Mais uma vitória do PÁGINA UM contra o obscurantismo e em prol da verdade. Os dois pareceres de 2021 do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos sobre a vacinação contra a covid-19 de crianças e jovens – que o então bastonário Miguel Guimarães (agora cabeça de lista do PSD no Porto às próximas legislativas) deliberadamente escondeu – vão ter mesmo de ser disponibilizados ao público. A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, ontem conhecida, impõe um prazo de 10 dias para o actual bastonário, Carlos Cortes, cumprir um acto de óbvia transparência. Em 2021, o anterior bastonários encetou uma autêntica perseguição aos médicos que não concordavam com a sua opinião, que incluiu até a abertura de um processo disciplinar ao presidente do Colégio de Pediatria, que fizera os dois pareceres de 2021. A Ordem dos Médicos ainda tentou convencer o juiz de que os pareceres não fossem divulgados porque, como foram ‘engavetados por Miguel Guimarães, nunca chegaram sequer a ser votados pelo seu Conselho Nacional. Os argumentos foram recusados. E resta agora saber a verdade escondida a pais e mães.
O Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou, em sentença ontem assinada pelo juiz João Cristóvão, a Ordem dos Médicos a disponibilizar dois pareceres ‘escondidos’ pelo anterior bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, sobre a vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens.
Os pareceres em causa tinham sido elaborados, em Julho e Outubro de 2021, pelo Colégio de Pediatria, presidido por Jorge Amil Dias, mas ‘engavetados’ pelo agora cabeça de lista do PSD no Porto. Apesar de ser urologista, Miguel Guimarães era adepto incondicional do polémico programa de vacinação em adolescentes e crianças, e ao ‘engavetar’ os dois pareceres – nem sequer os propondo ao Conselho Nacional da Ordem – impediu que pais e mães conhecessem a opinião avalizada de verdadeiros peritos na matéria: os pediatras.
Miguel Guimarães foi bastonário da Ordem dos Médicos entre 2017 e Março de 2023. Saltou agora para a política, encabeçando a lista do PSD no círculo do Porto nas próximas eleições legislativas.
A ‘supressão’ dos pareceres do Colégio de Pediatria em pleno debate sobre a necessidade de vacinação de menores de idade – que nunca constituíram um grupo de risco da pandemia, com a administração de um fármaco que não contribuía para a quimérica ‘imunidade de grupo’ – não foi a única acção perpetrada pelo futuro deputado social-democrata. Miguel Guimarães também decidiu, com a ‘ajuda’ de diversos médicos com ligações a farmacêuticas – em que se destacavam Filipe Froes, Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro –, abrir um processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias, após este especialista defender que a vacinação de crianças era “desproporcionada” e “desnecessária”.
Amil Dias foi também, a título pessoal, um dos subscritores de uma carta aberta, em Janeiro de 2022, que pedia a suspensão da vacinação de crianças e jovens. Recorde-se que, entre os signatários, além de Amil Dias, estavam o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).
Este processo disciplinar a Amil Dias – e Miguel Guimarães usou sistemáticos processos disciplinares por delitos de opinião para ‘controlar’ colegas com opinião contrária à sua – viria a ser arquivado em Novembro de 2022, mas Miguel Guimarães conseguiu um objectivo: silenciar e causar ostracismo às vozes discordantes.
Somente há cinco meses se soube que Miguel Guimarães tinha ‘engavetado’ os dois pareceres de 2021 do Colégio de Pediatria, porque esta entidade fez entretanto, em Setembro do ano passado, um terceiro parecer, este tornado público pelo actual bastonário, Carlos Cortes. Ora, é neste parecer de 2023 que se faz menção expressa aos dois outros pareceres, elaborados “em Julho e Outubro de 2021”, nunca divulgados devido à oposição de Miguel Guimarães.
Nesse terceiro parecer, o Colégio de Pediatria, além de salientar que “não se justifica que se considere a vacinação generalizada [contra a covid-19] de crianças ou adolescentes”, lançava fortes críticas aos lobbies da indústria farmacêuticas que pressionavam para a manutenção dos programas de vacinação em menores de idade. “No nosso país têm ocorrido algumas manifestações públicas sobre o assunto [reforço da vacinação em crianças e adolescentes], geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, salienta-se no documento, onde se acrescentava que, por esse motivo, o parecer foi elaborado “considerando que a imprensa poder[ia] ser motivada a trazer novamente para a discussão pública a vantagem [inexistente] da vacinação generalizada da população infantil”.
Apesar da mudança de Carlos Cortes face ao seu antecessor, o actual bastonário da Ordem dos Médicos recusou tacitamente divulgar os dois pareceres de 2021 ao PÁGINA UM, razão pela qual foi intentada, através do FUNDO JURÍDICO, uma intimação em Dezembro do ano passado junto do Tribunal Administrativo.
No decurso dessa acção, a Ordem dos Médicos ainda alegou, entre acusações de abuso de liberdade de imprensa contra o PÁGINA UM – por alegados pedidos sucessivos de informação – que os dois pareceres de 2021 nunca tinham sido aprovados pelo Conselho Nacional, pelo que deveriam ser considerados documentos integrando processos em curso.
Carlos Cortes (o quarto a contar da esquerda) é o actual bastonário. Ao lado, Filipe Froes, o seu mandatários nas eleições, é um dos médicos com maiores ligações às farmacêuticas, incluindo a Pfizer, e que chegou a apresentar queixa contra o presidente do Colégio de Pediatra, Jorge Amil Dias.
Contudo, o juiz João Cristóvão não teve contemplações: mesmo que fosse verdade serem documentos de um processo em curso, a lei determina que sejam sempre disponibilizados se tiver decorrido mais de um ano desde a sua elaboração. “Tais pareceres [sobre a vacinação de menores, elaborados em Julho e Outubro de 2021] devem, assim, ser facultados ao Requerente, afigurando-se irrelevante que os mesmos não tenham sido objeto de aprovação pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, nos termos previstos no artigo 56º nº 1 al. s) do Estatuto da Ordem dos Médicos”, conclui a sentença. E, deste modo, o juiz intimou Carlos Cortes a cumprir a sentença no prazo de 10 dias.
Esta sentença, que incluiu outro pedido de documentos, pode ainda vir a ser alvo de recurso pela Ordem dos Médicos, que, face à evidência cristalina evidenciada por esta sentença, servirá somente para adiar o conhecimento de uma realidade que não pode ser mais escondida, o que, a suceder, colocaria Carlos Cortes como cúmplice da falta de transparência do seu antecessor, Miguel Guimarães.
N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.
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O município socialista de Vila Nova de Gaia contratou, sem concurso público ou de ideias, por simples despacho do seu presidente, o escultor Paulo Neves para fazer esculturas e medalhas para homenagear a Revolução dos Cravos. Preço final: 220 mil euros. A lei até permite encomendas directas a artistas apreciados por autarcas, mas o bom senso e a promoção da diversidade artística deveriam impedir encomendas sem concorrência, sobretudo se se quer comemorar a Liberdade e a Igualdade supostamente ‘conquistadas’ pela Revolução dos Cravos. Para o escultor beneficiado, esta é apenas mais um das muitas encomendas públicas directas que tem recebido através da sua empresa unipessoal, a Queres Malmequeres. O valor dos 16 ajustes directos que surgem no Portal Base já ultrapassa os 900 mil euros, provenientes sobretudo de municípios dos distritos de Aveiro (de onde é natural) e do Porto.
Nada melhor do que as comemorações do 25 de Abril para recordar os princípios democráticos da liberdade e da igualdade de oportunidades. E sobretudo se for sob a forma de algo perene. Por exemplo, uma escultura.
Se estes aspectos estiveram ou não presentes na decisão, ignora-se, porque a autarquia de Vila Nova de Gaia não deu quaisquer esclarecimentos, mas sabe-se que o município liderado pelo socialista Vítor Eduardo Rodrigues se sentiu na liberdade para entregar de ‘mão beijada’, sem conceder oportunidade a qualquer outro artista, 220 mil euros ao escultor Paulo Neves para se homenagear, em medalhas e peças escultórias, a data simbólica da Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Paulo Neves trabalha sobretudo em madeira e pedra.
Natural de Cucujães, no município de Oliveira de Azeméis, o escultor Paulo Neves tem sido presença habitual em exposições e iniciativas do município de Gaia ao longo dos anos, acabando por ser mesmo um dos artistas homenageados na IV Bienal de Arte de Gaia em 2021 dedicada ao tema “Coronavírus não destrói a criatividade – Reações e Consequências”.
De acordo com o contrato celebrado na passada sexta-feira, após um simples despacho de 30 de Janeiro de Vítor Eduardo Rodrigues, entre o municípios de Gaia e Paulo Neves – como gerente da empresa unipessoal Queres Malmequeres Escultor – ficou estabelecido o pagamento de 220 mil euros, acrescido de IVA a 6%, para a “aquisição de obras de arte no âmbito das Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril”, com prazo de execução de um mês e meio. Apesar de se fazer referência no contrato que a proposta do escultor e o caderno de encargos o integram, não se vislumbra tais documentos no Portal Base.
Contactado pelo PÁGINA UM, o escultor Paulo Neves diz que “a obra adjudicada consiste no fornecimento de um monumento alusivo às comemorações dos 50 anos do 25 de Abril e [a] 5000 medalhas também alusivas a esse a momento”, referindo que “o convite veio da parte do Município de Gaia, que dentro do tema pretendido” lhe concedeu “total liberdade de criação, aprovando de imediato a primeira proposta apresentada”.
Através de um simples despacho, Eduardo Vítor Rodrigues assumiu a liberdade de entregar 220 mil euros por ajuste directo a um escultor para se homenagear uma data simbólica da Liberdade e da Igualdade.
Questionado sobre se tem apenas recebido adjudicações por convite – ou seja, sem ter o incómodo de competir com as ideias e propostas de outros artistas –, Paulo Neves diz que nem sempre tem sido assim. “Nem sempre as obras são por convite”, assegura o escultor, acrescentando que “quando a instituição pretende uma obra de certo e determinado artista procede ao convite, nem poderia ser de outra forma”, mas que, “noutras circunstâncias, é por resposta a concurso público, como por exemplo o foi para a Câmara Municipal de Grândola, para a criação de uma obra de arte pública alusiva ao operário corticeiro”, com contrato de 2017.
