Categoria: Saúde

  • Infarmed abandona à sua sorte centenas de adolescentes e jovens adultos com reacções graves à vacina contra a covid-19

    Infarmed abandona à sua sorte centenas de adolescentes e jovens adultos com reacções graves à vacina contra a covid-19

    Começam agora a desvendar-se os verdadeiros motivos para o Infarmed – e sobretudo o seu presidente Rui Santos Ivo, com a conivência do Ministério da Saúde – ter lutado 30 meses para evitar o acesso legal do PÁGINA UM ao Portal RAM, onde constam as notificações das reacções adversas às vacinas contra a covid-19. Mesmo estando a esconder ainda um vasto conjunto de dados (não surgem reacções adversas em crianças dos 5 aos 12 anos) e diversas variáveis, em incumprimento de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o PÁGINA UM já detectou mais de 225 casos graves afectando menores de 25 anos, incluindo adolescentes e mesmo recém-nascidos, cuja evolução não teve qualquer acompanhamento pelo Infarmed, desconhecendo-se assim se recuperaram ou se houve um desfecho fatal. Ou seja, o Infarmed regista os casos, mas não faz qualquer monitorização, minando assim a confiança na farmacovigilância. Há reacções com evolução ignorada em casos gravíssimos, incluindo trombocitose, tromboembolismo, miocardite e pericardite, embolia pulmonar, trombose venosa cerebral, trombocitopenia imune e acidente vascular cerebral. O Infarmed e o Ministério da Saúde, confiantes num (quase certo) impacte nulo desta investigação na imprensa ‘mainstream’, nem sequer reagiram quando confrontados para comentar as falhas da farmacovigilância que desvirtua uma avaliação da segurança das vacinas sempre ‘vendidas’ como seguras e eficazes.


    Uma coisa é a teoria; outra a prática. A farmacovigilância – como dirão, por certo, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que foi professora universitária na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, ou mesmo o presidente do Infarmed, Rui Ivo – é uma ciência relacionada com a recolha, detecção, avaliação, monitorização e prevenção de efeitos adversos com produtos farmacêuticos. Vem nos manuais, consta das normas legais e procedimentos – é uma imposição, já padronizada após alguns escândalos passados, que surge quando os medicamentos, depois de aprovados seguindo os ensaios clínicos, são colocados no mercado.

    E é aí que está em jogo muita coisa: há a perspectiva de um negócio lucrativo legítimo assente na confirmação da eficácia no tratamento ou prevenção de alguma doença ou maleita, mas também o risco de, através dos procedimentos de farmacovigilância, serem detectados efeitos adversos graves que obriguem a limitar o seu uso ou, pior ainda, obriguem à sua retirada pelo facto de os eventuais benefícios não compensarem os riscos.

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    Não é fenómeno frequente, mas também não é raro. Há quatro anos, num artigo científico publicado na revista Current Drug Safety, quatro investigadores portugueses apresentam uma resenha sobre o processo de decisão, baseado em dados, que tinham levado à retirada do mercado de medicamentos por razões de segurança, sustentando que muitos dos problemas não tinham sido detectados nos processos de pesquisa e desenvolvimento, até porque muitas reacções adversas têm uma incidência que não permite o seu conhecimento em ensaios clínicos que usam poucos milhares de pessoas.

    O artigo destes investigadores – e existem centenas de artigos similares – chama sobretudo a atenção para o reforço da monitorização – mesmo nos dias de hoje em que a Ciência assume um papel de dogma apenas acessível a ‘peritos’ reconhecidos. Os problemas com medicamentos podem já ter sido piores – por exemplo, 10,2% das novas substâncias activas moleculares introduzidas nos Estados Unidos entre 1975 e 1999 foram retiradas ou levaram a restrições de uso por razões de segurança. Mas continuam a ser reais, e difíceis de assumir, porque há muito a perder.

    Por um lado, as farmacêuticas não apenas perdem lucros futuros como podem sofrer elevados pedidos de indemnização. Por outro lado, em casos de escândalo, as autoridades políticas e administrativas tendem a não reconhecer de imediato os erros – porque a farmacovigilância é da sua responsabilidade – e prolongam a tomada de uma posição mais radical. O atraso entre a introdução do medicamento e a sua retirada por razões de segurança, bem como as metodologias usadas para identificar riscos anteriormente desconhecidos.

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    Diversos estudos mostraram que entre 82% e 90% dos problemas de segurança identificados em medicamentos retirados do mercado foram reconhecidos através de relatos de casos das reacções adversas de medicamentos (RAM). Mas, globalmente, o tempo médio até à retirada é de 20,3 anos, como se destaca no artigo dos quatro investigadores portugueses.

    Antes da pandemia da covid-19, que veio introduzir um programa de vacinação maciço jamais visto, mesmo as vacinas eram alvo de uma atenção especial da farmacovigilância. E são conhecidos diversos casos mais ou menos recentes de retirada total ou parcial na Europa e/ ou em outras partes do Mundo por razões de segurança, como a vacina Pandemrix fabricada pela GlaxoSmithKline durante a pandemia de gripe suína de 2009-2010, a da vacina LYMERrix, fabricada contra a doença de Lyme pela actual GSK. Num relatório da Organização Mundial da Saúde relativo ao período 2010-2018 intitulado “Restrictions in use and availability of pharmaceuticals” surgem referidas nove vacinas sobre as quais penderam retiradas ou restrições de uso.

    Mas apesar das vacinas contra a covid-19 terem sido o fármaco mais administrado num curto espaço de tempo, incluindo a grupos etários de baixíssimo risco e a pessoas já com imunidade adquirida, as autoridades e os ‘peritos’ sempre recusaram admitir a dimensão das reacções adversas, apontando sempre com a sua alegada eficácia no controlo da pandemia. Mesmo nos relatórios de farmacovigilância dedicados exclusivamente às vacinas contra a covid-19, o Infarmed – seguindo a filosofia das suas congéneres – relativizava os números e os efeitos adversos. Por exemplo, invariavelmente, nos seus relatórios de farmacovigilância – que deveriam ser neutros, prudentes e equidistantes –, o regulador do medicamento português assumia, à partida, que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. E a partir daí a sua análise estava logo comprometida por um enviesamento ’ideológico’.

    Aliás, tal como a Agência Europeia do Medicamento, também o Infarmed sempre menorizou a catadupa de reacções adversas que foram sendo encaminhadas para os sistemas de farmacovigilância por causa das vacinas contra a covid-19, que passaram a ser, de muto longe, o fármaco com maior número de notificações. Num recente, e bastante simplificado relatório, com apenas 20 páginas, o Infarmed apresenta um gráfico bastante elucidativo sobre o ‘impacte’ das vacinas contra a covid-19. Apesar da tendência de crescimento desde 2011 das notificações de reacções adversas às centenas de medicamentos ‘controlados’ pelo Infarmed, a média anual no triénio anterior à pandemia (2017-2019) situou-se em 9.503.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: uma farmacovigilância que abandona o desfecho de reacções adversas graves em centenas em jovens.

    No primeiro ano da pandemia, em 2020, e sabendo-se que as vacinas contra a covid-19 somente começaram a ser administradas em 27 de Dezembro, as notificações de reacções a todos os medicamentos até foi ligeiramente inferior: 8.801. Mas depois saltaram para as 39.267 notificações em 2021, descendo para 26.932 no ano seguinte. Em 2023, reflectindo a fraca adesão aos boosters da vacina contra a covid-19, o total de notificações para todos os fármacos desceu para níveis dos anos pré-pandemia, tendo sido contabilizadas 11.153.

    Porém, neste relatório de qualidade bastante sofrível, pela ausência de detalhe, o Infarmed nem sequer discrimina os fármacos associados às reacções adversas nem tão-pouco a sua gravidade de forma explícita. Em todo o caso, induz-se que as vacinas contra a covid-19 foram o principal grupo de fármacos a dar problemas nos últimos anos, porque o número total de reacções adversas classificadas como graves mais que duplicou em 2021, no auge do programa de vacinação, face aos anos anteriores. Assim, se em 2019 o Infarmed contabilizara 5.511 reacções graves e 4.482 no ano seguinte, em 2021 foram registadas 11.435, descendo depois para 6.086 em 2022 e para 5.043 no ano passado.

    Se se considerar que sensivelmente metade das cerca de 28 mil mortes associadas à covid-19 ocorreram antes do processo de vacinação, a existência de tantos milhares de casos graves deveria merecer, subentende-se, uma análise atenta da entidade responsável pela farmacovigilância em Portugal, o Infarmed.

    Mas isso, infelizmente, não sucedeu.

    Evolução do número de notificações de reacções adversas em Portugal para todos os medicamentos. Fonte: Infarmed.

    E pior: além de uma incompreensível atitude obscurantista, negando ceder a informação do Portal RAM – que somente foi desbloqueada por um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS)  –, o Infarmed acaba por demonstrar que não faz farmacovigilância, e abandona à sua sorte as vítimas de reacções adversas às vacinas, contribuindo também para confundir uma avaliação correcta de custo-benefício.

    Com efeito, apesar de o Infarmed insistir na recusa de revelar os dados do Portal RAM posteriores a 6 de Dezembro de 2021 – sabendo-se que o TCAS concedeu o direito de acesso, pela primeira vez, em Junho de 2024 –, e ter apagado variáveis (entre as quais a causalidade) e agregado as idades das vítimas, o PÁGINA UM analisou os casos de reacções adversas que atingiram crianças, adolescentes e jovens adultos. Uma ponta do icebergue, uma vez que, sobretudo no caso das crianças com menos de 12 anos, a vacinação ocorreu sobretudo a partir de Dezembro de 2021.

    E os dados são aterradores – também muito pela inqualificável negligência do Infarmed, que, de forma despudorada e intencional, descura as suas funções básicas.

    A partir da análise do PÁGINA UM ao Portal RAM até 6 de Dezembro de 2021, de entre as 27.220 reacções adversas, 513 foram de menores de 25 anos em que o Infarmed deu a classificação de grave. Destas, seis foram recém-nascidos (não vacinados), que sofreram diversas desordens (gastrointestinais, nervosas, endócrinas e de pele) por via do leite materno; 99 eram de adolescentes dos 12 aos 17 anos; e 408 eram de jovens adultos com menos de 25 anos. Este número é já em si muito significativo, atendendo à baixíssima taxa de mortalidade da covid-19 nos grupos etários jovens. Note-se que, segundo dados do INE, em três anos (2020-2022) morreram 29 pessoas com menos de 25 anos cuja causa foi atribuída à covid-19, um valor substancialmente mais baixo do que as mortes provocadas por pneumonias nessa faixa etária.

    Ana Paula Martins: a ministra da Saúde é uma farmacêutica que tutela um regulador do medicamento que não aplica nem a transparência nem os princípios básicos da farmacovigilância.

    Mas a questão essencial a colocar quando se observam 513 reacções adversas graves em grupos etários tão jovens – e não esquecer que não estão incluídas as crianças dos 5 aos 12 anos, nem outros casos detectados posteriormente a 6 de Dezembro de 2021 –, a pergunta que se deve colocar de imediato é se houve mortes. E de que tipo foram e como evoluíram os casos graves? Evoluíram favoravelmente, tiveram um desfecho trágico, ficaram sequelas?

    E é aqui que se nota que o Infarmed não faz farmacovigilância.

    Com efeito, e fazendo nota que estes dados são oficiais e emanados após decisão de um tribunal administrativo superior – ou seja, não são ‘inventados’ pelo PÁGINA UM –, contabilizam-se 225 casos cujo desfecho é desconhecido pelo Infarmed. Ou, dizendo de outra forma, o Infarmed não quis fazer o acompanhamento – também conhecido por monitorização –, não fosse dar-se o caso de haver muitas mortes a registar por causa das ‘seguras’ vacinas.

    Assim, por exemplo, o que sucedeu a um lactente, identificado como caso 23506, que chegou a ser hospitalizado com uma trombocitose suspeita de advir do leite materno, dado a sua mãe ter sido vacinada com a AstraZeneca? O Infarmed regista “Desconhecido” na base de dados, apesar de a notificação ter ocorrido em 7 de Outubro de 2021.

    De igual modo, o que sucedeu à adolescente do sexo feminino (caso 19645) que teve um tromboembolismo após a toma da vacina da Pfizer em Agosto de 2021? Sabe-se que foi hospitalizada, mas apesar de esta ser uma das afectações mais graves e conhecidas associadas à vacina contra a covid-19, o Infarmed achou que não valia a pena saber como evoluiu.

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    E as famigeradas miocardites e pericardites? Há 10 situações classificadas como graves, entre Agosto e Outubro de 2021, cujo desfecho o Infarmed desconhece, havendo situações de registo com a mera indicação de a vítima estar “em recuperação”. Mas são casos já passados há cerca de três anos. Destes, cinco são de adolescentes (casos 19951; 22118; 22269; 22467; e 23415) e outros cinco de jovens adultos até aos 24 anos (casos 18193; 22581; 23267; 23208; e 26223).

    Também surge registada a situação de uma adolescente com síndrome inflamatória multissistémica pediátrica (MIS-C) associada à vacina contra a covid-19 (caso 20713), mas apesar de ter ocorrido em Agosto de 2021, com hospitalização, surge a referência “desconhecido” no campo a evolução da reacção adversa. O Infarmed considerou que não se mostra necessário saber como evoluíram estas infecções do coração, se ficaram sequelas, se houve mortes. Nada importou para se manter o selo das vacinas seguras.

    Também dúvidas ficam sobre a qualidade da farmacovigilância da entidade liderada por Rui Santos Ivo quando se observam outras situações de elevadíssima gravidade com grande risco de sequelas ou mortes. O PÁGINA UM detectou, por exemplo, registos de embolia pulmonar (caso 10215, uma jovem mulher que tomou a AstraZeneca, em Maio de 2021), de trombose venosa cerebral (caso 18886, uma jovem mulher que tomou a vacina Moderna, em Agosto de 2021), de trombocitopenia imune (caso 19516, outra jovem mulher que tomou a Moderna, em Agosto de 2021), de acidente vascular cerebral (caso 20843, um jovem adulto que tomou a vacina da Janssen, em Setembro de 2021).

    E, de resto, há um significativo número de sintomas genéricos do aparelho endócrino, do sistema nervoso e da pele, incluindo também doenças ou perturbações raras (como paralisia facial ou síndrome de Parsonage-Turner), que quer ponham ou não em risco a vítima, deveriam merecer atenção do Infarmed. Até para fazer sentido, em português, a palavra ‘monitorização’. Na base de dados analisada pelo PÁGINA UM, há também diversos casos graves de perturbações do ciclo menstrual em jovens mulheres. Aliás, se incluirmos as mulheres de todas as idades, o Portal RAM registou, até início de Dezembro de 2021, cerca de duas centenas de alterações menstruais associadas às vacinas contra a covid-19.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, é um dos principais responsáveis pela vacinação em massa contra a covid-19 de crianças e adolescentes, tendo escondido um parecer do Colégio de Pediatria que recomendava que se administrassem doses apenas em casos de vulnerabilidade à doença. A sua postura de ‘perseguidor de médicos’ que contestavam a gestão da pandemia catapultou-o para voos políticos: hoje, é vice-presidente da bancada parlamentar do PSD na Assembleia da República.

    Saliente-se também que o Infarmed decidiu manipular a base de dados que o Tribunal Administrativo Central do Sul ordenou que fosse disponibilizada ao PÁGINA UM, uma vez que apagou a variável que, para cada caso, indicasse o grau de causalidade (definitiva, provável, possível e improvável). A probabilidade de ter sido um acaso é definitivamente improvável – ou seja, houve intenção deliberada do Infarmed em esconder informação vital.

