando ainda ser sua “obrigação (…) divulgar as ofensas a estes direitos.”

    Neste contexto, é uma regra sem excepção: um jornalista jamais pode aceitar a existência de qualquer tipo de censura, mesmo se dirigida a terceiros, mesmo se alegando benefícios para um evidente bem comum.

    Nem que seja porque o bem comum é conceito difuso e escorregadio, geralmente definido pelo poder. Ora, a ética é a alma do jornalista; e não há bem comum que justifique um apoio à censura, seja qual for o “tipo” que a impõe, seja qual for o tipo e circunstâncias da sua aplicação.

    Sejamos claros: nenhuma censura é boa; nenhuma ditadura sobrevive sem censura; nenhuma democracia vive com censura.

    Mas o Código Deontológico nem deveria ser necessário: bastaria uma dose de bom senso e equilíbrio, para um jornalista ser aquilo que deve ser: isento, rigoroso, buscando a verdade, sem tomar aprioristicamente partido de um lado, sobretudo em conflitos. Sobretudo nestas últimas circunstâncias, e no conflito russo-ucraniano, não deve um jornalista comportar-se como um adepto de futebol, ou como um comentador na passadeira vermelha da feira das vaidades.

    Vou ser mais concreto.

    Parece por demais evidente que, no conflito russo-ucraniano, Putin é o agressor, independentemente das causas, que, em todo o caso, num trabalho jornalístico, devem ser sempre enquadradas. E é ele também um agressor violento, que merece forte e evidente reprovação – e eu, como jornalista, separando de forma clara (e muito clara mesmo) a opinião da notícia, posso e devo dizer que ele é um criminoso.

    I want you for U.S. Army

    Porém, tanto na opinião como na notícia, um jornalista deve trabalhar “com rigor e exactidão”, e não serve de desculpa não o fazer “só” porque Putin é um facínora.

    Um jornalista não é um cidadão comum.

    Alguns, esquecem-se.

    Muitos leitores, também.

    Um jornalista não é um simples adepto, que observa, relata, instiga as hostes em função de um objectivo: a vitória da sua facção. Um jornalista não serve facções: é um relator e um árbitro dos acontecimentos. Não tem sequer de intermediar nem influir nos acontecimentos, nem deve.

    O jornalista não é um agente dos acontecimentos, e daí que deve fazer um esforço suplementar para não ser instrumentalizado, nem instrumentalizar os leitores – como, aliás, se observou durante a pandemia que, por certo, não teria “terminado” assim tão de repente se não fosse o conflito russo-ucraniano.

    Numa guerra, a informação e a propaganda confundem-se, muitas vezes. Se houver censura ou condicionamento psicológico – fruto de um sentimento intenso de pertença ou afeição incondicional –, e o jornalista se deixar levar na onda, perde a sua independência e objectividade, e o seu trabalho descamba facilmente para a propaganda.

    Pode não ser intencional, mas se um jornalista não for zeloso na verificação de factos, no rigor da informação que transmite, porque enfim a “Rússia é a má da fita”, abre uma caixa de Pandora. Se uma parte que procura manipular o jornalista – e não sejamos ingénuos, mesmo em tempo de paz e assuntos mais comezinhos, as fontes sempre procuram levar água aos respectivos moinhos – observar que consegue uma primeira vez passar propaganda como notícia, e mesmo sendo “apanhado”, continua a ser aceite, jamais deixará de fazer propaganda. Mentirá, porque a mentira passará por verdadeira; a verdade será a mentira.

    A propaganda, diga-se, faz parte das regras do jogo – e, por vezes, cai-se na esparrela –, mas um jornalista que entre num jogo onde voluntariamente sabe que está a participar na propaganda, deixa de ser jornalista. Deixa de fazer notícias. E isto não é uma notícia que eu esteja a dar-vos, embora devesse ser: é claramente a minha opinião, que deveria levar a uma reflexão qualquer jornalista.

    A coragem no jornalismo não se mede apenas em percorrer estradas sem nexo nas imediações de um “teatro de guerra”, mas, sim, também em enfrentar poderes instalados, em investigar e escrever sobre assuntos delicados, mesmo quando se pode sair prejudicado na sua imagem e na sua vida – ou perdê-la mesmo – por mor da sua independência.

    person in blue denim jeans and orange backpack walking on street during daytime

    Isto também escrevo a propósito da “mensagem de solidariedade a congéneres ucranianas” feita pelo nosso (e meu) Sindicato dos Jornalistas, onde aliás se consulta o Código Deontológico. Acho bem uma mensagem de solidariedade, mas esta tem um “pecado capital”: denota um enviesamento incompatível com os princípios que atrás enunciei.

    Com efeito, é um erro e uma injustiça que os jornalistas ofereçam o seu apoio e solidariedade “apenas” aos jornalistas ucranianos; primeiro, porque não são os únicos potencialmente visados em conflitos armados – que já mataram, desde 1992, um total de 2.128 jornalistas e outros profissionais dos media, de acordo com o Committee to Protect Journalists (CPJ). Aliás, na verdade, o SJ está atrasado alguns anos: os jornalistas ucranianos já precisavam de ajuda pelo menos desde 2014, no decurso da invasão da Crimeia e dos conflitos em Donbass.

    [Sobre estes perigos, e as semanas que antecederam o actual conflito, aconselho vivamente a leitura destas breves entrevistas no CPJ aos jornalistas Anastasiya Stanko e Sergiy Tomilenko, este último que ocupa a liderança do União Nacional de Jornalistas da Ucrânia.]