Em todo o caso, esta escultura, inaugurada em 2021, e que custou menos de 10 mil euros, foi um caso excepcional na relação profícua de Paulo Neves com autarquias sobretudo do Norte e Centro do país. Apesar de este contrato com o município de Gaia ser o mais chorudo, o escultor conseguiu arrecadar 180 mil euros à autarquia de Aveiro para ‘arcanjos em pedras’ para duas rotundas naquela cidade. Sem concorrência.
Nos últimos três anos, além dessa intervenção em ‘arte pública de rotundas’, o escultor da Queres Malmequeres ainda prestou mais serviços a cinco municípios, sempre por ajuste directo. Em Dezembro de 2021 vendeu uma peça escultória ao município de Gaia intitulada “o aconchego e o caminho do vinho do Porto”, ‘aconchegando-se’ a 40 mil euros.
Presépio concedido por Paulo Neves para o Santuário de Fátima.
Por cerca de 24 mil euros, Paulo Neves conseguiu no mesmo mês vender mais umas quantas peças em madeira da Amazónia para o Museu da Memória de Matosinhos. No mês anterior vendeu por 7.000 euros esculturas alusivas aos 35 anos da Escola Básica e Secundária Dr. Ferreira da Silva e aos 20 anos da Escola Básica Comendador Ângelo Azevedo, no seu concelho-natal.
No ano passado, para o município de Águeda também conseguiu, por ajuste directo e sem sequer contrato escrito, ‘sacar’ mais 45.000 euros para um monumento de homenagem aos militares mortos na Guerra do Ultramar. Este ajuste directo teve a particularidade de ser celebrado no dia 20 de Abril de 2023, mas estar ‘prontinho’ para ser inaugurado cinco dias depois.
Por fim, em Setembro do ano passado, Paulo Neves foi ‘agraciado’ pelo seu próprio município, Oliveira de Azeméis, com uma encomenda de ‘mão beijadas’ de 70 mil euros para um monumento de homenagem ao calçado, sendo, neste caso, explicitado no contrato do que se trata: “maquetização, execução e colocação de 1 (uma) escultura, com 2 peças escultórias representativas de um par de chancas, cada um, composta por 3 blocos de mármore de Estremoz, com medidas variáveis entre 200 cm e os 600 cm”. A obra será inaugurada em Setembro deste ano.
Formalmente, em cinco dias o escultor Paulo Neves conseguiu no ano passado conceber a obra de homenagem aos militares falecidos na Guerra do Ultramar originários de Águeda.
Consultando o Portal Base, o escultor Paulo Neves já amealhou 16 contratos, que surgindo todos como sendo ajustes directos, totalizando 912.238,87 euros, sem IVA. Destes, 12 são encomendas de entidades públicas, quase sempre municípios, dos distritos de Aveiro e Porto.
No entanto, saliente-se também que Paulo Neves tem vindo a ser requisitado por outras entidades nacionais e estrangeiras, sendo reconhecido pelos seus trabalhos ‘esguias’ em pedra e madeira, destacando-se um singular presépio encomendado em 2017 pelo Santuário de Fátima.
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Não se encontra nenhuma entidade pública com similar comportamento, nem de longe: a administração do Hospital de Braga ‘borrifou-se’ nos prazos para registo no Portal Base de quase dois mil contratos, dos quais cerca de 1.400 estiveram mais de dois anos (e por vezes mais de três anos) a aguardar a sua publicação. Praticamente todos os contratos em atraso são ajustes directos (a empresa escolhidas a dedo), numa parte substancial nem sequer há um contrato escrito, e noutros nem sequer se sabe aquilo que foi adquirido e se foi efectivamente recepcionado. Para ‘recuperar o atraso’, os serviços administrativos fizeram trabalho extraordinários em 2023: por exemplo, em apenas um mês (Maio) foram inseridos no Portal Base cerca de um milhar de registos respeitantes a ajustes directos celebrados em 2020 e 2021. Uma enxurrada atrasada para dificultar a detecção de compras suspeitas. A administração do hospital, integrada na nova Unidade Local de Saúde do Alto Minho, e que é presidido por João Porfírio de Oliveira, diz estar tudo bem, alegando que “nenhuma entidade veio colocar em causa a legalidade dos atos de autorização e pagamento da despesa pública dos procedimentos contratuais em causa”. Pudera: na altura em que o Tribunal de Contas elaborou relatórios sobre compras em unidades de saúde em 2020 e 2021, o Hospital de Braga não tinha ainda quase nada metido no Portal Base.
A administração do Hospital de Braga, presidida por João Porfírio de Oliveira – que entretanto passou a liderar a nova Unidade Local de Saúde do Alto Minho – escondeu durante mais de dois anos para cima de um milhar de contratos por ajuste directo celebrados durante os anos de 2020 e 2021. Estes contratos por ajuste directo envolvem, no total, mais de 47 milhões de euros, não incluindo IVA, e violam todas as regras de transparência impostas pelo Código dos Contratos Público, que, por princípio, impõem a divulgação no prazo de 20 dias úteis a partir da decisão da compra de bens ou aquisição de serviços.
De acordo com um exaustivo levantamento do PÁGINA UM à plataforma de contratação pública, o Portal Base, o Hospital de Braga somente no ano passado divulgou informação sobre 425 ajustes directos para a compra de bens e aquisição de serviços concretizadas em 2020, num total de 20.064.978 euros, e sobre 929 ajustes directos feitos em 2021, envolvendo um total de 27,1 milhões de euros. Também se encontram mais 600 ajustes directos celebrados em 2022 cujos prazos de divulgação no Portal Base foram largamente ultrapassados, e que totalizam 12,1 milhões de euros.
Não se encontra nenhuma outra entidade pública em Portugal com este tipo de comportamento, ou seja, com violações sistemáticas nos prazos de divulgação, sobretudo tendo em conta serem ajustes directos. Em muitos casos, mesmo em contratos muito significativos, nem sequer existe contrato escrito, aproveitando um regime de excepção no decurso da pandemia. Deste modo, nem sequer se sabe ao certo, em variadíssimos casos, que tipo de bens ou produtos e quantidades foram efectivamente adquridas e entregues.
O caso paradigmático é o ajuste directo de quase 2,6 milhões de euros celebrado em 16 de Julho de 2020 com a Merck Sharp & Dohme, cuja divulgação no Portal Base apenas ocorreu 4 de Maio de 2023, ou seja, mais de 33 meses depois. Apesar do montante elevado, a única informação é ter-se tratado de “aquisição de medicamentos exclusivos”, que nem sequer são identificados e muito menos as quantidades. A administração justificou a ausência de contrato escrito com o facto de o fornecimento se fazer de imediato – em prazo inferior a 20 dias –, de a relação contratual se extinguir com o fornecimento e o contrato não estar sujeito a fiscalização prévia do Tribunal de Contas.
Mas não se diga que esta prática – que constitui uma excepção ao princípio da transparência – seja uma prática comum. Pelo contrário, os ajustes directos para a compra de medicamentos em montantes acima de um milhão de euros são raros, sendo mais habitual que se enquadrem em acordos-quadro envolvendo várias unidades hospitalares (e até, por vezes, diversos medicamentos fornecidos por distintas farmacêuticas), em que, mesmo podendo não haver contrato, existem peças de procedimentos que mostram informação sobre os fármacos adquiridos.
Número de contratos por procedimento inseridos no Portal Base em 2023 por ano da sua celebração. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.
Também muito estranho é o ajuste directo celebrado com a Pfizer em 29 de Julho de 2020 para a aquisição de infliximab, para tratamento de doença de Crohn e colite ulcerosa. Note-se que, neste caso, este fármaco nem sequer é exclusivo da Pfizer, sendo também comercializado, por exemplo, pela Janssen e pela Merck Sharpe & Dohme. Este ajuste directo foi apenas divulgado no Portal Base em 9 de Maio de 2023, ou seja, quase três anos depois, sem qualquer contrato escrito, mesmo estando em causa uma aquisição de quase 1,3 milhões de euros deste medicamento.
Mais uma vez, para além do enorme atraso na divulgação da informação na plataforma da contratação, aquilo que ressalta é a justificação para a ausência de contrato escrito onde fique claro a quantidade adquirida e o preço unitário. A administração presidida por João Porfírio de Oliveira usa, também neste caso, o curto prazo de entrega (apenas três), mas essa rapidez é estranha face a contratos similares para este mesmo medicamento.
De acordo com a análise do PÁGINA UM aos 21 contratos deste medicamento acima de meio milhão de euros feitos pelas diferentes unidades de saúde do SNS, todos tiveram prazos de execução (entrega final) superior a 200 dias, pelo que a generalidade teve de possuir contrato com indicação do preço unitário e quantidades adquiridas. Aliás, mesmo um novo contrato do Hospital de Braga de compra do mesmo infliximab realizado em 12 de Abril de 2021 – pouco mais de oito meses depois da anterior compra – teve um prazo de entrega de 365 dias. E, claro, por esse motivo teve contrato escrito, embora a administração do Hospital de Braga omita, na informação disponibilizada, a quantidade e preços unitários.
Montante total (em euros) dos contratos por procedimento inseridos no Portal Base em 2023 por ano da sua celebração. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.
Para adensar as fortes suspeitas da primeira compra (de Julho de 2020), acrescente-se que, em apenas dois anos (2020 e 2021), o Hospital de Braga terá gastado cerca de 2,3 milhões de euros, mas no período similar posterior, em 2022 e 2023, as diversas compras do mesmo fármaco não ultrapassaram, no conjunto, meio milhão de euros. Neste último período, o maior contrato ocorreu em 11 de Maio, ao abrigo de um acordo-quadro, por um valor de cerca de 211 mil euros e um prazo de execução de 245 dias. Por ser um contrato público de aprovisionamento, não foi reduzido a escrito, mas existem peças procedimentais com a lista de medicamentos e os preços unitários. E mais: se no contrato de Julho de 2020, no valor de 1,3 milhões de euros, o Hospital de Braga demorou quase três anos a registar a informação no Portal Base, neste contrato de Maio de 2023 só necessitou de 14 dias.
