Etiqueta: Editorial

  • Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…

    Sai mais uma ciclogénese explosiva, um rio atmosférico e um comboio de tempestades para a mesa do canto…


    Sou um jornalista que adora mistérios – que, na verdade, revelam tão-só uma coisa: ignorância. E adoro mistérios porque detesto a ignorância. A minha própria, para começar.

    E, por isso mesmo, por pura ignorância minha continua a ser um mistério para mim os recorrentes temas abordados pela directora-adjunta do jornal/rádio Observador, Filomena Martins.

    gray asphalt road under gray clouds

    Por Zeus!

    Por Hermes!

    Por Tyche!

    Por Néfeles!

    Por Zéfiro!

    Por Éolo!

    Por Bóreas!

    Por Notus!

    Por todos os Anemois!

    Por Tutatis!

    Filomena Martins diz, na sua biografia, que “depois da paixão pela história e da prática obsessiva na área da arqueologia”, acabou licenciada em Comunicação Social, tendo passado pelo Record, Correio da Manhã, Sábado e Diário de Notícias, antes de ingressar em Março de 2015 no Observador. E conclui: “O resto é história”.

    Não é só história; é meteorologia também, mas da dura, ao melhor estilo do jargão meteorológico, onde não há apenas chuva, sol, humidade relativa, pressão atmosférica e, vá lá, um ‘anticiclonezito’ dos Açores.

    Não. A directora-adjunta do Observador – que em 44 textos escritos este ano, 34 vezes dedica-os à meteorologia – não é assim tão simplista. Por exemplo, hoje anuncia que a tempestade Domingos “não será tão devastadora como a sua ‘irmã’ Ciarán, porque a ciclogénese explosiva se produzirá no mar”.

    Na pena de Filomena Martins, aquilo que em tempos não muito longínquos seria, enfim, um temporal outonal – cujos estragos causados se devem mais ao péssimo planeamento biofísico do território (o saudoso arquitecto Ribeiro Teles explicava isso muito bem) e à ainda pior gestão de equipamentos urbanos (a começar pelas sarjetas) – transforma-se numa “das mais violentas tempestades a atingir o Reino Unido nesta altura do ano”, sendo a “depressão mais grave e profunda da temporada”; é, enfim, “trocando por miúdos”, para citar textualmente a directora-adjunta do Observador, é “um ciclone bomba”.

    E porquê? Porque, explica ela, “a forma como evoluiu o tornou raro, mesmo muito raro. Falamos de uma tempestade em que a pressão atmosférica deve cair 29 hPA num só dia, quando o limite de uma ciclogénese já explosiva na nossa latitude costuma ser de 20/24 hPa em 24 horas. Ou seja, a intensificação vai acontecer de uma forma extremamente rápida, daí tornar-se tão violenta”.

    Eis o melhor estilo do atirar um número ao calhas e com uma unidade sobre a qual o vulgo nada sabe e a jornalista nada explica. Só para impressionar e assustar. Ah!, já agora hPa são hectoPascais, que são 100 Pascais, coisa que a jornalista Filomena Martins acha que não precisa de dar nem de contextualizar. Antigamente, usava-se mais os bares, mas agora não deve ser tão vendável… As voltas que o circunspecto Anthimio de Azevedo deve estar a dar…

    green leaf tree under cloudy sky

    Tudo nos textos meteorológicos de Filomena Martins – que seguem uma escola, mas em que ela se transforma em sacerdotisa – remetem para o trágico, fatal, sinistro, aterrorizante, cruel, diabólico – e patético, acrescento eu.

    Nunca na minha vida (como técnico e como jornalista), em que me debrucei e li muito sobre eventos meteorológicos extremos, alguns com tendência crescente de frequência, tinha assistido, como no último ano, a títulos da imprensa como – e vou citar títulos da Filomena Martins – “rio atmosférico atravessa centro do país”, ou ainda “Portugal atingido por um comboio de tempestades”, ou ainda “Furacão Franklin+DANA espanhola = nova tempestade”, ou ainda “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um “rio atmosférico” na quarta-feira”, ou ainda “Esta quarta foram batidos seis recordes de temperaturas de abril. Mas o pior chega amanhã”, ou ainda “Vêm aí dois dias com umas gotas de chuva. E depois uma semana de forno, em que se pode chegar aos 35ºC”, nestes casos sempre com mapas de amarelo para cima e nunca muito abaixo de vermelho, que melhor sempre se mostra meter encarnado em cima de vermelho.

    A loucura que se passou na pandemia – com a comunicação social a desejar e a promover o “quanto pior, melhor” – está agora a tentar seguir o seu caminho com as alterações climáticas, onde se confunde e exagera cada evento meteorológico diário, como se fosse, cada pingo de chuva ou cada subida de nível do mercúrio, uma prova irrefutável do aquecimento global.

    Como tenho defendido, e continuarei a defender, existem evidências de uma intensificação de fenómenos climáticos em determinadas regiões do Mundo que devem merecer acção – e mais de adaptação já do que de inversão de emissões –, mas não pactuo com falácias, nem hipocrisia e não assino linhas de comunicação que assentam no susto, no pavor, na manipulação. Ainda há duas semanas abordei essa questão num absurdo artigo do Expresso sobre a Torre de Belém.

    Pior ainda, sou visceralmente contra a banalização comunicacional de eventos meteorológicos, através da emissão de constantes alertas amarelos, laranjas e vermelhos pelo Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA). E sou contra o uso de jargão técnico que, no contexto do quotidiano, são percepcionados de uma forma distinta. Não cuidar da comunicação, exagerando e exacerbando, faz-me sempre lembrar a história do lobo e do Pedro: com tanto alerta, certo dia ninguém acreditará nas Filomenas Martins – como eu já não acredito.

    E isso não é necessariamente bom, nem sequer para as causas que supostamente certos jornalistas, por moda, defendem sem saberem da poda. E sou sobretudo contra este nível de comunicação porque serve para desculpar tudo e um par de botas, como se tem visto com o (contínuo) excesso de mortalidade em Portugal.

  • Eu quero estar no ranking dos jornalistas mais odiados pelas agências de comunicação

    Eu quero estar no ranking dos jornalistas mais odiados pelas agências de comunicação


    Quando se pensa que já se chegou ao fundo do poço, há sempre alguém que puxa por uma picareta e continua a cavar. Se estiver muito duro, vai mesmo com martelo pneumático. É neste estado que se encontra o jornalismo português: ainda longe de atingir um fundo por mais baixo que esteja.

    O caso da eleição pelos funcionários das agências de comunicação – que trabalham para empresas privadas e instituições públicas – dos “jornalistas mais admirados”, ou amados, e também do top 15 das equipas de jornalistas, mais parece uma ‘rábula’ do PÁGINA UM que, ao longo dos últimos dois anos, tem denunciado, com casos e nomes concretos, a promiscuidades de alguns jornalistas e directores editoriais que somente têm contribuído para o pântano da imprensa. Imaginei fazer um trabalho dessa natureza, mas daria demasiado trabalho e aumentaria ainda mais o lote de ‘inimigos’ entre a classe.

    Não precisei disso. Houve mesmo uma consultora, a Scopen, que se predispôs, recorrendo a votos das agências de comunicação, a uma eleição dos ‘jornalistas mais fofinhos’ – daqueles que o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas aprecia, que a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista ama e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social glorifica. E assim se destacou os seguintes jornalistas, por ordem de preferência: Joana Petiz (Novo), Ana Marcela (Eco), Maria João Vieira Pinto (Marketeer), Maria João Lima (Marketeer), Ana Maia (Público), Carla Borges Ferreira (Eco), Miguel Prado (Expresso), Cátia Rocha (Observador), Fátima de Sousa (Briefing), Margarida Vaqueiro Lopes (Exame), Isabel Vicente (Expresso), Mariana Bandeira (Jornal Económico), Karla Pequenino (Público), Ricardo Costa (SIC), Mariana Dias (Dinheiro Vivo), Rosália Amorim (TSF), Vítor Andrade (Expresso), Fernando Paulo (Imagens de Marca), Maria Teixeira Alves (Jornal Económico), Nuno Vinha (Jornal Económico), Carla Jorge (Lusa), Susana Oliveira (Lusa), Pedro Duriães (M&P), Bruno Roseiro (Observador), Tiago Neto (Sábado), Bento Rodrigues (SIC) e Cláudia Silva Carvalho (Time Out).

    A informação oficial indica, não os mencionando, que houve mais 105 jornalistas referenciados pelos funcionários das agências de comunicação como “best journalist to work with”.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Que as agências de comunicação tenham perdido o pudor, não surpreende. Tudo se faz já às claras com directores de jornais a darem boas-vindas a parceiros comerciais das empresas gestoras de órgãos de comunicação social e jornalistas a fazerem simultaneamente trabalho de marketing e escrita de notícias (ou publicidade encapotada em notícias). Mas, pelos Céus, listarem publicamente os best journalists to work with? Assumirem que trabalham com jornalistas e assumem que gostam mais de um do que de outros?

    Mas para que esta patetice se transformasse em drama teria de se colocar a cereja no topo do bolo. Por exemplo, a revista Forbes – um dos títulos da Media N9ve, que integra o semanário Novo, agora dirigida por Joana Petiz, titulou ontem: “Jornalista da Media9 é a mais admirada pelas agências de relações públicas”.

    O jornal ECO também se congratulou com o facto de ser “um dos meios de comunicação social com menções por parte dos profissionais de agências de comunicação quando questionados sobre os ‘jornalistas que mais admiram’”, destacando mesmo as posições das suas duas jornalistas, Ana Marcela e Carla Borges Ferreira.

    O incómodo que este ranking causou na classe – obrigando mesmo o Sindicato dos Jornalistas a fazer um comunicado de imprensa relâmpago – só demonstra que se está perante a lei da barata: quando há agências de comunicação que ‘amam’ jornalistas, e listam duas dezenas, então é porque há 200 que, escondidos, chafurdam na promiscuidade.

    Por isso mesmo, só aceitarei um dia estar num ranking se for sobre os mais odiados pelas agências de comunicação – seria um fidedigno indicador de estar a fazer um trabalho rigoroso, sem vergar a interesses económicos ou políticos, em prol do verdadeiro jornalismo.