    De facto, tanto ou mais que os jornalistas ucranianos, são os jornalistas russos independentes que mais apoio e solidariedade precisam – e de incentivo para não caírem na propaganda e para perseverarem na sua coragem. E não se diga que não há jornalistas independentes na fria Rússia, excepto se a memória for mesmo muito curta: no passado dia 10 de Dezembro foi entregue em Oslo o Prémio Nobel da Paz ao fundador e editor-chefe do Novaya Gazeta, Dmitry Muratov. Já se esqueceram do que ele passou, e os seus camaradas (termo usado entre jornalistas) para receber esta distinção? Se não se recordam, o PÁGINA UM relembra aqui.

    Sejamos mais uma vez claros.

    A Rússia não é, e muito menos foi antes desta invasão de Putin, um país para jornalistas independentes.

    A Rússia ocupa o 11º lugar no triste ranking da Global Impunity Index da CPJ relacionada com homicídios, raptos e aprisionamentos de profissionais dos media. Mesmo não havendo mortes de jornalistas desde 2017 – mas desde 1992 já caíram 58 e há sete desaparecidos há vários anos –, ao longo de 2021 contabilizam-se 14 presos (um recorde): Abdulmumin Gadzhiev, Aleksandr Dorogov, Aleksandr Valov, Alla Gutnikova, Armen Aramyan, Igor Kuznetsov, Ivan Safronov, Natalia, Vladimir Metelkin, Yan Katelevskiy, Osman Arifmemetov, Remzi Bekirov, Rustem Sheikhaliev, Vladislav Yesypenko – os quatro últimos na invadida Crimeia.

    Mensagem de solidariedade do Sindicato dos Jornalistas apenas às suas congéneres ucranianas.

    O público português pode até ignorar isto; um bom jornalista português não pode, não deve.

    Por isso, pasmo ao ver jornalistas, ou responsáveis na imprensa, a apoiarem (nem que seja pelo silêncio) a censura de órgãos de comunicação, e a incentivarem (nem que seja por omissão) a perseguição sobre aqueles que não seguem princípios maniqueístas, como se estivesse em causa um mero despique futebolístico, em que é obrigação de todos vestir a camisola do mais fraco, e se a não veste merece apupos (ou pior ainda) porque estará infalivelmente a favor do inimigo.

    São estes os tempos que temos, e a culpa é dos jornalistas, que até metem mais álcool para a fogueira.

    Isto não faz esquecer o essencial. Jamais questionei e questionarei o óbvio: a Rússia invadiu a Ucrânia, e está a cometer atrocidades terríveis. Mas o jornalismo não é isto que se tem visto. O jornalismo deve, pelo menos, agir como o russo Novaya Gazeta promete – e aparentemente está a cumprir: “seguir o derramamento de sangue no país irmão e continuar apresentando apenas factos verificados sobre os horrores da guerra.”

    É isto que “basta” o jornalismo fazer, e os jornalistas executar. Comecem por ler, por exemplo, a cobertura noticiosa do Novaya Gazeta sobre os conflitos – aproveitando, ademais, as boas traduções já feitas pelos browsers – ou este texto de hoje assinado por Dmitry Muratov e Beatrice Fihn em nome da Campanha Internacional para a Abolição das Armas Nucleares (entidade que recebeu o Prémio Nobel da Paz em 2017).

    Leiam, já agora, também, por exemplo, o excelente artigo de opinião de Julia Latynina, intitulado “Eles não mentem. Eles pensam assim”. Ou então o lúcido e pacificador artigo de opinião de Petr Shelishch, presidente da União dos Consumidores da Rússia. Ou uma análise muito interessante sobre o efeito da desconexão do SWIFT aplicado ao sistema bancário russo e suas implicações directas no quotidiano dos cidadãos daquele país. Ou este artigo do cineasta Vladimir Mirzoev. E tantos outros.

    E vejam onde há coragem, onde há jornalismo. Onde há esperança. Onde há gente também a precisar de ajuda e alento para combater a barbárie humana, mesmo se intentada por alguém da sua nacionalidade.

    Se acharmos que devemos censurar, estaremos ao mesmo nível de Putin, que começou já a encerrar órgãos de comunicação social classificando-os com “agentes de media estrangeiros”. Hoje foi silenciado canal televisivo Dozhd e a rádio Eho Moskvy. Reparem: o Novaya Gazeta não perdeu tempo a criticar esta medida. E continuará, talvez, até ser silenciada, se deixarmos que a censura até no Ocidente prolifere e seja defendida. A imprensa do regime e os jornalistas russos “dependentes” devem ter achado bem, presumo.

    Onde está, enfim, e por fim, a verdade, pergunto-vos?

    Estará em jornais independentes russos, como o Novaya Gazeta?

    Dmitry Muratov, editor-chefe do Novaya Gazeta, com a jornalista filipina Maria Ressa, na cerimónia de entrega do Prémio Nobel da Paz em Oslo, no dia 10 de Dezembro do ano passado (© Nobel Prize Outreach. Foto: Jo Straube)

    Ou estará apenas e só na imprensa ocidental?

    Naquela que, por exemplo, noticiava a chacina de 13 soldados ucranianos numa pequena ilha do Mar Negro – revelando mesmo que o presidente ucraniano os agraciaria com medalhas póstumas –, mas que, três dias mais tarde, anunciava que afinal estavam vivos, dando este volte-face acompanhada com uma mera menção de ser uma “actualização” à informação primitiva.

