Categoria: Saúde

  • Inquérito nos Estados Unidos mostra esquema para encobrir origem da pandemia

    Inquérito nos Estados Unidos mostra esquema para encobrir origem da pandemia

    Um dos principais conselheiros de Anthony Fauci, o rosto da estratégia de gestão da pandemia nos Estados Unidos, foi apanhado num esquema para apagar e esconder informação de relevo sobre a covid-19, violando a lei. Em audições e e-mails obtidos por uma Comissão na Câmara dos Representantes que investiga a pandemia, existem indícios de que o próprio Fauci terá violado a lei, ao apagar e-mails oficiais e ao usar canais privados para trocar informação oficial sensível. No centro da polémica, estão as suas ligações a uma organização ‘caça-vírus’ financiada pelos Estados Unidos, a EcoHealth Alliance, que está no centro de suspeitas sobre o origem do novo coronavírus, que levou a cabo investigação que envolveu a manipulação perigosa de vírus num laboratório em Wuhan, na China, região onde terá surgido o SARS-CoV-2. Biden já suspendeu mesmo, este mês, o financiamento da EcoHealth e do presidente desta organização, Peter Daszak.


    Um conselheiro de topo do National Institutes of Health (NIH), uma agência governamental de investigação do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, apagou registos oficiais sensíveis para se desvendar a real origem da pandemia de covid-19. Como se isso não bastasse, este assessor, David Morens, ainda usou canais de comunicação privados (não-oficiais) para ajudar o seu ‘chefe’ Anthony Fauci, o rosto da gestão da pandemia nos Estados Unidos, a esconder informação sobre o financiamento obscuro de pesquisas perigosas com vírus num laboratório em Wuhan, na China.

    Documentos obtidos pela Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus da Câmara dos Representantes mostram que aquele que foi um dos principais assessores de Fauci apagou e-mails oficiais e usou métodos para fugir aos pedidos FOIA [Freedom of Information Act], que correspondem à satisfação de pedidos de acesso a informação nos Estados Unidos. Em e-mails escritos por Morens, é sugerido que Fauci também terá apagado e-mails oficiais e usado canais privados para trocar informação sobre assuntos profissionais.

    Em causa está uma aparente conspiração para apagar o rasto de informação sobre a EcoHealth Alliance, uma organização privada que tem beneficiado de financiamento dos Estados Unidos e que conduziu investigação de manipulação de vírus num laboratório em Wuhan, região onde se pensa que surgiu o novo coronavírus. Fauci foi director do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) entre 1984 e 2022, quando se reformou. O financiamento à EcoHealth foi atribuído pelo NIAID e pelo National Institutes of Health (NIH), uma agência governamental de pesquisa do Departamento de Saúde dos Estados Unidos.

    Anthony Fauci, conselheiro-chefe de Joe Biden para a saúde, foi o rosto da gestão da covid-19 nos Estados Unidos. Um dos seus conselheiros principais escreveu em e-mails que Fauci também apagou e-mails comprometedores e usou canais privados de comunicação para esconder informação de relevo. Fauci foi director do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) entre 1984 e 2022, quando se reformou. O NIAID financiou a EcoHealth Alliance, uma organização ‘caça-vírus’ que conduziu investigação perigosa (gain-of-function) em Wuhan, na China.

    Para já, as audições e documentos trazidos a público pela Subcomissão tiveram consequências: o NIH suspendeu o financiamento da EcoHealth e, mais recentemente, suspendeu também o financiamento ao presidente desta organização, Peter Dazsak.

    De resto, Peter Daszak, foi já ouvido na Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus, nos Estados Unidos, que tem investigado o que se passou na pandemia.

    Recorde-se que em Abril de 2020, a Administração Trump até já tinha ordenado o fim da concessão de financiamento à EcoHealth. Numa carta datada de 19 de abril desse ano, o NIAID notificou a EcoHealth que estava a analisar alegações de que o Wuhan Institute of Virology (WIV) libertou o coronavírus responsável pela pandemia de covid-19. Mas, em 2023, a Administração Biden retomou o financiamento desta organização, que tem recebido, em média, 625 mil euros anuais em fundos federais.

    Agora, numa audição na Comissão, David Morens admitiu a proximidade ao presidente da EcoHealth: “Peter Daszak… é meu amigo pessoal há quase 20 anos”, afirmou.

    Segundo um comunicado da Subcomissão, foram encontradas “evidências esmagadoras do próprio e-mail do Dr. Morens de que ele se envolveu em má conduta grave e acções potencialmente ilegais enquanto servia como conselheiro sénior do Dr. Fauci durante a pandemia de covid-19”.

    Num e-mail dirigido ao presidente da EcoHealth, Morens escreveu que não há que se preocupar com os FOIA (Lei de Liberdade de Informação). “Posso enviar coisas [informação] ao Tony [Fauci] para o seu e-mail privado do Gmail, ou entregar-lha no trabalho ou na sua casa. Ele é demasiado esperto para deixar que colegas lhe enviem coisas que podem causar problemas”.
    (Fonte: Fonte: Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus)

    A Comissão teve acesso a “correspondência de e-mail não divulgada anteriormente, obtida por intimação, que incrimina o Dr. Morens por minar as operações do Governo [federal] dos Estados Unidos, eliminando ilegalmente registos federais sobre covid-19, usando um e-mail pessoal para evitar a Lei de Liberdade de Informação (FOIA), e repetidamente agir de forma imprópria para um funcionário federal”.

    Além disso, a Comissão revelou “novos e-mails sugerindo que o Dr. Fauci estava ciente do comportamento nefasto do Dr. Morens e pode até ter-se envolvido em violações de registos federais”.

    Neste e-mail, Morens escreveu sobre a existência de um canal privado “secreto” envolvendo Fauci.
    (Fonte: Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus)

    Segundo a Comissão, o próprio Fauci “estava potencialmente ciente, e pode ter-se envolvido, no acto de minar as operações do Governo dos Estados Unidos, ajudando o Dr. Morens a canalizar informações internas do NIH para o presidente da EcoHealth Alliance, Dr. Peter Daszak”. Isto porque, “nos e-mails pessoais do Dr. Morens, ele mencionou falar com o Dr. Fauci sobre o financiamento suspenso da EcoHealth e detalhou como o Dr. Fauci pretendia proteger o Dr. Daszak”.

    Além de Peter Daszak, surgem nos registos agora obtidos alguns e-mails trocados com Peter Hotez, um médico muito popular nos media mainstream. Não surpreende que Hotez seja próximo do grupo de Fauci, já que é conhecido por defender sempre as posições oficiais e das farmacêuticas e por ter um discurso de ódio contra pessoas que não tomam as vacinas contra a covid-19.

    Além dos e-mails comprometedores, em que fica claro o esquema montado para apagar e esconder informação crucial, Morens escreveu comentários misóginos em e-mails oficiais, o que gerou fortes críticas e condenação.

    Este caso está a provocar um abalo político e nas instituições dos Estados Unidos e pode levar à queda em desgraça de Fauci, sempre muito acarinhado e protegido pelos media mainstream, apesar das suas ligações ao caso EcoHealth. No início dos trabalhos, os media quase não noticiavam as revelações desta Subcomissão, mas agora, perante a dimensão do escândalo, já começaram a surgir artigos em órgãos de comunicação social como a Newsweek, a CNN e o New York Times.

    Neste e-mail, Morens conta como “aprendeu” a fazer desaparecer e-mails após surgir um pedido de acesso a registos oficiais com informação. E admite a prática de eliminação de e-mails oficiais.
    (Fonte: Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus)

    Foi através da ‘figura tutelar’ de Fauci que se promoveram medidas radicais durante a pandemia, incentivando-se também a perseguição e censura de prestigiados académicos e cientistas, nomeadamente de universidades de renome como Harvard e Stanford, incluindo os autores da Declaração de Great Barrington, que defendiam uma gestão mais racional e proporcional, baseada na evidência. Fauci também incentivou a perseguição e segregação de pessoas que optaram por permanecer sem as novas vacinas contra a covid-19, as quais podem provocar efeitos adversos, como todos os medicamentos. Houve mesmo despedimentos por causa da opção, que têm sido revertidos pelos tribunais.

    As últimas revelações da Subcomissão norte-americana ameaçam assim ditar a ‘queda’ de Fauci de um pedestal em que a imprensa mainstream e a Administração Biden o colocaram face à recente onda de indignação.

    “Aquilo que encontrámos é uma operação de encobrimento de proporções enormes, em que pessoas estavam a usar estratagemas para evitar os FOIA [pedidos de acesso a informação], estavam a usar contas pessoais para assuntos estritamente profissionais e em que havia pessoas a discutir como esconder os factos”, disse o congressista republicano Rich McCormick numa entrevista televisiva. O congressista, que também é médico, defende a responsabilização dos envolvidos naquilo que considera uma conspiração.

    David Morens na audição na Subcomissão sobre a Pandemia de Coronavírus.

    Na sua conta na rede X, o congressista também escreveu: “Os contribuintes americanos devem estar indignados com o facto de o seu dinheiro suado ter ido para financiar a investigação de ganhos de função num laboratório comunista chinês que libertou uma praga global que matou milhões de pessoas”.

    “Estou ansioso por responsabilizar seriamente o Dr. Fauci [hold his feet to the fire] sobre o que realmente aconteceu, em algumas semanas”, concluiu.

    Um outro congressista republicano, Brian Babin, escreveu, por sua vez: “Um importante conselheiro do NIH [National Institutes of Health] apagou registos críticos para descobrir as origens da covid-19 e usou canais privados para ajudar Fauci a financiar pesquisas obscuras de ‘ganho de função’ em Wuhan”. “Claramente, o NIH estava cheio de criminosos burocratas ansiosos para enganar os americanos com os seus esquemas secretos”, adiantou o republicano que também é dentista.

    Mas os ataques à conduta de Fauci já não têm sequer uma base ideológica, e é isso que está a transformar este inquérito da Câmara dos Representantes. Mesmo congressistas democratas têm ficado chocados com as revelações. “Aquilo que descobrimos é profundamente perturbador para mim”, afirmou o democrata Raul Ruiz, também médico, em reacção à audição de Morens. Afirmou ainda que o comportamento do conselheiro de Fauci é “uma mancha” para o NIH. “Não é anti-ciência responsabilizá-lo”, afirmou.

    Neste e-mail, Morens fez comentários misóginos que mereceram um comentário da Subcomissão: “O Dr. Morens envolveu-se num comportamento inapropriado e desrespeitoso que não é digno de um representante do Governo dos Estados Unidos. Este padrão preocupante sugere que o Dr. Morens não está qualificado para ocupar um cargo de confiança pública”.

    Desde cedo que vários responsáveis de Saúde nos Estados Unidos tentaram distrair as atenções da possibilidade que a pandemia surgiu de uma fuga de um laboratório e tem havido pressões sobre as plataformas digitais para censurar informação e também sobre a comunidade científica. Logo no dia 1 de Fevereiro de 2020, Anthony Fauci e Francis Collins, que foi o director do NIH entre 2009 e dezembro de 2021, juntaram uma dezena de cientistas numa teleconferência para discutir a covid-19, onde foi comunicada como hipótese muito provável uma fuga de um vírus do laboratório em Wuhan, e de que o vírus podia ter sido manipulado geneticamente.

    Apenas três dias depois desta reunião online, a 4 de Fevereiro, quatro participantes dessa teleconferência foram autores de um artigo intitulado “The Proximal Origin of SARS-CoV-2” (Origem Proximal) e enviaram um rascunho a Fauci, para edição e aprovação antes da sua publicação final na Nature Medicine. O objectivo era claro: ‘eliminar’ de imediato a tese sobre uma possível fuga laboratorial do SARS-CoV-2.

    Contudo, a 16 de Abril de 2020, pouco mais de dois meses após a teleconferência original, Collins enviou um e-mail a Fauci onde expressava consternação porque o artigo afinal não eliminou por completo a tese de fuga de laboratório e questionava sobre o que se mais se podia fazer para derrubar essa hipótese. No dia seguinte, depois de Collins ter explicitamente pedido mais pressão pública, Fauci citou o artigo “Proximal Origin” no pódio na Casa Branca quando questionado sobre se a covid-19 tinha tido origem num laboratório.

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    Documentos obtidos pelo Subcomissão mostram que Fauci e o então director do NIH, Francis Collins, editaram e aprovaram um artigo publicado numa revista científica em 2020 com o objectivo de derrubar a tese apontada na comunidade científica de que o SARS-CoV-2 teve origem numa fuga de laboratório.
    (Foto: Vladimir Fedotov)

    Quatro anos depois, não se apurou ainda as origens da covid-19, que terá surgido inicialmente em Wuhan. A tese do mercado de Wuhan, e da ‘passagem’ através de morcegos ou pangolins, foi sempre a mais seguida pela imprensa mainstream e ‘garantida’ por fact-checkers supostamente independentes. Em Março de 2021, a Organização Mundial de Saúde publicou um extenso documento de 120 páginas com as conclusões de uma investigação conjunta, previamente acordada, com as autoridades chinesas sobre a origem do SARS-CoV-2. E descartou logo a possibilidade, sem qualquer base científica, de um acidente nos laboratórios existentes em Wuhan, dizendo taxativamente que é uma “hipótese extremamente improvável” [extremely unlikely pathway]. Mas no ano passado, o próprio director do FBI, Christopher Wray, indicou a fuga laboratorial em Wuhan como sendo a origem mais provável, tese que não foi ainda admitida pela Administração Biden.

