Sente-se a podridão no ar, nojenta, exalando odores. A falta de ética transforma uma sociedade numa lixeira, num salve-se quem puder, em benefício de quem tiver artimanhas, e não arte. Vence o espertalhaço, não o inteligente. Vence o canastrão, não o artesão.
E essa podridão, insidiosa e mesquinha, que forma e deforma uma sociedade, vê-se até ao jogo de berlindes, até num campeonato distrital de futsal, nome pomposo para o futebol de salão, onde este fim-de-semana a aldrabice espetou uma “cabazada” à decência.
A história conta-se em breves palavras. Em igualdade pontual com o Vitória de Santarém, a equipa do Mação Futebol Clube partia com uma desvantagem de 33 golos para a última jornada. E como esperado, ambas as equipas venceram os respectivos jogos, mas enquanto o Vitória de Santarém superou o seu adversário por uns escassos 7-5, o Mação massacrou o seu adversário, Benavente, por 60-sessenta-60 golos sem resposta, o que significa um golo em cada 90 segundos. Resultado: o Mação Futebol Clube foi campeão.
Dois pormenores, relevantes. Primeiro, o Benavente jogou apenas com três jogadores – mínimo regulamentar – face aos cinco do Mação. Segundo, mesmo sabendo-se que o Mação não conseguira antes mais do que sete golos de vantagem numa partida, sendo assim mais do que remota a probabilidade de ultrapassar o Vitória de Santarém em caso de vitórias destas duas equipas –, houve quem se lembrou de estampar coloridas camisolas de campeão.
O Mação Futebol Clube – e em paralelo a equipa de Benavente (que nos 19 jogos anteriores sofrera 68 golos) – é a imagem trágica de um país. A imagem de um país sem ética, consolidando os seus objectivos em trapaças, custe o que custar; em esquemas, aqueles que a imaginação aprouver mesmo se fraca; em compadrios, mais que muitos; em manipulações, as que forem necessárias; em corrupção, se não financeira, pelo menos moral, para quem assim se seduzir sem escrúpulo.
Independentemente das provas, estamos perante uma pouca-vergonha, uma desavergonhice, que seria apenas risível se não fosse grave, por ser o espelho daquilo em que se transformou Portugal.
Hoje, sentimos – todos sentem, e os “responsáveis” pelo Mação Futebol Clube sentiram – que, mesmo com trafulhice, mesmo com manipulação, mesmo com aldrabice e mesmo com esquemas ínvios, vale a pena tentar, é justificável tentar, porque basta congeminar ser possível iludir a verdade para que se tente que a mentira se transmute na realidade, proveitosa para o seu autor, mesmo que tal seja profundamente injusto e prejudique quem não deveria.
Caricaturando a paráfrase de Fernando Pessoa, em Portugal, num país de aldrabões, a obra nasce, quando o homem sonha, mesmo se Deus não quer. E assim se ganha por 60 a 0, com a mesma decência da vitória do Mação Futebol Clube sobre o Benavente Futsal Clube.
E assim se sente a desonestidade na política, no Governo, na Administração Pública, nas escolas, nas forças armadas, nas forças de segurança, nas empresas públicas e nas empresas provadas, em muitas das nossas relações sociais. Em tudo, já.
Portugal pode continuar a gabar-se de ganhar sempre na recta final por 60-0, sermos os melhores de tudo e da Cantareira; pode sempre erguer-se a taça, que de ouro seja. Mas no seu âmago está lá dentro uma pestilência que não se aguenta.
Bem sei que tenho, por vezes, uma verve mais desbragada, mas não menos verdade o Governo fez, desde 28 de Abril – data do terceiro destes textos –, muito mais para justificar cada palavra acintosa que escrevi.
Se há apenas uma semana, como escrevi, “É altura de puxar o autoclismo. Fim de ciclo”, mais motivos temos para encerrar este pesadelo, mesmo sabendo que pode vir pior. Pode sempre vir pior, mas no processo de mudança há sempre algo que vem: a esperança de melhor. Mesmo se ténue, mesmo se incerta, mesmo se pouco provável.
Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou diversas vezes, no seu patético discurso desta noite – patético no sentido de pena, até pelo show off que foi criando nos últimos dias, incluindo o gelado do Santini –, quatro palavras: responsabilidade, credibilidade, confiabilidade e autoridade.
Não há, neste Governo, qualquer pingo de responsabilidade. Em nada. Os últimos três anos só agudizaram a postura de um partido no Governo que, com o beneplácito de uma imprensa colaborativa e uma sociedade amedrontada pela pandemia, usou e abusou a seu bel-prazer dos direitos dos seus cidadãos e do seu dinheiro (não no sentido clássico dos impostos, mas através da “maquina de impressão” do Banco Central Europeu que fez disparar a inflação e agora compramos menos com o mesmo).
O Governo e seus apaniguados estão viciados em tudo fazer sem responsabilidade. Confundem o Estado com os seus interesses, porque conseguem sempre, através da mentira, da ocultação e da manipulação, transmutar a realidade para jamais serem responsabilizados.
Não assumindo nunca responsabilidades pelos actos, o Governo sabe que a sua credibilidade anda pelas ruas da amargura. Pouco importa a António Costa e, na Assembleia da República, a Augusto Santos Silva. Usam-se uns soundbites, diaboliza-se a extrema-direita, e mesmo que se ouçam uns impropérios aqui e ali, para eles basta fazer passar, através da imprensa, que os “outros” são piores. António Costa não quer manter-se como político credível; quer apenas mostrar que os “outros” são mais incredíveis.
Sem sentido de responsabilidade e sem qualquer pingo de credibilidade, já ninguém confia neste Governo. A recusa de Marcelo Rebelo de Sousa em dissolver o Parlamento neste momento, em simultâneo à sua manifestação de descrença neste Governo, serve apenas para que cada vez menos pessoas (e as poucas são talvez somente aquelas que vivem na “esfera” económica e dos interesses do Estado) tenham confiança em António Costa e no seu séquito.
Sem sentido de responsabilidade, sem qualquer pingo de credibilidade e sem dose alguma de confiabilidade, nos próximos tempos resta uma arma ao Governo para se manter no poder, custe o que custar: a autoridade.
E aí, até pela amostra de um Serviço de Informações de Segurança a “resgatar” um portátil de um assessor escorraçado para salvar o coiro de um inclassificável ministro, eu temo que a autoridade se transforme em autoritarismo.
E enquanto tudo isto sucede, perante os nossos atónitos olhos, Marcelo come gelados e convida-nos a ouvi-lo às 20 horas pelas televisões para nos dizer: “Boa noite, e até para a semana…”
Em hipótese, pode um licenciado em Ciências da Comunicação pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e na Université Sorbonne Nouvelle Paris III cometer um crime que justifique a intervenção do SIS para resgatar um computador com suposta “informação classificada pelo Gabinete Nacional de Segurança”?