  • ERC: das cem páginas sobre o Notícias Viriato até à sem vergonha sobre a Global Media

    ERC: das cem páginas sobre o Notícias Viriato até à sem vergonha sobre a Global Media


    Na verdade, não quero ser acusado de desinformação. São mais de cem páginas. São 135 páginas. Atentem bem: 135 páginas. Os mestrados, por norma em diversas universidades, não podem ultrapassar as 80, por vezes bastam duas ou três dezenas. Mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social decidiu disponibilizar meios e tempo para uma investigação exaustivíssima ao sítio electrónico Notícias Viriato, que andou activo durante o período pandémico, mas que deixou de dar sinais de vida desde 1 de Fevereiro de 2022. Já lá vão quase 21 meses.

    Aliás, ninguém sabe do seu responsável, António Abreu, que, apesar do voluntarismo, não se poderia dizer jamais que fizesse jornalismo, apesar de estar inscrito na Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, como se sabe, integra tudo e um par de botas.

    ERC: regulador que regula quem deve ser regulado.

    Enfim, mas certo é que alguém da ERC decidiu que, dando entrada uma denúncia sobre o Notícias Viriato por ser “um site de desinformação”, em 12 de Janeiro de 2020 – portanto, há mais de três anos e nove meses – se deveria fazer um tratado sobre a coisa. E, portanto, três anos e nove meses depois, lá temos a Deliberação ERC/2023/341 (OUT-NET), que, para efeitos de regulação (do ponto de vista académico, concedo que terá algum), serviria para pouco mais do que limpar o anel posterior se não fosse sair apenas em formato digital. Até porque não eram necessários três anos e nove meses nem 135 páginas para concluir, sobre um site que nem sequer está activo há mais de uma vintena de meses, o óbvio: “não sendo um órgão noticioso, mas apresentando-se como tal, o Notícias Viriato engana o público”.

    Mas, enquanto a ERC gasta tempo e meios para dissecar inutilmente o Notícias Viriato, já sobre a dívida colossal e escandalosa ao Estado por parte da Global Media moita-carrasco. Instado várias vezes pelo PÁGINA UM a explicar as razões pela qual não investiga as contas da Global Media – que tem participação na Agência Lusa – para saber o motivo de não estar identificada a entidade pública a quem esse grupo de media tem um calote de 10 milhões de euros, a ERC tergiversa.

    Atente-se às justificações hoje transmitidas por correio electrónico a um pedido de esclarecimento do PÁGINA UM.

    Embora diga que “não obstante, pontualmente e por razões proporcionais e necessárias, poder recorrer ao cruzamento com outras fontes disponíveis para verificar o cumprimento” das exigências de informação verdadeira no Portal da Transparência dos Media, a ERC diz depois que, como “o universo de regulados é vasto”, procura promover “o tratamento equitativo de todos eles”. Portanto, o pasquim da Vila da Pocariça deve ser regulado da mesma forma que a Global Media…

    [Bom, a atender pela actual tiragem do Diário de Notícias talvez até faça, assim numa primeira análise, algum sentido.]

    E depois confessa, em seguida, que “não dispõe de fundamento legal e meios para aplicar sistematicamente o grau de escrutínio” que o PÁGINA UM sugeriu: a simples análise dos Relatório e Contas, que qualquer licenciado em Economia, Gestão ou Contabilidade sabe fazer em cinco minutos.

    E, por fim, depois de umas considerações sobre a ausência de menção na lista de devedores à Autoridade Tributária e Aduaneira – e é esse mesmo um dos problemas da Global Media: uma tão grande dívida, que supostamente não será fiscal ou então está a ser escondida por razões políticas –, a ERC ainda diz que o objectivo da Lei da Transparência dos Media tem “implícito um horizonte temporal de médio/ longo prazo por forma a ser possível, correta e fidedignamente, ‘a promoção da liberdade e do pluralismo de expressão e a salvaguarda da sua independência editorial perante os poderes político e económico’”, concluindo que, “neste enquadramento, recomendamos que a informação da Plataforma da Transparência seja lida na sua globalidade e não num horizonte temporal de curto prazo”.

    Marco Galinha

    Basicamente, a ERC quer que o PÁGINA UM esqueça o assunto, porque a ERC não quer incomodar os negócios da Global Media, nem quer que se saiba quem autorizou, sem mexer uma palha, um acréscimo de calote público em sete milhões de euros em apenas um ano, nem quer investigar se houve ‘condições’ políticas e financeiras para que Marco Galinha e seus sócios continuassem docemente a agir como se nada se passasse.

    Para a ERC, andar por aí um órgão de comunicação social a dever 10 milhões de euros ao Estado, a acumular prejuízos de 42 milhões de euros desde 2017 e com estranhas movimentações da sua estrutura accionista, não é problema nenhum.

    Grave, grave será um site de uma só pessoa, inactivo desde Fevereiro de 2022, não é? Isso sim merece investigação detalhada de mais de dois anos com 135 páginas.

  • A morte do jornalismo: a notícia mais lida do Observador foi um patrocínio da EDP

    A morte do jornalismo: a notícia mais lida do Observador foi um patrocínio da EDP


    Este editorial não precisa de ser grande. Pela madrugada, abri o Observador e passei os olhos pelo destaque das notícias “Mais Populares” nos últimos dois dias. No topo surgiu, antes mesmo da notícia sobre uma grávida com o bebé morto mandada para casa pelo crónico Hospital Beatriz Ângelo, e de uma louvaminha ao novo bispo de Setúbal (transformado pelos media em nova coqueluche eclesiástica), um artigo com o típico piscar de olhos para o clique (com o ponto de interrogação final): “2024 é o ano para comprar um carro eléctrico?

    Antes mesmo de ser seduzido para a leitura desta notícia-pergunta, respondi ironicamente: claro que sim, sobretudo se tiver um carro anterior a 2007 e dinheiro para comprar um carro eléctrico – o que me parecem duas condições economicamente incompatíveis entre si.

    Notícia mais popular do Observador nos dias 26 e 27 de Outubro foi escrita por um ‘ghost writer’ do Observador Lab, criado para parcerias comerciais.

    Mas lá vou, para dentro da notícia. Ou melhor ‘notícia’: ainda consigo ler o lead – onde, num estilo pessoal e intimista, surge a informação de que “se a ideia de comprar um carro elétrico não lhe sai da cabeça, fique a saber que não é o único: em Portugal, as vendas de viaturas 100% elétricas cresceram 149%, entre 2020 e 2022”.

    Aprestava-me para continuar a leitura, fazendo scroll sobre fotografia de um carro eléctrico a carregar (usei um computador), quando o meu olhar se desviou para a esquerda e leio o nome do ‘jornalista’: Observador Lab, com a indicação de “conteúdo patrocinado por EDP”. Com o logótipo da dita empresa.

    Não sei se a direcção editorial do Observador tem a noção da gravidade desta situação – e se são como David Pontes, no Público, ou João Vieira Pereira, no Expresso – só para citar aqueles que mais “comércio de notícias têm feito –, que clamam por independência enquanto “amaciam” patrocinadores.

    E também duvido que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e o seu Conselho Deontológico (que no meio do pântano nacional, decidiu agora ‘marrar’ contra um jornal regional por noticiar fait divers e life style) tenham a noção da caixa de Pandora que aqui se abre.

    Printscreen retirado hoje às 04:00 horas

    Na verdade, por este caso – e que terá tendência a repetir-se –, há três coisas que me causam urticária como jornalista.

    Primeira: é extraordinário que a própria direcção editorial do Observador – e não me digam que é um bug – permita que, num ranking de notícias, não se separe aquilo que são textos jornalísticos (feitos por jornalistas com, carteira profissional e código deontológico) e aquilo que são textos comerciais (feitos por ghost writers, que às tantas são jornalistas a fazer uns biscates). Talvez a direcção editorial do Observador já não os consiga distinguir.

    Certamente, se não foi intencional esta mistura, de fazer passar conteúdos comerciais por notícias – até porque no Google News o texto da EDP surge como notícia –, a EDP ficará bastante satisfeita pela prestação de serviços. Repetirá a dose, no futuro, porque misturando-se isto tudo pode ter maior projecção. Talvez passe a pagar em função dos cliques.

    Aviso que não quero ser sequer ‘mauzinho’, especulando que o dito texto patrocinado pela EDP foi, de início, artificialmente ‘inflacionado’ para surgir no ranking, suscitando assim que, por curiosidade (como a minha), os leitores o visitem… Há gente para tudo, mas eu não quero aqui insinuar nada, embora me apetecesse…

    Segunda: com este modelo de textos patrocinados por empresas – e daqui a nada por Governos, e, porque não, por partidos políticos –, e se for economicamente bem sucedido, está a alimentar-se uma casta de “jornalismo prostituto”, onde directores editoriais se transformam em directores comerciais, que passam a buscar clientes para textos de promoção em vez de buscarem notícias para os leitores.

    Terceira: com o sucesso deste tipo de textos patrocinados por empresas (ou Governos ou partidos políticos, um dia…), deixa de haver espaço para o jornalismo de investigação, de denúncia, de pressão, de consciência cívica, daquele jornalismo que incomoda e que, lamentavelmente para os ‘directores comerciais’ travestidos de jornalistas, podem afugentar potenciais patrocinadores de textos que seguirão para o topo dos “Mais Populares”.

    Miguel Pinheiro, director executivo do Observador.

    Como isto anda, tenho a convicção de que haverá, em breve, consumando-se este processo de prostituição do jornalismo (notem que não meti aspas), haverá mais do que um “imoral despedimento colectivo”, como o da Bola, criticado (obviamente) pelo Sindicato dos Jornalistas.

    Mas quando esses eventos se massificarem, expectáveis pela crescente degradação da ética nesta profissão (afinal, para que servirá, se basta no futuro saber escrever para agradar a clientes?), o Sindicato e todos os outros que se calam agora, assobiando para o ar (enquanto garantem o salário por ‘bom comportamento’), só terão então uma coisa a fazer: culparem-se pela omissão. E nem será culpa por negligência. Será por dolo: os jornalistas, em tempos alcandorados como a consciência cívica das sociedades, serão os culpados por se tornarem vítimas, porque aceitaram esse papel.

    Ah, e já agora, e de que se tratava afinal a notícia mais popular do Observador nos últimos dias? Ora!, poupem-me…

  • O jornalismo mata-se com hipocrisia: o caso David Pontes, director do Público

    O jornalismo mata-se com hipocrisia: o caso David Pontes, director do Público


    Ontem, o PÁGINA UM foi obrigado, pela segunda vez no espaço de uma semana, por deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, a publicar um direito de resposta do director do Público, David Pontes. Em causa estiveram duas notícias factuais do PÁGINA UM que revelavam as promiscuidades comerciais entre este órgão de comunicação social e, no primeiro caso, entidades públicas (Biopolis e Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte) com vista à prestação de serviços de ‘feitura’ de notícias de ambiente; e, no segundo caso, uma farmacêutica (Sanofi), com vista à ‘promoção’ de uma doença (infecções pelo vírus sincicial respiratório) para a posterior ‘promoção’ e venda de um fármaco.

