Etiqueta: Editorial

  • Da podridão e da queixa-crime do senhor juiz Sebastião Póvoas, presidente da ERC

    Da podridão e da queixa-crime do senhor juiz Sebastião Póvoas, presidente da ERC


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) anunciou esta semana a realização de sessões formativas sobre “Desinformação e fake news” e sobre “estereótipos, discurso de ódio e discriminação”, no próximo mês de Março.

    Os temas não poderiam ser mais actuais, até porque incluem tópicos que se encontram interligados, embora haja aqui algo de irónico. A desinformação, as fake news, os estereótipos, o discurso de ódio e a discriminação grassam hoje por aí, mas a ERC é uma das principais culpadas pelo regabofe, porque se demitiu do seu papel de regulação isenta, tanto mais que os estereótipos, os discursos de ódio (subliminares, é certo) e a discriminação são agora apanágio da imprensa mainstream.

    Estrada do Forte do Alto do Duque, em Lisboa, à saída das instalações da PSP onde iria, em princípio, ser constituído arguido…

    Basta olhar para o deplorável comportamento da imprensa mainstream durante a pandemia, as suas atitudes face à vacinação (sobretudo dos mais jovens) e dos efeitos adversos (anda por aí um elefante na sala que os jornalistas não querem ver nem saber), as abordagens enviesadas sobre a lamentável guerra da Ucrânia (promovendo, além disso, a russofobia como algo justificável contra qualquer cidadão daquele país e enaltecendo aos píncaros da democracia um regime ucraniano igualmente corrupto), os ataques a quem cria rupturas (veja-se o caso de Elon Musk, e a inexistência de cobertura dos #TwitterFiles), etc., etc., etc..  

    O PÁGINA UM também já levou a sua dose de efeitos adversos da desinformação, fake news, estereótipos, discurso de ódio e discriminação, tanto na imprensa como nas redes sociais (não é só a Cristina Ferreira que se queixa). Acrescem os ataques de redes sociais como o Facebook ou o Youtube, que já nos retiraram conteúdos noticiosos ou as constantes acções de shadow banning para diminuir a exposição e visibilidade do PÁGINA UM. Já sem falar nos inimigos de estimação nas redes sociais que se desunham para me enxovalhar, nem sequer se apercebendo que os seus infantis ataques são um excelente tónico para ainda fazer mais e melhor, para mais os irritar.

    Forte do Alto do Duque, sede do Divisão de Investigação Criminal da PSP de Lisboa.

    Sobre a desinformação – que deve incluir também a ausência de informação, porque, em muitos casos, o silêncio ou o silenciamento são uma forma enviesada de desinformação –, o PÁGINA UM tem procurado ser um paladino nessa luta, sobretudo da mais perniciosa de todas, a criada e fomentada pelo Estado.

    Não é por acaso que demos entrada, desde Abril do ano passado, no Tribunal Administrativo de Lisboa com 14 processos de intimação contra diversas entidades públicas exactamente pela recusa na disponibilização de dados que, hélas, serviriam para dar informação verídica aos leitores.

    Aliás, muitas destas intimações têm o exacto propósito de saber que desinformação nos têm estado a vender nos últimos anos. Mas sobre isto, a ERC – e sobretudo o seu (ainda) presidente, o juiz Sebastião Póvoas, “aos costumes tem dito nada”.

    Sobre fake news, o PÁGINA UM foi e tem sido um dos alvos desde que nasceu este projecto assente em quatro pilares: acesso livre à informação; inexistência de patrocínios, anúncios e parcerias comerciais; apoio exclusivo por donativos pessoais; e ausência de temas tabu como garante de independência. O ataque começou logo nos primeiros dias, em Dezembro de 2021, com uma ignóbil “notícia” da CNN Portugal, seguida por outra imprensa mainstream (Público, Observador, Lusa, Expresso, etc.), que pretendeu associar o PÁGINA UM a movimentos ditos negacionistas e de ter práticas supostamente criminosas por se ter revelado dados clínicos de crianças, dados esses anonimizados.

    Ao longo dos meses de 2022, o PÁGINA UM foi sendo sujeito ao mais absurdo bullying de que há memória na comunicação social por parte de duas entidades que deveriam proteger a imprensa livre e os jornalistas independentes: a ERC e a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (CCPJ). A primeira entidade (ERC) chegou mesmo a fazer dois comunicados de imprensa contra mim apenas por ela própria estar a incumprir a lei de acesso a documentos, como aliás concluíram pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Mas a fake news de que eu andava a “insultar os membros do Conselho Regulador [da ERC] e a exercer coação sobre os funcionários” ficou, para quem ainda quiser vasculhar, pela Internet.

    Padrão dos Descobrimentos

    De igual modo, tanto a ERC como a CCPJ tudo tentaram para que as notícias caluniosas sobre o PÁGINA UM em Dezembro de 2021 não tivessem “rectificação”, através de direito de resposta. A ERC ainda conseguiu libertar o Expresso e a Lusa (através de uma manhosa deliberação), não conseguiu nos casos mais evidentes da CNN Portugal, Observador e Público, mesmo se, neste último caso, o jornal do Grupo Sonae tenha ido até ao limite do absurdo com uma providência cautelar chumbada.

    Não satisfeitas, tanto uma como outra destas entidades reguladores (ERC e CCPJ), ao invés de intentarem processos por desinformação e falhas deontológicas graves da imprensa mainstream – incluindo parcerias pouco ortodoxas com empresas que prostituem o jornalismo (há uma lista de 56 contratos suspeitos na ERC a aguardar comentário e acção do regulador desde Maio do ano passado) –, lançaram-se numa campanha de apoio a quem o PÁGINA UM denunciava.

    Exemplos disso são os dois vergonhosos pareceres que as duas entidades ofereceram ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia a censurar o trabalho de investigação do PÁGINA UM. No caso da CCPJ, o parecer aparentemente nunca antes fora feito a visar outro qualquer jornalista.

    Sede do Público

    E também recentemente surgiu novo processo na ERC, por via de uma queixa de alguém cuja identidade o regulador esconde, por causa de notícias em redor da campanha de vacinação de médicos não-prioritários em Fevereiro do ano passado, e que envolve o então líder da task force, o actual chefe de Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo. Note-se que ambos os casos denunciados pelo PÁGINA UM originaram processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    Sei estar em curso, contra o PÁGINA UM, aquilo que se denomina SLAPP, acrónimo de Strategic Lawsuit Against Public Participation, uma estratégia que consiste na apresentação de queixas judiciais por dá cá esta palha apenas com o intuito de obrigar a uma dispersão de tempo e recursos, ou mesmo da constituição de provisões para supostas indemnizações que asfixiam contabilisticamente uma empresa jornalística independente.