    O PÁGINA UM confrontou o Infarmed, através do seu presidente Rui Santos Ivo, e a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, com os resultados desta análise. Certamente confiantes de que esta notícia do PÁGINA UM não tenha impacte público, mesmo face à gravidade comportamental do Infarmed, nem Rui Santos Ivo nem Ana Paula Martins se dignaram reagir, confiantes na sua impunidade. Na verdade, em Portugal, para o medicamento que mais reacções adversas apresentou na moderna História da Farmacologia, vai ficar tudo bem – excepto para os ‘azarados’ que tomaram as vacinas “seguras e eficazes” e ficaram entrevados. Ou mortos. Mesmo se, desses, para as autoridades, nem um pio se quer que a História dê.


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  • Homens do PSD da Misericórdia do Porto (em desastre financeiro) recebem ‘bónus’ de Montenegro

    Homens do PSD da Misericórdia do Porto (em desastre financeiro) recebem ‘bónus’ de Montenegro

    A Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) acumula quase 30 milhões de euros de prejuízos nos últimos nove anos, apesar de os seus dois hospitais (Prelada e Conde Ferreira) terem recebido 484 milhões de euros do Estado desde 2008. E perdeu 40% dos seus fundos patrimoniais em apenas 12 anos. O sufoco financeiro é mais do que evidente nas contas desta instituição controlada por homens do aparelho social-democrata, que tem um antigo deputado do PSD, António Tavares, como provedor desde 2011, e que agora também preside à Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto. Talvez por coincidência, porque a instituição nega a sua participação, Eurico Castro Alves – membro da ‘task force’ do Plano de Emergência da Saúde, mentor da criação dos centros de atendimentos clínico (CAC) e anfitrião de Luís Montenegro nas suas recentes férias de Verão no Brasil – também integra os órgãos sociais da SCMP, como suplente da Mesa Administrativa. Com funções executivas está outro social-democrata de peso: Manuel Pinto Teixeira foi colega da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na Comissão Política do PSD nos tempos de Rui Rio. Tudo misturado, e contas feitas, à boleia da criação do CAC no Hospital da Prelada, para receber doentes não-urgentes dos hospitais públicos do Porto, o Governo vai dar um ‘bónus’ à Misericórdia do Porto que atingirá, em termos líquidos, cerca de seis milhões de euros apenas este ano, permitindo assim ‘tapar’ uma gestão ruinosa, onde as subcontrações dispararam nos últimos anos.


    Tal como de boas intenções está o inferno cheio, de coincidências está também cheia a vida política, social e empresarial em Portugal. No dia em que foi publicada, no passado dia 21 de Agosto, uma Resolução de Conselho de Ministros que atribuía um reforço de verbas públicas a transferir para o Hospital da Prelada, propriedade da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), por causa da criação de um centro de atendimento clínico (CAC), Luís Montenegro passava férias numa casa no Brasil de Eurico Castro Alves, que fora coordenador da task force do Plano de Emergência da Saúde.

    Por coincidência, Eurico Castro Alves, que preside à Secção Regional de Norte da Ordem dos Médicos, integra os órgãos sociais da Misericórdia do Porto, sendo suplente da Mesa Administrativa, equivalente a um Conselho de Administração. Apesar de não exercer, por agora, um cargo executivo, este médico saberá por certo que a instituição de solidariedade social se encontra em situação pouco desafogada.

    Hospital da Prelada, a principal unidade de saúde da Misericórdia do Porto, recebeu um reforço de dinheiros públicos por atender doentes não-urgentes dos hospitais do São João e do Santo António. Foto: SCMP.

    Além disto – por certo mais uma coincidência –, Eurico Castro Alves compartilhou uma conta bancária pessoal com Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, para gerirem um ‘bolo financeiro’ de mais de 1,4 milhões de euros, vindos sobretudo de farmacêuticas, durante a pandemia. Castro Alves esteve assim directamente envolvido na polémica campanha de solidariedade (‘Todos por quem cuida’), revelada pelo PÁGINA UM, que incluiu facturas falsas, fuga ao Fisco e declarações falsas, mas sobre a qual, ao longo dos últimos meses, a Procuradoria-Geral da República recusa revelar se está sob investigação.

    O único pormenor desta campanha de solidariedade sob investigação judicial será o pagamento de cerca de 25 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, cuja transferência tem o cunho da actual ministra da Saúde, para a vacinação de médicos não-prioritários, após o envio ao Ministério Público de um processo de esclarecimento realizado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Porém, este caso não inclui qualquer investigação a Gouveia e Melo por ter permitido a vacinação de médicos não-prioritários em violação de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde.

    Mas se Eurico Castro Alves tem indubitável e simultaneamente ligações directas à SCMP e ao poder político social-democrata – aliás, até chegou a ser secretário de Estado da Saúde no curto segundo mandato de Pedro Passos Coelho em 2015 –, mais ainda as tem Manuel Pinto Teixeira, um dos membros efectivos da Mesa Administrativa, e que, no relatório e contas de 2023, surge associado à tutela do Hospital da Prelada [vd. página 7]. Antigo chefe de gabinete de Rui Rio na autarquia portuense (2003-2013), Pinto Teixeira foi jornalista e tem um passado ligado de gestão em empresas de comunicação, ocupando nos anos mais recentes funções relevantes no PSD. Até Julho de 2022 foi membro da Comissão Política Nacional, a convite de Rui Rio. E quem eram dois dos seus colegas? Pois bem, Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, e também Joaquim Miranda Sarmento, actual ministro das Finanças.

    Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia do Porto, integra dois homens relevantes do PSD local: Manuel Pinto Teixeira (primeiro à esquerda, no topo) e o provedor António Tavares (segundo à direita, em baixo), que lidera a instituição desde 2011. Eurico Castro Alves é suplente da Mesa Administrativa. Fonte: SCMP.

    Por similar coincidência, por ‘feliz’ evolução socio-política nacional e regional, a Misericórdia do Porto tem agora interlocutores mais amigáveis, pois o seu quasi-perpétuo provedor – tomou posse em Janeiro de 2011 – é o antigo deputado do PSD António Tavares, que recentemente assumiu um papel de maior relevância social na Cidade Invicta, mesmo se simbólico, por ser agora o actual presidente da Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto, tendo integrado a lista de André Villas-Boas que ‘apeou’ Pinto da Costa.

    Mas, depois de listar as ‘coincidências’, passemos agora aos factos. Ao contrário da sua congénere lisboeta, a SCMP não tem qualquer tutela governamental, funcionando como uma mera instituição privada de solidariedade social associada à Igreja Católica. Mas sem receitas dos jogos, que permitem à congénere lisboeta todos os ‘desvarios’, a Misericórdia do Porto não se pode dar ao luxo de erros de gestão – e se os tem, e tem mesmo, paga-os caro. E, com efeito, a situação financeira da Misericórdia do Porto, apesar de pouco falada, mostra-se avassaladoramente preocupante desde 2015, e por isso, independentemente das ‘coincidências’ envolvendo figuras gradas, a integração do Hospital da Prelada como CAC do Porto veio, mais do que aliviar as urgências dos hospitais do São João e do Santo António, conceder um ‘balão de oxigénio’ à tesouraria da Misericórdia do Porto, evitando, ou adiando pelo menos, um desastre financeiro que se avizinhava. Mas já se vai ao ‘osso’.

    Detentora de um vasto património imobiliário, a Misericórdia do Porto tem uma intensa actividade social e mesmo cultural, agregando ainda três lares de idosos e dois colégios, e também gerindo até uma quinta agrícola e, em co-gestão, a prisão de Santa Cruz do Bispo. Mas é no Hospital da Prelada e no Centro Hospitalar Conde Ferreira que reside a sua principal actividade empresarial, empregando, só aí, quase 670 pessoas, mais de metade dos seus recursos humanos. O Hospital da Prelada – que agora é um dos CAC para receber doentes não urgentes do Porto – é mesmo a principal fonte de receitas da Santa Casa da Misericórdia do Porto (34 milhões de euros no ano passado), mas muito graças ao Estado.

    Governo de Montenegro defendeu criação do centro de atendimento no Hospital da Prelada para desanuviar as urgências dos hospitais públicos de São João e de Santo António, mas, na verdade, as verbas a transferir para a Misericórdia do Porto são um autêntico ‘balão de oxigénio financeiro’.

    Através de acordos com o Ministério da Saúde, a SCMP já recebeu, desde 2008, quase 484 milhões de euros do Estado. Não é pouco, mas já foi mais. Entre 2008 e 2015, os apoios anuais foram sempre superiores a 30 milhões de euros – atingindo quase 35 milhões em 2008, em 2010 e em 2012 –, mas durante os Governos de António Costa os montantes reduziram-se. Em 2019 quedaram-se nos 25,7 milhões de euros. O antigo ministro socialista Manuel Pizarro ainda conseguiu, antes da queda do Governo, a promessa para o ano de 2024 de uma transferência de cerca de 30,3 milhões de euros.

    Apesar destas elevadas maquias, o sector da Saúde da Misericórdia do Porto acabou por ser uma fonte de despesa. No conjunto, a gestão do Hospital da Prelada (com valências sobretudo nas áreas da Medicina Física e na Cirurgia Plástica e Reconstrutiva) e do Centro Hospitalar Conde Ferreira (na área da Psiquiatria) têm estado sempre no ‘vermelho’, quando seria expectável darem lucro para depois financiar as actividade sociais. Somente no último quinquénio (2019-2013), tiveram prejuízos líquidos de 11,4 milhões de euros, apesar da entrega pelo Estado de 132,8 milhões de euros no mesmo período.

    Mas esses 11,4 milhões de euros são apenas uma parte dos resultados financeiros da SCMP. Segundo a análise do PÁGINA UM, nos últimos cinco anos a Misericórdia do Porto perdeu, em todas as suas actividades, quase 21,5 milhões de euros. E desde 2014 não sabe o que é ter contas positivas. É certo que os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) foram francamente maus, sobretudo por causa da decisão governamental de ‘abrandar’ as actividades hospitalares não-covid, contribuindo para prejuízos de quase sete milhões de euros só na actividade hospitalar. Porém, os problemas financeiros provêm de um período anterior.

    António Tavares é provedor da Misericórdia do Porto desde 2011. Só em dois anos apresentou resultados positivos e ‘viu’ os fundos patrimoniais da instituição encolherem quase 95 milhões de euros. Foto: SCMP.

    Em 2017, por exemplo, a instituição já registou um prejuízo de 5,4 milhões de euros. O pico de prejuízos ocorreu em 2020, com as contas no ‘vermelho’ a atingirem os 6,5 milhões de euros. Mesmo com o desanuviamento da pandemia, a Misericórdia do Porto ainda não conseguiu, sob a direcção de António Tavares, inverter os prejuízos: em 2022 foram mais 3,5 milhões de euros, e no ano passado mais 2,4 milhões. Aliás, sob sua gestão, o antigo deputado social-democrata só viu dois anos de resultados no ‘verde’, e já em tempos longínquos: no ano de 2011, que terminou com um lucro de 1,6 milhões de euros, e no ano de 2014, com lucros de cerca de 940 mil euros.

    O reflexo destes sucessivos desastres financeiros surge também na evolução do fundo patrimonial, equivalente ao capital próprio de uma empresa. No primeiro ano da gestão de António Tavares, em 2011, a SCMP contabilizava fundos patrimoniais no valor de 234,8 milhões de euros; agora valem apenas 140 milhões de euros. São quase 95 milhões de euros que se eclipsaram, ou seja, a Misericórdia do Porto tem agora 60% dos fundos que António Tavares ‘herdou’ do seu antecessor.

     Os activos não correntes da instituição – que incluem sobretudo o património edificado e propriedades de investimento – valiam em 2011 quase 225 milhões de hoje; 12 anos depois diminuíram 72 milhões de euros, cifrando-se agora em um pouco menos de 153 milhões. Uma parte desta descida deveu-se a uma revalorização para baixo do valor do património edificado, contabilisticamente feita em 2013. Curiosamente, o PÁGINA UM consegiu obter, através de consultas on-line, todos os relatórios da Misericórdia do Porto entre 2012 e 2023, com execpção do de 2013, onde se procedeu à tal revaloriação dos activos.

    Resultados líquidos (em euros) da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Fonte: Relatórios e contas de 2012 a 2023 (que contêm indicadores do ano transacto).

    Em todo o caso, se essa revalorização foi uma mera operação contabilística sem relação com a gestão, já os resultados sistematicamente negativos dizem respeito directo à Mesa Administrativa. Aliás, mostra-se surpreendente que o actual provedor António Tavares tenha ‘herdado’ em 2011 resultados transitados – ou seja, lucros de anteriores administrações – da ordem dos 34 milhões de euros. Em 12 anos de gestão, essas ‘reservas’ mais que desapareceram: os resultados transitados (incluindo aqui o prejuízo de 2023) são agora negativos em cerca de três milhões de euros. Ou seja, a provedoria de António Tavares é responsável por um período em que se perdeu cerca de 37 milhões de euros.

    Mas quem olhar para os gastos da Misericórdia do Porto não diria que se está em tempo de ‘vacas magras’ nem de contenção de despesas. Uma das rubricas que mais tem aumentado, mesmo com uma estabilização das receitas, é a dos fornecedores e serviços externos. Quando António Tavares entrou em 2011, estes gastos cifravam-se em 13,2 milhões de euros, e até desceram para 11,9 milhões em 2013. Porém, no ano passado ultrapassaram os 19,5 milhões de euros. A subrubrica mais relevante é a dos subcontratos, que rondavam os cinco milhões por ano entre 2011 e 2014, mas em 2023 ultrapassaram os nove milhões de euros.

    O PÁGINA UM pediu ao provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, um comentário sobre a situação financeira da instituição e que apontasse os principais motivos para esse desempenho, mas a resposta veio lacónica: “Entendemos que não nos devemos pronunciar a este propósito”.

    Eurico Castro Alves, preside ao Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos e também à Convenção Nacional da Saúde, e foi escolhido pela ministra da Saúde para coordenador do Plano de Emergência da Saúde, sendo também membro suplente da Mesa Administrativa da Misericórdia do Porto. Foto tirada numa acção de sensibilização dos ensaios clínicos promovida pela Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma).

    Também sucintas foram as respostas, apesar de diversas insistências, sobre as negociações em redor da criação do CAC do Porto como destino dos doentes não-urgentes. A SCMP garante que Eurico Castro Alves – que não respondeu às perguntas do PÁGINA UM – “não participou no processo de articulação para a implementação do CAC do Hospital da Prelada”. E também diz que não houve qualquer intervenção do Ministério das Finanças nem de Manuel Pinto Teixeira. A instituição diz que este seu mesário (administrador) não é gestor do Hospital da Prelada, embora no relatório e contas de 2023 essa unidade hospitalar esteja junto ao seu nome, indiciando encontrar-se sob sua tutela.

    De igual forma, e apesar de a Resolução do Conselho de Ministros que redefine as verbas a transferir para a Santa Casa da Misericórdia do Porto fazer referência ao CAC, esta instituição não quis adiantar pormenores do acordo nem dizer se haverá um acerto nas verbas a transferir pelo Governo em função dos doentes efectivamente atendidos no Hospital da Prelada.