    Eu, por mim, fiz já uma escolha. Como jornalista e como leitor. Não quero censura, e quero apoio a todos os jornalistas. Sei serem escolhas pouco simpáticas nestes tempos continuamente distópicos. Mas se alguém quer ser simpático, não deve jamais querer ser jornalista independente. Está a mais. E a fazer mal às democracias.

  • Porque estando eu a 3.806,3 quilómetros de Kiev tenho raiva de Putin e medo de Helena Ferro de Gouveia

    Porque estando eu a 3.806,3 quilómetros de Kiev tenho raiva de Putin e medo de Helena Ferro de Gouveia


    Há uma grave tragédia na Ucrânia, à escala mundial, humanitária, política, geoestratégica, psicológica. Mais grave ainda por suceder no culminar de dois anos de uma pandemia que criou uma psicose colectiva – formatada por políticos, imprensa e indústria farmacêutica –, e que permitiu transformar um evento grave de Saúde Pública em prenúncio de um cataclísmico Armageddon vírico.

    Desde 2020, pasmo com a mudança das mentalidades, mesmo em espíritos abertos. Ressurgiu, como em sombrios tempos passados, um pensamento unívoco e dogmático, baseado num mundo maniqueísta: o altruísta e o egoísta; o bondoso e o maldoso; o santo e o pecador; o humano e o desumano; o anjo e o demónio; o imaculado e o hediondo; o generoso e o sovina; o insigne e o abjecto; o puro e o impuro; o elevado e o rasteiro; o herói e o vilão.

    Obviamente que, neste mundo, e desde que o mundo é mundo – que, neste contexto, se situa desde que o ser humano surge com as suas imperfeições –, há homens e mulheres egoístas, maldosos, pecadores, desumanos, demoníacos, hediondos, sovinas, abjectos, impuros, rasteiros, vilões. Porventura, ou “malventura” nossa, Putin será alguém que bem se encaixa em todas estas adjectivações. Se lhe faltar alguma, será, por certo, compensada por todas as outras.

    Porém, o maior problema do mundo nem é a existência de Putins – porque houve piores ou iguais em séculos passados (e não apenas Hitler), e os haverá em séculos futuros. E no futuro sobretudo se pensarmos que ele é único, e fruto de um acaso ou de um azar genético.

    Na verdade, a grande causa das piores desumanidades da Humanidade (lembremo-nos que a desumanidade é algo apenas dos humanos) foi a incapacidade colectiva em prevenir e precaver a existência desses maldosos, pecadores, desumanos, demoníacos, etc. – e, pior ainda, que estes fossem concebidos e crescessem na base, ou sob a assistência ou apatia, de pessoas que até se assumem como altruístas, bondosas, santas, humanas, anjos, imaculadas, generosas, insignes, puras, elevadas e heróicas.

    Talvez uma leitura da Divina Comédia de Dante ajudasse a compreender os erros deste pensamento maniqueísta, mas se tal não for possível bastará a máxima popular, “de boas intenções está o Inferno cheio”.

    Desse modo, colocar o conflito russo-ucraniano – ou, para se ser mais rigoroso, a invasão da Rússia à Ucrânia, porque é disso que se trata – numa esfera simplista, maniqueísta, é esquecer tudo aquilo que sucedeu antes. Até porque esquecer o que aconteceu antes impede compreender o que está a suceder. E o que mais virá.

    Para que não seja uma interpretação minha dos acontecimentos, cito a excelente base de dados do Departamento de Pesquisa da Paz e Conflitos da Universidade de Uppsala, para termos presente o que tem sido a Rússia das últimas três décadas:

    “Após o colapso da União Soviética, a recém-criada Federação Russa reprimiu uma tentativa de golpe das forças parlamentares em 1993. Também lutou contra movimentos pró-independência no norte do Cáucaso. No contexto do conflito na Chechênia, iniciado em 1994, o Governo russo usou violência unilateral em grande escala. As brutais guerras chechenas contra a República Chechena de Ichkeria arrastaram-se até 2007, quando o líder da República Chechena de Ichkeria declarou o estabelecimento do Emirado do Cáucaso. No final de 2015, o grupo estava praticamente extinto, com seus membros mortos ou capturados pelas forças de segurança, ou desertando para se juntar ao Estado Islâmico em seu conflito para estabelecer um Estado Islâmico no Cáucaso, que ainda está em andamento como uma insurgência de baixa intensidade.

    Os governos da União Soviética e da Federação Russa também forneceram apoio secundário de guerra a vários governos e grupos não estatais na sua esfera de interesse. Tais conflitos incluíram: Irão (1946), Coreia (1949–1953), Tajiquistão (1993–1996), Afeganistão (1979–1988 e 2001), Ucrânia (a partir de 2014 até à actualidade) e Síria (a partir de 2015 até à actualidade)”.

    Ou seja, Putin não saiu assim do nada, de repente, de forma surpreendente.

    Os conflitos da Ucrânia, associados à Rússia, também não. Não começaram este mês. Se não antes, começaram pelo menos em 2013, nos protestos pacíficos (EuroMaidan) em Kiev que, depois causaram a morte de 88 pessoas entre Janeiro e Fevereiro do ano seguinte.

    Sucederam-se depois com a anexação da Crimeia, e com as intermináveis lutas na região de Donbass, que constituíram uma consequência directa da viragem da Ucrânia para o Ocidente, com a participação activa da Rússia.

