Já se sabia que em 2020 e 2021 as taxas de ocupação hospitalar tinham sido reduzidas, mas era preciso conhecer os valores de 2022 para saber se era uma situação de conjuntura ou estrutural. E os dados mais recentes do INE, divulgados esta semana confirmam mesmo: nunca houve tantas camas de hospitais disponíveis nos dois primeiros anos da pandemia nem tão poucos internamentos. Estes indicadores contrariam a tese de ter havido uma ruptura no Sistema Nacional de Saúde por causa de um aumento da procura, que até levaram a criação de hospitais de campanha, que estiveram ‘às moscas’. Os dados oficiais mostram que a taxa de ocupação hospitalar afundou de 78,8% em 2019 para 72% em 2020 e 74% em 2021, mas subiu depois em 2022 já com a covid-19 a tornar-se endémica. Quanto aos internamentos, se em 2019 se registaram no país 111,1 por cada mil habitantes, no ano de 2020 o número caiu para 94,3 no primeiro ano da pandemia. Afinal, paradoxalmente, a pandemia trouxe um estranho cenário de desafogo hospitalar.
A taxa de ocupação hospital e o número de internamentos registados em Portugal afundaram durante os principais anos da pandemia de covid-19 para valores mínimos da última década. Segundo os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizados no início desta semana, referentes ao ano de 2022 ainda não se verificava a ‘normalidade’, em termos de camas ocupadas nos hospitais e de internamentos em função da população, comparando com anos anteriores.
De acordo com os dados do INE, a taxa de ocupação hospitalar em Portugal desceu de 78,8% em 2019 para os 72% em 2020, uma descida de sete pontos percentuais. Os internamentos caíram de 111,1 por cada mil habitantes para 94,3 em 2020. No ano de 2021, aqueles valores mantiveram-se abaixo da média do que era habitual ao longo da última década. Os indicadores contrariam algumas das mensagens de caos e crise nos hospitais durante a pandemia. Pelo contrário: os hospitais em Portugal registaram na pandemia de covid-19 algum desafogo em termos de ocupação e doentes internados.
De resto, em 2022, apesar de começar a notar-se um regresso à ‘normalidade’ em termos de internamentos e ocupação hospitalar, os dados revelam que os hospitais estavam ainda com indicadores de ocupação e internamentos abaixo do habitual. Assim, naquele ano, os internamentos situaram-se nos 105,9 por mil habitantes, estando aquém dos valores observados pré-pandemia, entre os 110,9 e 112,5 por mil habitantes. A excepção aqui vai para a Região Autónoma dos Açores que, em 2022, registou mais internamentos do que em média na década anterior.
Quanto à taxa de ocupação hospitalar em Portugal, fixou-se nos 76,8% no ano de 2022, ainda inferior aos valores pré-pandemia. Entre 2013 e 2018, este indicador oscilou entre os 78,5% e os 80,4%.
Por regiões, foi no Alentejo que se observou a maior queda na taxa de ocupação de camas nos hospitais, tendo passado de 83,3% em 2019 para 78,2%. Em matéria de internamentos, a maior quebra registou-se na Região Autónoma da Madeira, onde a taxa passou de 106,8 para 87,5 por mil habitantes.
Poder-se-ia argumentar que a taxa de ocupação de camas se devesse ao aumento de camas instaladas durante os anos da pandemia, mas não foi isso que sucedeu, porque, se se olhar para os internamentos por região em função da população, os valores também baixaram consideravelmente nos anos da pandemia. No primeiro ano da pandemia, em 2020, os internamentos por mil pessoas baixaram cerca de 16% face à média do quinquénio anterior. Em 2021 e 2023 subiram ligeiramente, suplantando novamente os 100 internamentos por 1.000 pessoas, mas ficaram ainda aquém do período pré-pandemia.
Na Área Metropolitana de Lisboa – onde também pelas valências hospitalares, este indicador está sempre um pouco inflacionado (por receber bastantes doentes de outras regiões) -, os valores somente foram mais baixos no primeiro ano da pandemia, passando de um valor médio anual de 128 internamentos por 1.000 pessoas no quinquénio 2015-2019 para apenas 108 no ano de 2020, voltando a subir logo acima dos 120 nos anos seguintes.
Recorde-se que, na pandemia, a população foi aterrorizada pelas autoridades de saúde e pelos media, através de mensagens diárias com os números de vítimas mortais e estatísticas dos doentes com covid-19. Alas inteiras de hospitais foram encerradas, cirurgias e tratamentos foram adiados ou cancelados. Por exemplo, entre Março de 2020 e Julho de 2022 foram adiadas 235.989 cirurgias, segundo um relatório da Entidade Reguladora da Saúde. Estes adiamentos geraram um aumento de 45 dias no tempo de espera para uma cirurgia no Serviço Nacional de Saúde.
Portugal foi, no rescaldo da pandemia, dos países europeus com níveis elevados de excesso de mortalidade, o que se mostra um paradoxo face à baixa ocupação hospitalar. Ou talvez não, uma vez que a opção por suspender diagnósticos e operações, e até a incentivar as populações a não se deslocar aos hospitais, só poderia resultar em duas coisas: hospitais mais vazios e morgues mais cheias.
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Durante a pandemia da covid-19, muitos Governos e empresas “atiraram para o lixo” as liberdades e garantias constitucionais, que levaram décadas e gerações a ser conquistadas. Ostracismo, pressões, perseguições sociais e mesmo demissões foram o ‘pão-nosso de cada dia’, sobretudo a partir de 2022, quando algumas franjas se recusaram a vacinar-se, quer por razões científicas quer por motivos pessoais, incluindo religiosos. Nos Estados Unidos, durante a Administração Biden, milhares de pessoas acabaram mesmo despedidas, e agora começam a surgir as primeiras consequências pesadas para os empregadores. Esta sexta-feira, um tribunal estadual do Michigan aplicou uma pesada sentença a uma seguradora que demitiu uma funcionária que se recusou vacinar por razões religiosas. A indemnização é astronómica mesmo para os padrões norte-americamos: 12,1 milhões de euros, dos quais cerca de 9,3 milhões por danos punitivos, que, nos Estados Unidos, serve para penalizar condutas especialmente prejudiciais e assim dissadir repetições. Em Portugal, por agora, não são conhecidos casos judiciais similares em curso, mas este caso judicial nos Estados Unidos pode vir a ser a abertura da ‘caixa de Pandora’, mas com efeitos positivos na democracia.
Abriu-se a caixa de Pandora nos Estados Unidos sobre as chocantes demissões aplicadas às pessoas que recusaram a administração da vacina contra a covid-19 por razões de consciência ou de religião – mas, neste caso, não sairão daqui males para o Mundo, mas sim garantias futuras para a protecção dos direitos e liberdades individuais.
Um júri federal nos Estados Unidos condenou esta sexta-feira a Blue Cross Blue Shield (BCBS) de Michigan, uma empresa de seguros de saúde, a pagar uma indemnização à sua ex-funcionária Lisa Domski no valor de cerca de 13 milhões de dólares (12,1 milhões de euros), despedida por se ter recusado a tomar a vacina contra a covid-19 devido às suas crenças religiosas.
Lisa Domski, que trabalhava remotamente para a empresa seguradora desde Março de 2008 foi confrontada em Novembro de 2021 por uma imposição da BCBS para todos os funcionários se vacinarem. Católica devota, Domski considerava que, como as vacinas tinham sido desenvolvidas ou sido testadas em termos de segurança usando células fetais – o que, efectivamente, é verdade –, isso “seria um terrível pecado”, que a distanciaria da sua “relação com Deus”. A empresa acabou por não aceitar essa justificação, despedindo-a em 5 de Janeiro de 2022.
acção judicial de Lisa Domski entrou no Tribunal do Distrito Leste de Michigan em Agosto de 2023, acusando a empresa seguradora de discriminação religiosa. Segundo o processo, a BCBS de Michigan implementou uma política de vacinação obrigatória para os seus funcionários em Outubro de 2021, exigindo a imunização completa ou uma justificação do foro religioso ou médico. A antiga funcionária sustentava que o pedido de isenção religiosa, submetido com o apoio de uma declaração escrita detalhando as suas crenças e dados de contacto do seu padre, foi rejeitado pela empresa.
John Marko, advogado de Domski, sublinhou em declarações à CBS News que a sua cliente “se recusou a renunciar à sua fé e às suas convicções” e que, apesar de a BCBS ter permitido inicialmente o uso de uma declaração escrita para fundamentar o pedido de isenção, acabou por exigir a vacinação sob ameaça de despedimento.
Segundo o advogado, o júri reconheceu a gravidade do caso e optou por sancionar a empresa com uma indemnização significativa, dividida entre 10 milhões de dólares em danos punitivos, 1,3 milhões em compensação por perda de rendimentos futuros, um milhão por danos morais e 315 mil em salários retroactivos. Lisa Domski trabalhava remotamente em tecnologias de informação e, segundo o seu advogado, mesmo sem a vacina nunca constituiu “perigo para ninguém”.
O caso de Domski – que representa uma vitória das liberdades e garantias individuais em matéria de saúde e sobretudo de recusa de actos médicos no próprio corpo – tem condições para iniciar uma onda de pedidos de indemnizações sem precedentes nos Estados Unidos. Em meados de 2021, para aumentar as taxas de vacinação – numa altura em que se manipulava a informação indiciando, falsamente, a possibilidade de se conseguir uma ‘imunidade de grupo’ –, várias centenas de faculdades e universidades norte-americanas, a Administração Biden, muitas autarquias e grandes empresas impuseram exigências de vacinação – ou um regime de testes – aos seus funcionários, entre as quais a Walmart, Google, Netflix, Uber, McDonalds, Disney, United Airlines, Facebook, Twitter, Apple, Ford e General Motors. O Google chegou mesmo a anunciar que a medida seria estendida para seus 144 mil funcionários em outros países. Em Novembro de 2021, a Administração Biden impôs que as empresas e entidades nos Estados Unidos com mais de 100 funcionários teriam de exigir que os seus funcionários fosse, totalmente vacinados contra a covid-19 ou que fizessem testes semanais a partir de 4 de Janeiro do ano seguinte.
Em consequência, no mês de Fevereiro de 2022, a cidade de Nova Iorque demitiria cerca de três mil funcionários municipais que se recusaram a cumprir a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19, mas 10 meses depois um juiz da Supremo Tribunal ordenou a reintegração destes trabalhadores. A imposição desta política, que se prolongaria até ao início de 2023, fez com que os funcionários municipais de Nova Iorque tivessem apresentado uma taxa de vacinação de 96%, muito superior à da população nova-iorquina (cerca de 80), uma diferença que mostra sobretudo os efeitos da pressão.