Mas se uma grande parte dos ajustes directos dos anos de 2020 e 2021 estranhamente ‘esquecidos’ nos serviços administrativos do Hospital de Braga são relativos a medicamento, existem muitos que abrangem outra tipologia de bens ou serviços. No entanto, mesmo em contratos avultados, mantém o crónico problema: nem sempre se sabe do que se trata nem sequer imaginar questões relevantes como a formação do preço. Um exemplo escandaloso passa-se com o ajuste directo no valor de 735 mil euros com a PH Energia, uma empresa de comercialização de energia.
Celebrado em 8 de Abril de 2021, com um prazo de execução de apenas cinco dias – o que dá um custo médio de 147 mil euros por dia – não foi alvo de contrato escrito, por alegados (e não justificados) “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” pelo Hospital de Braga. Na descrição do contrato no Portal Base surge a seguinte uma obtusa descrição: “Aquisição de PH Energia, Lda”. Resta acrescentar que, embora este contrato tenha tido data de 8 de Abril de 2021 somente foi inscrito no Portal Base em 16 de Maio de 2023, ou seja, 25 meses depois.
João Porfírio Oliveira, foi presidente do Conselho de Administração do Hospital de Braga desde a sua passagem para a esfera pública em 2019, e pelos seus (bons) serviços foi alcandorado a presidente da recém-criada Unidade Local de Saúde do Alto Minho.
Um grupo de contratos sem sequer serem reduzidos a escrito, e também com atrasos completamente anormais e à margem da lei – porque basta saber ler o Código dos Contratos Públicos para aferir a ilegalidade em prazos legais –, diz respeito a compras de bens e equipamentos relacionados com a pandemia. Neste lote destacam-se 12 ajustes directos com valores acima de 250 mil euros, a saber:
1 – Aquisição de 300.000 testes no valor de 573.900 euros à empresa Alfagene, entregue com um prazo de cinco dias, que foi celebrado em 6 de Agosto de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 23 de Janeiro de 2023. Ou seja, mais de 29 meses depois.
2 – Aquisição de um número indeterminado de máscaras no valor de 477.500 euros à empresa Colunex (que comercializa colchões ortopédicos), com um prazo de execução de três dias, que foi celebrado em 26 de Março de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 10 de Maio de 2023. Ou seja, mais de 37 meses depois. Este contrato não foi, obviamente, ‘apanhado’ pelo PÁGINA UM quando em 6 de Novembro de 2022 abordou os estranhos contratos da Colunex para fornecimento de equipamentos de protecção individual a preços especulativos, não sendo esse o seu core business. Na altura dessa notícia, o Hospital de Braga ainda tinha o contrato com a Colunex de 477.500 euros ‘sequestrado’, no segredo dos deuses.
3 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 426.762 euros à empresa Alfagene, com um prazo de execução de cinco dias, que foi celebrado em 15 de Janeiro de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 5 de Maio de 2023. Ou seja, mais de 27 meses depois.
4 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 426.762 euros também à empresa Alfagene, com um prazo de execução de 365 dias, que foi celebrado em 12 de Maio de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 26 de Maio de 2023. Ou seja, 24 meses depois.
5 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 426.762 euros ainda à empresa Alfagene, com um prazo de execução de 365 dias, que foi celebrado em 22 de Julho de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 2 de Junho de 2023. Ou seja, mais de 22 meses depois.
6 – Aquisição de 200.000 máscaras no valor de 414.000 euros também à empresa Colunex (que comercializa colchões ortopédicos), com um prazo de execução de oito dias, que foi celebrado em 4 de Junho de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 18 de Janeiro de 2023. Ou seja, mais de 31 meses depois. Também este contrato não podia ter sido detectado pela notícia do PÁGINA UM de 6 de Novembro de 2022 sobre os negócios da Colunex durante a pandemia.
7 – Aquisição de um número indeterminado de kits de testes no valor de 344.485 euros ainda à empresa Alfagene, com um prazo de execução de cinco dias, que foi celebrado em 25 de Novembro de 2021 e conhecido no Portal Base apenas em 21 de Julho de 2023. Ou seja, quase 20 meses depois.
8 – Aquisição de 3.000.000 de luvas de nitrilo no valor de 330.000 euros à empresa Interhigiene, com um prazo de execução de 30 dias, que foi celebrado em 15 de Outubro de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 24 de Janeiro de 2023. Ou seja, 27 meses depois.
9 – Aquisição de 300.000 batas impermeáveis no valor de 297.000 euros à empresa Medline, com um prazo de execução de 10 dias, que foi celebrado em 1 de Outubro de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 24 de Janeiro de 2023. Ou seja, mais de 27 meses depois.
10 – Aquisição de batas impermeáveis em número indeterminado no valor de 286.000 euros à empresa PTTEX, com um prazo de execução de 10 dias, que foi celebrado em 15 de Outubro de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 24 de Janeiro de 2023. Ou seja, também 27 meses depois.
11 – Aquisição de equipamento não determinado no valor de 279.308 euros à empresa Clinifar, com um prazo de execução de 31 dias, que foi celebrado em 2 de Abril de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 10 de Maio de 2023. Ou seja, 37 meses depois.
12 – Aquisição de 10 ventiladores no valor de 277.182 euros à empresa Teprel, com um prazo de execução de um dia, que foi celebrado em 2 de Abril de 2020 e conhecido no Portal Base apenas em 10 de Maio de 2023. Ou seja, também 37 meses depois.
Mas esta é apenas o lote dos maiores ajustes directos associados a equipamentos associados à covid-19, porque as compras de urgência durante a pandemia serviram de pretexto excelente para ajustes directos a torto e a direitos, sem controlo de quantidades e de preços unitários. E por vezes sem sequer se perceber ao certo aquilo que foi adquirido.
Se se considerar a totalidade dos ajustes directos, de qualquer tipologia, celebrados em 2020 e 2021, mas apenas disponibilizados no Portal Base em 2023, contabilizam-se um com valor superior a 2,5 milhões de euros (beneficiando a Merck Sharpe & Dohme), um outro acima de um milhão de euros (beneficiando a Pfizer), quatro entre 500 mil e um milhão de euros (beneficiando a PH Energia, a Janssen, a Roche e a Alfagene), mais 23 entre 250 mil e 500 mil euros (sendo que quatro beneficiaram a Alfagene), e mais 71 com valor entre 100 mil e 250 mil euros.
No total são 100 os contratos do Hospital de Braga acima de 100 mil euros celebrados em 2020 e 2021, mas com divulgação a ver a ‘luz do dia’ apenas ao longo do ano de 2023. Para se aquilatar da dimensão e gravidade deste comportamento da administração do Hospital de Braga, o PÁGINA UM analisou todos os contratos nas mesmas condições, tendo contabilizado um total de 327 contratos, envolvendo 79 entidades públicas. A centena de contratos do Hospital de Braga representam 31% do total, ou seja, praticamente um em cada três contratos acima de 100 mil euros com atrasos de divulgação da ordem dos dois ou mais anos são desta unidade hospitalar do Norte.
Embora existam outros hospitais com contratos estranhamente esquecidos, o Hospital de Braga destaca-se a grande distância dos outros. A segunda unidade de saúde com mais contratos de 2020 e 2021 acima de 100 mil euros apenas divulgados em 2023 é o Centro Hospitalar do Algarve, que conta 33. Segue-se o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro, com 27, e o IPO de Lisboa com 21. Mesmo centros hospitalares de maior dimensão similar ou superior ao de Braga estiveram longe daquele nível de comprometedor atraso. Por exemplo, o de Lisboa Central, que agrega o Hospital de São José, tem cinco contratos nas condições descritas, mas aí o grau de gravidade é reduzido, porque foram todos celebrados no decurso de concursos públicos. Ora, no caso do Hospital de Braga, dos 100 contratos em causa, 99 foram por ajuste directo.
Exemplo de um contrato ‘obscuro’ do Hospital de Braga: um ajuste directo de 735 mil euros sem contrato escrito por alegada “urgência imperiosa”, executado em apenas cinco dias, e que tem a singela descrição de “Aquisição de PH Energia, Lda.”. O contrato tem data de 8 de Abril de 2021 mas o registo no Portal Base somente foi inserido em 16 de Maio de 2023.
O modus operandi do Hospital de Braga para ‘resolver’ os atrasos colossais – e ‘esconder’ literalmente ajustes directos muito suspeitos – foi semelhante à táctica de fazer passar um elefante cor-de-rosa desapercebido pelo meio de uma cidade: entre uma manada de elefantes castanho.
Com efeito, salvaguardando a analogia literária, o Hospital de Braga introduziu a informação dos contratos por ajuste directo de 2020 e 2021, com atrasos impressionantes, ao longo de 2023 por fluxos. Assim, dos 138 contratos introduzidos no Portal Base (e divulgados publicamente) em Janeiro de 2023, apenas dois eram desse ano, sendo que 129 tinham sido celebrados em 2020, um em 2021 e seis em 2022.
Nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2023, o Hospital de Braga somente deu a conhecer, no Portal Base, um total de 22 contratos. Todos tinham sido celebrados nos primeiros meses desse ano.
E a seguir, houve certamente horas extraordinárias nos serviços administrativos. No mês de Maio de 2023, o Hospital de Braga introduziu no Portal Base um impressionante número de contratos: 1.134, dos quais 296 referentes ao ano de 2020 e mais 664 referentes ao ano de 2021.
Foi, aliás, no seguimento desta ‘leva’ que o PÁGINA UM detectou aquilo que, na verdade, era apenas a ponta do icebergue, quando se noticiou, em 12 de Junho de 2023, que o “Hospital de Braga demorou mais de dois anos, e por vezes até mais de três anos, a disponibilizar pelo menos 32 contratos no Portal Base relacionadas com aquisições de equipamentos de protecção individual e materiais relacionados com a pandemia”. Visto está, a realidade mostrou que a situação era muito pior.
Não chegou, contudo, o mês de Maio de 2023 – com a introdução de 1.134 contratos no Portal Base – para rectificar tudo. Em Junho desse ano ainda foram metido na plataforma da contratação pública mais 205 atrasados contratos celebrados em 2021 e ainda mais 143 contratos de 2022, que também estavam em violação do Código dos Contratos Públicos.