    De uma forma clara, apesar de ser considerada como uma hipótese forte para a origem da covid, a tese de uma fuga de um laboratório foi censurada pela Administração Biden, que influiu para as redes sociais censurarem esse tema em 2021, como o PÁGINA UM noticiou.

    Certo é que o laboratório de Wuhan foi um centro de pesquisas sensíveis envolvendo coronavírus, tornando assim uma ‘fuga’ como algo mais do que tecnicamente provável. Sabe-se que em Maio de 2014, o NIH atribuiu um financiamento, com o Número 1R01AI110964-01, a um projecto da EcoHealth intitulado “Understanding the Risk of Bat Coronavirus Emergence” (Compreendendo o Risco da Emergência de Coronavírus de Morcego”, que oficialmente decorreu até 31 de Maio de 2019.

    No resumo deste projecto, anterior à pandemia – e portanto do ‘nascimento oficial’ do SARS-CoV-2 -, referia-se que, com base em coronavírus existentes em morcegos da região de Wuhan, além de outras tarefas, seriam usados nesta investigação “dados de sequência da proteína S, tecnologia de clones infecciosos, experimentos de infecção in vitro e in vivo e análise de ligação ao receptor” para testar eventuais ‘saltos zoonóticos’.

    Além de ser o presidente da EcoHealth, Peter Daszak era o Investigador Principal (PI) daquele projecto que listava como parceiro o Wuhan Institute of Virology, na China.

    Wuhan Institute of Virology, China.

    O projecto envolvia “o estudo de agentes altamente patogénicos, o que exigiu a adesão do principal beneficiário (EcoHealth) e do seu parceiro (WIV) aos requisitos específicos de segurança de biocontenção (biossegurança)”, segundo o NIH. Ou seja, “esta subvenção estava sujeita aos requisitos de biossegurança estabelecidos” no NIH.

    Em 17 de Outubro de 2014, a Casa Branca anunciou uma pausa no financiamento de projectos de investigação ‘gain-of-function’ (GoF) que pudessem “conferir atributos a vírus da gripe, da síndrome respiratória do Médio Oriente (MERS) ou da síndrome respiratória aguda grave (SARS)”, aumentando a sua “patogenicidade e/ou transmissibilidade em mamíferos por via respiratória”, como aconteceu com o SARS-Cov-2.

    Numa carta data de 28 de Maio de 2016, enviada ao NIH, em resposta a um pedido de informação sobre um outro projecto financiado pelo governo norte-americano, com o Número 5R01AI110964-03, a EcoHealth explicou que o objetivo do trabalho proposto era construir MERS e coronavírus (CoVs) quiméricos semelhantes ao MERS, a fim de compreender as origens potenciais do MERSCoV em morcegos, estudando em detalhe os CoVs semelhantes ao MERS de morcegos.

    A carta da EcoHealth tentava evitar que o financiamento para este projecto fosse travado devido às novas normas que proíbam o GoF. Nessa carta, a EcoHealth afirmava que acreditava que era altamente improvável que o trabalho proposto tivesse qualquer potencial patogénico.

    Peter Daszak, presidente e investigador principal da EcoHealth Alliance. (Foto: D.R.)

    Agora, na sequência das pressões provocadas pelas revelações da Subcomissão durante o presente mês de Maio, o NIH requereu informação específica à EcoHealth e ao WIH. Não obtendo respostas, concluiu que “a pesquisa no WIV provavelmente violou os protocolos do NIH em relação à biossegurança”.

    No início deste mês, a EcoHealth ainda mantinha três projectos financiados pela Administração Biden: o projecto número 5U01AI151797-04 sobre “Understanding Risk of Zoonotic Virus Emergence in Emerging Infectious Diseases (EID) Hotspots of Southeast Asia”; o projecto número 5U01AI153420-04 sobre “Study of Nipah virus (NiV) dynamics and genetics in its bat reservoir and of human exposure to NiV across Bangladesh to understand patterns of human outbreaks”; e o projecto número 5R01AI163118-02 sobre “Analyzing the potential for future bat coronavirus emergence in Myanmar, Lao”.

    Segundo o NIH, “uma revisão do texto resumo da base de dados RePORTER do NIH documenta que
    os números de concessão de financiamento 5U01AI151797-04, 5U01AI153420-04 e 5R01AI163118-02 são exclusivamente focados em doenças infecciosas emergentes, agentes patogénicos altamente transmissíveis ou novos vírus”.


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  • Vacinas contra a covid-19: Miguel Guimarães deu ‘boleia ilegal’ a uma “personalidade política” por “necessidade e oportunidade”

    Vacinas contra a covid-19: Miguel Guimarães deu ‘boleia ilegal’ a uma “personalidade política” por “necessidade e oportunidade”

    Há três anos, no início da fase de vacinação contra a covid-19, e quando escasseavam doses, o então bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD, Miguel Guimarães, conseguiu que a task force, liderada por Gouveia e Melo, aceitasse disponibilizar doses a cerca de quatro mil médicos que não estariam nas prioridades de uma norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS). A revelação, feita pelo PÁGINA UM numa investigação publicada em Dezembro de 2021, deu origem a um processo de esclarecimento da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). Mais de um ano depois, e no decurso de mais uma intimação do PÁGINA UM, a IGAS diz que afnal tudo foi legal, embora tenha ‘manipulado’ a data da actualização da norma que definia as prioridades, nunca quis ver nem conferir a lista de alegados médicos, e nem sequer se preocupou com um e-mail (que se encontra no processo) de Miguel Guimarães a Gouveia e Melo, então líder da task force, a confessar que houve uma “personalidade política” que beneficou deste esquema. Apesar de se estar perante uma evidente inspecção de ‘faz-de-conta’, a IGAS decidiu mesmo assim remeter ao Ministério Público os estranhos expedientes que levaram ao pagamento de uma contrapartida financeira ao Hospital das Forças Armadas, e que saiu de uma conta solidária pejada de irregularidades e ilegalidades, gerida por Miguel Guimarães, Eurico Castro Alves e Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde.


    Tudo se passou em 2021, e agora, em 2024, há quem esteja muito interessado em esfregar uma borracha para apagar tropelias. Mais de um ano de diligências, apenas dois pedidos de esclarecimento, uma lista de quatro mil médicos vacinados contra a covid-19 que ninguém assume ter visto e analisado, e ainda uma desconhecida “personalidade política” à boleia para apanhar uma dose por uma “questão de necessidade e oportunidade” – e eis o ‘saldo’ de um estranho processo de esclarecimento conduzido pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) no decurso de uma investigação do PÁGINA UM publicada em Dezembro de 2022, e que ficou concluído apenas no final do mês passado, no decurso de uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Em causa estavam fortes suspeitas de ‘conluio’ entre o então coordenador da task force, Gouveia e Melo, e o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que, contrariando normas da Direcção-Geral da Saúde, tinham conseguido vacinar médicos não-prioritários numa altura em que escasseavam doses que estavam então a ser direccionadas para os mais vulneráveis. O caso envolvia também o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida, sendo que quem pagou a verba foram os gestores da campanha ‘Todos por quem cuida’, apesar da factura ter sido emitida em nome da Ordem dos Médicos, que depois passou falsas declarações de donativos a quatro farmacêuticas.

    Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD.

    No seguimento de um conjunto de investigações do PÁGINA UM à gestão da campanha de solidariedade ‘Todos por uma causa’, cheia de irregularidades e ilegalidades – incluindo facturas falsas e fuga aos impostos –, que recebeu sobretudo das farmacêuticas cerca de 1,4 milhões de euros, a IGAS decidiu abrir um processo formal de esclarecimentos. O objectivo seria, numa fase inicial, apurar se existiam indícios de irregularidades ou ilegalidades por parte de médicos e da própria Ordem dos Médicos.

    Ainda em Janeiro de 2023, na sua primeira intervenção, a IGAS decidiu pedir apenas “esclarecimentos sobre o teor da notícia” do PÁGINA UM ao núcleo de coordenação do processo de vacinação, então já coordenado por Carlos Penha Gonçalves, e à Ordem dos Médicos, ainda liderado por Miguel Guimarães. Nem sequer é solicitada qualquer documentação. E logo numa primeira informação de uma inspectora surge um primeiro erro: diz-se que Gouveia e Melo era o coordenador da task force desde o primeiro despacho governamental de Novembro de 2020. Não era: apenas assumiu essa função depois da demissão de Francisco Ramos no início de Fevereiro de 2021, exactamente por irregularidades no processo de vacinação contra a covid-19 no Hospital da Cruz Vermelha, onde era administrador.

    Porém, os ofícios da IGAS enviados tanto para a task force como para a Ordem dos Médicos são ’meigos’, porque solicitam apenas esclarecimentos, não sendo sequer pedido a listagem dos supostos médicos vacinados que, conforme destacado pela notícia do PÁGINA UM, não integrariam a Fase 1 de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Ou seja, somente conferindo as listas se poderia aferir que tipo de médicos tinham sido vacinados, e se à ‘boleia’ tinha havido outras pessoas vacinadas que nem sequer eram profissionais de saúde.

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    Carlos Penha Gonçalves, que substituiu Gouveia e Melo, respondeu à IGAS num simples e curto e-mail em Março do ano passado. E garantiu, obviamente, que estava tudo perfeito, destacando que o “processo de vacinação primária contra a covid-19 de profissionais de saúde decorreu em acordo com a Norma nr. 002/2021, que determinava que os profissionais de saúde diretamente envolvidos em prestação de cuidados a doentes, constituíam um grupo de [sic] prioritário para vacinação dentro da fase 1 da campanha”. Dessa forma, acrescentava estre responsável, tornavam-se assim imediatamente elegíveis aqueles que tivessem registo nas diversas instituições tuteladas pelo Ministério da Saúde, acrescentando ainda que essas “pessoas eram vacinadas pelas unidades prestadoras de saúde, sob compromisso de que as vacinas eram administradas aos profissionais abrangidos” pela norma da DGS.

    Quanto aos outros, Penha Gonçalves descartou responsabilidades, dizendo que a “vacinação de profissionais de saúde não enquadradas nestas instituições” foi feito em articulação com as ordens de profissionais de saúde, que “se responsabilizaram por identificar os profissionais elegíveis para vacinação, sob compromisso da adesão” às normas da DGS. A seguir, acrescenta, “após o processo de identificação dos profissionais a vacinar, a sua vacinação foi organizada quer por recurso a unidades prestadoras de cuidados de saúde” ou ainda “por convocação para centros de vacinação covid-19”. Ou seja, entraram também no sistema de vacinação convencional.

    Mas isso, acaba por admitir Penha Gonçalves, não sucedeu com a Ordem dos Médicos. Aqui houve um regime de excepção. Os médicos que Miguel Guimarães haveria então de enviar a Gouveia e Melo não passou pelo circuito oficial, nem a vacinação decorreu em unidades do sistema oficial, tendo-se optado por vacinar cerca de quatro mil pessoas em instalações militares contra o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, que haveria de ser suportada pelo fundo “Todos por uma causa”, gerida por uma conta pessoal de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. A actual ministra deu em concreto, com Castro Alves, a ordem de pagamento às Forças Armadas. A factura, porém, seria enviada pelo Hospital das Forças Armadas à Ordem dos Médicos, que passaria depois declarações falsas a quatro farmacêuticas, como se fossem estas a fazer donativos directos.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force.

    Penha Gonçalves reitera no seu e-mail que “todos os médicos vacinados neste processo específico foram elegíveis pela Ordem dos Médicos”, não tendo sido permitida a “vacinação de médicos à margem das normas”. Mas a task force não enviou absolutamente nenhuma lista com nomes para comprovar a legalidade – que, aliás, não foi pedida nem antes nem depois da resposta de Penha Gonçalves.

    Mas é com a resposta de Miguel Guimarães que, de forma talvez inadvertida, se revela um aspecto insólito – e até ilegal, para além de eticamente reprovável, sobretudo por ter ocorrido num período de escassez de vacinas.

    O actual deputado do PSD começa, na sua resposta ao IGAS, por atacar o PÁGINA UM, salientando que a notícia em causa “deturpa a realidade dos factos, como de resto [alegadamente] sucede com as notícias que aquele jornalista publica”. E depois tenta justificar a razão de não terem sido incluídos como prioritários alguns milhares de médicos – entre os quais, acrescente-se, deveria estar então o próprio Miguel Guimarães, por ocupar a função de bastonário, e portanto, nem ter actividade directa em doentes. Mas, na verdade, o bastonário pôs-se logo na ‘primeira fila’, conseguindo ser vacinado em finais de Dezembro de 2020 como médico do Hospital de São João, embora estivesse então em exclusivo na Ordem dos Médicos, não tendo assim contacto com doentes.

    Miguel Guimarães refere ainda que desde Janeiro de 2021 remetera à então ministra da Saúde, Marta Temido, uma reclamação por causa da existência de médicos não integrados no grupo prioritário, que, na verdade, seria um parecer do Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos. O conteúdo desse parecer não foi sequer enviado à IGAS nem a IGAS o solicitou posteriormente.

    Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, ao lado de Miguel Guimarães. Geriram em conjunto uma conta solidária, titulada por eles juntamente com Eurico Castro Alves, de onde saiu o dinheiro para pagar cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida da vacinação de médicos não-prioritários.

