Etiqueta: Dossier P1 – Transparência

  • Inspecção-Geral das Actividades em Saúde também já tem processo de intimação no Tribunal Administrativo por recusar consulta a documentos

    Inspecção-Geral das Actividades em Saúde também já tem processo de intimação no Tribunal Administrativo por recusar consulta a documentos

    Oitavo processo de intimação do PÁGINA UM nos tribunais entrou hoje. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) está a criar obstáculos para se conhecer as diligências processuais contra médicos, entre os quais o pneumologista Filipe Froes. Mais uma iniciativa do  FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores em prol da transparência da Administração Pública.


    Três meses depois do pedido infrutífero para consultar os 34 processos instaurados a médicos desde 2018 – que englobam 26 de fiscalização, quatro de esclarecimento e quatro de contraordenação –, e que incluem o relativo ao pneumologista Filipe Froes, o PÁGINA UM apresentou hoje uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    Este é o oitavo processo similar em prol da transparência intentado pelo PÁGINA UM desde Abril passado, englobando, na sua maioria, entidades tuteladas pela ministra da Saúde, Marta Temido.

    António Morais (ao centro), presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, tem em curso um processo de contra-ordenação instaurado pela IGAS, mas esta entidade está a obstaculizar o acesso à informação sobre 34 processos abertos a médicos desde 2018.

    O processo agora intentado contra a IGAS surge já depois de um parecer não vinculativo da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos e de uma tentativa – fora do prazo legal – do inpector-geral da IGAS em protelar o acesso aos comprometedores processos, cuja consulta serve também para averiguar a qualidade da tramitação. Por exemplo, no caso do pneumologista Filipe Froes, apesar do anúncio da abertura de um processo de averiguações em Novembro passado, nunca foram publicitadas as conclusões nem os pormenores das diligências levadas a cabo. Algo que, tanto neste como em outros casos, o PÁGINA UM tem legitimidade para conhecer.

    Recorde-se que Filipe Froes continua a ser consultor da DGS e membro destacado da equipa que elabora as terapêuticas contra a covid-19, embora mantenha uma promíscua relação com a indústria farmacêutica. Só este ano recebeu cerca de 30 mil euros, integrando o quadro de consultores (advisory board) da Sanofi, AstraZeneca, Merck Sharp & Dohme e Gilead.

    Filipe Froes teve um processo de averiguação aberto pela IGAS em Novembro do ano passado, mas nunca se soube que diligências foram efectivamente realizadas.

    Para esta última empresa, Froes é especificamente consultor para o remdesivir, um antiviral que ele, como consultor da DGS, continua a recomendar como terapêutica, apesar dos efeitos adversos causados e da fraca eficácia. Tem também sido um profícuo divulgador do Paxlovid, um polémico antiviral da Pfizer, farmacêutica da qual recebeu oficialmente mais de 130 mil euros desde 2013.

    No âmbito das investigações do PÁGINA UM às relações promíscuas entre médicos e farmacêuticas, a IGAS anunciou no mês passado a instauração de um processo de contra-ordenação ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, que entretanto foi excluído da lista de consultores do Infarmed. António Morais – que chegou a apresentar uma queixa contra o director do PÁGINA UM junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social – presidente de uma sociedade científica que recebe quase 20 vezes mais verbas por ano do que aquela que seria admissível para que ele fizesse consultadoria para entidades estatais.


    N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso. Até ao momento, estão em curso oito processos administrativos e mais dois em preparação.

  • Ordem para expurgar informação comprometedora para o Ministério da Saúde veio de amigo de longa data de Marta Temido

    Ordem para expurgar informação comprometedora para o Ministério da Saúde veio de amigo de longa data de Marta Temido

    Continua sem existir uma justificação documental (e plausível) para o desaparecimento da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar retirada do Portal da Transparência pelo presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Do gabinete da ministra da Saúde remete-se a responsabilidade para a ACSS, presidida por um amigo de longa data de Marta Temido, com quem esteve lado a lado no passado dia 7 na apresentação do novo Estatuto do SNS. A ministra nega razões políticas, mas não responde sobre se vai fazer algo para que seja retomado o acesso público daquela base de dados.


    Victor Marnoto Herdeiro, presidente da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), continua sem identificar quais foram as razões técnicas que levaram aquele instituto público –  sob alçada directa da ministra Marta Temido, sua amiga de longa de longa – a expurgar a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, onde constam dados que revelam a situação caótica do Serviço Nacional de Saúde e desmentem muitos aspectos da narrativa oficial do Governo.

    A base de dados permitiu ao PÁGINA UM elaborar um dossier de investigação jornalística, que já contava com nove artigos, publicados entre 13 de Maio e 23 de Junho. O seu expurgo impede o acesso a dados mais actuais, posteriores a Janeiro deste ano, impossibilitando assim uma melhor avaliação do desempenho do SNS e das políticas públicas do actual Governo.

    Da esquerda para a direita: Rui Ivo (presidente do Infarmed), as ministras Mariana Vieira da Silva e Marta Temido, Victor Herdeiro (presidente da ACSS) e Fernando Alfaiate (presidente da Estrutura de Missão Recuperar Portugal) na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho.

    Esta base de dados foi criada em 2018, sendo um sistema de informação de suporte à monitorização do desempenho dos hospitais do SNS.

    Em concreto, este sistema recolhe dados administrativos, incluindo codificação clínica, permitindo apurar a evolução mensal, desde Janeiro de 2017, de episódios de internamentos, ambulatório e óbitos por capítulo de diagnóstico (por grande grupo de doença) em cada hospital ou centro hospitalar, por grupo etário e sexo. Tem também a particularidade de conseguir identificar a evolução dos internamentos e desfechos da covid-19, uma vez que, neste caso concreto, esta é a única doença do grupo denominado “Códigos para fins especiais”.

    Certo é que o responsável da ACSS – que assumiu sem esclarecer a retirada da base de dados da Plataforma da Transparência, alegando “análise interna” – foi uma escolha directa e pessoal da actual ministra para aquele posto. Aliás, Marta Temido presidiu àquele instituto desde 2016, quando em 2018 foi convidada por António Costa para integrar o Governo.

    Victor Herdeiro demorou três anos a conseguir o cargo antes ocupado pela sua amiga Marta Temido, quando então ocupava a vice-presidência da Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, uma entidade pública, mas com ligações à APIFARMA. Antes daquele cargo, Herdeiro tinha sido presidente da Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que gere o Hospital Pedro Hispano.

    Printscreen de apresentação da base de dados expurgada pela ACSS (imagem arquivada). Fonte: Internet Archive.