Divulgação dos contratos no Portal Base pelo Hospital de Braga ao longo dos meses de 2023 em função dos anos em que foram celebrados (2020, 2021, 2022 e 2023). Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.
Mesmo em Julho e Agosto, em pleno período de férias, a ordem foi para repor os atrasos. No primeiro destes meses foram ainda metidos no Portal Base 74 contratos de 2021 e mais 153 contratos celebrados em 2022, também todos com atraso. No segundo destes meses inseriram-se então o último contrato de 2021 em falta e mais 238 contratos do ano de 2022, também em violação das normas do Código dos Contratos Públicos. Somente em Setembro de 2023 o Hospital acabou a empreitada de ‘enfiar elefantes cor-de-rosa’ no Portal Base, incluindo os restantes 55 contratos de 2022 que ainda estavam em atraso.
O PÁGINA UM contactou a administração do Hospital de Braga sobre estas matérias em meados do mês passado, começando por receber, como resposta, que deveria ser considerada uma resposta alegadamente enviada ao PÁGINA UM no Verão passado. Reiterando que existiam novos elementos a necessitar de esclarecimentos e comentários, a administração do Hospital de Braga acabou por responder.
Oficialmente, o Hospital de Braga salienta que a sua passagem para a esfera pública, em Maio de 2019, com o fim da parceria público-privada, “não o sujeitou às limitações constantes do Código dos Contratos Públicos por um ano”, acrescentando que um diploma (Decreto-Lei nº 10-A/2020) – logo no início da pandemia, que permitiu uma simplificação das compras – “tornou viável a discussão quanto à suspensão daquele prazo inicialmente concedido”.
Saliente-se, contudo, que aquilo que está sobretudo em causa nem sequer o tipo de procedimento escolhido, mesmo se o Hospital de Braga mostre ser adepto incondicional dos ajustes directos, mas sim a determinação daquilo que foi verdadeiramente adquirido (quase impossível de saber sem contrato escrito) e sobretudo a divulgação da informação pública no Portal Base, que não é uma questão de somenos.
Por outro lado, ressalve-se que diploma de simplificação das compras durante a pandemia, se permitiram contratos por ajustes directo sem limite, não eliminaram a obrigatoriedade de divulgação no Portal Base. Com efeito, no artigo 2º desse diploma salienta-se expressamente que “as adjudicações feitas ao abrigo do presente regime excecional são comunicadas pelas entidades adjudicantes aos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela respetiva área setorial e publicitadas no portal dos contratos públicos [Portal Base], garantindo o cumprimento dos princípios da publicidade e transparência da contratação”.
Ou seja, claramente o Hospital de Braga estava e sabia estar em falta, até porque não se encontra, nem de longe, nenhuma outra entidade pública com este grau de violação de prazos.
Em todo o caso, a administração do Hospital de Braga menospreza a gravidade da situação, dizendo que “a não publicitação dos contratos no Portal Base […], não afeta a validade do procedimento de concurso público, pelo que, caso fosse vontade […] em ocultar, omitir ou deturpar informação, não teria encetado as diligências necessárias à publicitação dos contratos”.
Esta, diga-se, é uma afirmação capciosa, porque, com os escandalosos atrasos em mais de um milhar de contratos, abrangendo mais de 47 milhões de euros, o Hospital de Braga passou pelo crivo da generalidade dos relatórios do Tribunal de Contas, designadamente daqueles que incidiram nos anos da pandemia, uma vez que esta entidade se socorre, em grande parte, aos contratos que se encontram no Portal Base.
Um exemplo flagrante disso observa-se no quarto relatório de acompanhamento dos contratos isentos de fiscalização prévia por causa da pandemia, publicado em Julho de 2022: enquanto o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria) surge referido por 49 vezes e está em primeiro lugar do top 25 dos adjudicantes, o Hospital de Braga (que é uma unidade de grandes dimensões) é apenas referido uma singela vez quando surge numa tabela que o coloca apenas no lugar 46 do top 100 dos adjudicantes. E isto sucede por uma razão simples: à data, ao contrário das outras unidades de saúde, o Hospital de Braga escondia os contratos.
A administração do Hospital de Braga ainda acrescentou ao PÁGINA UM que “os contratos ora publicitados contém toda a informação necessária a permitir concluir pelo cumprimento dos princípios da transparência e da publicidade, conquanto foram assegurados os princípios gerais inerentes à contratação pública, não tendo sido afetada a concorrência e a prossecução do interesse público, nem violado o dever de imparcialidade”. Uma afirmação que não encontra sustento nos exemplos acima apontados pelo PÁGINA UM, e que somente por economia de tempo não se acrescentaram mais.
E, por fim, a administração do Hospital de Braga acrescenta também que, até agora, “nenhuma entidade [com atribuições legais, depreende-se] veio colocar em causa a legalidade dos atos de autorização e pagamento da despesa pública dos procedimentos contratuais em causa”. Essa afirmação, convenhamos, é verdadeira, razão pela qual o PÁGINA UM vai endereçar todos os elementos recolhidos nesta investigação ao Tribunal de Contas, ficando depois a aguardar a sua reacção.
N.D. 03h00 de 21/02/2024 – Feitos diversos acrescentos, sobretudo a inclusão das ligações ao Portal Bases dos 12 contratos numerados, bem como a inclusão de um ficheiro com todos os contratos ‘atrasados’ (de 2020 e 2021 mas divulgados apenas em 2023) com valor superior a 100 mil euros.
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O controlo da vegetação em zonas em redor de edifícios, passagens de nível e estruturas especiais da rede ferroviária nacional vai custar à Infraestruturas de Portugal mais de 50 milhões de euros nos próximos cinco anos. Os três contratos foram assinados no passado dia 8, mas apenas divulgados na sexta-feira no Portal Base, no decurso de um concurso público bastante renhido em que participaram 11 empresas.
O concurso foi dividido em três lotes – Norte, Centro e Sul –, sendo que o valor das adjudicações coincidiu com o preço-base previamente definido. No caso do lote 1, respeitante à região Norte, no valor de cerca de 17,8 milhões de euros (a que acresce IVA), foi ganho pela Silvexplor, uma empresa unipessoal da Mortágua, com experiência no sector, mas que nunca ganhara um contrato tão chorudo. Até agora, o contrato de montante mais elevado era de cerca de 277 mil euros para a reabilitação e gestão de áreas florestais da Tapada Nacional de Mafra.
O contrato para a região Centro, no valor de um pouco mais de 12,5 milhões de euros (sem IVA), foi ganho por um consórcio formado pela Somafel – uma empresa do Grupo Teixeira Duarte, especializada em manutenção ferroviária – e a empresa Floresta Bem Cuidada, sediada na Guarda.
Esta segunda empresa – gerida por Orlando Faísca, que presidente também à Associação Empresarial da Região da Guarda – ganhou, sozinha, o terceiro lote, para a região sul do país, por um valor de 11 milhões de euros (sem IVA).
De acordo com os contratos, a execução destas tarefas pode ser prorrogada, com a concordância das partes, por mais dois anos, o que significa que apenas haverá novos contratos em 2031. Em anos anteriores, a Infraestruturas de Portugal fazia o controlo de vegetação e desmatação nas infraestruturas rodoviárias, para prevenção de incêndios florestais, através de contratos pontuais, quase todos por ajuste directo.
Os três contratos celebrados pela Infraestruturas de Portugal para o controlo de vegetação em infraestruturas ferroviárias integram o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados entre os dias 16 e 18 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
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Nos últimos três dias, de sexta-feira até ontem, no Portal Base foram divulgados 869 contratos públicos, com preços entre os 17,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, ao abrigo de acordo-quadro – e os 17.684.053,95 euros – para aquisição de serviços de controlo de vegetação e desmatação, pela Infraestruturas de Portugal, através de concurso público.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 25 contratos, dos quais 17 por concurso público, cinco ao abrigo de acordo-quadro e três por ajuste directo.
Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 16 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Infraestruturas de Portugal (com a Iberdrola, no valor de 4.539.822,21 euros); dois do Centro Hospitalar Universitário de Santo António (um com a Alnypt, um no valor de 3.256.722,00 euros, e outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 472.520,56 euros); dois da EEM – Empresa de Electricidade da Madeira (um com a Schneider Electric Portugal, no valor de 532.978,63 euros, e outro com a Enging – Make Solutions, no valor de 258.830,00 euros); Museus e Monumentos de Portugal (com a J. Kugel Antiquaires, no valor de 420.000,00 euros); três do Hospital do Espírito Santo de Évora (um com a Abbvie, no valor de 220.320,00 euros, outro com a Amgen Biofarmacêutica, no valor de 164.904,40 euros, e outro com a Pfizer, no valor de 159.696,45 euros); Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil (com a Uniself – Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, no valor de 209.267,29 euros); quatro da Unidade Local de Saúde de Santa Maria (dois com a Octapharma – Produtos Farmacêuticos, um no valor de 181.350,00 euros, e outro no valor de 129.412,00 euros, outro com a Astellas Farma, no valor de 148.407,00 euros, e outro com a Vertex Pharmaceuticals, no valor de 147.662,55 euros); Município do Funchal (com a Prospectiva – Projectos, Serviços e Estudos, no valor de 124.432,50 euros); e a Unidade Local de Saúde do Norte Alentejano (com a Gilead Sciences, no valor de 103.200,00 euros).
TOP 5 dos contratos públicos divulgados no período de 16 a 18 de Fevereiro
Desde 2022, o município de Cascais destaca-se por ser a entidade pública que mais gastou em apoiar os refugiados ucranianos após a invasão da Rússia. Mas gastar mais – e foram 1,6 milhões de euros, 73% do total de todos os gastos por entidades públicas –, não significa gastar bem. Depois do terceiro contrato de aquisição de refeições e ainda de um ajuste directo com preços hiper-inflacionados ao Modelo Continente, o PÁGINA UM insistiu nos últimos meses, junto da autarquia liderada por Carlos Carreiras, para aceder a documentos operacionais e contabilísticos. Recebeu o silêncio como resposta. Uma intimação apresentada esta semana no Tribunal Administrativo de Sintra vai, para já, obrigar a câmara social-democrata a justificar-se. E espera-se, no fim, que seja mesmo obrigada a ceder os documentos que deverão esclarecer, por exemplo, como produtos no valor de 14 mil euros resultaram num ajuste directo de cerca de 180 mil euros.
