Vivemos em Portugal há quase meio século num regime democrático, que gostamos de abrilhantar com descidas pela Avenida da Liberdade, que nos prometeu liberdade e igualdade e, pensava eu, transparência. Contudo, o cravo na lapela tornou-se mais símbolo do que substância.
O peito de muitos continua a encher-se de orgulho com discursos comemorativos e celebrações públicas, brandindo a ameaça de tempos sombrios se os partidos populistas ascenderem ao poder, mas por baixo da retórica subsiste um sistema cada vez mais corrompido, corrompendo valores e princípios, alimentado por compadrios, nepotismos e uma cultura de opacidade que mina os fundamentos da democracia. É aqui que reside a grande tragédia do nosso país: instituições que deveriam ser o pilar de uma sociedade justa tornaram-se cúmplices da perpetuação de um poder corrupto e ineficaz. E no epicentro dessa disfunção encontra-se a Justiça.
A democracia portuguesa gosta de se apresentar como uma das mais consolidadas da Europa – e olhe-se o desdém como se olha para os Estados Unidos, o que se torna risível –, mas na prática temos uma democracia em ponto pequeno. Não por falta de votos ou alternância política, mas pela ausência de maturidade institucional que distingue as democracias verdadeiramente funcionais das pseudo-democracias que proliferam pelo Mundo.
Em Portugal, a transparência é uma palavra oca, usada em discursos institucionais como adorno, mas raramente praticada. A Administração Pública, politizada até à medula, opera sob a égide da “lei da rolha”, protegendo os seus interesses de grupo e bloqueando, por todos os meios possíveis, o exercício de direitos fundamentais como o acesso à informação.
Ora, sem transparência, não há democracia. E sem uma Justiça célere e imparcial que garanta esse princípio, aquilo que temos não é um Estado de Direito, mas um estado de arbítrio. O recente episódio envolvendo o Conselho Superior da Magistratura (CSM) – numa ‘guerra jurídica’ de mais de três anos – é sintomático de uma cultura de opacidade institucional que degrada a confiança dos cidadãos nos órgãos que deveriam zelar pelo bem público.
Quando uma entidade como o CSM recusa sistematicamente o acesso a documentos administrativos, não estamos apenas perante um problema de ineficiência ou burocracia; estamos perante um atentado ao direito à informação, ainda mais perpetrado contra jornalistas. E o cúmulo da indignidade acontece quando a mesma entidade cede apenas após uma ordem judicial, não por respeito à transparência, mas porque o tribunal ameaça tocar no bolso do próprio presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Suprema indignidade ter de se chegar a esse ponto.
Pior é que este não é um caso isolado. No PÁGINA UM, temos acumulado, ao longo dos nossos três anos de existência, um conjunto de experiências que ilustram a sistemática recusa do Estado e Administração Pública em partilhar informações de interesse público. Desde contratos de aquisição de vacinas até processos administrativos que envolvem decisões políticas, o padrão é sempre o mesmo: a Administração Pública – que até inclui, hélas, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social – utiliza todas as manhas e artimanhas legais para evitar a divulgação de documentos.
Na maioria das vezes, somos forçados a recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) ou, mais frequentemente, aos tribunais administrativos. Estes processos, que deveriam ser céleres, tornam-se numa travessia penosa. Temos casos que se arrastam por anos a fio, como o dos contratos de aquisição das vacinas, que está há mais de dois anos em análise num tribunal administrativo. Sim, um processo de intimação, que por definição deveria ser urgente, torna-se um exercício de resistência.
Os custos desta batalha são elevados, e não apenas no plano financeiro. Até agora, gastámos mais de 20 mil euros em batalhas judiciais, um valor diminuto mesmo assim porque contamos com o apoio generoso de advogados que praticamente trabalham pro bono. Mas pagámos já milhares e milhares de euros em taxas de justiça – supremo deboche de um Estado que beneficia da sua falta de cultura democrática.
O desgaste emocional e o tempo consumido são incalculáveis. Entre a vontade de meter mais casos nos tribunais administrativos e a convicção de que haverá uma luta titânica de meses e anos, fico sempre com a sensação que, mesmo quando ganhamos, perdemos. Na verdade, a sociedade perde sempre.
Aliás, no recente caso contra o CSM, é certo que conseguiremos finalmente o acesso integral aos documentos, incluindo a possibilidade de os fotografar – é uma vitória, que se aplicará a outros casos. Contudo, como reagir quando, nesta luta de três anos, de prepotências dos magistrados do CSM, mesmo ganhando acabamos “condenados” a pagar custas porque, segundo o tribunal, não se provou má-fé da parte do CSM nem havia lugar a pagamento de indemnização por um processo que durava há três anos. Que lógica perversa é esta, em que o ónus da transparência recai sobre quem a exige e não sobre quem a nega?
A pergunta que se impõe é esta: que Justiça é esta? Uma Justiça que deveria ser o garante da equidade transforma-se num instrumento de protecção do status quo do Estado e da Administração Pública. Uma Justiça que deveria punir abusos de poder torna-se cúmplice dos mesmos. Quando os cidadãos olham para o sistema judicial e veem lentidão, opacidade e decisões que parecem proteger os mais poderosos, a democracia não resistirá.
Se esta postura institucional não mudar, a começar pelas cúpulas da Justiça, resta-me a amarga conclusão de que o estúpido, nesta história toda, sou eu, por acreditar que, neste país, a transparência é algo que se pode alcançar sem ser necessário anos de luta nos tribunais.
N.D. As ilustrações foram produzidas com recurso a inteligência artifIcial.
Ontem, antecipámos uma notícia desta edição do PÁGINA UM com uma análise económica e financeira ao restaurante Solar dos Presuntos, que decidimos elaborar depois de o seu proprietário, Pedro Cardoso, se ter regozijado por um quarto dos seus empregados ser de origem nepalesa e de estar muito satisfeito. Chegámos à conclusão de que a empresa deste icónico restaurante lisboeta facturou cerca de 9,5 milhões de euros em 2023, contabilizou um lucro de 2,01 milhões de euros, dando, por isso, uma margem líquida de 21% – mais de sete vezes a média do sector –, mas, apesar disso, o salário líquido médio real diminuiu 24%.
Nas redes sociais, muitas críticas surgiram contra o PÁGINA UM, questionando o interesse, o rigor e a justeza da abordagem do jornal, defendendo o direito legítimo do empresário em investir e lucrar. Nada contra. A questão que procurámos intencionalmente levantar com este caso isolado – e o jornalismo também se faz de casos, quando estes representam uma tendência – não foi de legalidade, mas de ética. E a obrigação da imprensa é também questionar, incomodar, abalar, fazer reflectir, mesmo quando alguns leitores não concordam com a perspectiva do jornalista.
De facto, falar em ética salarial é no contexto da imigração um ponto essencial, porque isso é reflexo da forma como acolhemos os imigrantes, essencial para que não sejam um grupo a quem possamos “entregar” condições degradantes, mas também fundamental porque, directa e indirectamente, afecta o próprio rendimento dos portugueses e do próprio país.
Infelizmente, a discussão sobre imigração em Portugal tem-se restringido a quatro aspectos: a justeza humanitária em aceitar estrangeiros que lutam por uma vida mais digna; a necessidade de inverter a estrutura demográfica (com um saldo natural ainda bastante negativo); a importância relevante para a sustentabilidade da Segurança Social; e as questões de segurança, estas frequentemente usadas como bandeira por partidos populistas, como o Chega.
Contudo, outro debate deveria ser colocado como prioridade, centrado nas consequências económicas e sociais da imigração, sobretudo quando esta não é programada ou controlada também em função das qualificações e das necessidades reais do país. Não podemos salvar todo o mundo se, neste acto, nos matarmos e arrastarmos quem queríamos salvar. O impacto da imigração desregulada, em particular em sectores onde predominam os trabalhadores pouco qualificados, exige uma análise mais profunda e honesta, para além das percepções superficiais.