    Nos documentos enviados por Miguel Guimarães constam ainda missivas do primeiro coordenador da task force, Francisco Ramos, em papel timbrado da Secretaria de Estado da Saúde, onde informa que, na “sequência de reuniões realizadas”, solicita à Ordem dos Médicos uma lista de médicos que “exerçam a sua actividade de prestação directa de cuidados, de forma não integrada em hospitais públicos, privados ou sociais ou em outras entidades prestadoras de saúde já mobilizadas parta a execução do plano de vacinação”. Mas essa lista nunca se viu, nem Miguel Guimarães a enviou à IGAS; e nem a IGAS a quis ver.

    Com a chegada de Gouveia e Melo à task force em Fevereiro de 2021, de acordo com a documentação a que o PÁGINA UM teve acesso, a informalidade espraia-se. Já não há papel timbrado nem ofícios. Faz-se tudo por correio electrónico, embora com uma inusitada reverência. Miguel Guimarães trata Gouveia e Melo com um “Distinto Senhor Coordenador da Task-Force Mui Ilustre Vice-Almirante”.

    Em 19 de Fevereiro de 2021, poucas semanas depois do actual Chefe do Estado-Maior da Armada ter tomado posse como coordenador da task force, Miguel Guimarães envia-lhe por e-mail “uma base de dados com médicos que querem ser vacinados, e cumprem os critérios definidos pela DGS”. Essa lista não é conhecida, não foi fornecida pela task force nem pela Ordem dos Médicos à IGAS. E a IGAS não a quis sequer ver, sendo que essa era a questão óbvia num decente e idóneo processo de esclarecimento.

    Mas, de acordo com esse e-mail de Miguel Guimarães, nessa altura a lista nem estava ainda concluída, dizendo ele que “continuamos a receber mais inscrições de médicos que ainda não foram vacinados e continuam no activo”, prometendo enviar mais tarde “uma nova base de dados de forma a evitar sobreposições”. Embora estranhamente não haja qualquer resposta de Gouveia e Melo às missivas de Miguel Guimarães, tudo evoluiu rapidamente para a vacinação de cerca de quatro mil alegados médicos – e reitera-se alegados médicos porque não se conhece a lista final de nomes –, cujas vacinas foram administradas em unidade militares. Pelos e-mails de Miguel Guimarães sabe-se o número daqueles que tinham menos de 65 anos, porque receberam a vacina da AstraZeneca, e aqueles que tinham mais de 65 anos, pois receberam a da Pfizer.

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    Além de se vacinarem médicos não-prioritários numa altura de escassez, Miguel Guimarães ainda permitiu que uma “personalidade política” recebesse uma dose por uma “questão de necessidade e oportunidade”.

    Em finais de Fevereiro de 2021, além das pessoas indicadas pela Ordem dos Médicos a viverem no Continente, Miguel Guimarães ainda indicaria 27 médicos da Madeira e 42 dos Açores para serem vacinados, mas no processo fica-se sem saber também quem eram e se houve mesmo inoculação das doses. A IGAS não teve curiosidade em saber.

    Mas essa informação até existirá, eventualmente, num “relatório final da primeira fase” desta operação de vacinação que Miguel Guimarães prometeu, em mensagem de correio electrónico de 17 de Março de 2021, enviar “brevemente” a Gouveia e Melo. Também a IGAS não quis saber deste relatório nem quis saber se houve outros relatórios.

    E também não quis a IGAS aprofundar uma surpreendente informação transmitida nesse e-mail pelo antigo bastonário. Miguel Guimarães congratula-se, nessa missiva a Gouveia e Melo, que a administração da primeira dose “decorreu de forma organizada e serena, tendo todas as vacinas sido administradas a médicos, sem desperdícios”. Mas, na verdade, houve uma excepção, como o actual deputado do PSD convidado por Luís Montenegro para ser cabeça-de-lista no Porto acaba por informar o actual Chefe do Estado-Maior da Armada: houve uma dose “administrada em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade” – mas, presume-se, profundamente ilegal.

    No e-mail, Miguel Guimarães não indica o nome dessa “personalidade política” nem existe nos documentos enviados pela Ordem dos Médicos qualquer reacção de Gouveia e Melo. E também não explicita qual foi a questão de necessidade e a questão de oportunidade, e quais as eventuais contrapartidas por essa liberalidade. A IGAS também aqui não pediu mais quaisquer esclarecimentos. Contudo, o PÁGINA UM perguntou a Miguel Guimarães, por e-mail, o nome do político que foi à boleia deste método organizado pela Ordem dos Médicos à margem do circuito oficial. Silêncio absoluto.

    Extracto do e-mail de 17 de Março de 2021 enviado por Miguel Guimarães a Gouveia, admitindo a administração de uma dose “em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade”.

    Apesar dos “esclarecimentos” à IGAS feitos pela Ordem dos Médicos e pela task force terem sido enviados em Março de 2023, o processo de esclarecimento esteve completamente parado, não havendo qualquer movimento do processo durante longos meses, mesmo apesar de diversas solicitações de informação do PÁGINA UM. A IGAS somente avançaria com a conclusão do processo no decurso de (mais) uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em Abril passado – a terceira do PÁGINA UM que visa em concreto esta entidade dirigida por Carlos Carapeto.

    O relatório final do processo de esclarecimento, da autoria da inspectora Aida Sequeira, chegou assim a conclusões que nem sequer se encontram plasmadas em qualquer documento. Com efeito, o relatório destaca que “a ponderação e preparação do processo de vacinação foi do conhecimento da DGS e do responsável máximo pela tutela da saúde, a então Ministra da Saúde”, mas, na verdade, não existe qualquer documento que comprove esse conhecimento por parte da DGS, que é a Autoridade de Saúde Nacional e a única entidade responsável pela norma eventualmente violada.

    Acresce também que a IGAS omite na sua análise a impossibilidade legal da então task force dirigida por Gouveia e Melo negociar procedimentos com a Ordem dos Médicos ou outra qualquer entidade. Somente em Abril desse ano, Gouveia e Melo obteve poderes reforçados através de um despacho governamental.

    Mas o relatório final da IGAS faz ainda pior, numa tentativa de ‘legalizar’ os médicos não-prioritários. Com efeito, a inspectora Aida Sequeira diz que a norma 002/2021 tinha tido uma “actualização a 17 de fevereiro de 2021”, que passava a incluir na Fase 1 os “profissionais envolvidos na resiliência do sistema de saúde e de resposta à pandemia e do Estado”, bem como “outros profissionais e cidadãos, definidos pelo órgão do governo, sobre [sic] proposta da Tak-Force”. Porém, isso é falso. Na verdade, a actualização de 17 de Fevereiro não é de 2021, mas sim de 2022, conforme se pode constatar na consulta dessa norma. E, de facto, essa inclusão alargada dos profissionais envolvidos na resiliência do sistema de saúde até se verificou em 31 de Agosto de 2021, numa fase de maior oferta de vacinas pelas farmacêuticas. Ou seja, a introdução de uma referência completamente falsa a uma alteração da norma da DGS no dia 17 de Fevereiro de 2021 não aparenta nada ser um mero lapso.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde. Mais de um ano num processo de esclarecimento de ‘faz-de-conta’, com erros, omissões e até manipulações de datas.

    Não existe também no processo qualquer documento que comprove a afirmação da inspectora Aida Sequeira de que “em Janeiro de 2021, o Secretário de Estado da Saúde, com conhecimento à DGS, oficiou a Ordem dos Médicos no sentido de que fosse disponibilizada ‘(…) uma base de dados de contactos de médicos com actividade de prestação de cuidados, de forma não integrada em hospitais públicos, provados ou sociais ou em outras entidades prestadoras de cuidados de saúde já mobilizados”. A inspectora da IGAS diz que essa informação proveio de “diligências adicionais promovidas por esta Inspecção-Geral”, embora não haja qualquer nota sobre a fonte nem sequer o documento que confirme o necessário conhecimento, verificação e aprovação da lista enviada pela Ordem dos Médicos.

    Assim, e apesar de se ficar sem saber quem afinal eram as cerca de quatro milhares de pessoas vacinadas sob a batuta de Miguel Guimarães – e se eram todos médicos, e se todos cumpriam os critérios da norma da DGS, porque a IGAS nada pediu –,a inspectora concluiu “pela conformidade legal da inoculação da vacina contra a covid-19 aos profissionais de saúde, circunscrita a Fevereiro de 2021”, determinando o arquivamento. Ficou assim também ‘apagado’ o pecadilho da “personalidade política” vacinada à margem da lei por uma “questão de necessidade e oportunidade”.

    Em todo o caso, sobre as suspeitas de irregularidades na contabilidade financeira da Ordem dos Médicos no processo de ‘contratação’ do Hospital das Forças Armadas, a IGASA decidiu enviar o processo para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) de Lisboa.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao inspector-geral da IGAS, Carlos Carapeto, sobre a ausência de análise da lista dos alegados médicos vacinados, bem como a razão pela qual não se quis identificar a “personalidade política” que beneficou de uma dose à margem da lei. Não se obteve resposta às perguntas.


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  • 2023 com mínimos históricos na taxa de mortalidade infantil em meninas

    2023 com mínimos históricos na taxa de mortalidade infantil em meninas

    A taxa de mortalidade infantil em Portugal tem-se mantido em níveis muito baixos nas últimas décadas, mas continuam a bater-se recordes. No ano passado, de acordo com dados revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística, a taxa para o sexo feminino foi o mais baixo de sempre, aproximando-se da fasquia dos dois óbitos por mil nascimentos. Há cinco décadas, esta taxa era 40 vezes superior e há um século chegava a ser mais de 100 vezes superior. Apesar do bom ‘desempenho’ das meninas, a taxa de mortalidade infantil global em 2023 foi ligeiramente superior à registada em 2021, em plena pandemia. Por regiões, há diferenças: a Península de Setúbal registou a maior taxa, sendo que o Algarve mostrou os melhores números.


    Há um século, um em cada quatro bebés não chegava em Portugal ao final de um ano de vida; a esmagadora maioria finava-se em menos de dois meses. Uma época não assim tão longínqua em que o natural era os pais enterrarem os filhos. Há pouco mais meio século, o Estado Novo deixava uma situação um pouco melhor, mas ainda na cauda da Europa, com cinco em cada 100 recém-nascidos a falecerem antes dos 12 meses. A partir daí, as evoluções tecnológicas, as artes da Medicina e o desenvolvimento económico têm alcançado sucessos dignos, neste caso, de Primeiro Mundo. Ainda mais quando a margem de melhoria é agora bastante estreita face aos valores já muitíssimo baixos.

    Mas 2023 ainda trouxe motivos de festejo. De acordo com dados revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística, no ano passado conseguiu-se que a mortalidade infantil no sexo feminino – que sempre foi mais baixo do que a registada em meninos – descesse o valor mais baixo de sempre: apenas 2,07 por cada mil crianças nascidas. Este dado representa uma descida ligeira face aos 2,43 em cada mil registados em 2022.

    No caso das crianças do sexo masculino, a taxa de mortalidade infantil situou-se no ano passado em 2,81, um ligeiro agravamento face aos 2,80 registados no ano anterior. O valor mais baixo de mortalidade infantil masculina observou-se em 2020 com 2,49 óbitos em cada mil.

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    (Foto: D.R.)

    Apesar da situação favorável nas meninas, a taxa de mortalidade infantil global fixou-se em 2,45, ligeiramente acima do mínimo histórico de 2,43 observado em 2021. Essa situação deve-se também, em parte, ao facto de nascerem mais rapazes do que raparigas, geralmente numa proporção de 55/45. Ao longo de 2023 registaram-se, em termos absolutos, 215 óbitos de menores de um ano em Portugal. A maioria morreu nos primeiros 28 dias de vida – ou seja, mortalidade neonatal -, sendo que destes, 88 não sobreviveram para lá dos 7 dias após o nascimento. Em geral, são casos de malformações congénitas graves não detectadas durante a gestação ou já numa fase em que se se mostra legalmente impossível a interrupção da gravidez.

    Por regiões, foi na Península de Setúbal que se registou a maior taxa de mortalidade de recém-nascidos, com 3,3 óbitos por mil nascimentos. Seguiu-se a região do Alentejo, com uma taxa de 2,8, e a região Centro e a Madeira, com 2,3. Onde morreram menos recém-nascidos foi na região do Algarve, com uma taxa de 1,1, e do Norte, com 1,5.

    Evolução da taxa de mortalidade infantil em Portugal entre 1970 e 2023 para o sexo masculino (H) e feminino (M) e total (HM) /. Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE)

    Para o pediatra Jorge Amil Dias, que é também o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, estes dados estatísticos entre anos devem sempre ser analisados sempre com cautela. “Nesta fase, são variações muito pequenas, não se podem tirar conclusões sérias”, afirmou em declarações ao PÁGINA UM.

    O pediatra destaca, por isso, que como em Portugal já se registam habitualmente valores muito baixos de mortalidade infantil, “ se houver qualquer variação” quer para cima quer para baixo, deve-se ser “prudente e não tirar conclusões de imediato” sem fazer uma análise dos casos.