Pode!
Pode, em hipótese, um putativo criminoso ser um mestre em Economia e Políticas Públicas, no ISCTE, com dissertação intitulada “Compreender a realidade: os fatores explicativos das notícias”?
Pode!
João Galamba, o ainda ministro das Infraestrutras.
Pode, também em hipótese, um alegado ladrão de informação confidencial ter uma pós-graduação em Direito Fiscal pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa?
Pode!
Pode ainda, por hipótese, um presumido agressor de mulheres ser doutorando em Economia Política num programa conjunto do ISCTE, ISEG e Universidade de Coimbra?
Pode!
Pode ainda, por hipótese, um suspeitoso arremessador de bicicletas contra portas de vidro ter sido jornalista no Record, na Agência Reuters, na Rádio Renascença, no Sol e na Antena Um, além de investigador da Fundação Rosa Luxemburgo e assessor do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda?
Pode!
Pode ainda, por hipótese, tudo isto se acumular na mesma pessoa, e ela ter sido um discreto técnico especialista no Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares entre 2017 e 2019, e adjunto no Gabinete do Ministro das Infraestruturas desde 2019?
Hoje, o nosso colunista Tiago Franco escreveu, na sua coluna de opinião do PÁGINA UM, sobre os “engenheiros roubados a Portugal” que chegam à Suécia “sem nunca terem recebido um salário” no nosso país, “e que, em pouco tempo, se adaptam a tudo o que lhes aparece pela frente: ao clima que não ajuda ninguém, ao modo de vida, aos ritmos de trabalho, às tecnologias que nunca viram”, acrescentando que “destacam-se perante colegas muito mais velhos, com anos disto”.
E pasmado – força de expressão –, o Tiago Franco diz que gostaria de saber “de onde virá tanta fome de aprender”, colocando três perguntas essenciais, quando se confronta aquilo que podemos ser como pessoas, de nacionalidade portuguesa, e aquilo que Portugal, lamentavelmente, é:
“Onde é que errámos?”
“Como é que ficámos tão pobres?”
“De que forma é que fazemos este pessoal regressar e produzir em Portugal?”
Fernando Medina, em foto hoje colocada no Twitter, “transportando” Mário Soares, entretanto falecido em 2017.
E eu respondo-lhe.
Errámos porque permitimos que um Governo desça tão baixo que até tem um ministro como Medina.
Ficámos tão pobres porque permitimos que Governos tenham ministros como Medina.
E, quanto à terceira questão: que esqueça ele regressos de emigrantes portugueses em massa enquanto tivermos políticos como Medina.
Fernando Medina, o Medina, surge aqui como representante de um homem que sempre viveu debaixo de António Costa – não direi que é um capacho, mas andou sempre onde andaram os pés do actual primeiro-ministro –, mas também como metonímia de político medíocre, sem chama nem garra, sem uma ideia nem plano, que passeia a sua nulidade num país político sem glória nem honra.
Os Medinas – que encontram, no actual Governo a sua máxima plenitude – vivem com e da manipulação, da mentira e da sem-vergonhice, mas confiantes da ilimitada capacidade dos portugueses – dos que aqui estão, não dos que partem – em suportar todas as suas diatribes.
Os Medinas, e sobretudo o seu máximo representante, o Fernando, já esteve envolvido nas mais díspares polémicas, a começar com o caso das denúncias de activistas à embaixada russa, antes da Rússia ser um pária para o mundo lusitano, quando ele era o alcaide alfacinha. Este ano, já perdi a conta aos casos e aos casinhos deste Governo, quase sempre tendo o Fernando envolvido, mas sempre conseguindo ele, com o beneplácito de todos, incluindo do seu eterno chefe Costa, manter-se como um sempre-em-pé.
Hoje, Medina, o Fernando, e todos os outros Medinas do Governo espetaram mais um prego no caixão da nossa já podre democracia.
Dias sem fim, andou o Governo a garantir a existência de um parecer jurídico defendendo justa causa para o despedimento da ex-CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener. Para salvar o coiro, o Governo não se importou de imolar uma estrangeira e uma mulher num circo mediático.
A seguir, o Governo fez aquilo que melhor sabe fazer, e que durante a pandemia melhor desenvolveu: manipulou, mentiu e escondeu, não exactamente por esta ordem, até porque age de acordo com as circunstâncias. E confia numa comunicação social dócil.
Ainda ontem, através de uma nota enviada à agência Lusa – que, nos últimos anos, parece funcionar como uma espécie de Pravda do Governo de Costa –, o gabinete da ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, sustentava que “o parecer em causa não cabe no âmbito da comissão parlamentar de inquérito” e que “a sua divulgação envolve[ria] riscos na defesa jurídica da posição do Estado”.
E hoje, afinal, Medina, o Fernando, como ministro de um Governo podre, veio dizer que, afinal, o parecer nunca existiu. E mantém-se, consta, ele como ministro… e todos os outros.
Enfim, temos um Governo de gente de má índole, que desonra as palavras, os actos, os portugueses. Um país onde o próprio Presidente da República permite que sejamos geridos por um Governo de aldrabões. Um Governo que nos envergonha. Um Governo que só nos ajuda a ser piores. Cá dentro.
E queres tu, Tiago Franco, regressar da Suécia e veres regressar os nossos compatriotas? Para isto? Para esta “merdina”?
Nascido em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM é manifestamente um jornal diferente. Assumidamente independente, sem publicidade e sem parcerias comerciais nem mecenas. Sem reverências. Sem concessões. Fazemos aquilo que os outros não fazem ou não querem fazer, mesmo com parcos meios humanos e financeiros – a independência absoluta tem essas desvantagens. Os processos de intimação que temos colocado nos tribunais, perante a cultura do obscurantismo que reina em Portugal, são disso exemplos paradigmáticos.
Mas sabemos – e eu sei, pessoalmente, em particular – que este “modelo de negócios”, chamemos-lhe assim, implica limitações muito fortes, sobretudo se, como é o caso do PÁGINA UM, os donativos dos leitores são a única fonte de financiamento e, mesmo assim, o acesso às notícias é inteiramente livre. Ou seja, os leitores que nos apoiam, sustentam a produção das nossas notícias e permitem, em simultâneo, que leitores com menores posses tenham também acesso.
Para o PÁGINA UM conseguir fazer mais – e queremos fazer mais, de forma sustentável, sem endividamento (o nosso passivo é zero) –, temos também de diversificar as nossas plataformas ou a forma como chegamos aos nossos leitores. O design do novo site enquadra-se nessa estratégia de consolidação e contínua melhoria.