Grande parte dos imigrantes em Portugal, muito por via da (baixa) atractibilidade do país, tem poucas qualificações e, por isso, acaba por ocupar funções em sectores como agricultura, restauração, serviços de entregas e transportes. Muitos empregadores defendem que escolhem os imigrantes porque não encontram mão-de-obra portuguesa e que aqueles se mostram mais disponíveis e produtivos. Contudo, esta realidade esconde um problema complexo: a maioria destes trabalhadores é oriunda de países com rendimentos baixos e condições laborais péssimas. São pessoas que, ao chegarem a Portugal, conseguem sobreviver em condições quase desumanas – várias pessoas num quarto ou mais de uma dezena num apartamento. Esta “tropa” de trabalhadores alimenta, assim, sectores que, ao manterem salários baixos, almejam lucros extraordinários, que seriam inferiores se contratassem, a mais elevado custo, mão-de-obra portuguesa. Em muitos sectores, a Economia portuguesa ainda vive à custa de exploração humana.
Se o país considerar que, sendo legal, não há problemas éticos em ter margens líquidas de 21% e, mesmo assim, pagar mal, as consequências desta dinâmica serão preocupantes, a médio e longo prazo. Por um lado, cria-se um grupo de imigrantes preso a um ciclo de baixos salários e sem oportunidades de ascensão social, dificultando a sua integração na sociedade. Por outro lado, para os portugueses, o influxo de mão-de-obra indiferenciada pressiona o mercado de trabalho, reduzindo salários em sectores menos qualificados. A relação entre oferta e procura torna-se desproporcional, afectando, assim, directamente todos os rendimentos, porque a Economia nunca é estanque.
A influência de pagamentos baixos a imigrantes no salário médio, mediano e modal mostra-se evidente. O salário médio tende a cair com o aumento da oferta de mão-de-obra barata. A mediana, que reflecte o ponto central na distribuição salarial, também é empurrada para baixo, especialmente em sectores onde os imigrantes aceitam remunerações mais baixas. Já a moda, o salário mais comum, aproximar-se-á do salário mínimo, indicando uma precariedade crescente. A segmentação do mercado laboral torna-se, assim, inevitável, com os trabalhadores qualificados protegidos do impacto imediato, enquanto os menos qualificados enfrentam maior insegurança.
Seria interessante uma actualização – que, a existir, não encontrei – de uma análise feita pelo Instituto Nacional de Estatística na segunda metade de 2023 sobre a distribuição da remuneração bruta mensal por trabalhador em 2021 que, no sector privado, no caso de trabalhadores com até ao terceiro ciclo do ensino básico, era, em média, de 1.114 euros, mas que descia para uma mediana de 933 euros. Ou seja, neste grupo, então formado por mais de 1,5 milhões de trabalhadores, metade ganhava menos do que 933 euros. E apenas 25%, ou seja, pouco mais de 380 mil trabalhadores, ganhavam mais de 1.231 euros. Actualizar estes valores e, sobretudo, aplicá-los à população imigrante seria essencial para um debate social sério e fulcral.
Na verdade, Portugal precisa de uma estratégia para a imigração, que deixe de se focar no acolhimento por necessidade ou compaixão, e que reconheça as consequências estruturais deste fenómeno. As políticas públicas devem assegurar condições dignas para os imigrantes, mas, em simultâneo, proteger os trabalhadores nacionais, sem colocar um peso excessivo nos empresários. Aumentar o salário mínimo, regular as condições de trabalho e investir na qualificação e integração dos imigrantes podem ser medidas fundamentais para evitar a perpetuação deste modelo de exploração, mas a intervenção estatal deve ser conduzida com prudência e sem peso ideológico, de esquerda ou de direita, que, amiúde, cria viés e inviabiliza soluções equilibradas.
Certo é que o futuro de Portugal não pode ser construído à custa da degradação das condições de vida de uns, de baixos salários e da exploração de outros. Este é o verdadeiro debate que devemos ter, porque, no final, decidir entre comer presunto ou apenas torresmos não é somente uma questão de gosto, mas de ética e justiça social. E é a ética e a justiça social que nos faz (mais) humanos.
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Infelizmente, o Plano de Acção para a Comunicação Social, apresentado na semana passada pelo Governo Montenegro, não incluiu uma medida essencial: a moralização do sector dos media em Portugal. Quando digo moralização não é mera retórica; nem sequer significa que existe imoralidade. Antes fosse. Na verdade, os media sofrem hoje, em Portugal, de um processo de amoralidade – de uma completa ausência de moral, de uma compulsiva eliminação dos princípios éticos. A ideia de que o Jornalismo, tal como a Justiça, constitui um dos pilares da democracia foi subvertida; hoje, o Jornalismo e a Justiça tornaram-se subservientes e, em vez de funcionarem como ‘controladores’ do poder, sustentam-se agora, numa promiscuidade pornográfica, porque a troco de dinheiro ou de prebendas, no próprio poder. Mantêm-se como pilares para sustentar o Poder; de contrário, tudo cairá de podre.
Talvez o caso mais paradigmático – e portanto, não único, mas de maior gravidade – da amoralidade e da podridão do Jornalismo, e das suas promiscuidades, será a situação da Trust in News, a empresa unipessoal do empresário (e ex-jornalista) Luís Delgado, ‘dono’ de um império de 17 revistas supostamente vendidas pelo Grupo Impresa em 2018. Com um capital social de apenas 10 mil euros, a Trust in News conseguiu um prodígio: em apenas seis anos de existência, acumulou dívidas ao Estado (Segurança Social e Autoridade Tributária e Aduaneira) de 17,1 milhões de euros, dívidas a instituições financeiras de 4,3 milhões de euros, dívidas a uma panóplia de fornecedores no valor de 11,1 milhões de euros e dívidas a trabalhadores de quase meio milhão de euros. Quem se cruzou na ‘vida’ da Trust in News ‘ganhou’ um calote.
Não foi uma situação inesperada – desde o primeiro dia, Luís Delgado começou a não pagar ao Estado e aos fornecedores. As dívidas começaram em 2018, continuaram em 2019, subiram em 2020, aumentarem mais em 2021, incrementaram em 2022, e mantiveram o crescimento em 2023. Os alertas surgiram – e, por isso mesmo, houve processos judiciais contra os gerentes da Trust in News instaurados pelo Fisco logo em 2018 –, mas houve um ‘abafamento’ político. É necessário destacar que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar as dívidas astronómicas da Trust in News, em Julho do ano passado, perante o silêncio do Governo – Fernando Medina recusou comentar por diversas vezes as nossas notícias – e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
A então directora da revista Visão, Mafalda Anjos, chegou a rotular de “fantasiosos” os trabalhos de investigação jornalística do PÁGINA UM. E, durante largos meses, a imprensa mainstream, quase toda com dificuldades financeiras, foi ‘escondendo’ o elefante que se passeava pela sala. E a ERC ‘assobiava’ para o ar. Até que, na Primavera, no final de Maio passado, se iniciou um Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal de Sintra para estancar uma falência imediata.
Mais do que o absurdo rol de dívidas de Luís Delgado, aquilo que mais surpreende é a desfaçatez do plano apresentado no passado dia 10 de Outubro, no âmbito do PER, onde se começa por dizer que “tem como finalidade a satisfação de todos os credores de uma forma mais favorável que uma liquidação ao abrigo de um processo de insolvência”.
Analisar os indicadores financeiros apresentados neste plano, considerar que Luís Delgado – que em seis anos ‘conseguiu’ dar mais de 30 milhões de euros em calotes – é um homem sério para vir a pagar aquilo que não pagou e pagar aquilo que vai ter de pagar no futuro, tudo ao mesmo tempo, é acreditar ainda no Pai Natal.
Qualquer análise minimamente séria deste plano só pode levar ao seu ‘chumbo’ por parte do Estado, que é quem vai decidir se Luís Delgado vai ou não continuar a aumentar os calotes. Por exemplo, nem a demonstração de resultados histórica (2020-2023) da Trust in News, constante na página 56 do plano, coincide com os resultados registados na Base de Dados das Contas Anuais. Isto é de uma falta atroz de rigor e seriedade.
Na parte dos pressupostos, constante na página, é absurda a ligeireza a forma como se identifica a rubrica “Outras contas a receber”, que constituem, de forma surpreendente, o maior valor dos activos, tendo passado de 4,8 milhões de euros em 2020 para 14,8 milhões de euros em 2023. De uma forma aligeirada, o plano da Trust in News diz apenas que essa rubrica – que “ascende a 10 milhões de euros”, quando são quase 15 milhões – corresponde às “assinaturas de publicações a receber da carteira de clientes, quer assinaturas de imprensa física quer de assinaturas digitais”. Quem conhece o mercado só pode ficar surpreendido com o volume financeiro desta rubrica, bem como com a sua variação nos últimos três anos, sobretudo por não ser acompanhada pela rubrica Clientes, onde por norma deveriam ser contabilizadas vendas ainda não pagas.