    De acordo com os dados do INE, a taxas de mortalidade infantil e neonatal tem vindo a descer ao longo das décadas de forma sistemática, evidenciando a inexistência de crises sanitárias graves comoas existentes sobretudo até aos anos 50 do século passado, onde as diarreias e as gastroenterites causavam morticínios sobretudo nos meses de Verão e Outono, muito por via também da péssima qualidade de e fata de tratamento de esgotos e lixos. Os programas de vacinação também controlaram surtos de diversas doenças transmissíveis que causavam por anos algumas centenas de mortes até aos anos 70. Para haver um termo de comparação, em 1975, a taxa de mortalidade infantil global foi de cerca de 39 em cada mil, ou seja, quase 4%. No caso das meninas recém-nascidas foi de um pouco menos de 35 e no dos meninos de quase 43.

    Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria da Ordem dos Médicos.

    O acesso a melhores cuidados de saúde materno-infantil, as melhorias registadas ao nível do saneamento básico no país, cuidados de higiene e alimentação ajudam a explicar a forte redução da mortalidade infantil ao longo das últimas décadas, embora também a possibilidade de interrupção voluntária de gravidez por via de malformações letais contribuam para os valores bastante baixos.

    Em todo o caso, é quase impossível melhorara mais neste importante indicador de Saúde Pública. Nos últimos 10 anos, a taxa global de mortalidade neonatal apenas subiu acima dos 3 em cada mil em dois anos. Em 2016, atingiu os 3,24, o que compara com 2,92 no ano anterior. Depois, em 2018, aumentou para 3,3 de 2,66 um ano antes.


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  • Vacina da AstraZeneca deixa mercado, mas sob suspeita de 3.010 mortes

    Vacina da AstraZeneca deixa mercado, mas sob suspeita de 3.010 mortes

    Foi um tabu imposto quase a ‘ferro e fogo’, com obscurantismo e manipulação, com censura política e nas redes sociais, incluindo perseguição ou ostracismocomo de quem apontava que a estratégia de vacinação massiva contra a covid-19 não estava a defender o primado da prudência nem o princípio do consentimento (bem) informado sobre os benefícios e riscos. Mas depois de um negócios de mutos milhares de milhões, e com o tempo a revelar as verdades, como historicamente sempre sucede, fica-se agora a saber que a AstraZeneca, enquanto saiu de «mansinho’ do mercado das vacinas contra a covid-19, alegando apenas razões financeiras, vai entretanto assumindo cada vez mais efeitos adversos. No sistema de vigilância da Agência Europeia do Medicamento, a AstraZeneca já assumiu este ano em 29 casos que a sua vacina foi a causa inequívica de mortes, mas sob suspeita estão 217 óbitos. Desde 2021, foram administradas no Espaço Económico Europeu cerca de 130 milhões de doses da vacina desta farmacêutica anglo-sueca, baseada num adenovírus modificado, havendo suspeita de terem causado, até agora, 3.010 mortes. No Reino Unido estão 51 processos judiciais que exigem indemnizações de 100 milhões de libras.


    Até à passada sexta-feira, o sistema de vigilância às reacçõea adversas da Agência Europeia do Medicamento contabilizava 3.010 registos de ocorrência de mortes sob forte suspeita de estarem associadas à administração da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca, de acordo com uma pesquisa do PÁGINA UM. Tal como sucedeu com a vacina desenvolvida pela Jannsen, a Astrazeneca não optou pela tecnologia mRNA, desenvolvendo a sua vacina baptizada Vaxzevria a partir de um adenovírus que foi modificado para conter o gene que produz a proteína S (Spike) do SARS-CoV-2.

    Apesar de anteontem ter retirado voluntariamente do mercado a sua vacina, alegando somente razões financeiras – foi reportado em finais de Abril um prejuízo de 17 milhões de dólares no primeiro trimestre deste ano –, o rastro de efeitos adversos não está a diminuir. Pelo contrário, evidenciam-se, com maior gravidade, os problemas que surgiram logo em 2021.

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    Só nos registos deste ano da base de dados EudraVigilance, consultada em detalhe pelo PÁGINA UM, a vacina da farmacêutica anglo-sueca, mesmo não tendo sido já usada nos últimos dois anos – em Portugal acabou por ser a ‘escolha imposta’ em oito em cada 100 doses administradas – contabiliza 1.392 reacções adversas graves, estando associadas a 217 mortes.

    Embora os reguladores e diversos peritos, muitos dos quais associados á indústria farmacêutica, tentem sempre relativizar estes registos – alegando que a inclusão de casos no sistema da EMA não é uma certeza de causalidade –, na lista de reacções adversas associadas à Vaxzevria surgem com grande preponderância gravíssimos problemas associados ao sistema circulatórios, entre os quais tromboses, em muitos casos ligadas a trombocitopenia imune, embolias, ataques cardíacos ou mesmo mortes súbitas.

    Actualmente, já se assume mesmo a existência de uma nova doença: a VITT, acrónimo de trombocitopenia imune induzida por vacina, um uma síndrome de trombose agressiva com risco de vida. De início, a incidência foi estimada em um caso por 26.500 a 127.300 doses, consoante os estudos, sendo menores nos reforços. Na base de dados da EMA está reportado por agora, apenas para esta afecção, 823 casos, sendo 31 fatais e 281 referidos como não recuperados. Se os números não aumentarem, e tendo em consideração que o European Centre for Disease Prevention Control aponta a administração de quase 130 milhões de doses da AstraZeneca, a incidência é de um caso por cada 159 mil doses.

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    Nesta linha, apenas para esta afecção específica, estima-se assim cerca de 15 casos. Porém, para a globalidade das afecções do sistema circulatório e linfático, a EMA registou já, para a Vaxzevria, mais de 26 reacções adversas, na esmagadora maioria na população dos 18 aos 64 anos – ou seja, se estarem nos grupos etários mais vulneráveis à covid-19 –, estando indicadas 411 mortes e 5.701 situações sem recuperação.  Quanto às afecções cardíacas, para a vacina da AstraZeneca estão reportados na EudraVigilance  25.818 reacções adversas de diversas gravidade, estando indicado que 1.079 resultaram em morte e em 6.173 não houve recuperação. Refira-se que as reacções adversas podem, no mesmo indivíduo, resultar em diversas reacções adversas.

    No entanto, para a Vaxzevria ressalta este ano, nos registos na EudraVigilance para os países do Espaço Económico Europeu, os registos onde se assume, de forma já clara, a existência de mortes inequivocamente associadas à reacção imunológica. Com efeito, de acordo com a consulta detalhada  feita pelo PÁGINA UM à base de dados da EMA – que regista as reacções adversas analisadas previamente pelos reguladores antes do seu envio –, só entre Janeiro e 3 de Maio deste ano foram reportadas 36 mortes com indicação expressa de “reacção adversa à vacinação” (vaccination adverse reaction, no original), havendo ainda mais seis casos graves que não resultaram em morte. Destes 36 desfechos fatais, 29 foram reportados pela próproa AstraZeneca, e em dois casos foi a Moderna, uma vez que estava em causa a existência de boosters (reforços). Para reforçar a veracidade desta assumpção, o PÁGINA UM disponibiliza, em anexo, todos os registos destes casos, alguns envolvendo a inoculação com outras marcas, uma vez que houve reforços em certas ocasiões.

    Em anos anteriores, desde a aprovação da vacina da AstraZeneca, somente se encontra a assumpção na base de dados da EMA de se estar perante casos mortais de reacção à vacina da AstraZeneca em quatro registos com desfechos fatais, dos quais três em 2021 e um em 2022. Este suposto agravamento dever-se-á sobretudo a razões de política de regulação, pois durante a pandemia tanto as farmacêuticas como os reguladores e autoridades políticas e de saúde pública procuraram minimizar a existência de efeitos adversos graves, buscando sempre destacar as vantagens da vacinação, mesmo em grupos etários pouco vulneráveis à covid-19, ‘instigados’ a serem inoculados.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: o PÁGINA UM anda há mais de dois anos a tentar obter acesso aos dados anonimizados do Portal RAM. O caso está em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul há mais de um ano.

    O número elevado de mortes reportados à EMA onde a Vaxzevria se mostra bastante suspeita durante os primeiros meses deste ano – num total de 217 – não significa que os eventos são recentes, antes sim que só agora passaram ‘no crivo’ dos especialistas e dos próprios reguladores nacionais.

    Aliás, ao contrário da ideia que por vezes se pretende transmitir para atenuar politicamente estes casos, os registos que constam na EudraVigilance não resultam de meras comunicações sem validação científica. Em grande parte dos casos, são as próprias farmacêuticas que os comunicam, por obrigação legal, de contrário podem ver agravadas as penas de responsabilidade; noutros casos, são ocorrências que resultam de investigação e validação científica quer por médicos quer pelos reguladores nacionais; noutros resultam da detectação dos chamados “estudos de caso” que resultam em artigos publicados em revistas científicas. Ora, esse processo pode demorar vários meses ou anos desde a primeira suspeita.

    Em todo o caso, por agora, o ano de 2022 é aquele com mais registos de mortes onde a Vaxzveria surge como forte suspeita de ser a causa, contabilizando-se 1.837 registos. Em seguida aparece o ano de 2021, com 631 óbitos associados. No ano passado encontram-se 325 registos de casos fatais. No entanto, se se considerar que os 217 casos mortais reportados até ao início de 2024, este ano está com mais relatos do que em 2021 e 2023.  

    Um dos registos na EudraVigilance, transmitida pela própria AstraZeneca este ano, onde assume um caso fatal por reacção adversa á vacinação.

    Recorde-se que, no âmbito de julgamentos no Reino Unido, a AstraZeneca acabou por admitir pela primeira vez num tribunal, no mês passado, que a sua vacina pode causar efeitos adversos graves, embora raros. A farmacêutica enfrenta já várias dezenas de processos que exigem indeminizações de 80 milhões de libras esterlinas.

    No entanto, nos países da União Europeia este tipo de ‘reivindicações’ será muito difícil, porque os contratos com cláusulas secretas celebrados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas concederam-lhes isenção de responsabilidades. Por exemplo, os eventuais pedidos de indeminização em Portugal terão de ser exigidos ao Estado que, através do Infarmed, controla toda a informação e sempre relativizou, escondeu e manipulou informação sobre os efeitos adversos das vacinas.


    N.D. Por várias vezes, o PÁGINA UM abordou o tema das reacções adversas das vacinas da covid-19, sendo que em duas resultaram em queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) por parte do Doutor Filipe Froes. Como desde 2020, este pneumologista – que não tem conflitos com nenhuma farmacêutica porque a todas tem sempre interesse em mercadejar – já recebeu, oficialmente, 26.467 euros em vários serviços prestados à AstraZeneca, mostra-se provável que venha a apresentar uma terceira queixa. Aliás, o PÁGINA UM instiga o Doutor Filipe Froes a novo booster, apresentando terceira queixa. Espera-se, contudo, que, desta vez, a ERC não seja tão facciosa na sua análise, opinando sobre rigor informativo quando claramente se mostra, nestas matérias, como sapateiro a tocar rabecão. E sobretudo que não minta, como o fez gravemente numa deliberação, a dizer que eu não respondi sequer à queixa, quando, na realidade, não recebi a carta. E a ERC sabia e tinha provas disso. Mas à ERC mostra não lhe interessar ser rigorosa quando recebe uma queixa sobre notícias relacionadas com Saúde escritas pelo PÁGINA UM. Interessa mais tentar descredibilizar o PÁGINA UM.


    Registo de mortes registadas este ano na EudraVigilance expressamente indicadas como reacções adversas (vaccination adverse reaction) após inoculação da Vaxxevria (em sete casos fora administrada também de outra marca)

    Caso 1

    Caso 2

    Caso 3

    Caso 4

    Caso 5

    Caso 6

    Caso 7

    Caso 8

    Caso 9

    Caso 10

    Caso 11

    Caso 12

    Caso 13

    Caso 14

    Caso 15

    Caso 16

    Caso 17

    Caso 18

    Caso 19

    Caso 20

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    Caso 22

    Caso 23

    Caso 24

    Caso 25

    Caso 26

    Caso 27

    Caso 28

    Caso 29

    Caso 30

    Caso 31

    Caso 32

    Caso 33

    Caso 34

    Caso 35

    Caso 36


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  • ‘Fumos de cartelização’ em negócios de transporte de doentes na região do Médio Tejo

    ‘Fumos de cartelização’ em negócios de transporte de doentes na região do Médio Tejo

    Na região do Médio Tejo abrem-se todos os anos concursos públicos para transporte de doentes, mas já se sabe antecipamente o resultado: ninguém ganha, porque ninguém concorre. Fica tudo deserto. Depois, também já se sabe o que se segue: dezenas de ajustes directos negociados entre a administração da actual Unidade Local de Saúde (ULS) do Médio Tejo e as empresas e corporações de bombeiros. Todos ganham, menos os contribuintes. Este ano, os ajustes directos já atingem para o transporte de doentes cerca de 4,6 milhões de euros, quando os três concursos públicas tinham, no total, um preço base de menos de três milhões de euros. O maior ajuste directo é de 1,2 milhões de euros e a quilometragem contratada dá para 50 voltas ao Mundo. Até a corporação do presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, António Nunes, ganhou um ajuste directo de 250 mil euros, apesar de distar cerca de 150 quilómetros do ‘coração’ do Médio Tejo.


    Nos últimos quatro anos, os sucessivos concursos públicos abertos pela actual Unidade Local de Saúde (ULS) do Médio Tejo para transporte de doentes não urgentes têm ficado desertos – ou seja, ninguém se manifesta interessado –, mas depois surgem mais de uma dezena de associações de bombeiros voluntários, empresas do sector e mesmo a Cruz Vermelha Portuguesa interessadas nos chorudos ajustes directos, onde os preços e condições são definidas caso-a-caso.