    Em resposta ao PÁGINA UM, fonte oficial desta instituição afirmou apenas que “foi contratualizado pelo Governo um número diário de doentes a serem encaminhados para esta resposta via SNS, estando assim a nossa operação montada e preparada para diariamente assegurar este volume de atendimentos”. A Misericórdia do Porto adianta, em todo o caso, que entre 19 e 31 de Agosto foram atendidos 751 doentes não-urgentes, o que dá uma média diária de 58 atendimentos.

    Evolução dos fundos patrimoniais (em euros) da Santa Casa da Misericórdia do Porto. Fonte: Relatórios e contas de 2012 a 2023 (que contêm indicadores do ano transacto).

    Ora, se essa média se mantiver até ao fim do ano, e atendendo ao custo unitário anunciado pelo Governo para os CAC (45 euros por atendimento), a Resolução de Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro traz efectivamente um significativo ‘balão de oxigénio’ para as contas da Misericórdia do Porto, que se estima em mais de seis milhões de euros só para este ano. Isto porque o reforço da verba relativa a 2024, em comparação com a anterior decisão do Governo socialista, é da ordem dos 6,4 milhões de euros, uma vez que se passou de 30,3 milhões para 36,7 milhões de euros em 2023. Se se considerar que a média de atendimentos em Agosto (58 pessoas por dia) se manterá até Dezembro, o custo do CAC no Hospital da Prelada seria apenas de cerca de 350 mil euros. Mas mesmo que seja considerada uma média de 100 pessoas por dia, o reforço concedido por Luís Montenegro à Misericórdia do Porto por ‘obra e graça do Espírito Santo’, ou pelas tais ‘coincidências’, superará, ‘limpos’, mais de cinco milhões de euros.

    Uma coisa parece certa, depois da Resolução do Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro antes das férias brasileiras em casa do mesário-suplente da Misericórdia do Porto: com este bónus, a instituição nortenha deverá apresentar lucros pela primeira vez desde 2014. Mas não será pelo facto de os membros da Mesa Administrativa se terem tornado, de repente, bons gestores, mas sim por uma ‘ajuda de secretaria’. Excepto, claro, se se considerar que ser-se bom gestor é deter também capacidade de influência para receber dinheiros públicos sem prestar boas contas do seu uso.

    O PÁGINA UM pediu comentários ao primeiro-ministro Luís Montenegro sobre esta matéria, mas do seu gabinete não houve qualquer reacção.


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  • Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Não são apenas (umas poucas) vidas destruídas por sequelas associadas às vacinas contra a covid-19, como mostraram recentes reportagens dos canais televisivos TVI e CMTV. Na verdade, há muitas pessoas que perderam literalmente a vida de forma fulminante, cujos desfechos foram escondidos pelas autoridades, mais interessadas em atingir objectivos máximos de vacinação, estratégia defendida com ‘unhas e dentes’ pelo coordenador da ‘task force’ Gouveia e Melo. Em resultado de uma ‘luta’ de 32 meses, contra advogados pagos a ‘peso de ouro’ pelo Infarmed, o PÁGINA UM conseguiu um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul para aceder à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), mas o regulador do medicamento, presidido por Rui Santos Ivo, não o quer cumprir na íntegra. O Infarmed insiste em mutilar e omitir diversas variáveis, e ainda só disponibilizou os dados do primeiro ano do programa de vacinação. Mesmo assim, aquilo que já se vê é assustador: não apenas ocorreram mortes fulminantes, algumas poucos minutos após a administração das doses, como se salienta que as autoridades negligenciaram o apuramento das causas de muitas fatalidades, sendo provável um elevado grau de subnotificação. O PÁGINA UM revela, por agora, nesta notícia em edição especial, a ponta de um (escandaloso) icebergue.


    Diversas mortes fulminantes, conjugadas com escandalosas lacunas de informação – é este o retrato inicial da informação parcial disponibilizada pelo Infarmed integrada na base de dados das reacções adversas (Portal RAM) relativas às vacinas contra a covid-19. O regulador dos medicamentos, presidido por Rui Santos Ivo, viu-se obrigado por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) a permitir o acesso ao Portal RAM, mas intencionalmente optou por enviar apenas os dados do primeiro ano da campanha de vacinação, sendo notórias várias manipulações e ocultamentos em variáveis, entre as quais a data da administração e número do lote da vacina, a idade precisa das vítimas e sobretudo a causalidade (definitiva, provável, possível e improvável).

    Perante o incumprimento intencional do Infarmed – e até por via da recusa implícita do organismo estatal em realizar uma análise conjunta do Portal RAM com o PÁGINA UM a partir dos dados brutos – será solicitada a execução da sentença ao Tribunal Administrativo de Lisboa. Desde o primeiro requerimento do PÁGINA UM, e mesmo depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativo ter também considerado de relevante interesse público o acesso à base de dados anonimizados, já decorreram mais de 32 meses. Rui Santos Ivo, presidente do regulador desde 2019 – e com um percurso profissional sempre próximo do sector empresarial, tendo sido mesmo director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (2008-2011) – chegou a defender afincadamente em audiência no Tribunal Administrativo de Lisboa no início do ano passado a ocultação do Portal RAM, bastando, na sua óptica, os relatórios de farmacovigilância.

    Seguras e eficazes – assim foram sempre classificadas as vacinas contra a covid-19 pelas autoridades, que tudo têm feito para esconder a informação sobre reacções adversas.

    Em todo o caso, mostra-se de enorme gravidade a inexistência na base de dados do Infarmed de pormenores relevantes mesmo em desfechos fatais, nem se percebe se, no decurso do tempo, muitos outros casos evoluíram favorável ou desfavoravelmente. Certo é que no período compreendido entre 27 de Dezembro de 2020 – início da campanha de vacinação – e 6 de Dezembro de 2021, em que foram reportadas 27.220 reacções adversas, das quais 7.110 classificadas como graves, nem os casos de morte foram alvo de particular investigação.

    Com efeito, a base de dados gerida pelo Infarmed – e que possibilita actualizações posteriores por médicos notificadores –, indica a ocorrência de 104 mortes durante o primeiro ano de vacinação, mas em cerca de quatro dezenas nem sequer é indicado o período desde a administração da vacina e o desfecho fatal. Porém, em diversos casos, surge a indicação de mortes absurdamente fulminantes. Por exemplo, identificada como o caso 23897, uma mulher com mais de 80 anos sucumbiu de ataque cardíaco apenas dois escassos minutos após receber a vacina da Pfizer (Comirnaty) em 18 de Outubro de 2021. Pouco mais durou um idoso da mesma faixa etária, identificado como a reacção 27033: após lhe administrarem também a vacina da Pfizer (Comirnaty), em 4 de Dezembro de 2021, morreu ao fim de 15 minutos com um tromboembolismo pulmonar.

    Em apenas 30 minutos morreu, em 6 de Abril de 2021, uma mulher com idade entre os 65 e os 79 anos, identificada como caso 8712, depois de receber a vacina da AstraZeneca. E somente uma hora ‘sobreviveu’ o caso 7486: uma morte súbita ‘levou’ um homem com idade entre os 65 e os 74 anos depois de lhe ser administrada uma vacina cuja marca, estranhamente, nem sequer surge no Portal RAM – e nem sequer o Infarmed pareceu preocupado em saber.

    Primeiro vacinado em Portugal, no dia 27 de Dezembro de 2020, foi António Sarmento, director do serviço de Infecciologia do Hospital de São João, no Porto. Primeira morte por reacção adversa foi registada no portal do Infarmed em 15 de Janeiro de 2021. Num mês estavam cinco, algumas de forma fulminante.

    Em duas ou menos horas estão identificadas mais três mortes: o caso 1062 (mulher com mais de 80 anos, por dispneia, em 21 de Janeiro de 2021); o caso 5987 (mulher com idade entre os 65 e 79 anos, por ataque cardíaco, em 30 de Março de 2021); e o caso 6675 (homem com idade dos 50 aos 64 anos, por choque anafilático, em 8 de Abril de 2021). Com desfecho fatal entre duas horas e menos de dois dias, o PÁGINA UM contabilizou mais 24 mortes, quase todas associadas a distúrbios cardiovasculares.

    Também se mostra surpreendente a ausência de informação recolhida – ou então ilegalmente escondida ao PÁGINA UM pelo Infarmed – sobre mortes de pessoas de menor idade. No ficheiro ‘mutilado’, estão reportadas nove mortes de pessoas com idade entre os 25 e 49 anos, uma faixa onde a covid-19 constituía um perigo real bastante reduzido. Ora, em cinco destas mortes (casos 200, 11860, 13665, 25779 e 26408) nem sequer se registou a duração da reacção até ao desfecho fatal.

    Nem sequer se considerou alarmante que a primeira destas mortes, em faixas mais jovens (25-49 anos), tenha ocorrido logo na primeira fase, vitimando uma mulher no primeiro dia do ano de 2021, surgindo somente a referência a ter sido uma morte súbita. Neste grupo de vítimas mais jovens, alguns das causas de morte estão em linha com alguns distúrbios compatíveis com reacções adversas das vacinas contra a covid-19 confirmadas pela Ciência ao longo dos últimos anos. Por exemplo, o caso 18448 diz respeito à morte de um homem nesta faixa etária que foi acometido de trombocitopenia imune somente 24 horas depois de lhe ser administrada a vacina da Janssen. Já uma mulher do mesmo grupo etário morreu em Agosto de 2021 depois de sofrer um choque anafilático seis horas após receber uma dose da vacina da Pfizer, acabando por sucumbir de ataque cardíaco.

    Ainda mais complexa, e agonizante, foi a morte de um homem desta faixa etária a quem, três dias após receber a vacina da Pfizer, foi diagnosticada uma miocardite, seguindo-se um acidente vascular cerebral grave e uma trombose arterial. Morreu passado mais três dias, em 26 de Novembro de 2021, de ataque cardíaco.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed desde 2019: somente pela protecção política de que goza se pode justificar que continue, mesmo com um acórdão do Tribunal Administrativo, a recusar divulgar dados oficiais relevantes para a aplicação do conceito de consentimento informado.

    O PÁGINA UM continuará a analisar o Portal RAM, a pressionar o Infarmed a cumprir o acórdão do Tribunal Administrativo, e a fazer um levantamento das reacções adversas mais graves causadas pelas vacinas da covid-19 no espaço europeu, através de um levantamento exaustivo e rigoroso da informação da EudraVigilance, a base de dados da Agência Europeia do Medicamento.

    Destaque-se, no entanto, e desde já, que não existe nenhum outro medicamento autorizado que actualmente apresente tantas vítimas por efeitos adversos, mantendo-se um estranho alheamento com vista a uma necessária análise ética e política sobre os programas de vacinação contra a covid-19, que inclua uma avaliação do custo-benefício por grupo etário e por grau de vulnerabilidade. E, sobretudo, com a transparência exigida para que haja um verdadeiro (e sem pressão) consentimento informado, assumindo o Estado – já que as farmacêuticas obtiveram isenções de responsabilidades da Comissão von der Leyen – os apoios e indemnizações por danos causados durante os programas (quase impostos) de vacinação.

    N.D. A ‘luta’ do PÁGINA UM nos tribunais administrativos, neste processo contra o obscurantismo do Infarmed, e noutros, somente tem sido possível em virtude dos apoios individuais dos leitores, através de donativos específicos para o FUNDO JURÍDICO.


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  • ‘Máfia dos testes’ teve reuniões com membros do Governo e recebeu ‘luz verde’ nos preços

    ‘Máfia dos testes’ teve reuniões com membros do Governo e recebeu ‘luz verde’ nos preços

    Foi uma reunião com três secretários de Estado, incluindo Lacerda Sales, que deu o ‘pontapé de saída’ para um processo de cartelização de preços dos testes de detecção da covid-19 nas escolas que resultou num encargo público de quase 30 milhões de euros. O PÁGINA UM analisou em detalhe o processo da Autoridade da Concorrência (AdC), onde se mostram comunicações e actas, e os 163 ajustes directos celebrados pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), concluindo que o preço concertado foi aquele que consta em todos os contratos. O Ministério da Saúde inicialmente propunha 15 euros como preço unitário, mas a Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL) conseguiu subir para os 20 euros com a concordância do Governo. Também fica patente que os dirigentes associativos estiveram a fazer ‘lobby’ pessoal: as empresas dos sete dirigentes amealharam 82% do valor dos contratos. Foram apenas essas as empresas multadas agora pela AdC por cartelização, uma prática usual em associações mafiosas.


    O Governo, através da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), foi conivente e mesmo colaborativo na concertação de preços por parte dos principais laboratórios para a testagem massiva de alunos com vista à detecção da covid-19 durante a pandemia, prática alvo de um processo instaurado pela Autoridade da Concorrência (AdC) que levou à aplicação de coimas de quase 57,5 milhões de euros.

    Chegou a haver mesmo uma reunião preparatória em 25 de Fevereiro de 2021 entre dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL), altos dirigentes da Administração Pública e membros do Governo, nomeadamente Lacerda Sales (secretário de Estado Adjunto e da Saúde), Inês Ramires (secretária de Estado da Educação) e Rita da Cunha Mendes (secretária de Estado da Acção Social), onde se debateu, entre outros aspectos, a capacidade máxima dos laboratórios existentes em Portugal para colheita com vista à testagem massiva em escolas e creches sem passar por qualquer procedimento contratual normal. A referência à reunião com os membros do Governo consta na página 203 da Decisão do Conselho da AdC de 17 de Julho, revelada esta quarta-feira.

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    Além das sucessivas reuniões e trocas de mensagens entre os dirigentes da ANL – algumas das quais citadas pela AdC no seu processo –, os Ministérios da Educação e da Saúde, neste caso a partir dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, acabaram por concordar com a concertação de preços, que ficou nivelado nos 20 euros por teste, e com a distribuição das análises a executar pelos diversos laboratórios, sugeridos pela própria ANL.

    Tanto assim que nem sequer a DGEstE lançou qualquer concurso público ou fez um procedimento de consulta prévia, optando sempre por ajustes directos para o programa de testagem. As campanhas de testagem massiva em escolas e creches decorreu até Janeiro de 2022, em dois varrimentos: o primeiro, para o ano lectivo 2020/2021, decorreu entre Março e Julho de 2021, em oito fases, e o segundo, para o ano lectivo 2021/2022, entre Setembro de 2021 e Janeiro de 2022, em quatro fases, tendo ficado prevista a realização de mais de 1,4 milhões de testes.

    De acordo com uma análise do PÁGINA UM no Portal Base, a DGEstE estabeleceu ao longo de 2021, para testagens específicas a alunos, um total de 163 ajustes directos, invariavelmente ao preço unitário de 20 euros, envolvendo 29,3 milhões de euros. Apesar de se contabilizarem 63 laboratórios a beneficiar destes contratos leoninos, que por terem tido preços exagerados penalizaram o erário público, cerca de 82% deste ‘bolo’ ficou em apenas seis empresas, todas alvo da mira e sanções da AdC.

    Lacerda Sales foi um dos secretários de Estado presentes numa reunião com dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos que deu início ao processo de cartelização de preços penalizado agora pela Autoridade da Concorrência.

    Três destas empresas de laboratórios clínicos ficaram com mais de 5 milhões de euros em ajustes directos: a Dr. Joaquim Chaves, com 5.311.2380 euros; a Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa, com 5.260.800 euros; e Hormofuncional, do Grupo Affidea, com 5.076.580 euros. Acima de um milhão de euros encontram-se mais três empresas: a Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, do Grupo Unilabs, com 3.674.600 euros; a Synlabhealth, do Grupo Synlab, com 3.537.940 euros; e a Labeto, com 1.1270.040 euros.