Ora, se considerarmos que, entre 2021 e 2023, a Trust in News admite que teve vendas e prestações de serviços (que incluem assinaturas, mas também uma importante fatia de publicidade) no valor de 35,6 milhões de euros, como explicar que haja 10 milhões de euros (variação da rubrica Outras Contas a Receber) que não foram pagos? Não haverá aqui uma ‘contabilidade criativa’, com facturação inexistente ou virtual, para amenizar prejuízos em anos anteriores? Note-se ainda que esta variação de 10 milhões de euros em supostas “assinaturas de publicações a receber da carteira de clientes” entre 2021 e 2023 coincide com uma quebra de vendas de cerca de 18% entre 2020 e 2023. Não faz qualquer sentido, tanto mais que os resultados previsionais para 2024 apontam para vendas (talvez estas reais, até por não fazer aumentar a rubrica Outras Contas a Receber) de apenas 7,9 milhões de euros, menos 3 milhões de euros face aos valores indicados em 2023. Ora, com uma queda de 28% da vendas, porque a rubrica Outras Contas a Receber se mantém estável pela primeira vez, as previsões para este ano apontam para prejuízos de 1,4 milhões de euros. E eu desconfio, pelo indicadores, que foi a ‘contabilidade criativa’ que em anos anteriores evitou prejuízos desta dimensão.
A impossibilidade de, em fase de PER, o administrador judicial poder ‘meter a mão na contabilidade’ das empresas, e de ter um papel determinante no esclarecimento de eventuais falcatruas que levaram à desastrosa situação da Trust in News, deve ser um motivo mais que fulcral para o categórico ‘chumbo’ do PER, e a consequente ‘passagem’ para a insolvência.
Quando se diz insolvência, não se está a falar do fim da actividade das revistas – ou, pelo menos, de todas –, mas sim da ‘expulsão’ de Luís Delgado do sector do media, que ele conspurca. Aprovar o PER significa, na prática, que Luís Delgado se mantém à frente da Trust in News a fazer o pior que tem feito nos últimos seis anos: dar calotes. Aprovar o PER será acreditar no ‘conto do vigário’: acreditar que alguém que, em seis anos, conseguiu colocar uma empresa de media com um passivo de 30 milhões de euros, dos quais metade em dívidas fiscais e à Segurança Social, vai agora passar a pagar a tudo e a todos, passar a pagar no futuro, e tudo isto mantendo níveis de receitas com uma redução da massa salarial de jornalistas da ordem dos 40%. Luís Delgado promete fazer omeletes sem ovos e ainda promete chocar ovos sem ter galinhas poedeiras.
Ao invés, passar a Trust in News para um processo de insolvência possibilitará, com uma gestão profissional séria – e sem Luís Delgado –, a busca de uma solução empresarial para que as revistas eventualmente se mantenham através de outro modelo de negócio (mais sério). Pode até suceder que os credores tenham, nessa hipótese, de assumir eventuais perdas, mas a outra alternativa parece-me bem pior: com medo de se perder tudo, ainda se permite que o calote ainda aumente mais.
Votar contra o PER e avançar para uma insolvência (que pode não ser uma dissolução), servirá sobretudo para afastar Luís Delgado dos destinos da (nunca bem explicada) venda em 2018 do portefólio das revistas então detidas pelo Grupo Impresa. Permitiria saber, de forma rápida, que ilegalidades ou mesmo eventuais fraudes terão sido cometidas. Haveria responsabilização.
Na verdade, dar-se-iam os primeiros necessários passos para a moralização do (agora promíscuo) sector dos media. Um sinal de que não há espaço, pelo contrário, para projectos amorais, que apenas sobrevivem através de esquemas políticos e em clara deslealdade concorrencial. ‘Salvar’ a Trust in News, incluindo no ‘pacote’ Luís Delgado, é criar um precedente de jornalismo de mão estendida.
O Governo Montenegro tem por isso, no final deste mês, uma excelente oportunidade para mostrar se quer mesmo valorizar o papel da imprensa, que não tem medo de uma imprensa rigorosa, sem ser “ofegante” nem subserviente. E isso passa por exigir que se ‘expulsem’ do sistema os maus administradores dos media, que são o principal entrave à liberdade de imprensa. Por tudo isto, mesmo não estando aí inscrito, o ‘chumbo’ do PER da Trust in News será uma das melhores medidas de um qualquer Plano de Acção para a Comunicação Social.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
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Cerca de três anos após sair da coordenação da task force do processo de vacinação contra a covid-19, depois de integrar, durante alguns meses, uma equipa chefiada por um político pouco talhado para a função e uma escassez inicial de doses, Gouveia e Melo continua a ser um putativo candidato a Belém, transportado num andor sobretudo pela imprensa.
Ajudou, claro, a sua nomeação para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada, e também muito uma espécie de salvo-conduto que lhe permite não sair beliscado em contratações públicas esquisitas – sendo mesmo ‘abençoado pelo Tribunal de Contas – ou em poder botar faladura até em assuntos políticos, violando leis e decência, como se verificou na recente entrevista à RTP, onde surgiu fardado a preceito. Aliás, e não por acaso, com a imaculada brancura da farda da Marinha, e não com o ‘braçal’ camuflado dos tempos da task force.
Para quem conhece o funcionamento da comunicação social – recordemos as palavras de Emídio Rangel, em 1997, que defendia a capacidade da SIC em vender tanto sabonetes como presidentes da República -, talvez não seja surpreendente que Gouveia e Melo se mantenha em boa posição para ocupar a cadeira de Belém, porque se continua numa lengalenga de endeusamento da sua persona.
Em abono da verdade, Gouveia e Melo destacou-se com um bom operacional de logística, mas de menor valia do que um director dos frescos da cadeia do Pingo (porque ele tinha um só produto a escoar, já “vendido”, enquanto o homem da Jerónimo Martins tem muitos fornecedores, muitos produtos perecíveis a distribuir por muitas lojas, e sem garantias de vendas). Mas o mérito de Gouveia e Melo foi saber surfar logo a onda do populismo, quando, por exemplo, desbloqueou, sem ter competências para tal, e contra uma norma da DGS, a vacinação dos médicos não-prioritários, e nada fez quando o então bastonário da Ordem dos Médicos, o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, lhe comunicou que um político tinha sido vacinado sem estar na lista por “necessidade e oportunidade“. Uma imoralidade e sobretudo uma ilegalidade a que Gouveia e Melo jamais poderia fechar os olhos. Mas fechou por lhe ter sido conveniente: foi recebendo elogios e ‘prebendas’ públicas.
O PÁGINA UM revelou muitas destas situações, depois de uma luta que envolveu o Tribunal Administrativo de Lisboa, mas o mais que se conseguiu foi o silêncio de uma imprensa cúmplice (e criadora de um herói) e um processo judicial do agora almirante por difamação.
Gouveia e Melo, um militar submarinista de quem jamais se saberia da sua existência física por nada se conhecer de relevante e edificante em termos da sua existência mental, teve, em todo o caso, o mérito de ser, além de bom operador de logística de um só produto, um especialista em marketing – ou, pelo menos, com bons ‘assessores’, alguns dos quais se encontram na imprensa, no activo, e/ ou em agências de comunicação.
Num país decente, com democracia amadurecida, um militar com funções civis jamais se deveria apresentar como um militar nem sequer ambicionar cargos políticos. Não por uma questão de legalidade, mas de decência. É de um servilismo ofensivo achar-se, como Gouveia e Melo acha, que um país só se endireita perante uma farda – é exactamente o contrário: a ‘desmilitarização’ das sociedades constitui um sinal de evolução civilizacional, de elevada democraticidade e de estabilidade social. Um militar decente deve perceber isso quando entra na carreira militar e, sobretudo, quando vai subindo até chegar à reforma em lugares de topo da hierarquia.
Mas Gouveia e Melo não mostra decência porque até usou intencionalmente uma farda militar para se aformar numa tarefa civil, mas não uma farda qualquer. Quando esteve na task force, usou um camuflado, que nem é propriamente a indumentária que se associa à Marinha. Quando esteve na televisão, na entrevista à RTP, usou indumentária branca com todas as insígnias e mais algumas.