    Os contornos, até pela recorrência e pelos intervenientes, indiciam uma possível prática ilegal de cartelização – também conhecida, nesta tipologia, por cambão –, com o objectivo de concertar preços ou estratégias em detrimento do interesse e finanças públicas, estando a fiscalização sob a alçada da Autoridade da Concorrência.

    Foto: Médio Tejo.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM, só este ano a ULS do Médio Tejo – que integra agora três hospitais (Abrantes, Tomar e Torres Novas) e 34 centros de saúde – já celebrou 19 ajustes directos para transporte de doentes não urgentes que totalizam quase 4,6 milhões de euros, a que acresce IVA. O maior dos ajustes directos atinge o impressionante montante de 1,25 milhões de euros, com a empresa Ambulâncias Crespo, com sede em Fátima, que tem como referência transportar doentes entre unidades de saúde num total de 1.984.127 quilómetros durante nove meses, entre Abril e Dezembro deste ano. Contas feitas, o equivalente a quase 50 voltas ao Mundo. Acresce a este contrato um outro de 250 mil euros referente aos primeiros três meses deste ano.

    O segundo maior ajuste directo beneficia outra empresa privada: a Ambulâncias 111, uma empresa de Sintra, detida por Hélder Paiva, também presidente da Associação Portuguesa dos Transportadores de Doentes, que conseguiu um ajuste directo de 745 mil euros para transportar doentes em trajectos equivalentes a quase 30 voltas ao Mundo. Curiosamente, em Agosto do ano passado, este empresário assegurava que não se candidatava em concursos públicos, porque “os critérios não se adaptam à postura da [sua] empresa no mercado”, dizendo que os hospitais escolhiam sempre quem cobrava menos em detrimento da qualidade.  E, de facto, é mesmo verdade: a Ambulâncias 111 nunca ganhou um concurso público, embora conte 13 contratos, todos por ajuste directo – e todos, desde 2019, ao Centro Hospitalar do Médio Tejo, antecessor da ULS. O ‘maná’ dos ajustes directos apenas com este centro hospitalar já lhe granjeou uma facturação de mais de 5,3 milhões de euros.

    Foto: Médio Tejo

    A Ambulâncias 111 não é a única a fugir dos concursos públicos da ULS do Médio Tejo como o diabo da cruz, mas segue logo para o ‘beija-mão’ quando está na hora de negociar ajustes directos com a mesma entidade pública. A Ambulâncias Infante – denominada até meados do ano passado por Ambulâncias de Santa Maria de Alcobaça, desde que passou a sede para Tomar – ‘sacou’ um ajuste directo de 500 mil euros há cerca de um mês e meio, depois de se desinteressar pelos concursos públicos. Este é, no entanto, o sexto contrato, sempre por ajuste directo, que esta empresa celebra com a ULS do Médio Tejo para transporte de doentes não urgentes desde meados de 2022. Em menos de dois anos já facturou com este centro hospitalar mais de um milhão de euros. Não tem contratos com outra qualquer entidade pública até agora. Ou seja, também aparenta ter-se tornado numa ‘empresa da casa’.

    Na lista deste ano de ajustes directos para transporte de doentes surge também a Cruz Vermelha Portuguesa com três contratos assinados em Março: um de três meses por 30 mil euros; outro de um ano por 60 mil euros e outro de um ano por 200 mil euros. Contudo, a maioria das entidades contratadas são associações de bombeiros voluntários ou de socorros, quase todas da região centro. Este ano, contam-se ajustes directos para transporte de doentes com 11 associações de bombeiros ou de socorro, destacando-se os 500 mil euros com os bombeiros de Constância, os 300 mil euros com a Associação de Socorros da Freguesia da Encarnação, os 150 mil com os bombeiros de Fátima e os 250 mil euros com os bombeiros de Oeiras, apesar de distarem cerca de 150 quilómetros do coração do Médio Tejo. Saliente-se que a Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários de Oeiras é a entidade a que pertence António Nunes, o actual presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.

    De entre os contratos celebrados pela ULS do Médio Tejo para transportes, há porém um único que foi precedido de concurso público, ganho pela Rodoviária do Tejo, tendo havido a concorrência de outra empresa. Mas, neste caso, a prestação de serviços, num montante de cerca de 227 mil euros entre Fevereiro e Dezembro deste ano, não será por ambulância (nem para doentes propriamente), mas sim de pessoas para os diversos hospitais, através de autocarros com uma capacidade mínima de 25 lugares. Contudo, a Rodoviária do Tejo teve ainda direito para o mês de Janeiro a um ajuste directo para esse serviço no valor de 27 mil euros.

    Foto: Médio Tejo

    A administração da ULS do Médio Tejo confirmou ao PÁGINA UM que todos os anos, desde 2021, os concursos ficam desertos, não adiantando quaisquer medidas para evitar uma prática com aparentes características de cartelização. Segundo se apurou, em Novembro do ano passado, ainda pelo Centro Hospitalar do Médio Tejo, foram abertos três concursos públicos, todos para transportes de doentes não urgentes: um com o preço base de 1.417.500 euros, outro de 630 mil euros e outros ainda de 945 mil euros. Para um negócio público que, no conjunto, envolvia quase três milhões de euros, não houve qualquer interessado. Mas depois, para ajustes directos, distribuídos por quase duas dezenas de entidades e empresas, já houve interesse. Pudera: a ULS abriu os cordões à bolsa na fase dos ajustes directos, celebrando contratos no valor de 4.565.000 euros.

    No ano passado, em 2022 e em 2021, os esquemas foram similares. Concursos desertos, ajustes directos cheios. A actual ULS gastou quase 3,1 milhões em contratos de ‘mão-beijada’ para transporte de doentes não urgentes em 2023, no ano anterior gastara cerca de 2,6 milhões de euros, e em 2021 cerca de 2,5 milhões de euros. O único concurso público que surge no Portal Base para este centro hospitalar foi celebrado em meados de 2016, e findou em Dezembro de 2018, tendo sido ganho pelos bombeiros de Constância, com um preço contratual de 4,8 milhões de euros, ou seja, um pouco menos de dois milhões de euros em média anual.

    O aumento dos custos – cerca do dobro do que se gastava antes da pandemia – é justificado pela ULS do Médio Tejo por via da fusão dos centros de saúde com o centro hospitalar decidido pelo anterior Governo, e também por razões conjunturais pós-pandemia. “Temos ainda de considerar o pico inflacionário e o próprio aumento do preço por diploma […] para este tipo de serviço”, refere o gabinete de comunicação da ULS, destacando o aumento da actividade entre 2022 e 2023, com “mais 21% de cirurgias e mais 18% de partos, 8% de internamentos e 5% de atendimentos na sua urgência mais diferenciada, em Abrantes”.

    Francisco Casimiro Ramos, presidente da Unidade Local de Saúde do Médio Tejo. Foto: Médio Tejo.

    A administração da ULS não explica quais são os critérios para a escolha das entidades que beneficiam dos ajustes directos, apenas elencando duas dezenas e meia de associações de bombeiros e de empresas de transporte de doentes a que lançaram “convite”. Na lista entregue ao PÁGINA UM encontram-se entidades que acabaram por não assinar qualquer contrato por ajuste, desconhecendo-se como foi feita, na fase de negociação, a distribuição das verbas e o estabelecimento das condições contratuais. Em todo o caso, analisando alguns contratos, o preço por quilómetro é, por regra, de 63 cêntimos, havendo outros encargos a considerar caso a caso.

    Sobre o contrato com a associação de bombeiros de Oeiras, a ULS do Médio Tejo diz ser uma ‘herança’ vinda de um contrato celebrado com a extinta Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo para transporte de doentes de hemodiálise, mas garante que “nunca foi pedido qualquer transporte a esta corporação enquanto Centro Hospitalar, e que sempre que é necessário recorrer a corporações fora da nossa área geográfica por falta de resposta dos operadores locais é sempre solicitada a devida autorização ao Conselho de Administração, com a devida fundamentação para tal”.


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  • Covid-19: AstraZeneca retira ‘vacina problemática’ que este ano começou a dar prejuízo

    Covid-19: AstraZeneca retira ‘vacina problemática’ que este ano começou a dar prejuízo

    Mesmo a dar problemas desde o início, com efeitos adversos graves detectados logo em Abril de 2021, foram necessários três anos para que, de uma forma discreta, a AstraZeneca retirasse do mercado a sua vacina contra a covid-19, evitando uma decisão, sempre sensível politicamente, da Agência Europeia do Medicamento. Apesar da gravidade dos efeitos adversos, a AstraZeneca ainda conseguiu facturar em 2021 quase quatro mil milhões de dólares com a sua Vaxzevria, mas depois foi sendo ‘ostracizada’ e, nos anos seguintes, começou o descalabro. No primeiro trimestre deste ano até já registou prejuízos, da ordem dos 17 milhões de dólares, que estrarão associadas às eventuais indemnizações de meia centena de processos judiciais em curso no Reino Unido. Na União Europeia, a AstraZeneca não tem de se preocupar com responsabilidades, pois a Comissão von der Leyen negociou a isenção de pagamento de indeminizações para as farmacêuticas. A retirada de medicamentos associados à covid-19 não é inédito, e a própria AstraZeneca viu já colapsar o chorudo negócio de um anticorpo monoclonal depois de a Food & Drug Administration lhe ter suspendido a licença de comercialização nos Estados Unidos.


    No meio de 51 processos judiciais no Reino Unido sobre os efeitos adversos da sua vacina contra a covid-19, a AstraZeneca pediu à Comissão Europeia uma autorização para a retirada voluntária do mercado. Oficialmente, a Vaxzevria – nome comercial da vacina da farmacêutica anglo-sueca – vai deixar de ser comercializada a partir de amanhã, por razões de quebra da procura, mas essa costuma ser a ‘desculpa’ para antecipar uma expulsão pré-anunciada pelo regulador, neste caso a Agência Europeia do Medicamento (EMA).

    Com efeito, desde Abril de 2021, a Vaxzevria começou a dar indicações de graves efeitos adversos, mas a EMA manteve a autorização, embora mantendo uma monitorização adicional, que, neste momento, inclui ainda as vacinas contra a covid-19 da Pfizer, Janssen, Moderna e Hipra (uma farmacêutica espanhola que somente conseguiu aprovação no ano passado). Contudo, apesar de os peritos, como o pneumologista Filipe Froes – que colabora regularmente com a AstraZeneca –, tenham menorizado o problema, de uma forma discreta as autoridades de saúde na Europa foram descartando novas compras da Vaxzevria, mas sem assumirem os graves problemas na administração das doses já compradas ao abrigo dos acordos secretos da Comissão Europeia promovidos por Ursula von der Leyen.

    A AstraZeneca foi criada em 1999 pela fusão da sueca Astra com a inglesa Zeneca, tendo o seu core business nos fármacos no sector da oncologia.

    Na verdade, em Portugal, na Primavera de 2021, as autoridades manifestaram um completo desnorte. Depois de uma breve suspensão da administração da Vqaxzevria – que antes dos problemas detectados era administrada a menores de 65 anos –, a Direcção-Geral da Saúde decidiu que afinal se passaria a injectar aos maiores de 60 anos. E quem não a quisesse receber – porque nunca houve o ‘direito’ de se escolher a marca, mesmo se a incidência de efeitos adverso era distinta –, arriscava perder a tona, segundo para o fim da lista de prioridades.

    Em todo o caso, muito por causa destas polémicas, a vacina da Astrazeneca perdeu ‘força’ para a concorrência. De acordo com os dados do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), foram administradas até 5 de Outubro do ano passado 2.303.477 doses de Vaxzevria, cerca de 8,1% do total. As vacinas da Pfizer dominaram largamente com 74% das 28,3 milhões de doses administradas.

    A ostracização, embora discreta, a que a sua vacina foi votada – embora com ‘paninhos quentes’ para evitar uma ‘contaminação’ de má fama para as vacinas das outras farmacêuticas – reflectia-se já nas contas da AstraZeneca em 2022. Estando ainda a beneficiar dos acordos de compra secretos da Comissão Europeia, a Astrazeneca facturou ainda conseguiu facturar em 2021 com a sua vacina um total de 3.941 milhões de dólares em todo o Mundo, de acordo com o seu relatório financeiro anual.

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    No ano de 2022, já com o ‘ferrete’ dos efeitos adversos conhecidos, as receitas da Vaxzevria sofreram uma queda nas receitas de quase 55%, situando-se em 1.798 milhões de dólares. No ano passado confirmou-se o descalabro, já que quase ninguém comprou a vacina da AstraZeneca, que registou uma facturação para este fármaco de apenas 12 milhões de dólares, uma queda de 99,7% face a 2021. Os resultados do primeiro trimestre de 2024 da AstraZeneca, divulgados no passado dia 25 de Abril, indicam mesmo que a Vaxzeria já deu um prejuízo de 17 milhões de dólares, provavelmente devido a políticas de devoluções ou mesmo pela necessidade de assumir provisões para fazer face a eventuais indeminizações no Reino Unido.