    Esta concentração elevada (ajustes directos de quase 24 milhões de euros), beneficiando tão poucas empresas, não esteve apenas relacionada com a sua dimensão, mas sobretudo com o facto de as negociações para o estabelecimento dos preços e demais combinações terem sido realizadas pelos dirigentes da ANL que são simultaneamente gestores de topo das principais empresas beneficiadas pelos testes pagos pela DGEstE.

    Com efeito, o presidente da ANL é Pedro Oliveira, CEO da Synlab, empresa que decidiu pagar voluntariamente uma coima de 5 milhões de euros aplicada pela AdC. Os dois vice-presidentes da associação, Joaquim Paiva Chaves e Paulo Marques, são, respectivamente, CEO da empresa homónima (que recebeu uma coima de 11,5 milhões de euros) e director executivo comercial da Unilabs (que decidiu, também voluntariamente, pagar já a coima de 3,9 milhões de euros aplicada à sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres). Por sua vez, o tesoureiro da ANL, Miguel Santos, é CEO da Affidea Portugal, que detém a Hormofuncional, a quem a AdC aplicou a maior coima: 26,1 milhões de euros.

    Quanto à secretária da direcção da associação, Maria João Tomaz é administradora do Grupo Beatriz Godinho Saúde, que detém a Labeto, empresa a quem se aplicou uma coima de 1,4 milhões de euros. De entre os dois vogais da ANL está José Germano de Sousa, filho do antigo bastonário da Ordem dos Médicos que fundou uma das mais conhecidas e lucrativas redes de análises clínicas. O Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa – que contabilizou, segundos cálculos do PÁGINA UM com base nas contas do triénio anterior à pandemia, lucros acrescidos de quase 62 milhões de euros – recebeu a ‘notícia’ de ter de pagar agora uma coima de 9,3 milhões de euros por cartelização.

    Na lista dos dirigentes da ANL ainda consta, como vogal, Gizela Santos, que também beneficiou directa e indirectamente dos contratos negociados entre a associação do sector e a Administração Pública, mas em menores montantes. Gizela Santos é presidente da administração da Laboratório de Análises Clínicas Dr. J. Leitão Santos e também da Redelab, que tem parcerias com diversos outros laboratórios, que beneficiaram de ajustes directos num total a rondar os 600 mil euros. Em todo o caso, a Redelab acabou por ver a AdC aplicar-lhe duas coimas, uma de 100 mil e outra de 200 mil euros.

    O longo processo da AdC detalha, embora com algumas rasuras por alegada confidencialidade, vastos pormenores das negociações e da forma como, internamente, os dirigentes da ANL, e simultaneamente gestores de topo dos principais laboratórios, negociaram entre si os preços e distribuição dos testes, e portanto dos montantes a arrecadarem de dinheiros públicos por parte das suas empresas.

    Numa das mensagens interceptadas pela AdC, Joaquim Chaves aborda a questão de o Ministério da Saúde ter manifestado, na tal reunião de Fevereiro de 2021, que “esperava um preço na ordem dos 15 euros”. “Deixámos claro que tal como na primeira fase”, escreveu aos seus ‘colegas’ da ANL (e concorrentes), “há um preço só para colheita que não poderá ser abaixo dos 10 euros. Agora teremos que determinar a que preços venderemos os testes. Pessoalmente acho que devemos estar alinhados e não concordo, nada, que numa fase destas cada um tente ir por si conquistar mercado com preços”. E colocava também como se deveria fazer “o levantamento” dos laboratórios que deveriam envolver, mostrando preocupação sobre como fazer “a distribuição geográfica sem que isto se torne uma batalha campal ‘entre aliados’”.

    Testagem em escolas para apanhar assintomáticos começou em Janeiro de 2021 e prolongou-se até início do ano seguinte.

    O preço final, combinado e acordado pelos dirigentes e empresários, ficaria decidido logo no dia 26 de Fevereiro de 2021. Em acta da ANL, com a presença de todos os gestores das empresas agora multadas pela AdC, fixou-se o seguinte, preto no branco: “Relativamente aos preços a praticar, considerando os volumes e economia de escala antecipados, foi consensual o valor a apresentar, de vinte euros, por teste (líquido). Será enviada circular aos associados solicitando [que] nos indiquem se estão interessados e com disponibilidade, que capacidade têm instalada e em que regiões do continente têm cobertura”. A AdC comprovou que os associados da ANL que não estavam representados na direcção estiveram alheados desta cartelização que beneficiou quase em exclusivo as empresas que ficaram com o maior ‘bolo’ deste negócio.

    O valor de 20 euros por teste recebeu explicitamente a concordância do Governo, e tal não se mostrava necessário mesmo se o ajuste directo foi permitido durante a pandemia para qualquer valor de aquisição. Mesmo que tivesse em causa uma urgência imediata, a Administração Pública poderia (e talvez devesse) fazer uma consulta independente ao mercado para definir um preço negocial. Mas optou-se por nunca fazer concurso público nem uma consulta prévia do mercado, sendo evidente que o Governo, iniciando este processo – que a AdC considera de cartelização – envolvendo reuniões com dirigentes da ANL (e simultaneamente gestores de topo de laboratórios relevantes) em que intervieram três secretários de Estado, deram implicitamente ‘carta branca’ para se concertarem e estabelecer um preço unitário elevado.

    Certo é que, sem excepção, o preço unitário de 20 euros é o que consta em todos os 163 contratos por ajuste directo celebrados pela DGEstE, desde o maior, assinado em Abril de 2021 pela Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, no valor de 2,96 milhões de euros, até ao menor, assinado em Setembro desse ano com um pequeno laboratório de Coimbra, no valor de 760 euros. Convém referir que nem todos os contratos foram integralmente executados, uma vez que acabaram, em muitos casos, por serem realizados menos testes que os previstos.

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    A existência desta concordância entre o Governo e os processos de cartelização dos principais laboratórios, através da ANL, fica também patente numa tentativa de ser aumentado ligeiramente o preço unitário em 1 euro, o que resultaria em quase 1,5 milhões de euros de receitas adicionais para os laboratórios. No processo, a AdC salienta que, em resposta a esta tentativa de rectificação do preço por um dos dirigentes não identificados da ANL, o director-geral da DGEstE respondeu o seguinte: “Na reunião ficou também clarificado que recebendo nós essas listagens [dos laboratórios disponíveis], todo o trabalho logístico, conforme disponibilidade da SPMS, de cruzamento de capacidade de testagem e necessidades (construção do cronograma – matching) ficaria com eles. Razão pela qual, na própria reunião, tendo eu identificado os 20€/teste, não houve sequer lugar a debate sobre esse número. O preço acordado são os 20€/teste”.

    Por tudo isto, se se mostra evidente a cartelização dos testes por parte dos laboratórios dos dirigentes da ANL, penalizados pela AdC, tal só foi possível com a conivência, concordância e aprovação da Administração Pública e do próprio Governo, que não apenas reuniram com cartelistas como aceitaram negociar com gestores de topo de empresas agora multados em 57,5 milhões de euros por causarem prejuízo ao erário público. Saliente-se ainda que a testagem em escolas teve uma taxa de positividade inferior a 0,1%, não havendo registo de qualquer aluno do ensino básico e secundário que tenha falecido devido à covid-19. No entanto, sempre que era detectado um único caso positivo numa escola chegou a ser determinado o isolamento profiláctico de toda a turma.

    N.D. Pode consultar AQUI a lista discriminada dos ajustes directos e os montantes recebidos por cada empresa pela testagem nas escolas.


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  • ‘Máfia dos testes’: o crime compensou, e muito

    ‘Máfia dos testes’: o crime compensou, e muito

    Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM já escrevia sobre os lucros pornográficos dos laboratórios de análises clínicas só por causa dos ‘testes covid’, mas tudo andava a ser ‘turbinado’ por esquemas de cartelização típicas das famílias mafiosas como se vêem nos filmes, mas estas de ‘bata branca’ com uma associação a servir de charneira. Agora que a Autoridade da Concorrência aplicou coimas históricas a grupos laboratoriais a operar em Portugal, o PÁGINA UM foi ver a ‘mossa’ que vai causar às contas de uma das mais importantes empresas deste sector, e concluiu que o ‘crime’ compensou: o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa foi condenado a uma coima de 9,3 milhões de euros, mas no triénio da pandemia (2020-2022) registou acréscimos de lucros da ordem dos 62 milhões de euros. Os capitais próprios da empresa fundada pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos mais que quadruplicaram entre 2019 e 2022, situando-se em quase 36 milhões de euros.


    Haverá, por certo, nos próximos dias, ‘vestes rasgadas’ dos laboratórios, a clamar inocência e choque, por hoje terem sido condenadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) a pagar coimas no valor total de 48,61 milhões de euros devido a esquemas de cartel que operam no mercado português entre, pelo menos, 2016 e 2022, e que atingiu o seu auge durante a pandemia com os testes PCR e antigénio de detecção do SARS-CoV-2. Mas a verdade é cristalina: mesmo parecendo haver mão pesada, o crime mais do que compensou: os milhões eventualmente perdidos em coimas não beliscam lucros fabulosos daquilo que pode vir a ficar conhecido por ‘Máfia dos Testes’.

    Um dos casos mais evidentes passa-se com o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, fundado pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos, que viu na covid-19 uma espantosa oportunidade de negócio, ainda mais potenciada pelos esquemas agora denunciados e penalizados pela Autoridade da Concorrência. Mesmo sendo certo que existia já cartelização antes da pandemia, nomeadamente em análise de vitamina D, foi nos testes à covid-19 que os laboratórios de Germano de Sousa, e todos os outros singraram.

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    De acordo com as demonstrações financeiras da empresa do antigo bastonário, antes da covid-19 a situação não era nada má: as vendas e prestações de serviços no triénio pré-pandemia (2017-2019) tinham sido de 29,1 milhões, 30,5 milhões e 35,7 milhões de euros, respectivamente, que resultaram em lucros líquidos de 3,7 milhões, quase 3,9 milhões e 8,1 milhões de euros, respectivamente. A margem de lucro líquida andava próxima dos 13% em 2017 e 2018, e subira para 17% em 2019.

    Com a covid-19, a história foi outra: para melhor, na perspectiva da empresa; para pior, na perspectiva dos dinheiros públicos. Com efeitos, as receitas do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa dispararam literalmente, e ainda mais os lucros. Em 2020, a empresa mais que duplicou a facturação face ao ano anterior, com 74,4 milhões de euros, obtendo um lucro de 23,3 milhões de euros e uma margem de lucro líquida de 31%. Ou seja, os testes vendiam-se com elevadíssima margem. Em 2021, as receitas chegaram a uns impressionantes 115,4 milhões de euros e lucros de 35,1 milhões de euros, ou seja, de quase seis vezes o valor de 2019. Em 2022, os resultados decaíram um pouco, para os 17,1 milhões de euros, em virtude da retracção das vendas de testes (as receitas baixaram para os 78 milhões de euros) mas mesmo assim bem superior aos lucros do triénio de 2017-2018.

    Na verdade, mostra-se impressionante comparar os lucros da empresa de Germano de Sousa no período pré-pandemia (2017-2019) com o período da pandemia (2020-2022): lucros acrescidos de 61.927.101 euros, ou seja, foi o ‘lucro da pandemia’ só para esta empresa, que agora viu ser-lhe aplicada uma coima de 9,3 milhões de euros. Contas feitas, fica um ‘saldo’ confortável de quase 52 milhões de euros a acrescer aos lucros expectáveis. Quem ganhou foram os capitais dos accionistas, que passaram de 7,9 milhões em 2019 para os quase 35,6 milhões em 2022. Ou seja, mais do que quadruplicaram.

    (Foto: D.R./Germano de Sousa)

    Com as devidas proporções, associadas aos volumes de negócios, os outros laboratórios terão tido um comportamento e sucessos similares, até por haver uma estreita relação quer na definição de preços quer na quota de mercado. Segundo o processo da AdC, “as visadas Affidea [Hormofuncional e Alves & Duarte], Germano de Sousa, Joaquim Chaves, Redelab, Beatriz Godinho e ANL [Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos] agiram deliberadamente, de forma ilícita e culposa, com manifesto dolo, implementando um acordo suscetível de consubstanciar uma infração por objeto ao direito da concorrência”.

    De acordo com a decisão tornada hoje pública, a Hormofuncional/Alves & Duarte (grupo Affidea) foram condenadas a pagar uma coima de 26,1 milhões de euros, a coima aplicada à Joaquim Chaves foi de 11,5 milhões de euros, a Germano de Sousa terá de pagar 9,3 milhões de euros, a Labeto 1,4 milhões de euros, a Redelab (e Jorge Leitão Santos) 300 mil euros e a ANL 10 mil euros.

    A AdC adiantou que a presente decisão anunciada hoje “foi precedida por duas decisões condenatórias no mesmo processo, adotadas em 21 e 26 de dezembro de 2023, que resultaram do recurso ao procedimento de transação por parte de dois grupos laboratoriais multinacionais”. Através da adesão ao procedimento de transação, estas empresas “abdicaram de contestar a imputação da AdC e procederam ao pagamento voluntário das coimas aplicadas no valor global de €8.900.000, tendo optado por colaborar com a investigação e fornecer à AdC prova relevante da existência das práticas anticoncorrenciais em causa”.

    Existem dois acordos individuais que identificam a Synlab e a Unilabs como as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas, respectivamente de 5 milhões e 3,9 milhões de euros. No caso da Unilabs, a coima diz respeito à actuação da sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres.  

    Uma vez que o processo teve origem em pedido de dispensa ou redução da coima ao abrigo do Programa de Clemência, foi concedida dispensa da coima à Affidea BV, que denunciara o esquema e que cumpria todos os requisitos aplicáveis. Segundo o regulador, a empresa Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, uma das empresas que recorreu ao procedimento de transação, “beneficiou ainda de uma redução adicional da coima ao abrigo do Programa de Clemência”.

    Ou seja, no conjunto, “este processo envolveu um total de sete grupos laboratoriais e uma associação empresarial, com um total de coimas aplicadas de €57.510.000, dos quais €8.900.000 foram voluntariamente pagos”.

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    Graças ao esquema, salienta a AdC, “a taxa de crescimento anual do volume de negócios agregado na prestação de análises clínicas em território nacional em 2020 e 2021, correspondente ao período da pandemia, por parte dos grupos laboratoriais visados foi entre 50 e 60% em cada um dos anos”. Não admira, só o Serviço Nacional de Saúde comparticipou 40 milhões de testes até finais de Março de 2022.

    A combinação entre os laboratórios teve impacto significativo no preço unitário dos testes em Portugal. O regulador recorda que “em Setembro de 2020, o valor os testes covid (PCR) estavam, em Portugal, ao nível dos preços na Europa”, mas “em Junho de 2021, Portugal era o país da Europa com o preço por teste covid mais alto da Europa”. 

    Apesar da decisão de hoje, este caso remonta a Fevereiro de 2022, quando a Concorrência procedeu à abertura de inquérito na sequência de a decisão de “um pedido de dispensa ou redução da coima referente à existência de um conjunto de práticas” irregulares, mas sem haver então muitos elementos.  Posteriormente, outro laboratório pediu clemência. Em Março de 2022, a AdC chegou a realizar diversas diligências de busca e apreensão na sede das empresas visadas, em Lisboa e no Porto. No entanto, o PÁGINA UM já escrevera em Dezembro de 2021 sobre os pornográficos lucros da laboratório de Germano de Sousa e também de Joaquim Chaves.