Na Europa registaram-se, em diversos países, casos de imposição de vacinação contra a covid-19 para certos grupos profissionais e diversas tentativas de implementação de vacinação obrigatória através de legislação específica. A Itália foi um dos primeiros países a adoptar este tipo de ‘mandatos’, tornando a partir de Abril de 2021 a vacinação obrigatória para profissionais de saúde, e em 2022, foi ampliada para pessoas com mais de 50 anos, impondo assim restrições de acesso ao trabalho para não-vacinados.
Por sua vez, o Governo francês exigiu vacinação para profissionais de saúde, trabalhadores de lares de idosos e bombeiros. Aqueles que se recusaram foram suspensos temporariamente e, em alguns casos, impedidos de exercer suas funções. Em Janeiro de 2022, o presidente francês, Emmanuel Macron, assumiu mesmo, em entrevista ao Le Parisien, querer “realmente irritar [‘emmerder’] os não vacinados. E assim vamos continuar a fazê-lo até ao fim. É essa a estratégia”.
A Alemanha e a Grécia também introduziram uma obrigação de vacinação para trabalhadores de lares de idosos e profissionais de saúde, que vigorou durante a fase crítica da pandemia, embora a vacinação fosse mais incentivada para os grupos de risco.
A Áustria foi, para gáudio da imprensa maninstream, o único país europeu a criar legislação específica para tornar a vacinação obrigatória, prevendo mesmo multas entre os 600 e os 3600 euros, supostamente para se “alcançar uma liberdade duradoura e contínua”. Os protestos por esta medida, tomada em Janeiro de 2022, foram intensos, num país que então detinha uma taxa de vacinação de 72%, e a lei apenas vigorou por um mês, tendo sido suspensa em Maço. Na Grécia, a vacinação foi exigida para trabalhadores de saúde e em centros de assistência a idosos. Na Áustria, em janeiro de 2022, foi introduzido um mandato de vacinação para toda a população adulta, tornando-se o primeiro país europeu a tentar uma medida nacional tão abrangente, embora tenha sido suspenso alguns meses depois.
Em Portugal, a vacinação contra a covid-19 não foi obrigatória, mas foram implementadas inúmeras restrições a quem não se tinha vacinado, mesmo após adquirir imunidade natural, chegando a haver períodos, no final de 2021 e princípio de 2022, em que não foi possível, a quem não tinha vacinação completa (e sem certificado digital, possível durante seis meses após um teste positivo), a entrada em restaurantes, bares e até ginásios. Além disso, as pressões sociais contra os não-vacinados ou a quem se opunha a práticas de restrição acesso – que eram inconsequentes ou mesmo contraproducentes do ponto de vista da Saúde Pública – foram intensas, e mesmo apoiadas activamente pela imprensa.
O PÁGINA UM foi, aliás, alvo de campanhas de difamação, incluindo orquestradas por diversos órgãos de comunicação social. O Público chegou mesmo a acusar o PÁGINA UM, num processo em Tribunal Administrativo para evitar a publicação de um direito de resposta, de tomar “posições atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação”, algo que o jornal do Grupo Sonae – que, no ano passado, apresentou prejuízos de 4,5 milhões de euros – “assumiu e defendeu desde a primeira hora”.
Saliente-se que, de entre as alegadas posições atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação” do PÁGINA UM esteve a intimação para que a Ordem dos Médicos mostrasse pareceres do Colégio de Pediatria, que não recomendavam a vacinação generalizada a menores de idades, e que foram escondidos intencionalmente pelo então bastonário e actual vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, Miguel Guimarães. Deste modo, muitos pais ficaram impedidos, por acção intencional de Miguel Guimarães, a aceder informação crucial para um consentimento informado. Recorde-se que a actual norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS) para vacinação contra a covid-19 exclui categoricamente a administração em idade pediátrica, excepto de houver uma indicação médica expressa.
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Os dois últimos relatórios e contas da Ordem dos Médicos, recentemente divulgados, revelam que a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e um dos vice-presidentes da bancada parlamentar do PSD, Miguel Guimarães, agiram como “fiéis depositários” de uma conta solidária durante a pandemia que envolveu 1,4 milhões de euros, ‘engrossada’ quase na sua totalidade com dinheiros de farmacêuticas. Os dois políticos agiram durante os respectivos mandatos na Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, sobretudo entre 2020 e 2022. Além de ficar, assim, assumido que houve contabilidade paralela, com fugas ao Fisco de permeio, o expediente de “fiel depositário” é completamente desajustado à gestão de donativos e coloca mesmo sérias suspeitas de fraude com eventuais responsabilidades civis e criminais, uma vez que inexistem sequer documentos formais que mandatassem Ana Paula Martins e Miguel Guimarães para essa função. Além da actual ministra e do deputado, um terceiro titular da conta foi Eurico Castro Alves, como representante das farmacêuticas (APIFARMA), que recentemente foi anfitrião das férias de Luís Montenegro no Brasil.
A Ordem dos Médicos assume, nos seus dois últimos relatórios e contas, que houve contabilidade paralela na campanha ‘Todos por quem cuida’, uma polémica iniciativa de solidariedade durante a pandemia, protagonizada pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e pelo vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD Miguel Guimarães. Então bastonários da Ordem dos Farmacêuticos e dos Médicos, respectivamente, Martins e Guimarães abriram pessoalmente uma conta bancária, com Eurico Castro Alves – actual presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos e ‘anfitrião’ das recentes férias de Luís Montenegro no Brasil –, para gerir donativos de cerca de 1,4 milhões de euros, com a quase totalidade da verba a ser proveniente de empresas farmacêuticas. A esmagadora maioria destas verbas não foi sequer comunicada no Portal da Transparência e Publicidade, gerida pelo Infarmed, e não foi pago Imposto do Selo, como determina a lei.
Numa longa investigação do PÁGINA UM – apenas possível após o Tribunal Administrativo de Lisboa ter permitido o acesso aos documentos operacionais e contabilísticos desta campanha que visava distribuir sobretudo equipamentos de protecção individual –, já se tinha detectado que a conta aberta não era titulada por nenhuma das duas ordens profissionais, mas sim por Miguel Guimarães (primeiro titular), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. E, além de não terem pagado Imposto do Selo – ou seja, cometeu-se uma fuga ao Fisco, no valor estimado de cerca de 125 mil euros, 10% das doações acima de 500 euros –, também permitiram que uma parte substancial das facturas dessem entrada na Ordem dos Médicos, embora os pagamentos tivessem sido consumados através da conta particular, indiciando assim possibilidades de criação de um ‘saco azul’. Houve, além disso, um vasto conjunto de declarações falsas para obtenção de benefícios fiscais ilegítimos por parte de diversas farmacêuticas.
Mas agora, e somente com a revelação pública dos relatórios e contas da Ordem dos Médicos dos últimos anos – uma iniciativa reveladora de uma louvável transparência por parte do actual bastonário Carlos Cortes, em contraste com a postura do seu antecessor Miguel Guimarães –, confirmou-se não apenas a existência de contabilidade paralela na campanha ‘Todos por quem cuida’ como terá havido recurso a uma figura jurídica ilegítima e que configura desvio de função com responsabilidade civil e mesmo criminal.
Com efeito, se nos relatórios e contas de 2020 e 2021 – elaborados ainda com Miguel Guimarães como bastonário –, nenhuma referência consta nos anexos sobre a campanha ‘Todos por quem cuida’, não havendo assim sequer sinais da entrada de donativos nas receitas desses anos, já nos relatórios e contas de 2022 e 2023 (da responsabilidade de Carlos Cortes) há uma justificação. E é essa justificação acaba por revelar uma relevante ilegalidade por parte dos ‘gestores’ da conta solidária: Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
De facto, tanto nas contas de 2022 como nas de 2023, já assinadas por Carlos Cortes como bastonário, é apresentada uma nota às demonstrações financeiras, referindo que, depois da abertura da conta da campanha, em Março de 2020, em nome de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Castro Alves, estes “ficaram fiéis depositári[o]s de contribuições financeiras para que, no uso criterioso desses fundos, pudessem, de acordo com as necessidades e prioridades, canalizar para as instituições, profissionais e doentes, material ou bens que consider[assem] essenciais”.
Ora, além desta nota consubstanciar uma contabilidade paralela numa iniciativa que envolveu mais de 1,4 milhões de euros – mesmo sem jamais explicar as razões de terem entrado na Ordem dos Médicos mais de 950 mil euros de facturas, que acabarem por ser pagas por essa conta pessoal, não havendo assim qualquer fluxo de caixa perante a assumpção de gastos –, a figura de “fiel depositário” jamais poderia ser usada nestas circunstâncias.
De acordo com vários juristas consultados pelo PÁGINA UM, um ‘fiel depositário” é alguém que, sob superintendência de um tribunal, fica na posse temporária de determinados bens ou objectos que, perante alguma controvérsia ou medida judicial, estejam assim, de alguma forma, sob tutela judicial. Nessas circunstâncias, o “fiel depositário” tem de ser expressamente investido, até para que tome conhecimento, estabelecendo-se os seus deveres, obrigações e direitos no decurso dessa função. Ora, a opção por escolher “fiéis depositários” é temerária para uma simples campanha de solidariedade que envolve a entrada de donativos, que necessita até de autorizações governamentais. No pedido prévio feito ao Ministério da Administração Interna, as duas ordens indicaram a conta solidária criada, mas omitem que os titulares eram pessoas singulares, e nem sequer fazem qualquer menção à existência de quaisquer “fiéis depositários”.
Além disto, aquando da consulta da documentação da campanha ‘Todos por quem cuida’ pelo PÁGINA UM, nunca se detectou qualquer documento que sustente juridicamente a gestão de avultadas verbas, recebidas sobretudo de farmacêuticas, através de “fiéis depositários”. Nem tão-pouco seria tal expectável, porquanto nunca houve qualquer intervenção judicial, mas sim a mera gestão de donativos para a compra de equipamentos para o combate à covid-19. De uma forma prática, a única ‘vantagem’ terá sido criar uma contabilidade paralela.
Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves não poderiam assim assumir as funções de “fiéis depositários” nem tão-pouco de depositários convencionais, previsto no Código Civil, ou mercantis, porque isso também pressupõe um contrato específico em que uma das partes entrega à outra uma coisa móvel ou imóvel, para que a guarde, e a restitua quando for exigida.
Uma das fontes jurídicas do PÁGINA UM diz que, no contexto da gestão da campanha ‘Todos por quem cuida’, para além de outras vantagens ilegítimas, como a do não pagamento de impostos, o expediente do “fiel depositário” poderá configurar uma simulação e uma “fraude à lei, geradora da nulidade”, mesmo que tenha havido um “negócio jurídico”.
Porém, não há sequer provas de ter havido qualquer “negócio jurídico” – nem se vislumbra de que tipo poderia ser, no âmbito estrito de uma campanha solidária – e, deste modo, a referência aos “fiéis depositários” nos relatórios e contas de 2022 e de 2023 da Ordem dos Médicos aparenta ser um expediente do actual bastonário Carlos Cortes para se afastar das decisões do seu antecessor, Miguel Guimarães.