    Saliente-se, contudo, que daquilo que se conhece dos acordos secretos da Comissão von der Leyen – que não se aplica ao Reino Unido –, as farmacêuticas que produziram vacinas contra a covid-19 estão desoneradas de qualquer responsabilidade para qualquer efeito adverso. Essas responsabilidades são assumidas pelos Estados, mas torna-se complexo provar esses efeitos quando os próprios reguladores, como o Infarmed, são tutelados pelos Governos, e mantêm a informação confidencial. Recorde-se, aliás, que o PÁGINA UM tem, desde finais de 2021, tentado obter informação detalhada (e anonimizada) da base de dados das reacções adversas, estando o processo de intimação agora em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul há mais de um ano.

    A retirada do Vaxzeria do mercado comunitário por iniciativa do próprio fabricante, antes de a EMA a impor, não é a primeira envolvendo medicamentos contra a covid-19. Em Julho do ano passado, a Merck Sharpe & Dohme retirou também de forma voluntária do mercado o seu antiviral molnupiravir, convenientemente dois meses antes de estudos científicos revelarem que afinal não só era ineficaz como até promovia mutações do SARS-CoV-2.

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    Já no mercado norte-americano, a Food & Drug Administration não teve contemplações e retirou do mercado em Janeiro do ano passado, por ineficaz, um anticorpo monoclonal da AstraZeneca supostamente para tratamento de pessoas vulneráveis contra a covid-19.

    Este medicamento ineficaz da AstraZeneca –que em Portugal tinha Filipe Froes como uma espécie de ‘embaixador’ – tinha facturado em 2022 uma maquia fabulosa: 2.185 milhões de dólares. No ano seguinte, por via da decisão do regulador do mercado norte-americano, a factura do anticorpo monoclonal da AstraZeneca derrapou para os 132 milhões de dólares, uma queda de 94%. No primeiro trimestre deste ano valeram uma facturação de apenas 2 milhões de euros, mostrando bem a forma como os ‘humores’ e ‘rigores’ dos reguladores podem causar a ‘sorte grande’ ou o ‘desastre financeiro’ de qualquer fármaco.


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  • Tratado Pandémico ganha ‘inimigo’ de peso nos Estados Unidos

    Tratado Pandémico ganha ‘inimigo’ de peso nos Estados Unidos

    As recentes alterações propostas ao plano de preparação para pandemias da Organização Mundial de Saúde (OMS) foram insuficientes para tranquilizar os maiores receios em torno do que está a ser planeado. Além de haver apelos para que seja adiado o prazo para a aprovação do polémico plano, um novo revés surgiu nos Estados Unidos. Todos os senadores do Partido Republicano estão contra a adesão do país ao plano que poderá dar mais poderes à OMS em caso de pandemia ou crise sanitária. Os 49 senadores Republicanos enviaram uma carta a Biden e avisam que qualquer acordo ou convenção sobre preparação para pandemias será considerado um tratado e terá de ter dois terços de votos a favor para passar no Senado. Os senadores pedem também que sejam feitas reformas na OMS antes de ser criado qualquer tratado. O plano da OMS envolve a criação de um acordo ou tratado e também alterações ao Regulamento Sanitário Internacional. Ambos estão em discussão e podem ser aprovados já no final de Maio. Entre os principais receios existentes está o alargamento dos poderes da OMS, o desrespeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como ameaças à liberdade de expressão.


    O que nasce torto será que se endireita? O plano da Organização Mundial da Saúde (OMS) para preparar o Mundo para novas pandemias enfrenta um novo obstáculo. Apesar de ter sofrido profundas alterações recentemente, as dúvidas em torno do plano persistem, incluindo nos Estados Unidos, onde todos os senadores do Partido Republicano mostraram estar contra a adesão do país ao plano da OMS.

    Esta semana, os 49 senadores Republicanos enviaram uma missiva ao presidente norte-americano pressionando Joe Biden a rejeitar o plano que poderá dar mais poderes à OMS em futuras e pandemias crises sanitárias.

    Na carta, os senadores deixam um apelo a Biden: “Pedimos fortemente que não adira a nenhum tratado, acordo ou convenção relacionados com pandemias que estejam a ser considerados”. Os países irão adoptar ou rejeitar o novo plano da OMS na 77ª Assembleia Mundial de Saúde, que tem início a 27 de Maio.

    (Foto: D.R.)

    O plano da OMS consiste na criação de um acordo ou convenção – o chamado Tratado Pandémico – e também envolve alterações ao Regulamento Sanitário Internacional (RSI). A oitava reunião do grupo de trabalho que está a negociar as alterações ao Regulamento, que decorreu na semana passada, ficou em standby e será concluída numa última sessão de dois dias, a 16 e 17 de Maio, anunciou a OMS. No total, o RSI envolve 196 países – os 194 países membro da OMS, o Liechtenstein e o Vaticano.

    No caso do Tratado Pandémico, a nona reunião foi suspensa a 28 de Março e os países acordaram retomar os trabalhos para concluir as negociações do texto entre 29 de Abril e 10 de Maio.

    Na carta datada de 1 de Maio, os senadores Republicanos recordaram que qualquer acordo do género seria considerado um tratado, pelo que exige “a concordância de dois terços do Senado nos termos do artigo I, secção 2, da Constituição”.

    Os senadores sublinham que “o fracasso da OMS durante a pandemia de covid-19 foi tão total quanto previsível e causou danos duradouros ao nosso país”. Por isso, frisam que o país “não se pode dar ao luxo de ignorar esta última incapacidade da OMS para desempenhar a sua função mais básica e deve insistir em reformas abrangentes da OMS antes mesmo de considerar alterações ao Regulamento Sanitário Internacional ou qualquer novo tratado relacionado com a pandemia que aumente a autoridade da OMS”.

    O Senator Republicano Ron Johnson liderou a iniciativa de pedir a Biden a não adesão ao plano pandémico da OMS. (Foto: D.R.)

    “Em vez de abordar as deficiências bem documentadas da OMS, o tratado concentra-se em transferências obrigatórias de recursos e tecnologia, destruindo direitos de propriedade intelectual, infringindo a liberdade de expressão e reforçando a OMS”, alertam os senadores na carta enviada a Biden.

    Mas os senadores também elencam uma série de falhas formais: “O artigo 55.º do RSI exige que o texto de qualquer alteração ao RSI seja comunicado aos Estados-Membros pelo menos quatro meses antes da WHA [World Health Assembly] em que devem ser considerados”. Frisam que, “uma vez que a OMS ainda não forneceu o texto final de alteração aos Estados-Membros, consideramos que as alterações relativas ao RSI podem não ser consideradas na WHA do próximo mês”.

    Na carta, é também destacado que “algumas das mais de 300 propostas de alterações feitas pelos Estados-membros aumentariam substancialmente os poderes de emergência sanitária da OMS e constituiriam violações intoleráveis à soberania dos EUA”. Assim, consideram que “era essencial que a OMS respeitasse o período de pré-aviso de quatro meses para dar tempo aos Estados-Membros para garantir que nenhum vestígio de tais propostas fosse incluído num pacote final de alterações para apreciação pela WHA”, contudo, “não o tendo feito, as alterações não são corretas”.

    “À luz dos elevados riscos para o nosso país e do nosso dever constitucional, apelamos a que (1) retire o apoio da sua Administração às atuais alterações do RSI e às negociações do tratado sobre a pandemia, (2) mude o foco da sua Administração para reformas abrangentes da OMS que resolvam os seus fracassos persistentes sem expandir a sua autoridade, e (3) caso ignore estes apelos, submeta qualquer acordo relacionado com a pandemia ao Senado para parecer e aprovação”, refere a carta.

    Sob a liderança de Joe Biden, os Estados Unidos estiveram no grupo de países que aplicou medidas radicais na pandemia de covid-19, muitas das quais sem fundamento na evidência científica. Além de impor confinamentos e fecho de escolas, foi imposta vacinação obrigatória contra a covid-19, mesmo sabendo-se que as vacinas não impedem nem a infecção nem o contágio. (Foto: D.R.)

    Outra preocupação dos senadores Republicanos é de que “avançar com um novo tratado de preparação e resposta à pandemia ignora o facto de que ainda não temos certeza das origens da covid-19 porque Pequim continua a bloquear uma investigação independente legítima”.

    Uma das hipóteses fortes levantadas desde o início da pandemia é de que a covid-19 teve origem numa fuga de um laboratório, uma tese que a administração Biden ordenou que as redes sociais censurassem em 2021, como o PÁGINA UM noticiou ontem. Ainda esta semana, Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, esteve a ser ouvido no Subcomité sobre a Pandemia de Coronavírus, nos Estados Unidos, sobre as ligações da organização a pesquisa conduzida num laboratório em Wuhan, na China. A EcoHealth tem sido também financiada pelo National Institutes of Health dos Estados Unidos, que chegou a ter Anthony Fauci – que foi o rosto da estratégia da covid-19 da Casa Branca – como director.

    Desde cedo que os textos do novo Tratado e as alterações ao RSI levantaram dúvidas e desconfiança por mutilarem o conceito de direitos humanos e liberdades fundamentais do Regulamento e por reforçarem os poderes da OMS em caso de novas pandemias, entre outros temas controversos, incluindo em torno do tema de financiamento de projectos de saúde em países mais pobres. Além disso, teme-se que o plano pandémico represente uma forte ameaça à liberdade de imprensa e liberdade de expressão, com medidas que podem ser adoptadas com a justificação do combate à ‘desinformação’.

    Mas o director-geral da OMS, Tedros Adhanom, tem tentado, em diversas declarações públicas, pressionar os países a rubricar o plano, tentando afastar os receios em torno do reforço dos poderes da OMS em futuras pandemias face à soberania dos diversos países.

    Imagem da primeira página da carta enviada a Biden assinada por todos os senadores Republicanos.

    Recentemente, os textos sofreram alterações de fundo, tendo sido reposto o conceito de defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em saúde, como o PÁGINA UM noticiou, mas as mudanças foram insuficientes e crescem os apelos para que a votação do plano seja adiada para que os países tenham mais tempo para preparar textos mais sólidos e que respeitem a autonomia dos países e a defesa dos direitos humanos e civis em futuras pandemias.

    Existem receios de que, com o plano pandémico que está a ser desenhado na OMS, acabe por ser criada uma indústria de pandemias focada na venda de produtos e medicamentos à custa de dinheiros públicos. Recorde-se que na covid-19, os países da União Europeia, incluindo Portugal, tiveram de pagar vacinas que vão para o lixo, entre outros desperdícios e gastos com equipamento e medicamentos que eram desnecessários ou até contraproducentes.

    Também se teme que se repita o desastre que foi a gestão da pandemia de covid-19 na maioria dos países. A estratégia seguida pela maior parte dos países foi um fracasso o que é comprovado, nomeadamente, pelo enorme excesso de mortalidade registado em países que seguiram indicações da OMS e aplicaram medidas radicais e, muitas vezes, sem fundamentação na evidência científica. Além dos danos causados na economia, o que levou a um aumento do nível de pobreza, os mais vulneráveis foram muito prejudicados, incluindo crianças e jovens, devido ao fecho de escolas, mas também os mais idosos e doentes que ficaram sem acesso a tratamentos.

    A excepção foi a Suécia, que implementou o habitual protocolo, não impôs confinamentos nem uso de máscara, em geral, não encerrou a generalidade das escolas e manteve a economia a funcionar. É um dos países com o menor nível de excesso de mortalidade, desde 2020.

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    A maioria dos países seguiu as recomendações da OMS na pandemia de covid-19 com resultados desastrosos, incluindo um grande excesso de mortalidade, além dos danos causados nos mais vulneráveis, incluindo crianças e jovens, os mais idosos e os mais pobres. (Foto: D.R.)

    Tal como aconteceu durante a pandemia de covid-19, no caso do Tratado Pandémico, em vez de estar a ser debatido publicamente, tem estado envolto numa polarização política, o que tem impedido um debate e análise profundos e sérios do tema, incluindo nos media. A imprensa, em geral, tem ignorado as negociações em curso na OMS e também tem abafado a polémica em torno de algumas propostas controversas que estão na mesa.

    O tema do Tratado Pandémico não tem sido alvo de debate público, incluindo em Portugal, e os mass media também têm ignorado o tema, apesar da sua relevância. A polémica e as propostas controversas em torno do plano têm sido abafados pelos media mainstream, chegando pouca ou nenhuma informação ao público em geral. Por exemplo, em Portugal, as poucas notícias sobre o tema – incluindo uma recente da agência Lusa que foi amplamente difundida pela generalidade dos media – escondem o facto de terem caído as propostas mais controversas e não mencionam as dúvidas e críticas existentes face ao plano.

    Em Portugal, o plano pandémico foi alvo de debate no Parlamento, como o PÁGINA UM noticiou, por força de uma petição que obrigou os deputados a discutir o tema, mas acabou por ser debatido de forma superficial, com deputados a fugir completamente à discussão em concreto das propostas que estão na mesa para os textos do plano da OMS. Uma proposta do partido Chega para recomendar ao governo que Portugal não adira ao Tratado Pandémico foi rejeitada, tendo tido apenas o apoio da Iniciativa Liberal.

    Agora, com a oposição do Partido Republicano, resta saber se os Estados Unidos vão acabar por ser a pedra final no sapato de Tedros Adhanom e fica no ar a dúvida sobre como a OMS vai agora conseguir descalçar esta bota em que se tornou o controverso plano para preparar o mundo para futuras pandemias.