    Os dados da sueca Universidade de Uppsala, do departamento acima citado, ajudam-nos, tristemente, a compreender o caminho até aos dias de hoje, apenas pelo registo detalhado dos eventos e número de baixas nos últimos sete ou oito anos: Donetsk e arredores, 2.618 mortos, Horlivka 140, Debaltseve 238, Volnovakha 720, Ilovaisk 601, Mariupol 200, Hrabove 2.215, incluindo o abate de um avião civil da Malasya Airlines com 298 passageiros e tripulantes, em 17 de Julho de 2014. Os quatro suspeitos, actualmente a serem julgados à revelia na Holanda, têm óbvias ligações à Rússia.

    Desde a Crimeia – ou mesmo antes disso –, a Rússia de Putin apenas “sofreu”, como consequência mais nefasta, deixar de ser convidada para as reuniões do G7. Ninguém quis perceber o que estava por detrás da decisão de Putin em descartar há três anos, por completo, uma readmissão a estas reuniões dos orgulhosos países com as economias consideradas mais desenvolvidas do Mundo.

    Desdenharam Putin e a Rússia: os livros de História estão cheios de ensinamentos passados sobre o que, em muitos e trágicos casos, resulta disto.

    Porém, há quem faça agora de conta que não se estava a ver crescer o “papão”; na verdade, a fazer crescer o “papão”. E que muitos contribuíram para aguçar a vontade do “papão”.

    Os supostos e autodenominados altruístas, os bondosos, os santos, os humanistas, os anjos, os imaculados, os generosos, os insignes, os puros, os elevados e os heróis – que assobiaram anos a fio para o ar, enquanto concordavam com os negócios e investimentos da Rússia, aceitando-os como cidadãos de visto gold, graças a investimento sujo, com homicídios e perseguições de Estado –, surgem agora como paladinos da democracia e da paz. E contra o Mal, corporizado em Putin.

    Putin é o Mal, sem dúvida. Mas não está sozinho. E, pior, do lado do suposto Bem, está outro mal.

    [escrito em minúsculas para que não se queira interpretar, hélas, que estou a colocar tudo ao mesmo nível]

    O mal (em minúsculas) está naqueles que agora, céleres, rotulam quem diz “mas” – como já tinham feito durante a pandemia com quem colocava críticas à gestão política – com epítetos, impondo um pensamento único.

    person holding umbrellas on road at daytime

    Hoje, cada vez mais se nota, que quem disser um “mas” ao conflito da Ucrânia, não seguindo a lógica dos demais, corre o risco de ser olhado de soslaio, de ser ostracizado e renegado.

    Eis aquilo que agora temos, enfim, em democracias: paladinos do maniqueísmo. São pessoas que, aproveitando circunstâncias especiais, de emoção, de forte cunho psicológico e atrelados à Comunicação Social – que vê agora a crise ucraniana com o mesmo apetite por clickbaits que usou na pandemia –, promovem em cada indivíduo um futuro sacerdote dogmático.

    Um povo que só veja preto e branco, que assimila uma linha narrativa única, sem investigar nem questionar. Obediente.

    É esse o nosso mal, que pode medrar até ter um M maiúsculo disseminado por todo o Mundo.

    São esses perigosos e nefastos paladinos do maniqueísmo, que encontramos na nossa imprensa, de que o expoente, não sendo isolado, é Helena Ferro de Gouveia, uma persona que se fez administradora caída do céu na Lusa, a agência noticiosa do Estado português.

    Ver alguém como ela, a defender num país democrático (e como fez ontem na CNN Portugal), o condicionamento da informação – hoje da Rússia, amanhã, se calhar, cá de dentro, desde que fuja da narrativa oficial –, porque “nem toda a gente tem capacidade e o conhecimento e a literacia mediática para poder desconstruir” uma determinada narrativa externa, é de uma extrema perigosidade para um português, para um democrata, para uma democracia.

    Na verdade, estando eu a 3.806,3 quilómetros de Kiev, as palavras de Helena Ferro de Gouveia – e de muitos e muitos outros que, na imprensa, defendem as suas teses, incluindo muitos jornalistas – têm trejeitos de Putin.

    E têm, porque são estas posturas anti-democráticas, censórias, que alimentaram poderes como os de Putin, que se impôs na Rússia enquanto implantava, em simultâneo, supostas medidas para o Bem Comum contra um “inimigo externo”. E eliminando opositores, em sentido figurado ou literal.

    brown tree trunk on brown rock

    As palavras de Helena Ferro de Gouveia não são balas nem mísseis, mas corroem uma democracia, sobretudo porque nem são irrealistas. São exequíveis – e foram mesmo agora aplicadas em sites noticiosos (mesmo se propagandísticos da Rússia) –, até porque socialmente aceites em contextos como os que vivemos há dois anos.

    Saibamos compreender que a ausência da democracia pode não matar já, como as balas na Ucrânia. Mas mata a prazo. Aliás, como se constata pela invasão decidida por Putin, só possível porque Putin conseguiu manter-se mais de duas décadas no poder de um país com eleições mas nunca sendo um democrata. E conseguiu porque começou por impor uma imprensa condicionada e restrições de acesso à informação.

    Ora, Helena Ferro de Gouveia trata de nos dizer que, em Portugal e no Ocidente democrático, a imprensa e a informação devem também estar condicionadas a uma narrativa – aliás, como já esteve durante a pandemia.

    E isso é dramático.