A postura messiânica de Gouveia e Melo, auto-alimentada – e que teve o seu ‘momento Mário Soares‘ em Odivelas, numa versão soft, no decurso de uma estúpida e contraproducente manifestação contra a vacinação das crianças (não pelo sentido, mas porque assim o transformaram num mártir) – mostra-se bem patente numa entrevista em Junho de 2021 ao jornal Sol. É aqui que o agora putativo candidato a Belém melhor se dá a conhecer, e também onde consegue revelar o pior que tem, que é muito para o pouco que dá.
Disse ele que aceitou as funções de coordenador “porque o país precisava e eu tenho ‘skills’ que podiam ser úteis”, relembrando que considerava ser “serôdio” o letreiro nos submarinos que dizia: “A Pátria honrai que a Pátria vos contempla”. E é mais do que serôdio nos tempos que correm, é patético; mas Gouveia e Melo dizia na entrevista que evoluíra, e que como era militar, se fosse “necessário defender o meu país, não posso falhar”. Os ‘civis’ devem pensar o contrário, quando têm defronte de si tarefas civis, certo?
Aliás, no que toca à pandemia, somente um país obtuso poderia achar que questões de Epidemiologia e gestão de uma crise sanitária estava ao nível de uma guerra. Numa época em que se exigia racionalidade e Ciência sem peritos comprometidos, tivemos um vice-almirante a ditar bitates.
Veja-se este trecho sempre na primeira pessoa, como se fosse um John Ioannidis saído de um submarino: “Estou a fazer gráficos em que vejo a taxa de vacinação por concelho e a incidência por concelho. E olhando para os dados das últimas três semanas, a média acumulada em 14 dias por cem mil habitantes e a média acumulada da semana passada estão exatamente com o mesmo comportamento relativamente à percentagem de vacinação. Ou seja, a variante propaga-se mais mas é igualmente contida pela vacinação. Pelo menos, por enquanto não estou a notar isso. O que noto, à data de hoje e com os dados que tenho, é que em termos de mortalidade as vacinas continuam a proteger a população. O que acontece é que há pessoas que estão a apanhar porque só têm uma dose e uma dose protege pouco, sobretudo com a dose da AstraZeneca, e é isso que eu estou a acelerar agora a processo. E quando digo que protege pouco, é relativo. Protege muito, deixa é escapar alguns. Se tiverem as duas doses não deixa escapar nenhum.”
Ou este trecho, ainda: “Tenho concelhos com 70 por cento de vacinação já feita, concelhos muito pequeninos, e olhando para eles a incidência está a baixar imenso, está abaixo de 60. Quando olho para os 308 concelhos e vejo uns com maior incidência, vou ver os dados e têm pouca vacinação. A maior incidência é nos concelhos mais populosos porque não há vacinas para avançar com o ritmo como desejávamos. De qualquer forma, estamos a 50 por cento de segundas doses. Metade da população portuguesa já recebeu uma dose. E 30 por cento, duas doses. Agora eu gostaria de poder acelerar mais. Aliás eu gostaria de ter podido acelerar mais atrás. Porque como foram adiando a entrega das vacinas, e isto foi constante, fez-me perder tempo para trás. Se me tivessem dado aquelas vacinas na altura que me estavam prometidas eu já estaria em 60 ou 65 por cento de vacinação”.
Visto à distância, um militar submarinista sem formação neste sector falar desta forma mostra-se tristemente anedótico; e somente comparável à patetice de termos tido uma directora-geral da Saúde, Graça Freitas, que parvamente se orgulhava de não saber trabalhar com computadores, e daí com conhecimentos zero em Epidemiologia e sem arcaboiço sequer para se assumir como Autoridade Nacional de Saúde durante uma crise sanitária de três anos.
Mas nessa entrevista, Gouveia e Melo lança mais pérolas sobre o seu pensamento, assumindo que olhava para a tarefa como se fosse “um submarino”, o que não deixa de ser uma excelente mas triste imagem da realidade, porquanto, de facto, ficámos reféns daquilo que foi dissertando, imiscuindo-se em temas que não controlava nem deveria controlar, promovendo a perseguição de quem optava por não se vacinar, não cuidando da prudência quando a AstraZeneca começou a dar problemas e até incentivando pais a vacinar filhos e a Direcção-Geral da Saúde a dar autorizações, pois o que ele queria era vacinar, vacinar, vacinar. O seu objectivo eram números.
Mas há afirmações e ‘teses’ ainda mais graves na entrevista ao Sol, e que revelam a sua faceta verdadeira, incompatível com um Chefe de Estado, mesmo se as funções presidenciais são já quase simbólicas. Com efeito, Gouveia e Melo chega a dar uma explicação verdadeiramente marialva e até misógina sobre o seu alegado sucesso na task force: “Por exemplo: eu sou alto, visto uniforme, tenho voz de comando e sou assertivo. Só essas quatro coisas ajudam logo o processo. Depois, tenho ideias, desenvolvo-as e sou obsessivo. Faço o que tiver de fazer e sou impiedoso com os malandros. Sou super piedoso para as pessoas que fazem bem, erram, mas deram tudo.” Presume-se assim que um homem baixo e sem uniforme, não terá hipóteses de ser líder, mesmo que tenha voz de trovão e discurso assertórico. Quanto às mulheres, enfim, presume-se que não entrem no ‘clube’ de Gouveia e Melo, homem cheio de “ideias”, mesmo que não saibamos quais são, excepto quanto à peregrina ideia de reinstalar o Serviço Militar Obrigatório para enfrentar a ameaça russa e o desemprego.
Porém, a ‘melhor’ parte da entrevista ao Sol para percebermos a sua mentalidade é quando Gouveia e Melo fala no “snobismo” dos ingleses, nos franceses “chauvinistas” e mostra a pouca simpatia que nutre aos alemães porque tem “família judaica”. Pergunto ao ChatGPT como classifica alguém com este discurso. Respondeu-me prontamente a ‘inteligência artificial’:
“A pessoa que fez essa declaração pode ser classificada como alguém com uma visão estereotipada e preconceituosa em relação a diferentes nacionalidades. A fala demonstra generalizações negativas e julgamentos sobre grupos inteiros com base em nacionalidade, associando características como ‘snobismo’, ‘chauvinismo’ e uma atitude punitiva contra alemães por causa de uma conexão pessoal com o passado histórico do povo judeu.
Esse tipo de discurso reflete xenofobia, que é a aversão ou preconceito contra pessoas de outras nacionalidades, e pode também revelar traços de etnocentrismo, que é a tendência de julgar outras culturas ou nações com base em padrões e valores próprios, colocando-os como inferiores. Além disso, a menção de vingança contra alemães pela história familiar judaica pode estar relacionada ao trauma histórico, mas o uso dessa justifica[ção] para generalizar uma atitude hostil a um povo também perpetua ciclos de ódio.
Em resumo, a fala revela um preconceito nacionalista e uma dificuldade de ver as pessoas como indivíduos, em vez de como representantes de estereótipos nacionais”.
Não querendo dizer mais, concluo que se o putativo candidato Gouveia e Melo, metido na liderança das sondagens (que sabe Deus como são feitas), surfando o populismo montado numa ‘imprensa favorável’, vier a suceder a Marcelo Rebelo de Sousa, garantido está que teremos um ‘presidente das casernas’ com um pensamento das cavernas.
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Não sei se cometo algum crime de violação de segredo de justiça, mas, se assim for, que estas palavras sejam enquadradas no artigo 32º do Código Penal, que estatui que “constitui legítima defesa o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro”.
Esta quinta-feira, dia 26 de Setembro, vou mais uma vez prestar depoimento (ou manter-me em silêncio nesta fase) por uma queixa judicial. Se a memória não me falha, esta será a sexta vez em menos de três anos. Em dois dos processos, houve desistência, três vão avançar para julgamento até porque eu não quis abertura de instrução, que poderia levar ao arquivamento. Estou tão convicto do rigor e justeza do meu trabalho que quero provar esse rigor num tribunal através de uma absolvição.
Mas há limites para a paciência – e para dar a face. O processo agora em causa resulta, pelo que apurei, de uma queixa da Apifarma (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica), da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos, e deverá estar relacionada com artigos que fui escrevendo desde Dezembro de 2022 sobre uma famigerada campanha de solidariedade denominada ‘Todos por quem cuida’.
A dita campanha teve como principais mentores três pessoas em concreto: Ana Paula Martins – então bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e actual ministra da Saúde –, Miguel Guimarães – então bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado e vice-presidente da bancada parlamentar do PSD – e ainda Eurico Castro Alves – actual presidente da secção do Norte da Ordem dos Médicos e, entre outras funções, ‘anfitrião’ nas recentes férias brasileiras do primeiro-ministro Luís Montenegro.