O PÁGINA UM questionou Carlos Cortes sobre se houve ou não algum documento, designadamente do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, a sancionar a constituição de uma equipa de “fiéis depositários”. A resposta mostra-se elucidativa quanto à legítima vontade do bastonário se descartar das decisões tomadas por Miguel Guimarães. “Os juristas/advogados actualmente afetos” ao Departamento Jurídico da Ordem dos Médicos “não acompanharam o Protocolo então celebrado entre a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), a Ordem dos Médicos (OM) e a Ordem dos Farmacêuticos (OF) não tendo, como tal, na sua posse informação que permita responder ao solicitado no prazo indicado”, referiu ao PÁGINA UM fonte oficial do gabinete de Carlos Cortes. E a mesma fonte remete ainda para uma auditoria feita pela consultora BDO, que, como já salientou o PÁGINA UM, nem sequer identifica que a conta solidária como pertencente a Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eduardo Castro Alves.
De igual modo, o PÁGINA UM remeteu questões à ministra da Saúde, Ana Paula Martins, sobre o seu papel no grupo de “fiéis depositários” de dinheiros provenientes de farmacêuticas. Não respondeu.
Também colocou questões a Miguel Guimarães, que afirmara ao Correio da Manhã, aquando do início da investigação do PÁGINA UM, que a campanha ‘Tudo por quem cuida’ era “à prova de bala”. Não respondeu.
Também se colocaram questões a Eurico Castro Alves. Não respondeu.
E também se colocaram questões ao actual bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Helder Filipe Mota. Não respondeu.
O PÁGINA UM também questionou, pela quinta vez, a Procuradoria-Geral da República sobre se estava em curso algum procedimento sobre a gestão financeira da campanha ‘Todos por quem cuida’. A PGR nunca respondeu a qualquer das missivas colocadas sobre esta matéria.
Recorde-se que a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, e que serviria numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.
Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.
E foi aqui que começaram as irregularidades. Ao invés da conta solidária ser assumida pelas duas ordens profissionais – ou apenas por aquela com maior protagonismo, a Ordem dos Médicos – foi decidido que a conta com o NIB 003506460001766293021, aberta no balcão da Caixa Geral de Depósitos na Portela de Sacavém seria titulada por três pessoas: José Miguel Castro Guimarães, Ana Paula Martins Silvestre Correia e Eurico Castro Alves.
Ora, uma pseudo-auditoria da BDO, cujos trabalhos para a Ordem dos Médicos não foram sujeitos a contrato público conhecido, até confirma o NIB (e IBAN) usado, referindo que “foi criada uma conta destinada a receber, através de depósito directo ou por transferência, os donativos angariados com o IBAN P50 0035 0646 0001 7662 9302 1”. Porém, o documento assinado por Ana Gabriela Barata de Almeida (ROC nº 1366, inscrito na CMVM sob o nº 201606976, em representação da BDO & Associados – SROC) não se debruça, nem numa linha, no aspecto essencial: essa conta não era nem da Ordem dos Médicos nem da Ordem dos Farmacêuticos nem da própria Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), que se associou à campanha.
Não se diga que essa pesquisa era complexa. Na verdade, é pública e confirmável que pertence a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, onde surge, como primeiro beneficiário “José Miguel R Castro Guimarães”. A actual ministra é (era) co-titular desta conta particular, havendo ainda outro co-titular, Eurico Castro Alves, ex-secretário de Estado da Saúde do PSD. A conta era movimentada com duas assinaturas. A actual ministra assinou diversas ordens de pagamento para facturas que, na verdade, entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos.
Sendo que a conta da campanha “Todos por quem cuida” não era institucional – mas sim de três pessoas, independentemente dos cargos ocupados –, o pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna para a angariação de fundos nunca poderia omitir o facto de que o NIB em causa não ser das entidades oficiosamente promotoras: a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticas. Aliás, foram indicadas no final do pedido duas contas que nunca foram usadas na angariação, e que efectivamente pertencem a estas duas instituições. Ambas as contas (com o NIB 000334778686020 e o NIB 000000182339728) estão no Santander, sendo tituladas, respectivamente, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticas.
A razão para não serem usadas contas oficiais de qualquer uma das ordens nunca foi dada, mas certo é que o Ministério da Administração Interna foi iludido. Além disso, o pedido de autorização apenas foi feito em 27 de Julho de 2020, quando a angariação de donativos para a conta paralela se iniciara em 6 de Abril daquele ano, ou seja, mais de três meses antes, o que constitui mais uma ilegalidade. Com efeito, à data do pedido de autorização ao Ministério da Administração Interna já a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves tinha um saldo de 716.501,51 euros. Por lei, a angariação deve ser precedida da autorização ministerial.
Por outro lado, nessas circunstâncias jamais se poderia aplicar a Lei do Mecenato ou outro tipo de benefício, porque em termos formais se estava perante uma recolha de donativos por três pessoas, inexistindo uma justificação lógica (ou ilógica) para não se ter procedido sequer a qualquer correcção. Nessa medida, Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente o Imposto do Selo no valor de 10% de todos os donativos recebidos acima dos 500 euros. E houve muitos.
Ora, face aos montantes das diversas transferências, sobretudo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (Apifarma), todas individualmente acima dos 500 euros, a actual ministra da Saúde e os seus parceiros deveriam ter declarado à Autoridade Tributária e Aduaneira o recebimento de 1.2561.251 euros, o que implicaria o pagamento de 125.125,10 euros de Imposto do Selo. Na documentação consultada pelo PÁGINA UM, nomeadamente extractos bancários, não existe qualquer saída de dinheiro para esse cumprimento fiscal.
Além desta grave falha fiscal – independentemente dos objectivos da campanha –, as 16 entidades do sector farmacêutico que concederam apoios também deveriam ter feito declarações no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando expressamente Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. Estes profissionais de saúde – dois médicos e uma farmacêutica – também nunca procuraram que o Infarmed, que vigia os patrocínios neste sector, envidasse esforços para incluir essas referências no portal. E o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, nunca se incomodou em incomodar as farmacêuticas por não declararem o ‘patrocínio’ de mais de 1,3 milhões de euros a três individualidades, uma das quais Ana Paula Martins, que agora tutela o regulador do medicamento.
Além destas irregularidades e incumprimentos fiscais, o uso da conta solidária em nome de três pessoas permitiu uma estranha e ilegal contabilidade paralela de todas as operações de aquisição, designadamente de facturação e pagamentos, dos equipamentos e materiais a serem doados. Ora, isso passou ao largo da BDO, apesar de se apresentar como uma das principais auditoras a operar em Portugal.
Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Na verdade, quem pagou foi a conta titulada por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves. As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.
Uma das ordem de pagamento assinadas por Ana Paula Martins foi para transferir 27.365,20 euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida pela disponibilização de locais e pessoal de enfermagem para vacinar, contra as regras da Direcção-Geral da Saúde, médicos considerados não-prioritários em Fevereiro de 2021, uma iniciativa pessoal de Miguel Guimarães. Esta decisão, com a concordância do então coordenador da task force Gouveia e Melo, após diversas reuniões, continua a ser analisada (há mais de um ano) pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). A factura das Forças Armadas foi, contudo, emitida para a Ordem dos Médicos. E a Ordem dos Médicos viria depois a emitir declarações (falsas) de recepção de donativos por parte de quatro farmacêuticas. Uma dessas falsas declarações de donativo, no valor de 3.725,20 foi passada em Março de 2022 à Gilead. Nesta altura, Ana Paula Martins – que terminara o mandato em Fevereiro na Ordem dos Farmacêuticos – já ocupava o cargo de directora dos negócios governamentais desta farmacêutica norte-americana.
Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, nunca foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática, significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.
Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul’, ou mesmo um desvio de verbas até 968 mil euros. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.
Ora, a alegada auditoria da BDO – pelo menos, o título do documento obtido pelo PÁGINA UM após sentença do tribunal diz “Prestação de serviços de autoria às actividades e contas do fundo solidário #TodosPorQuemCuida” – comete aqui um erro de palmatória. Na página 10 da auditoria diz-se que “procedemos à análise dos gastos/aquisições efectuadas por forma a validar a documentação de suporte correspondente”, indicando que foram realizadas verificações às notas de encomenda, facturas, evidência de entrega aos beneficiários e comprovativo do pagamento, concluindo que se confirmou “a existência destes elementos para todas as aquisições”.
Mas também aqui há uma omissão grave, que aparenta ser intencional. Com efeito, se e BDO conferiu facturas e pagamentos teria sido assim impossível não ter detectado que as facturas eram emitidas em nome da Ordem dos Médicos mas os pagamentos eram feitos por terceiros, neste caso pela conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Significa isso que, sem qualquer documento justificativo – e não existia quando o PÁGINA UM consultou todos os documentos após a sentença do Tribunal Administrativo –, deram entrada documentos de despesa elevados (cerca de 978 mil euros) sem quaisquer fluxos de caixa associados às respectivas facturas, ou seja, houve indicação de que terá saído dinheiro da Ordem dos Médicos sem ter havido, efectivamente.
Se houve ou não a criação de um ‘saco azul’, não se sabe – e nem tal se vislumbra nas contas da Ordem dos Médicos, que vive desafogada com activos de quase 63 milhões de euros e depósitos registados no final do ano passado de 35 milhões de euros –, mas é estranho que haja uma completa omissão por parte da BDO neste aspecto sensível e de grande responsabilidade. No relatório e contas de 2023, na tal nota sobre a conta solidária, refere-se que foi entregue um saldo remanescente de um pouco mais de 107 mil euros para a Agência de Investigação Clínica e Inovação Biomédica, mas não se indica se essa decisão foi tomada pela Ordem dos Médicos ou pelos titulares da conta solidária.
Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.
Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.
Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da ‘sua campanha’, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.
A emissão de centenas de declarações falsas – trata-se mesmo de centenas, que englobam muitas pequenas IPSS – configura até fraude fiscal, porque as entidades beneficiadas assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que não é verdade, nem as farmacêuticas conseguirão comprovar qualquer compra através de facturas. Certo é que, com este estratagema, as farmacêuticas conseguiram enquadrar os seus donativos no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado – para levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue. Algo que não sucederia se tivesse sido tudo feito como sucedeu: os donativos foram entregues a três pessoas (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), foram feitas compras e entregues os géneros às IPSS, associações e unidades hospitalares.
Assim, com este esquema falso, as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, e terão acabado por assumir, em termos contabilísticos, redução da matéria colectável da ordem dos 1,82 milhões de euros. Em conclusão, este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros. Note-se que este esquema, profundamente à margem da lei, envolveu também hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.