    Ainda na passada sexta-feira, lá tive eu de subir ao Forte do Alto do Duque, para os lados de Monsanto, porque o senhor presidente da ERC não apreciou um escrito de 10 de Março do ano passado – que, entre outras verdades, dizia que o Conselho Regulador tinha deliberadamente analisado um caso “por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos” – e meteu-me um processo por difamação.

    Estas fotografias foram tiradas no regresso ao PÁGINA UM, na passada sexta-feira, após a ida à PSP. A tarde estava bonita e decidi pegar numa bicicleta eléctrica e seguir zona ribeirinha desde Belém até ao Cais do Sodré.

    Usando, claro, dinheiros públicos, porque quem paga aos advogados que fazem a queixa e aos funcionários judiciais e de investigação que a processam não é o senhor Sebastião Póvoas. Somos todos nós. Ainda mais debalde, lá fui e saí: o senhor presidente da ERC afinal desistira da queixa apenas dois dias antes, talvez acossado por mais uma sua diatribe na sua já penosa travessia deste mandato do regulador dos media.

    Há notícias que mais casos virão. São os ossos do ofício. Por isso, se por vezes não conseguimos fazer mais, não é por preguiça; é porque estamos na podridão de um pantanal, promovido em grande parte por aqueles que até andam sempre a falar contra a desinformação, contra as “fake news”, contra os estereótipos, contra os discurso de ódio e contra a discriminação, e sempre com o Credo na boca, mas que, por detrás do pano, afiam facas contra a imprensa livre e incómoda.

  • Correio da Manhã, bem-vindo ao (nosso) Clube contra o Obscurantismo do Estado

    Correio da Manhã, bem-vindo ao (nosso) Clube contra o Obscurantismo do Estado


    Hoje, o Correio da Manhã faz manchete com o título “Governo esconde pensões dos políticos”. Em causa está a recusa da ministra da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações (CGA) de permitir o acesso aos documentos administrativos que contenham os valores reais das pensões mensais vitalícias pagas a 298 beneficiários.

    O Correio da Manhã, após a recusa governamental, recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) que, em parecer de 14 de Dezembro passado, concluiu que no que “diz respeito ao acesso ao valor atual das subvenções mensais vitalícias, trata-se de informação que não é de acesso reservado, na esteira do que foi afirmado no Parecer n.º 217/2016 [na verdade, é o Parecer nº 472/2016] , em que a CADA subsumiu o acesso à subvenção mensal vitalícia à doutrina aplicada a vencimentos, ajudas de custo, despesas de representação e outros suplementos remuneratórios e de apoio social auferidos pelo exercício de funções públicas, que “[p]or serem pagos com dinheiros públicos e em obediência a critérios legais objetivos, não têm qualquer caráter reservado”.

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    Mas, mesmo assim, o Governo continuou a recusar.

    O mais surpreendente disto não é a recusa governamental.

    Na verdade, o mais surpreendente é o Correio da Manhã – e os outros jornais que fizeram eco desta recusa – só agora terem acordado para um Estado obscurantista, que engloba não apenas o Governo como a Administração Pública e mesmo instâncias judiciais.

    Os leitores e apoiantes do PÁGINA UM sabem, desde o nosso início, a quantidade enorme – mais de uma dezena em poucos meses – de pareceres favoráveis que obtivemos da CADA face a recusas de acesso a documentos administrativos.

    O primeiro caso, por sinal, foi para aceder ao inquérito da distribuição da Operação Marquês por parte do Conselho Superior da Magistratura, que continuou a ser recusada, e mesmo tendo perdido na primeira instância no Tribunal Administrativo de Lisboa recorreu, aguardando-se ainda o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul.

    Sobre recusas da Direcção-Geral da Saúde e de outras entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, como o Infarmed, foram também incontáveis os pedidos de parecer que fizemos à CADA por recusa de acesso a documentos.

    Contudo, não me recordo de nenhum parecer favorável da CADA que tenha desbloqueado a recusa de acesso. Todos foram ignorados. A CADA é uma entidade presidida por um juiz conselheiro e tem membros indicados pela Assembleia da República, Ordem dos Advogados e Governos regionais da Madeira e dos Açores. Mas isso pouco incomoda.

    A título de exemplo, recordemos a recusa do Infarmed em fornecer o acesso ao Portal RAM das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o remdesivir. Em Março de 2022 – há quase um ano –, o PÁGINA UM obteve um parecer da CADA que chegava a considerar que “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina é, por conseguinte, manifesto”. E instava assim o regulador dos medicamentos a fornecer os elementos convenientemente anonimizados. Foi isso que aconteceu? Não. E o caso está ainda numa renhida luta no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Foram tantos os pareceres da CADA, obtidos pelo PÁGINA UM mas ignorados pelas entidades públicas, que mudámos de estratégia: perante um Estado e um Governo claramente obscurantistas – e que já incluem mesmo instituições universitárias, como se viu recentemente com o Instituto Superior Técnico –, a solução passou por, face à recusa inicial, seguir imediata intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Se o parecer da CADA – uma instituição que está associada à Assembleia da República – continua a ser não-vinculativo e ignorado pelas entidades públicas, acaba assim por ser uma inutilidade. Daí essa mudança de estratégia.

    Nos últimos seis processos de intimação do PÁGINA UM – contra a Administração Central do Sistema de Saúde, Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Banco de Portugal, Instituto Superior Técnico, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e Ministério da Saúde (para obtenção dos contratos das vacinas contra a covid-19) – já nem sequer pedimos parecer à CADA. Prescindimos de vitórias de Pirro e de ver entidades públicas a gozarem o pagode na chafurdice do obscurantismo em que botaram a nossa democracia.

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    Assim, com a recusa da ministra da Segurança Social em fornecer ao Correio da Manhã os documentos sobre os políticos beneficiários da subvenção mensal vitalícia, esperamos que este jornal – que tem muitas mais posses do que o PÁGINA UM – se junte na luta contra este obscurantismo.

    Estamos numa fase em que já não basta só denunciar na imprensa. A boa imprensa tem de ir mais longe, e recorrer aos tribunais para salvar a democracia de pessoas que nos querem sonegar o direito de saber o que se passa na res publica.