As notícias originaram-se de uma investigação jornalística do PÁGINA UM que inclui a necessidade de uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, uma vez que as entidades envolvidas quiseram esconder os documentos operacionais e contabilísticos. Na análise dessa documentação, acedida por ordem de um tribunal, foi possível apurar que os três envolvidos abriram uma conta pessoal (e não institucional) para gerir os dinheiros da campanha (cerca de 1,3 milhões de euros provenientes de sócios da Apifarma), enganaram o Ministério da Administração Interna sobre a titularidade dessa conta, não pagaram imposto de selo (10% dos montantes acima dos 500 euros), houve facturas falsas em nome da Ordem dos Médicos (a facturação foi feita em nome da Ordem dos Médicos, mas os pagamentos não saíram de lá, mas sim da conta particular, havendo assim condições para a criação de um ‘sazo azul’) e houve ainda declarações falsas para obtenção indevida de benefícios fiscais.
Uma vez que os três envolvidos (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves) são profissionais de saúde, deveria ter havido declarações dos montantes recebidos das farmacêuticas no Portal da Transparência e Publicidade, gerido pelo Infarmed; mas tal nunca sucedeu nem o presidente do regulador se mostrou interessado em abrir um processo. A verba amealhada também serviu para um pagamento de serviços do Hospital das Forças Armadas como retribuição da administração de doses de vacinas contra a covid-19 a médicos não-prioritários, contra a norma em vigor da DGS e com o beneplácito activo de Gouveia e Melo.
Durante meses, procurei saber se o Ministério Público abrira qualquer processo. No ano passado, enviei quatro e-mails; este ano foram mais dois. Fiz entretanto, uma denúncia informal. Nada. Silêncio absoluto. O Ministério Público nada fez, pelo menos que seja do meu conhecimento.
Mas vai fazer agora, mas ao contrário, tal como já fez com as acusações de Gouveia e Melo, e de mais outra da Ordem dos Médicos (em ‘parceria’ com Miguel Guimarães, Filipe Froes e Luís Varanda) e ainda outra do médico e ‘humanitarian doctor’ Gustavo Carona. Porque, nesses casos, achou por bem acompanhar as acusações, porque é muito mais fácil: basta em meia-dúzia de linha seguir o que dizem os queixosos. Aliás, num dos processos, a magistrada até escreve que o PÁGINA UM é um jornal de se vende em banca, o que exemplifica o grau e qualidade da investigação do Ministério Público…
Tendo em conta a dimensão do PÁGINA UM, e o facto de eu ser um ‘outsider’ – e não visto com particular simpatia pelos colegas de profissão, até pela minha postura crítica sobre as promiscuidades e erros dos media –, sou um alvo apetecível para aquilo que se denomina SLAPP – acrónimo, que faz lembrar estalo (slap), para Strategic Lawsuit Against Public Participation. Consiste isto em processos de intimidação, perseguição e silenciamento, quase sempre recorrendo a processos judiciais ou similares, não apenas para desacreditar vozes independentes como para lhes causar danos patrimoniais.
Na verdade, arrisco-me a que, dentro de pouco tempo, a minha vida seja andar de tribunal em tribunal, de julgamento em julgamento, ainda por cima porque, em abono da verdade, como o Ministério Público não investiga sobre muitos dos ‘casos de política’ que o PÁGINA UM revela (e a outra imprensa intencionalmente não os expande), dá sinais aos infractores para me tentarem silenciar.
Pois bem, a minha estratégia vai mudar, e existem condições para o anunciar. Embora o papel do jornalismo (e do jornalista) não seja o de ter uma intervenção directa sobre os casos que denuncia – significando assim que, por princípio, um jornalista não deve ser o ‘denunciante’ junto do Ministério Público –, a partir de agora vou começar a apresentar, em casos concretos, denúncias formais junto da Procuradoria-Geral da República. Há, na forja, uma dezena de casos concretos, que serão, em breves anunciados, até porque revelaremos as queixas formais na Procuradoria-Geral da República.
Deste modo, casos como os da campanha ‘Todos por quem cuida’, envolvendo figuras gradas, podem sempre resultar em investigações contra mim por alegada difamação, mas terão também de resultar em investigações formais do Ministério Público contra os visados.
Mostra-se intolerável que, de entre as largas dezenas de ‘casos de polícia’ que o PÁGINA UM tem noticiado em quase três anos, não haja nenhum (com o meu conhecimento) que tenha levado a uma investigação séria da polícia criminal (e do Ministério Público), enquanto eu, à conta disto, tenha já quatro (ou mais) processos judiciais à perna. E tenho a consciência de ter cumprido todos os preceitos de rigor e isenção como jornalista.
Em suma, a partir de agora, estou pronto para muitas e mais mordidelas nas canelas; mas não posso é aceitar que o Ministério Público cruze os braços quando o PÁGINA UM escreve. Vai ter de descruzar.
Se os leitores do PÁGINA UM continuarem a manter a confiança e a alargar a base de apoio financeiro, este será um compromisso pessoal, que faremos auxiliados por uma equipa de advogados, porque a democracia defende-se não com cravos na lapela um dia por ano, mas por acções concreta em defesa de direitos, incluindo a liberdade de imprensa.
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Manhã quente e sombria, aquela em que se desperta para uma paisagem cinzenta, morta e quebrada. O ar é de guerra, de fumo e cinza negra que entranha no cabelo, na pele, nas narinas. Na alma.
Perco já a conta aos Verões a ler e a escrever sobre fogos, incêndios, vidas perdidas, vidas destruídas. As notícias sobre bombeiros cercados. Os contactos com a Protecção Civil. As forças policiais. Os diferentes Ministérios. As notícias sobre o que se pode ir fazer junto das seguradoras. A ausência de seguros. Os interesses económicos que se escutam aqui e ali. Porque tudo é negócio. Até nas desgraças, há sempre quem tenha lucro.
Se ao menos as florestas e o mato fossem petróleo, ouro ou minas de diamantes… Haveria talvez outro cuidado, outro tipo de vigilância, outra estratégia de protecção. Mas não são. São silvas, ervas, eucalipto, pinheiros. São hortas, campos cultivados. São casas onde vive gente. São galinheiros, coelheiras. São fábricas onde trabalha gente. São caminhos antigos amigos de pastores. São ovelhas, patos e porcos, gado…
Há falta de civismo. Há falta de meios. Há falta de cuidados. Há negligência. Há falta de dinheiro para pagar a guardas e vigias. Para mais carros, aviões e helicópteros para apagar os fogos quando ainda se vai a tempo de salvar o que importa. E há crimes.
Mas há, sobretudo, falta de amor. Falta de amor pelos campos, pelas florestas. Pelos rios e nascentes subterrâneas. Pelas gentes. Pelas cidades, vilas e aldeias. Pelas fábricas que empregam gente. Pelas escolas que ainda têm alunos, professores e auxiliares. Pelos hospitais. Pelos quartéis e pelos bombeiros. Pelos postos de GNR e os agentes. Falta de amor pelas estradas e caminhos. Pelos animais. Pela natureza.
Porque, quando se ama, quando há amor de verdade… há carinho e há cuidado. Amamos e cuidamos. E cuidamos do que amamos. Se não, não é amor. Pode ser interesse. Pode ser dependência.
O amor nota-se e é evidente. Vê-se exteriormente. Nas acções.
Como se repete o inferno todos os anos? Como é que ainda se morre a combater fogos na era dos drones, dos aviões sem piloto, dos satélites, da inteligência artificial? Como?
Como é que se deixa ainda terra ao abandono, à sua sorte e à mercê das desgraças?
Os seguros não pagam o que se perde. Não recuperam o que se perdeu. Não se recuperam as vidas perdidas a defender casas, floresta, animais e gente. A defender o país.