Apesar da logística desta campanha ter sido protagonizada sobretudo pela Ordem dos Médicos, e pelo seu então bastonário Miguel Guimarães, a actual ministra teve um papel bastante activo, e não apenas como co-titular da conta. Ana Paula Martins procedeu a várias ordens de pagamento de géneros – cujas facturas foram encaminhadas para a Ordem dos Médicos – e também participou em diversas reuniões específicas da campanha. De acordo com as actas consultadas pelo PÁGINA UM, a actual ministra da Saúde participou em pelo menos oito reuniões da comissão de acompanhamento entre 11 Maio de 2020 e 5 de Maio de 2021. Mesmo depois da sua saída da liderança da Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, manteve-se como titular da polémica conta solidária.
Ora, perante este intrincado esquema de falsas declarações – as farmacêuticas doaram o dinheiro para a conta de três pessoas, e não fizeram donativos directos para os beneficiários –, a BDO nada diz na sua suposta auditoria. No curto capítulo sobre a confirmação das declarações emitidas aos doadores, a auditora diz que “procedemos também à verificação das declarações emitidas aos doadores pelas entidades beneficiárias e pelo TPQC [‘Todos por quem cuida’].
Saliente-se que, de entre as centenas de declarações que o PÁGINA UM consultou, os beneficiários finais nunca tiveram contacto com os doadores iniciais; e, na verdade, a haver declarações verídicas deveriam ser de dois tipos: declarações de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves aos doadores, entre os quais as farmacêuticas; e, depois, declarações das diversas beneficiárias às referidas pessoas que pagaram os bens doados. O facto de a auditoria da BDO referir que foi “possível confirmar a concordância dessas declarações” é, no mínimo, estranho. Mas tudo é estranho neste processo.
Nota: Pode consultar os relatórios e contas da Ordem dos Médicos no respectivo site. Em alternativa, pode aceder aqui, aqui, aqui e aqui aos relatórios e contas de 2020 a 2023, no servidor do PÁGINA UM, para memória futura.
N.D. Como é do conhecimento público, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves contrataram, em conjunto, a sociedade de advogados Morais Leitão para me processarem por difamação. As acções judiciais desta índole, conhecidas por SLAPP (Strategic Lawsuits Against Public Participation), têm um objectivo claro, ademais perante a passividade do Ministério Público em encetar uma investigação criminal sobre as revelações do PÁGINA UM. Mas, se o objectivo é silenciar um jornalista independente, essa estratégia não funcionará, sobretudo se a sociedade não aceitar este tipo de conduta por parte de quem tem recursos financeiros aparentemente ilimitados. Desconhece-se quem, entre a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos, a Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA), Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves, está a pagar a conta da sociedade Morais Leitão.
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A ‘nata’ dos peritos que defenderam uma estratégia racional e ponderada de resposta à covid-19 esteve reunida numa conferência na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos. Trata-se de especialistas de topo que, durante a pandemia, ficaram do outro lado da ‘narrativa’ seguida pela generalidade dos governos e que significou a imposição de medidas radicais, como as que foram implementadas em Portugal, com resultados desastrosos ao nível da mortalidade e da economia. John Ioannidis, o epidemiologista mais conceituado do mundo, foi um dos marcou presença no evento, tal como Anders Tegnell, responsável pelas políticas covid-19 na Suécia, e Jay Bhattacharya e Sunetra Gupta, co-autores da Declaração de Great Barrington, que defendeu uma estratégia proporcional e moderada de resposta à pandemia. Tegnell falou sobre a forma como geriu a pandemia na Suécia e a importância de, em crises, haver um “diálogo inteligente com a população”. Disse ainda que muitos países seguiram as medidas extremas adoptadas pela China por acharem que seria a “solução mais fácil” a usar por pouco tempo, o que “nunca foi verdade”. Mas a apresentação de Ioannidis também se destacou no evento.
Ao contrário do que transpareceu nos media mainstream, durante a pandemia de covid-19 não houve unanimidade nem consenso na comunidade científica relativamente à melhor estratégia para se lidar com a crise sanitária. Houve uma acentuada divergência de opiniões, com vários peritos de excelência, e até Prémios Nobel, a defender que as autoridades deveriam implementar medidas proporcionais e moderadas para lidar com o vírus, as quais tinham ainda outros benefícios: não prejudicavam os mais pobres e vulneráveis e respeitavam os direitos humanos e civis.
Vários dos especialistas de topo de nível global que defenderam políticas racionais e moderadas, baseadas na evidência, estiveram reunidos no dia 4 de Outubro numa conferência na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos com o título ‘Políticas da Pandemia: Planear o Futuro, Avaliar o Passado‘ (‘Pandemic Policy: Planning the Future, Assessing the Past’).
Entre esses peritos estão nomes como John Ioannidis, o epidemiologista mais conceituado a nível mundial, médico e professor em Stanford, e Anders Tegnell, reputado epidemiologista que liderou a resposta da Suécia à covid-19 com resultados muito mais favoráveis do que países como Portugal, que impôs medidas extremas e que violaram a Constituição da República, bem como direitos humanos e civis. Estiveram também presentes peritos como os professores de Stanford e Oxford, Jay Bhattacharya e Sunetra Gupta, co-autores da Declaração de Great Barrington, que conta com quase um milhão de assinaturas, incluindo de especialistas em saúde pública, e que defendeu uma gestão da pandemia ponderada e mais focada nos grupos de risco.
O evento, composto por quatro painéis de debate, procurou analisar se as universidades acolheram o debate aberto e livre sobre as possíveis respostas à pandemia. Na abertura do evento, Bhattacharya defendeu que “em pandemias, o público depende de os especialistas partilharem a sua visão de forma aberta e sem medo ou favor e falarem o que pensam abertamente sobre as suas avaliações, em termos científicos e de políticas”.
Tegnell foi um dos convidados que integrou o primeiro painel sobre o tema “Decisões baseadas na evidência numa pandemia“. Ali, foram debatidas medidas como confinamento forçado da população, fecho de escolas prolongado, distanciamento social, obrigatoriedade do uso de máscara facial e imposição de vacinas. Trata-se de medidas sem precedentes, tanto na sua “extensão como no seu impacto global”.
Tegnell destacou a importância de, numa pandemia, se adoptarem, logo no início, medidas que sejam possíveis de manter, porque se trata de um tipo de crise que vai levar tempo a resolver e não haverá uma solução logo no imediato. “É necessário, logo no início, pensar em medidas que vai ser possível manter. E fechar as pessoas não é algo que se possa conseguir manter”, disse no painel. “Mas tentar ter um diálogo inteligente com a população sobre como podemos manter distância, como podemos reunir com menos pessoas do que o habitual, isso consegue-se fazer”, salientou.
O epidemiologista defendeu que deve haver boa comunicação e transparência para haver confiança. Disse que “tem de se ser muito claro com as pessoas sobre o que se está a tentar alcançar e não como se vai alcançar, porque todos são diferentes e algumas pessoas precisam ir para o trabalho” e deslocar-se, mas podem decidir como fazê-lo de forma a minimizar contactos. “Penso que conseguimos isso, que as pessoas percebessem o que estávamos a tentar alcançar: queremos ter menos contactos”. Tegnell defendeu que, nesse contexto, as autoridades não precisam de parar com medidas que começaram porque as medidas se mantêm ao longo da pandemia. Destacou que uma crise como a da covid-19 é um caminho a percorrer para um objectivo e convém manter as medidas ao longo do tempo em vez de andar de medida em medida. “É ter um diálogo inteligente com a população, compreender as suas necessidades comparando com as nossas necessidades para abrandar o contágio”, disse.
O epidemiologista comentou que “o exemplo da China [que aplicou medidas extremas, fechando a população] levou muitas pessoas a pensar que era a solução mais fácil e sempre queremos uma solução mais fácil, mesmo em problemas complexos e, por isso, é que muitos países seguiram o exemplo [da China]”. Contudo, “houve também uma ideia bastante estranha na pandemia de que se pode parar isto e não levará muito tempo, e que se pode aplicar medidas muito duras porque só se tem de viver com elas durante um período de tempo curto, mas claro que isto nunca foi verdade”.
Destacou que se provou “ser muito mais difícil parar com uma medida que já se implementou” porque para se manter a confiança da população, não se pode estar a mudar de medidas constantemente. “Era muito difícil dizer hoje que ‘isto é uma doença mortífera e têm de ficar em casa e fazer nada e umas semanas depois dizer que está tudo OK”, disse.
“Descobrimos também que, na nossa sociedade, a confiança é incrivelmente importante” e que “é mais fácil dizer que vivemos num mundo onde a confiança se está a deteriorar, o que penso ser terrível porque vai ter efeitos na saúde pública mas não só”. Tegnell elogiou o evento e a iniciativa da conferência e considerou que “há uma boa possibilidade, com este tipo de encontros, de ter diálogos abertos e reconstruir a confiança, não apenas confiança na academia e na população, como a confiança entre a academia e os funcionários públicos e os políticos, porque penso que, em certa medida, isso estava em falta, por isso é que em muitos lugares os políticos tomaram conta de tudo”.
Deixou ainda um alerta: “temos de compreender que uma pandemia não é um problema de comunicação de doença, não é um problema de saúde, é um problema da sociedade. Então, temos mesmo de envolver toda a sociedade”. Por outro lado, destacou a importância de, numa pandemia, se proteger os mais pobres. “Mesmo numa sociedade com um nível de igualdade razoável, como a Suécia, podíamos ver que isto estava a prejudicar as pessoas com um estatuto socio-económico mais baixo e muito mais do que o resto da população, por isso temos de ser capazes de os proteger muito melhor antes que surja uma próxima pandemia”, avisou.
Defendeu ainda que, no futuro, terão de se usar melhor os dados existentes. “Não sou um académico, sou um funcionário público, mas penso que não usámos realmente muito bem os dados que estavam disponíveis e precisamos usar melhor os dados”, disse.
O segundo painel debateu o tema “Desinformação, censura e liberdade académica“, onde foi levantada a questão: “será que limitar a liberdade de expressão durante uma crise sanitária protege o público ao reduzir desinformação prejudicial ou será que põe em risco o silenciamento de dissidentes válidos e promovendo uma visão única e aprovada?”
O terceiro painel debruçou-se sobre o tema “Gestão da pandemia de uma perspectiva global“, colocando na mesa de debate a pergunta: “como é que os interesses dos mais pobres podem ser melhor representados em decisões adoptadas por países ocidentais numa próxima pandemia?”
Por fim, o quarto painel discutiu “As origens da covid-19 e a regulação da Virologia“. Isto num contexto de investigações que trouxeram à luz do dia que os Estados Unidos contribuíram com financiamento público para pesquisas perigosas envolvendo modificação de coronavírus no laboratório em Wuhan, na China, de onde se suspeita que poderá ter saído o SARS-CoV-2. O painel propunha que, “se a pandemia começou a partir de um comércio de vida selvagem inadequadamente regulamentado ou zoonoses, reformas para reduzir a probabilidade de contato humano com espécies selvagens são vitais”. Contudo, “se a pandemia começou devido a experiências laboratoriais perigosas e protocolos inadequados para evitar fugas, então uma regulamentação mais rigorosa desse tipo de experimentação é necessária”.