Foi também com esta filosofia em mente que criámos no início do ano o P1 PODCAST, que, neste momento, é constituído sobretudo pelos podcasts diários da Elisabete Tavares (Caramba,ó Galamba) – que hoje chegou ao 100º episódio –, mas também pelos “debates” entre mim e o Luís Gomes (Os economistas do diabo), pela minha improvisada “crítica de imprensa” (Que nos salves, São Francisco de Sales) e pela crónica semanal do Frederico Duarte Carvalho (Histórias que eu sei).
Produzir estes podcasts – e outros mais que temos em mente – não deve, contudo, afectar a necessária prossecução da actividade normal do PÁGINA UM, nem pode retirar, de forma contínua, financiamento à nossa actividade como jornal de investigação. Produzir tanta diversidade com tão poucos meios implicaria reduzir a qualidade.
Por esse motivo – e embora tenha sido já anunciado previamente –, o P1 PODCAST somente tem condições para se manter se for sustentável de forma autónoma do ponto de vista financeiro. Ora, como os recursos financeiros do PÁGINA UM se têm mantido estáveis, não temos outra hipótese que não seja a aplicação de subscrições para a audição dos nossos podcasts por um período máximo de 10 dias.
Ou seja, significa que, a partir de hoje, apenas os subscritores (através de um pagamento mensal de 5,99 euros) terão acesso, durante os primeiros 10 dias de cada emissão, aos podcasts que formos produzindo. Findos esses 10 dias, para cada emissão, o acesso passa a ser livre.
Sabemos que para alguns dos nossos leitores – sobretudo os que nos apoiam com maior regularidade –, o pedido de apoio suplementar em troca de acesso aos conteúdos do P1 PODCAST no período inicial de 10 dias será profundamente injusta, até porque muitos deles apoiam com valores bem superiores. Contudo, por razões logísticas e operacionais, não se mostra possível fornecer senhas de acesso aos apoiantes regulares, uma vez que o sistema de subscrições é gerido por uma entidade externa ao PÁGINA UM (e.g., Spotify). Com outros meios, porventura teremos oportunidade de implementar um sistema de gestão que controlemos directamente.
Temos consciência que esta é também uma experiência que fazemos, um teste à nossa credibilidade – mas também uma forma de mantermos o espírito e a filosofia do PÁGINA UM como jornal, que é o nosso core business: manter a linha editorial independente, sem publicidade e sem parcerias comerciais, e de acesso livre. Mas isso não significa que seja um jornal de custo zero; significa sim que o jornalismo independente depende mesmo dos leitores. E dos ouvintes para o P1 PODCAST.
Por isso, se concluirmos, em breve, que o P1 PODCAST não é um projecto sustentável, e que “canibaliza” os recursos do PÁGINA UM, não hesitaremos em dar um passo atrás para nos dedicarmos em exlusivo apenas no jornal digital. É nele que apostamos as “nossas fichas”.
Para aceder aos conteúdos do P1 PODCAST (apoio mensal de 5,99 euros) em exclusivo durante os primeiros 10 dias de cada emissão, clique AQUI.
O PÁGINA UM, sempre em continuidade desde Dezembro de 2021, renasce hoje com um novo design, mais moderno, num estilo mais próximo de um jornal digital.
Este é um esforço que, em primeira linha, se deve à colaboração do José Maria Gonçalves Pereira e do António Almeida – que, no seu caso, nos tem acompanhado desde os primórdios.
Com este modelo do site do PÁGINA UM confirma-se a magia do projecto, e também a nossa quimera, que afinal se tem alcançado no quotidiano, ao longo dos últimos 16 meses: é possível a criação de um projecto editorial de acesso livre, que se afirma pela acutilância e irreverência, sem quaisquer reverências, e que conjuga dois (bons) géneros de pessoas: o primeiro grupo, aquelas que vêem o PÁGINA UM como um modelo de jornal absolutamente independente – que deve ser acarinhado e apoiado financeiramente através de donativos, tanto mais que o modelo de negócio (em contraponto com a mercantilização do jornalismo na imprensa mainstream) não inclui anúncios nem parcerias comerciais; e o segundo grupo, aquelas pessoas que colaboram, pro bono ou a troco de pequenas compensações, em tarefas que colocam o jornal como uma referência na imprensa portuguesa.
Não falo numa referência em termos de dimensão e de desafogo financeiro (mesmo se o desafogo financeiro na imprensa mainstream se faz, em muitos casos, à custa de passivos estratosféricos, que colocam sempre em causa a independência), mas de prática e de princípios deontológicos, mostrando aos leitores aquilo que deve ser o jornalismo.
Sabemos que, perante uma redacção minúscula, dificilmente conseguiremos uma abordagem temática similar à da imprensa mainstream, mas temos dado cartas – e mais haverá – sobre como deve (e tem de) ser o comportamento do jornalismo perante os poderes económicos e políticos. Além das investigações que temos apresentado, os processos de intimação que temos colocado no Tribunal Administrativo de Lisboa para a obtenção de informação pública, com a extraordinária coragem do nosso advogado Rui Amores, são exemplos paradigmáticos. Não que estejamos a fazer muito; os outros é que, nesta matéria, nada fazem. E deviam fazer.
Em todo o caso, o novo design do PÁGINA UM mostra sobretudo a nossa vitalidade, e é o corolário do sucesso que nos foi concedido e confiado pelos leitores que nos apoiam. É mais do que prova de sobrevivência; é uma prova de vitalidade: para fazermos esta aposta num novo design é porque estamos cientes e conscientes de que o projecto editorial, mesmo nos moldes actuais, apresenta potencial para crescer, para obter financiamentos para crescer mesmo se somente através dos donativos dos leitores. E isso consegue-se também se, em paralelo, mantivermos ou até crescermos em quantidade informativa com a qualidade de sempre.
E este novo design mostra também a vitalidade e interesse dos nossos colunistas habituais, que já ocupam as nossas páginas diariamente. Assim, os artigos de opinião e as crónicas do Tiago Franco, Clara Pinto Correia, Frederico Duarte Carvalho, Mariana Santos Martins, Vítor Ilharco e Diogo Cabrita passam a ter uma maior visibilidade logo na página principal do site.
Por outro lado, com este novo design fica mais clara a nossa aposta na Cultura, existindo a possibilidade de se produzir mais temáticas nesta secção – para além dos ensaios (que serão retomados em breve) de Carlos Jorge Figueiredo Jorge, ou da crítica de cinema e de séries televisivas do Bernardo Almeida –, para além das recensões habituais, sobretudo a cargo da Ana Luísa Pereira, Maria Carneiro e Paulo Moreiras (e também das minhas e dos outros colaboradores do PÁGINA UM).