    Contudo, também muito mais facilmente resolúvel: basta demiti-la da administração de uma agência noticiosa pública, e deixá-la, enfim, manifestar as suas parvoíces antidemocráticas nos canais que lhe derem acolhimento.

    Se se fizer isso, pelo menos ficaremos um pouco mais afastados de termos sósias de Putin no mundo ocidental. O mundo não ficará perfeito, como nunca foi, mas um pouco menos imperfeito.

  • Difícil é mobilizar portugueses para salvar Portugal

    Difícil é mobilizar portugueses para salvar Portugal


    Não pode ninguém decente com o mínimo espírito humanista e civilizacional aceitar as atrocidades perpetradas pelas tropas russas a mando de Vladimir Putin nem tão-pouco considerar que estas se devem, em exclusivo, às suas paranoias, à sua maldade e aos seus sonhos de czarismo.

    O Mundo, e as suas guerras, nunca foram coisas simples nem fáceis de explicar, nem de entender. E quem conheça um pouco de História saberá, ainda mais no Leste da Europa, que batalhas sanguinárias se fizeram por aspectos bem mais comezinhos do que certo país não apreciar que um seu vizinho, ainda mais “irmão”, ande em namoros com quem não aprecie, neste caso os países da NATO. Foi por razões de fé (religião), por disputas de famílias, por traição, por desaforo, por dinheiro, por coisas mundanas e do Mundo, humanas.

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    Aliás, convém recordar que se Olivença se perdeu para Espanha – ainda hoje não oficialmente reconhecido por Portugal – foi por razões de alianças: o nosso país recusou aceitar em 1801 aliar-se à Espanha e França contra a Inglaterra, nosso parceiro histórico. A Guerra das Laranjas seria mesmo o prenúncio das invasões napoleónicas anos mais tarde.

    Em todo o caso, não pretendo aqui, e agora, tecer grandes considerações sobre a génese e as razões e desrazões do conflito russo-ucraniano, excepto considerar que a única solução, para evitar um banho de sangue ou um recrudescimento para um nível de guerra mundial, seja a via negocial.

    Por muito que nos custe, nas actuais circunstâncias – e isso já sucedeu milhentas vezes –, a via militar maciça para fazer recuar a Rússia de Putin parece a pior solução, mesmo sendo aquela que nos mais reconfortaria a consciência e o coração.

    person raishing his hand

    De igual modo, as sanções prometidas e em execução – desde censurar pessoas da Cultura pelo “crime” de serem próximas de Putin até “expulsão da Rússia do sistema bancário internacional SWIFT (que afectaria tanto aqueles países como todos os negócios do “lado bom” –, não parecem ser instrumentos muito eficazes para uma solução pacífica.

    Derrotar Putin agora é virtualmente impossível; e a prazo apenas através de uma guerra fraticida; e não é isso que ninguém deseja (e se for não está do “lado bom”). Por isso, a solução é fazê-lo sair com uma aparente vitória.

    Mas, perguntam, quem sou eu, no meio deste enorme conflito internacional, para tecer estas considerações?

    Ninguém.

    E é exactamente por isso que escrevo este texto. Num conflito desta natureza, mesmo em países ditos democráticos, valemos cada vez menos – e muito por nossa culpa -, até porque, nos últmos tempos, deixámos que os movimentos sociais e a contestação pública fossem ostracizados e maltratados.

    Veja-se, aliás, como foram tratadas pela imprensa mainstream as contestações públicas à gestão da pandemia, entre o menosprezo e a colocação de rótulos, completamente descabidos, como sucedeu recentemente no Canadá.

    Por isso, olho agora para os apelos nos jornais e nas redes sociais, e pasmo com as campanhas de mobilização dos portugueses para a crise na Ucrânia.

    Por exemplo, o Expresso e o Público fazem eco dos movimentos ucranianos, e colocam mesmo ligações para donativos. Alguns desses financiamentos aparentam servir para a compra de armamento, e não propriamente para acções humanitárias. E pasmo. É esta a função da imprensa portuguesa?

    O politólogo Nuno Rogeiro faz um apelo para um “cordão humano pela Paz na Ucrânia”, insistindo para que “não fiques em casa a ver a guerra na TV; intervém, vem para a rua pela PAZ”. E eu pergunto: é essa a função de um comentador português de política?

    A Juventude Socialista (JS), a Juventude Social Democrata (JSD), a Juventude Popular (JP), o Livre, a Iniciativa Popular e o Partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) juntam-se para organizar amanhã uma manifestação pela paz e contra a invasão da Ucrânia em frente à embaixada da Rússia. E eu pergunto: é esta a função das juventudes partidárias e dos partidos políticos?

    E eu respondo, já: é (com excepção de apelos para armamento da “resistência” ucraniana).

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    Também é.

    Porém, lamento que esta capacidade de mobilização, este direito à indignação, esta demonstração colectiva de repúdio seja “apenas” para este tipo de causas. Para as causas boas, para as causas politicamente consideradas boas; contudo, boas sobretudo para as consciências, mas irrelevantes, hélas, para o desenrolar do conflito russo-ucraniano.

    Não é no “tabuleiro das ruas” de Lisboa ou de qualquer outro lugar do mundo ocidental que se encontrará uma solução.