    Os laços entre Marta Temido e Victor Herdeiro são bastante estreitos e de longa data. Ambos tiraram o curso de Direito, tendo-se cruzado nos corredores da Universidade de Coimbra, embora o actual presidente da ACSS seja mais velho (nasceu em 1969, enquanto Temido nasceu no início de 1974). No entanto, passaram a ter contactos estreitos há cerca de duas décadas, porque ambos ingressaram na carreira de administradores hospitalares.

    Na Associação Nacional de Administradores Hospitalares (APAH) – uma poderosa agremiação por via das ligações políticas e dos financiamentos das farmacêuticas –, Victor Herdeiro e Marta Temido compartilharam mesmo três mandatos ao longo de nove anos: 2008-2011, 2011-2013 e 2013-2016.

    Nos dois primeiros, Temido foi tesoureira e Herdeiro vogal, enquanto naquele último triénio a actual ministra presidiu à APAH, mantendo-se Herdeiro como vogal. Já sem Marta Temido nos órgãos sociais desta associação, Victor Herdeiro foi vice-presidente no mandato de 2016-2019. Ambos são também “responsáveis” pelo convite a Alexandre Lourenço para presidir à APAH há seis anos, como o próprio confessou em Março último.

    Mandatos em que Marta Temido e Victor Herdeiro coincidiram na Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares. Fonte: APAH.

    Apesar destas relações íntimas, e do expurgo da base de dados da Morbilidade e da Mortalidade Hospitalar beneficiar Marta Temido, o Ministério da Saúde insiste nada ter a ver com a decisão de Victor Herdeiro, que se mantém silencioso, não apresentando ao PÁGINA UM, conforme solicitado, qualquer documento que ateste a necessidade de uma “análise interna” da informação que esteve até Maio no Portal da Transparência.

    Por insistência do PÁGINA UM, um porta-voz da ministra da Saúde insiste que “não houve qualquer intervenção de qualquer membro do Governo ou dos seus gabinetes na retirada do referido indicador do Portal da Transparência, nem tal intervenção foi suscitada pela ACSS, seguramente em razão de tal retirada ter obedecido a critérios estritamente técnicos e na esfera da competência da ACSS”. E acrescenta que, “dessa forma, não se suscita qualquer comentário político sobre a matéria.”

    Tendo em consideração que actos técnicos desta natureza necessitam de ordens escritas expressas – até porque manifestamente terão de ser justificados os procedimentos inerentes à tal “análise interna” –, o PÁGINA UM irá recorrer ao Tribunal Administrativo para que Victor Herdeiro seja obrigado a justificar-se. Ou, pelo menos, a admitir publicamente que a sua ordem foi verbal, e portanto sem justificação técnica, embora com óbvios benefícios político-partidários.

  • Ordem dos Médicos sentenciada pelo Tribunal Administrativo a entregar ao PÁGINA UM os pareceres escondidos por Miguel Guimarães

    Ordem dos Médicos sentenciada pelo Tribunal Administrativo a entregar ao PÁGINA UM os pareceres escondidos por Miguel Guimarães

    É o segundo processo de intimação ganho nos últimos 10 dias pelo PÁGINA UM. A Ordem dos Médicos recusava desde Outubro do ano passado a revelar todos os pareceres técnicos dos seus órgãos colegiais, alegando que alguns continham matéria reservada. Tem agora 10 dias para os entregar. No âmbito deste processo, o bastonário Miguel Guimarães também acusou o director do PÁGINA UM de litigância de má-fé. Também aqui perdeu. Os processos do PÁGINA UM têm sido apoiadas pelo seu FUNDO JURÍDICO, suportado pelos leitores.


    A Ordem dos Médicos foi sentenciada hoje pelo Tribunal Administrativo de Lisboa a disponibilizar ao director do PÁGINA UM, no prazo de 10 dias, “o acesso à totalidade dos pareceres técnicos concedidos ao longo de 2020 e 2021, emitidos pelos seus Colégios, Secções dos Colégios e demais órgãos técnicos e consultivos, homologados pelo Conselho Nacional em processo administrativo, expurgados da informação relativa à matéria reservada”.

    A associação profissional que tem funções públicas, liderada pelo urologista Miguel Guimarães, foi também condenada a pagar as custas processuais.

    Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, queria ver o director do PÁGINA UM condenado por “litigância de má-fé”.

    O processo pode ainda ter recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, com efeitos suspensivos, mas cai já por terra a pretensão da Ordem dos Médicos que pagou a um gabinete de advogados para tentar convencer o Tribunal Administrativo a condenar o director do PÁGINA UM por “litigância de má-fé”, tendo mesmo solicitado que este fosse “condenado em multa e indemnização”.

    Em causa está um pedido feito em 29 de Outubro do ano passado – quando o PÁGINA UM estava a preparar o seu arranque – para que a Ordem dos Médicos concedesse o acesso aos pareceres emitidos durante a pandemia, uma vez que existiam informações de o bastonário não estar a revelar todos aqueles que iam sendo elaborados e aprovados.

    A Ordem dos Médicos recusou revelar aqueles que, segundo os seus serviços, continham “dados nominativos”, mas nunca se disponibilizou a identificar quantos e quais eram esses pareceres nem a expurgar as partes que contivessem matéria reservada, i.e., identificação concreta de pessoas, o que pode ser feita através de uma simples rasura.

    Primeira página da sentença que condena a Ordem dos Médicos a entregar pareceres escondidos.

    Mesmo após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) em 20 de Janeiro passado, a Ordem dos Médicos manteve-se irredutível em disponibilizar os pareceres, apenas reagindo após um novo requerimento do PÁGINA UM em 27 de Abril passado.

    Apesar de o gabinete de Miguel Guimarães ter então, finalmente, enviado uma lista de várias dezenas de pareceres, mas nem todos, confessando que existiam pareceres que não divulgava por estarem sob reserva.

    Contudo, não esclarecia quantos nem sobre o que versavam esses pareceres sob reserva nem quais os motivos para não serem expurgadas essas partes para posterior disponibilização.

    O juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa que analisou o processo de intimação veio agora dar razão ao PÁGINA UM, defendendo que “para a recusa de acesso a documento (…) não basta a mera alegação, vaga e genérica, desprovida de qualquer concretização factual, mas antes sendo exigido que a entidade sujeita ao dever de informação concretize, de modo fundamentado, que os documentos contêm segredos comerciais, industriais e dados internos da vida da empresa, visto estar em causa a restrição a um direito com assento constitucional”.