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  • Governo Biden coagiu Big Techs a censurarem até livros e sátira, diz relatório

    Governo Biden coagiu Big Techs a censurarem até livros e sátira, diz relatório

    Mostrando um cenário ‘orwelliano’, o Comité Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos revelou dezenas de milhar de e-mails e documentos oficiais que provam que a Casa Branca pressionou com coacção as grandes tecnológicas para censurarem livros, informação verdadeira e até sátira no auge da pandemia da covid-19. Num relatório de 881 páginas, tornado público esta semana, entre os documentos divulgados estão mensagens entre responsáveis do Governo Biden e executivos de grandes tecnológicas. Segundo o relatório, houve pressão para censurar conteúdos que não violavam as regras das plataformas online. Em consequência, a Casa Branca impediu que houvesse debate sobre temas de relevo, impondo políticas desastrosas adoptadas na pandemia, diz o relatório que acusa a Administração Biden de violação da Primeira Emenda “em conluio com terceiros”, ao condicionar a liberdade de expressão. A investigação daquele Comité vai prosseguir, até porque ainda faltam documentos pedidos e ainda não entregues pelo Governo Federal norte-americano.


    A Casa Branca coagiu grandes tecnológicas, incluindo a Meta – dona do Facebook – , a Alphabet – dona do Google e YouTube – e a Amazon para censurarem informação verdadeira, livros, vídeos e até sátira, em 2021, durante a pandemia de covid-19.

    As provas de censura constam de um extenso e detalhado relatório de 881 páginas, publicado na passada quarta-feira nos Estados Unido pelo Comité Judiciário da Câmara de Representantes, em conjunto com o Subcomité sobre a instrumentalização do Governo Federal. Tanto o comité como o subcomité tem maioria republicana. O título do relatório não poderia ser mais expressivo: “The censorship-industrial complex: how top Biden White House officials coerced Big Tech to censor Americans, true information, and critics of the Biden Administration”, ou seja, em tradução livre para português, “Complexo industrial de censura: como os funcionários de topo da Casa Branca coagiram as grandes tecnológicas a censurarem os norte-americanos, a informação verdadeira e os críticos da Administração Biden”.

    O relatório vem confirmar, para já, que a pressão da Casa Branca visou a censura de informação e conteúdos que nem sequer violavam os termos de utilização das plataformas tecnológicas, e acabou por ter um efeito duradouro, uma vez que “no final de 2021 o Facebook, o YouTube e a Amazon tinham alterado as suas políticas de moderação (de conteúdos) de forma a responder directamente a críticas feitas pela Administração Biden”.

    Segundo o relatório, “a campanha de censura da Casa Branca de Biden teve como alvo a informação verdadeira, sátira, e outros conteúdos que não violaram as políticas das plataformas”. “Ao contrário das seus alegações de querer combater a suposta desinformação, a Administração Biden pressionou as empresas a censurar informações verdadeiras, sátiras, memes, opiniões e experiências pessoais dos americanos”, acusa o relatório do Comité.

    Saliente-se que este Comité da Câmara de Representantes dos Estados Unidos tem vastos poderes, sendo responsável pela supervisão da administração da Justiça nos tribunais federais, mas também no acompanhamento de temas como liberdades e direitos civis. A maioria dos actuais membros do Comité (24 contra 18) são do Partido Republicano, adversário do Partido Democrata e da presidência de Biden. Na sequência de intimações, o Comité obteve dezenas de milhar de e-mails e documentos oficiais que se serviram de base para este relatório detalhado.

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    O Facebook começou a censurar informação sobre a possível origem do SARS-CoV-2 ser uma fuga de um laboratório em Wuhan, onde era conduzida investigação com coronavírus. Uma entidade financiada pelos Estados Unidos, a polémica EcoHealth Alliance, tem estado no centro das atenções desde 2020, por estar ligada a investigação naquele laboratório na China.
    (Foto: Solen Feyissa/ D.R.)

    No documento agora divulgado fica claro que, “embora a campanha de pressão da Casa Branca de Biden tenha sido amplamente bem-sucedida, os seus efeitos foram devastadores”, pois “ao suprimir a liberdade de expressão e distorcer intencionalmente o debate público, ideias e políticas, deixaram de ser razoavelmente testadas e debatidas pelos seus méritos”. O relatório adianta ainda que, “em vez disso, os decisores políticos implementaram uma série de medidas de saúde pública que se revelaram desastrosas para o país”.

    O relatório é, aliás, taxativo em expor medidas erradas: “De encerramentos prolongados desnecessários de escolas a mandatos inconstitucionais de vacinação que obrigaram os trabalhadores a tomar uma recém-desenvolvida vacina ou corriam o risco de perder os seus empregos, a Administração Biden e outros funcionários impuseram desnecessariamente danos e sofrimento aos americanos em todo o país”.

    Para o seu trabalho, o Comité da Câmara dos Representantes viu-se obrigado a emitir dezenas de intimações às Big Tech, ao Governo, às agências e a diversas entidades de relevo para obter dezenas de milhares de documentos para assim apurar “os detalhes da campanha de pressão da Casa Branca de Biden”. Contudo, o relatório considera que “os documentos mais importantes para entender os esforços de censura da Casa Branca de Biden são e-mails internos das empresas que receberam ameaças e coacção”. E estas visavam a censura em concreto de “informações verdadeiras, sátiras e outros conteúdos que não violavam as políticas das plataformas” tecnológicas. Além disso, salienta-se que a Casa Branca também “promoveu a censura de livros”, nomeadamente os vendidos pela Amazon.

    O relatório de 881 páginas revela o conteúdo de e-mails e documentos oficiais que provam a coacção e exigências feitas pela Casa Branca em 2021.

    Mas, segundo o relatório, o governo norte-americano “também travou a sua campanha de pressão contra as livrarias online”. Ou seja, como mostram “documentos obtidos pelo Comité, a Casa Branca de Biden tentou censurar o discurso de uma das formas mais antigas de comunicação: os livros”.

    Com efeito, em Março de 2021, funcionários da Casa Branca chegaram a criticar a Amazon, a maior livraria online mundial, por vender livros que questionavam a segurança ou eficácia das vacinas, incluindo das vacinas covid-19 recentemente desenvolvidas. “Pressionada pela Casa Branca, a Amazon reagiu rapidamente, implementando uma nova política, no prazo de uma semana, para adicionar restrições” a livros sobre vacinas.

    Como exemplo, é relatado no relatório que, em Março de 2021, um funcionário da Amazon enviou um e-mail a outras pessoas dentro da empresa sobre o motivo da nova mudança na política de moderação de conteúdos da livraria Amazon: “[O] impulso para este pedido é a crítica da Administração Biden sobre a sensibilidade de livros aos quais estamos a dar uma posição de destaque”.

    Um e-mail enviado por um assessor da Casa Branca à Amazon a pedir a censura de livros sobre vacinas. (Foto: Captura a partir do Relatório do Comité)

    Numa secção do relatório com o título ‘Amazon Files’, é relatado que, em Março de 2021, a Casa Branca enviou um e-mail ao vice-presidente de Políticas Públicas da Amazon, pedindo para haver uma discussão sobre os “altos níveis de propaganda e desinformação” na empresa de venda de produtos online. O Governo de Biden alegava então que vários membros da Casa Branca tinham feito pesquisas na Amazon com a palavra-chave “vacinas” e enviou capturas de ecrã por e-mail da página de resultados de pesquisa para a Amazon, observando que se se adicionasse um aviso do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) seria insuficiente para censurar adequadamente os livros.

    Imediatamente, a Amazon começou a acelerar internamente a análise de implementar uma nova política que desfavoreceria os livros considerados anti-vacina ou críticos de vacinas. No dia 9 de Março, apenas uma semana após o contacto inicial por parte de Andy Slavitt, um alto funcionário da Casa Branca, e após um encontro entre responsáveis da Amazon e da Administração Biden, a empresa implementou uma nova política e adicionou o rótulo “Não promover” aos livros considerados ‘anti-vacina’.

    Em conversas com a Casa Branca, a livraria da Amazon criou uma secção para livros sobre vacinas a “não promover” e organizou uma lista de 43 livros para ficarem ‘marcados’. (Foto: D.R.)

    Por sua vez, na secção ‘Facebook Files’, é demonstrado que, em Fevereiro de 2021, a maior rede social do Mundo aumentou a censura de conteúdos considerados ‘anti-vacina’, bem como as alegações sobre fuga laboratorial como estando na origem da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, devido a “conversas tensas com a nova Administração [Biden]” e como parte de um esforço para responder a exigências da Casa Branca para “fazer mais” no combate a alegada desinformação.

    Contudo, adianta o relatório do comité da Câmara dos Representantes, o Facebook percebeu, um meses mais tarde, que a Casa Branca “preocupava-se mais em censurar conteúdos anti-vacina” e assim foi levantada a censura sobre conteúdos relativos à fuga laboratorial como origem da covid-19. Surge mesmo referido que, em Julho de 2021, um executivo do Facebook, Nick Clegg, perguntou num e-mail a um funcionário do Facebook a razão de se censurar a teoria da criação do vírus SARS-CoV-2 em laboratório, que obteve a seguinte resposta: “Porque estávamos sob pressão do Governo [Biden] e de outros para fazer mais. . . . Não deveríamos ter feito isso”.

    E-mail de Mark Zuckerberg em resposta a um outro e-mail, em que o Facebook assumia que, afinal, já não iria classificar como falsa a tese de que o SARS-CoV-2 pode ter tido origem numa fuga de laboratório. Zuckerberg escreveu: “Parece ser um bom lembrete de que, quando comprometemos os nossos padrões devido à pressão de uma administração em qualquer direção, muitas vezes arrependemo-nos mais tarde”. Mas o Facebook continuou a ceder a novas exigências de censura de informação por parte da Casa Branca.

    Num outro exemplo, em Agosto de 2021, um e-mail interno do Facebook explicava por que a empresa estava a desenvolver e, em última análise, a implementar novas políticas de moderação de conteúdos:
    “A liderança [do Facebook] pediu a Misinfo Policy (…) para debater algumas outros alavancas políticas que podemos puxar para sermos mais agressivos contra a desinformação. Isto decorre das críticas contínuas à nossa abordagem por parte da Administração [Biden]”.

    Também a Alphabet, dona do Google e do Youtube, não escapou à campanha de censura do Governo norte-americano. Em Setembro de 2021, após receber críticas por não eliminar conteúdo não violador dos termos de uso, o YouTube compartilhou com a Casa Branca uma nova “proposta de política” para censurar mais conteúdos que criticassem a segurança e eficácia das vacinas, e pedia “qualquer feedback” que a Administração Biden pudesse fornecer antes de a política ser finalizada. A Casa Branca respondeu: “À primeira vista, parece um grande passo”.

    O relatório frisa que os comportamentos em termos de colaboração das três Big Techs “são impressionantes”. Em cada caso, as empresas identificaram os pedidos de censura da Casa Branca de Biden como “pressão” ou recearam que pudessem entrar numa “espiral e ficar fora de controlo”. Apesar de o Comité ter detectado diferenças temporais de actuação e também na forma como cada empresa sucumbiu à pressão da Casa Branca, basicamente, em Setembro de 2021, tanto o Facebook como o YouTube e a Amazon tinham adoptado novas políticas de moderação de conteúdo que “removeram ou reduziram pontos de vista e conteúdo visto como como desfavorável por Biden”.

    A Casa Branca pediu ao Facebook para eliminar um meme com uma imagem de Leonardo DiCaprio onde se lê a frase “Daqui a 10 anos vai estar a ver TV e vai ouvir: Você ou um familiar tomaram a vacina contra a covid? Pode ter direito a uma compensação”.

    As investigações deste Comité sobre o crime de violação da Primeira Emenda por parte do Governo norte-americano vão continuar e no relatório sublinha-se que “a Primeira Emenda proíbe o Governo de condicionar a liberdade de expressão” e que “qualquer lei ou política governamental que reduza essa liberdade nas [redes sociais] plataformas viola a Primeira Emenda”.

    Este relatório, apesar da sua relevância, tem sido largamente ignorado pelos mass media norte-americanos e também pelos media portugueses, os quais alinharam, em geral, nas mesmas práticas de censura durante a pandemia.


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  • Vacina contra a covid-19: Ex-jogador do Marítimo processa Pfizer, BioNTech e Federação Francesa de Futebol

    Vacina contra a covid-19: Ex-jogador do Marítimo processa Pfizer, BioNTech e Federação Francesa de Futebol

    François-Xavier Fumu Tamuzo, antigo jogador de futebol do Marítimo, quer tirar as dúvidas sobre se as lesões que levaram ao fim prematuro da sua carreira foram provocadas ou não pela vacina contra a covid-19. O jogador do francês Stade Lavallois vai processar quatro entidades: a Pfizer e a alemã BioNTech, que desenvolveram a vacina que o jogador tomou, a Pfizer França e a Federação Francesa de Futebol. A audiência no Tribunal Judicial de Paris está marcada o dia 2 de Julho. Em França, como em muitos países, atletas foram obrigados a tomar a vacina contra a covid-19, sob pena de ficarem afastados da equipa e da competição.


    Terminou a sua carreira como futebolista aos 29 anos na sequência de uma série de lesões, quando estava ao serviço do Stade Lavallois, na segunda divisão francesa. François-Xavier Fumu Tamuzo, um antigo jogador do Marítimo, suspeita que as suas lesões se deveram às vacinas contra a covid-19 que tomou. Por isso, anunciou que vai processar a Pfizer e a BioNTech, que fabricaram a vacina e reforços que tomou, bem como a Pfizer França e a Federação Francesa de Futebol.