Esta segunda fase da vida do PÁGINA UM também contará com um pequeno reforço de meios humanos. A Maria Afonso Peixoto passará, nos próximos tempos, a ter uma presença mais assídua, bem como a Elisabete Tavares, que se tem vindo a destacar, neste momento, na criação de podcasts de análise ao quotidiano. Haverá, muito em breve, novidades sobre o P1 PODCAST, que constitui um projecto paralelo do PÁGINA UM, com recursos autónomos, mas também sem publicidade nem parcerias comerciais.
Já agora, por falar na Elisabete Tavares, é da sua safra a intimista entrevista que hoje publicamos, em manchete, com a psicóloga Laura Sanches, que merece ser lida (e reflectida) para compreendermos os perigos que ainda pairam sobre a nossa democracia e vida pós-pandemia. E sobre as novas gerações.
Convém, aliás, referir que as entrevistas serão uma das nossas apostas nos próximos tempos, procurando ouvir sobretudo quem julgamos que deve ser ouvido. E que queira expor-nos os seus pontos de vista sem contemplações.
Por fim, um agradecimento especial a todos aqueles que nos têm acompanhado e sobretudo apoiado desde os primórdios desta aventura do PÁGINA UM, em Outubro de 2021, quando a semente nasceu. Se hoje estamos aqui, a fazer um jornalismo incómodo – um pleonasmo que, por esquecido, convém aqui usar –, deve-se aos nossos leitores, aqueles que nos apoiam mesmo sabendo que não precisariam de apoiar para nos lerem – mas que sabem bem que a informação, mesmo gratuita, tem um valor. E nos tempos que correm parece tão rara que deve ser cuidada e mantida.
Ontem, o PÁGINA UM revelou, em primeira-mão, a deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre os contratos comerciais entre o Porto Canal e entidades públicas, que resultou na abertura de três processos, o envio de uma comunicação ao Tribunal de Contas e a remessa de um caso de participação de um jornalista na execução de contratos de índole comercial para efeitos disciplinares junto da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
O assunto é de inegável interesse. Basta observar outras situações em que a ERC e o canal televisivo associado ao Futebol Clube do Porto, presidido por Jorge Nuno Pinto da Costa, se envolvem.
A jornalista e pivot da SIC Marta Atalaya durante uma conferência no âmbito de uma parceria comercial entre o seu empregador e uma farmacêutica.
Porém, o assunto não foi pegado, até agora pela imprensa, apesar da notícia do PÁGINA UM ter já um número muito apreciável de leituras (já acima das 12 mil, por agora). E não digo, desta vez, que seja por uma certa “aversão”, na imprensa mainstream, a se citar o PÁGINA UM – que tem funcionado como uma espécie de “consciência pesada”. Basicamente, é por cagufa.
Sim, cagufa. Miúfa. Cagaço. Medo, enfim.
Sim, porque – e aleluia!, elogie-se! –, finalmente a ERC entendeu que a vergonha tinha de parar. No decurso da análise do regulador ao Porto Canal esteve, em grande medida, a identificação de ligações entre jornalistas habilitados com a carteira profissional e contratos comerciais que , directa ou indirectamente, estipulavam tarefas, compromissos e funções de informação. Ou seja, colocavam a independência e a linha editorial em causa.
Bem sei que há muitas equipas de marketing e muitas administrações e direcções de grupos empresariais de media – na verdade, quase todas – que surgem agora a defender que a evolução do mercado levou à necessidade de reformulação de conceitos comunicacionais e blá blá blá blá… Tudo tretas: uma coisa são os canais de comunicação, que podem e devem – por questões de sustentabilidade financeira – ser veículos de mensagens publicitárias; outra coisa é garantir, mesmo que caia Carmo e Trindade, que os “conteúdos” informativos têm de ser isentos, rigorosos e independentes, e executados por jornalistas que nada devem fazer na parte comercial ou de marketing.
Rosalia Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma habitué na moderação de eventos realizados pela Global Media e pagos pelo Estado, empresas e autarquias.
E essa independência pode – e deve – ser completa, mesmo arriscando a perda de clientes das tais mensagens publicitárias. Mais vale a morte do Jornalismo do que um Jornalismo Prostituto. Siga-se pois a máxima de Cristo, segundo o Evangelho de São Mateus: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Ou, prosaicamente, “Dai, pois, ao Marketing o que é do Marketing, e ao Jornalismo o que é do Jornalismo”.
Mas o Jornalismo nunca morrerá. A prazo, é sempre a isenção, o rigor e a independência da informação que sustentam um órgão de comunicação social. Não o digo com o mesmo modelo do PÁGINA UM – que leva ao extremo essa máxima, como contraponto, renunciando às receitas publicitárias. O modelo do PÁGINA UM serve sobretudo para demonstrar que a qualidade “vende” até mesmo se o produto é “oferecido”, seguindo os princípios económicos da disposição a pagar (willingness to pay). Se o produto “qualidade” for escasso, as pessoas valorizam-no.
A isenção, o rigor e a independência podem não trazer anunciantes imediatos, mas trazem leitores, trazem consumidores das tais mensagens publicitárias; e garante-se assim “fluxo normal e saudável”: as empresas pagam para apenas anunciar os seus produtos e mensagens num órgão de comunicação social de uma forma independente da informação.
Público, e o seu director Manuel Carvalho, têm executado contratos comerciais susceptíveis de interferirem com a independência editorial do jornal.
Ora, aquilo que foi sucedendo com a imprensa – sem prejuízo das novas tecnologias – foi a subversão deste equilíbrio, de sorte que se vendeu a alma ao diabo. Começou-se com publireportagens – que mesmo assim tinham uma clara distinção entre o conteúdo jornalístico – e acabou-se nisto: na mais completa e pornográfica promiscuidade entre entidades públicas e privadas e órgãos de comunicação social, com os seus jornalistas transformados em tarefeiros para executar contratos comerciais, sem que o leitor se aperceba se aquilo que lê, ouve e/ou vê é um produto jornalístico ou é afinal uma encomenda paga pelo patrocinador.
Aquilo que a ERC finalmente fez com os contratos do Porto Canal, com a deliberação divulgada pelo PÁGINA UM, é somente a ponta de um icebergue que temos, ao longo dos últimos meses aqui anunciado. O jornalista Pedro Carvalho da Silva, do Porto Canal, é apenas um dos muitos “jornalistas comerciais” da nossa praça.
E estamos a falar ao mais alto nível. Ou seja, de jornalistas com cargos de direcção. Por exemplo, Manuel Carvalho, o ainda director do Público, ou David Pontes, que o vai substituir em Junho, já participaram activamente na concretização de diversos contratos comerciais, através da sua presença como moderadores em tarefas estipuladas nos cadernos de encargos.