    David Pontes justificou, em ambos os casos, que as notícias – factuais e evidentes – do PÁGINA UM afectavam o “bom nome” daquele jornal. Sou de opinião de que o “bom nome” de alguém, ou de um jornal, é afectado sobretudo pelas suas próprias acções, e mal seria se um mensageiro ou um denunciante, dizendo a verdade, fosse agora culpado pela perda desse suposto “bom nome”. O jornalismo é, sobretudo, não assumir que o “bom nome” é algo perene, que não pode ser colocado em causa.

    Bem sei que o instituto do direito de resposta é sagrado – e o PÁGINA UM só não o aceita de imediato, como sucedeu aos pedidos de David Pontes, quando, através dessa resposta, se transmitem falsidades sobre o meu trabalho e sobretudo se notar ali posturas de hipocrisia. Nesses casos, somente publicarei direitos de resposta sempre sob protesto, em consequência de deliberações da ERC.

    Sobre esta matéria, e porque é vedada a possibilidade de contra-argumentar no próprio dia da publicação do direito de resposta, atente-se agora na parte final do texto de ontem de David Pontes: “No PÚBLICO, a redacção não sabe nem tem de saber dos negócios que a Direcção Comercial faz com empresas para efeitos de publicação de conteúdos comerciais. A redacção não faz escolhas editoriais tendo em conta o que sai ou não sai no Estúdio P ou noutro espaço comercial.

    Nem de propósito, enquanto escrevia este texto, decorre no auditório do Museu do Oriente uma conferência subordinada ao hidrogénio verde, a ser transmitida online, “promovida pelo jornal Público em parceria com as Galp, a Hyveritas, a PRF, a SmartEnergy, com o apoio institucional da Associação Portuguesa de Energias Renováveis e da Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio e ainda tendo a Deloitte como parceira de conhecimento”. Assim é apresentada. E consta na secção Estúdio P, com a devida referência a “Conteúdo comercial”.

    E é “Conteúdo Comercial” porque, na verdade, mesmo que se ouça ou leia “parceria”, há sim um pagamento pelos ditos “parceiros”, que, na verdade, recebem uma factura pela prestação de serviços, neste caso, a conferência com direito ao uso da chancela Público, como jornal.

    Mas é aqui que a ‘porca torce o rabo’. e é aqui que muitos directores editoriais permitem a promiscuidade que somente uma torpe hipocrisia pode sustentar.

    Pode defender-se que um jornal, ainda mais nestes tempos de multimédia, se comporte como uma estação de televisão ou uma rádio, fazendo conviver programas de entretenimento ou de formação – onde é mais do que aceitável e bastante justificável o patrocínio ou publicidade, devidamente identificados – com programas de informação. Porém, nos programas de informação ou com conteúdos informativos jamais é aceitável que surja directa ou indirectamente qualquer relação comercial externa com a actividade jornalística, mesmo se implicitamente mencionada sob a forma de “parceria”, porque isto é um eufemismo comercial para prestação de serviços a troco de dinheiro.

    E, no meio disto, os jornalistas só podem fazer como o diabo fez à cruz: fugir dali a sete pés. O mundo dos jornalistas é fazer notícias; não é ser um funcionário comercial.

    Ora, no jornalismo, tem de se ser como a ‘mulher de César’. E por isso quem diz: “No PÚBLICO, a redacção não sabe nem tem de saber dos negócios que a Direcção Comercial faz com empresas para efeitos de publicação de conteúdos comerciais“, tem de ter noção do valor das palavras.

    Assim sendo, quem acham que foi o mestre-de-cerimónias da dita conferência comercial sobre hidrogénio verde paga por um leque de empresas e associações?

    Nem mais: David Pontes, director do Público – esse mesmo que, vamos lá repetir, escreveu que “no PÚBLICO, a redacção não sabe nem tem de saber dos negócios que a Direcção Comercial faz com empresas para efeitos de publicação de conteúdos comerciais”, e que garante que “a redacção não faz escolhas editoriais tendo em conta o que sai ou não sai no Estúdio P ou noutro espaço comercial.”

    Como manter a equidistância quando jornalistas noticiam sobre empresas que, por sua vez, são parceiras comerciais em eventos pagos onde esses jornalistas participam activamente?

    Talvez não faça escolhas editoriais em função destes pagamentos – e talvez o facto de o Público ter publicado, ao longo dos últimos tempos, dezenas de artigos noticiosos sobre hidrogénio verde seja apenas por interesse editorial, e que, por exemplo, empresas como a Galp surjam agora sempre como paladinos do ambiente seja porque, enfim, são mesmo paladinos do ambiente.

    Mas se David Pontes quer manter a aparência de jornalista impoluto – batendo no peito a sua independência e mostrando-se ofendido por acusarem o seu jornal de promiscuidades –, não convém então que vista a pele de lobo, querendo com isso parecer cordeiro.

    Não convém nada que, por exemplo, apareça assim numa sessão de boas-vindas de um evento comercial – um dos tais que ele diz não sabe nada nem ter de saber –, a declarar logo no início: “Queria agradecer a todos os presentes e a todos os que fizeram esta conferência possível; obviamente aos nossos parceiros: a Galp, a Hyveritas, a PRF, a SmartEnergy, a Deloitte, como nossa parceira de conhecimento, e ainda obviamente a Associação Portuguesa de Energias Renováveis e a Associação Portuguesa para a Promoção do Hidrogénio”.

    people protesting inside building

    Isto foi o que ficou gravado. E imagine-se aquilo que não ficou, entre salamaleques, enquanto a Público Comunicação Social S.A. facturava aos “parceiros” a credibilidade de um jornal com a presença do seu próprio director como mestre-de-cerimónias. Não é essa a função de um jornalista, muito menos de um director que quer ser credível, e que acha que o jornalismo se credibiliza com essa promiscuidades.

    Enfim, o problema disto tudo não é só a hipocrisia; é estar a matar-se, assim, o jornalismo. E achar-se que o ‘mau da fita’ é o mensageiro e não o hipócrita que só torna a degradação ainda mais lastimável.

  • Público: mercadejar o jornalismo (até à prostituição), assistido por um regulador ‘fora de prazo’

    Público: mercadejar o jornalismo (até à prostituição), assistido por um regulador ‘fora de prazo’


    O PÁGINA UM publicou ontem, por imposição da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), um direito de resposta do director do Público, David Pontes, sobre um tema que, aliás, o próprio regulador, desde Junho, não quer comentar: a celebração de contratos entre empresas detentoras de órgãos de comunicação social e entidades públicas, onde se mercadeja o serviço de jornalistas. A resposta do director do Público surgiu em reacção a um artigo que abordava, em concreto, contratos comerciais a executar por jornalistas na secção Azul, dedicada ao Ambiente.

    Não há outro termo nem aspas a usar: são mesmo contratos de prestação de serviços a serem executados por jornalistas, a maioria das vezes, por responsáveis editoriais que são os primeiros a aprestar-se a essa tarefa e a ludibriar os leitores, porquanto, na generalidade dos casos, nem sequer se identifica claramente que há um pagamento de uma entidade externa pela actividade desenvolvida por jornalistas. São tantos que o PÁGINA UM criou uma secção autónoma.

    man in red and black outfit air diving

    Convém referir que a publicação de um direito de resposta – ainda mais neste caso (e haverá ainda outro, que teremos de publicar ainda hoje ou o mais tardar amanhã) – não significa, antes pelo contrário, que o órgão de comunicação social tenha errado na sua notícia, que tenha escrito uma mentira ou que não tenha cumprido regras deontológicas e de rigor.

    Nesse aspecto, a ERC tem tido uma leitura muito abrangente, concedendo o direito de resposta se o visado simplesmente invocar que prejudica a sua fama (mesmo que seja má pelos actos que pratica), uma vez que defende que “o instituto do direito de resposta não é animado do propósito de busca da verdade material – cujo controlo não cabe aos órgãos de comunicação social, nem, tão-pouco, em princípio, ao próprio regulador, por não ser essa a sua vocação”.

    No entanto, convém referir que na sua análise que implicou a obrigatoriedade de publicação do direito de resposta do director do Público (com um dia de destaque), em consequência de um artigo da minha autoria em 5 de Junho passado, os três membros ainda restantes de um Conselho Regulador já fora do prazo de validade – se é que alguma vez teve –, tecem algumas considerações que merecem comentário.

    De forma mais ou menos explícita, embora prometendo analisar o caso em concreto (já lá vão quase cinco meses), a ERC tende a manifestar já que os dois contratos de prestação de serviços do Público – um com a Biopolis (uma associação de direito público que integra universidades) e outro da Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N), com uma forte componente política – são banais, aceitáveis e, quiçá, passíveis de serem multiplicados no futuro. Chegam mesmo, os ditos três membros do Conselho Regulador da ERC, a sustentar que a interpretação do PÁGINA UM sobre as cláusulas dos contratos em causa – e em particular do da Biopolis – “é manifestamente desprovida de sustentação e, inclusive, abusiva”.

    Portanto, a ERC – que recentemente já tinha sido pífia na não-responsabilização de directores editoriais pela existência de ‘jornalistas comerciais’ – obriga-me a retomar o assunto. E com assertividade, até porque há actualizações. E daquelas que ainda pioram mais a postura do Público.

    Não será surpresa nenhuma – porque tenho vincado isso, aqui, por diversas vezes – que eu diga que o estado pantanoso, mais ao estilo de uma cloaca do que de um ecossistema lacustre, da imprensa portuguesa se deve, primeiro, a directores editoriais que se transformaram em directores comerciais, mercadejando notícias; e, segundo, a uma regulação frouxa, comprometida e interessada em não beliscar um negócio (media) em profunda crise financeira, grave por ser uma crise sustentada em falta de credibilidade. O caso da Global Media é disso um exemplo. Como já não consegue vender notícias ao leitores; já vende jornalistas para vender promoção de clientes. Morrerá no dia em que os clientes que lhe pagam a promoção verificarem que essa promoção é vista pelo boneco.

    Mas regressemos ao foco. Independentemente das interpretações – que basicamente constituem a aplicação literal das cláusulas contratuais dos acordos comerciais entre a empresa do Público e a CCDR-N e a Biopolis para financiar uma secção jornalística denominada Azul – há um facto incontornável, indesmentível, indelével: há um elefante na sala. E esse elefante chama-se contrato de prestação de serviços para a execução de tarefas jornalísticas por jornalistas.