    A sentença refere ainda que a Ordem dos Médicos apenas poderia recusar o acesso, caso a caso, de alguns dos pareceres se os identificasse e justificasse “os concretos motivos” pelos quais continham matéria reservada, algo que o gabinete de Miguel Guimarães nunca fez. O juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa diz mesmo que agir como a Ordem dos Médicos fez é “de uma opacidade que não se mostra compaginável com o princípio da administração aberta constitucionalmente plasmado.”

    E, em consequência, determinou também a “correlativa improcedência do pedido de condenação do Requerente [director do PÁGINA UM] por litigância de má-fé”, frustrando assim os intentos de Miguel Guimarães em ver punida a liberdade de investigação jornalística num país democrático.

    Recorde-se que corre ainda outro processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Ordem dos Médicos, e que envolve também a Ordem dos Farmacêuticos, por denegação do acesso ao PÁGINA UM dos documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”.


    N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores é o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso.

  • Expurgo foi selectivo e justificado por “análise interna”. Ministra da Saúde garante não ter dado ordens

    Expurgo foi selectivo e justificado por “análise interna”. Ministra da Saúde garante não ter dado ordens

    O PÁGINA UM quis consultar as ordens (políticas ou técnicas) que determinaram a suspensão da base de dados pública que permitia avaliar o desempenho do Serviço Nacional de Saúde (SNS) durante a pandemia, incluindo sobre a covid-19. Marta Temido diz que não deu ordens. E a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) justificou hoje o acto de expurgo por razões de “análise interna” mas sem indicar motivos nem apontar outra qualquer base de dados com processo similar.


    O conselho directivo da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) – presidido por Victor Herdeiro, nomeado em Março do ano passado por Marta Temido e pelo então ministro das Finanças, João Leão – assume que expurgou a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde.

    A base de dados permitiu ao PÁGINA UM elaborar um dossier de investigação jornalística, que já contava com nove artigos, publicados entre 13 de Maio e 23 de Junho. O seu expurgo impede o acesso a dados mais actuais, posteriores a Janeiro deste ano, impossibilitando assim uma melhor avaliação do desempenho do SNS e das políticas públicas do actual Governo.

    Marta Temido, ministra da Saúde, garante não ter dado ordens para expurgar base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, mas beneficia do desaparecimento daquela fonte de informação.

    Esta base de dados foi criada em 2018, sendo um sistema de informação de suporte à monitorização do desempenho dos hospitais do SNS.

    Em concreto, este sistema recolhe dados administrativos, incluindo codificação clínica, permitindo apurar a evolução mensal, desde Janeiro de 2017, de episódios de internamentos, ambulatório e óbitos por capítulo de diagnóstico (por grande grupo de doença) em cada hospital ou centro hospitalar, por grupo etário e sexo. Tem também a particularidade de conseguir identificar a evolução dos internamentos e desfechos da covid-19, uma vez que, neste caso concreto, esta é a única doença do grupo denominado “Códigos para fins especiais”.

    A assumpção pela ACSS da autoria da retirada daquela base de dados do Portal da Transparência do SNS surgiu hoje, após a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde ter garantido ao PÁGINA UM “não [ter] havido indicação, ordem ou despacho por parte da Sra. Ministra da Saúde [Marta Temido] que determine a inclusão ou supressão de quaisquer dados naquele Portal e, em concreto, referentes à morbilidade e mortalidade hospitalar”.

    Um dos artigos do dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho no PÁGINA UM, com informação obtida a partir da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, entretanto expurgada.

    O PÁGINA UM decidiu solicitar, no passado dia 22 de Junho, o Ministério da Saúde, a Direcção-Geral da Saúde (DGS), os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e a ACSS que disponibilizasse a consulta “da ordem emanada – ou ordens emanadas – que determin[aram], em data ignorada (…) neste segundo trimestre de 2022, a exclusão (ou retirada) na Plataforma da Transparência do SNS da base de dados relativa à Morbilidade e Mortalidade Hospitalar”.

    Apenas hoje, último dia do prazo determinado pela Lei do Acesso aos Documentos Administrativos para uma resposta, houve uma reacção do Ministério da Saúde e da SPMS – que remeteu responsabilidades pelo expurgo à ACSS.

    Confrontado com a posição do Ministério da Saúde – que assim garante não ter ocorrido qualquer ordem política para a retirada de dados comprometedores sobre o desempenho do SNS durante a pandemia –, o gabinete de comunicação da entidade presidida por Victor Herdeiro alega que “desde o início de 2022, a informação disponibilizada neste Portal [da Transparência], relativamente aos indicadores que estão sob a responsabilidade da ACSS, incluindo os dados da morbilidade hospitalar, está a ser submetida a um processo de análise interna”.

    A mesma fonte oficial refere que “foi este processo que ditou a interrupção temporária deste fluxo informativo sendo que, uma vez terminada a referida análise, será expectável que os dados em causa voltem a estar disponíveis”.

    A alegação da ACSS é, contudo, falsa. Na verdade, esta entidade – que gere cerca de seis dezenas de entre as 150 base de dados do Portal da Transparência do SNS – apenas retirou a informação da morbilidade e mortalidade hospitalar do sistema.

    Ou seja, o expurgo – não assumidamente feito por razões políticas – da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar foi único, e ocorreu imediatamente após os recentes artigos de investigação do PÁGINA UM que usava dados até Janeiro deste ano.

    O PÁGINA UM insistiu junto do gabinete de Victor Herdeiro para que indicasse uma outra qualquer base de dados sob sua administração que tenha sido retirada, desde a sua nomeação, para similar “processo de análise interna”. Não houve resposta nem foi sequer indicado um prazo para a reposição dos dados no Portal da Transparência.

    Printscreen de apresentação da base de dados expurgada pela ACSS (imagem arquivada). Fonte: Internet Archive.

    Saliente-se que a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar foi disponibilizado ao público em Março de 2018, e esteve sempre disponível desde então no Portal da Transparência, sendo actualizado mensalmente com um deferimento de apenas cerca de três meses. Isso permitiu que em Maio deste ano já estivessem disponíveis os dados recolhidos entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2022.

    Caso a ACSS não disponibilize voluntariamente o documento administrativo que ordenou, fundamentadamente, o expurgo da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar – ou assuma que a ordem foi meramente oral –, o PÁGINA UM recorrerá ao Tribunal Administrativo com um processo de intimação.

  • TVI e CNN Portugal querem esconder os seus dados financeiros do escrutínio público

    TVI e CNN Portugal querem esconder os seus dados financeiros do escrutínio público

    Uma das funções da Imprensa é revelar aquilo que muitos querem esconder, mas a dona da TVI e CNN Portugal pediu este ano à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que todos os dados que revelam a sua saúde financeira em 2021 não constem do Portal da Transparência.