    Mas se for intenção do Correio da Manhã, e da sua proprietária (Cofina), ficar só pela denúncia, avisem-nos: o PÁGINA UM terá todo o prazer, e coragem, com a ajuda dos nossos leitores, através do FUNDO JURÍDICO, apresentar mais uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Seria a nossa 15ª desde Abril do ano passado – é que já andamos a fazer o tipo de denúncias, que hoje foi manchete do Correio da Manhã, há muitos meses, e mesmo se a imprensa mainstream tenha mantido um incessante silêncio a este respeito. E temos já um bom punhado de vitórias alcançadas em prol da democracia.

  • Contratos ou a morte da Democracia, oferecida em holocausto (no sentido bíblico) às Farmacêuticas

    Contratos ou a morte da Democracia, oferecida em holocausto (no sentido bíblico) às Farmacêuticas


    Nas primeiras fases da pandemia criou-se o mito que todos íamos (ou podíamos) morrer.

    Depois, fizeram-nos crer que, por artes da Ciência, as maravilhosas farmacêuticas – que já o eram antes, e não estou a ser irónico, porque efectivamente foram concedendo anos de vida às últimas gerações – tinham criado um Santa Maná (vacinas) que, não ressuscitando mortos, salvavam os vivos da perdição.

    E foi tudo a eito, independentemente da leges artis, do princípio da prudência, dos princípios éticos. A urgência de supostamente nos salvarem a todos (mesmo àqueles grupos que não precisavam de ser salvos porque nunca estiveram em perigo) colocou a Democracia em suspenso. Pior: foi amordaçada.

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    E, em seguida, colocadas as Farmacêuticas em andores, para serem veneradas, se impôs um dogmático silêncio. Ah! herege de uma figa, como ousas questionar o preço de uma vida que pode ser salva por uma vacina? E se houver negócios e negociatas? E trampolinices e intrujices entre os queridos políticos e as farmacêuticas?

    Cala-te, evitaram o fim da Humanidade…

    [… à enésima pandemia]

    Portanto, foi isto que sucedeu…

    Que nos sucedeu.

    Que sucedeu à Democracia por conta da pandemia.

    Foi vendida. Foi oferecida em holocausto, no sentido bíblico do termo, como oferenda de sacrifício e devoção, ao Deus da Farmácia – às Farmacêuticas.

    Última página das alegações do Ministério da Saúde considerando que basta a consulta do site da Comissão Europeia para conhecer informações sobre as condições de compra de vacinas contra a covid-19 pelo Estado português.

    Que Democracia é esta quando se pede acesso a contratos com dinheiros públicos, e o Ministério da Saúde – e um Governo de um país com quase nove séculos de existência e quase meio século depois da saída de uma ditadura – responde que não os dá?

    E não apenas por alegadamente estar em curso uma conveniente auditoria (que parece desculpa), mas sobretudo porque tudo foi feito pela Comissão Europeia, burocrática instituição, nunca eleita pelos cidadãos dos diversos países.

    Que contratos são esses das vacinas contra a covid-19 assinados pela Comissão Europeia? O Ministério da Saúde português remete para um site específico de transparência da Comissão Europeia, e assume mesmo nas suas alegações perante o Tribunal Administrativo de Lisboa que é o suficiente, que está lá tudo aquilo que um cidadão e um jornalista merecem saber.

    Será?

    Vejamos.

    O primeiro contrato assinado em Janeiro de 2021 (SANTE/2020/C3/043) com a BioNTech-Pfizer tem 104 páginas. Destas, 44 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 46 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 14 páginas (13,5% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O segundo contrato com estas duas farmacêuticas foi assinado em Fevereiro de 2021 (SANTE/2021/C3/005) tem 90 páginas. Destas, 44 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 32 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 14 páginas (15,6% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    Existe ainda um anexo aos contratos (SANTE/2021/03/020) com 77 páginas. Destas, 45 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 17 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 10 páginas (13,0% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    Página 15 do primeiro contrato assinado em Janeiro de 2021 (SANTE/2020/C3/043) entre a Comissão Europeia e a BioNTech-Pfizer

    O primeiro contrato com a Moderna (SANTE/2020/C3/054), assinado em Dezembro de 2020, tem 70 páginas. Destas, 49 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 8 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 13 páginas (18,6% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O segundo contrato com a Moderna (SANTE/2021/C3/010), assinado em Fevereiro de 2021, tem 66 páginas. Destas, 48 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 7 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 11 páginas (22,9% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a Johnson & Johnson (SANTE/2020/C3/047), assinado em Outubro de 2020, tem 72 páginas. Destas, 38 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há ainda 1 página completamente sombreada a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 33 páginas (45,8% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a AstraZeneca, assinado em data incerta, tem 41 páginas. Destas, 24 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Somente em 17 páginas (41,5% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a CureVac (SANTE/2020/C3/049), assinado em data incerta, tem 67 páginas. Destas, 30 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 18 páginas completamente sombreada a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 19 páginas (28,4% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Página 4 do contrato entre a Comissão Europeia e a AstraZeneca,

    Ainda vivemos em democracia?

    O contrato com a Sanofi e GlaxoSmithKline (SANTE/2020/C3/042), assinado em Setembro de 2020, tem 63 páginas. Destas, 27 páginas estão truncadas em partes variáveis (por vezes em mais de 90% do texto). Há 12 páginas completamente sombreadas a cinzento, tapando todas as palavras. Somente em 24 páginas (38,1% do total) se conhece o conteúdo integral. Entende-se o contrato? Não.

    Ainda vivemos em democracia?

    Cansada de tapar vergonhosamente as páginas com sombreados a cinzento ou a negro, recentemente a Comissão Europeia alterou o método, retirando simplesmente os trechos e substituindo-os por três asteriscos (***), tendo no início do contrato disponível ao público a seguinte referência:

    CERTAIN INFORMATION IDENTIFIED WITH [***] HAS BEEN EXCLUDED FROM THIS EXHIBIT BECAUSE IT IS BOTH (I) NOT MATERIAL AND (II) IS THE TYPE THAT THE REGISTRANT TREATS AS PRIVATE OR CONFIDENTIAL.

    [certas informações identificadas com (***) foram excluídas deste anexo porque são (i) não materiais e (ii) são do tipo que se trata de informação particular ou confidencial.]

    Deste modo, o obscurantismo faz-se de uma forma mais pulha: a censura não é tão chocantemente visível, e por isso mesmo mais perniciosa.

    Assim, o contrato com a Novavax, em data incerta, tem 78 páginas, das quais 57 páginas com asteriscos, significando assim que somente 21 páginas (26,9% do total) não terão sido alvo de cortes.