    Só a simples previsão, teórica, de contratos de prestação de serviços de jornalismo (que deveria ser sinónimo de isenção e independência) envolvendo entidades públicas (e privadas) deveria causar engulho, vergonha, generalizada desaprovação – e opróbrio para quem, sendo jornalista, se permite assinar e executar este tipo de tarefas. Venha a direcção do Público, ou outra qualquer, justificar-se com muitos murros no peito ufando a palavra independência. Venham os reguladores fora do prazo que vierem, digam eles o que quiserem, mesmo que sentenciem ser “abusivo” alguém interpretar que contratos de prestação de serviços envolvendo jornalistas é mercadejar o jornalismo. E até se pode dizer mais, e que se diz porque estamos perante uma opinião: é prostituir o jornalismo.

    Se isto serve em teoria, recordemos em concreto os contratos do Público, e as suas cláusulas. No caso da Biopolis, a troco de 90.000 euros, o Público comprometeu-se publicar “26 (vinte e seis) artigos editoriais, nos termos e condições definidos no Anexo I ao Caderno de Encargos [que não está no Portal Base nem a ERC quis saber dele], que resultem de uma escolha independente e sem qualquer condicionalismo ou ingerência por parte da Biopolis, entre os projectos científicos disponibilizados por esta, a fim de lhes ser dado o tratamento e enquadramento jornalístico necessário para contratos em causa. A publicação dos artigos daqui decorrentes far-se-á acompanhar da referência ‘Promovido por Biopolis”. E acrescenta-se depois que “o Público obriga-se ainda [é extraordinário um jornal obrigar-se a cláusulas a quem lhe dá dinheiros para escrever 26 artigos editoriais] ao cumprimento das seguintes obrigações:

    1. Sujeitar-se à verificação da Biopolis, no que diz respeito, em exclusivo, ao cumprimento dos prazos definidos;
    2. Prestar as informações e esclarecimentos solicitados pela Biopolis sempre que assim o requeira;
    3. Garantir os recursos humanos e materiais por forma a prestar o serviço contratado;
    4. Executar um serviço de qualidade;
    5. Executar o serviço, que lhe for adjudicado, com absoluta subordinação aos princípios da ética profissional, isenção, independência, zelo e competência;
    6. Garantir sigilo quanto aos dados pessoais de que tomem conhecimento com a prestação de serviço

    Quem – a não ser, claro, a administração, a direcção comercial e a direcção editoral do Público, e também os três membros do Conselho Regulador fora do prazo – pode achar normal este tipo de cláusulas ao melhor estilo de ‘vendilhão de templo’?

    Alguém defender que quem assume um contrato desta natureza pode fazer jornalismo isento e independente, não está só a mercadejar o jornalismo; está a prostituir o jornalismo, porque isto é pornográfico. E, sobretudo, está a gozar com a cara de quem é jornalista e que não quer ver a credibilidade da classe assim conspurcada. Para manter empregos não vale tudo, sobretudo se se quer ser jornalista.

    yellow smiley emoji on gray textile

    Aliás, perante contratos desta natureza, nem eu já sei, por exemplo, no caso concreto da secção Azul do Público, se os dois artigos da jornalista Patrícia Carvalho sobre projectos da Biopolis envolvendo o sisão – publicados em 29 de Junho e em 15 de Julho deste ano – se enquadram no contrato de prestação de serviços ou se foi uma ‘borla’, até porque nunca surgiu até agora, em qualquer artigo, a tal prometida referência a “Promovido por Biopolis”. O mesmo se aplica a uma notícia a promover um dos responsáveis pela Biopolis, o biólogo Nuno Ferrand de Almeida, escrita em 30 de Junho deste ano pela jornalista Teresa Firmino.

    Aliás, o problema deste tipo de contratos no jornalismo é esse mesmo: havendo um contrato de prestação de serviços com uma entidade, a partir desse momento, como proceder? Se for feita uma notícia no âmbito do contrato sobre essa entidade passa a escrever-se “Promovido por Fulano de Tal”, e se for publicada de forma autónoma passa a aditar-se “Não promovido por Fulano de Tal”? Já viram a caixa de Pandora que se abre?

    Quanto ao contrato entre o Público e a CCDR-N – uma entidade, repita-se, fortemente politizada –, a situação ainda se reveste de maior gravidade: a troco de 31.000 euros pagos no prazo de 60 dias, o Público obriga-se, de acordo com o caderno de encargos, a “produzir uma série de conteúdos editoriais [leia-se, conteúdos jornalísticos e feitos por jornalistas] relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, de os publicar “nos websites Azul e Publico.pt e no podcast Azul”, mas com uma condição especial: o Público tem de proceder à entrega prévia dos conteúdos para a “respectiva validação” pela CCDR-N.

    woman wearing brown coat playing violin

    Aliás, na cláusula 5ª do caderno de encargos, a CCDR-N trata o Público como se fosse um mero departamento burocrático de comunicação, uma vez que exige, como “forma de prestação do serviço”, que “para o acompanhamento da execução do contrato, o Prestador de Serviços [o Público] fica obrigado a manter, sempre que solicitado, reuniões de coordenação com os representantes da Entidade Adjudicante [CCDR-N], das quais deve ser lavrada acta a assinar por todos os intervenientes da reunião”.

    No seu direito de resposta, hoje publicado no PÁGINA UM, e que foi escrito originalmente em 29 de Junho passado, o actual director do Público, David Pontes, teve a desfaçatez de escrever que aquele contrato de prestação de serviços “corresponde ao início de um processo e não ao seu resultado”, acrescentando que “na proposta apresentada pelo PÚBLICO e aceite pela CCDR-N, é salvaguardada a total independência do Azul e, ao contrário do que foi escrito, não há lugar a qualquer análise prévia dos conteúdos que os jornalistas irão fazer sobre os trabalhos de cooperação e investigação científica do espaço Atlântico”.

    Dizer que um contrato público, depois de assinado, é para cumprir de outra forma, revestir-se-ia de enorme gravidade num país decente, mas a indecência prevalece sob o silêncio do próprio presidente da CCDR-N, que nunca respondeu às questões do PÁGINA UM. Sabe-se agora que o presidente da CCDR-N, António Cunha, assina contratos em que o ajdudicatário diz que o contrato não é para ser levado escrupulosamente a sério. Ou seja, o contrato é fake.

    Mas, afinal, como evoluiu afinal este contrato de prestação de serviços entre o Público e a CCDR-N?

    Pois bem, evoluiu para a mentira – ou, vá lá, para a omissão, que é a ‘siamesa’ da mentira. Além disso, foi um ‘brinde’.

    Fresh Snapper on a Weighing Scale

    Com efeito, entretanto, habemos podcast. No âmbito deste contrato, a secção Azul do Público criou um projecto denominado “Mudar o Atlântico em quatro vagas”, apresentado como sendo “uma série editorial sobre as potencialidades das regiões atlânticas europeias e os desafios que enfrentam a nível ecológico e de crescimento económico, social e territorial”. E acrescenta-se que “esta série editorial tem o apoio do Programa Espaço Atlântico 2014-2020”, surgindo depois o logotipo Interreg Atlantic Area.

    E onde aparece a referência à CCDR-N?

    Não aparece. Omite-se. Mente-se.

    Se o objectivo não fosse mesmo esconder (com a conivência da própria CCDR-N) o contrato de 31.000 euros, dir-se-ia que o Público era ingrato, porque os podcasts não foram nada mal pagos, pois serão apenas quatro. O primeiro episódio, intitulado “Conhecer o oceano”, saiu no passado dia 5 de Outubro e basicamente foi uma conversa com dois oceanógrafos de 15:20 minutos. O segundo episódio, no dia 19, teve também duração de 15:20 minutos, e foi um quase monólogo de Pedro Sepúlveda, director de serviços de Acção Climática e Sustentabilidade da Direcção Regional do Ambiente e Alterações Climáticas da Madeira, sobre lixo marinho.

    Presume-se que os dois episódios seguintes tenham também 15 minutos, o que significa que o contrato com a CCDR-N rendeu ao Público 31.000 euros por hora de emissão, sendo a existência de uma relação comercial com uma entidade da Administração Pública omitida aos ouvintes. Para o ‘frete’, o Público não encontrou nenhum jornalista da casa; e está a usar sim uma recém-jornalista freelancer, Inês Loureiro Pinto (CP 8264), que está assim a ser uma tarefeira para cumprir um contrato de prestação de serviços escindido dos ouvintes.

    Earth with clouds above the African continent

    E, pronto, é nisto que se tem tornado o jornalismo nacional.

    E sabem quais serão as consequências?

    Com esta ERC, nenhumas. Com esta ética no interior da classe jornalística, nenhumas.

    A única coisa que se pode aguardar, na verdade, depois deste meu texto, será um novo pedido de direito de resposta de David Pontes… se for mesmo um cara de pau sem vergonha.

    P.S. No seu texto de direito de resposta, escrito em 29 de Junho, David Pontes escreve: “O Azul e o PÚBLICO pautam-se pela total transparência na relação com os seus parceiros, não tendo qualquer problema em revelar os contratos que firmam com eles, o que irão fazer muito em breve em local próprio“. Quase quatro meses depois, estou, estamos, a aguardar a revelação de tais contratos.

  • Alterações climáticas, Torre de Belém e os 3I do mau jornalismo: incompetência, ignorância e imbecilidade

    Alterações climáticas, Torre de Belém e os 3I do mau jornalismo: incompetência, ignorância e imbecilidade


    Tenho um lema como jornalista: devo escrever para que o meu leitor mais burro me entenda e que o meu mais entendido leitor não me chame burro.

    Isto a pretexto de uma notícia da edição de ontem do semanário Expresso, da autoria da jornalista Carla Tomás, que escreve sobre Ambiente há já umas boas duas décadas – e, portanto, tem mais do que obrigação (nem que seja para si própria) de não transmitir disparates, nem que estes saiam da boca de outros. Excepto se agora os jornalistas forem apenas pés de microfone ou transmissores de narrativas da moda, forçando tudo a ir até às alterações climáticas, como as dissertações do professor Aquiles Arquelau, especialista em Mitologia, que sempre descambavam na Bruna Lombardi.

    gray concrete castle during sunset

    A dita notícia do Expresso, sob o antetítulo de “Crise Climática”, lança a parangona: “Torre de Belém ameaçada por nível do mar e ondas de calor”. E relata o seguinte: “A acelerada subida do nível médio do mar e as cada vez mais intensas e frequentes ondas de calor estão a pôr em risco um dos ícones da cidade de Lisboa, classificado como Património Mundial. Construído no século XVI, o monumento é frequentemente batido pela ondulação em dias de temporal conjugado com a maré alta e corre o risco de ficar inundado no futuro com consequências para a estrutura que sustenta este monumento, isto quando se projeta uma subida de um metro no nível médio do mar antes do final do século”.