Esta é uma guerra. Mas não é só uma guerra contra o fogo, que mata e destrói. Mas uma guerra contra nós próprios. Porque dói, mas a verdade é que temos sido cúmplices destes incêndios malditos. Porquê? Porque fechamos os olhos à negligência, aos interesses. Toleramos a falta de civismo e o abandono das terras, das casas, da floresta. Porque calamos quando se soltam criminosos e permitimos que a Justiça seja branda com o crime. Por que só nos interessamos pelo nosso quintal. Porque aceitamos que se gaste dinheiro público em merdas. Sim, em merdas. É só olhar para os milhões que se esvaem para empresas falidas, mas que pagam bons salários a gestores amigos dos partidos no poder. Para os milhões em almoços, jantares, festas e banquetes e recepções. Em carros topo de gama e carrões para autarcas e governantes passearem em contínua campanha eleitoral. Os milhões enterrados em bancos e para tapar buracos abertos por créditos a amigos do poder. É só consultar o Portal Base e perceber que há dinheiro. O que não há é amor suficiente. Pegue-se no dinheiro disponível e numas migalhas de amor e as notícias nos Verões passarão a ser diferentes.
Porque esta guerra não se vence só com mais canhões de água, bombeiros e aviões. Há que almejar protegermos e mantermos vivo tudo o que amamos. Prevenir, proteger, cuidar. E desejar, verdadeiramente, sem populismos e sem mais merdas, a Paz.
Porque o amor é um ‘fogo’ que arde e que se vê. Todos os dias. Nos cuidados e no carinho que demonstramos pelo que (e quem) mais amamos.
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Há assuntos onde proliferam estranhos unanimismos na imprensa (inter)nacional, que se iniciaram nos tenebrosos tempos da pandemia, quando se ausentaram as divergências de opinião e os argumentos dissonantes, que servem, as mais das vezes, para consolidar ou mudar opiniões.
Veja-se o recente caso do ‘confronto’ entre Elon Musk, dono da rede social X, e Alexandre de Moraes, juiz do Supremo Tribunal Federal do Brasil, que rapidamente redundou numa guerra ideológica maniqueísta de contornos absurdos numa democracia. Ou não assim tão absurdos, porquanto em 2020 e 2021 se viram os mais violentos atropelos da Constituição da República Portuguesa, mesmo sob a bênção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, por triste ironia, um dos mais conceituados constitucionalistas.
A forma enviesada como se tem vindo a debater o caso X vs. Brasil é, em todo o caso, paradigmática da cegueira e do desnorte da imprensa, que nem consegue disfarçar o ódio pela rede social de Elon Musk, que decidiu, porque pode, fazer um ‘manguito’ aos poderes do ‘quero, posso e mando’ – poderes esses muitos lestos em brandir a ‘extrema-direita’ como um vírus da democracia, quando, na verdade, têm atitudes que denotam tiques fascizantes com a censura à cabeça.
Para ilustrar o viés da comunicação social em território nacional – que olha para o Brasil com uma simplicidade confrangedora (Bolsonaro é um diabo; Lula um santo) –, pegue-se numa peça no Público do jornalista João Ruela Ribeiro – e destaco: jornalista – sugestivamente intitulada “Suspensão do X no Brasil aprofunda debate sobre o poder das big techs”, onde salienta que “o Brasil não é o primeiro país a proibir as actividades de uma rede social, mas é a primeira grande democracia mundial a fazê-lo por incumprimento de sentenças”.
Portanto, e sem sequer clarificar a tipologia destas sentenças (atípicas num país democrático), para este jornalista (e muitos outros), o Brasil destaca-se como o bêbedo na auto-estrada que ruma na pista errada: ele está certo e a culpa nem é dos outros, que insistem em rumar contra ele; é sim do Governo que não indicou aos outros condutores qual deve ser a via correcta. Quando só um país democrático faz o mesmo que ditaduras, basta o bom senso para se concluir não ser ele o único país democrático certo, não acham?
Por outro lado, causa-me estranheza que, para este jornalista do Público (e muitos outros), a suspensão do X aprofunde o debate do poder das big techs, mas não a do poder incontrolado das Autoridades Políticas e Judiciais. O Público (e muitos outros) achou bem que as big techs censurassem em nome de Governos desde 2020, mesmo calando as violações da liberdade de expressão e de outros direitos fundamentais. E só agora acham que há desmesurado poder das big techs por haver uma rede social que faz agora finca-pé, porque em teoria há a possibilidade de, num país em regime democrático, fazer prevalecer direitos, liberdades e garantias. Convém dizer que fazer finca-pé perante uma ditadura é bem diferente; simplesmente se perde na ‘secretaria’, por isso uma ditadura é uma ditadura, não uma democracia.
Aliás, lendo a notícia do Público fica-se pasmado pelo facto de o jornalista (e muitos outros) achar normal que um juiz possa decretar a suspensão de contas de pessoas suspeitas de um determinado crime. Repito: suspeitas. São apenas suspeitas e já há um veredicto de um juiz para uma limitação futura de um direito fundamental como a liberdade de expressão? Acham bem só por se estar a falar de adeptos do Bolsonaro? Se assim for, vamos ter uma democracia onde os nossos antagonistas podem ser vencidos apenas calando-os, limitando-lhes os movimentos. E o que nos sucederá se um dia eles tomarem o poder? Podem usar o mesmo expediente? Podem fazer pior? Onde estará o limite se supostos democratas abrem a Caixa de Pandora? Ou afinal já estaremos numa ditadura e ninguém nos avisou?
Chateia-me, aliás, cada vez mais no debate sobre direitos fundamentais, as associações ideológicas imediatas e acríticas com rótulos à mistura. Subjacente à questão Brasil vs. X, e seguindo a linha de muitos outros meios de comunicação social, o jornalista do Público diz que “no Brasil, a suspensão do X foi aplaudida pela generalidade da esquerda e condenada pela extrema-direita afecta a Bolsonaro, recorrendo aos mesmos argumentos usados por Musk”.
Portanto, Musk – que até 2002 tinha concedido donativos de 574.500 dólares para os republicanos e 542.000 dólares para os democratas – passou a ser catalogado de extrema-direita [e reparem: na notícia do Público (e muitos outros) deixou de haver direita, incluindo conservadores, e já nem há centro nem liberais; é um “mundo” maniqueísta] por considerar que não cabe a um juiz decretar a suspensão do acesso a uma rede social mundial. Além disso, a notícia do Público (e de muitos outros) subliminarmente mete, sem pestanejar nem necessitar de justificação, um rótulo maléfico (anti-democrático, supõe-se) a quem, sendo ideologicamente de esquerda, questiona esta medida estapafúrdia numa democracia.
Aliás, nem sei o que é “a generalidade da esquerda”, aquela que concorda com a medida censória de Alexandre de Moraes, mas tendo eu muitos amigos brasileiros de esquerda, e não tendo feito ainda qualquer sondagem digna desse nome, rezo para que a “generalidade” não ande a bater palmas a um juiz caprichoso.
Em suma, com este tipo de postura da imprensa, as democracias não se perdem apenas através de golpes de Estado, mas sobretudo por corrosão e corrupção moral. Achar que a liberdade do outro pode ser condicionada porque é nosso inimigo, usando para tal condicionamento do poder político, judicial e mediático, e achar que se continua a ser uma democracia é o mesmo que considerar apropriado e coerente que a Coreia do Norte se chame República Popular Democrática da Coreia.
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“Numa altura em que é vital focarmo-nos na defesa do jornalismo sério e independente como pilar estruturante da democracia, importa pensar como o Estado pode ressarcir os media dos seus erros e do viés das suas políticas públicas”. Esta é uma das frases de um artigo de opinião de Francisco Rui Cádima, investigador do ICNOVA – Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa publicado na semana passada no jornal Público. Nem de propósito, ou muito a propósito, esta opinião surge num jornal que apresentou, no ano passado, prejuízos de 4,5 milhões de euros e o seu ‘mecenas’, o Grupo Sonae, já se cansa de encaixar resultados líquidos negativos desde 2017 da ordem dos 24 milhões de euros.
A tónica de Francisco Rui Cádima apenas faz eco de um coro cada vez mais crescente da generalidade dos grupos de media, e mais os seus defensores, em reivindicar apoios ao Estado, ao mesmo tempo que se estabeleceu um forrobodó de práticas censuráveis. No sector privado dos media, com a excepção da Medialivre, assistimos a um absurdo de gestão financeira e de recursos, com jornalistas genericamente mal pagos, mas directores principescamente pagos, que republicam as mesmas notícias, os mesmos temas, as mesmas abordagens, numa cansativa e única perspectiva, não se destacando na mediocridade uma das outras. E no mercado, o público é soberano, e até as empresas, que de início apreciavam a promiscuidade das parcerias comerciais, olham agora com desconfiança para um ‘chão que já só dá para vinagre’.