    Ainda vivemos em democracia?

    Como chegámos aqui?

    Como recuperamos a Democracia? Ou já desistimos de viver em Liberdade?

  • Caso Gouveia e Melo: carta aberta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social a pretexto de mais um procedimento oficioso contra o PÁGINA UM por um queixoso escondido

    Caso Gouveia e Melo: carta aberta à Entidade Reguladora para a Comunicação Social a pretexto de mais um procedimento oficioso contra o PÁGINA UM por um queixoso escondido


    Exmo. Senhor Presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC),

    Juiz Conselheiro Sebastião Póvoas:

    Recebi esta tarde uma comunicação da Directora do Departamento de Análise de Media da ERC, comunicando-me ter V. Exa., como Presidente do Conselho Regulador, decidido a abertura de um procedimento oficioso por causa da notícia do PÁGINA UM intitulada “Gouveia e Melo ‘mercadejou’ administração de vacinas a médicos não prioritários uma semana após tomar posse na task force”, alvo de uma participação de alguém que os documentos que me foram enviados não identifica. Deduz-se, porém, quem seja.

    No ofício da ERC refere-se que os “factos alegados” pela tal pessoa não identificada “podem, eventualmente, colocar em acusa o dever de rigor informativo (..) do Estatuto do Jornalista”.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Uma semana após a tomada de posse, começou logo a fazer aquilo que prometera não permitir: vacinações à margem das prioridades definidas pela DGS, conforme investigação do PÁGINA UM publicada em 12 de Dezembro passado, após acesso a documentos administrativos na posse da Ordem dos Médicos, por determinação de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Não diz a ERC, porém, quais os aspectos em concreto em que posso não ter sido rigoroso. A ERC parte para um procedimento oficioso sem que o seu “alvo” saiba sequer em concreto quais as eventuais falhas em termos de rigor informativo que tenha cometido.

    Por esse motivo, deveria ter sido remetido o conteúdo integral da participação, incluindo o seu autor, porque isso pode determinar os argumentos da minha, enfim, defesa.

    Por exemplo, o queixoso pode até ignorar que o artigo possui uma hiperligação para os e-mails consultados pelo PÁGINA UM na Ordem dos Médicos, no decurso de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, e que consubstanciam tudo o que se encontra relatado na notícia em causa.

    Ou pode também o ignoto queixoso desconhecer (ou não) que o PÁGINA UM remeteu, por duas vezes, perguntas ao senhor Ministro da Saúde sobre as matérias referidas: primeira vez, no dia 5 de Dezembro passado; segunda vez, uma semana depois, em 12 de Dezembro, no próprio dia da publicação do artigo em causa.

    Primeira página do ofício da ERC comunicando a abertura de um procedimento oficioso.

    Pode também o escondido queixoso ignorar que houve uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que possibilitou o acesso à totalidade dos documentos de uma campanha supostamente organizada pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, e que portanto se teve acesso a toda a documentação envolvendo o processo de vacinação de médicos à margem das normas à data existente (Norma 002/2021).

    Na altura do acordo, em Fevereiro de 2021, e que efectivamente envolveu um pagamento ao Hospital das Forças Armadas, os médicos vacinados durante este expediente não estavam integrados nos grupos prioritários da Fase 1, que apenas incluíam “profissionais de saúde diretamente envolvidos na prestação de cuidados da doentes”, bem como aqueles que estivessem a prestar serviços em Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (vulgo, lares de idosos) e Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

    E pode até também o obscuro queixoso ignorar todos os contactos que o PÁGINA UM estabeleceu ou tentou estabelecer.

    Como saberá, a task force é uma estrutura criada por um simples despacho, sem qualquer autonomia própria, dependente do Ministério da Saúde, uma vez que as atribuições concedidas ao “núcleo de coordenação” estavam sempre sob a liderança da Direcção-Geral da Saúde (DGS), Infarmed, Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS). Basta saber ler o artigo 4º do Despacho nº 11737/2020, de 26 de Novembro.

    E portanto, ainda mais havendo documentos que comprovam o que se escreveu, como jornalista tinha e tenho a liberdade de definir como conduzir uma investigação jornalística, se deve esta ser acompanhada por declarações e, nesse caso, quem são os responsáveis dentro de uma estrutura administrativa do Estado que devo auscultar.

    Entre um responsável de uma “estrutura de missão” (sem autonomia, mesmo se circunstancialmente ocupada por alguém mediaticamente conhecido) e o ministro da Saúde – que tutela todas as cinco entidades públicas com papel de liderança elencada no despacho (DGS, Infarmed, INSA, ACSS e SPMS), optei por colocar as questões ao ministro.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, foi questionado por duas vezes durante a investigação do PÁGINA UM. Nunca respondeu.

    E optei, hélas, sem ouvir ninguém nem pedir autorização a ninguém. Nem sequer ao director do PÁGINA UM, porque se dá a circunstância de ser eu próprio o director. Nem sequer a um accionista ou sócio, porque se dá a circunstância de o PÁGINA UM ser gerido por uma sociedade por quotas da qual sou detentor maioritário. Nem sequer um anunciante, porque se dá a circunstância se não termos publicidade nem nenhuma parceria comercial.

    Enfim, opções…

    Ora, mas sempre direi agora a V. Exa. que não ponderei efectivamente solicitar uma consulta prévia à ERC, e em particular a V. Exa., para saber quem deveria ouvir para a elaboração do citado artigo de investigação jornalística.

    Em todo o caso, deduzi que, colocadas as questões ao senhor ministro da Saúde, se o senhor ministro da Saúde achasse que as questões deveriam ser colocadas antes ao senhor almirante Gouveia e Melo (que já nem sequer estava na task force), então deveria ter-me sugerido essa “solução”.

    Investigação do PÁGINA UM prova que houve contrapartidas financeiras para o Hospital das Forças Armadas para serem liberadas vacinas para médicos não integrados no grupo prioritário pela Norma 002/2021 então em vigor.

    E eu teria então, mesmo assim, a liberdade de decidir se haveria de contactar ou não o senhor almirante. Porém, o senhor ministro da Saúde não só não fez nenhuma sugestão como nem sequer se dignou responder a um conjunto de questões do PÁGINA UM. Aliás, a identificação do queixoso que fez a participação à ERC mostra-se pertinente também por aqui: não vá dar-se o caso de ter saído do Ministério da Saúde. Ou da Ordem dos Médicos. Ou da própria ERC… Who knows?!