    E acrescenta que “o alerta é feito pela arquiteta americana Barbara Judy, que está em Lisboa a coordenar uma equipa que estuda o impacto das alterações climáticas no Mosteiro dos Jerónimos e na Torre de Belém e que, até novembro, irá apresentar um relatório com sugestões de como minimizar os impactos e adaptar este património cultural a eventos extremos futuros”, informando ainda que “os trabalhos resultam de uma parceria da direção do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém com a embaixada dos EUA, no âmbito do Programa Embassy Science Fellow”.

    Pintura de 1811 da Torre de Belém, por John Thomas Serres (1759-1825).

    O artigo da Carla Tomás também apresenta duas fotos do Torre de Belém, em preia-mar e baixa-mar, sendo que na primeira o monumento está rodeado de água e na segunda se vê uma ‘língua de areia’, o que não é surpreendente atendendo que está em plena boca do estuário do Tejo, onde as variações do nível da água do mar (“culpa” da Lua) rondam os três metros.

    Como não me canso de dizer, existem evidências de alterações climáticas, com um aumento significativo do ponto de vista da frequência de fenómenos extremos – e isto independentemente das suas causas, sendo que se estas forem mesmo derivadas do dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa, bem que podemos meter a “viola no saco”, porque a China está a fazer com que qualquer sacrifício de redução seja em vão.

    Mas uma coisa é a necessidade de assumir a existência de um problema – as alterações climáticas, com as suas cambiantes e especificidades, encontrando medidas de minimização, mitigação e adaptação, de forma racional –; outra é a necessidade de não permitir que se tornem um monotema ambiental – e com isso permitir um pornográfico greenwashing, onde se pavoneiam empresas com passado e presente poluidor travestidas agora de “amigas do ambiente” –; e outra ainda, e muito importante, a necessidade de rigor informativo arredando o sensacionalismo manipulatório.

    Torre de Belém, à esquerda, integrado em mapa de Lisboa do século XVIII, onde também se observa o Mosteiro dos Jerónimos ainda quase banhado pelas águas do Tejo. Sucessivos assoreamentos e aterros aumentaram a área terrestre, ligando o ilhéu à cidade.

    Bem sei que a imprensa vive de soundbites, e sei também que, sobretudo depois da pandemia da covid-19, existe uma enorme tentação nas editorias menos escrupulosas de fazer suceder à emergência sanitária uma emergência climática, onde qualquer tempestade se transforma numa evidência das alterações climáticas, quando na verdade os processos são mais lentos, embora inexoráveis, e até mais afastados da Europa. E nem os impactes serão trágicos como uma crise sanitária se houver planeamento preventivo.

    Por exemplo, se não expandíssemos áreas urbanas para leitos de cheia ou não impermeabilizássemos zonas de drenagem, provavelmente não teríamos tantos estragos em tempestades. Ou se fizéssemos uma prevenção mais activa, em simultâneo com mudanças na estrutura silvícola, porventura os incêndios num mundo rural (cada vez mais desertificado de pessoas) não seriam tão dramáticos.

    Mas não quero falar agora mais sobre isso. Foquemo-nos na notícia do Expresso sobre a Torre de Belém – e nos seus disparates.

    Pintura de Filipe Lobo, patente no Museu de Arte Antiga, retratando o Mosteiro dos Jerónimos no século XVII. Ao fundo, à esquerda, a Torre de Belém, bem dentro do estuário.

    Como disse no início, convém a um jornalista que não lhe chamem burro.

    E, assim sendo, que se pode dizer então de uma notícia que, titulando estar a subida das águas do mar e as ondas de calor a AMEAÇAR a Torre de Belém, se “esquece” de referir que, enfim, este agora monumento estava, quando construído no século XVI, num pequeno ilhéu a cerca de 250 metros da margem?

    Carla Tomás, e o Expresso, além das fotos a mostrarem simples variações de marés, deveriam sim ter também apresentado mapas, pinturas ou gravuras antigas onde a Torre de Belém (ou Torre de São Vicente) se mostrava bem dentro do Tejo, tal como a chamada Torre Velha (ou Forte de São Sebastião da Caparica), portanto muito mais “afectada” por ondas e salinidade – muito menos “protegida” do que agora.

    Na verdade, foi a evolução costeira, a dinâmica estuarina, com assoreamentos progressivos, e em outras partes com desassoreamentos para tornar navegável o estuário, a par de aterros – que, por exemplo, “afastaram” o Mosteiro dos Jerónimos das águas do rio Tejo –, que “colocaram” a Torre de Belém onde está. Quer dizer, está no mesmo sítio, mas tudo mudou em seu redor. E essa mudança não foi derivada das alterações climáticas nem é absolutamente nada expectável que o aquecimento global coloque qualquer pressão relevante. Não é por aí que o gato vai às filhoses…

    Torre de Belém, em gravura do século XVII de Dirk Stoop.

    Ao longo dos séculos, e não por causa de quaisquer alterações climáticas, a Torre de Belém – que bem antes da Revolução Industrial (“berço” das emissões de dióxido de carbono) estava rodeada de águas do estuário – foi beneficiando de constantes e sucessivas remodelações e reabilitações, porque o tempo, esse “grande (mau) escultor”, desgasta sem parança. Que haja agora necessidade de uma nova intervenção, parece evidente. Basta conferir o Sistema de Informação para o Património Arquitectónico, onde se constata que foram executadas 27 obras de reabilitação em diversos graus na Torre de Belém ao longo do século XX, mas não havendo registos de alguma acção relevante nas últimas duas décadas. Por isso, sejamos honestos: “pedras partidas, molhes erodidos e juntas sem argamassa”, relatadas pela especialista citada pelo Expresso, não se devem às alterações climáticas. Apenas ao tempo, à lenta acção dos agentes físicos e químicos – e, vá lá, à incúria do Estado em relação a um rico património histórico. Nada mais.

    Torna-se, também, risível a referência no título do Expresso às ondas de calor ameaçarem a Torre de Belém, como se um aumento de temperatura por via de um aquecimento global – nem que fosse de 10 graus ou mais – pudesse causar qualquer dano de monta a pedras sujeitas a contínua salinidade, ondulação e variação das marés. É tão absurdo que nem merece mais comentários…

    Enfim, por tudo isto, só por incompreensível ignorância, ou por sensacionalismo bacoco ou por uma intencional manipulação da realidade – coisas que pouco incomodam os reguladores (ERC e CCPJ) e a classe jornalística (e o Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas, mais afoito a fretes para difamar o jornalismo incómodo e independente) –, se faz uma notícia onde declarações de uma pouco conhecida arquitecta norte-americana que trabalhou no National Park Services – equivalente ao nosso Instituto de Conservação da Natureza e Florestas com a componente do património – se transformam em “provas irrefutáveis” das alterações climáticas sobre a Torre de Belém, que já “assistiu” a muitas façanhas e também muitos disparates em cinco séculos.

    Foto da Torre de Belém, publicada pela revista política norte-americana Harper’s Weekly, em 13 de Maio de 1865, acompanhando o relato de um incidente em Março daquele ano quando a fortificação portuguesa disparou contra o navio Niagara.

    Mas o pior é a notícia do Expresso não ser um exemplo isolado de mau jornalismo, a forçar uma “missão”; antes é um novo paradigma. Se assim não fosse, outros jornais não correriam a propalar o disparate do Expresso, como sucedeu com o Correio da Manhã e o Observador, o que mostra o nível de conhecimentos (até históricos) da malta que anda pelas redacções a copiar mutuamente disparates.

    Enfim, se isto é jornalismo de referência… vou ali e já venho. Ou melhor, sigo sozinho.

  • Carlos Daniel ou a louvaminha de um jornalista hipócrita

    Carlos Daniel ou a louvaminha de um jornalista hipócrita


    Durante a pandemia, a generalidade dos jornalistas da RTP, na linha da imprensa mainstream, teve uma atitude deplorável de seguidismo, em violação dos princípios deontológicos, em apoio a uma narrativa oficial, contribuindo para menosprezar, ostracizar e perseguir todos aqueles que, mesmo de uma forma científica, pretendiam introduzir racionalidade a uma crise sanitária. Já muito escrevi sobre esta matéria – e desconfio que venha a escrever mais.

    Mas ontem lembrei-me de um lastimável “debate” da RTP, em 2 de Fevereiro de 2021, num programa intitulado “É ou não é?”,

    E lembrei-me porque foi moderado pelo jornalista Carlos Daniel – e que ontem esteve presente na apresentação do mais recente livro de Gustavo Carona intitulado Olhem para o Mundo com o coração. Jornalismo oblige: respirei fundo e fui ouvir a louvaminha de Carlos Daniel à obra. Temi tudo, mas esperando pelo menos coerência. Mas não: descobri hipocrisia.

    Mas enquadremos a coisa. Recuemos a 2 de Fevereiro de 2021 e ao suposto debate que deveria confrontar as diferentes visões da comunicação e da desinformação em pandemia. Quem esperasse um verdadeiro debate, perdeu logo a esperança pelo naipe de “escolhidos”: o antigo ministro socialista Correia de Campos, o consultor de comunicação Rui Calafate, o assessor de imprensa Rui Neves Moreira, os médicos Ricardo Mexia, Gustavo Carona e João Júlio Cerqueira, a psicóloga Marta Moreira Marques e o jornalista Paulo Pena, que está para a desinformação como o Milhazes para a Rússia.

    Nesse programa, que deveria estar exposto nos anais do Jornalismo, no sentido de ser o paradigma daquilo que se deve evitar, não houve um – um único – entre os oito convidados que destoasse uma vírgula da narrativa, que mostrasse uma visão diferente, que clamasse por uma maior transparência na informação oficial (já repararam que o PÁGINA UM foi o único jornal que, por exemplo, quis saber dos registos da mortalidade nos lares, estando o caso em Tribunal Administrativo?), que defendesse a necessidade de se esclarecerem os conflitos de interesse dos intervenientes, que enquadrasse a pandemia num contexto de crise sanitária onde coexistiam outras variáveis valências (incluindo de saúde pública a curto, médio e longo prazo).

    Nada disso. Ali, sob a batuta de Carlos Daniel, naquilo que falsamente se chamou debate, não apenas chutaram para fora quaisquer visões diferentes, como se meteu tudo e todos no mesmo saco. Tudo foi, se fugisse da linha oficial, e sem direito a opinar, catalogado como desinformação e teoria da conspiração.