    Segundo a AdC, o cartel forjado entre os laboratórios e com a participação da Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos procedeu à “fixação dos preços aplicáveis e a repartição geográfica do mercado de prestação de análises clínicas e de fornecimento de testes covid-19”. A Concorrência concluiu ainda que a “a concertação entre os cinco laboratórios ter-lhes-á permitido aumentar o seu poder negocial face às entidades públicas e privadas com as quais negociaram o fornecimento de análises clínicas e de testes COVID-19, levando à fixação de preços e de condições comerciais potencialmente mais favoráveis do que as que resultariam de negociações individuais no âmbito do funcionamento normal do mercado, impedindo ou adiando a revisão e a redução dos preços”.

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    “A partir de Março de 2020, os laboratórios visados concertaram entre si os preços para o fornecimento de testes covid aos utentes do SNS e da ADSE e impuseram-nos nas negociações com a tutela”, refere a AdC no comunicado. Adianta que “os laboratórios visados ameaçaram, aliás, a tutela com um boicote ao fornecimento de testes covid em represália contra as atualizações (reduções) dos preços convencionados”.

    De acordo com a AdC, a ANL teve um “papel determinante” na formação do cartel, visto que “o acordo em que estiveram envolvidos os laboratórios Affidea, Joaquim Chaves, Germano de Sousa, Beatriz Godinho e Redelab, foi facilitado por esta associação a pretexto da respetiva atividade, alavancando-se os laboratórios visados no exercício de cargos de Direção na associação”.

    Segundo o processo, a ANL – que só apanhou uma coima de 10 mil euros – foi crucial para a viabilização dos contactos entre os laboratórios visados, com a associação a actuar como um “elemento facilitador” da “formação de consensos que se concretizaram designadamente, na fixação de preços e na repartição do mercado entre as demais visadas, bem como na transmissão das posições acordadas às entidades com as quais, nas várias circunstâncias descritas nesta Decisão, foi negociada a prestação de análises clínicas/patologia clínica”.

    Dos laboratórios, “as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa desempenharam um papel de destaque, estando diretamente envolvidas na quase totalidade dos comportamentos identificados, ao contrário das visadas Redelab e Beatriz Godinho”.

    Os “os elementos probatórios juntos aos autos indiciam que as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa, que integram o grupo de laboratórios privados com maior capacidade de produção e rede de colheitas, integram um grupo de laboratórios privados representados na Direção ANL mais restrito que manteve um grau de proximidade maior entre si e uma cooperação mais estreita, levando a que, muitas vezes, estes laboratórios beneficiassem dos resultados da colusão em detrimento dos demais laboratórios visados”.

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    Mas a AdC destaca, na sua decisão, que “cumpre fazer uma distinção entre o grau de participação da Germano de Sousa e o grau de participação das visadas Affidea e Joaquim Chaves”. Assim, “embora a Germano de Sousa tenha estado diretamente envolvida” na formação do cartel, “cumpre constatar que o seu grau de envolvimento é menor face ao envolvimento das visadas Affidea e Joaquim Chaves, na medida em que, embora fosse consultada pela Direção ANL e convidada para as respetivas reuniões em data anterior a 18.07.2018, manifestando o seu alinhamento com os consensos alcançados”, a AdC observou que “a Germano de Sousa tem intervenção em menos conversações, só tendo sido nomeada vogal da Direção ANL nessa data”.

    A decisão final da AdC é ainda susceptível de recurso de impugnação judicial e não se encontra ainda transitada em julgado. A ANL anunciou, através de um comunicado citado pelo Eco, que vai recorrer da decisão da Concorrência, manifestando “o seu total desacordo e indignação” face à decisão da AdC e defendendo que esta é “caracterizada por erros factuais e de direito” e “representa um grave atentado à justiça e à integridade do setor convencionado da saúde em Portugal”.

    N.D.: Notícia actualizada às 21H20 do dia 25 de Julho com mais informação sobre as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas e as duas empresas que pediram dispensa ou redução de coima.


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  • Pseudo-auditoria da BDO tenta limpar ilegalidades de campanha gerida por conta pessoal da ministra da Saúde e de deputado do PSD

    Pseudo-auditoria da BDO tenta limpar ilegalidades de campanha gerida por conta pessoal da ministra da Saúde e de deputado do PSD

    Só faltava mesmo uma auditoria para ‘limpar’ a imagem de uma estranha campanha de solidariedade que, durante a pandemia, catapultou a imagem de Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde, e de Miguel Guimarães, actual vice-presidente da bancada social-democrata. A consultora BDO prestou-se a fazer uma prestação de serviços às Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos – que nem sequer está registada no Portal Base – para ‘comprovar’ que estava (quase) tudo bem numa campanha que envolveu cerca de 1,4 milhões de euros. Só encontrou um minúsculo desvio não-justificado de 18 mil euros, mas convenhamos que também não se procurou muito: a auditoria não viu (ou não quis ver) que a conta bancária (que até identifica) não era uma conta oficial de qualquer das Ordens profissionais, mas sim de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. E, sem ver isso, também não viu fugas ao Fisco (não-pagamento de imposto de selo) nem omissões ao Ministério da Administração Interna, nem contabilidade paralela com possível criação de um ‘saco azul’ nem falsas declarações sobre os doadores por parte dos beneficiários. E era tão fácil ver: hoje mesmo, o PÁGINA UM confirmou, através de donativos simbólicos, que a conta usada na campanha ‘Todos por quem cuida’ continua a ter Miguel Guimarães como beneficiário e que uma conta oficial da Ordem dos Médicos indica, como deve ser, apenas a Ordem dos Médicos como beneficiária.


    A consultora BDO prestou-se a elaborar uma auditoria à campanha de solidariedade ‘Todos por uma causa’ – que, durante a pandemia, geriu cerca de 1,4 milhões de euros provenientes sobretudo da indústria farmacêutica – sem sequer detectar (ou ter pretendido detectar) que todos os fluxos financeiros se processaram usando uma conta particular detida pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo deputado do PSD Miguel Guimarães, que então ocupavam os cargos de bastonários da Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente. Com essa inexplicável ‘cegueira’, surpreendente numa reputada consultora registada na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e na Ordem dos Revisores Oficiais de Contas (OROC), o aspecto mais grave detectado foi ‘apenas’ uma “diferença não justificada de 18.787 euros entre o somatório das aquisições efectuadas […] com os donativos em dinheiro […] e os valores entregues às entidades beneficiárias”.

    De fora, ficou assim – tentando lançar um ‘lençol de legalidade’ – um vasto conjunto de ilegalidades e irregularidades desta campanha, logo detectadas pelo PÁGINA UM após uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa ter obrigado em finais de 2022 as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos a revelarem a documentação desta campanha. Aliás, a própria auditoria da BDO, agora revelada pelo PÁGINA UM, também somente foi acedida por determinação de nova sentença do Tribunal Administrativo, já do presente ano, uma vez que Carlos Cortes, o bastonário da Ordem dos Médicos que substituiu Miguel Guimarães em 2023, não aceitou entregar voluntariamente o documento, concretizado sem sequer ser conhecido um contrato público, uma vez que não existe qualquer registo no Portal Base.

    Ana Paula Martins e Miguel Guimarães foram protagonistas de uma campanha solidária cheia de irregularidades e ilegalidades que a BDO quis ‘limpar’ com uma pseudo-auditoria (D.R./Ordem dos Médicos)

    Apesar da suposta bondade desta campanha – atribuir sobretudo material e equipamentos de protecção contra a covid-19 a instituições de solidariedade social e unidades hospitalares –, de entre as irregularidades e ilegalidades detectadas pelo PÁGINA UM  incluem-se contabilidade paralela, fuga ao fisco e falsas declarações para obtenção de benefícios fiscais e facturas falsas.

    Criada logo no início da pandemia em Portugal, a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, e que serviria numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.

    Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.

    E foi aqui que começaram as irregularidades. Ao invés da conta solidária ser assumida pelas duas ordens profissionais – ou apenas por aquela com maior protagonismo, a Ordem dos Médicos – foi decidido que a conta com o NIB 003506460001766293021, aberta no balcão da Caixa Geral de Depósitos na Portela de Sacavém seria titulada por três pessoas: José Miguel Castro Guimarães, Ana Paula Martins Silvestre Correia e Eurico Castro Alves.

    Ora, a pseudo-auditoria da BDO confirma o NIB (e IBAN) usado, referindo que “foi criada uma conta destinada a receber, através de depósito directo ou por transferência, os donativos angariados com o IBA P50 0035 0646 0001 7662 9302 1”. Porém, o documento assinado por Ana Gabriela Barata de Almeida (ROC nº 1366, inscrito na CMVM sob o nº 201606976, em representação da BDO & Associados – SROC) não se debruça nem uma linha no aspecto essencial: essa conta não era nem da Ordem dos Médicos nem da Ordem dos Farmacêuticos nem da própria Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), que se associou à campanha.

    Não se diga que essa pesquisa era complexa. Na verdade, é pública e confirmável: hoje mesmo, o PÁGINA UM procedeu a uma transferência simbólica (1 euro) para esse IBAN, que pertence a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, onde surge, como primeiro beneficiário “José Miguel R Castro Guimarães”. A actual ministra é (era) co-titular desta conta particular, havendo ainda outro co-titular, Eurico Castro Alves, ex-secretário de Estado da Saúde do PSD e actual coordenador do Plano de Emergência de Saúde. A conta era movimentada com duas assinaturas. A actual ministra assinou diversas ordens de pagamento.

    Para que não haja dúvidas sobre a contabilidade paralela desta campanha solidária, o PÁGINA UM procedeu também hoje a uma transferência simbólica (1 euro) para o IBAN de uma das contas da Ordem dos Médicos, usada pela secção Sul desta instituição no Millenium BCP. E esta conta tem, obviamente, como único beneficiário a Ordem dos Médicos, e não o nome do bastonário ou de outro qualquer responsável. Por regra, são depois documentos internos que indicam quem pode movimentar a(s) conta(s) institucional(is), e seria no mínimo irregular que housse pagamentos de terceiros ou contas abertas por outras entidades ou pessoas para pagar facturas de prestação de serviços ou aquisição de bens requeridas pela Ordem dos Médicos.

    Dossiers com documentos da campanha ‘Todos por quem cuida’, consultados pelo PÁGINA UM depois de uma primeira sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Como a BDO não tomou sequer diligências sobre a existência de uma conta particular a gerir uma campanha, fez assim vista grosa a uma catadupa de ilegalidades e irregularidades, mesmo tendo-se debruçado em supostas “verificações factuais”, designadamente a confirmação da entrada das receitas angariadas na conta bancária, a conformidade com a regulamentação das acções de beneficência, as declarações emitidas aos doadores e de procedimentos de aquisição e entrega de bens, dando-lhes uma cobertura de aparente legalidade.

    Nada mais falso.

    Sendo que a conta da campanha “Todos por quem cuida” não era institucional – mas sim de três pessoas, independentemente dos cargos ocupados –, o pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna para a angariação de fundo omitiu o facto de que o NIB em causa não ser das entidades oficiosamente promotoras: a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticas. Aliás, foram indicadas no final do pedido duas contas que nunca foram usadas na angariação, e que efectivamente pertencem a estas duas instituições. Ambas as contas (com o NIB 000334778686020 e o NIB 000000182339728) estão no Santander, sendo tituladas, respectivamente, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticas.

    A razão para não serem usadas contas oficiais de qualquer uma das ordens nunca foi dada, mas certo é que o Ministério da Administração Interna foi iludido, Além disso, o pedido de autorização apenas foi feito em 27 de Julho de 2020, quando a angariação de donativos para a conta paralela se iniciara em 6 de Abril daquele ano, ou seja, mais de três meses antes. Com efeito, à data do pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna já a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves tinha um saldo de 716.501,51 euros. Por lei, a angariação deve ser precedida da autorização ministerial.

    Pedido de autorização para angariação de donativos omite que a conta solidária não era titulada pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos. Nunca foi explicada opção por uma conta não-oficial, que permitiu uma contabilidade paralela cheia de irregularidades e ilegalidades.

    Por outro lado, nessas circunstâncias jamais se poderia aplicar a lei do mecenato ou outro tipo de benefício, porque em termos formais estava-se perante uma recolha de donativos por três pessoas, inexistindo uma justificação lógica (ou ilógica) para não se ter procedido sequer a qualquer correcção. Nessa medida, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente o imposto de selo no valor de 10% de todos os donativos recebidos acima dos 500 euros. E houve muitos.

    Ora, face aos montantes das diversas transferências sobretudo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), todas individualmente acima dos 500 euros, a actual ministra da Saúde e os seus parceiros deveriam ter declarado à Autoridade Tributária e Aduaneira o recebimento de 1.2561.251 euros, o que implicaria o pagamento de 125.125,10 euros de imposto de selo. Na documentação consultada pelo PÁGINA UM, nomeadamente extractos bancários, não existe qualquer saída de dinheiro para esse cumprimento fiscal.

    Existiram pelo menos mais 13 transferências bem acima de 500 euros que também não terão sido declaradas às Finanças nem pago o imposto de selo, a saber: ASPAC (35.000 euros), Bial (20.000 euros), Bene (20.000 euros). Ipsen (12.000 euros), Atral (10.000 euros), Falinhas Mansas (10.000 euros), Angelini (10.000 euros), Apormed (5.000 euros), Rial Engenharia (5.000 euros), Medicina G Medeiros Marques (1.500 euros), Forex ACI (1.500 euros), Gin Lovers (1.080 euros) e Multiclínicas Far (1.000 euros).

    Contas feitas, segundo os cálculos do PÁGINA UM com base nos extractos bancários, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves receberam 41 donativos superiores a 500 euros e deveriam ter pagado 138.333,10 euros de imposto de selo. E nunca o fizeram.

    Confirmação de que a conta solidária tinha como titulares Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, ou seja, não era uma conta institucional.

    A BDO, na sua auditoria, omite qualquer irregularidade, uma vez que omite que a conta não era institucional. No seu trabalho, a auditora apenas confirma os valores declarados e recebidos, elencando individualmente os donativos das farmacêuticas via Apifarma, que individualmente concedeu 90.000 euros. As farmacêuticas mais beneméritas foram a Novartis (215.751 euros), a AstraZeneca (200.00 euros), a Gilead (150.000, para onde Ana Paula Martins começaria a trabalhar depois da saída da Ordem), a Merck Sharp & Dohme (50.000 euros) e a Janssen (40.000). A Pfizer concedeu 30.000 euros de apoio.

    Além desta grave falha fiscal – independentemente dos objectivos da campanha –, as 16 entidades do sector farmacêutico que concederam apoios também deveriam ter feitos declarações no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando expressamente Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. Estes profissionais de saúde – dois médicos e uma farmacêutica – também nunca procuraram que o Infarmed, que vigia os patrocínios neste sector, envidasse esforços para incluir essas referências no portal. E o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, nunca se incomodou em incomodar as farmacêuticas por não declararem o ‘patrocínio’ de mais de 1,3 milhões de euros a três individualidades, uma das quais, Ana Paula Martins, que agora tutela o regulador do medicamento.

    Além destas irregularidades e incumprimentos fiscais, o uso da conta solidária em nome de três pessoas permitiu uma estranha e ilegal contabilidade paralela de todas as operações de aquisição, designadamente de facturação e pagamentos, dos equipamentos e materiais a serem doados. Ora, isso passou ao largo da BDO, apesar de se apresentar como uma das principais auditoras a operar em Portugal.

    A Ordem dos Médicos tem várias contas bancárias institucionais, mas para a campanha solidária ‘Todos por quem cuida’, Miguel Guimarães e Ana Paula Martins, com Eurico Castro Alves, decidiram criar uma conta particular, permitindo uma contabilidade paralela para gerir cerca de 1,4 milhões de euros, grande parte dos quais provenientes de farmacêuticas.

    Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Na verdade, quem pagou foi a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.

    Uma das ordem de pagamento assinadas por Ana Paula Martins foi para transferir 27.365,20 euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida pela disponibilização de locais e pessoal de enfermagem para vacinar, contra as regras da Direcção-Geral da Saúde, médicos considerados não-prioritários em Fevereiro de 2021, uma iniciativa pessoal de Miguel. Esta decisão, com a concordância do então coordenador da task force Gouveia e Melo, após diversas reuniões, continua a ser analisada (há mais de um ano) pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). A factura das Forças Armadas foi, contudo, emitida em nome da Ordem dos Médicos. E a Ordem dos Médicos viria depois a emitir declaração (falsas) de recepção de donativos por parte de quatro farmacêuticas. Uma dessas falsas declarações de donativo, no valor de 3.725,20 foi passada em Março de 2022 à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.

    Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, nunca foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.

    Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul’, ou mesmo um desvio de verbas até 968 mil euros. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Emcomendada pelas Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos, auditoria garantiu que efectuou o trabalho “de acordo com os princípios técnicos-profissionais da BDO”, mas nem sequer detectou (ou quis detectar) que a conta que movimentou os dinheiros da campanha não era oficial, o que descambou numa catadupa de ilegalidades e irregularidades.

    Ora, a alegada auditoria da BDO – pelo menos, o título do documento obtido pelo PÁGINA UM após sentença do tribunal diz “Prestação de serviços de autoria ás actividades e contas do fundo solidário #TodosPorQuemCuida” – comete aqui um erro de palmatória. Na página 10 da auditoria diz-se que “procedemos à análise dos gastos7aquisções efectuadas por forma a validar a documentação de suporte correspondente”, indicando que foram realizadas verificações às notas de encomenda, factura, evidência de entrega aos beneficiários e comprovativo do pagamento, concluindo que se confirmou “a existência destes elementos para todas as aquisições”.

    Mas também aqui há uma omissão grave, que aparenta ser intencional. Com efeito, se e BDO conferiu facturas e pagamentos teria sido assim impossível não ter detectado que as facturas eram emitidas em nome da Ordem dos Médicos mas os pagamentos eram feitos por terceiros, neste caso pela conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Significa isso que, sem qualquer documento justificativo – e não existia quando o PÁGINA UM consultou todos os documentos após a sentença do Tribunal Administrativo –, deram entrada documentos de despesa elevados (cerca de 978 mil euros) sem qualquer fluxo de caixa associadas às respectivas facturas, ou seja, houve indicação de que terá saído dinheiro da Ordem dos Médicos sem ter havido.

    Se houve ou não a criação de um ‘saco azul’, não se sabe – e nem o actual bastonário, Carlos Cortes, se disponibilizou voluntariamente a esclarecer esta estranha situação nem quis entregar os relatórios e contas de 2020, 2021 e 2022 da Ordem dos Médicos –, mas é estranho que haja uma completa omissão por parte da BDO neste aspecto sensível e de grande responsabilidade. Sabe-se apenas, que o saldo da conta solidária em 20 de Fevereiro do ano passado era de 107.382 euros, mas o actual bastonário, Carlos Cortes, nunca quis esclarecer se esse dinheiro remanescente continuava a ser gerido pelos três titulares ou se a verba fora transferida, e em que condições, para uma conta oficial da Ordem dos Médicos.

    Através da conta pessoal de que era co-titular, Ana Paula Martins assinou, por exemplo, uma ordem de transferência bancária ao Hospital das Forças Armadas num acordo com a task force liderada por Gouveia e Melo para pagar a vacinação contra a covid-19 de médicos não-prioritários numa altura de escassez de vacinas. Mas a factura das Forças Armadas foi emitida em nome da Ordem dos Médicos.

    Vejamos um exemplo desta situação. A factura nº 551 passada pela Clotheup em 2 de Outubro de 2020 pela aquisição de batas descartáveis no valor de 110.700 euros foi emitida à Ordem dos Médicos. Tendo sido uma aquisição a pronto de pagamento, não houve saída de dinheiro da Ordem dos Médicos, porque quem a pagou foi a conta solidária de Ana Paula Martins e dos outros dois co-titulares. Ora, nesse dia, poderia ter sido “desviada” a verba de 110.700 euros da conta bancária oficial da Ordem dos Médicos, não havendo assim o mínimo sinal de qualquer desfalque, uma vez que existia uma factura a suportar essa saída. Esse expediente pode aplicar-se a qualquer outra das 31 aquisições identificadas pelo PÁGINA UM.

    Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.

    Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.

    Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da “sua campanha”, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.

    Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, e Miguel Guimarães, actual deputado do PSD, ganharam protagonismo com a pandemia. A gestão de um ‘bolo’ de 1,4 milhões de euros numa campanha solidária, financiada sobretudo pelas farmacêuticas, deu uma ajuda.

    Logo, a título de exemplo – e é mesmo um só exemplo, porque existem largas centenas de casos, reportados e fotografados pelo PÁGINA UM durante a consulta dos dossiers contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida” –, é falsa a declaração de 23 de Março de 2021 da Liga dos Bombeiros Portugueses, bem como a competente carta de agradecimento do então presidente Jaime Marta Soares, de que foi a farmacêutica Gilead que lhes entregou 4.984 batas cirúrgicas, 1.661 litros de álcool gel, 831 máscaras cirúrgicas, 2.492 óculos reutilizáveis, 664 fatos integrais tamanho M e 664 tamanho L, e ainda 4.153 viseiras, tudo no valor de 103.400,60 euros.

    Neste caso particular – que é extensível a todas as outras farmacêuticas envolvidas nesta campanha –, a Gilead terá apenas entregado, através da Apifarma, um donativo de valor desconhecido (que agora a BDO diz ter sido de 150.000 euros), para uma campanha solidária, titulada por três pessoas. Formalmente, teriam de ser as três titulares dessa conta (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves), e não as entidades beneficiadas com os géneros doados, a passar uma declaração de recepção desse donativo à Gilead (e às outras farmacêuticas). Porém, se assim fosse, as farmacêuticas não teriam hipóteses de usufruir de qualquer benefício fiscal, uma vez que o Estatuto do Mecenato não abrange donativos a pessoas singulares – e nem a Ordens profissionais, acrescente-se.

    Outro caso paradigmático passou-se com a Associação Nacional de Farmácias que em 10 de Fevereiro de 2021 declarou que a Merck Sharpe & Dohme lhe doou 107.574 máscaras cirúrgicas no valor total de 50.000 euros. Nada poderia ser mais falso. Aquilo que sucedeu foi a Merck Sharpe & Dohme ter doado 50.000 euros a Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves que, depois aproveitaram para usar esse dinheiro para pagar máscaras a uma empresa – que emitira uma factura à Ordem dos Médicos –, sendo esses equipamentos de protecção individual entregues então à Associação Nacional de Farmácias.

    Documento na posse da Ordem dos Médicos, consultado pelo PÁGINA UM após uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, com a lista de entidade que concederam donativos à conta solidária titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves.

    A emissão de centenas de declarações falsas – trata-se mesmo de centenas, que englobam muitas pequenas IPSS – configura até fraude fiscal, porque as entidades beneficiadas assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que não é verdade, nem as farmacêuticas conseguirão comprovar qualquer compra através de facturas. Certo é que, com este estratagema, as farmacêuticas conseguiram enquadrar os seus donativos no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado – para levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue. Algo que não sucederia se tivesse sido tudo feito como sucedeu: os donativos foram entregues a três pessoas (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), foram feitas compras e entregues os géneros às IPSS, associações e unidades hospitalares.

    Assim, com este esquema falso as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, e terão acabado por assumir, em termos contabilísticos, custos da ordem dos 1,82 milhões de euros, Em conclusão, este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros. Note-se que este esquema, profundamente à margem da lei, envolveu também hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.

    Apesar da logística desta campanha ter sido protagonizada sobretudo pela Ordem dos Médicos, e pelo então seu bastonário Miguel Guimarães, a actual ministra teve um papel bastante activo, e não apenas como co-titular da conta. Ana Paula Martins procedeu a várias ordens de pagamento de géneros – cujas facturas foram encaminhadas para a Ordem dos Médicos – e também participou em diversas reuniões específicas da campanha. De acordo com as actas consultadas pelo PÁGINA UM, a actual ministra da Saúde participou em pelo menos oito reuniões da comissão de acompanhamento entre 11 Maio de 2020 e 5 de Maio de 2021. Mesmo depois da sua saída da liderança da Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, manteve-se como titular da polémica conta solidária.

    Além de ser co-titular e co-gestora da conta solidária, e autorizar transferências de dinheiro para pagamento de facturas que, afinal, eram emitidas à Ordem dos Médicos, Ana Paula Martins acompanhou pelo menos durante um anos as operações logísticas da campanha ‘Todos por Quem Cuida’.

    Ora, perante este intrincado esquema de falsas declarações – as farmacêuticas doaram o dinheiro para a conta de três pessoas, e não fizeram donativos directos para os beneficiários –, a BDO nada diz na sua auditoria. No curto capítulo sobre a confirmação das declarações emitidas aos doadores, a auditora diz que “procedemos também à verificação das declarações emitidas aos doadores pelas entidades beneficiárias e pelo TPQC [‘Todos por quem cuida’].

    Ora, das centenas de declarações que o PÁGINA UM consultou, os beneficiários finais nunca tiveram contacto com os doadores iniciais; e, na verdade, a haver declarações verídicas deveriam ser de dois tipos: declarações de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves aos doadores, entre os quais as farmacêuticas; e depois declarações das diversas beneficiárias às referida pessoas que pagaram os bens doados. O facto de a auditoria da BDO referir que foi “possível confirmar a concordância dessas declarações” é, no mínimo, estranho.

    Após a entrega pela Ordem dos Médicos da auditoria – que durante o processo de intimação, apresentado no final do ano passado, a Ordem dos Médicos garantiu ao juiz não estar concluído, apesar de ter data de 10 de Março de 2023 –, o PÁGINA UM colocou diversas questões à BDO e, em particular, à auditora Ana Gabriela Barata de Almeida. Numa primeira fase, a BDO respondeu que “no que respeita à auditoria/trabalho de procedimentos acordados às atividades e contas do Fundo Solidário ‘Todos por quem cuida’, informamos que está abrangido por segredo profissional […], pelo que não podemos prestar quaisquer informações relativas a factos, documentos ou outras de que tenhamos tomado conhecimento por motivo da referida prestação de serviços”.

    Perante a insistência, dias depois foi remetida uma mensagem pelo advogado Pedro Guerra Alves, alegadamente representante legal da BDO, ameaçando o PÁGINA UM com um processo judicial. Essa pressão ilegítima, numa fase em que a investigação do PÁGINA UM ainda decorria, levou à apresentação de uma queixa contra o causídico no Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Médicos e na Entidade Reguladora para a Comunicação Social.

    Edifício principal da sede da Ordem dos Médicos, na Avenida Gago Coutinho, em Lisboa.

    O PÁGINA UM também colocou questões sobre a qualidade desta auditoria da BDO à CMVM e à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas. No caso da CMVM veio a resposta da praxe para não dar resposta: “A CMVM está sujeita a sigilo profissional e não se pode pronunciar sobre situações concretas relacionadas com entidades sujeitas à sua competência de supervisão sobre a actividade de auditoria, nos termos previstos no Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria (RJSA).” Quanto à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas nem resposta veio.

    Também sem resposta, até hoje, ficaram os diversos pedidos do PÁGINA UM ao bastonário da Ordem dos Médicos, que foi informando que, por serem assuntos anteriores ao seu mandato, reencaminhou para os serviços.


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  • Vacinas contra a covid-19: Secretismo condenado pelo Tribunal Europeu retira ‘argumento’ do Governo português para esconder compras

    Vacinas contra a covid-19: Secretismo condenado pelo Tribunal Europeu retira ‘argumento’ do Governo português para esconder compras

    Em vésperas do Parlamento Europeu votar a eventual reeleição da actual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen recebeu uma má notícia: perdeu um processo junto do Tribunal Geral da União Europeia sobre o secretismo em torno dos contratos de compra das vacinas contra a covid-19. O Tribunal anulou a decisão da Comissão de manter secretos algumas das condições e termos do negócio e também esclareceu que as farmacêuticas são responsáveis por indemnizar os lesados das vacinas, mesmo que os contratos de compra as ilibem de responsabilidades. A sentença, tornada hoje pública, adianta que, no entanto, nada impede que outra entidade assuma o custo das responsabilidades pelos efeitos adversos das vacinas se assim o desejar. Este desfecho traz esperança ao processo rocambolesco que o PÁGINA UM tem a correr na Justiça contra o Ministério da Saúde desde Dezembro de 2022, ou seja, há mais de 18 meses. A existência de contratos secretos a nível europeu era um dos derradeiros argumentos do Governo para não se mostrar os contratos e correspondência entre as autoridades portuguesas e as farmacêuticas.


    A derrota da Comissão Europeia no processo levantado por eurodeputados sobre o secretismo dos acordos prévios de compra (advance purchase agreement, APA) das vacinas contra a covid-19, celebrados entre Ursula von der Leyen e as farmacêuticas, vai retirar um ‘precioso argumento’ ao Ministério da Saúde num longo processo de intimação do PÁGINA UM para o aceder aos contratos e outros documentos assinados posteriormente pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    Este processo de intimação – instaurado pelo PÁGINA UM e que, por lei, tem carácter de urgente – decorre há mais 18 meses no meio de mentiras, traduções de centenas de páginas sem qualquer relevância e um pedido de incompetência de jurisdição para decidir o acesso a documentos administrativo por as compras nacionais decorrerem dos tais acordos prévios celebrados em Bruxelas.

    3 clear glass bottles on table

    Em Dezembro de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa face à recusa da DGS em facultar os contratos de compra por si executados, bem como as guias de remessa e outra correspondência com as farmacêuticas. Quatro destes contratos chegaram a constar no Portal Base, onde surgiam alguns elementos, como preços e quantidades, mas depois do pedido do PÁGINA UM para aceder a todos, o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção – a entidade pública responsável pela gestão do Portal Base – permitiu que a DGS sonegasse esses quatro contratos e deixasse de colocar os restantes.

    Neste processo no Tribunal Administrativo de Lisboa, dirigido pela juíza Telma Nogueira – que não é ‘mexido’ desde Fevereiro deste ano, apesar de ser considerado urgente, correndo mesmo durante as férias judiciais -, o Ministério da Saúde já tentou de tudo. Em Janeiro de 2023, a ainda directora-geral da Saúde Graça Freitas enviou um ofício ao PÁGINA UM remetendo apenas para os acordos prévios, apesar de aquela responsável ter assinado contratos para a aquisição de doses para Portugal. Além disso, Graça Freitas dizia, para convencer o Tribunal da impossibilidade legal de acesso, que estava a decorrer “uma auditoria aos procedimentos“, o que se mostrava falso. Nunca foi dado a conhecer qualquer auditoria.

    Depois disso, o Ministério da Saúde tentou convencer a juíza Telma Nogueira de que os contratos que existiam eram apenas os que constavam no site da Comissão Europeia, o que era falso. Apesar de o PÁGINA UM ter apresentado requerimento a alertar a juíza de que aquilo que constava no site da Comissão Europeia eram os acordos prévios assinados por Ursula von der Leyen – e não os contratos nacionais que tinham sido pedidos -, o Tribunal Administrativo de Lisboa solicitou então que a DGS traduzisse para português os tais acordos, uma vez que não são sequer aceites textos em outras línguas. No processo de intimação constam centenas de páginas traduzidas para português, que demoraram mais de dois meses a realizar, com as imensas rasuras agora consideradas ilegais pelo Tribunal Geral da União Europeia. Todas essas páginas são completamente inúteis.