    Mas, obviamente, esta é a minha opinião de jornalista; ou diria mesmo, a convicção de jornalista, de que, no quadro de uma imprensa rigorosa, existe liberdade para se recolher prova documental – mesmo que se tenha de recorrer ao Tribunal para alcançar esse desiderato, por não ser possível outra forma mais “pacífica” e cordial num Estado democrático que se esperava transparente –, considerá-la mais relevante do que uma opinião, interpretar os factos e os documentos em causa, obter reacções de quem acha relevantes… E depois de tudo isto, e muito mais – que não convém revelar, para manter o sigilo das regras de um bom jornalismo investigativo –, expor tudo de uma forma clara e incisiva perante os leitores. Não esquecendo as provas documentais.

    Contudo, com mais esta participação acolhida por V. Exa. de braços abertos, concedo a possibilidade da existência de uma cartilha da ERC dispondo de critérios e algoritmos a seguir por escribas bem-comportados para a feitura de notícias fofinhas.

    Dir-lhe-ia que, existindo a cartilha, prescindo da dita. Mesmo se, com isso, seja por demais evidente que venha a ter mais uma censura por parte do Conselho Regulador da ERC sobre o rigor do PÁGINA UM. Estou pronto, desta vez, para emoldurar a deliberação censória como sinal de eu estar no bom caminho.

    Cumprimentos.

    Pedro Almeida Vieira

    Director do PÁGINA UM

  • Da hipocrisia ou da falta da dita

    Da hipocrisia ou da falta da dita


    O Expresso fez 50 anos. Deveria ter felicitado o jornal, onde até colaborei durante cerca de sete anos, quatro dos quais de uma forma muito intensa (devo ter escrito cerca de meio milhar de artigos).

    Não o fiz, porque não sou hipócrita.

    O Expresso foi um dos jornais que, no final de Dezembro de 2021, participou activamente numa campanha para decepar à nascença a credibilidade do PÁGINA UM e a minha credibilidade, apenas por seguir uma linha de pensamento e de intervenção jornalística contrária ao regime sobre a pandemia.

    Enquanto o PÁGINA UM exigia informação; jornais instalados, como o vetusto Expresso, seguiram a narrativa. Acriticamente. Não fez jus ao papel do jornalismo em tempos difíceis. Isento e crítico.

    O galardão da Ordem da Liberdade que recebeu na sexta-feira passada é, na verdade, um prémio pelo servilismo dos últimos anos.

    Em todo o caso, concordo com uma frase do actual director do Expresso: ”É preciso pagar pela informação de qualidade”.

    Mas como a frase foi dita num evento patrocinado pela Altice, BPI, Hyundai e Navigator (nem num aniversário o marketing dos media mainstream descansa), não sei se, para João Vieira Pereira (director do Expresso), a qualidade da informação é conceito a ser avaliado pelos anunciantes e patrocinadores ou pelos leitores.

  • Fundo Jurídico e a luta de um David contra os Golias: o balanço de 2022 e um alerta sob a forma de apelo

    Fundo Jurídico e a luta de um David contra os Golias: o balanço de 2022 e um alerta sob a forma de apelo


    Desde a sua fundação, o PÁGINA UM quis mostrar que não era apenas mais um jornal. Mesmo com parcos meios, tomámos a decisão de pressionar as entidades públicas a disponibilizarem informação e procurámos quebrar o manto de obscurantismo que a Administração da república foi criando, perante a passividade da imprensa mainstream.

    Não há memória de um jornal, antes do PÁGINA UM, que tivesse solicitado tantos pareceres à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) como fizemos desde finais de 2021.

    No entanto, apercebemo-nos que os pareceres não-vinculativos não bastavam. As entidades públicas (ou melhor, as pessoas que as lideram, incluindo políticos) estão a marimbar-se para a CADA e para a transparência.

    Por isso, tomámos a resolução de criar o FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, em Abril do ano passado, logo que reunimos as condições para ter o patrocínio do Dr. Rui Amores, como advogado do PÁGINA UM – e em condições excepcionalmente especiais.

    Nos últimos nove meses, graças aos leitores do PÁGINA UM, conseguimos “revolucionar” a luta contra o obscurantismo reinante, e mesmo com parcos meios dirigimo-nos ao último reduto de um sistema democrático que não funciona: entrámos com processos de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Em oito meses, entrámos com 14 processos de intimação para acesso a documentos administrativos, sempre também invocando, além da legislação neste sector, o papel fundamental da imprensa e o direito de acesso à informação. Não receámos consequências nem tivemos contemplações, fosse qual fosse a entidade envolvida que nos recusasse acesso a documentos.

    brown wooden stand with black background

    Como saldo, por agora, das nossas acções, tivemos:

    • Duas vitórias definitivas, já transitadas em julgado (Inspecção-Geral das Actividades em Saúde; e Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos).
    • Cinco vitórias em primeira instância (Conselho Superior da Magistratura; Ordem dos Médicos; Ministério da Saúde; Administração Central do Sistema de Saúde; Entidade Reguladora para a Comunicação Social), que se encontram em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul. No caso do processo do Ministério da Saúde, relativo ao acesso à base de dados e outros documentos, foi o PÁGINA UM que recorreu por lhe ter sido concedida apenas razão parcialmente.
    • Quatro processos em curso no Tribunal Administrativo de Lisboa (Infarmed; Instituto Superior Técnico; Comissão da Carteira Profissional de Jornalista; e Ministério da Saúde).
    • Duas derrotas em primeira instância (Banco de Portugal e Ministério da Saúde), com recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul.
    • Uma derrota definitiva, com acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, relativo ao processo contra o Infarmed para acesso à correspondência com a Agência Europeia do Medicamento.

    O PÁGINA UM esteve ainda envolvido em providências cautelares, tendo vencido um dos casos (Público), encontrando-se o outro (envolvendo a Entidade Reguladora para a Comunicação Social) em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul.

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    Além do trabalho extraordinário do Dr. Rui Amores – que envolve não apenas as petições iniciais, mas sobretudo uma quantidade imensa de requerimentos, alegações e contra-alegações –, quase sempre contra sociedade de advogados pagos principescamente, esta ciclópica luta do PÁGINA UM em prol da transparência da Administração Pública só foi possível com o extraordinário apoio dos nossos leitores.

    Desde Abril do ano passado – portanto, em cerca de nove meses – recolhemos, em termos líquidos (descontadas as comissões da plataforma MightyCause), um total de 12.642,90 euros que serviram assim para suportar as custas dos 14 processos de intimação e das duas providências cautelares, bem como diversos e modestos gastos de representação. Em termos de receitas, acresce os recebimentos de partes das despesas processuais em processos ganhos (1.300,50 euros).