    Ao minuto 58:03, Carlos Daniel resumiu que tudo aquilo que não seguisse a estratégia oficial – que, por exemplo, em Portugal resultou em quatro anos consecutivos de excesso de mortalidade, sobre a qual já nem o desplante oficial culpa a covid-19 – era “ignorância colectiva que se alimenta com estas notícias” [leia-se, redes sociais], e mostrava então o seu receio de que o “negacionismo” pudesse “fazer caminho”.

    As intervenções dos médicos Gustavo Carona e José Júlio Cerqueira são, se ouvidas hoje, autênticos compêndios de mentiras, intolerância e absurdos embandeirando abusivamente a Ciência. E tudo sem qualquer contraditório. E com um jornalista como responsável por este “banquete”. Quem quiser pode ainda assistir a este falso debate promovido, enfim, por um jornalista.

    Gustavo Carona, Carlos Daniel e Pedro Abrunhosa, ontem no Porto.

    Dois anos e meio depois, não me surpreenderia assim que o jornalista Carlos Daniel, se fosse coerente, corresse a louvar um indivíduo como Gustavo Carona, e acabar até por, hélas, lhe elogiar a escrita literária. Mas já foi longe demais ao tecer estas considerações finais (a partir do minuto 12:20):

    Em boa parte, a intolerância radica na ignorância. E a ignorância é arrogante, como nós sabemos. E a ignorância não respeita o especialista, duvida da Ciência, transforma hoje… o influenciador é mais importante que o comunicador, não é? Esta coisa… Eu acho que é muito importante, e se calhar tento terminar com esta ideia, que os jornalistas que cuidam dessa coisa da objectividade e acreditam numa verdade; pelo menos numa verdade provisória, numa verdade quotidiana, não na verdade filosófica… Mas também nos artistas, que têm que ser capazes, como o Pedro [Abrunhosa, que estava ao seu lado] faz tantas vezes, de marcar e dizer o que pensam e dizer como é que acreditam que isto podia ser melhor; mas as pessoas que se expõem com opiniões, com sentimentos, como o Gustavo [Carona] faz tantas vezes; se calhar nós somos três exemplos de pessoas que não têm que ter medo do UNLIKE, não é? Não devemos procurar o LIKE. Nós temos que acreditar que a nossa missão também é, de vez em quando, desagradar a alguns, para que eles entendam que o Mundo não é apenas – como agora parece às vezes ser – daqueles que pensam como nós e nos põem os LIKES. Convém que haja alguém que discorde de nós, porque da discordância nasce o debate – e só do debate pode nascer o tal compromisso que eu falava há pouco. E isto é o mais essencial à Democracia, e, se quisermos, também nesta altura, à paz. E eu acho que, dito isto, apetece-me sublinhar que talvez, mais do que nunca, precisemos mesmo de olhar o mundo com o coração.

    A mim, depois de ouvir as palavras do jornalista Carlos Daniel ditas ontem no lançamento do novo livro de Gustavo Carona – um dos médicos mais alarmistas e intolerantes ao debate durante a pandemia –, e conhecendo a sua postura profissional nos últimos anos, só me apetece sublinhar uma palavra que nem está neste seu discurso, mas que está no seu âmago: HIPOCRISIA.

  • Hoje, sem tintins, o jornalismo é pipi

    Hoje, sem tintins, o jornalismo é pipi


    Desde Setembro, de uma forma mais incisiva e sistemática, o PÁGINA UM tem dedicado, mesmo com parcos meios, uma especial atenção aos contratos públicos, incluindo as autarquias e sobretudo a Administração Pública, com uma secção própria: Res Publica. De uma forma simplista, olhamos para as despesas – e a forma como (não) se cumprem as regras da transparência, da contratação pública e da boa gestão da res publica – que ficaram consignadas, algures, num Orçamento de Estado, quer tenha sido ou não classificado como pipi.

    Os Orçamentos de Estado são, como se deveria saber, e de uma forma também simplista, complexas folhas de cálculo, onde se coloca, de um lado, a despesa previsível – e que se deseja ser possível fazer –, e do outro lado, a receita que um Governo sente ser possível sacar dos contribuintes. Mas aprovado com maior ou menor dificuldade o Orçamento do Estado, o bom jornalismo sabe de antemão o enxame de interesses que por ali pululam. E é aí que o bom jornalismo, como defensor do interesse público e como um dos pilares da democracia, se deve mostrar. Sem tibiezas. Com ousadia. Sem medos. Com coragem. Sem ser pipi. Com tintins. É isso que o PÁGINA UM se esforça por fazer.

    Embora a má gestão dos dinheiros públicos não seja propriamente uma surpresa – o PÁGINA UM não descobriu, com a nova secção que criou, práticas sobre as quais nada se sabia ou nada se desconfiava –, pessoalmente tem-me causado estupefação a dimensão das irregularidades, dos despesismos e dos expedientes onde tresandam combinações e campeia a corrupção moral, a mãe da corrupção financeira. Quer em contratos de milhões de euros quer em contratos de poucos milhares de euros, encontram-se esquemas, quase sempre onde os ajustes directos – aqueles que se combinam por telefone, por e-mail ou à mesa de um restaurante. E isso é o que facilmente se pressente na documentação presente no Portal Base, e onde estão ausentes, em muitos casos, cadernos de encargos e outros elementos procedimentais numa clara tentativa de obscurantismo.

    Acredito que haja gestores impolutos e instituições impolutas, mas começo a pensar que, daqui a nada, tenho de me investir de um qualquer Lancelot ou Percival para encontrar o Santo Graal. Isto porque, hélas, até naquela implacável máquina do Estado que, imune a sentimentalismos, nos sequestra o dízimo de contribuintes, mais as moras por demoras ou as multas por esquecimentos (mais ou menos negligentes), acabamos por encontrar os males de Frei Tomás: prega rigor, pratica vícios. Os contratos por ajuste directo, 17 feitos desde 2017, por um subdirector-geral dos Impostos (chamemos assim por simplificação), em benefício de uma mesma empresa, com claros e evidentes sinais de combinações à margem da lei, mostram assim o pântano em que vivemos. Sobretudo porque o Ministério das Finanças nem sequer se julga no dever de comentar ou agir.

    O silêncio do Ministério das Finanças e do ministro Fernando Medina – patente o caso dos 17 ajustes directos irregulares para limpezas por um subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, e que já se fez sentir nas notícias do PÁGINA UM sobre as dívidas ao Estado da Trust in News e da Global Media, e ao despesismo no Forum da OCDE sobre transparência fiscal –, não se deve ao facto de ter andado a preparar um Orçamento do Estado (pipi ou não-pipi.)

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    A causa deste silêncio, e de tantos outros silêncios, advém da assumpção (justa, diga-se) de que hoje a imprensa mainstream é formada sobretudo – e exceptuando casos cada vez mais raros e, por minoritários, sem força nas redacções – por jornalistas pipis, ademais comandados por directores (e directoras) sem tintis, no sentido metonímico do termo (aviso já os wokistas) de ausência de coragem e de falta de ousadia. Se a imprensa de massas não fala, não existe. E os políticos e as empresas agora sabem como, com certas massas e manhas, “silenciar” a imprensa mainstream.

    Não tenho dúvida alguma que, até há décadas, e falo pela minha experiência jornalística, mais de metade dos casos denunciados pelo PÁGINA UM seriam manchete ou primeira página na generalidade da imprensa mainstream, ou teriam eco em follow up (seguimento). Em alguns casos, teriam consequências para os visados. Mas o jornalismo de hoje não é um verdadeiro jornalismo. É um sucedâneo adulterado, que confiscou a denominação. No jornalismo de hoje já não estão jornalistas nas cúpulas, nas chefias: estão sobretudo marketeers e directores comerciais travestidos de jornalistas encarteirados mas preocupados com as suas vidinhas, as suas casas de férias, as propinas dos filhos no colégio privado e as remodelações da cozinha (se fosse da biblioteca, seria menos mau; seria sinal de alguma erudição).

    Hoje, o jornalismo de investigação e de denúncia – que é a essência pura da imprensa – está varrido das redacções, e dá-me uma dor de alma perceber como as parcerias comerciais com autarquias, Estado e empresas privadas estão a matar o jornalismo – e de uma forma pornográfica, sendo os directores e directoras de alguns órgãos de comunicação social os protagonistas, de perna aberta. Hoje, há temas e escândalos que jamais serão notícia. Hoje, o homem que mordeu o cão só será notícia se o homem que mordeu o cão não tiver uma parceria comercial com órgãos de comunicação social. Hoje, perdidos os tintis, quase só nos resta um jornalismo pipi.

    Hoje, a promiscuidade entre a política – nas várias acepções do termo – e o jornalismo (e certos jornalistas) está ao nível do pântano – pântano não, que é ecossistema rico; corrigido assim: cloaca. Nos anos 90 e na passagem do século, quando colaborei, entre outros, no Expresso e na Grande Reportagem, sempre senti as pressões, que são habituais, em assuntos delicados sobre os quais escrevi, mas havia então alguma decência: as chefias não vergavam ou se o faziam não era evidente. Em 2006 senti, pela primeira vez, que já vergavam e não tinham pejo, aquando de um lamentável episódio no Diário de Notícias protagonizado por um subdirector, que não passava de um agente socialista, tanto assim que poucos meses depois era vê-lo já como assessor de um ministro socrático, e nunca mais o vi a sair da esfera de influência do Partido Socialista. Esse caso contribuiu, aliás, para o meu afastamento do jornalismo durante cerca de uma década.

    Mas, olhando agora para esse episódio de 2006, acho que piorámos incomensuravelmente. E não foi apenas com a pandemia. Hoje, há notícias que simplesmente são engavetadas ou nunca recebem luz verde. Ou então são despidas de qualquer polémica, usando-se estilos inócuos e fofinhos. Os próprios jornalistas têm medo, ou são formatados para não se arriscarem no confronto com os poderes instalados, a menos que aqueles estejam em desgraça ou em aparente queda.

    Os supostos reguladores (ERC, CCPJ e até, enfim, o Sindicato dos Jornalistas mais um seu apêndice chamado Conselho Deontológico) são hoje instrumentos sobretudo de condicionamento do jornalismo independente, para, através de pareceres e recomendações que não passam de bitates, dar uma capa de impunidade aos infractores, e com a inacção darem uma ideia de que não existem vergonhas na classe. Quanto mais denúncias o PÁGINA UM faz da promiscuidade que se vive na imprensa mainstream, mais ataques recebe dos supostos reguladores.