    De facto, esta mobilização pela Ucrânia faz-me também olhar para o nosso país. Infelizmente, não se vê, em Portugal, este tipo de atitude activa e proactiva, militante mesmo, para outras necessidades domésticas : para uma Justiça melhor; para uma Educação melhor; para um Serviço Nacional de Saúde melhor; para uma Economia mais justa; para um investimento sério na investigação e uma maior penalização da corrupção; para uma gestão política mais equitativa e justa; para uma maior participação pública nas estratégias de investimento; para um país que adopte políticas não discriminatórias; para um melhor país.

    Para isso, não vejo jornais mobilizados, comentadores mobilizados, partidos e suas juventudes mobilizadas, pessoas mobilizadas para um “cordão humano”.

    E, contudo, ao invés daquilo que sucederá com tudo aquilo que os portugueses fizerem e disserem sobre a Ucrânia – incluindo o português António Guterres na ineficaz Organização das Nações Unidas –, porque no xadrez político tudo isto será irrelevante, se tivéssemos em Portugal metade da ora mobilização, porventura teríamos uma melhor democracia, vidas mais felizes, umas quantas salvas, por certo.

    Mas isso parece ser irrelevante. Por norma, preferimos lutas para descansar consciências – porque estamos afastados dos problemas – às lutas pelos nossos verdadeiros direitos, porque nessas lutas os “inimigos” estão próximos, e podem ficar chateados connosco.

    É muito mais fácil mobilizarmos portugueses para salvar a Ucrânia do que para salvar Portugal.

  • Dos ataques à liberdade de imprensa: o caso da Ordem dos Médicos vs. Página Um (e a sua investigação às farmacêuticas e à pandemia)

    Dos ataques à liberdade de imprensa: o caso da Ordem dos Médicos vs. Página Um (e a sua investigação às farmacêuticas e à pandemia)


    Por indicação da Ordem dos Médicos – e à laia de argumento por uma queixa minha à Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA) pela recusa daquela associação profissional de direito público em ceder acesso aos documentos sobre um donativo da Merck no valor de 380.000 euros –, uma sociedade de advogados, com procuração do bastonário Miguel Guimarães, lançou-me um ataque pessoal ao longo de sete páginas. Tive apenas hoje acesso integral a este ofício, porquanto antes somente surgiam pequenos extractos num parecer da CADA que me foi favorável.

    O ofício integral escrito em nome da Ordem dos Médicos pode ser consultado AQUI.

    Poderia isto ser visto apenas como um ataque pessoal, mas dá-se o caso de eu ser jornalista e de esse ataque pessoal ser feito em consequência, e apenas por causa, de actos no exercício da actividade de um jornalista: solicitação de acesso a documentos públicos a uma associação de direito público, pedido de informação e escrita de trabalhos informativos.

    Há sempre formas para “justificar” estas atitudes da Ordem dos Médicos, incluindo que eu sou um “ista” daquilo ou daqueloutro, mesmo não sendo verdade, mas procurando que os outros pensem que seja. Temos visto isso mesmo, nos últimos dois anos, e mesmo no meio jornalístico.

    Ora, para mim, queira-se ver isto da perspectiva que se queira, é pura tentativa de silenciamento, intolerável numa democracia, da Liberdade de Imprensa. Estamos perante um ataque à liberdade de expressão, estamos perante uma soez ofensiva aos direitos a uma imprensa independente, consagrada na Constituição da República.

    Não é pouco, sendo feita por uma ordem profissional representativa de uma classe prestigiada como são os médicos; e executada por advogados.

    Primeira página do ofício em nome da Ordem dos Médicos enviado à CADA (ver aqui o texto integral)

    No ofício desta sociedade – A. de Freitas Gomes e Inês Folhadela Sociedade de Advogados R. L. – enviado à CADA, além da acusação de eu estar, “desde há vários meses”, a “adotar um comportamento suscetível de integrar a prática de crimes para com a Ordem dos Médicos, o Bastonário Dr. Miguel Guimarães e alguns dos Médicos seus membros” – mas não identificando as normas do Código Penal que estarei a violar –, o advogado signatário (de assinatura ilegível) insinua sistematicamente de eu estar a agir com interesses inconfessáveis, e mesmo de pretender “instrumentalizar a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para atingir os [meus] objectivos”.

    E insinua também sistematicamente de eu mentir e de usurpar funções de jornalista, solicitando mesmo que a CADA “se digne oficiar a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para informar a partir de que data, no presente ano [2021], o Sr. Pedro Almeida Vieira ‘recuperou’ a sua carteira profissional de jornalista”.

    Além disso, fazendo sistematicamente alusões desrespeitosas às minhas legítimas pressões num Estado de Direito e democrático para obtenção de documentos de carácter público – que a Ordem dos Médicos continua sem facultar, mesmo após parecer favorável da CADA às minhas pretensões –, a dita sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos requereu também à CADA que considerasse “abusivos os pedidos formulados pelo Sr. Pedro Almeida Vieira”.

    Ou seja, a Ordem dos Médicos pretendeu que eu, como cidadão e jornalista, e por decisão da CADA, ficasse excluído de exercer direitos como jornalista e como cidadão, de poder solicitar informação e documentos à Ordem presidida pelo Sr. Miguel Guimarães.

    O ofício da sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos também expõe os apelos que fui fazendo, nas redes sociais, ao apoio financeiro necessário à criação e consolidação do PÁGINA UM, numa lamentável tentativa de depreciar o meu trabalho e de menorizar a minha independência e rigor.

    Não tenho muitos comentários a fazer nesta matéria, mas não posso deixar de fazer duas breves considerações.