    A TVI – Televisão Independente S.A. – a empresa detentora da TVI e da CNN Portugal, que se encontra no universo da Media Capital – pediu à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) que os seus indicadores financeiros fossem considerados confidenciais no Portal da Transparência dos Media.

    Esta informação, com a indicação de a ERC estar a analisar o pedido da empresa, consta daquela base de dados (à data de hoje) que, por ironia, foi criada em 2016 exactamente para revelar publicamente informação sobre os proprietários de órgãos de comunicação social e a sua situação financeira.

    José Eduardo Moniz consta como responsável editorial da TVI – Televisão Independente S.A. no Portal da Transparência da ERC.

    O PÁGINA UM tentou obter mais detalhes sobre os motivos por detrás daquele pedido junto da ERC e da Media Capital, mas não obteve ainda qualquer resposta.

    De acordo com um diploma legal de Abril de 2016, as entidades que, sob forma societária, prossigam atividades de comunicação social devem enviar anualmente à ERC um relatório de governo societário, incluindo dados sobre o capital próprio, activo total, passivo total, resultados operacionais, resultados líquidos (lucro), rendimentos totais e passivos (totais e contingentes).

    Também deve constar a relação das pessoas singulares e/ ou colectivas que representem mais de 10% dos rendimentos totais e dos passivos, com as respectivas percentagens. A data-limite para o envio dessa informação à ERC, relativo ao exercício mais recente, é o dia 30 de Junho de cada ano.

    No entanto, a legislação prevê que, “atendendo à sensibilidade e ao caráter sigiloso de alguns dos dados solicitados” – que, na verdade são públicos, por outras vias –, “as entidades poderão solicitar à ERC a aplicação do regime de exceção”, ou seja, podem requerer sigilo, embora o regulador tenha o poder de “rejeitar o pedido (…), desde que por motivos devidamente fundamentados”.

    Porém, numa consulta do PÁGINA UM ao Portal da Transparência da ERC, nenhuma das empresas que detém algum dos principais órgãos de comunicação social portugueses – Cofina (Correio da Manhã e CMTV), Impresa (SIC e Expresso), RTP, Lusa, Global Media (Diário de Notícias e Jornal de Notícias), Rádio Renascença, Avenida dos Aliados (Porto Canal), Benfica TV, Trust in News (Visão) – solicitou este ano um regime de excepção para “esconder” dados financeiros. Nem consta que em outros anos tenha sido solicitada e concedida pela ERC esse regime de excepção.

    Curiosamente, até mesmo a Rádio Comercial S.A. divulgou a totalidade dos indicadores das suas demonstrações financeiras do ano de 2021. Com efeito, a dona da Rádio Comercial está sob alçada da Media Capital Digital, uma empresa-irmã da TVI – Televisão Independente S.A., e ambas estão na esfera da MEGLO, que integra, por sua vez a holding Media Capital.

    Printscreen do Portal da Transparência da ERC sobre a informação financeira da TVI – Televisão Independente para o ano de 2021.

    A confidencialidade solicitada pela dona da TVI e da CNN Portugal à ERC torna ainda mais densa a real dimensão do estado financeiro daqueles dois canais televisivos. Recorde-se que em 2020, a empresa apresentou um prejuízo de quase 7,3 milhões de euros, e viu o seu capital próprio descer de 54,9 milhões de euros em 2017 para 25,1 milhões em 2020.

    Deste modo, mais de metade do seu capital “voou” em apenas três anos. Para agravar, endividou-se em quase 30 milhões de euros neste período, com o passivo a subir de 56,4 milhões de euros em 2017 para cerca de 85,6 milhões em 2020. No ano passado, e empresa terá tido necessidade de reforçar o investimentos e custos operacionais em virtude da transformação da TVI 24 em CNN Portugal.

    Printscreen do Portal da Transparência da ERC sobre a informação financeira da TVI – Televisão Independente para o ano de 2020.

    Apesar do secretismo requerido à ERC, o relatório e contas consolidado da Media Capital relativo a 2021 mostram que a situação da TVI – Televisão Independente ter-se-á agravado substancialmente. Mesmo com um aumento apreciável dos rendimentos operacionais (incluindo publicidade) a subir para os quase 131 milhões de euros (mais cerca de 17 milhões de euros face a 2020), os resultados operacionais foram negativos em quase 7,4 milhões de euros.

    Deste modo, os dois canais televisivos acabaram por serem responsáveis pelas contas a vermelho da holding. Em 2021, a Media Capital apresentou um prejuízo de 4,1 milhões de euros, a que se juntam os 11 milhões já registados ao longo de 2020.


    N.D. A empresa detentora do PÁGINA UM – a Página Um, Lda. – encontra-se também registada no Portal da Transparência da ERC, mas como a sua constituição só ocorreu em Abril deste ano, apenas poderá informar da sua situação financeira após a conclusão de 2022, o seu primeiro ano económico.

  • Operação Marquês: PÁGINA UM vence processo no Tribunal Administrativo contra obscurantismo do Conselho Superior da Magistratura

    Operação Marquês: PÁGINA UM vence processo no Tribunal Administrativo contra obscurantismo do Conselho Superior da Magistratura

    Pela primeira vez, um jornalista não acatou um “capricho” do poderoso Conselho Superior da Magistratura (CSM) – que recusou disponibilizar documentação pública – e foi irredutível na defesa de uma imprensa independente. Como réu, no Tribunal Administrativo de Lisboa, o CSM acaba de ser intimado para, em 10 dias, facultar ao PÁGINA UM o acesso ao inquérito às alegadas irregularidades na distribuição da Operação Marquês em 2014. Dia histórico para a imprensa na luta pelo acesso à informação. Consulte a sentença.


    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, anunciada hoje é clara: “Em face do que antecede, julgo a presente acção intentada por Pedro Almeida Vieira [director do PÁGINA UM] procedente e, em consequência, intimo o Conselho Superior da Magistratura [CSM] a, no prazo de 10 dias, facultar-lhe o acesso aos documentos por aquele solicitados através do seu requerimento de 2 de Dezembro de 2021”.

    Este é o corolário de sete meses de legítima pressão do PÁGINA UM – consubstanciada na Lei de Acesso aos Documentos Administrativos e da Lei da Imprensa – sobre o CSM para a obtenção do célebre inquérito à distribuição do processo da Operação Marquês em 2014 – então entregue sem sorteio ao juiz Carlos Alexandre, e que culminaria então com a detenção do ex-primeiro-ministro, José Sócrates.

    Conselho Superior da Magistratura quis sempre manter secretismo sobre os meandros da Operação Marquês.