    Veja-se a título de exemplo, duas deliberações da ERC contra o PÁGINA UM (e virão mais) por notícias que até resultaram em processos contra os queixosos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    Veja-se ainda o processo disciplinar instaurado pela CCPJ – e por empenhos da sua presidente, Lucília Gago, despeitada por notícias do PÁGINA UM – por mor de uma queixa do almirante Gouveia e Melo por outra notícia que denunciava evidentes (repito, evidentes, e até documentadas) irregularidades no processo de vacinação de médicos não-prioritários contra a covid-19, e que também resultou numa inspecção ainda não concluída (a aberta em Janeiro passado) pela IGAS. A fase de instrução anda a marinar há cinco meses, talvez porque o relator anda a pensar se também deve processar disciplinarmente alguns dos seus colegas da CMTV.

    E veja-se também o papel do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas que, em vez de se preocupar com a promiscuidade de “jornalistas comerciais” (onde até se inclui um vogal da direcção do próprio sindicato), anda agora entretido a fazer pareceres, ora para fazer fretes à presidente da CCPJ, ora para criticar o estilo de escrita usado em rigorosas e documentadas denúncias sobre contratos públicos do Hospital de Braga.

    Aliás, este último caso é exemplificativo sobre o desplante que agora impera: é tão grande o à-vontade das falcatruas e das irregularidades e ilegalidades que os seus autores sentem que até conseguem, com bons empenhos, censurar e difamar um jornal que, por independente, ainda grita que ‘o rei vai nu’. E o facto é que conseguem, mesmo não necessitando sequer de provar que o jornalista mentiu.

    Bem sei que a vida nunca esteve fácil para o jornalismo independente, e que melhor parece estar para os jornalistas pipi sem tintins. E quando criei o PÁGINA UM sabia que um jornalismo independente, fracturante, sem parcerias comerciais e ideológicas nem agendas obscuras, e ainda mais denunciando as promiscuidades da imprensa mainstream, estaria sujeito, mesmo entre os seus pares (ou sobretudo usando estes), a actos de boicote, de censura e de difamação – por exemplo, anda por aí um professor universitário de Coimbra na área da Comunicação Social, com excelentes ligações aos mentideros, a esgadanhar-se para encontrar “provas” da ligação do PÁGINA UM à extrema-direita. E prevejo que se não as encontrar, cansando-se, as tratará de inventar… ou de fazer mais uns pareceres “mui isentos” sobre as minhas “tropelias deontológicas” ali para os lados do Chiado.

    Hoje, bem sei que algumas das minhas notícias, mesmo com o genuíno espírito daquilo que deveria ser a imprensa, podem cair em saco roto. Podem politicamente ser ignoradas, porque apenas lidas por pouco mais de 20 mil pessoas, como esta, sobre os 17 ajustes directos para limpezas do subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. Podem jornalisticamente ser ignoradas pela imprensa mainstream.

    person holding yellow plastic spray bottle

    Mas prefiro continuar neste nicho do que, por exemplo, fazer o jornalismo ao estilo do making of do Orçamento do Estado publicado no Público na sexta-feira passada por uma directora-adjunta e por uma redactora-principal (não foram jornalistas de uma qualquer secção de social ou de vida mundana), onde se teceram pérolas deste lustre (negritos meus):  

    Mas há sempre coisas de última hora. A equipa das Finanças dorme muito pouco nos dias que antecedem a entrega do Orçamento na Assembleia. Na véspera da entrega, o ministro dormiu seis horas – os assessores obrigam-no, não o querem com olheiras no dia da apresentação solene ao país, o momento alto do ano nas Finanças, um gran finale a que grande parte dos funcionários da casa assistem. Mas se dormiu seis horas na noite antes da conferência de imprensa, na antevéspera Medina dormiu tão pouco que ainda acabou por fazer uma sesta no ministério.

    Os dias que antecedem a entrega “têm 25 horas”, segundo um dos “homens (e uma mulher) do Orçamento”. Há uma equipa permanente que, tal como o ministro, dorme muito pouco. Foi com essa equipa que o ministro se reuniu no princípio de Setembro para fazerem um brainstorming fora do ministério a um sábado de manhã, 8 de Setembro, no Bairro Alto.

    Foi uma reunião fora do horário de trabalho, mas o objectivo era pôr os homens do Orçamento a pensar “fora da caixa”.

    (…)

    Antes do gran finale que é a apresentação ao país, o ministro vai ao Parlamento entregar a proposta.

    Mas este momento não é exactamente o fim. O Orçamento foi entregue no Parlamento, onde pode sofrer alterações. Fernando Medina rompeu com uma tradição de anos e anos em que o Orçamento chegava a altas horas da noite ao Parlamento e inaugurou os “orçamentos diurnos”. Desde o ano passado que passou a ser entregue aos deputados à hora do almoço, o que permite fazer a conferência de imprensa em que o explica ao início da tarde. É uma questão de “organização do trabalho”, defende. Foi o que “combinei com o primeiro-ministro e com a ministra da presidência”. “Queria fazer mesmo isto.”

    Quem escreve isto, nunca, jamais, escreverá, ou quererá que se escreva, em simultâneo, sobre estranhos contratos na Autoridade Tributária e Aduaneira em negócios de milhões com uma empresa de limpeza. Ou não quer que se escreva sobre as dívidas ao Estado de empresas de media, como as da Trust in News e da Global Media. Ou não quer que se escreva sobre… enfim, sobre muita coisa. E mesmo que batam muito no peito sobre o jornalismo e a independência do seu jornalismo, nada mais fazem do que jornalismo pipi sem tintins. E isto é a morte do jornalismo.

    Por isso, caros leitores (onde se incluem, obviamente, as leitoras, mesmo se caras), apenas peço uma coisa: no dia em que me virem a escrever assim, sobre o poder, avisem-me, porque o PÁGINA UM terá de ser encerrado por ter perdido os tintins e só já conseguir fazer um jornalismo pipi.

    E agora, se não se importam, o resto da tarde será dedicado exclusivamente a tratar de questões processuais do PÁGINA UM relacionadas com pedidos de informação ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos e de alguns casos em curso no Tribunal Administrativo de Lisboa, incluindo um em que a CCPJ é réu. A notícia sobre a “fantochada” (será mesmo esse o termo que usarei no título, avanço já) do arquivamento do processo disciplinar ao Doutor Filipe Froes terá de ficar para amanhã… Já agora, embora fosse desnecessário: baseia-se em documentos.

  • À frente, a caravana; atrás, os cães, ladrando

    À frente, a caravana; atrás, os cães, ladrando


    Em menos de dois anos, um projecto jornalístico pessoal transformou-se, com o auxílio de um excelente punhado de vontades e colaboradores, naquilo que é hoje o PÁGINA UM: um jornal digital que (sobre)vive exclusivamente dos seus leitores, do valor (monetário) que os leitores lhe atribuem, e da sua credibilidade. Sem dívidas nem penhores. Não é pouco.

    Como somos um órgão de comunicação social sem mecenas por detrás para arcar prejuízos; como não temos publicidade nem parcerias comerciais; como nascemos sem um investimento forte (o capital social da empresa que o gere, do qual sou sócio maioritário, é de apenas 10.000 euros, e não temos nenhuma autorização para darmos calote ao fisco de 11,4 milhões de euros); e como, ainda por cima, o jornal é de acesso livre, temos consciência de que desafiamos todas as regras da Economia. E desafiamos muito mais.

    man riding on carriage on gray concrete road

    O nosso valor é o valor da nossa credibilidade. Vale o nosso sustento, periclitante, frágil, mas honrado, até porque é por tudo isto que o PÁGINA UM actua de forma desassombrada, assombrando muitos. Somos verdadeiramente livres, independentes, sem agendas escondidas, sem necessidade de agradar a gregos e a troianos, ou a dar uma no cravo e outra na ferradura. Enfrentamos, porque acreditamos estar ainda numa democracia, todos os poderes em pé de igualdade.

    Denunciamos as situações anómalas da imprensa – mesmo sabendo que desagradamos a uma classe corporativista que, de forma viciosa, foi vendendo a alma ao diabo (não há mal em vender-se a alma ao diabo; convém é então não andar travestido de asas de anjinho).

    Enfrentamos qualquer poder, quer seja político quer seja judicial, sempre que está em causa o acesso à informação e a transparência, usando as armas que a democracia nos concede: as leis e os tribunais. Ao longo de dois anos, interpusemos 18 intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, e mais se seguem. Perdemos alguns casos (poucos), ganhámos muitos, outros estão em kafkianos processos de decisão, com recursos e expedientes dilatórios da Administração Pública.

    Fazemos um trabalho invisível mas muito árduo e desgastante, nesta linha, que mesmo os leitores mais fiéis do PÁGINA UM nem imaginam. Mas não desistimos. Como poderíamos se nem pejo tivemos de confrontar, com a lei, o Conselho Superior da Magistratura? E continuaremos. Ainda esta semana pediremos a execução de uma sentença por incumprimento integral de uma decisão do Tribunal Administrativo e de uma acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. E iremos fazer novo pedido de consulta de outros processos, que terá nova intimação se não satisfeito. A lei tem de começar a ser cumprida pelos próprios magistrados.

    Adult Black and White American Pit Bull Terrier Close-up Photography

    Tudo isto é uma tarefa quotidiana árdua. Todos os dias sinto que a minha credibilidade é colocada em causa, não apenas por mim (e sou muito zeloso da minha credibilidade), não apenas pelos meus leitores, mas sobretudo pelos nossos detractores. E são muitos. E são facilmente identificáveis. Por isso, reajo de forma veemente quando se coloca em causa a minha credibilidade e a credibilidade do PÁGINA UM.

    Ao longo destes quase dois anos, enquanto o PÁGINA UM anda a revelar e a denunciar sem parança – num estilo aguerrido, que, sabendo ser particular no novi-jornalismo dos tempos modernos, nem foge muito à linha daquilo que eram os meus artigos na saudosa Grande Reportagem, quando Miguel Sousa Tavares era seu director –, sei bem os incómodos que provoco, mesmo, ou sobretudo, nos meandros do jornalismo. Um mundo pequeno e que se tem mostrado pequenino.

    Começou logo no início do PÁGINA UM com uma campanha lamentável da CNN Portugal, seguida por outros jornais, onde se destaca o Público, o Observador e o Expresso, onde aliás colaborei vários anos.