O evento foi encerrado com uma apresentação de John Ioannidis, que mencionou a crise de excesso de mortalidade que afectou diversos países, incluindo Portugal, desde 2020. O reputado epidemiologista destacou, pouco depois do início da sua palestra, que recusou e não pediu financiamento para o seu trabalho de investigação sobre a covid-19. “Recebi um prémio honorário de 100.000 dólares, mas pedi que o dinheiro fosse destinado a duas organizações filantrópicas para crianças carenciadas, pois pessoalmente sinto que decepcionámos as crianças. Decepcionámos os pobres, as crianças pobres, o nosso futuro e a melhor parte do que é o ser humano”, afirmou.
Depois, concordou com uma das conclusões dos trabalhos de que a pandemia “foi um desastre para alguns países, mas quase não houve excesso de mortes em outros e, para a grande maioria dos países do mundo, não temos uma ideia exacta do que aconteceu porque nem sequer temos bons sistemas de registo de óbitos para contar sequer quantas pessoas morrem, muito menos do que é que elas morrem”.
Destacou que, “basicamente, em 34 países com dados de melhor qualidade sobre registo de óbitos, vimos que metade (17) não teve mortes em excesso comparadas aos anos imediatamente anteriores à pandemia, enquanto a outra metade enfrentou realmente um desastre” [Portugal está na metade com os piores dados]. Neste cenário, “os piores foram os Estados Unidos e a Bulgária”. Frisou que, “entre aqueles com menos de 65 anos, os Estados Unidos tiveram números muito piores do que qualquer outro país”. Quanto aos “melhores, foram a Suécia e a Nova Zelândia”, que são “dois países que tiveram abordagens muito diferentes sobre a forma de lidar com a crise”. Aproveitou para elogiar o estratega da resposta sueca: “fico feliz em ter Anders Tegnell connosco hoje. É a primeira vez que nos encontramos pessoalmente, e ele é, sem dúvida, uma lenda”, afirmou.
Ioannidis apontou que, na sua opinião, o denominador comum “é que a covid-19 foi um desastre em países com alta desigualdade e em crise antes da pandemia”. Ou seja, “países sem recursos, com pobreza, onde uma grande parcela da população era marginalizada, sofreram mais”. “Esses países já estavam em crise e, infelizmente, continuarão em crise após a pandemia, o que me preocupa para o futuro”, afirmou.
O especialista, que é médico, formado em Medicina Interna e Doenças Infecciosas, disse que os médicos “são os heróis desconhecidos que enfrentaram uma crise dupla” na covid-19.
Observou que “a covid-19 mobilizou massivamente cientistas, académicos, especialistas em políticas e muito mais; influenciadores, redes sociais, jornalistas, políticos, decisores políticos, as grandes tecnológicas [Big Tech]”. Para Ioannidis, “ouvimos muitas dessas partes interessadas que interferiram no processo da Ciência”.
Sobre os trabalhos de investigação publicados na pandemia, lamentou a sua fraca qualidade. Segundo Ioannidis, quase dois milhões de cientistas publicaram cerca de 720 mil artigos científicos, resultando em mais de 10 milhões de citações no Scopus. Na sua maioria, os artigos mais citados em 2020 e 2021 eram sobre covid-19. “Sabemos que na literatura científica, o artigo médio é horrível, mas os artigos sobre covid-19 foram mais horríveis do que horríveis e digo isso com total respeito por todo o trabalho incrível que aconteceu durante a pandemia”.
Pensando no futuro, defendeu uma “Ciência útil”, para resolver problemas reais existentes. Defendeu também maior acesso a dados e informação por parte da comunidade científica. E defendeu que deve haver uma maior transparência, a divulgação de todo o tipo de declaração de interesses de cientistas e investigadores, quem os financia e até as suas posições políticas e outros conflitos de interesse.
Em Portugal, existe o exemplo de Filipe Froes, um dos mais requisitados ‘especialistas’ pela imprensa e que nunca é apresentado como um consultor que presta serviços a farmacêuticas, designadamente participando em eventos para os quais é pago. Nunca são assim dadas a conhecer ao público as suas ligações e potenciais conflitos de interesse sempre que promove fármacos ou influencia políticas de saúde pública com impacto forte na vida da população.
Na conclusão da sua apresentação, Ioannidis disse que “temos de pensar positivamente sobre o futuro”. “Não quero pensar que o nosso futuro será uma espiral de morte de decisões erradas”. Sinalizou que isso aconteceria “se permitíssemos o autoritarismo, e infelizmente há autoritarismo à nossa volta; se permitirmos desigualdades, e infelizmente há desigualdades à nossa volta; se permitimos que as pessoas que são marginalizadas sejam mais marginalizadas, e infelizmente isso está a acontecer enquanto falamos, pode não ser tão óbvio nesta sala, mas está a acontecer lá fora, na nossa comunidade; se permitirmos que os pobres se tornem mais pobres; se permitimos que os oprimidos se tornem mais oprimidos; se permitimos que o silêncio se torne mais silencioso; se permitimos que a humanidade desapareça”.
Pode ver AQUI o vídeo da apresentação de John Ioannidis. Se preferir, pode ler AQUI a transcrição (com tradução para português) do discurso completo que John Ioannidis proferiu na conferência.
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O Ministério da Saúde não quer saber. O Ministério do Ambiente segue-lhe os passos. Mas os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados discretamente na semana passada, mostram um contínuo e surpreendente retrocesso civilizacional e de Saúde Pública em Portugal: as mortes causadas por doenças associadas a água infectada e a problemas de saneamento e higiene mais do que quadruplicaram entre 2010 e 2022. E pior do que isso, incidem cada vez mais nos idosos, com números pouco dignos de um país da Europa. Com base nas taxas de mortalidade indicadas pelo INE, o PÁGINA UM calculou os óbitos que foram determinados por médicos legistas para um conjunto determinado de doenças. Para esse grupo, em 2010 tinham sido contabilizadas 116 mortes, e em 2022 já se atingiram os 470 óbitos. Destes, cerca de nove em cada 10 foram de pessoas com mais de 75 anos, o grupo etário mais vulnerável e que vive em lares de idosos, uma parte dos quais sem condições adequadas de higiene.
Mais do que um problema de saúde pública, é um retrocesso civilizacional. As mortes em Portugal associadas a água insalubre ou a condições deficientes de saneamento básico e de higiene mais do que quadruplicaram entre 2010 e 2022.
Os dados mais recentes – referentes a 2022, e que se baseiam em informação dos médicos legistas que a introduzem no Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – foram divulgados de forma discreta pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) na passada sexta-feira, sem qualquer comunicado ou nota de imprensa. Mas revelam as taxas surpreendentes de mortalidade para um conjunto de doenças associadas a complicações decorrentes do uso de água imprópria para consumo ou por condições inadequadas em termos de esgotos, lixos e higiene.
De entre as causas de morte atribuídas pelos médicos legistas, e que são registadas no SICO, constam sobretudo doenças do foro intestinal, causadas por bactérias, vírus e vermes, tais como determinadas infecções intestinais virais, diarreias e gastroenterite de origem infecciosa presumível, shigelose, amebíase, ancilostomíase, ascaridíase e tricuríase. Na lista indicada pelo INE surge também a cólera, embora não haja registo de mortes em Portugal desde 1974.
O INE agrega apenas os óbitos de um determinado grupo de doenças listadas [vd. MetaInfo dos dados], não discriminando as mortes por cada uma dessas afecções integradas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde. Saliente-se que o PÁGINA UM não conseguiu, no ano passado, que o Tribunal Administrativo de Lisboa lhe concedesse o direito de acesso aos dados detalhados do SICO, mesmo se anonimizados, impedindo assim o conhecimento pormenorizado das diferentes causas de morte em Portugal, sendo assim impossível definir padrões locais ou regionais.
Por outro lado, na informação disponibilizada em quadro, o INE também não aponta o número absoluto de mortes nem as regiões e concelhos onde ocorreram, mas, em todo o caso, mostra-se fácil calcular esses valores através das estimativas oficiais da população em cada ano. Assim, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, tendo em conta a população estimada de 10,44 milhões de pessoas em 2022 e uma taxa de mortalidade para este conjunto de doenças de 4,5 por 100 mil habitantes, o número total de óbitos terá sido de 470. Em 2010, a taxa de mortalidade determinada pelo INE foi de apenas 1,1 por 100 mil, o que significa 116 óbitos para uma população de então 10,57 milhões de habitantes. Em suma, a mortalidade mais do que quadruplicou em 12 anos.
O agravamento desta situação atinge sobretudo a população idosa, em especial com mais de 85 anos, o grupo etário onde prevalece um sistema imunitário bastante débil. Com efeito, também segundo os cálculos do PÁGINA UM com base em estimativas populacionais anuais do INE, nos grupos etários inferiores aos 75 anos, a mortalidade para as doenças específicas praticamente mantém-se constante e em níveis muito baixos.
No período de 2010 a 2022, para os menores de 75 anos, os óbitos por ano variaram entre os 21 e 66, mas este grupo populacional engloba cerca de nove milhões de pessoas. No caso da população com menos de 45 anos, a mortalidade por causa deste tipo de doenças é residual ou mesmo nula em alguns dos anos.
Na verdade, a situação mostra-se particularmente dramática nos muito idosos (maiores de 85 anos). O INE aponta em 2022 uma taxa de 73,1 óbitos por 100 mil pessoas desta idade, ou seja, 16 vezes superior à média nacional (4,5%). Atendendo que este grupo etário contava naquele ano cerca de 368 mil pessoas, o número de óbitos entre os muito idosos foi de 269 pessoas. Esta taxa é substancialmente superior à registada pelo INE em 2010 (apenas 4,5 óbitos por 100 mil pessoas deste grupo etário), mas a partir desse ano tem-se registado um anormal crescimento.
No grupo subsequente, das pessoas com idade entre os 75 e os 84 anos, observa-se também um agravamento da taxa de mortalidade desde 2010, mas não de uma forma tão intensa. Em 2022, essa taxa foi de 15,8% (mesmo assim cerca de três vezes superior à média nacional), o que representou um total de 135 mortes por estas doenças. Em 2010 e 2011, os óbitos foram de 45 e 43, respectivamente, neste grupo etário para estas doenças ainda frequentes em países do Terceiro Mundo. Saliente-se, aliás, que nas primeiras décadas do século XX, a elevadíssima taxa de mortalidade infantil em Portugal devia-se sobretudo a doenças do foro gastrointestinal, que foram sendo debeladas com a melhoria do saneamento básico e dos tratamentos médicos.