A Câmara Municipal de Cascais, liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras, vai ter de justificar ao Tribunal Administrativo de Sintra, e bem, os motivos legais para não disponibilizar ao PÁGINA UM os documentos operacionais e contabilísticos de dois contratos por ajuste directo para alimentação a refugiados ucranianos. A intimação foi apresentada esta semana depois de meses de recusas por parte do município em esclarecer compras absurdas de bens alimentais e de higiene ao Modelo Continente e a aquisição de serviços de catering à empresa ICA.
No primeiro caso, como noticiado pelo PÁGINA UM em Outubro passado, trata-se de um ajuste directo no valor de 166.124,88 (sem IVA) para a entrega em períodos mensais, durante um ano – a acabar em Junho próximo –, de cerca de uma centena de produtos. O ‘problema’ deste contrato estava sobretudo no facto de as quantidades constantes no caderno de encargos, aos preços unitários então praticados pelos supermercados do Grupo Sonae, deverem totalizar pouco mais de 14 mil euros. Ou seja, o valor dos bens previstos no contrato era mais de 10 vezes superior ao valor de mercado desses produtos, havendo uma diferença de mais de 160 mil euros, se se considerar o IVA.
Quanto ao segundo caso, também noticiado pelo PÁGINA UM, mas em Setembro passado, tratou-se de mais uma aquisição de serviços à empresa ICA para fornecimento de refeições aos centros de refugiados em Cascais. Esse contrato, por ajuste directo, era o terceiro assinado em menos de dois anos, cada um com um custo de 250 mil euros. A autarquia sempre se recusou a permitir uma visita aos centros nem sequer indicou quantas pessoas estariam a ser alimentadas, de modo a conferir se a aquisição de serviços, que já totalizavam os 750 mil euros entregues à ICA.
O interesse do PÁGINA UM sobre estes contratos deveu-se às indicações de haver excesso de compras para as necessidades reais. Saliente-se que o município de Cascais foi, de muito longe, a entidade pública com maiores gastos para suposto apoio à Ucrânia e sobretudo aos refugiados provenientes daquele país invadido pela Rússia.
Com efeito, num levantamento realizado ao Portal Base em finais de Setembro do ano passado, o município de Cascais já gastara 1,6 milhões de euros para diversos fins relacionados com a Ucrânia, incluindo transporte, alimentação e mesmo obras públicas, dos quais quase 1,2 milhões de euros em 2022. Neste lote constavam duas empreitadas de obras públicas por ajuste directo com vista à remodelação de edifícios camarários. A autarquia também sempre recusou acesso aos locais e aos cadernos de encargos das obras entregues à Ediperfil (157.275 euros) e à Valente & Carreira (321.053 euros).
Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais. Receber os louros pelos apoios, sempre quis; mostrar contas, nunca quis.
Os montantes gastos pela autarquia de Cascais eram então, e continuam a ser, incomensuravelmente superiores aos das demais entidades públicas. Por exemplo, o segundo município que mais gastara, até Setembro, em apoio aos refugiados ucranianos era o de Ourém, com apenas 166 mil euros. A terceira entidade pública com maiores apoios era a Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional, com um pouco menos de 80 mil euros. O município liderado por Carlos Carreiras, segundo as contas do PÁGINA UM com base em contratos no Portal Base, totalizava 73% dos gastos públicos em apoio aos refugiados da Ucrânia, mas sempre sem haver possibilidades de ser, até agora, conferida a adequada aplicação das verbas.
Algo que poderá agora mudar com o pedido de intimação agora feito no Tribunal Administrativo de Sintra do PÁGINA UM – o 20º processo que visa o acesso a documentos, através do FUNDO JURÍDICO, financiado pelos leitores. Nessa intimação, com carácter de urgência, solicita-se que a Câmara Municipal de Cascais seja obrigada a disponibilizar os contratos integrais (sem rasuras de nomes, como sucede no Portal Base), as requisições de produtos, as guias de remessa, facturas e outros elementos operacionais e contabilísticos relativos aos ajustes directos com a Modelo Continente e a ICA.
N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.
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É mais um caso com enquadramento legal, mas de ética questionável: a Câmara Municipal de Almada decidiu contratar, sem qualquer concurso público ou prévio concurso de ideias, um artista plástico daquele concelho para uma “intervenção artística” num muro de 123 metros, pagando-lhe, com IVA, um total de 99.726 euros. A dita intervenção artística será feita na denominada Quinta do Almaraz, nas cercanias do castelo de Almada, sendo considerado um dos mais importantes sítios arqueológicos do primeiro milénio anterior à era cristã em território nacional.
O contrato por ajuste directo foi celebrado no passado dia 5, e ontem publicado no Portal Base, tendo sido assinado pelo vereador das Obras Municipais, José Pedro Ribeiro, e os sócios da Coruja Lunática. A empresa foi criada apenas em Maio do ano passado, tendo como um dos sócios Tiago Vasco Proença, um artista de Almada que usa o nome artístico de Tiago Hesp.
Embora o caderno de encargos não esteja inserido no Portal Base, apesar de se referir no contrato que o integra, e de não ter sido satisfeito um pedido do PÁGINA UM para ser enviado, o departamento de comunicação da Câmara Municipal de Almada adianta que, como a Quinta do Almaraz, “não se encontra aberta ao público, pretende-se, através de uma intervenção artística no muro, que [seja] transmit[d]a, a quem percorre a rua, o interesse, as descobertas e os trabalhos arqueológicos desenvolvidos neste local, e assim comunicar a importância histórica” deste local arqueológico.
O referido muro tem uma extensão de 123 metros lineares, e uma área de aproximadamente 500 metros quadrados, ou seja, possui uma altura média de quatro metros, prevendo-se, como trabalhos, a desenvolver por Tiago Hesp, “a execução da criação artística e registo gráfico da transformação”, no contexto de um projecto de turismo sustentável daquele município.
A autarquia de Almada defende que “a contratação do artista Tiago Hesp para a intervenção de recuperação e decoração do ‘Muro de Almaraz’, se deveu ao facto de “se reconhecer ao mesmo a capacidade criativa e a respetiva qualidade para a produção/execução do projeto”. Salientando-se que a escolha de artistas para a execução de obras pode ser feita por ajuste directo, sem concurso público, a autarquia de Almada não diz quem fez o ‘reconhecimento’ da capacidade criativa de Tiago Hesp, nem quais os critérios para a ‘eleição’ de alguém que, de forma artística, sem sequer se conhecer a ideia, vai pintar um muro por 100 mil euros.
Tiago Hesp, nome arístico de Tiago Vasco Proença, criou a empresa Coruja Lunática em Maio do ano passado.
Saliente-se, no entanto, que esta prática não é ilegal, estando enqudrada no Código dos Contratos Públicos, mas um ajuste directo para a criação de Arte, por ser uma escolha pessoal, acaba por constituir uma limitação ao surgimento de novas ideias e conceitos, bem como a novos artistas.
O contrato entre a Câmara Municipal de Almada e a empresa Coruja Lunática integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no 5 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
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Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Ontem, dia 14 de Fevereiro, no Portal Base foram divulgados 785 contratos públicos, com preços entre os 31,11 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, ao abrigo de acordo-quadro – e os 2.630.731,00 euros – para aquisição de medicamentos, pelo Centro Hospitalar São João, através de ajuste directo.
Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 12 contratos, dos quais sete por concurso público, um ao abrigo de acordo-quadro, quatro por ajuste directo.
Pedro Nuno Santos vangloriou-se de ter deixado a CP com lucro em 2022, a primeira vez em meio século. Mas é mesmo isso: vã glória, porque para esse ‘sucesso’ houve necessidade de ‘injectar’ mais de 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos, que nem sequer serviram para tirar a empresa pública da falência técnica, que ainda está com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros. Numa primeira fase, entre 2015 e 2018, a opção do Estado foi fazer aumentos de capital para diminuir a dívida e reduzir lentamente os juros pagos, mas com a tutela de Pedro Nuno Santos a opção do Governo mudou. Assim, passou a atribuir subsídios à exploração, que funcionam como rendimentos, e influenciam directamente os resultados líquidos. Entre 2019 e 2022 foram enviados para a CP, só por essa via, 334 milhões de euros, que se somam aos 1,96 mil milhões de euros em aumentos de capital desde 2015. Deu para fazer uma festa: um lucro de 9,2 milhões em 2022.
Foi preciso injectar quase 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos entre 2015 e 2022 para que a CP – Comboios de Portugal conseguisse finalmente, neste último ano, apresentar um lucro de 9 milhões de euros neste último ano. Aumentos de capital – sobretudo nos anos de 2015, 2016 e 2017 – e subsídios à exploração, em especial no período sob tutela governamental de Pedro Nuno Santos, acabaram por ser determinantes para mascarar uma situação que, sem engenharia financeira, manter-se-ia calamitosa.
Uma análise detalhada do PÁGINA UM aos relatórios e contas entre 2015 e 2022 conseguem explicar o aparente ‘milagre’ de uma empresa pública que, há um ano, ainda se encontrava em falência técnica (com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros) e um passivo de financiamento de cerca de 2,2 mil milhões de euros, e vendas que ainda não tinham recuperado os níveis pré-pandemia.
Com efeito, numa primeira fase, a partir de 2015, perante resultados negativos de mais de 161 milhões de euros, a opção do Governo (ainda de Passos Coelho até Novembro) foi de ‘tapar o buraco financeiro’ da CP com aumentos de capital. Foram, só em 2015, quase 683,5 milhões de euros. Este extraordinário esforço dos contribuintes teve resultados pífios: esse dinheiro esfumou-se em redução de dívidas de financiamento sobretudo de longo prazo, mas os resultados líquidos de 2015 mostraram-se catastróficos: prejuízos próximos de 279 milhões de euros.
A receita para 2016 e 2017 foi a mesma: novos aumentos de capital, respectivamente de 655 milhões e 516 milhões de euros. E sempre com similar reflexo: prejuízos de 144 milhões e 111 milhões, respectivamente. Assim, em três anos (2015 a 2017), apesar da injecção estatal de mais de 1,8 mil milhões de euros, a CP apresentou prejuízos acumulados neste triénio de 533,7 milhões de euros.