Sou defensor do jornalismo como um bem público, no conceito económico do termo, que, por trazer mais vantagens à sociedade do que o seu valor de mercado (concedido pelos seus clientes), merece apoio público. Mas cabe também ao Estado – e à sociedade – a capacidade de separar o trigo do joio, para que não cometa o viés de trazer vantagens às negociatas que se fazem através dos media. E, por esse motivo, sou e serei um opositor ferrenho de ‘salvar o jornalismo’ despejando dinheiro em mau jornalismo.
A crise no sector dos media está longe de se dever ‘apenas’ à não-valorização do seu papel pelos consumidores, mas sim a uma crise de credibilidade. Quem acredita estarem a ser as redes sociais a causar a morte do jornalismo, estará a enganar-se a si próprio. A proliferação rápida de (suposta) desinformação pelas redes sociais surge porque a imprensa deixou de ser um ‘porto seguro’ de credibilidade. Se antes se podia ‘emprenhar pelos ouvidos’ num café entre amigos, mas o que se se ouvia nesses ‘mentideros’ caía numa consulta dos jornais; agora, tal deixou de ser uma garantia. Actualmente, num misto de ignorância e de notícias ideologicamente enviesadas, temos necessidade de recorrer à fonte para saber se uma determinada ‘informação’ que nos chega é verdadeira ou falsa, quer seja transmitida por um post viral ou por uma ‘notícia’ da imprensa mainstream. Este é o drama; esta é a causa da crise.
E essa é a crise – e não se resolve despejando ‘dinheiro público’, sobretudo quando o ‘leitmotiv’ aparenta ser uma «boia de salvação’ de grupos de media em dificuldades, alguns dos quais, com a Trust in News e a Global Notícias à cabeça, deveriam até já ter desaparecido literalmente, por uma questão de sustentabilidade ética do mercado, de integridade do jornalismo e de abertura de espaço para novos players.
De entre as soluções de apoios do Estado sugeridas, concordo com duas: tornar gratuito, mas apenas para os pequenos órgãos de comunicação social, o acesso ao material fotográfico da Agência Lusa; e permitir que os cidadãos possam decidir, através de uma espécie de ‘voucher imprensa’, quem, de entre os diversos órgãos de comunicação social, merece receber os apoios estatais. Só assim se corrigirão erros e vieses de um bem público como é a imprensa. Se a opção for burocrática e política, com o Governo a distribuir dinheiro e prebendas pelos ‘suspeitos do costume’, a tal correcção das ‘falhas de mercado’ será um embuste, apenas agravando o problema da qualidade e credibilidade da imprensa, até ao dia em que acordarmos com uma imprensa não lida, não ouvida e não vista, existindo somente como receptáculo de uma fonte de despejos de dinheiro chamado Estado.
Infelizmente, na esfera da discussão dos apoios à imprensa e do papel do Estado, não tem entrado neste debate – e não será por esquecimento – o papel do Governo (e do Parlamento) num assunto fundamental para o trabalho da imprensa: a transparência da Administração Pública e o acesso à informação dos jornalistas, que são ‘instrumentos’ essenciais para a prática do (bom) jornalismo.
Mostra-se crucial, para termos um jornalismo ao serviço da sociedade (e não da política e dos negócios), que a imprensa regresse às suas origens mais nobres, à sua função de ‘watchdog’ incisivo, e que deixe de ser o ‘pet dog’ fofinho que se anda a mostrar, agora de mão e língua estendidas. E, para isso, não é aceitável que a Administração mantenha uma postura de obscurantismo, como se tem mostrado evidente em diversos casos denunciados pelo PÁGINA UM, obrigando mesmo ao recurso aos tribunais administrativos para aceder a informação pública, demorando isso dinheiro e tempo. A Administração Pública portuguesa está cada vez mais obscura e fechada; não respondem a perguntas incómodas de jornalistas; cedem informações manipuladas a jornalistas de ‘confiança’ que lhes dêem garantias de notícias favoráveis. E isso tem de terminar. Mesmo quando surgem decisões dos tribunais favoráveis ao acesso, a Administração Pública mantém expedientes dilatórios.
Por exemplo, corre há mais de um ano no Tribunal Administrativo de Lisboa [corre é um eufemismo, porque o juiz tem o caso parado há meses] um processo de execução de sentença contra a Administração Central do Sistema de Saúde para aceder a uma base de dados por parte do PÁGINA UM, cujo direito já foi decretado até pelo Supremo Tribunal Administrativo, depois de uma sentença e de um acórdão.
Se o Estado (Governo e Parlamento) quer a existência de um jornalismo como pilar da democracia, então faça-se o favor de melhorar a lei do acesso aos documentos administrativos, tornando vinculativos os pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e decretando multas (ou mesmo a demissão) aos dirigentes da Administração Pública que não os acatem integralmente.
Em complemento, é essencial, se se quer mesmo apoiar o jornalismo, garantir efectivamente a liberdade e independência dos jornalistas, sobretudo dos incómodos, consagrada na Constituição da República. Não basta bater no peito e clamar por um jornalismo independente e incómodo – dois adjectivos que deveriam ser redundantes quando falamos da imprensa – e depois ver-se que não existem, na prática, mecanismos de protecção, permitindo que fiquem submetidos a práticas abusivas.
Seja através de sucessivas queixas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social e na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – duas entidades anacrónicas, pelo facto de os seus membros não entenderem as suas funções –; seja através de ameaças mais ou menos veladas de processos judiciais se uma notícia for publicada; seja mesmo através de processos judiciais, sobretudo quando os gastos em advogados não são pagos pelos queixosos. Veja-se, aliás, que pendem sobre mim, neste momento, três processos judiciais, onde claramente o Ministério Público nem sequer se deu ao trabalho de fazer uma adequada investigação, limitando-se a acompanhar as queixas por difamação, sem se ter dado ao trabalho de apurar se aquilo que escrevi é verdade ou mentira. Deduzo que haja mais a surgir.
Transparência da Administração Pública e reforço da protecção dos jornalistas são, por isso, para mim, aspectos tanto ou mais importantes do que o apoio financeiro às empresas de media. Redireccionemos, portanto, o debate sobre aquilo que o Estado pode fazer, sobretudo porque se existirem mecanismos para haver bom jornalismo, por certo a sociedade o valorizará. Focar a crise da imprensa na sua crise financeira é um erro; querer debater o futuro do jornalismo com o fito de somente salvar de imediato empresas de media (mal geridas) da bancarrota, para assim suportar artificialmente o sustento de 5.300 jornalistas, apenas adiará uma inevitável queda no abismo.
Nota final: Foi ontem publicada em Diário da República uma Resolução do Conselho de Ministros que visa criar uma enigmática Estrutura de Missão para a Comunicação Social. Tremo, só ao ler o preâmbulo. Diz-se que “o Governo assumiu a opção política de contribuir para ajudar a inverter uma perigosa tendência de desvalorização social e cívica da função do jornalista e da informação rigorosa, livre, plural e credível”, acrescentando que “o crescente fenómeno de difusão massiva de notícias falsas, designadamente através de plataformas digitais, de desinformação e de manipulação dos factos, cada vez mais simples e acessível, por exemplo, através de ferramentas de inteligência artificial de fácil acesso, exige uma resposta mais eficaz tendo em vista a defesa da democracia e de liberdade”.
Paternalmente, anuncia-se que “neste contexto, torna-se necessário e urgente que o Governo disponha de uma estrutura que, recorrendo às capacidades de recursos humanos e outras, já existentes no âmbito da atual Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, possa ser um suporte para a execução das políticas públicas para o sector da comunicação social, designadamente no período em que o Governo executará o seu Plano de Ação para os Media”, concluindo que “um dos objetivos cometidos à estrutura de missão agora criada é a elaboração de um novo plano nacional para a literacia mediática, a aprovar pelo Conselho de Ministros”. Já se sabe no que isto vai dar: num Governo a insinuar-se para que o tratem bem em troca de uns milhões para uma imprensa ávida de se salvar, mesmo que se mate o verdadeiro jornalismo. Este Governo não quer dar mais liberdade à imprensa; quer apenas controlá-la (ainda) mais e ver os administradores dos grupos de media a agradecer-lhes os apoios financeiros.