    Continuou com a postura da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que não apreciou certas questões sobre transparência, e chegou a fazer um execrável comunicado contra mim por simplesmente eu estar a defender o acesso à informação. Os membros do Conselho Regulador anunciaram processos judiciais: sei que apresentaram duas queixas, que chegaram à fase de inquérito, mas desistiram antes de eu ser ouvido (não lhes custou os encargos dos advogados, pagos com dinheiros públicos). Malgrado isto, tem andado a ERC entretida a elaborar pareceres a pedido – já são quatro, e deverá haver mais –, contra o PÁGINA UM, incluindo notícias que até resultaram em processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Continuou com a Ordem dos Médicos, com “excelentes” relações com os media, que, perante pedidos de acesso a documentos administrativos a uma campanha de solidariedade que é um caso de polícia, decidiu apresentar uma queixa judicial contra mim (acompanhada pelo ex-bastonário, pelo inefável Filipe Froes e pelo pediatra Luís Varandas) numa tentativa de influenciar uma decisão num tribunal administrativo.

    E continuou também na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que, depois de um conjunto de notícias desfavoráveis ao suposto mérito da actual presidente, veio a correr abrir os braços a uma queixa do almirante Gouveia e Melo, abrindo-me um processo disciplinar sobre notícias que, hélas, resultaram na abertura de uma inspecção pela IGAS. A mesma CCPJ fizera, no ano passado, uma lamentável recomendação censória para alegrar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que, à conta de notícias do PÁGINA UM, teve um processo de contra-ordenação da IGAS e a perda do estatuto de consultor do Infarmed.

    E talvez me esteja a esquecer de outros casos.

    No meio disto, veio a terreiro recentemente uma “coisa” chamada Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) como novo braço armado para me pôr na linha. E digo “coisa”, com alguma dor de alma, porque fui membro por um ano nos idos de 2006 (salvo erro), até me demitir por me aperceber que havia questões mais de política e de conveniência do que de deontologia. Adiante que isto é história. Ora, o CD-SJ é, na verdade, uma “coisa” que existe mas não existe. Ao contrário da ERC e da CCPJ, não tem qualquer competência legal nem ligação directa ao Sindicato dos Jornalistas, nem tem um critério de actuação, nem tão pouco uma linha transparente de intervenção. Basicamente, no meio da deterioração geral da imprensa e dos atropelos constantes até das normas do Estatuto dos Jornalistas, o CD-SJ vai dando os bitaites, de quando em vez.

    Compreende-se: além de ser presidido pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, especialista em vinho alvarinho e docente universitário, o CD-SJ integra ainda um jornalista da Trust in News (empresa que deve 11,4 milhões ao Fisco), outra do Observador (que nunca soube o que eram lucros e agora convive alegremente com parcerias comerciais de duvidosa deontologia e legalidade, além de já ter feito ataques soezes a mim) e uma outra jornalista da Lusa (o Pravda do actual Governo, no sentido de que para a agência noticiosa tudo o que sai do Governo é Verdade, e que, em tempos, publicou, como se fosse um relatório sério, algo que era um embuste sob a forma de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”). Há um quinto elemento sobre o qual poucas referências detenho, excepto saber que terá andado em inquirições para descobrir os supostamente misteriosos, obscuros e tenebrosos financiadores do PÁGINA UM.

    Aliás, eu nem sei como ainda não surgiu a “lenda” de eu ser um tipo a ser suportado com dinheiros da extrema-direita ou do Putin ou da… ia dizer China, mas isso são outros; deve ser pelo meu aspecto dar mais ares de extrema-esquerda. Ficam confusos e indecisos, certamente, por ser difícil colar o “cromo”.

    Ora, mas de repente, esta “coisa” chamada CD-SJ acordou da letargia, embora já tivesse feito uma trapalhona tentativa de me lixar no início de 2022, malparida por um jornalista da CNN Portugal, ao ponto de terem então metido a viola no saco. Até Maio deste ano, com tanta porcaria a ser feita por tantos jornalistas e directores de supostamente respeitáveis órgãos de comunicação social, o CD-SJ tinha feito cinco pareceres. Mas nem sequer tugiu nem mugiu em concreto sobre a actuação de 14 ‘jornalistas comerciais’ detectados pela ERC, incluindo até um dirigente sindical (Miguel Midões), que assobiou para o ar e manteve o poiso no Sindicato. O CD-SJ também se borrifou para os jornalistas da Cofina que serviram de mestre-de-cerimónia em 12 emissões de telejornais da CMTV pagos por autarquias. Quis lá saber de um Reginaldo que faz programas como jornalista enquanto obtém patrocínios como empresário para o dito. Nem um ai deu perante directores que se vergam em sorrisos aos patrocinadores, em alguns casos da Administração Pública e do Governo, que lhes besuntam as mãos em eventos “vendidos” aos incautos leitores como simples notícias quando se trata de prestação de serviços. Mas, de repente, no meio deste pântano asqueroso, o CD-SJ e o Provedor do Adepto do Rio Ave acordaram nos últimos meses apenas para apanharem as supostas falhas deontológicas do PÁGINA UM.

    Deram logo um ar da sua desgraça em Maio, quando decidiram acolher uma queixa da própria Presidente da CCPJ, mui incomodada com as notícias e perguntas do PÁGINA UM, e por um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa (depois de vários pareceres da CADA) para acesso a informações (incluindo actas e contas), e que luta em prol do secretíssimo da sua actividade alegando uma suposta protecção da vida privada ao abrigo do Regulamento Geral da Protecção de Dados (RGPD). E isto na mesmíssima CCPJ (numa outra presidência que não a da ‘jurista de mérito’ Licínia Girão) defendia em 2018 que os jornalistas deveriam ser excluídos das restrições do RGPD. Enfim, coerências institucionais…

    Mas sobre a condução (e conclusão) deste parecer, abjecto na forma como o CD-SJ recusou a minha defesa, aceitou acréscimos à queixa e atropelou regulamentos (aprovando o dito fora de uma reunião ordinária), já escrevi o que tinha a escrever, até porque sintetizei no título de um editorial aquilo que penso: “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria“. É certo que não falei da atitude de silêncio corporativista e compincha da direcção do Sindicato dos Jornalistas, porque, enfim, sendo mais lamentável (há associados incómodos), ainda tenho esperança de que os seus dirigentes, alguns deles pessoas decentes, se envergonhem um dia das suas omissões. Talvez no dia em que, por falta de condições para se ser um jornalista livre em Portugal, lhes fecharem a porta do emprego de mangas de alpaca.

    Tinha, aliás, sobre este parecer do CD-SJ relativo à queixa da presidente da CCPJ – entidade que, aliás, nada diz sobre o meu desafio para me abrir um processo disciplinar para que haja regras legais a cumprir pela acusação, o que não sucedeu até agora – uma decisão tomada: instaurar a cada um dos seus membros um processo por difamação.

    Contudo, vou desistir desse intento. Não vale a pena. E por uma simples razão: o CD-SJ vai voltar à carga, ad aeternum per saecula saeculorum; não se vai cansar de me fustigar tentando caninamente descredibilizar-me. E conseguirá se eu lhes der mais trela.

    man in black crew neck shirt with red and white face paint

    Veja-se que, em vez de um, agora já tenho dois pareceres censórios. Em tempo recorde, o CD-SJ acolheu e decidiu uma queixa contra mim da administração do Hospital de Braga sobre dois artigos que escrevi denunciando “contratos de sete milhões de euros escondidos durante mais de dois anos“, publicado em 12 de Junho, e o sistemático uso (quase total) de ajustes directos na contratação pública, em 13 de Setembro. Dificilmente se encontrará, na imprensa portuguesa, investigação jornalística baseada em tamanha quantidade de documentos (contratos) e de análise de informação, mas o CD-SJ conseguiu descortinar falhas deontológicas por causa do estilo com que apresento factos e sintetizo a interpretação de factos.

    Alias, a sanha pressente-se logo na inquirição, nem sequer disfarçando. Por exemplo, no assunto do seu e-mail para mim com as suas acusações, constava o seguinte: “HB vs PAV”, como se se tratasse de uma mera competição e quezília entre o Hospital de Braga (HB) e o jornalista Pedro Almeida Vieira (PAV), e não de uma investigação jornalística sobre a gestão de um hospital. Depois de uma reacção de mera repulsa em pactuar com palhaçadas, cai no erro de acabar a argumentar e a entrar em debate, porque deveria antever o que sucederia. Com efeito, o Conselho do Provedor do Adepto do Rio Ave manipulou e descontextualizou trechos dos meus argumentos, omitiu outros tantos, e interpretou tudo à sua maneira, de sorte a compor um chorrilho de disparates que transformou uma irrepreensível peça de jornalismo rigoroso e aguerrido numa suposta infame peça de pasquim.

    Honra seja feita ao Provedor do Adepto do Rio Ave e mais ao seu CD-SJ, com seus compinchas: são bons seguidores do polaco Arthur Schopenhauer que, no século XIX, já nos explicava como vencer uma discussão mesmo sem ter razão. E, portanto, concedo ao Provedor do Adepto do Rio Ave a vitória: aqui está neste novo parecer, que até divulgo em primeiríssima mão.

    Ainda há dias me questionei sobre o que diria o Provedor do Adepto do Rio Ave se a Dra. Edite Estela se tivesse queixado desta minha reportagem na Grande Reportagem de Julho de 1998. Como se pode admitir palavras como “intrigas”, “caótico”, “escandaloso” e “infelizmente” só numa chamada? Como se pode admitir tanta adjectivação opinativa?

    Mas há uma altura em que tem de se dizer basta, ainda mais para gente ordinária. Como não vale a pena perder tempo com quem chateia e nem sequer detém um poder fáctico, como é o caso do CD-SJ, só deve receber o desprezo como taça. Eles nem existem, porque onde lhes falta credibilidade e competência, sobra-lhes em manipulação e manha. E nada existe sem honra nem credibilidade.

    Se esperavam que, com reles pareceres, vergonhas deontológicas até em cada vírgula, vomitados por uma Santa Inquisição jornaleira, eu baixaria as orelhas, meteria o rabinho entre as pernas e ficaria bem-comportadinho e caladinho, desenganem-se: a caravana chamada PÁGINA UM seguirá, mesmo sobre trancos e barrancos, o seu caminho de rigor e independência, aguerrido e livre, com um estilo próprio (porque as palavras valem), enquanto os leitores quiserem e apoiarem. E assim, dedicando-me à jornada seguinte, virando a página, deixo para trás quem, já por duas vezes, me andou a rosnar invecticas. Ouvi a primeira, e nem tinha de os ouvir segunda vez, investidos às canelas. Já nem os ouvirei quando ladrarem terceira vez. Ponto final sobre este assunto.