Mesmo assim, neste período (2015-2017), de entre os indicadores financeiros e de desempenho operacional mais revelantes, houve alguns sinais de ‘desanuviamento’ sobretudo na dívida de financiamento, com repercussões no serviço da dívida, e também nos custos de pessoal, apesar das vendas ficarem aquém dos valores contabilizados em 2014.
Total de fundos públicos injectados na CP por aumento de capital e subsídios à exploração (em mihões de euros) entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas)
Comparando com a situação de 2014, no final de 2017 as dívidas de financiamento de curto e longo prazo da CP tinham descido quase 1,6 mil milhões de euros, o que teve efeitos significativos na redução dos juros e de uma diminuição das taxas cobradas pelas instituições financeiras. Com efeito, se em 2014 a empresa teve de pagar mais de 207 milhões de euros aos bancos – um valor que representava muito mais do que os custos com pessoal (148 milhões de euros) e 71% das vendas desse ano –, três anos depois ‘apenas’ teve de desembolsar um pouco menos de 77 milhões de euros. Se tivesse de pagar os mesmos montantes de juros de 2014, o ano de 2017 teria fechado as contas com um prejuízo de 242 milhões de euros, em vez de um prejuízo de 111 milhões de euros.
Convém, contudo, ter sempre presente que essa ‘melhoria’ (ou situação menos gravosa) resultou da tal injecção, sob a forma de aumentos de capital, de mais de 1,8 mil milhões de euros. Estes montantes serviram sobretudo para reduzir a escandalosa dívida financeira da CP que se situava próximo dos 4,2 mil milhões de euros em 2014, e que diminuiu, quatro anos depois, para os 2,6 mil milhões de euros. Uma redução de quase 1,8 mil milhões de euros. Mas isso mudou a gestão de uma empresa anormalmente deficitária.
Na análise possível, a partir dos relatórios e contas, entre 2015 e 2017, os resultados operacionais nunca apresentaram melhorias relevantes, sobretudo porque as vendas em qualquer dos anos deste triénio nunca superaram o valor de 2014. É certo que houve uma redução dos custos com pessoal – que passou a representar 44% das vendas em 2017, quando em 2015 chegou a 57% –, mas a rubrica de outros rendimentos registou uma significativa redução.
Pedro Nuno Santos foi ministro das Infra-estruras e da Habitação entre Fevereiro de 2019 e início de Janeiro de 2023.
Em 2018, o Governo ainda fez um aumento de capital, mas muito mais moderado: ‘apenas’ 81 milhões de euros, que se ‘esfumou’ em quase nada, uma vez que as dívidas de financiamento praticamente se mantiveram estáveis face ao ano anterior, e os juros pagos apenas diminuíram oito milhões de euros, passando para os 68 milhões. Por esse motivo, sem surpresa, num negócio pouco ‘elástico’, e mesmo com as vendas a aproximarem-se dos 300 milhões de euros, o ano de 2018 fechou com um prejuízo de 106 milhões de euros.
E foi a partir de 2019, e com a entrada em funções em Fevereiro de Pedro Nuno Santos na pasta de ministro das Infraestruturas e das Habitação, a estratégia financeira na CP mudou-se radicalmente, passando para medidas que tivessem um reflexo imediato nos resultados operacionais e, cumulativamente, nos resultados líquidos de cada exercício.
Assim, com Pedro Nuno Santos, o Governo abandonou o financiamento da CP através de aumentos de capital, mas passou a sustentá-la com fortíssimos subsídios de exploração, uma prática praticamente inexistente entre 2015 e 2018. Nesse quadriénio, os subsídios à exploração somente atingiram os 54 mil euros. De acordo com os relatórios e contas da empresa pública, a CP recebeu do Estado, como subsídios à exploração, 40 milhões de euros em 2019, mais 88 milhões em 2020, mais 89 milhões de euros em 2021 e, por fim, mais 116 milhões de euros em 2022.
E foi esta injecção, e apenas por esta via, que a CP passou a ter lucro – que se diria completamente artificial – em 2022, conseguindo o ‘milagre’ aproveitado por Pedro Nuno Santos para relevar o suposto marco históricos dos lucros desta empresa pela primeira vez em 50 anos.
Com efeito, apesar dos montantes dos subsídios à exploração terem sido, entre 2019 e 2022, muito inferiores aos aumentos de capital entre 2015 e 2018 (334 milhões de euros vs. 1.9 mil milhões de euros), o impacte na demonstração de resultados é bastante diferente.
Estes aumentos de capital serviram sobretudo para amenizar a situação deficitária de uma empresa pública em falência técnica e o seu efeito nos resultados de cada ano reflectem-se de forma indirecta e a longo prazo. No caso do aumento de capital se destinar a pagar dívidas a instituições financeiras, o efeito nos resultados líquidos provém apenas na redução dos juros, o que se mostra limitado. Ou seja, basicamente, os aumentos de capital não entram como rendimento e os eventuais efeitos, e de uma forma muito limitada, observam-se a jusante dos resultados operacionais.
Ao contrário, os subsídios à exploração afectam de forma imediata os resultados operacionais, funcionando como se fossem vendas ou serviços prestados. Na verdade, estes subsídios à exploração, enquadrados no Contrato de Serviço Público, funcionam, na prática, como uma prestação de serviços: os contribuintes pagam, através do Estado, a disponibilidade de algo que, não sendo economicamente sustentável com o actual modelo de gestão, precisa de ajuda pública para se manter. No limite, os subsídios à exploração podem ‘entrar’ às 23 horas e 59 minutos de 31 de Dezembro e influenciam, de imediato, as contas do ano no seu exacto montante. Ou seja, servem para ‘mascarar’ os resultados operacionais ‘apagando’ uma eventual má gestão ou um negócio ruinoso.
Evolução da dívida financeira da CP (curto e longo prazo) entre 2014 e 2018, em milhões de euros. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.
Assim, em 2019 – ano que, mesmo assim, ainda contou com um aumento de capital da ordem dos 28 milhões de euros por parte do Estado –, a CP reduziu os seus prejuízos para os 52,5 milhões de euros, mas foi graças a vários factores não-operacionais: por um lado, os 40 milhões de euros em subsídios à exploração concedido por Pedro Nuno Santos, com o dinheiro dos contribuintes, e a um cenário macroeconómico mais favorável, que fez com que os juros descessem oito milhões de euros face ao ano transacto. Sem essa ‘ajuda’ os prejuízos de 2019 teriam sido quase similares aos de 2018.
Nos dois primeiros anos de pandemia, os prejuízos da CP foram ainda mais amenizados pela via dos subsídios à exploração atribuídos por Pedro Nuno Santos. Em 2020, com as restrições, as vendas reduziram-se em 43% face ao ano anterior, mantendo-se os custos com pessoal, pelo que se não fossem os 88 milhões de euros em subsídios à exploração, o ano teria sido catastrófico. Foi de prejuízos (quase 96 milhões de euros), mas sem o ‘truque’ dos subsídios teria ultrapassado os 180 milhões de euros.
No ano de 2021, apesar de um ligeiro aumento nas vendas, estas ainda se situaram a 64% do nível de 2019, pelo que foi, mais uma vez, a ‘injecção’ de dinheiros públicos chamada subsídios à exploração que amenizaram os prejuízos. Foram de 65,5 milhões de euros, mas teriam ficado acima dos 150 milhões de euros se não fosse o subsídio à exploração. Ou mais ainda se a taxas de juro não tivessem baixado significativamente, resultando numa remuneração média do passivo de apenas 1,1% em 2021, quando estava acima dos 2% antes da pandemia.
Esta variação pode parecer pequena, mas com dívidas de financiamento, como as da CP, acima dos 4 mil milhões de euros, isso reflecte-se em muitos milhões de euros a mais ou a menos. Por exemplo, em 2019, com uma remuneração média do passivo de 2,2%, a CP pagou 56 milhões de euros em juros, enquanto em 2021, com uma dívida de longo prazo quase inalterada, desembolsou 23 milhões de euros.
Por fim, em 2022 – o tal ano do ‘milagre’ dos lucros da CP de 9,2 milhões de euros –, sendo certo que as vendas aumentaram face aos dois anos anteriores, ainda ficaram aquém dos melhores anos pré-pandemia. Com efeito, as vendas de 2022 totalizaram 277 milhões de euros, ainda bem abaixo dos 304 milhões de euros em 2019.
Com os custos de pessoal em 2022 a ultrapassarem até qualquer um dos anos do período 2016-2021, o ‘milagre’ do lucro da CP explica-se de uma forma muito simples: nesse ano, Pedro Nuno Santos autorizou uma transferência total, a título de subsídios à exploração, de 116,2 milhões de euros, ou seja, mais 27 milhões de euros do que o valor injectado em 2021.
Resultados líquidos consolidados (à esquerda) e resultados expurgados dos subsídios à exploração e dos juros pagos (à direita), em milhões de euros, entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.
Sem este subsídio à exploração, em vez de lucro de 9,2 milhões de euros haveria prejuízos de 107 milhões de euros. Se o subsídio de 2022 tivesse sido similar aos de 2020 e 2021 (próximo dos 90 milhões de euros em cada ano), o lucro esfumava-se e transformava-se num prejuízo em redor dos 17 milhões de euros. E isto mesmo com um aumento considerável das vendas, que passaram de 195 milhões de euros em 2021 para 277 milhões em 2022.
Fácil se mostra assim concluir que, em anos seguintes, incluindo o exercício de 2023, está encontrada a fórmula para a CP apresentar lucros: fazer variar os subsídios à exploração, aumentando artificialmente os rendimentos, e com isso se apresentarão, voilà, sempre resultados positivos, lucros e até, se calhar um dia, distribuição de umas migalhas de dividendos. E os contribuintes, assim, até batem palmas aos gestores, esquecendo que, enfim, tudo isto se faz por um ‘passe de mágica’ do Governo, que ‘desvia’ dinheiro dos impostos transformando-os em subsídios à exploração.