    O CSM andava sistematicamente a recusar à imprensa a divulgação daquele inquérito que eventualmente traz luz sobre as irregularidades praticadas aquando da entrega daquele processo judicial ao juiz Carlos Alexandre.

    Numa primeira fase, o CSM recusou essa pretensão ao PÁGINA UM – como já fizera inicialmente com Sócrates. Em 21 de Dezembro passado, a juíza Ana Sofia Wengorovius – adjunta do CSM – emitiu um parecer alegando que o acesso por um jornalista àqueles documentos violaria ou afectaria “os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação”, salientando que, para alguém poder consultar o inquérito, teria obrigatoriamente de invocar um “interesse atendível ou legítimo”.

    Primeira das 21 páginas da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Conselho Superior da Magistratura

    Face à intransigência do CSM, o PÁGINA UM recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira, que viria a dar razão ao PÁGINA UM em 17 de Fevereiro.

    Mas nem assim o CSM se disponibilizou a ceder os documentos do inquérito, advogando que o parecer da CADA não era vinculativo – e, de facto, deveria ser, para ser consequente –, acabando por “convidar” o PÁGINA UM a recorrer para o Tribunal Administrativo de Lisboa. O órgão superior de gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais portugueses considerou, através da juíza Ana Cristina Chambel Matias que “o Requerente [director do PÁGINA UM] não invocou, nem demonstrou que o acesso aos documentos constantes do processo de averiguações em causa são necessários para a tutela de um qualquer seu direito ou interesse legalmente protegido para que lhe seja conferido o direito a esse acesso”, acrescentando que “apesar de notificado por mais de uma vez pelo CSM, não concretizou cabalmente os elementos pretendidos dentro das condicionantes próprias do procedimento e não esclareceu qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos”.

    Na verdade, o PÁGINA UM sempre alegou que o estatuto de jornalista era suficiente, tendo sim recusado justificar se a consulta se consubstanciaria em notícia ou não.

    Certo é que o juiz do Tribunal Administrativo que analisou o processo de intimação intentado pelo PÁGINA UM em Abril – o primeiro a dar entrada através do FUNDO JURÍDICO constituído por donativos dos leitores –, não foi sensível aos argumentos do CSM. Na verdade, em sede de contestação, o CSM insistiu na tese da existência de “dados nominativos” nos documentos do inquérito. Porém, em vez de acreditar piamente no CSM, o juiz Pedro Almeida Moreira exigiu-lhes que enviassem “em envelope selado, cópia dos documentos a que o Requerente [director do PÁGINA UM] pretende aceder, de molde a permitir a este Tribunal aquilatar se os mesmos contêm ou não ‘múltiplos dados pessoais’ e, ‘se a isso se chegar, tecer um juízo de proporcionalidade concernente aos interesses que aqui se encontram concretamente em jogo’”.

    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa acabou assim por comprovar que o CSM, desde o início, estava a alegar com argumentos muito distantes da verdade factual.

    Com efeito, na sua sentença, o juiz Pedro Almeida Moreira salienta que afinal o inquérito à distribuição da Operação Marquês “não configura um documento nominativo, em sentido próprio”, uma vez que “em causa estão unicamente dados atinentes aos intervenientes no procedimento de distribuição processual, atuando no exercício das funções públicas que lhes estão por lei cometidas, não abrangendo qualquer informação relativa à dimensão da vida privada”.

    A Operação Marquês, envolvendo o antigo primeiro-ministro José Sócrates, transformou-se numa “novela” tenebrosa que mancha a Justiça de um país democrático.

    O juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa acaba mesmo por tecer duras críticas às alegações do CSM: “a vingar a interpretação que aqui é propugnada pelo Requerido [CSM], isso significaria que o mero nome de um funcionário público que tenha intervindo num qualquer procedimento administrativo apenas poderia ser tornado acessível aos interessados após a ponderação dos interesses em jogo no âmbito de um juízo de proporcionalidade, o que não se mostra aceitável em face das exigências de transparência que impendem sobre a Administração, nos termos constitucional e infraconstitucionalmente consagrados.

    O CSM pode ainda recusar acatar esta sentença, recorrendo para o tribunal superior, mas arrisca-se a sofrer uma terceira derrota, depois de ver a CADA – presidida por um juiz conselheiro – e o Tribunal Administrativo de Lisboa a indicarem-lhe o caminho: a transparência, que deveria ser apanágio de um órgão da sua natureza, sobretudo se estiver, como se julga estar, inserido num Estado Democrático.


    N.D. – Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores. Rui Amores foi o advogado do PÁGINA UM neste e nos outros processos administrativos em curso.

  • Mosquito em frasco de vacina e correspondência da Agência Europeia dos Medicamentos são “segredo comercial”. Conheça a “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa

    Mosquito em frasco de vacina e correspondência da Agência Europeia dos Medicamentos são “segredo comercial”. Conheça a “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa

    O caso sobe agora para o Tribunal Central Administrativo Sul. Terminou a primeira fase do processo de intimação contra o Infarmed para obrigar o regulador a fornecer informações detalhadas sobre as causas para a recolha de um lote de 765 mil frascos de vacinas da Moderna contra a covid-19 e a correspondência com a Agência Europeia dos Medicamentos desde 2020. A “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa que julgou o caso é muito sui generis. Conheça-a e saiba que o PÁGINA UM não desiste de lutar a favor da transparência e da defesa dos interesses dos cidadãos à informação, através do seu FUNDO JURÍDICO.


    Em sentença conhecida ontem, o juiz João Cristóvão, do Tribunal Administrativo de Lisboa, considera que, apesar dos direitos consagrados na Constituição da República e da Lei da Imprensa, o “pedido de informação apresentado” pelo PÁGINA UM ao Infarmed para aceder aos documentos relacionados com a recolha de um lote de vacinas da Moderna contra a covid-19 “foi configurado de tal forma ampla que o torna susceptível de aceder a um universo quantitativo e qualitativo de documentos impossível de prever, mas sobre os quais impende uma presunção legal de confidencialidade.”

    Nesta medida, este juiz concede direitos de confidencialidade a documentos que protegem as farmacêuticas, e desobrigam o Infarmed como regulador a revelar dados potencialmente comprometedores, impedindo assim os consumidores de aceder a informação relevante para a sua saúde.

    De igual forma, o juiz considerou que o Infarmed não tem de revelar as comunicações desde 2020 provenientes da Agência Europeia dos Medicamentos (EMA), conforme foi solicitado pelo PÁGINA UM, por estar, presumidamente, em causa “segredo comercial, industrial ou profissional ou um segredo relativo a um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

    Esta decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa – ainda passível de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que será apresentado pelo PÁGINA UM através do FUNDO JURÍDICO com o apoio dos seus leitores – decorre de um pedido recusado em Abril pelo Infarmed, presidido actualmente por Rui Santos Ivo, que já esteve ligado ao Ministério da Saúde e foi ainda director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) entre 2008 e 2011.