    “Gostaria de entender por que meu corpo parou de funcionar”, disse o jogador citado pela France Bleu, que avançou com a notícia que já está a ter eco em alguma imprensa francesa e italiana, além de meios desportivos online.

    François-Xavier Fumu Tamuzo, jogador no Stade Lavallois de 29 anos, anunciou o fim prematuro da sua carreira no futebol em Abril. (Foto: D.R./Stade Lavallois)

    A notícia sublinha que o jogador natural da França não é um anti-vacinas nem um teórico da conspiração, mas decidiu tomar medidas depois de sofrer uma sucessão de lesões que levaram este antigo internacional sub-20 a anunciar o fim da sua carreira de forma prematura, a 18 de Abril.

    A audiência no Tribunal Judicial de Paris está agendada para o dia 2 de Julho e deverá ser decidido se será nomeado um painel de especialistas para estabelecer ou não um nexo de causalidade entre a vacina contra a covid-19 e as lesões sofridas pelo jogador.

    Fumu Tamuzo foi vacinado pela primeira vez com uma dose da Pfizer em 30 de julho de 2021. Na altura, a vacina não era ainda obrigatória para os jogadores profissionais em França, o que mais tarde veio a acontecer, em Janeiro de 2022. O jogador tomou a segunda dose da vacina em 23 de agosto e foi aí que começaram os seus problemas de saúde, de acordo com o jogador.

    Primeiro, sentiu dores no joelho esquerdo e depois uma tendinopatia em outubro. Em Março de 2022, após a toma da terceira dose da vacina, o atleta sofreu uma ruptura do tendão de Aquiles que o retirou de actividade. O jogador queixa-se que “a caminhada longa é quase insuportável, correr é impossível” e quando quer “dar um impulso, por exemplo, para subir escadas ou […] descer escadas, a dor é aguda”.

    O jogador assinou pelo Marítimo em Agosto de 2020, mas em Julho de 2021 regressou a França, seu país natal, para cumprir um contrato de dois anos com o Laval. (Foto: D.R./C.P.Marítimo)

    O advogado de Tamuzo, Éric Lanzarone, considera haver espaço para dúvidas sobre se, de facto, as vacinas estão na origem dos problemas físicos do futebolista. O advogado, que é especialista em direito público e direito da saúde e membro da Ordem dos Advogados de Marselha, disse à France Bleu que “nos últimos dois anos, meu cliente esteve num limbo médico e ninguém expressou qualquer dúvida sobre os efeitos adversos da vacina”. “Embora saibamos que eles existem hoje, ninguém pode negá-lo. E à medida que estes problemas foram surgindo, François-Xavier foi consultar especialistas em medicina interna que acabaram por manifestar essa dúvida. Tem de ser levantada”, afirmou.

    Tamuzo procurou um especialista em imunologia e infecciologia, considerando a possibilidade que os seus problemas físicos que se revelaram fatais para a sua carreira foram causados pela vacina.

    O jogador pretende obter pelo menos uma compensação financeira e também analisa um projecto de conversão profissional relacionado com o futebol. Tamuzo chegou a reunir com responsáveis do Laval para se manter ligado profissionalmente ao clube em outras funções, mas, apesar de os executivos “terem apoiado bastante a ideia” inicialmente, o presidente do clube acabou por rejeitar essa possibilidade, num contacto com o advogado do atleta.

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    A covid-19 é uma doença que tem como grupos de maior risco os mais idosos e pessoas com comorbilidades graves. Ainda assim, a toma da vacina foi imposta em diversos países, nomeadamente aos atletas profissionais de alta competição no activo, um grupo onde a taxa de mortalidade causada pelo SARS-CoV-2 foi virtualmente zero. As sequelas da COVID-19 em atletas são também fenómenos raríssimos. As vacinas contra a covid-19 podem causar reacções adversas, como qualquer medicamento. Entre os efeitos adversos constam miocardites, coágulos sanguíneos, AVC e tromboses, sindrome de Guillain-Barré e herpes zooster.

    As autoridades de saúde têm, porém, insistido de que os efeitos adversos da vacina contra a covid-19 são raros e que existem vantagens na vacinação, apesar da generalidade dos países ter excluido a necessidade de reforços na população jovem, incluindo obviamente atletas de alta competição.

    A pressão para os atletas se vacinarem foi enorme a nível mundial. Por exemplo, na NBA, os basquetebolistas não podiam jogar sem comprovativo vacinal. Entre os atletas de alta competição que se abstiveram de tomar a vacina contra a covid-19, o caso mais célebre é o de Novak Djokovic, que teve de enfrentar a proibição de participar em competições, como o Open da Austrália de 2022. O tenista manteve a sua decisão, mesmo tendo perdido dinheiro e sido ostracizado como negacionista, além de ter perdido a liderança no ranking ATP naquele ano, chegando a descer para oitavo lugar.

    Djokovic regressou à Austrália no ano seguinte, já sem qualquer restrição, para vencer categoricamente esta prova. Aos 36 anos recuperou já a liderança do ranking ATP, desde Setembro do ano passado, estando à frente do italiano Jannik Sinner (22 anos) e do espanhol Carlos Alcaraz (20 anos). Já o espanhol Rafael Nadal, que no auge da polémica do Open da Austrália criticou Djokovic por não se vacinar – e era o seu grande opositor competitivo (número 2 do ATP) – está em fim de carreira, ocupando agora o lugar 512 no ranking do ténis mundial.


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  • Gestão da pandemia agravou cobertura médica hospitalar na população vulnerável

    Gestão da pandemia agravou cobertura médica hospitalar na população vulnerável

    Ate 2019, o crescimento do número de médicos hospitalares era evidente e compensava o aumento da população mais idosa, aquela que mais necessita de cuidados em urgência e internamento. Mas com a pandemia, entre os anos de 2020 e 2022, com a decisão política de suspender consultas e cirurgias programadas, e com o incentivo a não se usarem os hospitais a não ser para a covid-19, inverteu-se o rejuvenescimento do corpo clínico enquanto a população com mais de 65 anos continuou a aumentar. Através de novos dados, relativos a 2022, divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística, o PÁGINA UM analisou a evolução do corpo clínico dos hospitais e confrontou com o aumento da população mais vulnerável. Resultado: entre 2013 e 2022 – e por via do triénio da pandemia – só se registou um aumento de 3.246 médicos hospitalares (+14,8%) para cuidar de um país que viu a população idosa aumentar 20,1%, isto é, mais 416 mil pessoas. A região Centro teve a pior evolução, e o Alentejo apresentou uma melhoria significativa, mas continua a ser a parte do país onde os idosos dispõem de menos médicos hospitalares.


    A estratégia governamental durante a pandemia de incidir as prioridades na covid-19, desinvestindo em todos os outros sectores da Saúde Público, tem mostrado agora efeitos desastrosos. Os dados revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, durante o triénio da pandemia (2020-2022) houve reduções significativas na ‘procura hospitalar’– leia-se, dias de internamentos por todas as causas, no decurso da decisão de suspender cirurgias programadas –, pelo que se inverteu o crescimento do número de médicos hospitalares e se agravou assim a prestação de cuidados de saúde à população potencialmente vulnerável.

    De acordo com os mais recentes dados do INE, divulgados ontem no site desta entidade, apesar de um ligeiro crescimento do número de médicos nos hospitalares entre 2021 e 2022 (passando de 24.648 para 25.163), ainda se está aquém dos valores contabilizados no ano imediatamente anterior à pandemia. Em 2019 estavam contabilizados 25.783 médicos hospitalares em todo o país. Apesar deste número já ser ligeiramente inferior ao de 2018 (26.901 médicos), mantinha-se uma tendência de crescimento desde 2013. No período de 2013 e 2019, o crescimento nacional até tinha sido relevante: 17,7%, atingindo os 37,9% no Algarve (681 para 939), os 21,5% na Madeira (409 pata 497), os 20,3% na região Centro (4.256 para 5.119) e os 19,6% na região Norte (7.871 para 9.412). Nenhuma região registou qualquer decréscimo, embora no Alentejo o crescimento tivesse sido ténue (3,7%).

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    Com a chegada da pandemia, inverteu-se por completo a tendência. A menor procura hospitalar – em função da suspensão de cirurgias e de consultas, bem como do activo incentivo das autoridades de Saúde para que não se fosse às unidades de saúde excepto por covid-19 – implicou um menor grau substituição dos médicos que se foram reformando.

    Assim, entre 2019 e 2022, apanhando o triénio da pandemia, o saldo foi de perda de 630 médicos hospitalares a nível nacional, um decréscimo relativo de 2,4%, apresar de crescimentos na Madeira (14,9%, com mais 74 médicos), nos Açores (14,4%, com mais 64 médicos), no Alentejo (11,2%, com mais 101 médicos) e no Algarve (5,5%, com mais 52 médicos). A região Centro foi, na verdade, a principal responsável pelo decréscimo verificado neste triénio, perdendo 620 médicos (12,1%). A Área Metropolitana de Lisboa perdeu 150 (-1,8%) e a região Norte 151 (-1,6%).

    Mesmo nas regiões que registaram ligeiros aumentos na pandemia, a evolução do quadro clínico hospitalar desde 2013 não conseguiu acompanhar, bem pelo contrário, o aumento da população potencialmente mais vulnerável, isto é, dos mais idosos. Com efeito, o envelhecimento populacional – que, numa perspectiva favorável significa que há cada vez mais pessoas a alcançarem e a superarem a idade da reforma – tem estado em crescimento significativo, mesmo com o impacte da covid-19 e da gestão da pandemia. Por exemplo, considerando os números apontados pelo INE, entre 2019 e 2022 a população com mais de 80 anos aumentou 4,2% (mais 29.405 pessoas), enquanto no grupo etário dos 65 aos 79 anos registou-se um crescimento bem superior: 7,9%, que resultou de mais 128.229 pessoas neste intervalo de idade.

    Evolução por região do número de médicos hospitalares e da população com mais de 65 anos entre 2013 e 2022. Fonte: INE.

    Caso se confronte, no período entre 2013 e 2022, a evolução da população com mais de 65 anos com a evolução do corpo clínico hospitalar, constata-se um evidente agravamento causado pelos anos de gestão pandémica. Se entre 2013 e 2019 o aumento relativo de médicos hospitalares (+17,7%) superava o crescimento relativo da população idosa (+12,5%), sendo assim um sinal bastante positivo, os anos subsequentes (2020, 2021 e 2022) inverteram completamente essa tendência. Assim, de acordo com os dados do INE, entre 2013 e 2022 – e por via do triénio da pandemia – só se registou um aumento de 3.246 médicos hospitalares (+14,8%) para, em certa medida, cuidar de um país que viu a população com mais de 65 anos aumentar 20,1%, tendo passado de 2,07 milhões de pessoas para cerca de 2,48 milhões, isto é, mais 416 mil idosos.

    Analisando em detalhe, por região, somente o Alentejo, o Algarve e a Madeira registaram um aumento dos médicos hospitalares superior ao aumento da população idosa. No Alentejo, os médicos nas unidades hospitalares cresceram 15,3% no período de 2013-2022, com a população idosa a aumentar apenas 3,1%, enquanto no Algarve esses aumentos relativos foram, respectivamente, de 45,5% e 26,1%, e na Madeira foram de 39,6% e 27,9%. Convém, contudo, salientar que o Alentejo continua a ser a pior região em termos de rácio de cobertura médica hospitalar: em 2013 havia somente 476 médicos por 100 mil idosos (44,9% da média nacional), e em 2022 subiu para 523 (51,6% da média nacional).

    A região Centro foi aquela onde se observa um maior agravamento da cobertura hospitalar face à população idosa, uma vez que o aumento do número de médicos entre 2013 e 2022 foi de apenas 5,7%, o que confronta com um aumento dos maiores de 65 anos de 16,6%. Nesta região, a população idosa cresceu quase 88 mil pessoas, enquanto os médicos aumentaram apenas em 243. Significa isso que o rácio de cobertura médica hospitalar em função da população potencialmente mais vulnerável (mais de 65 anos) se agravou significativamente: em 2013 era de 808 médicos por 100 mil idosos (76,2% da média nacional), e em 2022 cifrava-se em 732 por 100 mil idosos (72,3% da média nacional).

    Evolução da cobertura médica hospitalar em função da população potencialmente vulnerável (número por 100 mil idosos). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Nas duas regiões mais populosas – Área Metropolitana de Lisboa e Norte –, o agravamento da cobertura médica hospitalar é inferior, mas também evidente. No caso da região que engloba a capital, o rácio em 2022 situava-se em 1.310 médicos por 100 mil idosos, ligeiramente abaixo dos 1.360 registados em 2013, mas bastante abaixo dos 1.596 por 100 mil idosos em 2018, o que demonstra a fraca aposta em dotar os hospitais com uma realidade previsível: incremento da população potencialmente mais vulnerável. Na Área Metropolitana de Lisboa havia em 2022 mais 91 mil pessoas idosas do que em 2013 (+16,8%), mas somente mais 924 médicos.

    No caso da região Norte, o crescimento de 1.389 médicos (+17,6%) entre 2013 e 2022 fica aquém do necessário para um incremento da população idosa, nesse período, de 28,6%, devido a um aumento de 186 mil pessoas na faixa etária acima dos 65 anos. Por isso, o rácio de cobertura hospitalar passou de 1.208 por 100 mil idosos em 2013 para 1.105 em 2022.


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