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    Primeiro: pessoalmente, já recebi telefonemas de empresas de marketing a trabalhar para jornais nacionais (e.g., Público e Expresso), tentando convencer-me a fazer uma assinatura ou a renovar assinaturas outrora por mim anuladas, e considero isso legítimo; e, neste contexto, não tenho memória da Ordem dos Médicos andar a criticar estratégias de comunicação, nem me parece que, entre as suas competências, ou atributos do Sr. Miguel Guimarães, se incluam a análise de estratégias comerciais de entidades, como o PÁGINA UM, registadas na Entidade Reguladora da Comunicação Social. Sempre poderei acrescentar que o PÁGINA UM opta por fazer apelos ao apoio financeiro dos leitores para, desse modo, não ter de recorrer a publicidade institucional ou privada, por considerar que poderiam condicionar a acção. São opções legítimas.

    Segundo: faço notar que a Ordem dos Médicos, sendo uma associação profissional, está porém isenta de pedir apoios, de forma pública ou privadas, aos seus sócios para funcionar, porquanto, por imperativos legais, os seus sócios apenas podem exercer a profissão de médico se pagarem as devidas quotas.

    Este ofício em nome da Ordem dos Médicos , e no decurso de uma investigação jornalística, constitui mais uma prova de uma degradação do sistema democrático em Portugal, de uma inusitada mudança no paradigma das relações entre as instituições e a imprensa independente – que nunca foi popular, quando se pretende exercer um “jornalismo incómodo, irritante para os poderes, denunciador de injustiças, comprometido apenas com a verdade” (palavas minhas, destacadas pela sociedade de advogados a mando da Ordem dos Médicos como se fosse um “crime”).

    Antes, as pressões existiam, mas eram mais discretas e mantinham-se as relações cordiais. As instituições compreendiam o papel incómodo, mas essencial, do jornalismo. Agora, pessoas como o Sr. Miguel Guimarães não apenas não gostam de uma imprensa livre e de jornalistas independentes como mostram as pressões de forma clara, impetuosa, agressiva, ameaçadora, numa evidente tentativa de limitar e condicionar direitos da imprensa.

    Querem calar-me e não escondem já as suas intenções.

    Veja-se: perante um mero pedido de consulta de documentos administrativos à Ordem dos Médicos sobre um inédito donativo de 380.000 euros de uma farmacêutica para uma campanha que angariou 1,4 milhões de euros, e da qual não se conhecem documentos da sua gestão, aquilo que a sociedade de advogados diz à CADA é que o “Sr. Pedro Almeida Vieira age deliberadamente contra a Ordem dos Médicos, o Bastonário, alguns Médicos, e agora também, o Chefe de Gabinete, o que justifica que, quer a Ordem dos Médicos, quer todas as demais pessoas, não tenham que continuar a sujeitar-se a serem espezinhadas ou vilipendiadas na página do Facebook do Sr. Pedro Almeida Vieira que, quanto mais não seja, sempre poderia obstar a que comentários ofensivos do bom nome, honra e reputação das pessoas, fossem objeto das afirmações que lhes são dirigidas”.

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    Faço, entretanto, notar que, como se pode confirmar AQUI (printscreen da extranet da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista), a minha carteira profissional foi revalidada com efeitos a partir de 16 de Setembro de 2021. Nunca antes dessa data, e posteriormente a 28 de Abril de 2011, quando solicitei suspensão temporária da actividade (que nem sequer seria necessário, porque tinha mais de 10 anos de profissão de jornalista, podendo assim mantê-la para todos os efeitos), fiz uso desse título em qualquer contacto pessoal ou institucional. Comecei a minha actividade jornalística em 1995, e tenho carteira profissional desde 1996, e tenho mais de 15 anos de profissão, conforme pode ser confirmado AQUI.

    Por todos estes motivos, e por ser orquestrado por uma instituição como a Ordem dos Médicos, e por ser executada por advogados – que têm o dever de conhecer e reconhecer leis e direitos constitucionais, e devem assumir que não vale tudo para defender os seus clientes –, enderecei uma participação à Ordem dos Advogados para as diligências consideradas pertinentes.

    Enderecei também uma carta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, à Provedoria da Justiça, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e ao Sindicato dos Jornalistas para as diligências que considerarem pertinentes.

    E faço, obviamente, esta publicação. E esta denúncia

  • Como os jornalistas podem acabar com manifestações e com a democracia, e eu não quero

    Como os jornalistas podem acabar com manifestações e com a democracia, e eu não quero


    Durante mais de duas semanas, acompanhei com detalhe, mesmo se à distância, através de vídeos, da análise das redes sociais, das notícias de todo o tipo de imprensa, as manifestações do Freedom Convoy.

    Acompanhei-as com a visão de jornalista, mas também analisando o próprio trabalho dos jornalistas, na forma como tratavam ambas as partes em confronto: os protestantes e as autoridades.

    Nem sequer vou falar muito da cobertura da imprensa mainstream portuguesa, porque dela não rezará a História – e se rezar, não será por boas razões -, mas da cobertura internacional, incluindo a canadiana.

    Os protestos, como se sabe, decorreram durante quase 20 dias num confronto sobretudo de palavras. Perante a invasão dos camionistas das ruas de Ottawa, e de outras partes do Canadá, o Governo de Justin Trudeau respondeu sempre com acusações de se estar perante uma minoria extremista e violenta.

    E a imprensa relatava, e até aqui, tudo bem. A posição de uma autoridade é, em si mesma, uma notícia.