    Os encargos inerentes a estes processos são enormes. Apenas em taxas de justiça são 306 euros pela entrada do processo, a que acresce similar valor em caso de recurso, mesmo que tenhamos ganhado na primeira instância.

    Em processos que saíamos vencedores, além da documentação, podemos ser ressarcidos em parte das despesas. Mas se perdermos – como já sucedeu num processo contra o Infarmed, que acabou por mostrar que o “segredo comercial” das farmacêuticas vale mais do que a Saúde Pública –, acrescem mais despesas para o PÁGINA UM. Por exemplo, se somarmos as taxas de justiça e as custas processuais desse processo perdido, as despesas do PÁGINA UM aproximaram-se dos 1.500 euros.

    Neste momento, o balanço contabilístico do FUNDO JURÍDICO é de 1.067,87 euros no final de 2022. Podem consultar AQUI a discriminação das receitas e despesas, e também AQUI a discriminação das transferências líquidas da plataforma MightyCause.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Sobre o balanço daquilo que já fizemos com estes processos – grande parte ainda em curso – em prol da transparência da Administração Pública e em defesa de uma plena democracia, devem ser os leitores a avaliar.

    Em todo o caso, o actual balanço contabilístico do FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM – com um saldo pouco superior a 1.000 euros no final do ano de 2022– está a condicionar fortemente as acções futuras junto dos tribunais, sobretudo pela morosidade das decisões que nem sequer permitem que haja ressarcimento das taxas de justiça.

    Nessa medida, este Editorial, além de servir para prestar contas, constitui um apelo de cidadania. O jornalismo do PÁGINA UM, e a sua função cívica, ainda mais conflituando com poderes instalados, só tem uma possibilidade de vingar: com o apoio efectivo dos leitores.


    Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt. A gestão das verbas do FUNDO JURÍDICO, ao contrário das verbas destinadas à actividade do jornal (geridas pela Página Um, Lda.), é da minha inteira responsabilidade, de modo a serem consideradas donativos (e não receitas ou rendimentos), o que se mostra mais favorável contabilisticamente para o jornal.

  • Os falsos jornalistas sobre as verdadeiras urgências

    Os falsos jornalistas sobre as verdadeiras urgências


    Começa a ser escandalosa a qualidade do jornalismo mainstream português. E, aliás, não surpreende por isso que a redação da RTP tenha elegido António Costa como Figura do Ano.

    Pois bem: na RTP justifica-se os tempos de espera no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, por via de “falsas urgências”. Ou seja, a “culpa” é das pessoas que, por um resfriado ou maleita fútil, entopem os hospitais, e isto só para complicarem a vida do senhor Costa e do senhor Pizarro.

    Ao jornalista da RTP que faz este tipo de fretes – e à sua direcção editorial – nem sequer vale a pena consultar dados online do Tempo de Espera que indicam que tipo de doentes estão, neste preciso momento, no Hospital de Santa Maria (e em outros). E se é verdade que aquilo está entupido por “falsos doentes”.

    Pois eu digo, daqui sentado: estão, neste preciso momento, 85 doentes nas urgências do Santa Maria. Destes, um é muito urgente e 54 urgentes, Todos estes casos clínicos são triados por profissionais de saúde (não é a opinião do doente), e não me parece que, assim, sejam “falsas urgências”.

    São pessoas, sim, com problemas de saúde a pedir intervenção rápida, que pagam impostos, mas que graças a um Governo sem prioridades tem de aguardar horas e horas a fio, porque faltam médicos, faltam enfermeiros, faltam auxiliares… só não faltam os muitos contratos chorudos com farmacêuticas, que são escondidos do público.

    Tempo de espera às 18:15 horas de 3 de Janeiro de 2023. Fonte; SNS.

    Aquilo que este tipo de jornalismo pretende é afastar as pessoas dos hospitais, mesmo quando estas apresentam sintomas graves. A ideia deste tipo de jornalismo é fazer com que as pessoas morram longe, sem incomodar um Serviço Nacional de Saúde que está um caco autêntico. O envelhecimento da população e o “descompensamento” dos últimos anos dá este tipo de porcarias.

    E jornalismo, como este da RTP, só ajuda a agravar o caos.

  • #TwitterFiles: da vergonha e da liberdade

    #TwitterFiles: da vergonha e da liberdade


    Desde o dia 2 de Dezembro, o PÁGINA UM tem acompanhado detalhadamente os #TwitterFiles, a súmula de documentos disponibilizados por Elon Musk sobre as práticas da anterior administração do Twitter sobre liberdade de expressão, propaganda e manipulação de massas.

    escrevemos 11 artigos sobre esta matéria, fazendo um esforço suplementar de acompanhamento destas revelações, através das notícias das jornalistas Elisabete Tavares e Maria Afonso Peixoto.

    Elon Musk

    A imprensa mainstream, internacional e nacional, vê o elefante na sala e nota-se o incómodo no silêncio. Consigo imaginar a sua consciência a remoer, já no vazio. É fácil ignorar uma notícia, uma investigação, uma história… Mas como conseguir isso perante uma catadupa de provas sobre interferências ao mais alto nível de instituições ditas democráticas que colidem com os mais básicos direitos e garantias de sociedades democráticas?

    Mas a imprensa conseguiu isso. Uma vez, duas vezes, já vai na casa da primeira dezena de vezes. Os jornalistas da imprensa mainstream olham e não vêem. Pior: não querem ver porque se recusam a olhar. Ou pior ainda: não querem ver porque lhes dizem que não devem olhar para ali. E muito obedientemente assim agem.

    Como jornalista, pergunto aos outros jornalistas da dita imprensa mainstream: não sentem vergonha de estarem ostensivamente a desviar os olhos de algo como os #TwitterFiles, que são apenas a ponta do icebergue de algo tenebroso que a classe jornalística deveria combater?

    white ipad on red textile

    De forma passiva, mas também activa por isso, pactuam V. Exas. com o “apagamento” das revelações, censurando assim as notícias da censura? Ignorando as manipulações feitas, “desculpando-as” no pressuposto de que os meios justificam bons fins, esquecendo que esses mesmos maus meios servem sempre maus fins?

    São vocês jornalistas? Querem que os leitores vos considerem credíveis depois disto? Têm a noção do suicídio?

    Não tenho por vós comiseração alguma: enquanto se envergonham, eu tenho um imenso orgulho no PÁGINA UM. No trabalho que fazemos. E na liberdade alcançada a pensar nos leitores. Sem a hipocrisia de ocas declarações de fé sobre independência e coisas que tais.