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São mais 10,4 milhões de euros a cair no bolso de Santiago Calatrava, o arquitecto valenciano que concebeu a Gare do Oriente, uma belíssima ‘peça de arte’ concebida para a Expo 98 mas de funcionalidade questionável, por ser inóspita para os passageiros ferroviários. Por razões de direitos de autor, e por um projecto de execução concluído tem 2012 ter expirado, a Infraestruturas de Portugal viu-se agora obrigada a pagar um segundo contrato para se avançar para a ampliação de oito para 11 linhas desta estação do Parque das Nações no âmbito do projecto da Alta Velocidade. O contrato foi assinado na sexta-feira e divulgado hoje no Portal Base.
A Infraestruturas de Portugal celebrou na sexta-feira passada um contrato por ajuste directo com o arquitecto espanhol Santiago Calatrava com vista à execução da ampliação da Gare do Oriente e do viaduto ferroviário que será inserido no projecto da Linha de Alta Velocidade.
O contrato está avaliado em 10,4 milhões de euros, com IVA incluído, e foi entregue ao arquitecto espanhol, residente na Suíça, por estar em causa a alteração de uma obra com direitos autorais, protegida por lei, embora seja questionável se o projecto de execução do túnel ferroviário não pudesse ser alvo de concurso público. Além disso, será a segunda vez que Calatrava era planear, nas duas últimas décadas, a ampliação desta estação no Parque das Nações, em Lisboa.
Recorde-se que a Gare do Oriente – construída praticamente no mesmo local da demolida Estação dos Olivais e com custos da ordem dos 30 milhões de euros – foi inaugurada em 18 de Maio de 1999, no âmbito da Expo 98, surgindo mais como ‘peça de arte’, uma espécie de ícone da renovação urbanística então em curso, mas que foi ganhando estatuto no contexto rodoferroviário de Lisboa.
Porém, sempre apresentou gravíssimas deficiências funcionais, sobretudo por ser um espaço demasiado amplo e aberto, quase inóspito no Inverno e em dias de chuva. Do ponto de vista arquitectónico foi considerada obra arrojada, tendo mesmo sido distinguida na categoria Arquitectura dos Brunel Awards em 1998.
Em todo o caso, como o local será uma peça importante no contexto da Alta Velocidade, Calatrava teve assim direito a um ‘brinde’ para executar o novo projecto num prazo de 465 dias, pois nenhum outro arquitecto, de acordo com o Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos, que inclui obras de arquitectura, pode ‘mexer’ em obra de arquitecto vivo, sob risco de pagamento de indemnizações.
Santiago Calatrava nasceu em Valência em 1951. Tinha 47 anos quando foi inaugurada a Gare do Oriente.
Actualmente, a Estação do Oriente dispõe de oito linhas para o serviço convencional, pelo que, de acordo com estudos da extinta Rede Ferroviária de Alta Velocidade (RAVE), serão necessárias mais três linhas para o serviço de Alta Velocidade desde o Porto e desde Madrid. Essa ampliação vai implicar que a actual estação imjplica o alargamento para poente, posicionando-a sobre a estação do metropolitano. E é porque “a sua viabilidade impõe o necessário respeito pela solução da estrutura atual, replicando-a sob as novas plataformas”, que teve de ser contratado o valenciano Santiago Calatrava.
Excepto o preço do contrato, este desfecho não é necessariamente uma surpresa agora que o Governo quis garantir o avanço da LAV para aproveitar fundos comunitários. Porém, de acordo com documentos da Infraestruturas de Portugal, Santiago Calatrava vai fazer sensivelmente o mesmo que fez quando foi contratado em 2008 pela RAVE para a “prestação de serviços de arquitectura e engenharia relativos à ampliação da Estação do Oriente e sua adaptação à Alta Velocidade”.
O PÁGINA UM não consegui ainda apurar qual o valor pago pela RAVE ao arquitecto espanhol, mas sabe que, apesar do projecto de execução ter sido entregue em 2011, já não pode ser agora usado, porque, “como não chegou à fase de obra (…), o respectivo contrato que lhe deu origem [foi] extinto”.
Ou seja, basicamente, com o contrato de 10,4 milhões de euros, a Infraestruturas de Portugal confessa que “pretende, agora, que o projeto desenvolvido pela ex-RAVE em 2011 seja revisto e atualizadoi, de acordo com o normativo legal em vigor e com os novos requisitos técnicos e funcionais do projecto AV [Alta Velocidade] e, complementarmente à ampliação, que seja desenvolvido o projecto de reabilitação da estação atual”.
No registo do Portal Base deste contrato, publicado hoje, refere-se que a avaliação custo-benefício deixou de ser aplicável aos procedimentos de formação de contratos que se destinem à execução de projetos financiados ou cofinanciados por fundos europeus. Ou seja, é gastar sem saber se vale o investimento.
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A direcção do Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, liderada por Eva Falcão, anda desde 2022 a lançar concursos públicos para serviços de limpeza e consumíveis de casa de banho (como papel higiénico), sempre com problemas. Só um resultou em adjudicação, mas mesmo assim com uma duração irrisória: apenas um mês. Este contrato ‘efémero’ foi o que bastou à empresa vencedora, a Sá Limpa, para ‘assentar arraiais”: num novo concurso em 2023, que perdeu para concorrência, apresentou impugnação. Enquanto a resposta não veio, o IPO de Lisboa deu-lhe sucessivos ajustes directos mensais. Desde Janeiro de 2023 já se contam 12, e este ano já são dois, totalizando tudo 2,6 milhões de euros. Entretanto, a vigência do contrato impugnado expirou e, enquanto não há decisão do novo concurso público, a Sá Limpa continua a limpar e a receber quase 200 mil euros por mês. Quando houver decisão para o concurso em análise, a história pode repetir-se, porque a unidade hospitalar alega conveniência logística e “urgência imperiosa”, um critério material que tem justificado ajustes directos sem limite de tempo e de preço.
O Instituto Português de Oncologia (IPO) de Lisboa, presidida por Eva Falcão – ex-chefe de gabinete da antiga ministra da Saúde Marta Temido –, celebrou este mês o 12º ajuste directo sucessivo com a mesma empresa de limpeza, a Sá Limpa. Os contratos, com uma periodicidade quase sempre mensal, e apesar de serem para banais serviços de limpeza e de fornecimento de consumíveis de casa de banho, como papel higiénico, têm sido justificados sempre com uma falácia: “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante”.
Ou seja, os 12 contratos de ‘mão beijada’, que já totalizam os 2,6 milhões de euros, invocam uma norma que, aplicando ao caso concreto, significa que Eva Falcão e os seus colegas da administração têm estado, mês após mês, a serem surpreendidos com uma “urgência imperiosa” – limpar o chão e fornecer papel higiénico e sabão – que resultou em acontecimentos imprevisíveis – a sujidade do chão e a ida à casa de banho por parte dos utentes e visitantes.
No entanto, o mais absurdo desta sequência perfeitamente anormal está no facto de estes 12 contratos sucederam ao término de um estranho contrato resultante de um concurso público que acabou por ter uma vigência de apenas um mês e meio. Isso mesmo: contrariando aquilo que se mostra habitual em aquisição de serviços de limpeza – contratos após concurso público para uma duração de, pelo menos, um ano, até por razões de eficiência logística e burocrática –, o IPO de Lisboa decidiu ‘inovar’. E assim lançou um concurso público em 18 de Julho de 2022, tendo como preço base cerca de 613 mil euros para um prazo de apenas quatro meses.
O IPO justificou ao PÁGINA UM que essa decisão se deveu ao facto de um concurso público anterior – anunciado em 21 de Março daquele ano, para oito meses, e um preço base de 1,23 milhões de euros –, não ter sido concluído “e se extinguiu, por circunstâncias imprevistas que obrigavam à alteração de aspectos fundamentais das peças do procedimento”. A instituição não explicou as razões dessas “circunstâncias imprevistas” nem os motivos para que o concurso público de 18 de Julho ter sido lançado apenas para quatro meses.
Mas nem esse concurso público para quatro meses correu bem, porque só ficou concluído em Novembro de 2022 e somente pôde, de acordo com o IPO de Lisboa, “e só pôde “ter efeitos até final desse mesmo ano, em concordância com a autorização para a realização da respetiva despesa”. Resultado: num concurso que até registou um interesse do sector, com oito empresas concorrentes (PreZero, Operandus, Servilimpe, Clece, Iberlim, Euromex, Derichebourg e Sá Limpa), o IPO acabou por entregar um contrato público à vencedora – a empresa Sá Limpa – por apenas um mês e meio. Esse contrato decorrente do concurso público foi celebrado em 14 de Novembro de 2022, mas teve apenas uma vigência até ao final desse ano (49 dias), apesar de no Portal Base surgir a referência a um prazo de execução de 31 dias, pelo que o preço contratual foi de 153.074 euros.
E foi a partir desse contrato de um mês (ou mês e meio) que começaram os sucessivos ajustes directos que, aparentemente, não têm um fim à vista. Sem contrato para manter a limpeza a partir de 1 de Janeiro de 2023, a direcção liderada por Eva Falcão celebrou nesse mesmo dia, mesmo se feriado, um ajuste directo com a Sá Limpa por dois meses com um preço contratual de 306.148 euros. E preparou novo concurso público para o período de Março a Dezembro de 2023, que foi lançado em 9 de Janeiro, com um preço base de 1,69 milhões de euros.
E é aqui que começaram os verdadeiros problemas com decisões do IPO de Lisboa que deixam no ar muitas questões éticas e até legais. Com efeito, esse concurso de Janeiro de 2023, apurou o PÁGINA UM, foi ganho pela empresa Iberlim, que assim deveria substituir a Sá Limpa, mas esta segunda decidiu impugnar a decisão do IPO de Lisboa. E a instituição hospitalar, em vez de uma ‘solução salonómica’ – por exemplo, lançar uma consulta prévia ou um ajuste directo a uma terceira empresa – manteve a Sá Limpa em funções, passando a oferecer-lhe sucessivos ajustes directos mensais, usando o critério material do Códigos dos Contratos Públicos, mesmo se usando o falacioso argumento de “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.