O PÁGINA UM perguntou tanto ao Ministério do Ambiente – entidade que tutela o sector das águas e saneamento – e ao Ministério da Saúde se tinham conhecimento do forte agravamento da mortalidade destas doenças, e se conseguiam adiantar alguma explicação ou apontar alguma medida em curso. Porém, tanto o gabinete de Maria da Graça Carvalho como o gabinete de Ana Paula Martins preferiram ignorar as questões do PÁGINA UM, nem sequer reagindo, como se os problemas, assim procedendo, desaparecessem.
Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, mostra-se surpreendido com esta evolução, e considera que deveria haver uma investigação sobre estes números que “não são muito favoráveis”. Para este professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, “em princípio, os sistemas públicos de abastecimento de água garantem a sua potabilidade, mas sabe-se que existem núcleos populacionais e algumas pessoas, sobretudo em zonas rurais, que adoptam sistemas alternativos que podem não ser seguros”.
Um médico de Saúde Pública contactado pelo PÁGINA UM, que prefere manter o anonimato, olha com preocupação sobretudo para a elevada incidência da mortalidade nos grupos etários muito idosos, que, alerta, coincidem com a maior parte da população residente em lares de idosos. “O grupo de doenças em causa está associado também a problemas de higiene, que se mostram letais em pessoas com imunidade frágil”, salienta, acrescentando que “se mostra fundamental investigar em que locais em concreto ocorreram essas mortes para se identificar eventuais surtos e solucionar problemas recorrentes”. Pela ausência de reacção dos Ministérios da Saúde e do Ambiente perante estes números terceiro-mundistas, muito provavelmente este apelo cairá em saco roto.
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Começam agora a desvendar-se os verdadeiros motivos para o Infarmed – e sobretudo o seu presidente Rui Santos Ivo, com a conivência do Ministério da Saúde – ter lutado 30 meses para evitar o acesso legal do PÁGINA UM ao Portal RAM, onde constam as notificações das reacções adversas às vacinas contra a covid-19. Mesmo estando a esconder ainda um vasto conjunto de dados (não surgem reacções adversas em crianças dos 5 aos 12 anos) e diversas variáveis, em incumprimento de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o PÁGINA UM já detectou mais de 225 casos graves afectando menores de 25 anos, incluindo adolescentes e mesmo recém-nascidos, cuja evolução não teve qualquer acompanhamento pelo Infarmed, desconhecendo-se assim se recuperaram ou se houve um desfecho fatal. Ou seja, o Infarmed regista os casos, mas não faz qualquer monitorização, minando assim a confiança na farmacovigilância. Há reacções com evolução ignorada em casos gravíssimos, incluindo trombocitose, tromboembolismo, miocardite e pericardite, embolia pulmonar, trombose venosa cerebral, trombocitopenia imune e acidente vascular cerebral. O Infarmed e o Ministério da Saúde, confiantes num (quase certo) impacte nulo desta investigação na imprensa ‘mainstream’, nem sequer reagiram quando confrontados para comentar as falhas da farmacovigilância que desvirtua uma avaliação da segurança das vacinas sempre ‘vendidas’ como seguras e eficazes.
Uma coisa é a teoria; outra a prática. A farmacovigilância – como dirão, por certo, a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, que foi professora universitária na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, ou mesmo o presidente do Infarmed, Rui Ivo – é uma ciência relacionada com a recolha, detecção, avaliação, monitorização e prevenção de efeitos adversos com produtos farmacêuticos. Vem nos manuais, consta das normas legais e procedimentos – é uma imposição, já padronizada após alguns escândalos passados, que surge quando os medicamentos, depois de aprovados seguindo os ensaios clínicos, são colocados no mercado.
E é aí que está em jogo muita coisa: há a perspectiva de um negócio lucrativo legítimo assente na confirmação da eficácia no tratamento ou prevenção de alguma doença ou maleita, mas também o risco de, através dos procedimentos de farmacovigilância, serem detectados efeitos adversos graves que obriguem a limitar o seu uso ou, pior ainda, obriguem à sua retirada pelo facto de os eventuais benefícios não compensarem os riscos.
Não é fenómeno frequente, mas também não é raro. Há quatro anos, num artigo científico publicado na revista Current Drug Safety, quatro investigadores portugueses apresentam uma resenha sobre o processo de decisão, baseado em dados, que tinham levado à retirada do mercado de medicamentos por razões de segurança, sustentando que muitos dos problemas não tinham sido detectados nos processos de pesquisa e desenvolvimento, até porque muitas reacções adversas têm uma incidência que não permite o seu conhecimento em ensaios clínicos que usam poucos milhares de pessoas.
O artigo destes investigadores – e existem centenas de artigos similares – chama sobretudo a atenção para o reforço da monitorização – mesmo nos dias de hoje em que a Ciência assume um papel de dogma apenas acessível a ‘peritos’ reconhecidos. Os problemas com medicamentos podem já ter sido piores – por exemplo, 10,2% das novas substâncias activas moleculares introduzidas nos Estados Unidos entre 1975 e 1999 foram retiradas ou levaram a restrições de uso por razões de segurança. Mas continuam a ser reais, e difíceis de assumir, porque há muito a perder.
Por um lado, as farmacêuticas não apenas perdem lucros futuros como podem sofrer elevados pedidos de indemnização. Por outro lado, em casos de escândalo, as autoridades políticas e administrativas tendem a não reconhecer de imediato os erros – porque a farmacovigilância é da sua responsabilidade – e prolongam a tomada de uma posição mais radical. O atraso entre a introdução do medicamento e a sua retirada por razões de segurança, bem como as metodologias usadas para identificar riscos anteriormente desconhecidos.
Diversos estudos mostraram que entre 82% e 90% dos problemas de segurança identificados em medicamentos retirados do mercado foram reconhecidos através de relatos de casos das reacções adversas de medicamentos (RAM). Mas, globalmente, o tempo médio até à retirada é de 20,3 anos, como se destaca no artigo dos quatro investigadores portugueses.
Antes da pandemia da covid-19, que veio introduzir um programa de vacinação maciço jamais visto, mesmo as vacinas eram alvo de uma atenção especial da farmacovigilância. E são conhecidos diversos casos mais ou menos recentes de retirada total ou parcial na Europa e/ ou em outras partes do Mundo por razões de segurança, como a vacina Pandemrix fabricada pela GlaxoSmithKline durante a pandemia de gripe suína de 2009-2010, a da vacina LYMERrix, fabricada contra a doença de Lyme pela actual GSK. Num relatório da Organização Mundial da Saúde relativo ao período 2010-2018 intitulado “Restrictions in use and availability of pharmaceuticals” surgem referidas nove vacinas sobre as quais penderam retiradas ou restrições de uso.
Mas apesar das vacinas contra a covid-19 terem sido o fármaco mais administrado num curto espaço de tempo, incluindo a grupos etários de baixíssimo risco e a pessoas já com imunidade adquirida, as autoridades e os ‘peritos’ sempre recusaram admitir a dimensão das reacções adversas, apontando sempre com a sua alegada eficácia no controlo da pandemia. Mesmo nos relatórios de farmacovigilância dedicados exclusivamente às vacinas contra a covid-19, o Infarmed – seguindo a filosofia das suas congéneres – relativizava os números e os efeitos adversos. Por exemplo, invariavelmente, nos seus relatórios de farmacovigilância – que deveriam ser neutros, prudentes e equidistantes –, o regulador do medicamento português assumia, à partida, que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. E a partir daí a sua análise estava logo comprometida por um enviesamento ’ideológico’.
Aliás, tal como a Agência Europeia do Medicamento, também o Infarmed sempre menorizou a catadupa de reacções adversas que foram sendo encaminhadas para os sistemas de farmacovigilância por causa das vacinas contra a covid-19, que passaram a ser, de muto longe, o fármaco com maior número de notificações. Num recente, e bastante simplificado relatório, com apenas 20 páginas, o Infarmed apresenta um gráfico bastante elucidativo sobre o ‘impacte’ das vacinas contra a covid-19. Apesar da tendência de crescimento desde 2011 das notificações de reacções adversas às centenas de medicamentos ‘controlados’ pelo Infarmed, a média anual no triénio anterior à pandemia (2017-2019) situou-se em 9.503.
No primeiro ano da pandemia, em 2020, e sabendo-se que as vacinas contra a covid-19 somente começaram a ser administradas em 27 de Dezembro, as notificações de reacções a todos os medicamentos até foi ligeiramente inferior: 8.801. Mas depois saltaram para as 39.267 notificações em 2021, descendo para 26.932 no ano seguinte. Em 2023, reflectindo a fraca adesão aos boosters da vacina contra a covid-19, o total de notificações para todos os fármacos desceu para níveis dos anos pré-pandemia, tendo sido contabilizadas 11.153.
Porém, neste relatório de qualidade bastante sofrível, pela ausência de detalhe, o Infarmed nem sequer discrimina os fármacos associados às reacções adversas nem tão-pouco a sua gravidade de forma explícita. Em todo o caso, induz-se que as vacinas contra a covid-19 foram o principal grupo de fármacos a dar problemas nos últimos anos, porque o número total de reacções adversas classificadas como graves mais que duplicou em 2021, no auge do programa de vacinação, face aos anos anteriores. Assim, se em 2019 o Infarmed contabilizara 5.511 reacções graves e 4.482 no ano seguinte, em 2021 foram registadas 11.435, descendo depois para 6.086 em 2022 e para 5.043 no ano passado.
Se se considerar que sensivelmente metade das cerca de 28 mil mortes associadas à covid-19 ocorreram antes do processo de vacinação, a existência de tantos milhares de casos graves deveria merecer, subentende-se, uma análise atenta da entidade responsável pela farmacovigilância em Portugal, o Infarmed.
Mas isso, infelizmente, não sucedeu.
E pior: além de uma incompreensível atitude obscurantista, negando ceder a informação do Portal RAM – que somente foi desbloqueada por um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) –, o Infarmed acaba por demonstrar que não faz farmacovigilância, e abandona à sua sorte as vítimas de reacções adversas às vacinas, contribuindo também para confundir uma avaliação correcta de custo-benefício.
Com efeito, apesar de o Infarmed insistir na recusa de revelar os dados do Portal RAM posteriores a 6 de Dezembro de 2021 – sabendo-se que o TCAS concedeu o direito de acesso, pela primeira vez, em Junho de 2024 –, e ter apagado variáveis (entre as quais a causalidade) e agregado as idades das vítimas, o PÁGINA UM analisou os casos de reacções adversas que atingiram crianças, adolescentes e jovens adultos. Uma ponta do icebergue, uma vez que, sobretudo no caso das crianças com menos de 12 anos, a vacinação ocorreu sobretudo a partir de Dezembro de 2021.
E os dados são aterradores – também muito pela inqualificável negligência do Infarmed, que, de forma despudorada e intencional, descura as suas funções básicas.