  • China + imprensa tablóide = obscurantismo + especulação = desinformação

    China + imprensa tablóide = obscurantismo + especulação = desinformação


    No Índice da Liberdade de Imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras (RSF), a China ocupa a 175ª posição, em 180 países, apenas à frente de Myanmar, Turquemenistão, Irão, Eritreia e Coreia do Norte.

    No seu site, a RSF salienta que a China “é a maior prisão mundial para jornalistas e o seu regime conduz uma campanha de repressão contra o jornalismo e o direito à informação em todo o Mundo”, estimando-se que estejam detidos 120 profissionais da imprensa. Além disso, o regime chinês “usa vigilância, coerção, intimidação e assédio para impedir que jornalistas independentes façam reportagens sobre questões que consideram sensíveis”. Os jornalistas independentes e mesmo autores de blogs “que se atrevam a relatar informações sensíveis são frequentemente colocados sob vigilância, perseguidos, detidos e, em alguns casos, torturados.” E ainda, “para receber e renovar suas carteiras de imprensa, os jornalistas devem baixar um aplicativo (…) que pode colectar seus dados pessoais.”

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    Portanto, sobre informação fidedigna das autoridades chinesas e sobre o que, na realidade, se passa naquele vasto território de mais de 1,4 mil milhões de habitantes, deveríamos estar conversados. Em assuntos políticos, em assuntos económicos, em assuntos sociais e… em assuntos de saúde.

    Em consequência, nos assuntos relacionados, hélas, com o SARS-CoV-2 e com a pandemia da covid-19.

    Ainda hoje, três anos após o “baptismo” do SARS-CoV-2 e da covid-19 – que terá surgido na cidade chinesa de Wuhan – desconhecemos qual a sua origem: se foi um salto zoonótico, através da passagem da doença de um outro animal para os humanos; ou se um acidente laboratorial. Por muito que a China e até a imprensa ocidental tenham sempre “preferido” a primeira hipótese, as autoridades chinesas nunca permitiram um acesso integral aos dados, e os Estados Unidos, a Organização Mundial da Saúde e os países europeus por arrasto, nunca estiveram muito interessados em desvendar o mistério.

    Atente-se, aliás, num artigo científico de um investigador italiano, Mario Coccia, publicado em Agosto passado na revista Environmental Research – e não é o único a abordar esta temática –, onde se aponta que “a probabilidade média de ocorrência de um grande desastre natural que gera em dois anos (…) mais de seis milhões de mortes no Mundo ou mais de 958.400 mortes nos Estados Unidos, como a covid-19, é infinitamente pequeno – ou seja, a probabilidade de ocorrência é um evento raro”. Na verdade, é aproximadamente 0%.

    woman in black jacket and black pants standing on gray concrete floor during daytime

    Ao invés, o mesmo investigador salienta que “muitos laboratórios e instituições, antes do surgimento do novo coronavírus, desenvolveram muitas pesquisas científicas sobre a relação entre morcegos e SARS-CoV, detectadas em uma pesquisa aprofundada no banco de dados on-line da Scopus”, acrescentando que “a nível global, desde 2005 (primeiro ano disponível na base de dados da Scopus, 2022) até 2018 (antes da emergência da COVID em 2019), existem 133 resultados documentais no tópico específico relativo a ‘Morcego e SARS-CoV’”.

    Desses estudos, atente-se, 75 foram desenvolvidos pela China (incluindo Hong Kong) e um pouco menos de meia centena nos Estados Unidos. O National Institute of Allergy and Infectious Diseases, liderado por Anthony Fauci, financiou 27 destes estudos; diversas entidades governamentais chinesas um total de 32. Nessa perspectiva, Coccia estima que a probabilidade de uma falha de biossegurança causar a saída de um vírus causador desta mortalidade é de entre 13% e 20%.

    Contudo, em Março do ano passado, a Organização Mundial de Saúde publicou um extenso documento de 120 páginas com as conclusões de uma investigação conjunta, previamente acordada, com as autoridades chinesas sobre a origem do SARS-CoV-2. E descartou logo a possibilidade de um acidente nos laboratórios existentes em Wuhan, dizendo taxativamente que é uma “hipótese extremamente improvável” [extremely unlikely pathway].

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Como argumento contra essa possibilidade explicitou-se apenas, em menos de meia página, que “não há registo de vírus intimamente relacionados ao SARS-CoV-2 em qualquer laboratório antes de Dezembro de 2019, ou genomas que em combinação poderiam fornecer um genoma SARS-CoV-2”, adiantando que “os três laboratórios em Wuhan, trabalhando com diagnóstico de coronavírus (CoVs) e/ou isolamento de CoVs e desenvolvimento de vacinas, tinham instalações de nível de biossegurança de alta qualidade (BSL3 ou 4) que eram bem administradas, com uma equipa de saúde e programa de monitoramento sem relato de doença respiratória compatível com covid-19 durante as semanas e meses anteriores a Dezembro de 2019, e nenhuma evidência sorológica de infecção em trabalhadores por triagem sorológica específica para SARS-CoV-2”. Isto apesar do laboratório do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) de Wuhan se ter mudado em 2 de Dezembro de 2019 para perto do mercado onde oficialmente surgiu o primeiro surto.

    A verdade depende do poder. E foi nesta nebulosidade sobre as origens do SARS-CoV-2, nesta insustentável incerteza informativa, que nasceu e proliferou uma pandemia que colapsou o Mundo nos últimos três anos.

    people having rally in the middle of road

    E é sobre a verdade imposta pelo poder que temos estado, todos nós, sujeitos. A verdade depende, cada vez mais de quem detém o poder para dizer : “isto é A verdade”; e não tanto da realidade. Sempre foi assim no passado, com os governos absolutos, com a Inquisição, com as ditaduras – desenganem-se os ingénuos se pensavam que num mundo maioritariamente democrático seria muito diferente.

    Ora, mas como alguém de bom senso pode acreditar em qualquer informação da China a respeito da covid-19? Seja ela proveniente de via oficial ou oficiosa ou de fontes não identificadas ou alegadamente anónimas.

    Um jornalista tem o dever de não publicar se não tiver uma confirmação segura; mais do que o direito de publicar. E isso nunca sucede quando se trata da China.