Na Mobi Summit do ano passado, um evento de uma empresa municipal de Cascais, chegou a ser nomeado um “curador editorial”, Paulo Tavares, antigo jornalista, que coordenava a cobertura mediática pelos periódicos da Global Media. Esta função não existe na Lei da Imprensa nem os jornalistas podem estar sob a alçada de pessoas sem carteira profissional de jornalista ou equiparado.
Rosália Amorim (CP 1788), pela sua tamanha presença em eventos de índole comercial, é de jure directora do Diário de Notícias, mas parece acumular de facto o cargo de comercial da Global Media. Mas está longe de ser a única neste grupo de media.
Há alguns meses, em Outubro do ano passado, noticiámos que num evento (Mobi Summit) patrocinado por uma empresa municipal de Cascais quase todos os debates foram moderados por directores das publicações da Global Media, demonstrando a forte ingerência de jornalista num evento comunicacional. Além de Rosália Amorim, também Joana Petiz (directora-adjunta do Diário de Notícias e directora do Dinheiro Vivo, CP 4449) e Pedro Cruz (director executivo da TSF, CP 1611) moderaram três debates, cada um. Pedro Ivo Carvalho, director-adjunto do Jornal de Notícias, CP 3104) moderou dois e Jorge Flores (editor executivo do Motor 24, sem registo de carteira profissional) um.
Neste evento, a quantidade de “jornalistas comerciais” foi avassaladora. Por exemplo, Rute Coelho (CP 1893) tanto escreveu no Diário de Notícias como no site do evento Portugal Mobi Summit. Esta jornalista, com mais de 20 anos de experiência, revelou-se como um dos casos evidentes de “mercantilização” do jornalismo, impedido por lei, uma vez que oferece serviços de relações públicas e consultoria em marketing no LinkedIn. Além desta, houve participação na cobertura mediática por mais três jornalistas Elisabete Silva (CP 4391), Ana Meireles (CP 2808) e Carla Aguiar (CP 739), que foi a autora da peça sobre a intervenção do ministro Duarte Cordeiro. Esta jornalista do Jornal de Notícias fez também pelo menos uma entrevista a um participante do Mobi Summit antes da realização do evento.
Para completar o leque de directores que já tiveram tarefas promíscuas, identifico também Inês Cardoso, directora do Jornal de Notícias, e Mafalda Anjos, directora da Visão. Sobre a Visão, aliás, regressarei ao tema em breve.
O jornalista Bernardo Ferrão, que apresenta também o Polígrafo SIC, já moderou conferências de índole comercial entre a Impresa e farmacêuticas.
Por diversas vezes falei aqui também numa dupla de “jornalistas comerciais”, que personificam a libertinagem absoluta e absurda, onde já nenhuma fronteira de decência e ética subsiste. São eles os jornalistas Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) e Fátima Ferrão (CP 6197), que a pretexto de trabalharem numa agência de produção de conteúdos, fazem tanto notícias como free lancers para periódicos, sobretudo da Global Media e da Impresa, como conteúdos patrocinados para cumprimentos de contratos comerciais nessas mesmas empresas de comunicação.
A empresa onde trabalham estes jornalistas (a Mad Brain) concebia e executava a revista Energiser da Galp, fruto de uma parceria comercial com a Impresa. Nada lhes aconteceu desde que o PÁGINA UM denunciou este fartote de indecência.
Aliás, foram as promiscuidades (e ainda mais pornográficas, porque nada se esconde) detectadas, que o PÁGINA UM, em Maio do ano passado, em vez de continuamente fazer notícias, acabou por elencar 56 contratos suspeitos (e juntou posteriormente mais cerca de uma dezena), envolvendo os principais grupos de media e entidades públicas, onde aparentemente se exigia a participação activa de jornalistas para a sua execução, numa clara ingerência na linha editorial independente que se exige. E mandou tudo para a ERC, a aguardar comentários. A ERC prometeu averiguar, e espero ainda sentado.
A Mad Brain é uma empresa de conteúdos onde dois jornalistas tanto escrevem notícias como conteúdos patrocinados, e onde, na verdade, se ignora se as notícias são ou não também conteúdos patrocinados.
Mas não estava ainda incluída a participação de jornalistas da SIC na execução de um contrato de 31 mil euros entre a Impresa e a Ordem dos Contabilistas para a cobertura de um congresso, onde vários jornalistas a darem o “corpo ao manifesto”, como foram os casos dos pivots e jornalistas Bento Rodrigues (CP 1270) e Rodrigo Pratas (CP 3979) e dos jornalistas Débora Henriques (CP 5674) e Afonso Guedes (CP 7857).
E isto só para citar os contratos com entidades públicas, cujos contornos são conhecidos. Imagina-se apenas o que se passará com empresas privadas, onde os contratos ficam no segredo dos deuses. Com as farmacêuticas, por exemplo. Pela amostra de que já falei aqui, dá para se ter uma ideia do regabofe.
Por tudo isto, compreende-se que muitos vendilhões do templo não estejam muito interessados em noticiar que a ERC – esperando que não seja isto o canto do cisne do actual Conselho Regulador, a ser eliminado pelo próximo – anda agora, finalmente, à “caça de jornalistas comerciais”; daqueles que, na verdade, têm contribuído para a perda de confiança pública na imprensa.
ERC identificou, pela primeira vez, um jornalista por estar associado à concretização de um contrato comercial. O primeiro de muitos ou um canto de cisne?
É preciso uma lavagem de ética na profissão, por muitas dores que tal cause, e por alguns empregos que se percam. Depois deste “tiro” da ERC com a deliberação sobre o Porto Canal, não é mais suportável a inacção da corporativa (e cultora do amiguismo) Comissão da Carteira Profissional do Jornalista nem a postura ambígua do Sindicato dos Jornalistas, que criticam estas promiscuidades, mas que calam na hora de identificar nomes e responsabilizar atitudes.
Espero que este seja o primeiro passo para inverter o actual pântano do jornalismo português. Precisamos, cada vez mais, de uma imprensa forte e credível – e credível pelo seu rigor e independência, e não pelos fatos & gravatas & voz certa, ou pela maquilhagem & postura & beleza. Sem uma imprensa forte e credível, com uma imprensa na dependência financeira de patrocinadores que mexem os cordelinhos da linha editorial, apenas teremos informação oca e manipulação grosseira, tudo aquilo que mina uma democracia.
O PÁGINA UM é um órgão de comunicação social regido pela Constituição Portuguesa, e cumpre os preceitos da lei portuguesa, não tendo, até à data, cometido qualquer tipo de de irregularidade e ilegalidade.
Ao invés, o PÁGINA UM tem sido, largamente, o órgão de comunicação social português que mais tem recorrido para acesso a informação escondida por entidades públicas, incluindo Governo, sendo prova disso os diversos pareceres favoráveis da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e as intimações no Tribunal Administrativo. Lembremo-nos, a propósito, que o PÁGINA UM até já venceu um destes processos contra o Conselho Superior da Magistratura (que entretanto recorreu).