    Apesar da comunicação social no estrangeiro ter revelado que a recolha de 765 mil frascos de um lote de vacinas da Moderna tenha sido devido à detecção de vestígios de mosquito, o Infarmed recusou-se a confirmar essa informação, tendo apenas publicado no seu site que tinha sido encontrado “um corpo estranho“.

    O Infarmed alega que o regime jurídico dos medicamentos de uso humano (Decreto-Lei n.º 176/2006) “prevê um dever de confidencialidade que se traduz num regime especial em matéria de acesso a documentos administrativos”, incluindo dados “transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado Membro.”

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    O regulador português aponta sobretudo para o disposto no n.º 2 do artigo 188º desse regime que diz serem “confidenciais os elementos apresentados ao Infarmed ou a estes transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado membro, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.”

    Ora, entre aquilo que está no “disposto” neste diploma legal está um aspecto essencial, ignorado tanto pelo Infarmed como sobretudo pelo juiz João Cristóvão: a protecção da saúde pública. Na verdade, o diploma – conhecido por Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano – destina-se, em primeira análise, e presume-se, a defender os consumidores e não necessariamente as farmacêuticas.

    Com efeito, no artigo 4º desse diploma salienta-se que “as disposições do presente decreto-lei [e, nessa medida, a questão da confidencialidade] devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com o princípio do primado da protecção da saúde pública.”

    Esse mesmo primado leva à necessidade do Infarmed publicitar as informações “na página electrónica”, conforme previsto no artigo 198º, casos como os de detecção de anomalias em medicamentos, mas não lhe deveria conceder o direito de sonegar elementos relevantes como seja a identificação do “corpo estranho” apenas com o objectivo de proteger uma farmacêutica.

    Na verdade, no limite, o Infarmed pode esconder, se vingar a tese estranhamente defendida pelo juiz João Cristóvão, qualquer escândalo com medicamentos, não libertando documentos, alegando que, por absurdo, está em causa um “segredo comercial” ou então “um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

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    O juiz também defende que o estatuto de jornalista e a sua função primordial de informar e aceder à informação, mesmo se investido de direitos consagrados na Constituição e no Estatuto do Jornalista, não é suficiente para se “demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”

    Em suma, se a tese deste juiz de primeira instância “vingar” no Tribunal Central Administrativo do Sul , significa que o papel de intervenção da imprensa fica profundamente limitado, algo pouco consentâneo num país que se apresta para comemorar os seus 50 anos em democracia.


    Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores.

  • PÁGINA UM vai ter acesso a processos da IGAS contra Filipe Froes e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    PÁGINA UM vai ter acesso a processos da IGAS contra Filipe Froes e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    São 34 os processos instaurados pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) contra médicos desde 2018, cujas diligências e conclusões se mantêm no “segredo dos deuses”. O PÁGINA UM pediu a consulta e a IGAS não respondeu. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de haver permissão. Será este mais um caso a seguir para Tribunal Administrativo?


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) vai ter de conceder ao PÁGINA UM o acesso a 34 processos instaurados a médicos desde 2018, que englobam 26 de fiscalização, quatro de esclarecimento e quatro de contraordenação.

    Esta é a decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), divulgada num parecer de 15 de Junho passado, após uma solicitação do PÁGINA UM para consulta não respondida pelo inspector-geral da IGAS, Carlos Caeiro Carapeto. A CADA determinou ainda que deverá também ser permitido o acesso à ordem emitida para a abertura de um processo de esclarecimento contra o actual presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, depois desta ser concluída. 

    António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

    Recorde-se que o processo da IGAS contra o presidente da SPP surgiu no decurso de um artigo de investigação do PÁGINA UM que apontou para as incompatibilidades de António Morais por estar a presidir, desde 2019, a uma sociedade médica que no quinquénio 2017-2021 recebeu do sector farmacêutico mais de 870 mil euros por ano.

    Para António Morais continuar, como está, a ser consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde (DGS), a SPP não poderia receber mais de 50 mil euros por ano. Com o primeiro semestre de 2022 quase concluído, o “mealheiro” da SPP já engordou desde Janeiro com mais 537.128 euros. A título pessoal, o presidente da SPP – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – já arrecadou este ano 11.361 euros de diversas farmacêuticas.

    Um dos processos da IGAS que, desta forma, passará a ser do conhecimento público é o do pneumologista Filipe Froes, instaurado em Novembro passado, mas cujas diligências e conclusões nunca foram divulgadas.

    Filipe Froes continua a ser consultor da DGS e membro destacado da equipa que elabora as terapêuticas contra a covid-19, embora mantenha uma promíscua relação com a indústria farmacêutica. Só este ano recebeu já 28.531 euros, integrando o quadro de consultores (advisory board) da Sanofi, AstraZeneca e Gilead. Para esta última empresa, Froes é especificamente consultor para o remdesivir, um antiviral que ele, como consultor da DGS, continua a recomendar como terapêutica, apesar dos efeitos adversos causados e da fraca eficácia.

    Filipe Froes mantém excelentes relações com a imprensa mainstream, o Ministério da Saúde e as farmacêuticas.

    O mediático pneumologista também se destacou, no mês passado, em promover em diversos órgãos de comunicação social a compra de novos antivirais contra a covid-19, entre os quais o Paxlovid, e que viria a culminar numa compra de 21 milhões de euros, conforme divulgou o PÁGINA UM em primeira-mão.

    Com a deliberação da CADA, a IGAS terá de permitir a consulta aos processos num prazo de 10 dias, caso contrário somente o recurso ao Tribunal Administrativo, através de um processo de intimação, poderá obrigar esta entidade pública a ser transparente.

    Se tiver de suceder, a IGAS será a quinta entidade do sector da Saúde a ser colocada no “banco dos réus” pelo PÁGINA UM, sempre por recusa no acesso a documentos públicos, depois do Infarmed, Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos e Ministério da Saúde, neste caso por a DGS não possuir personalidade jurídica neste tipo de processos.