A partir da análise do PÁGINA UM ao Portal RAM até 6 de Dezembro de 2021, de entre as 27.220 reacções adversas, 513 foram de menores de 25 anos em que o Infarmed deu a classificação de grave. Destas, seis foram recém-nascidos (não vacinados), que sofreram diversas desordens (gastrointestinais, nervosas, endócrinas e de pele) por via do leite materno; 99 eram de adolescentes dos 12 aos 17 anos; e 408 eram de jovens adultos com menos de 25 anos. Este número é já em si muito significativo, atendendo à baixíssima taxa de mortalidade da covid-19 nos grupos etários jovens. Note-se que, segundo dados do INE, em três anos (2020-2022) morreram 29 pessoas com menos de 25 anos cuja causa foi atribuída à covid-19, um valor substancialmente mais baixo do que as mortes provocadas por pneumonias nessa faixa etária.
Mas a questão essencial a colocar quando se observam 513 reacções adversas graves em grupos etários tão jovens – e não esquecer que não estão incluídas as crianças dos 5 aos 12 anos, nem outros casos detectados posteriormente a 6 de Dezembro de 2021 –, a pergunta que se deve colocar de imediato é se houve mortes. E de que tipo foram e como evoluíram os casos graves? Evoluíram favoravelmente, tiveram um desfecho trágico, ficaram sequelas?
E é aqui que se nota que o Infarmed não faz farmacovigilância.
Com efeito, e fazendo nota que estes dados são oficiais e emanados após decisão de um tribunal administrativo superior – ou seja, não são ‘inventados’ pelo PÁGINA UM –, contabilizam-se 225 casos cujo desfecho é desconhecido pelo Infarmed. Ou, dizendo de outra forma, o Infarmed não quis fazer o acompanhamento – também conhecido por monitorização –, não fosse dar-se o caso de haver muitas mortes a registar por causa das ‘seguras’ vacinas.
Assim, por exemplo, o que sucedeu a um lactente, identificado como caso 23506, que chegou a ser hospitalizado com uma trombocitose suspeita de advir do leite materno, dado a sua mãe ter sido vacinada com a AstraZeneca? O Infarmed regista “Desconhecido” na base de dados, apesar de a notificação ter ocorrido em 7 de Outubro de 2021.
De igual modo, o que sucedeu à adolescente do sexo feminino (caso 19645) que teve um tromboembolismo após a toma da vacina da Pfizer em Agosto de 2021? Sabe-se que foi hospitalizada, mas apesar de esta ser uma das afectações mais graves e conhecidas associadas à vacina contra a covid-19, o Infarmed achou que não valia a pena saber como evoluiu.
E as famigeradas miocardites e pericardites? Há 10 situações classificadas como graves, entre Agosto e Outubro de 2021, cujo desfecho o Infarmed desconhece, havendo situações de registo com a mera indicação de a vítima estar “em recuperação”. Mas são casos já passados há cerca de três anos. Destes, cinco são de adolescentes (casos 19951; 22118; 22269; 22467; e 23415) e outros cinco de jovens adultos até aos 24 anos (casos 18193; 22581; 23267; 23208; e 26223).
Também surge registada a situação de uma adolescente com síndrome inflamatória multissistémica pediátrica (MIS-C) associada à vacina contra a covid-19 (caso 20713), mas apesar de ter ocorrido em Agosto de 2021, com hospitalização, surge a referência “desconhecido” no campo a evolução da reacção adversa. O Infarmed considerou que não se mostra necessário saber como evoluíram estas infecções do coração, se ficaram sequelas, se houve mortes. Nada importou para se manter o selo das vacinas seguras.
Também dúvidas ficam sobre a qualidade da farmacovigilância da entidade liderada por Rui Santos Ivo quando se observam outras situações de elevadíssima gravidade com grande risco de sequelas ou mortes. O PÁGINA UM detectou, por exemplo, registos de embolia pulmonar (caso 10215, uma jovem mulher que tomou a AstraZeneca, em Maio de 2021), de trombose venosa cerebral (caso 18886, uma jovem mulher que tomou a vacina Moderna, em Agosto de 2021), de trombocitopenia imune (caso 19516, outra jovem mulher que tomou a Moderna, em Agosto de 2021), de acidente vascular cerebral (caso 20843, um jovem adulto que tomou a vacina da Janssen, em Setembro de 2021).
E, de resto, há um significativo número de sintomas genéricos do aparelho endócrino, do sistema nervoso e da pele, incluindo também doenças ou perturbações raras (como paralisia facial ou síndrome de Parsonage-Turner), que quer ponham ou não em risco a vítima, deveriam merecer atenção do Infarmed. Até para fazer sentido, em português, a palavra ‘monitorização’. Na base de dados analisada pelo PÁGINA UM, há também diversos casos graves de perturbações do ciclo menstrual em jovens mulheres. Aliás, se incluirmos as mulheres de todas as idades, o Portal RAM registou, até início de Dezembro de 2021, cerca de duas centenas de alterações menstruais associadas às vacinas contra a covid-19.
Saliente-se também que o Infarmed decidiu manipular a base de dados que o Tribunal Administrativo Central do Sul ordenou que fosse disponibilizada ao PÁGINA UM, uma vez que apagou a variável que, para cada caso, indicasse o grau de causalidade (definitiva, provável, possível e improvável). A probabilidade de ter sido um acaso é definitivamente improvável – ou seja, houve intenção deliberada do Infarmed em esconder informação vital.
O PÁGINA UM confrontou o Infarmed, através do seu presidente Rui Santos Ivo, e a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, com os resultados desta análise. Certamente confiantes de que esta notícia do PÁGINA UM não tenha impacte público, mesmo face à gravidade comportamental do Infarmed, nem Rui Santos Ivo nem Ana Paula Martins se dignaram reagir, confiantes na sua impunidade. Na verdade, em Portugal, para o medicamento que mais reacções adversas apresentou na moderna História da Farmacologia, vai ficar tudo bem – excepto para os ‘azarados’ que tomaram as vacinas “seguras e eficazes” e ficaram entrevados. Ou mortos. Mesmo se, desses, para as autoridades, nem um pio se quer que a História dê.
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A Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP) acumula quase 30 milhões de euros de prejuízos nos últimos nove anos, apesar de os seus dois hospitais (Prelada e Conde Ferreira) terem recebido 484 milhões de euros do Estado desde 2008. E perdeu 40% dos seus fundos patrimoniais em apenas 12 anos. O sufoco financeiro é mais do que evidente nas contas desta instituição controlada por homens do aparelho social-democrata, que tem um antigo deputado do PSD, António Tavares, como provedor desde 2011, e que agora também preside à Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto. Talvez por coincidência, porque a instituição nega a sua participação, Eurico Castro Alves – membro da ‘task force’ do Plano de Emergência da Saúde, mentor da criação dos centros de atendimentos clínico (CAC) e anfitrião de Luís Montenegro nas suas recentes férias de Verão no Brasil – também integra os órgãos sociais da SCMP, como suplente da Mesa Administrativa. Com funções executivas está outro social-democrata de peso: Manuel Pinto Teixeira foi colega da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e do ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, na Comissão Política do PSD nos tempos de Rui Rio. Tudo misturado, e contas feitas, à boleia da criação do CAC no Hospital da Prelada, para receber doentes não-urgentes dos hospitais públicos do Porto, o Governo vai dar um ‘bónus’ à Misericórdia do Porto que atingirá, em termos líquidos, cerca de seis milhões de euros apenas este ano, permitindo assim ‘tapar’ uma gestão ruinosa, onde as subcontrações dispararam nos últimos anos.
Tal como de boas intenções está o inferno cheio, de coincidências está também cheia a vida política, social e empresarial em Portugal. No dia em que foi publicada, no passado dia 21 de Agosto, uma Resolução de Conselho de Ministros que atribuía um reforço de verbas públicas a transferir para o Hospital da Prelada, propriedade da Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP), por causa da criação de um centro de atendimento clínico (CAC), Luís Montenegro passava férias numa casa no Brasil de Eurico Castro Alves, que fora coordenador da task force do Plano de Emergência da Saúde.
Por coincidência, Eurico Castro Alves, que preside à Secção Regional de Norte da Ordem dos Médicos, integra os órgãos sociais da Misericórdia do Porto, sendo suplente da Mesa Administrativa, equivalente a um Conselho de Administração. Apesar de não exercer, por agora, um cargo executivo, este médico saberá por certo que a instituição de solidariedade social se encontra em situação pouco desafogada.
Além disto – por certo mais uma coincidência –, Eurico Castro Alves compartilhou uma conta bancária pessoal com Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o actual deputado social-democrata Miguel Guimarães, para gerirem um ‘bolo financeiro’ de mais de 1,4 milhões de euros, vindos sobretudo de farmacêuticas, durante a pandemia. Castro Alves esteve assim directamente envolvido na polémica campanha de solidariedade (‘Todos por quem cuida’), revelada pelo PÁGINA UM, que incluiu facturas falsas, fuga ao Fisco e declarações falsas, mas sobre a qual, ao longo dos últimos meses, a Procuradoria-Geral da República recusa revelar se está sob investigação.
O único pormenor desta campanha de solidariedade sob investigação judicial será o pagamento de cerca de 25 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, cuja transferência tem o cunho da actual ministra da Saúde, para a vacinação de médicos não-prioritários, após o envio ao Ministério Público de um processo de esclarecimento realizado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde. Porém, este caso não inclui qualquer investigação a Gouveia e Melo por ter permitido a vacinação de médicos não-prioritários em violação de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde.
Mas se Eurico Castro Alves tem indubitável e simultaneamente ligações directas à SCMP e ao poder político social-democrata – aliás, até chegou a ser secretário de Estado da Saúde no curto segundo mandato de Pedro Passos Coelho em 2015 –, mais ainda as tem Manuel Pinto Teixeira, um dos membros efectivos da Mesa Administrativa, e que, no relatório e contas de 2023, surge associado à tutela do Hospital da Prelada [vd. página 7]. Antigo chefe de gabinete de Rui Rio na autarquia portuense (2003-2013), Pinto Teixeira foi jornalista e tem um passado ligado de gestão em empresas de comunicação, ocupando nos anos mais recentes funções relevantes no PSD. Até Julho de 2022 foi membro da Comissão Política Nacional, a convite de Rui Rio. E quem eram dois dos seus colegas? Pois bem, Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, e também Joaquim Miranda Sarmento, actual ministro das Finanças.
Por similar coincidência, por ‘feliz’ evolução socio-política nacional e regional, a Misericórdia do Porto tem agora interlocutores mais amigáveis, pois o seu quasi-perpétuo provedor – tomou posse em Janeiro de 2011 – é o antigo deputado do PSD António Tavares, que recentemente assumiu um papel de maior relevância social na Cidade Invicta, mesmo se simbólico, por ser agora o actual presidente da Assembleia Geral do Futebol Clube do Porto, tendo integrado a lista de André Villas-Boas que ‘apeou’ Pinto da Costa.