Tecnológicas como a Meta (Facebook) aplicam ferramentas de censura sob o disfarce de bloquear desinformação.
Tenho, como director do PÁGINA UM, seguido escrupulosamente as regras éticas e deontológicas da profissão, mas sem divergir da linha de independência e de denúncia, mesmo quando envolve outros órgãos de comunicação social ou as entidades que regulam os media (ERC e CCPJ). Não me surpreende assim que haja ataques dessas entidades e nenhuma solidariedade por parte dos media face aos ataques a que estamos sujeitos. Se os criticamos, não podemos depois lamentar a falta de apoio.
Na última semana tem-se intensificado a censura do Facebook, onde se mostra evidente que já não é apenas exercido por um “cego” algoritmo. A divulgação de duas notícias verídicas, confirmadas e confirmáveis, foram banidas pelo Facebook sem sequer dar uma hipótese de se recorrer nem fazer qualquer exposição.
Uma das notícias banidas é sobre o processo de intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Infarmed. O nosso “crime”, para o Facebook, será estar a lutar nos tribunais pelo acesso a informação sobre reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir. Para o Facebook, a notícia do PÁGINA UM constitui “desinformação com potencial para causar danos físicos“.
Para o Facebook, um jornal português lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa pelo acesso ao Portal RAM que contém informações anonimizadas sobre reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir constitui um acto de “desinformação com potencial para causar danos físicos“, ameaçando com restrições e desactivação da conta.
A outra publicação do PÁGINA UM banida pelo Facebook foi o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre as declarações do ministro alemão da Saúde, Karl Lauterbach, na passada semana. Os efeitos adversos das vacinas têm sido um tema de crescente interesse na Alemanha, como se pode verificar na cobertura do tema pela ZDF.
Entretanto, há cada vez mais leitores que divulgam as nossas notícias e que têm recebido castigos do Facebook por causa disso.
Sei qual o objectivo: criar um selo de desqualificação do PÁGINA UM, considerar o PÁGINA UM de site de desinformação.
Comentários a declarações de ministros? O Facebook censura.
Não permitirei isso. Bem sei que esta rede social tem um impacte importante na nossa comunicação – o PÁGINA UM tem quase 20 mil seguidores no Facebook –, mas começa a ser demasiado penalizador mantermo-nos numa rede social que, a cada dia, trata mais de descredibilizar um órgão de comunicação social inteiramente independente do que ajudar na divulgação.
O PÁGINA UM, tendo em conta os seus poucos recursos, não se pode dar ao luxo de esgotar tempo e dinheiro a lutar contra uma rede social que nem sequer tem rosto – não há ninguém sequer a quem se possa expor o que seja.
Por esse motivo, vamos no final do dia de hoje desactivar (veremos se definitivamente) o mural do PÁGINA UM no Facebook.
O jornal continua, obviamente, a sua missão (aliás, estamos numa forte remodelação do design do site, que deverá estar concluída nos próximos dias), pelo que vos convidamos a visitar-nos quotidianamente. Não precisamos do Facebook. Não permitiremos que o Facebook nem outra qualquer empresa sem rosto nem controlo defina o que é verdade, o que é informação. Aliás, convém sempre lembrar-nos que o Facebook é o principal financiador dos conhecidos fact-checkers de origem e rigor muito duvidosos.
Reforçaremos a comunicação através da newsletter (podem subscrever no site) e nas outras redes sociais, nomeadamente no Twitter, no Telegram e no LinkedIn.
Fazemos votos e lutaremos para que a Censura não vença. Damos um passo atrás para, desviando-nos de quem é a favor da obscuridão, avançarmos (e contribuirmos) para um mundo mais transparente.
O senhor Miguel Guimarães, o senhor Filipe Froes e o senhor Luís Varandas, não satisfeitos com as negociatas alimentadas pelo pânico que foram fomentando desde 2020 na gestão da pandemia – e com as quais beneficiaram publica e monetariamente – apresentaram uma queixa-crime contra mim. Sou, desde hoje, formalmente arguido do processo 1076/22.5T9LSB, com o competente termo de identidade e residência.
Não é propriamente novidade. Já em 17 de Agosto do ano passado, eu revelara que os ditos clínicos – usando (e abusando) do estatuto e dos dinheiros da Ordem dos Médicos, porque recorreram e vão continuar a recorrer aos advogados desta associação profissional de direito público – tinham interposto esta queixa-crime e enviaram-na como “elemento de defesa” e como estratégia de diversão no decurso de uma intimação que corria no Tribunal Administrativo de Lisboa para eu aceder aos documentos operacionais e contabilísticos da campanha Todos por Quem Cuida. Queriam, com este truque, influenciar a decisão da juíza de um processo administrativo. Esta sentença foi-lhes desfavorável, como se sabe, mas os ditos médicos não desistiram da queixa-crime.
Miguel Guimarães (terceiro a contar da esquerda) e Filipe Froes (quarto) na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia com o presidente do Instituto Superior Técnico, Rogério Colaço, e o investigador Henrique Oliveira, autores de relatórios auto-intitulados como “esboço embrionário, que consubstancia uma mera análise para um eventual relatório).
O fito (único) desta queixa-crime, eu sei qual é.
O Doutor Filipe Froes quer ver-se livre do jornalista que foi responsável por denunciar as suas relações promíscuas com as farmacêuticas, e que provocou um processo de averiguações pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). O Doutor Filipe Froes quer ver-se livre de um jornalista que tem insistentemente pressionado a IGAS para conhecer o desenvolvimento de um processo disciplinar que lhe foi aberto há mais de um ano (em 19 de Fevereiro de 2022), e que assim se mantém aberto por tempo indefinido para supostamente justificar o secretismo das acusações – e assim a culpa cair no esquecimento até morrer solteira [o PÁGINA UM vai intentar novo processo no Tribunal Administrativo para aceder às conclusões do processo de averiguações e ao despacho do inspector-geral da IGAS de 19 de Fevereiro de 2022, por já ter decorrido mais de um ano].
Quanto ao Doutor Miguel Guimarães – para o qual a História, quando for feita de forma isenta, lhe reservará o cognome de Doutor Torquemada [e pode ele queixar-se disto, que eu também me defenderei, até por ser autor de um romance sobre a Inquisição ibérica] –, bem sei que não me perdoa o ultraje de eu não ser um jornalista que o bajula, e que pelo contrário o questiona. E que quis saber o que estava por detrás de uma campanha supostamente de beneficência, mas que acabou, como o PÁGINA UM revelou já, por ser uma montanha de irregularidades e ilegalidades, as quais, num país decente, lhe daria direito a sentar-se no banco dos réus.