  • Ministério da Saúde é, desde hoje, réu no Tribunal Administrativo por recusar tornar públicos documentos sobre a pandemia

    Ministério da Saúde é, desde hoje, réu no Tribunal Administrativo por recusar tornar públicos documentos sobre a pandemia

    Perante a recusa sistemática de acesso a documentos administrativos por parte da Direcção-Geral da Saúde, pedidos ao longo dos últimos meses, o PÁGINA UM avançou hoje com um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. O processo é considerado “urgente” e já foi distribuído a uma juíza, e será a derradeira hipótese de terminar com o obscurantismo em redor da gestão política da pandemia. Conheça quais são os documentos em causa, incluindo base de dados, que a DGS tem estado a recusar ao PÁGINA UM.


    A ministra da Saúde, Marta Temido, terá de se justificar perante o Tribunal Administrativo de Lisboa sobre as razões para recusar o acesso a um vasto conjunto de documentos administrativos solicitados pelo PÁGINA UM à Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    O processo de “intimação para prestação de informação e passagem de certidões” foi hoje intentado pelo director do PÁGINA UM, e como processo urgente, sob o número 1438/22.8BELSB, foi já distribuído à juíza Ilda Maria Pimenta Côco.

    Apesar de ter sido a DGS a recusar sistematicamente o fornecimento de documentos administrativos, incluindo o acesso a base de dados, do ponto de vista formal o réu, neste processo, será o Ministério da Saúde.

    Marta Temido, ministra da Saúde, tem acompanhado a pandemia da covid-19 desde o início.

    A decisão do PÁGINA UM decorre de longas e pacientes tentativas de obtenção de documentação relacionada com o sistema de informação e de gestão da pandemia da covid-19, cujos pedidos têm sido quase todos recusados pela directora-geral da Saúde Graça Freitas.

    Apesar de diversos pareceres não-vinculativos já emitidos pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), instando a DGS a fornecer o acesso a um vasto conjunto de documentos essenciais para a compreensão da dimensão e amplitude da pandemia, e das respostas políticas, a DGS somente por uma vez disponibilizou dados: os pareceres da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Porém, recusou disponibilizar as actas das reuniões, de modo a esconder o sentido de voto dos membros que, por exemplo, se opuseram à estratégia de vacinação dos adolescentes.

    Com a intimação agora apresentada, o Tribunal Administrativo de Lisboa poderá, no prazo de sensivelmente um mês, decidir pela obrigatoriedade no fornecimento dos documentos administrativos. E, neste caso, o próprio Ministério da Saúde vai ser mesmo obrigado a justificar os motivos de manter um secretismo absoluto sobre documentos administrativos relacionados com a covid-19.

    Este processo de intimação insere-se na campanha do PÁGINA UM em prol da defesa da informação científica e da transparência, sendo integralmente financiada pelo FUNDO JURÍDICO, através de donativos dos leitores na plataforma MIGHTYCAUSE, tendo como patrono o advogado Rui Amores, especialista em Direito Administrativo. Este é o sexto processo intentado pelo PÁGINA UM.

    Conheça aqui quais são os documentos solicitados pelo PÁGINA UM ao Ministério da Saúde como entidade que tutela a DGS:

    1 – Actas de todas as reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, criada pelo despacho de V. Exa. com o número 012/2020 de 4 de Novembro de 2020.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde, tem sistematicamente recusado responder aos pedidos do PÁGINA UM. Tudo pode mudar com a intervenção do Tribunal Administrativo.

    2 – Base de dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), a plataforma que tem vindo a ser usada para acompanhamento da pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2, devendo ser autorizado o acesso presencial à referida base de dados, e onde conste a seguinte informação detalhada (para cada um dos casos positivos reportados pelos médicos e laboratórios):
    a) Data da confirmação do teste positivo
    b) Identificação da pessoa (com id anonimizado)
    c) Idade à data da validação
    d) Nacionalidade do utente
    e) Concelho do utente
    f) Variante do vírus (se identificada)
    g) Situação da vacinação (vacinada parcialmente com uma dose; vacinação completa; vacinação completa com dose de reforço; não-vacinada)
    h) Marca da vacina (se vacinado)
    i) Data do óbito (se ocorreu).

    3 – Dados anonimizados de todos os óbitos registados no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) desde 2013 até à data, onde conste (obviamente sem identificação da pessoa) a data do óbito, a idade da pessoa em causa, o local do óbito (concelho) e a causa apurada do óbito de acordo com o código respectivo da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), devendo assim ser expurgados os dados que possam identificar, mesmo que indirectamente, a pessoa em causa. Se se considerar que a indicação do local do óbito (concelho) seja susceptível de identificar qualquer pessoa, então que se opte pela identificação do local por distrito. E se se considerar que até com o distrito seja passível de uma identificação, então prescinde-se da identificação do local do óbito, desde que os outros elementos solicitados estejam presentes. Pode, e deve, ser expurgado o nome do médico legista.

    4 – Documentos administrativos que contenham o registo do número de testes de detecção de SARS-CoV-2 por idade (desagregada por idade ou agregada por faixa etária) em cada dia, desde o início da pandemia, quer sejam testes PCR quer testes de antigénio, bem como os documentos administrativos que contenham o registo do número de casos positivos por idade (desagregada por idade ou agregada por faixa etária) em cada dia, desde o início da pandemia, quer sejam testes PCR quer testes de antigénio.

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    5 – Documentos administrativos que contenham o registo (ou cujos dados permitam apurar) sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes classificadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como de preocupação (VOC), designadamente a Alpha, Beta, Gamma, Delta e Omicron, e de interesse (VOI), designadamente a Lambda e Mu.

    6 – Documentos administrativos que contenham o registo do número de surtos de covid-19 em unidades hospitalares – isto é, que a covid-19 seja considerada infecção nosocomial –, discriminados por unidade e mês (ou outro qualquer período temporal), integradas no Serviço Nacional de Saúde (SNS), desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    7 – Documentos administrativos que contenham o registo com o número total de infecções (casos positivos) por covid-19, e eventualmente discriminadas por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período temporal), adquiridas durante o internamento por outras causas, ou seja, que seja possível aferir do número de infecções nosocomiais de covid-19, desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

    8 – Documentos administrativos que contenham o registo com o número total de óbitos atribuídos à covid-19 em doentes previamente internados por causas não-covid e que sofreram infecção nosocomial de covid-19 durante o internamento, e eventualmente discriminados por unidade hospitalar e por mês (ou outro qualquer período), desde o início da pandemia até à data da consulta a efectuar.

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    9 – Documentos administrativos que contenham informação detalhada, desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, relacionada com o internamento de doentes com teste positivo à covid-19 (internados-covid). Basicamente, aquilo que se solicita é a base de dados, convenientemente anonimizada, que a DGS confirmou em 4 de Fevereiro p.p. a sua existência, através de comunicado de imprensa, onde se destaca que cerca de 75% das pessoas consideradas doentes-covid estiveram internadas por consequência direta dessa infeção.