    Graça Freitas assinou mais de uma dezena de contratos, uns sonegados do Portal Base, outros nunca ali colocados.

    Perante a constatação de que não se tratavam dos documentos requeridos, o Ministério da Saúde usou outro estratagema, então sugerido por André Peralta-Santos, sudirector-geral da Saúde: como os acordos assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas continham “cláusulas de confidencialidade que obrigam todos os intervenientes”, então “, donde, “os contratos nacionais subordinados a elementos legalmente considerados essenciais do contrato, como quantidades e preços, estipulados nos Acordos/Protocolos/Contratos-Quadro, ficam sujeitos às mesmas regras de confidencialidade, porquanto, devem ser considerados como contratos (parciais) integrantes dos Acordos assinados pela Comissão Europeia em representação dos Estados-Membros, que foram interessados [sic], como foi o caso de Portugal”.

    Nesta sua temerária interpretação – que advoga que os Estados democráticos perdem o exercício de Justiça independente interna em caso de acordos comerciais por entidades externas e supranacionais não-eleitas (Comissão Europeia) –, o subdirector-geral da Saúde defendia ainda que o Vaccine Order Form – cujos primeiros quatro documentos estiveram no Portal Base, para serem depois sonegados pelo Ministério da Saúde – “não se trata, assim, de um qualquer contrato celebrado pelo Estado português, através da Direcção-Geral da Saúde”, mas “apenas da formalização necessária para operacionalização do APA/PA [acordos entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas] em território nacional com o pedido de entrega das vacinas respetivas”.

    Contudo, a juíza Telma Nogueira aparentou acolher esta tese, concluindo em despacho de 15 de Dezembro do ano passado que “resulta dos documentos juntos e supra referidos, que os Formulários de encomenda de vacina são celebrados pelos Estados-Membros e as empresas da indústria farmacêutica em execução dos APA, nomeadamente os supra referidos, sendo que estes APA foram outorgados entre a Comissão Europeia e as empresas da indústria farmacêutica e contêm nas suas cláusulas um pacto atributivo de jurisdição”.

    Esconder, mentir e ludibriar: esta tem sido a estratégia do Ministério da Saúde para não mostrar contratos de compra, guias de remessa e correspondência com farmacêuticas.

    E a juíza solicitou então que o PÁGINA UM se pronunciasse “sobre a verificação da excepção dilatória de incompetência absoluta deste Tribunal decorrente da violação das regras de competência internacional, que a ser procedente conduzirá à absolvição da Entidade demandada da instância”. No entanto, depois da resposta do PÁGINA UM em 12 de Fevereiro deste ano, a juíza nunca mais se pronunciou. Ou seja, mais de cinco meses de silêncio. Em mais de duas dezenas de intimações do PÁGINA UM em tribunais administrativos, nunca nenhum outro demorou mais de um ano até à sentença de primeira instância. Este, sobre os polémicos contratos das vacinas, já vai em mais de 18 meses sem se vislumbrar uma primeira decisão, sempre passível de recursos de ambas as partes.

    Em todo o caso, este inexplicável atraso do Tribunal Administrativo de Lisboa acaba por ser agora favorável às pretensões do PÁGINA UM. Com efeito, o acórdão de hoje do Tribunal Geral da União Europeia – que derrota a opacidade sobre os polémicos contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que terão permitido a facturação pelas farmacêuticas de mais de 2,7 mil milhões de euros provenientes dos Estados-Membro – retira indelevelmente o argumento do secretismo para recusar o seu acesso. Além disso, a Lei do Acesso dos Documentos Administrativos refere-se sempre a documentos produzidos ou detidos por uma entidade pública, independentemente da sua origem..

    Na sua histórica decisão, que constitui uma importante defesa dos princípios democráticos da transparência e boa gestão dos dinheiros públicos, o Tribunal Europeu considerou que a Comissão “não demonstrou que um acesso mais amplo a essas cláusulas [tornadas secretas] prejudicaria efetivamente os interesses comerciais” das farmacêuticas.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer, na entrega de um prémio do Atlantic Council, em Novembro de 2021.
    (Foto: Captura a partir de vídeo do evento)

    Nos últimos anos, Ursula von der Leyen vinha sendo pressionada para mostrar todos os termos e condições dos contratos, tanto por eurodeputados como por particulares, mas a Comissão Europeia sempre concedeu acesso muito limitado aos contratos, os quais foram disponibilizados online com muita informação expurgada.

    Na sentença conhecida hoje, o Tribunal também proferiu decisão sobre as condições estipuladas nos contratos das vacinas contra a covid-19 sobre eventuais indemnizações por danos que estas empresas estão obrigadas a pagar em caso de defeito das suas vacinas. De acordo com o comunicado de divulgação da decisão, o Tribunal Geral da União Europeia sublinhou na sentença que “o produtor é responsável pelo dano causado por um defeito no seu produto e a sua responsabilidade não pode ser reduzida ou excluída em relação ao lesado por uma cláusula limitativa ou exoneratória de responsabilidade ao abrigo da Diretiva em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos”.

    Contudo, salientou que “nenhuma disposição da referida Diretiva proíbe que um terceiro reembolse a indemnização a título de danos que um produtor tenha pagado em razão do defeito do seu produto”.

    Depois deste dissabor, e apesar de ter garantido a reeleição para o segundo mandato para a presidência da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen ainda enfrenta outros potenciais problemas com negociação da compra de vacinas contra a covid-19, que vieram beneficiar sobretud0 a Pfizer. Neste momento, a Procuradoria Europeia investiga ainda eventuais irregularidades criminais relacionadas com as negociações de vacinas entre a presidente da Comissão Europeia e o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla. A Procuradoria Europeia assumiu a investigação que estava a ser conduzida por procuradores belgas que investigavam von der Leyen por “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses”.

    Quando era ministra da Defesa da Alemanha, Ursula von der Leyen também foi investigada num caso que envolveu o uso de telemóveis. (Foto: D.R./Comissão Europeia)

    Não é a primeira vez que Ursula von der Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A ainda presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefones à mistura.

    A compra de vacinas contra a covid-19, à qual os Estados-membro estão ‘presos’, tem gerado um enorme desperdício, com milhões de vacinas a ir para o lixo. O próprio Tribunal de Contas, num relatório de Setembro do ano passado, apontava para um elevado desperdício financeiro devido à inutilização de doses não administradas, com o número provisório a atingir as 3,5 milhões de doses no valor de 54,5 milhões de euros, até ao final de Dezembro de 2022. Mas, segundo uma análise do PÁGINA UM, com base em informação oficial, Portugal terá desperdiçado mais de 40 milhões de doses de vacinas.


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  • O melhor epidemiologista do Mundo lança fortes críticas sobre activismo na pandemia que enviesou a Ciência

    O melhor epidemiologista do Mundo lança fortes críticas sobre activismo na pandemia que enviesou a Ciência

    Não é um nome qualquer nas Ciências Médicas e na Bioestatística – é, na verdade, O nome, o ‘primo inter pares’. Investigador na conceituada Universidade norte-americana de Stanford, John Ioannidis, o mais conhecido e conceituado epidemiologista mundial, não é meigo com uma das mais prestigiadas revistas científicas, a BMJ, acusando-a de viés e de cometer violações éticas na aceitação e sobretudo na recusa de artigos relacionados com a covid-19. Num artigo científico de análise, em co-autoria com outros três investigadores, Ioannidis – que é o oitavo cientista mundial em todas as áreas com mais citações nos últimos seis anos – admite que a BMJ também lhe recusou artigos, e não foi por falta de qualidade. Este cientista publicou mais de uma centena de artigos científicos sobre a pandemia, e é um dos mais requisitados pelos seus colegas. Exemplo disso é um artigo publicado este mês numa revista científica sobre as melhores práticas de gestão e partilha de dados em pesquisa biomédica experimental em co-autoria com investigadores da Universidade de Coimbra.


    As amarras políticas e empresarias que sequestraram a Ciência durante a pandemia estão agora a ser denunciadas ao mais alto nível. O mais prestigiado investigador mundial na área das ciências médicas e de saúde, o norte-americano John Ioannidis acusa a BMJ, uma das mais conceituadas revistas médicas – também com uma componente jornalística –, de ter cometido graves violações aos princípios do Comité de Ética em Publicações (COPE) na aceitação e rejeição de artigos científicos.

    Num artigo de avaliação de meta-pesquisa, ainda em fase de peer-reviews, mas já divulgado ontem por um centro de investigação (METRIS) da Universidade de Stanford, Ioannidis e mais três investigadores, um dos quais da Universidade italiana de Pádua, destacam sobretudo o enviesamento criado pela avaliação dos lobbies científicos, com destaque para os membros ad hoc do Independent Sage (indie_SAGE). Este grupo de cientistas sobretudo do Reino Unido, alegadamente independentes, encabeçados por Anthony Costello e Stephen Griffin, tiveram uma acção preponderante em medidas mais restritivas da gestão da pandemia e mesmo na vacinação de crianças.

    John Ioannidis, professor na Universidade de Stanford está no topo dos investigadores mundiais na área das Ciências Médicas e da Saúde e ainda da Bioestatística.

    Relembrando que “a Ciência idealmente desenvolve conclusões a partir de evidências sistemáticas e posições equilibradas sobre riscos, benefícios, danos das intervenções e incertezas”, a análise de Ioannidis e dos outros co-autores salienta que, em paralelo, existem grupos de defesa (advocacy) que, através de jornais médicos e científicos relevantes, “publicam muitos artigos de opinião, editoriais e peças jornalísticas, que podem moldar como a Ciência e as evidências são percebidas e quais políticas são adotadas”. E acrescentam que “esses artigos são tipicamente publicados rapidamente, muitas vezes com pouca ou nenhuma revisão externa”, o que implica o risco de “viés e polarização da comunidade científica”.

    Confrontando as duas linhas que se evidenciaram no início da pandemia – uma linha de mitigação mais leve, de que o exemplo mais evidente, foi a Declaração de Great Barrington; e a outra com medidas mais duras, incluindo lockdowns, testes intensivos, rastreamento de contactos, uso de máscaras e limpeza de ar, visando o “zeroCovid” –, Ioannidis e os outros co-autores analisaram mais de quatro mil artigos publicados na BMJ até 13 de Abril deste ano sobre a covid-19, tendo detectado diversos enviesamentos, com preponderância para artigos defendendo uma visão mais restritiva da gestão da pandemia.

    Porém, mais relevante do que a análise da distribuição do pendor das publicações sobre a gestão da pandemia, Ioannidis e os outros três investigadores destacam a ausência de estatísticas sobre a submissão de artigos, salientando, contudo, que “a grande maioria das submissões ao BMJ são rejeitadas”, sendo que aí reside o maior problema de enviesamento.

    Divulgação do artigo de Kepp Kasper, Ioana Aline Cristea, Taulant Muka e John Ioannidis foi divulgada ontem pelo centro de investigação METRICS da Universidade de Stanford.

    “Editores e defensores [de uma determinada linha] podem moldar o que é publicado através do processo editorial e de revisão por pares, e autores com opiniões não congruentes com o ‘activismo’ zeroCOVID podem até ter parado de submeter ao BMJ após verem o viés explícito que descrevemos ou após receberem feedback depreciativo”, salientam os quatro investigadores. Numa “declaração de interesse concorrente”, Ioannidis declara que, apesar de ter publicado 102 artigos relacionados com a covid-19 em diversas prestigiadas revistas científicas, teve alguns artigos recusados pela BMJ, tal como os outros três investigadores.

    E destacam que essas recusas foram feitas “de maneiras que violavam os princípios éticos do COPE (por exemplo, comentários anti-éticos de revisores defensores [de medidas mais restritivas]; decisão tomada, mas não comunicada aos autores; decisão assinada por pessoa não listada anteriormente no site do BMJ como editora; decisão adiada inapropriadamente para artigos sensíveis ao tempo)”. Os quatro investigadores chegam mesmo a indicar que houve revisores, com poder de veto, que nem sequer estavam listados na BMJ como tal, havendo também falhas na revisão de artigos publicados que não cumpriram as regras de transparência e rigor.

    Esta posição assumida por John Ioannidis constitui uma ‘pedrada no charco’ e não pode ser ignorada nos meios científica, particularmente nas ciências médicas e sobretudo epidemiologias, onde este investigador norte-americano de 58 anos é um dos ais conceituados e apreciados, colaborando com universidades de todo o Mundo, incluindo portuguesas. Ainda este ano, por exemplo, este mês publicou um artigo científico na revista Physlological Reviews com Teresa Cunha-Oliveira e Paulo Oliveira, da Universidade de Coimbra, sobre as melhores práticas de gestão e partilha de dados em pesquisa biomédica experimental.

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    Ciência, durante a pandemia, foi alvo de activismo e viés.

    Segundo o site AD Scientific Index 2024, John Ioannidis está na primeira posição do ranking mundial das Ciências Médicas e de Saúde, bem como da Bioestatística (associada à Epidemiologia, Medicina baseada na Ciência e meta-análise), ocupando a segunda posição na prestigiada Universidade de Stanford. Englobando todas as ciências, John Ioannidis – que teve uma intervenção muito sólida e crítica na análise das medidas restritivas e na vacinação massiva e repetitiva contra a covid-19 – ocupa a 57ª posição a nível mundial de todos os tempos em termos de H-index (que mede o impacte científico), e em termos de citações nos últimos anos surge no top 10, ocupando a 8ª posição.

    Recorde-se ainda que John Ioannidis tem sido um dos principais paladinos do rigor científico, sobretudo a partir de um famoso artigo científico publicado na revista PLOS Medicine em Agosto de 2005, ainda hoje uma referência e um dos mais citados de sempre, sugestivamente intitulado “Why Most Published Research Findings” (Por que razão a maioria das descobertas de investigação publicadas são falsas?)


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  • Tribunal condena Infarmed a mostrar registos das reacções adversas das vacinas contra a covid-19

    Tribunal condena Infarmed a mostrar registos das reacções adversas das vacinas contra a covid-19

    Já passaram cerca de 950 dias desde que, em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM pediu acesso aos registos anonimizados das reacções adversas às vacinas contra a covid-19 (e também ao antiviral remdesivir). Nesse longo intervalo de mais de dois anos e sete meses, houve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, com uma sentença enviesada, e agora um acórdão histórico do Tribunal Central Administrativo Sul. O Infarmed, segundo o acórdão, tem agora cinco dias para se tornar transparente e mostrar, linha a linha, quais foram os efeitos adversos de um programa vacinal em massa que nem crianças e jovens saudáveis ‘poupou’, apesar da virtualmente nula letalidade nessas idades. O PÁGINA UM não pretende ter acesso aos registos anonimizados para criar “alarme público”, mas tão-só para que se saiba a verdade dos factos – como é a regra (talvez esquecida por muitos) do jornalismo (verdadeiramente) independente.


    Trinta e um meses depois do pedido inicial, o Infarmed vai ter mesmo de facultar o acesso à base de dados nacional com informação anonimizada detalhada que regista todas as reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e também do polémico antiviral remdesivir.