    Porém, com honrosas excepções, jamais observei os media tentarem confrontar a validade de muitas das acusações governamentais contra os manifestantes, desde a alegada violência até à presença massiva de extremistas, passando pelas ligações a Trump ou ao QAnon, e a interesses nunca bem explicados ao estrangeiro.

    Acolhendo como completamente verídicas as acusações do Governo, que sempre recusou dialogar com os porta-vozes dos manifestantes – o que não me parece algo muito democrático num país com os pergaminhos do Canadá -, os jornalistas permitiriam sim a radicalização da postura de Justin Trudeau.

    Primeiro, pressionando a plataforma GoFundMe para suspender a angariação de fundos (mais de 1o milhões de dólares canadianos), e depois dando ideia de todos os doadores (mais de 120 mil) estivessem a proceder à lavagem de dinheiro ou a financiar actos terroristas. E, por fim, criando o cenário político e social para a implementação de uma lei de emergência, que basicamente passa por dar direitos especiais aos governantes, retirando direitos aos governados. Basicamente, suspende-se a democracia, que é o que tem estado a suceder desde Março de 2020.

    Não tenho dúvidas algumas da elevada probabilidade de existirem, no meio dos protestantes, e até de algumas das suas figuras proeminentes, algumas pessoas com ideologia pouco recomendável. Porém, vai uma grande distância entre identificar, num movimento de cidadãos pacíficos, umas quantas pessoas dessa índole – mas não as vi em actos desordeiros, nem vislumbrei imagens de violência dos manifestantes, gravadas pelas autoridades, que seriam as mais interessadas em apresentar provas desses actos – e considerar, desde logo, que estamos perante manifestantes que devem ser difamados, vilipendiados e escorraçados.

    Comecei sim, a ver, mais de duas semanas após o início dos protestos, uma violência de Estado – sim, bem sei que a pandemia alimentou os “instintos” de muitos em se castigar fisicamente quem de si discorda -, com operações policiais musculadas e com detenções apenas porque as pessoas, ali estão, a manifestar-se. E a incomodar.

    Ver-se-á, nos próximos dias, nova descarada tentativa de “criminalizar” junto da opinião pública as pessoas que vão sendo detidas, colando-as a determinadas “linhas ideológicas”, para, assim, desmobilizar os milhares e milhares de protestantes que ali estão, apenas (e já é muito) a lutarem pela sua liberdade, pela racionalidade, pela justiça, pelos seus direitos.

    Essa desmobilização será um terrível perigo, porque, a ocorrer, será um ensinamento para “governos democráticos” sobre um método eficaz de calarem manifestações futuras, quaisquer que sejam a causa e a razão. Basta que digam, e que seja essa mensagem propalada pela imprensa “amiga”, que os manifestantes são isto, e aquilo, e mais aqueloutro.

    Não quero, pessoalmente, como democrata, ver o meu direito de manifestação ou de opinião coarctado apenas porque, num determinado assunto ou movimento, está alguém que ideológica e/ou pessoalmente não merece a minha simpatia, e que em tudo resto, e em questões essenciais, se encontra nos antípodas das minhas posições.

    Por exemplo, para concretizar: durante a pandemia, não comunguei muitas opiniões, que considero infantis ou desprovidas de compostura e de Ciência, como aquelas que negavam até a existência do vírus e da doença, e o grau de gravidade em determinados grupos mais vulneráveis, mas isso jamais me impediu de contra-atacar a Narrativa Oficial baseada em manipulação de dados, na subversão dos princípios da Ciência, em alimentação de pânico e na promoção da discriminação.

    Sofri, e ainda sofro, dessa “ousadia”, e o próprio PÁGINA UM sofre e sofrerá desse lamentável estigma, que mostra mais a natureza de quem acusa do que a minha. Bem, na verdade, também mostra a minha…

    Outro exemplo: eu não quero ter de limitar a minha participação democrática se, em certo dia, num movimento contra a corrupção em que participe, estiverem presentes certos cidadãos, dos quais ideologicamente quero distância, e pessoalmente afastamento.

    Não estarei fisicamente a seu lado, mas não quero deixar de estar presente. E não quero, nem mereço, como até agora sucede, ser acusado de seguir uma certa ideologia apenas porque não concordo com certa tese oficial.

    Não devo fazer isso como cidadão, e muito menos como jornalista.

    Ainda menos como jornalista, repito.

    Não aceito, como cidadão e jornalista, e nunca aceitarei, que um Governo, seja o canadiano, seja o português, seja de outro qualquer país, me utilize, utilize jornalistas, para colar ferretes em manifestantes. Não embarco neste tipo de embarcações, ainda mais tendo a oportunidade de viver numa democracia e desejando continuar a viver numa democracia.

    A manipulação dos jornalistas, muitos deles por opção ideológica ou por ignorância ou por comodismo, é a mais grave ameaça à democracia nos países ocidentais.

    Quando um Governo acusa manifestantes de actos de extremismo e de vandalismo, tem necessariamente de apresentar provas imediatas. As palavras não bastam, até porque têm, devem ter, meios para mostrar essas provas.

    Se os jornalistas desistirem de ser os fiscalizadores da acção governativa, de fiscalização dos cidadãos que, circunstancialmente, estiverem com cargos políticos, acordarão, certo dia, numa ditadura. Numa ditadura que eles ajudaram a criar. Mostrarão então que foram sempre pequenos tiranetes. Não deixemos, por isso, que muitos deles, agora já tiranetes, andem vestidos com pelo de cordeiro, sendo lobos.