    10 – Documentos administrativos que contenham informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença. Em suma, pretende-se ter acesso, consultar e obter cópia integral de todas as comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro p.p.. Ou, em alternativa, um documento oficial já existente que contenha, de forma clara, e discriminada, essa informação

  • Mais dois processos de intimação no Tribunal Administrativo colocam, desta vez, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos como réus por recusarem transparência

    Mais dois processos de intimação no Tribunal Administrativo colocam, desta vez, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos como réus por recusarem transparência

    No âmbito da sua campanha em prol de um jornalismo independente e de uma Administração Pública mais transparente e aberta, o PÁGINA UM apresentou ontem mais dois processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. São já cinco os processos intentados desde Abril.


    Mais dois processos de intimação por iniciativa do PÁGINA UM deram ontem entrada no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar entidades com funções públicas a disponibilizarem documentos administrativos. Desde 12 de Abril passado, este é o quinto processo que visa concretizar, em pleno, os direitos de acesso a documentos por parte dos cidadãos em geral, e em particular dos jornalistas.

    O primeiro processo por iniciativa do PÁGINA UM foi intentado contra o Conselho Superior da Magistratura em 12 de Abril passado, por recusa de acesso a um inquérito no âmbito da Operação Marquês. Os outros dois processos incidiram sobre o Infarmed: no primeiro processo, entrado ainda em Abril, está em causa a denegação do acesso a dados sobre reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir; no segundo processo, que deu entrada na passada semana no Tribunal, deveu-se ao facto de o regulador português alegar “confidencialidade” para recusar o acesso à correspondência entre esta entidade e a Agência Europeia dos Medicamentos.

    Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (que trabalha agora para a Gilead), e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária.

    Agora, nestes dois processos mais recentes – que já foram distribuídos aos juízes Pedro de Almeida Moreira e Maria Carolina Duarte –, a Ordem dos Médicos é visada em ambos, tendo num deles a companhia da Ordem dos Farmacêuticos como co-réu.

    No processo que envolve as duas ordens profissionais – que, por deterem funções públicas concedidas pelo Estado, estão abrangidas pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos –, está em causa a denegação do acesso ao PÁGINA UM dos documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Nesta campanha de angariação de fundos no âmbito da pandemia terão sido recolhidos mais de 1,4 milhões de euros em 2020 e 2021, sendo que as verbas foram prometidas a profissionais de saúde e unidades do Serviço Nacional de Saúde. Entre os doadores contaram-se as farmacêuticas Merck – que alegadamente doou 380.000 euros em máscaras FFP2 – e a A. Menarini Portugal (donativo de 20.000 euros), que se encontram mencionadas no Portal da Transparência do Infarmed, além da Associação Portuguesa de Indústrias Farmacêuticas (Apifarma), que terá entregado 665.000 euros.

    No entanto, nunca foi disponibilizado pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticos um relatório detalhado sobre o destino destes donativos, em dinheiro ou em géneros, nem sequer existindo provas de os donativos se terem concretizado e/ou direccionados para o fim em vista.

    O PÁGINA UM já tinha obtido, em 20 de Abril passado, um parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos sobre a legitimidade do pedido de acesso ao PÁGINA UM, mas tanto a Ordem dos Médicos como a Ordem dos Farmacêuticos não acataram a decisão – por não ser vinculativa. No caso de uma decisão favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa, o PÁGINA UM terá mesmo acesso aos documentos, tanto mais que o juiz poderá, como solicitado, aplicar uma multa diária por cada dia de atraso.

    Recorde-se que, no âmbito do processo que levou ao parecer da CADA, o PÁGINA UM e o seu director foram acusados de adoptarem “um comportamento suscetível de integrar a prática de crimes [não especificados] para com a Ordem dos Médicos, o Bastonário (…) e alguns dos médicos seus membros, que, no tempo e lugar próprio, serão objecto da respectiva avaliação”.

    Ordem dos Médicos quer decidir na “secretaria” quais os pareces que podem ou não ser disponibilizados ao PÁGINA UM.

    O segundo processo de intimação, ontem apresentado, visa apenas a Ordem dos Médicos e refere-se à recusa pelo bastonário Miguel Guimarães em disponibilizar ao PÁGINA UM a totalidade dos pareceres técnicos emitidos desde 2020 pelos Colégios, Secções dos Colégios e demais órgãos técnicos e consultivos desta associação profissional.

    Apesar de também, neste caso, a CADA ter concedido, em Janeiro passado, um parecer favorável ao PÁGINA UM, a Ordem dos Médicos apenas disponibilizou no início do presente mês, após nova insistência, um conjunto de 168 pareceres dos diversos Colégios de Especialidade – que constam no site desta entidade –, mas confessando que existiram outros sujeitos a reserva por alegadamente estarem em causa “documentos nominativos”.

    No entanto, a Ordem dos Médicos nem sequer os identifica, ademais sabendo-se que os dados nominativos podem, se entrarem na esfera da intimidade, ser expurgados. Aliás, pretensão que o PÁGINA UM destacou aquando do pedido.

    Tendo em consideração que a mera alegação da existência de supostos dados nominativos pode ser um subterfúgio para esconder pareceres sensíveis para a actuação da Ordem dos Médicos e do seu bastonário, o PÁGINA UM tomou a decisão de encaminhar o processo de intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa com vista a que todos os pareceres sejam mesmo disponibilizados ou, pelo menos, conhecido os seus teores e/ou conclusões.

    Estes processos de intimação – formalmente denominados “intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões” – é um processo urgente, regulado pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, servindo para garantir judicialmente os exercícios de dois direitos: o direito de acesso à informação procedimental e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

    Considerados processos urgentes, os prazos são bastante curtos: o pedido de intimação deve ser apresentado no prazo de 20 dias a contar da não satisfação integral do pedido no prazo devido, tendo a entidade pública responsável visada (como réu) de responder ao juiz num prazo de 10 dias, devendo a decisão, se outras diligências não forem necessárias, ser proferida em cinco dias.

    Caso a entidade pública continue sem satisfazer o pedido, após ser intimada pelo tribunal para o fazer, o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, podendo ainda haver lugar a responsabilidade civil, disciplinar ou mesmo criminal.

    Recorde-se que os processos de intimação do PÁGINA UM têm tido o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Na próxima semana serão entregues outros processos, em prol da transparência da Administração Pública, a anunciar.


    Para apoios exclusivamente dos custos processuais e de defesa em tribunais, apoie o PÁGINA UM na plataforma do FUNDO JURÍDICO ou contacte através do e-mail geral@paginaum.pt.