Recebimentos de Luís Varandas das farmacêuticas em 2021 e 2022. Directamente da Pfizer foram 12.257,15 euros. Fonte: Infarmed.
Sobre o Doutor Luís Varandas, não tenho muito a acrescentar sobre; apenas mais isto: penitencio-me por não o ter criticado ainda mais, que pouco sempre seria. Um pediatra avençado da Pfizer e que defendeu a vacinação contra a covid-19 em menores de idade (com uma taxa de letalidade de 0,003%), perante os efeitos adversos ainda não totalmente conhecidos, não merece palavras menos que duras.
Da Ordem dos Médicos não se espere nada diferente nos próximos anos. Se o novo bastonário Carlos Cortes escolheu para seu mandatário uma pessoa com o perfil de Filipe Froes, que vista então esse “pobre hábito” que o fará um “rico monge”.
Não havendo muito mais a dizer, nesta fase, sobre o processo, apenas duas coisas acrescento. Primeiro, garanti, por escrito, quando esta tarde fui ouvido, que não aceito, em nenhum momento, qualquer género de acordo ou de suspensão de processo. E, por outro lado, opus-me à eventual desistência de queixa dos três médicos e da Ordem dos Médicos. Ou seja, vai haver mesmo julgamento.
Por mim – espero que também pelos leitores do PÁGINA UM – quero mesmo que este caso, que esta queixa-crime – chegue a um julgamento. Quero vê-los sentados num tribunal, mesmo se eles estejam no sítio errado. Quero que se apure a verdade, porque a minha absolvição será a condenação deles.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos (e judiciais, em geral), incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.
Eu respondo por ele, citando-o: “Encontrei o equilíbrio que sempre procurei entre as letras e os números quando, há 16 anos, me tornei jornalista ligado à Economia e, em especial, aos Mercados Financeiros. Nascido em Águeda e licenciado em Jornalismo pela Universidade de Coimbra, trabalhei quatro anos com a delegação em Lisboa da agência Dow Jones Newswires. Passei, depois, mais quatro anos na secção de Mercados do Jornal de Negócios, onde acompanhei de perto a crise da dívida da zona euro. Estou no Observador desde setembro de 2014 e, além da Economia, da Banca e dos Mercados, interesso-me pelas áreas da Tecnologia e da Inovação – tema de uma newsletter que assinei no Observador entre 2016 e 2019. Obrigado por me ler.”
Eu leio o que escreve o Edgar Caetano; e li o que Edgar Caetano e muitos outros jornalistas escreveram durante a pandemia, metendo foice em seara alheia, tocando rabecão sem sequer serem sapateiros, e contribuindo assim para uma certa narrativa única, para um afunilar de supostas verdades factuais, dogmáticas e inquestionáveis, pouco importando se, no meio disto, ostracizavam, silenciavam e difamavam.
Luc Montagnier (1932-2022)
O Edgar Caetano surge aqui como exemplo; mas há muitos mais, que poderiam ser citados – e que, às tantas, terei um dia de os elencar, a todos, porque mostra-se fundamental ser conhecida e discutida uma lista de nomes. A podridão tem de ser libertada para que novos ares pairem sobre a nobre função do Jornalismo.
Mas centremo-nos, por agora, no Edgar Caetano, que hoje, no Observador – tal como muitos outros media mainstream – fez eco da “convicção de Christopher Wray, diretor do norte-americano FBI, que acredita que poderá ter havido um ‘incidente’ num laboratório e que o regime chinês ‘tem feito o seu melhor para ofuscar’ os esforços para identificar a origem do vírus”.
E o ‘nosso’ Edgar Caetano acrescenta ainda que o The Wall Street Journal avançou este fim-de-semana a existência de “um estudo classificado, referente a 2021, do Departamento de Energia dos Estados Unidos, e que foi fornecido à Casa Branca por legisladores americanos”, que também aponta para a criação em laboratório do SARS-CoV-2.
Aquilo que Edgar Caetano, e tantos outros (supostos) jornalistas se esqueceram foi de, à laia de post scriptum (vulgo, P.S.), fazer um mea culpa – de culpa inteira – sobre o seu papel na campanha de desinformação e de difamação que alimentou o público durante os últimos três anos.
Foram eles – e com redobradas responsabilidades, atendíveis as suas funções de jornalistas – mais perniciosos na criação de fake news e de manipulação do que os teóricos das conspirações estapafúrdias (que também os há) atrelados (sempre, claro) à extrema-direita (que também os há, e cada vez mais, como falência democrática).
Mas vejamos o caso concreto do ‘nosso’ Edgar Caetano – e a razão, vista está, da minha fúria.
Em 19 de Abril de 2020 – está agora a fazer quase três anos –, o mesmíssimo Edgar Caetano escrevinhou uma “peça” – chamemos-lhe assim como sinónimo de asco – de pura difamação sobre um notável virologista, recentemente desaparecido, Luc Montagnier – e que, mesmo agora morto, perceberá mais de Ciência do que este ‘nosso’ Edgar Caetano com uma overdose de Memofante.
Reza assim essa infame “peça” de Edgar Caetano: “A teoria circula há vários meses e já foi desmentida por vários cientistas. Mas um controverso virologista francês laureado com o prémio Nobel pela pesquisa sobre o HIV, Luc Montagnier, acredita que o vírus saiu de laboratório em Wuhan e defende que a explicação mais consensual – uma transmissão com origem num ‘mercado vivo’ da cidade chinesa – é uma ‘história da carochinha’. A declaração está a causar polémica, com outros investigadores a descredibilizar Montagnier, considerando que o investigador premiado tem estado ‘em decadência acelerada nos últimos anos’.”
Notícia de Edgar Cardoso usou tweet de obscuro estudante de doutoramento, Juan Carlos Gabaldon, como prova de uma suposta decadência física e mental de Luc Montagnier.
Para “confirmar” a tal “decadência acelerada nos últimos anos” de Luc Montagnier, Edgar Caetano não encontrou melhor ‘prova’ do que um tweet de um estudante de doutoramento de doença das Chagas, um tal Juan Carlos Gabaldón.
E para confirmar o suposto desmentido de “vários cientistas”, Edgar Caetano remeteu simplesmente para um artigo da Nature de 17 de Março de 2020, cujo autor principal é o dinamarquês Kristian G. Andersen, de um instituto de investigação (não-universitário) norte-americano, que a partir daquele singelo artigo coleccionou financiamentos federais, a começar pelo de 8,9 milhões de dólares do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID), então liderado por Anthony Fauci.
Note-se que, através de e-mails “vazados”, e verídicos, soube-se, entretanto, e o próprio The New York Times destacou, que Kristian G. Andersen até suspeitara inicialmente da origem manipulada do SARS-CoV-2. Tal como Luc Montagnier.