    Mesmo com a estratégia de covid zero, seria insensato julgar que o berço da pandemia tivesse uma mortalidade pela doença causada pelo SARS-CoV-2 de quatro óbitos por milhão de habitantes, sendo assim um dos países com menor letalidade do Mundo. Poder-se-ia acreditar nisto? Claro que não.

    person in white jacket wearing blue goggles

    Por exemplo, Portugal apresenta, neste momento, 2.536 mortes por milhão. Até nos dois países com políticas radicais mais próximas de uma covid zero chinesa – a Nova Zelândia e a Austrália, ambas ilhas – se conseguiu valores daquela ínfima ordem de grandeza. No primeiro daqueles países a taxa de letalidade é, actualmente, de 701 óbitos por milhão de habitantes; no segundo de 650.

    Mas, perante falsos números do governo chinês seria lícito especular sobre números da covid-19 naquele país e sobre a eficácia de aplicar da sua estratégia em países ocidentais, como sucedeu em 2020 e 2021? Não. Porém, foi isso que sucedeu: os lockdowns ocidentais “nasceram” na China, foram beber a um modelo que falseava descaradamente dados.

    Posto isto, ninguém de bom senso deveria assim acreditar em qualquer número oficial passado, presente ou futuro apresentado pela China.

    Porém, o obscurantismo chinês não pode ser agora, e só agora – para simplesmente ressuscitar o pânico –um salvo conduto para a imprensa ocidental cometer os mais desvairados atropelos aos princípios deontológicos e de rigor do jornalismo.

    Sobretudo nas últimas semanas – após a inédita contestação popular ter levado as autoridades chinesas a levantarem as restrições –, a comunicação social ocidental não tem parado de especular em redor da pandemia em território chinês. Até ao absurdo.

    man in brown coat wearing white face mask

    Sendo previsível que haja um aumento de casos positivos na China numa população que terá pouco imunidade natural – e sem que a eficácia da “sua” Sinovac tenha tido sequer a possibilidade de ser verificada no “terreno” –, não podem é os jornalistas especular com base em fontes não identificadas, que vão desde as alegadas filas de carros funerários com mortos até supostos extenuados trabalhadores de crematórios, e muito menos através dos habituais modelos matemáticos de-trazer-por-casa, onde surgem valores redondinhos para impressionar, mas sem qualquer contexto. E onde se pode sempre usar o “pode” no título e corpo da notícia.

    A especulação desbragada é, na verdade, desinformação, mesmo se se estiver perante um país com obstáculos à informação.

    Não se deve, por isso, como tem estado a fazer a imprensa mainstream, noticiar acontecimentos na China com base exclusivamente em fontes anónimas e em supostos documentos que nunca se verão nem será jamais suposto ver-se.

    Por exemplo, hoje, tanto o Financial Times como a Bloomberg – que, por sua vez, constituíram fonte de replicação pela generalidade da imprensa mundial, incluindo a portuguesa – garantem que só na passada terça-feira terão sido detectados 37 milhões de casos positivos em toda a China, ou seja, cerca de 2,6% da população.

    Trecho da notícia da Bloomberg sobre a incidência da covid-19 na China, com base numa minuta oficial que não apresenta fonte.

    Mas como se soube? A Bloomberg diz que soube através de minutas de um alto responsável de saúde, mas não as revela. Temos de acreditar. OK, acreditemos. Mas isso está ao nível da crença, similar à religião. O bom jornalismo não é uma questão de fé.

    Já o Financial Times, que indica 250 milhões de infectados este mês (que contrasta com apenas cerca de 75 mil novos casos desde 1 de Dezembro apontados pelas autoridades chinesas) garante que os números foram assumidos por Sun Yang, subdirector do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC) chinês durante um briefing, mas a informação chegou através de “two people familiar with the matter” [duas fontes anónimas conhecedoras do assunto].

    Depois o jornalista escreve ainda que Sun disse, nessa reunião, que a taxa de transmissão da covid-19 estava ainda em crescimento e que “estimava que mais de metade da população em Pequim e Sichuan estava já infectada”.

    Foi mesmo isso que o senhor Sun que disse? Bom, o Financial Times afinal acrescenta que foram “the people briefed on the meeting” [pessoas que terão tido acesso à informação da reunião]. E mais adiante ainda se acrescenta que a “explosão” de casos assumidos pelo senhor Sun, no decurso do levantamento das restrições – que tinha mantido prevalências baixas, através de testes maciços, quarentenas obrigatórias e lockdowns draconianos – contrastava com os números oficiais baixos. Ah!, mas salientava ainda, enfim, que os números do senhor Sun “were provided in a closed-door meeting” [foram fornecidos numa reunião à porta fechada”.

    Trecho da notícia do Financial Times sobre os níveis de infecção na China.

    Ou seja, tudo, tudo, tudo, fontes anónimas – por três vezes o Financial Times sustenta um número de suma relevância, que sabia vir a ser disseminada por milhares de órgãos de comunicação social, sem um documento, baseada em alegadas informações não confirmáveis. Tudo isto sem um documento. Tudo isto tão passível de ser falso como falsos serão os números oficiais chineses.

    Tudo isto para concluir que este tipo de notícias não é informação; é especulação.

    Este tipo de especulação pode bem ser tão falsa como falsa sempre foi a informação vinda da China sobre a pandemia. E o jornalismo não deve responder à falsidade com dados não confirmáveis. De contrário, vale-tudo. E o vale-tudo não deve valer num mundo democrático, porque senão é bastante arranjar “two people familiar with the matter” ou obter declarações de “the people briefed on the meeting” ou sacar informações que “were provided in a closed-door meeting” para, por exemplo, comprovar sem duvidar que o PÁGINA UM faz mau jornalismo. Ou que, enfim, o António Costa é um péssimo primeiro-ministro.

  • O primeiro aniversário do PÁGINA UM: balanço em entrevista

    O primeiro aniversário do PÁGINA UM: balanço em entrevista


    Seria importante fazer aqui um texto, em forna de balanço, sobre o primeiro aniversário do PÁGINA UM. Acabámos por optar por uma conversa sobre como se criou e foi avançando o projecto do PÁGINA UM desde que a ideia germinou, e foi crescendo ao longo de 2022, até hoje.

    Mais do que comemorar aquilo que já fizemos, esta entrevista serve, para mim, para agradecer a todos aqueles que têm feito e colaborado com o PÁGINA UM, e sobretudo aos leitores. Foram e são os leitores que são o suporte e o sustento deste projecto.

    E serve também para fazer um balanço daquilo que fizemoscomo jornal independente, isento e irreverente.

    Deixo aqui a entrevista. Obrigado a todos. O segundo ano será melhor, assim espero.