    A obrigatoriedade surge com um acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, do passado dia 11, que revogou uma polémica sentença de primeira instância da juíza Sara Ferreira Pinto que, em Março do ano passado, recusara a inclusão de provas inequívocas do PÁGINA UM de o Portal RAM estar já anonimizado e por considerar que a exportação dos ficheiros da base de dados constituía a criação de um novo documento, algo que inviabilizaria a obrigatoriedade do regulador do medicamento de fornecer esse acesso.

    person holding white plastic bottle

    O histórico acórdão de 28 páginas – aprovado por unanimidade pelos desembargadores Joana Costa e Nora, Ricardo Ferreira Leite e Carlos Araújo – decidiu “condenar a entidade requerida [Infarmed] a, num prazo procedimental de cinco dias, facultar o acesso aos dados pretendidos das referidas bases de dados [Portal RAM], com expurgação dos dados pessoais, independentemente da forma por que a mesma se faz.

    Embora o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo desde Junho de 2019, ainda possa recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo – apenas para adiar a concretização de um acto de singular transparência sobre informação relevante de Saúde Pública –, este acórdão histórico constitui já uma vitória do jornalismo independente e perseverante. Com efeito, de uma forma absolutamente abnegada, o Infarmed tem usado todos os subterfúgios para não permitir o acesso à listagem anonimizada – ou seja, sem nomes e outros elementos que permitissem a identificação concreta de pessoas – das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdevisir. O primeiro pedido formal para aceder a essa informação, constante no Portal RAM, ocorreu em 6 de Dezembro de 2021, quando o PÁGINA UM ainda se encontrava em preparativos de lançamento.

    Perante o silêncio inicial do Infarmed, o PÁGINA UM começou por solicitar um parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), no início de 2022, tendo esta entidade considerado que o Infarmed deveria facultar essa informação, mesmo se, como então aludia o regulador do medicamento, a informação pudesse ser analisada por “não-especialistas”, o que teria, alegadamente, “um elevado potencial para criar um alarme social totalmente desnecessário e infundado”.

    Acórdão histórico obriga Infarmed a ‘abrir’ acesso aos registos anonimizados das reacções adversas às vacinas contra a covid-19 e ao remdesivir.

    Como ‘solução’ para esse receio não parece ser o simples obscurantismo – até porque nunca fora intenção do PÁGINA UM criar “alarme social”, que foi, aliás, a tónica dominante da imprensa e das autoridades de Saúde durante a pandemia –, foi então apresentada uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa, num processo complexo que chegou a envolver uma rara sessão de julgamento para ser ouvido o presidente do Infarmed e uma técnica superior, tendo nesse mesmo dia sido recusado pela juíza Sara Ferreira Pinto a junção de documentos que o PÁGINA UM requereria meses antes nos autos para provar a anonimização do Portal RAM.

    A sentença desta juíza acabaria assim, em Março de 2023, por não surpreender ao recusar o acesso ao Portal RAM, argumentando que “para satisfazer o pedido do Requerente [Pedro Almeida Vieira], a Entidade Requerida [Infarmed] teria que exportar o conjunto de dados constantes do ‘Portal RAM’ para formato Excel ou outro e, posteriormente expurgar esse ficheiro / documento de dados pessoais, ou seja teria de criar um documento para o Requerente, dever que, contudo, a lei não impõe”.

    A fazer jurisprudência esta ‘tese’ da juíza poderia ser o fim do acesso público a base de dados de carácter sensível, porquanto significaria que a simples impressão ou transferência para outro formato passaria a ser considerado um novo documento – logo, não obrigatório -, permitindo assim uma escapatória a uma Administração Pública cada vez mais obscurantista.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: há quase 1.000 dias a esconder informação de interesse público.

    Porém, o viés desta sentença de Março do ano passado mostrava-se também no próprio facto de, mesmo se sem intencionalidade, a juíza Sara Ferreira Pinto até ter citado doutrina de Cláudia Monge, professora da Faculdade de Direito de Lisboa, especializada em direito de protecção de dados em saúde. Sucede, contudo, que Cláudia Monge é também uma destacada sócia da sociedade BAS, que, nesta intimação, defendia a posição do Infarmed.

    Apesar de o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul ter agora concluído que estava “errado o pressuposto desta improcedência” sentenciada pela juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, certo é que este caso se entre 6 de mostra paradigmático de uma exasperante, morosa e onerosa luta por um banal acesso a documentos administrativos. Apenas considerando a data de entrada do processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa – 20 de Abril de 2022 –, a primeira sentença ocorreu 322 dias depois, em 8 de Março de 2023.

    O recurso do PÁGINA UM foi apresentado em 27 deste mês e o acórdão acabou apenas por ser aprovado 472 dias depois. Se contarmos os dias entre requerimento inicial – ao abrigo de uma lei que determina o acesso ao fim de 10 dias –, decorreu até ao acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul um total de 948 dias. Teve mais de seis dezenas de actos procedimentais, e mesmo mais um processo de intimação paralelo para obtenção de manuais e cadernos de encargos.

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    PÁGINA UM tem sido, no panorama da comunicação social, uma luz ao fundo do túnel na busca de informação oficial escondida durante a pandemia.

    Saliente-se que os processos de intimação são considerados urgentes, correndo, em teoria, durante as férias judiciais. Além disso, não existe qualquer penalização para um gestor público que demonstre uma atitude obscurantista e que recorra por sistema, com o dinheiro dos contribuintes, para obstaculizar, até ao limite do absurdo o acesso a informação relevante e de interesse público.

    O PÁGINA UM aguarda agora que, cumprindo o acórdão, o Infarmed disponibilize o acesso aos dados anonimizados das reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do remdesivir para que, em seguida, com espírito de seriedade, rigor e independência, analisar a informação aí constante. Essa análise não substitui o trabalho em curso, e quase concluído, sobre a base de dados da Agência Europeia do Medicamento, a EudraVigilance, relativa às 14 vacinas contra a covid-19 comercializadas no Espaço Económico Europeu.


    N.D. Esta intimação, iniciada em Abril de 2022, desencadeou uma das iniciativas do PÁGINA UM de que mais nos orgulhamos: o FUNDO JURÍDICO, como aqui se recorda. Para financiar estas acções em tribunal – e entretanto houve mais de duas dezenas -, o PÁGINA UM contou com o precioso apoio financeiros dos seus leitores e um inquebrantável patrocínio jurídico do advogado Rui Amores. Como este caso do Infarmed demonstra, estes processos são morosos, lentos, onerosos e desgastantes, ainda mais por enfrentarmos, quase sempre, sociedades de advogados bem pagos (com dinheiros públicos). Tem sido uma batalha de David contra Golias, ainda mais desgastante por esse Golias (Administração Pública) dever existir para servir os cidadãos. Gostaríamos de fazer mais, ainda mais, mas estaremos sempre limitados financeiramente, e também em meios humanos, uma vez que muitos destes processos são demasiado complexos para serem ‘manejados’ por um único advogado que, obviamente, não trabalha a tempo inteiro (muito longe disso) para o PÁGINA UM. Para continuarem a contribuir especificamente para o FUNDO JURÍDICO, será preferível usarem o MIGHTYCAUSE, mas podem sempre optar por outras vias indicando o destino final. Obrigado.


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  • Dados da DGS mostram que reforço sazonal está associado a acréscimos de mortalidade por covid-19 nos maiores de 60 anos

    Dados da DGS mostram que reforço sazonal está associado a acréscimos de mortalidade por covid-19 nos maiores de 60 anos


    Talvez sem se aperceber ou mesmo sem saber – o que não retira, pelo contrário, a gravidade da situação –, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) acabou por fornecer, no final da semana passada, dados preocupantes sobre a segurança das vacinas contra a covid-19. E pior ainda, o comunicado de imprensa, acriticamente acolhido pelos jornalistas dos media mainstream, foi interpretado como um incentivo para mais um reforço (booster) a partir de Setembro.

    Convém referir que o Ministério da Saúde sempre recusou o acesso a dados em bruto sobre a pandemia, ou por não os ter (e ‘navegar à vista’) ou por assim deter o poder de manipular a informação a seu bel-prazer sem ser qustionado ou apanhado a mentir. Porém, desta vez, a DGS até deu elementos suficientes para, cruzando com outros dados oficiais, permitir concluir que nem sequer estamos numa situação em que a vacina é pouco eficaz mesmo em idades mais avançadas; estamos sim a falar de uma vacina que para a doença que visa “atacar” mostra-se contraproducente. Ou seja, melhor dizendo, é perigosa – e nem sequer estamos a incluir os potenciais efeitos adversos. Constitui um exemplo acabado, e cruel, de ser uma cura que estará a matar.

    child in blue hoodie sitting on floor

    Vamos seguir em detalhe os dados transmitidos pela DGS no seu comunicado para comprovar isto, e explicar meticulosamente os cálculos. Diz esta entidade que “a mortalidade específica por covid-19 correspondeu a 15 óbitos a 14 dias por milhão de habitantes”. Consultando os dados oficiais, confirma-se que entre 16 e 30 de Junho, o período de referência, se registaram, de facto, 166 óbitos, um valor próximo da taxa de mortalidade indicada. Destes óbitos por covid-19, oito pessoas teriam idade inferior a 60 anos (sendo que seis não tinham reforço), mais uma vez de acordo com o comunicado da DGS, significando assim que 158 tinham mais de 60 anos.

    Como “cerca de 44% dos óbitos não tinham registo de vacinação sazonal na última época”, acrescenta a DGS, então significa que, deduzindo a condição vacinal dos menores de 60 anos, houve no período em análise um total de 91 óbitos de pessoas vacinadas com o último reforço sazonal e 67 de pessoas sem vacinação no grupo dos maiores de 60 anos.

    Ora, mas para se tirar conclusões rigorosas, e sobretudo para avaliar a eficácia da vacina, mostra-se necessário saber o universo de vacinados (com reforço) e de não-vacinados. E isso sabe-se, porque a Direcção-Geral da Saúde foi divulgando essa informação durante o programa de vacinação sazonal, cujo último relatório é de finais de Abril passado.

    Aí se refere que para a população de mais de 60 anos, receberam reforço um total de 1.687.260 pessoas, correspondente a 56,14% do total. Deste modo, os não-vacinados (sem reforço) nesta faixa etária terão sido, contas feitas, 1.318.190 pessoas (43,86%).

    woman in brown and black coat standing in front of white wall

    Com estes dados, pode-se então calcular as taxas de mortalidade para ambos os grupos:

    Taxa de mortalidade entre vacinados (TMv)

    TMv = Mv/Pv , sendo Mv – mortes de vacinados ; Pv – população vacinada

    donde

    TMv = 91 / 1.687.260 = 53,93 por milhão

    Taxa de mortalidade entre não-vacinados (TMnv)

    TMnv = Mnv/Pnv , sendo Mnv – mortes de não-vacinados ; Pnv – população não-vacinada

    donde

    TMnv = 67 / 1.318.190 = 50,83 por milhão

    A partir daqui já vemos haver um “problema” – e grave – com a vacina contra a covid-19, mesmo havendo a possibilidade de alguns vieses: para a covid-19, a taxa de mortalidade dos vacinados é superior à dos não-vacinados (53,93 vs. 50,83 por milhão)

    Isso mostra-se ainda mais relevante quando se calcula o risco relativo (RR) entre os vacinados e os não-vacinados – que, tal como sucede em qualquer fármaco, deve ser inferior a 1 para existir vantagem sobre o placebo (neste caso, não tomar dose de reforço).

    Temos assim que, para a faixa dos maiores de 60 anos:

    RR = TMv/TMnv = 53,93 / 50,83 = 1,061

    Ora, sabendo-se que a eficácia da vacina (VE) mede a redução relativa no risco de um evento (mortalidade) devido à vacinação (reforço sazonal), no caso em apreço calcula-se o valor da seguinte forma:

    VE = 1 – RR = 1 – 1,061 = 0,061 = – 6,1%

    Significa isto, de forma literal, que a eficácia da vacina (dose de reforço) foi de – 6,1% (valor negativo), indicando, na verdade, em função destes dados oficiais, que o reforço sazonal para a população com idade superior a 60 anos está afinal associado a um aumento no risco de mortalidade por essa doença em comparação com as pessoas não vacinadas.

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    Admite-se que possa existir aqui algum viés, à cabeça do qual estará o Paradoxo de Simpson, que para ser detectado recomenda uma maior desagregação das faixas etárias. O comunicado da Direcção-Geral da Saúde indica, por exemplo, que 70% dos óbitos são de maiores de 80 anos, mas não especifica a percentagem respeitante a vacinados e não vacinados. Se essa distribuição for similar ao valor global (56% e 44%, respectivamete), e tendo em conta que 66,37% da população desta faixa etária recebeu reforço vacinal, então para os maiores de 80 anos o RR seria de 0,646, dando assim um valor de VE de 35,4% (similar ao da vacina contra a gripe).

    Mas, neste caso, para a faixa etária dos 60 aos 79 anos, assumindo os valores oficiais das taxas de reforço (45,49% para os 60-69 anos) e 62,78% para os 70-79 anos) e a distribuição dos óbitos entre vacinados e não vacinados (56% e 44%), o VE seria desastroso, uma vez que para a taxa de mortalidade para os não-vacinados seria de 15,05 por milhão e para os vacinados de 21,96.

    Ou seja, o reforço vacinal estaria assim, para este grupo etário, associado a um acreéscimo de mortalidade por covid-19 de 46%. Um valor completamente insustentável, que deveria levar à simples e imeadiata suspensão da vacinação para este grupo etário, excepto em casos de comorbilidade graves.

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    Aqulo que estes dados – e esta análise – sobretudo indicam à saciedade é que a Direcção-Geral da Saúde, as outras autoridades de Saúde e o próprio Governo não podem continuar a agir com uma ligeireza potencialmente criminosa, insistindo na promoção de uma vacina que claramente se mostra de fraquíssima eficácia (ou talvez mesmo contraproducente), apenas para “salvar o coiro” e os negócios de farmacêuticas. O objectivo de uma Autoridade de Saúde Nacional e de um Governo não é esse: é salvar pessoas; e não matá-las. Uma (in)eficácia do reforço de -6,1% (valor negativo, o que é insustentável em farmacologia) é demasiado preocupante para nada se fazer – e insistir num programa vacinal com estes valores chega a ser criminoso.

    N.D. Ainda em análise (escrever-se-á sobre isso em breve), um recente acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul recusou a pretensão do PÁGINA UM, perseguida há dois anos, em aceder aos dados do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE), bem como a outros dados em bruto relativos à gestão da pandemia. Esta decisão confirma o obscurantismo de um país que comemorou há pouco os 50 anos da democracia, mas que, de cravo no peito, cultiva a falta de transparência, irmã da manipulação e da desinformação. Esgotas-se assim, em princípio, a possibilidade de se aceder a informação para uma análise independente. Aliás, nem dependente, visto que o relatório sobre o excesso de mortalidade prometido em Agosto de 2022 pela então ministra Marta Temido ainda continua em ‘águas de bacalhau’ para que ‘a culpa morra solteira’. Um Governo decente e uma Administração Pública ao serviço do público não podem continuar a esconder informação e, de uma forma irresponsável, como aqui se revela, promover um fármaco que, afinal, com base em dados fortuitos que divulgam, se mostra, afinal, perigoso. Desafia-se assim a DGS (e o próprio Ministério da Saúde) a refutar esta análise do PÁGINA UM mostrando todos os dados brutos (sem ‘invenções’ nem manipulações), de modo que possam ser livremente analisados. E que seja transparente no futuro. Afinal, estamos a falar de vida; que sempre valem mais do que votos.


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