E assim, com duração mensal e preço contratual variando entre os 159.111 e os 165.014 euros por contrato, a Sá Limpa foi ‘coleccionando’ ajustes directos ao longo de 2023: em 15 de Março, em 4 de Abril, em 11 de Maio, em 3 de Julho (dois contratos), em 8 de Agosto, em 24 de Agosto, em 27 de Setembro e em 30 de Outubro. Isto porque não houve resposta do Tribunal Administrativo. E mesmo que venha ainda já não vale a pena, porque entretanto o ano de 2023 terminou.
Entretanto, começou nova saga, e uma provável repetição do sucedido em 2023, porque o IPO lançou novo anúncio de concurso público no passado mês de Outubro para aquisição de serviços de limpeza para o ano de 2024. Ora, estando a ainda em curso a análise deste novo concurso público, o IPO continuou a fazer ajustes directos com a Sá Limpa.
Em 25 de Janeiro foi celebrado mais um, com o preço de 182.653 euros – que nem sequer teve contrato escrito, alegadamente por causa da urgência (mas que indicia ter sido para ocultar pagamentos por serviços já executados sem suporte contratual), e o segundo ocorreu na semana passado, no dia 1. Pelo histórico nada garante que, havendo decisão desfavorável à Sá Limpa, a empresa repita a estratégia: impugna nos tribunais, e continua a beneficiar de mais ajustes directos.
O IPO de Lisboa defende que “a celebração de contratos decorrentes dos sucessivos procedimentos de ajuste direto sempre com a mesma empresa [Sá Limpa] sustentou-se em duas questões essenciais: esta era a empresa contratada em 2022 (prestadora do serviço ao IPO Lisboa no final desse ano) e a mudança de prestador na área em causa viria a implicar um elevado esforço logístico, com impacto no normal funcionamento dos serviços e sem ganhos económicos que, de alguma forma, o compensassem ou justificassem”.
Este argumento, saliente-se, constitui uma autêntica ‘carta branca’ para estratégias ardilosas que, aparentemente, pululam neste sector das limpezas. Conforme o PÁGINA UM tem destacado por várias vezes, a par com os serviços de alimentação e de segurança, no sector das limpezas a prevalências de ajuste directo é elevadíssimo, com empresas a conseguir acumular contratos de ‘mão beijada’ uns atrás dos outros com a maior das facilidades… e impunidades.
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O Tribunal de Contas ainda está a avaliar a legalidade de dois ajustes directos integrados no plano de mudança dos Ministérios para o edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas, pelos antecedentes, a probabilidade de ‘chumbo’ do contrato de arquitectura celebrado com o atelier de Diogo Lima Mayer é extremamente elevado. Num passado recente, mesmo quando foram apresentados nomes sonantes da arquitectura mundial, como Souto Moura e Siza Vieira, o Tribunal de Contas considerou ilegal e lesivo do interesse público a celebração de ajustes directos. Um (muito) previsível ‘chumbo’ deste ajuste directo de cerca de 940 mil euros acarretará um atraso no avanço das obras de reabilitação, uma vez que a intenção seria que Diogo Lima Mayer apresentasse, entre outros planos, um projecto de arquitectura de interiores para nove pisos.
O Tribunal de Contas ainda não terminou a análise dos dois polémicos contratos por ajuste directo integrados no programa de remodelação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para receber gabinetes ministeriais, mas a recusa de visto será a decisão mais provável, sobretudo no caso do projecto de arquitectura entregue de ‘mão beijada’, e com o valor de 760.885 euros (cerca de 940 mil euros com IVA), ao atelier de Diogo Lima Mayer, também proprietário da Coudelaria do Monte Velho. O outro contrato, como o PÁGINA UM revelou na sexta-feira passada, beneficiou a Siemens, escolhida sem concurso público para, por cerca de 1,2 milhões de euros (com IVA), renovar o sistema de climatização do sétimo piso, aquele que onde se prevê instalar os primeiros ministérios, já na próxima legislatura.
O PÁGINA UM apurou que, ao contrário das informações que foram sendo transmitidas a partir de Novembro, o Tribunal de Contas não validou a totalidade das obras previstas para aproveitar parte do edifício sede da CGD, com um orçamento previsto de 40 milhões de euros. Na verdade, segundo fonte da instituição de controlo financeiro do Estado liderado por José Tavares, apenas foi concedido visto “em 9 de Novembro de 2023, [a]o contrato relativo à reabilitação do sétimo piso [do edifício-sede da CGD], no valor de 2.922.883,20 euros”, estando “neste momento, […] em análise dois processos sobre o mesmo processo de transferência”, ou seja, o da Siemens e os da Intergaup.
António Costa, primeiro-ministro de Portugal. A Presidência do Conselho de Ministros achou por bem ‘passar um atestado de incompetência’ aos gabinetes de arquitectura e às empresas de climatização.
Mas se o visto para o contrato com visto em Novembro foi pacífico – tratou-se de uma empreitada ganha pela empresa Ecociaf, antecedido de anúncio público, tendo concorrido quatro empresas –, o mesmo não sucede com os contratos da Siemens e da Intergaup, onde o Governo, apesar da existência de concorrência, tanto na climatização de edifício como em projectos de arquitectura, decidiu-se pelo ajuste directo, ou seja, arredando eventuais interessados.
Esta opção, sobretudo no caso do projecto de arquitectura entregue ao atelier de Diogo Lima Mayer, tem ‘condições’ para não conseguir um visto favorável por parte do Tribunal de Contas. Apesar de não adiantar quaisquer indicações sobre este caso em concreto, certo é que já houve pelo menos dois contratos de projectos de arquitectura ‘chumbados’ pelo Tribunal, mesmo quando os arquitectos escolhidos eram nomes sonantes.
Em Abril de 2017, o Tribunal de Contas recusou o visto a um contrato celebrado pela autarquia de Matosinhos, considerando ilegal o ajuste directo para a elaboração do projecto de arquitectura do Núcleo Museológico Cais da Língua e das Migrações, que beneficiara o atelier do arquitecto Souto Moura valor de 412.992,00 euros, acrescido de IVA. O acórdão determinou que “a adjudicação por ajuste directo não era legalmente possível, impondo-se que o contrato tivesse sido precedido da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação”.
Segundo a interpretação dos juízes, “o ajuste directo só pode ser utilizado para contratações de valor inferior a 75 mil euros”, e que a alegação de se tratar de “domínio artístico” não colhe, por ser algo do “domínio da arquitectura”. O Tribunal de Contas concluiu que a adjudicação por ajuste direto só seria possível se antecidida da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação, eventualmente na modalidade de concurso de concepção. Ou seja, teria de haver primeiro a escolha de uma ‘ideia’ ou ‘plano’ aberta a outros candidatos.
O segundo caso de ‘chumbo’ atingiu também outro nome conceituado da arquitectura portuguesa. (CCP): Siza Vieira. Em 2019, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim celebrou um contrato por ajuste directo com a empresa Álvaro Siza 1 – Arquitecto para a elaboração do projecto de arquitetura do Fórum Cultural Eça de Queirós. O preço contratual era de 550.000 euros, e o visto também foi recusado pelos mesmos motivos. O acórdão diz mesmo que “a intenção de adjudicação do projeto de arquitetura com natureza intuitus personae a arquiteto de elevado prestígio nacional e internacional não encontra fundamento legal, pois não são válidos os argumentos utilizados pelo Município para justificar que a elaboração do projeto de conceção apenas pode ser confiada àquele arquiteto”.
E os juízes salientaram também que “a escolha de uma única entidade a convidar – para além do impacto direto na (restrição da) concorrência – produziu ainda um outro efeito na fixação do preço base do procedimento, uma vez que este foi determinado tout court pelo único concorrente convidado, o que é censurável por representar a total ausência de espírito crítico por parte da entidade adjudicante”. Ou seja, o preço foi determinado pelo arquitecto e não regido pelo interesse público.
No caso do contrato com o atelier de Diogo Lima Mayer, a Presidência do Conselho de Ministros, embora invocando critérios materiais similares, não invocou a via artística – até por se tratar sobretudo de projecto de arquitectura de interiores –, mas seguiu uma outra via ainda mais temerária: considera que não existe concorrência “por motivos técnicos”, embora não haja qualquer análise ou documento que prove tal, até por ser uma intervenção acessível à generalidade dos ateliers.
No contrato com o atelier de Lima Mayer que consta no Portal Base, celebrado em 21 de Dezembro do ano passado, com um prazo de execução de três anos, o Governo é extremamente omisso, como geralmente sucede, na definição em concreto do objecto, remetendo para um caderno de encargos, que não se encontra naquela plataforma da contratação públicas.
O PÁGINA UM pediu, contudo, esse caderno de encargos à Presidência do Conselho de Ministros que acabou por enviar alguns elementos, mas não todos, alegando necessidade de “expurgo dos dados pessoais” e retirar “alguns aspectos relacionados com as especificações técnicas que possa, de alguma forma pôr em causa alguns requisitos de segurança”.
Mas mesmo perante a falta de alguns elementos essenciais, nada no caderno de encargos e sobretudo na memória descritiva e justificativa, parece, passe o pleonasmo, justificar a escolha da Intergraup através de um contrato de mão-beijada, afastando a concorrência – que haveria se fosse lançado um concurso público.
De facto, em causa estão apenas intervenções, sem elevada complexidade ou necessidade de ‘criação artística’ ao nível de design de interiores, incluindo instalações sanitárias, reparação de tectos, execução de paredes divisórias para salas de trabalho e de videochamada, reformulações na circulação, e definição de gabinetes em nove pisos, um dos quais, o oitavo, com 197 postos de trabalho e 25 gabinetes afectos ao Primeiro-Ministro. Contabilizado, para já, está a integração de mais de 4400 trabalhadores ligados ao Governo e Administração Pública.
Na listagem das tarefas a executar pelo gabinete de arquitectura encontra-se também a elaboração de um plano de manutenção e intervenção em fachadas e coberturas, a mudança da identidade exterior do edifício após a saída da CGD e um projecto de reformulação dos espaços exteriores e das áreas desportivas. Nada que centenas de gabinetes de arquitectura não podem almejar conseguir apresentar, mas que não será já possível porque a Presidência do Conselho de Ministro garante que o arquitecto dono da Coudelaria do Monte Velho é o único capaz, não existindo concorrência por motivos técnicos. Aliás, a somar a isto não fica absolutamente nada claro como foi definido o preço do contrato.
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