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Hoje é uma espécie de renascimento do PÁGINA UM, não propriamente uma redenção, embora sintamos que nos apresentamos, perante os leitores, com um redobrado respeito e admiração. Mantivemos durante 30 meses, ininterruptamente, todos os dias, uma ‘renovação’ noticiosa, sempre cumprindo de forma escrupulosa os princípios iniciais: jornalismo independente, incómodo e irreverente. Porém, sentimos que esse esforço se tornava esgotante – e propusemos um novo modelo que tem os seus riscos: uma edição quinzenal, com a renovação integral das notícias, crónicas e artigos de opinião, conteúdos culturais e mesmo entrevistas (e logo quatro). Para que não sentissem em demasia a nossa falta – ou que pensassem que tínhamos desistido, prometemos no início deste mês, e cumprimos, sair com a primeira edição esta quinta-feira, dia 8. Foi um esforço suplementar. Estamos aqui para que nos avaliem, sentindo, porém, que teremos necessariamente que crescer para conseguir melhorar a frequência, nestes moldes, para semanal.
Mas mesmo que nos mantenhamos com a periodicidade quinzenal, prometemos lutar por um jornalismo isento, mas inflexível contra os abusos. E nesses abusos estão sobretudo incluídos aqueles que surgem, travestidos de carneiro, mas mostrando-se vorazes nos actos e traiçoeiros nos gestos.
Estou a falar, em concreto, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) que, constituída somente por jornalistas com carteira (que não merecem), sequestraram a essência e pureza do jornalismo. Como tem sido notório, esta entidade tem servido basicamente para manter tudo como está, dando uma aparência de pureza. Mas são, na verdade, um pobres déspotas, que, na sua ânsia e sofreguidão em decepar um jornal (PÁGINA Um) e um jornalista (eu), não olharam sequer a meios, e assim cegos nem sequer se aperceberam da vergonha que cometeram a instruir um processo disciplinar que me intentaram para gáudio de um putativo candidato a Presidente da República, alcandorado a herói nacional por uma imprensa acéfala durante um período de atropelos indescritíveis aos nossos direitos, liberdades e garantias.
A leitura do parecer que amavelmente o Professor José Melo Alexandrino – um dos grandes especialistas nacionais em Direito Constitucional e Direito Comparado – se dispôs a elaborar, como análise crítica à ‘instrução’ do processo disciplinar da Secção Disciplinar da CCPJ, é de leitura obrigatória. Pelo menos para juristas e para jornalistas. Para os primeiros será útil para perceberem o que nunca se deve fazer; para os segundos será útil para, com vergonha alheia, perceberem como a canalhice e a ignorância se podem irmanar.
Escreve o Professor José Melo Alexandrino, no final do seu parecer [negritos da minha autoria], que “são de tal modo graves, diversos, desvaliosos e incompreensíveis os erros técnico-jurídicos [da ‘instrução’ que sugere uma repreensão escrita], bem como as questões prévias analisadas que, no seu conjunto, constituem motivo mais do que bastante para a imediata declaração, por parte do órgão competente, da nulidade de todos os actos praticados no procedimento, com exclusão da participação disciplinar, além de serem, eles próprios, passíveis de gerarem responsabilidade civil, por violação grosseira da esfera jurídica do arguido, bem como responsabilização interna dos membros do Secretariado, da Secção Disciplinar e dos agentes ao serviço da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, dada a negligência grosseira patenteada“.
Dá vergonha ler isto assim. E se lerem todo o parecer vão ficar pasmos, de tão risível se tornam os erros e ignorâncias desta comissão que tem uma suposta “jurista de mérito”…
[e, aliás, nem sequer a CCPJ pode, como entidade, colocar em causa [seria redobrada vergonha] a idoneidade do Professor José Melo Alexandrino, sabendo-se que ele até já fez um parecer a pedido da CCPJ em 2021 sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.]
Por tudo isto, e pela forma enviesada e canina como a CCPJ me tem perseguido, por aquilo que representa o jornalismo do PÁGINA UM (e por causa dos podres que temos revelados; e hoje mostramos mais aqui), eu acrescento: só a demissão conjunta de Licínia Girão (CP 1327), de JacintoGodinho (CP 772), de Anabela Natário (CP 326), de Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), de Isabel Magalhães (CP 102), de Cláudia Maia (CP 2578), de PauloRibeiro (CP 1027), de Luís Mendonça (CP 1407) e de PedroPinheiro (CP1440) pode restituir alguma dignidade a um organismo que deixou de se dar ao respeito. Enquanto se mantiverem naqueles cargos, não são mais do que uns simples ‘carteiristas’ atirados para a Artilharia Um.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.
Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.
Iniciamos hoje um novo ciclo do PÁGINA UM, que espero, com a ajuda dos leitores, que seja muito breve. Não é um recuo, não é por desmotivação; é por necessidade, diria, estratégica para, face a um projecto que se pretendeu sempre auto-sustentável financeiramente (apenas com o apoio dos leitores), reacertar o rumo em prol do jornalismo independente.
Ao invés de mantermos, num esforço titânico, uma periodicidade diária com poucas notícias, artigos de opinião, entrevistas e outros conteúdos, passaremos a ‘renovar’ integralmente o jornal numa periodicidade quinzenal. A primeira edição com a nova periodicidade será já o próximo dia 8 de Agosto.
A opção seria contratar mais jornalistas, mas isso implicaria compromissos financeiros que arriscavamos não cumprir, inviabilizando os princípios do PÁGINA UM, obrigando-nos ao endividamento. Não temos dívidas; não queremos ter dívidas, por ser essa a porta para a perda de independência.
Na prática, o PÁGINA UM pouco reduzirá a sua ‘produção’; apenas funcionaremos como um tradicional jornal quinzenal, talvez com mais impacte no dia da sua saída, mas que pode perfeitamente prolongar-se ao longo dos dias seguintes. Aliás, como já sucede com algumas notícias. Por exemplo, a notícia de anteontem sobre a TVI continua, ainda agora, com uma muito assinalável leitura.
Vamos querer, em pouco tempo, passar para uma periodicidade semanal e, se as condições o permitirem, retomar a edição diária com mais conteúdos, até para potenciar ao máximo a nossa nova redacção. Os leitores e apoiantes são um factor importante, tal como têm sido ao longo do nosso percurso.
Assim, a partir do dia 8 de Agosto, a cada duas semanas, e sempre às quintas-feiras, colocaremos em linha uma investigação em manchete, mais sete notícias sobre assuntos relevantes, a reportagem histórica do jornalista Rui Araújo, o editorial, as rubricas do Serafim e do Brás Cubas, mais seis artigos de opinião, incluindo o podcast ‘Alterações Mediáticas’, da Elisabete Tavares, bem como os textos (mais ou menos regulares) de José Melo Alexandrino (e estou particularmente ‘ansioso’ em vos poder mostrar o seu próximo, que muito útil se afigura para reflectirmos sobre os limites que alguns querem impor à imprensa), Vítor Ilharco, Luís Gomes, Ruy Otero e Tiago Franco, sem prejuízo de outras colaborações.
Teremos ainda, quinzenalmente, quatro entrevistas, incluindo a Hora Política (com uma figura pública) e duas conversas com escritores no âmbito da Biblioteca do PÁGINA UM. Posso já anunciar, até por já estarem gravadas, as entrevistas ao escritor Rui Cardoso Martins e à tradutora (e ex-editora) Ana Maria Pereirinha.
Na secção da Cultura, também renovada quinzenalmente, contaremos com as colaborações de Clara Pinto Correia, de Lourenço Cazarré, de Sílvia Quinteiro e de Bruno Rama, além do meu próprio ‘baú de dispersos’. E teremos também as recensões, com as críticas habituais de Ana Luísa Pereira, Maria Carneiro, Paulo Moreiras, Mariana Santos Martins e Natália Constâncio, entre outros colaboradores mais fortuitos.
E, claro, serão mantidas, esperando com a regularidade que merece, os podcasts ‘Os economistas do diabo’, os debates entre mim e o Luís Gomes, e ‘O estrago da nação’, as discussões, com a minha moderação possível, entre o Tiago Franco e o Luís Gomes.
Em simultâneo, vamos reactivar as conversas e contactos com os nossos leitores e apoiantes, que infelizmente, na azáfama destes quase mil dias de existências (desde 21 de Dezembro de 2021), fomos perdendo.
Não pensem, por tudo isso, que estamos a fraquejar. Pelo contrário, muito pelo contrário. Estamos bem vivos, e queremos assim continuar. E mostrar que podem apostar em nós. Estamos prontos para incomodar, para continuar a incomodar: como deve(ria) todo o Jornalismo que (se) presta.
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