Na mesma linha, e usando exactamente o mesmo tweet do obscuro estudante de doutoramento para sustentar o descrédito de Montagnier, seguiu a jornalista Teresa Campos, da revista Visão, em 20 de Abril de 2020. Descredibilize-se o mensageiro para descredibilizar a mensagem – eis a receita infalível dos cretinos.
[Sou apologista de descredibilizar a mensagem para descredibilizar o mensageiro; este editorial tem essa função]
Enfim, foi assim, com os Edgares Caetanos de certa vida airada do jornalismo, que se criou rapidamente uma Narrativa. Tudo inquestionável. Tudo facilmente descartável se fosse diferente. Tudo menorizado, se fosse controverso. Tudo tachado de “falso”, se soasse a crítica. Tudo feito, alegre e diligentemente, por acríticos escribas, a maioria sem qualquer formação científica, sem qualquer capacidade crítica, sem quaisquer princípios deontológicos.
Isolar, misturar e conspurcar – foi esta a estratégia. Isolar da comunidade científica quem fugisse da narrativa. Misturar essa pessoa com as mais estapafúrdias teorias (que as há) para a tornar menos racional. Conspurcar a sua credibilidade, bastando escribas de serviço para lhes colocar epítetos, deficiências e outras demais maleitas, servindo tudo para escarmento dos demais.
[Vejam no dicionário o significado de escarmento, se não souberem, porque era termo muito usado pela Inquisição – onde muitos jornalistas desta geração se sentiriam bem como esbirros –, de sorte que uma punição não servisse apenas para o castigado.]
Em três páginas apenas, acompanhadas por um gráfico, o artigo de Kristian Andersen “oficializou” a origem natural como causa do surgimento do SARS-CoV-2, refutando todas as hipóteses, que a imprensa mainstream tratou de descredibilizar. O artigo tem, neste momento, 5.599 citações científicas. E agora?
Aliás, quando Luc Montagnier questionou a origem do SARS-CoV-2, lestos foram os fact-checkers (em Portugal e por esse mundo fora) a analisarem afirmações – nunca confirmadas – de um outro Prémio Nobel, Tasuku Honjo – para sobretudo denegrirem o virologista francês e garantir a irrefutável certeza da origem natural do vírus atribuída pelo agora afortunado (no sentido monetário) investigador dinamarquês.
O Polígrafo, por exemplo, foi em Portugal um dos ponta-de-lança mais activos nesta campanha, “desenterrando” muitas vezes, teorias da conspiração – quanto mais estapafúrdias melhor – para negar a possibilidade de debates sérios. Veja-se o caso de um fact-checking de Gustavo Sampaio de 20 de Março de 2020, onde a pretexto de uma hipotética e absurda tese (vinda de um simples post de origem não identificada das redes sociais) de alguém ter criado um vírus para matar 1% da população (como se houvesse essa possibilidade de “programação”), se insiste na irrefutável origem natural do novo coronavírus.
[Já agora, o “artigo” de Gustavo Sampaio teve o ”Alto Patrocínio” da Direcção-Geral da Saúde e do Facebook, o que convém sempre destacar. E também convém relembrar que o Polígrafo participou num projecto de suposto jornalismo colaborativo denominado CoronaVirusFacts Alliance, uma união de fact-checking para “verificar” (aspas minhas) a veracidade das informações colocadas a circular online]
Também sobre o tema da origem laboratorial do SARS-CoV-2, o Observador até fez, na altura, dois fact checkings, em 9 de Fevereiro e em 18 de Março de 2020, sempre pela jornalista Marta Leite Ferreira – mais uma ponta-de-lança do jornalismo português para a criação da dogmática narrativa oficial da pandemia – que, agora, a devia fazer corar de vergonha, se a vergonha fosse atributo que ela reconhecesse.
A forma como a diligente imprensa mainstream, através de jornalistas sem coluna vertebral e sem princípios deontológicos, tratou supostos “dissidentes” da narrativa pandémica – na origem do vírus, na eficácia das máscaras, nos certificados digitais como estratégia de controlo da transmissão, na necessidade de vacinação de menores e jovens saudáveis, na “justeza” da discriminação de não-vacinados, na recusa de debater efeitos secundários das vacinas, etc. – ficará como uma Página Negra (que digo!, uma enciclopédia inteira) do Jornalismo.
Veja-se ainda, por exemplo, o que, a páginas tantas, a jornalista Clara Barata, do Público, escreveu recentemente, em 12 de Janeiro, à laia de obituário de Luc Montagnier, com uma passagem completamente infame:
“E continuou [Luc Montagnier] a avançar com as suas ideias controversas. Por exemplo, em 2020, afirmou numa entrevista a um site e depois na televisão CNews (uma espécie de Fox News francesa) que o vírus SARS-CoV-2, que causa a covid-19, teria sido fabricado em laboratório a partir do vírus VIH-sida. ‘Não é natural, é um trabalho de profissional, de biólogo molecular, de modificar as sequências [genéticas]. Com que objectivo? Não sei (…) Uma das minhas hipóteses é que queriam fazer uma vacina contra a sida’, disse na televisão.
A tese de Luc Montagnier – que não convence a comunidade científica – era muito parecida com a de um estudo indiano publicado online, sem ter sido submetido a avaliação pelos pares, e muito contestado pelos especialistas, relata o Le Monde. O artigo evocava ‘uma semelhança estranha’, ‘que tem poucas hipóteses de ser fortuita’ nas sequências de aminoácidos de uma proteína do SARS-CoV-2 e outra do VIH-sida.
Apesar de desacreditado pelos cientistas, este artigo fez sucesso entre os aficionados das teorias da conspiração, e correu muito pelos sites sensacionalistas, antes de ser retirado pelos próprios autores. Aquelas sequências de aminoácidos eram afinal banais, e podem ser encontradas em inúmeras proteínas.”
Em 13 de Março de 2020, numa famosa homília que deveria envergonhar um jornalista, Rodrigo Guedes de Carvalho disse: “Aos vossos avós foi-lhes pedido para irem à guerra. A vocês pedem-vos para ficar no sofá. Tenham noção“.
Aquilo que Clara Barata merecia agora, se fosse cientificamente possível, era uma visita fantasmagórica de Luc Montagnier para levar com uns calduços.
Enfim, depois disto, espero que Edgar Caetano, Gonçalo Sampaio, Marta Leite Ferreira, Clara Barata e tantos outros aqui não citados (mesmo merecendo), “tenham noção”, como disse, num também infame contexto, Rodrigo Guedes de Carvalho. Aliás, este, por tudo aquilo que fez e disse, nem perdão merece. Apenas asco.