Mas, depois de listar as ‘coincidências’, passemos agora aos factos. Ao contrário da sua congénere lisboeta, a SCMP não tem qualquer tutela governamental, funcionando como uma mera instituição privada de solidariedade social associada à Igreja Católica. Mas sem receitas dos jogos, que permitem à congénere lisboeta todos os ‘desvarios’, a Misericórdia do Porto não se pode dar ao luxo de erros de gestão – e se os tem, e tem mesmo, paga-os caro. E, com efeito, a situação financeira da Misericórdia do Porto, apesar de pouco falada, mostra-se avassaladoramente preocupante desde 2015, e por isso, independentemente das ‘coincidências’ envolvendo figuras gradas, a integração do Hospital da Prelada como CAC do Porto veio, mais do que aliviar as urgências dos hospitais do São João e do Santo António, conceder um ‘balão de oxigénio’ à tesouraria da Misericórdia do Porto, evitando, ou adiando pelo menos, um desastre financeiro que se avizinhava. Mas já se vai ao ‘osso’.
Detentora de um vasto património imobiliário, a Misericórdia do Porto tem uma intensa actividade social e mesmo cultural, agregando ainda três lares de idosos e dois colégios, e também gerindo até uma quinta agrícola e, em co-gestão, a prisão de Santa Cruz do Bispo. Mas é no Hospital da Prelada e no Centro Hospitalar Conde Ferreira que reside a sua principal actividade empresarial, empregando, só aí, quase 670 pessoas, mais de metade dos seus recursos humanos. O Hospital da Prelada – que agora é um dos CAC para receber doentes não urgentes do Porto – é mesmo a principal fonte de receitas da Santa Casa da Misericórdia do Porto (34 milhões de euros no ano passado), mas muito graças ao Estado.
Através de acordos com o Ministério da Saúde, a SCMP já recebeu, desde 2008, quase 484 milhões de euros do Estado. Não é pouco, mas já foi mais. Entre 2008 e 2015, os apoios anuais foram sempre superiores a 30 milhões de euros – atingindo quase 35 milhões em 2008, em 2010 e em 2012 –, mas durante os Governos de António Costa os montantes reduziram-se. Em 2019 quedaram-se nos 25,7 milhões de euros. O antigo ministro socialista Manuel Pizarro ainda conseguiu, antes da queda do Governo, a promessa para o ano de 2024 de uma transferência de cerca de 30,3 milhões de euros.
Apesar destas elevadas maquias, o sector da Saúde da Misericórdia do Porto acabou por ser uma fonte de despesa. No conjunto, a gestão do Hospital da Prelada (com valências sobretudo nas áreas da Medicina Física e na Cirurgia Plástica e Reconstrutiva) e do Centro Hospitalar Conde Ferreira (na área da Psiquiatria) têm estado sempre no ‘vermelho’, quando seria expectável darem lucro para depois financiar as actividade sociais. Somente no último quinquénio (2019-2013), tiveram prejuízos líquidos de 11,4 milhões de euros, apesar da entrega pelo Estado de 132,8 milhões de euros no mesmo período.
Mas esses 11,4 milhões de euros são apenas uma parte dos resultados financeiros da SCMP. Segundo a análise do PÁGINA UM, nos últimos cinco anos a Misericórdia do Porto perdeu, em todas as suas actividades, quase 21,5 milhões de euros. E desde 2014 não sabe o que é ter contas positivas. É certo que os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) foram francamente maus, sobretudo por causa da decisão governamental de ‘abrandar’ as actividades hospitalares não-covid, contribuindo para prejuízos de quase sete milhões de euros só na actividade hospitalar. Porém, os problemas financeiros provêm de um período anterior.
Em 2017, por exemplo, a instituição já registou um prejuízo de 5,4 milhões de euros. O pico de prejuízos ocorreu em 2020, com as contas no ‘vermelho’ a atingirem os 6,5 milhões de euros. Mesmo com o desanuviamento da pandemia, a Misericórdia do Porto ainda não conseguiu, sob a direcção de António Tavares, inverter os prejuízos: em 2022 foram mais 3,5 milhões de euros, e no ano passado mais 2,4 milhões. Aliás, sob sua gestão, o antigo deputado social-democrata só viu dois anos de resultados no ‘verde’, e já em tempos longínquos: no ano de 2011, que terminou com um lucro de 1,6 milhões de euros, e no ano de 2014, com lucros de cerca de 940 mil euros.
O reflexo destes sucessivos desastres financeiros surge também na evolução do fundo patrimonial, equivalente ao capital próprio de uma empresa. No primeiro ano da gestão de António Tavares, em 2011, a SCMP contabilizava fundos patrimoniais no valor de 234,8 milhões de euros; agora valem apenas 140 milhões de euros. São quase 95 milhões de euros que se eclipsaram, ou seja, a Misericórdia do Porto tem agora 60% dos fundos que António Tavares ‘herdou’ do seu antecessor.
Os activos não correntes da instituição – que incluem sobretudo o património edificado e propriedades de investimento – valiam em 2011 quase 225 milhões de hoje; 12 anos depois diminuíram 72 milhões de euros, cifrando-se agora em um pouco menos de 153 milhões. Uma parte desta descida deveu-se a uma revalorização para baixo do valor do património edificado, contabilisticamente feita em 2013. Curiosamente, o PÁGINA UM consegiu obter, através de consultas on-line, todos os relatórios da Misericórdia do Porto entre 2012 e 2023, com execpção do de 2013, onde se procedeu à tal revaloriação dos activos.
Em todo o caso, se essa revalorização foi uma mera operação contabilística sem relação com a gestão, já os resultados sistematicamente negativos dizem respeito directo à Mesa Administrativa. Aliás, mostra-se surpreendente que o actual provedor António Tavares tenha ‘herdado’ em 2011 resultados transitados – ou seja, lucros de anteriores administrações – da ordem dos 34 milhões de euros. Em 12 anos de gestão, essas ‘reservas’ mais que desapareceram: os resultados transitados (incluindo aqui o prejuízo de 2023) são agora negativos em cerca de três milhões de euros. Ou seja, a provedoria de António Tavares é responsável por um período em que se perdeu cerca de 37 milhões de euros.
Mas quem olhar para os gastos da Misericórdia do Porto não diria que se está em tempo de ‘vacas magras’ nem de contenção de despesas. Uma das rubricas que mais tem aumentado, mesmo com uma estabilização das receitas, é a dos fornecedores e serviços externos. Quando António Tavares entrou em 2011, estes gastos cifravam-se em 13,2 milhões de euros, e até desceram para 11,9 milhões em 2013. Porém, no ano passado ultrapassaram os 19,5 milhões de euros. A subrubrica mais relevante é a dos subcontratos, que rondavam os cinco milhões por ano entre 2011 e 2014, mas em 2023 ultrapassaram os nove milhões de euros.
O PÁGINA UM pediu ao provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, António Tavares, um comentário sobre a situação financeira da instituição e que apontasse os principais motivos para esse desempenho, mas a resposta veio lacónica: “Entendemos que não nos devemos pronunciar a este propósito”.
Também sucintas foram as respostas, apesar de diversas insistências, sobre as negociações em redor da criação do CAC do Porto como destino dos doentes não-urgentes. A SCMP garante que Eurico Castro Alves – que não respondeu às perguntas do PÁGINA UM – “não participou no processo de articulação para a implementação do CAC do Hospital da Prelada”. E também diz que não houve qualquer intervenção do Ministério das Finanças nem de Manuel Pinto Teixeira. A instituição diz que este seu mesário (administrador) não é gestor do Hospital da Prelada, embora no relatório e contas de 2023 essa unidade hospitalar esteja junto ao seu nome, indiciando encontrar-se sob sua tutela.
De igual forma, e apesar de a Resolução do Conselho de Ministros que redefine as verbas a transferir para a Santa Casa da Misericórdia do Porto fazer referência ao CAC, esta instituição não quis adiantar pormenores do acordo nem dizer se haverá um acerto nas verbas a transferir pelo Governo em função dos doentes efectivamente atendidos no Hospital da Prelada.
Em resposta ao PÁGINA UM, fonte oficial desta instituição afirmou apenas que “foi contratualizado pelo Governo um número diário de doentes a serem encaminhados para esta resposta via SNS, estando assim a nossa operação montada e preparada para diariamente assegurar este volume de atendimentos”. A Misericórdia do Porto adianta, em todo o caso, que entre 19 e 31 de Agosto foram atendidos 751 doentes não-urgentes, o que dá uma média diária de 58 atendimentos.
Ora, se essa média se mantiver até ao fim do ano, e atendendo ao custo unitário anunciado pelo Governo para os CAC (45 euros por atendimento), a Resolução de Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro traz efectivamente um significativo ‘balão de oxigénio’ para as contas da Misericórdia do Porto, que se estima em mais de seis milhões de euros só para este ano. Isto porque o reforço da verba relativa a 2024, em comparação com a anterior decisão do Governo socialista, é da ordem dos 6,4 milhões de euros, uma vez que se passou de 30,3 milhões para 36,7 milhões de euros em 2023. Se se considerar que a média de atendimentos em Agosto (58 pessoas por dia) se manterá até Dezembro, o custo do CAC no Hospital da Prelada seria apenas de cerca de 350 mil euros. Mas mesmo que seja considerada uma média de 100 pessoas por dia, o reforço concedido por Luís Montenegro à Misericórdia do Porto por ‘obra e graça do Espírito Santo’, ou pelas tais ‘coincidências’, superará, ‘limpos’, mais de cinco milhões de euros.
Uma coisa parece certa, depois da Resolução do Conselho de Ministros assinada por Luís Montenegro antes das férias brasileiras em casa do mesário-suplente da Misericórdia do Porto: com este bónus, a instituição nortenha deverá apresentar lucros pela primeira vez desde 2014. Mas não será pelo facto de os membros da Mesa Administrativa se terem tornado, de repente, bons gestores, mas sim por uma ‘ajuda de secretaria’. Excepto, claro, se se considerar que ser-se bom gestor é deter também capacidade de influência para receber dinheiros públicos sem prestar boas contas do seu uso.
O PÁGINA UM pediu comentários ao primeiro-ministro Luís Montenegro sobre esta matéria, mas do seu gabinete não houve qualquer reacção.
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Não são apenas (umas poucas) vidas destruídas por sequelas associadas às vacinas contra a covid-19, como mostraram recentes reportagens dos canais televisivos TVI e CMTV. Na verdade, há muitas pessoas que perderam literalmente a vida de forma fulminante, cujos desfechos foram escondidos pelas autoridades, mais interessadas em atingir objectivos máximos de vacinação, estratégia defendida com ‘unhas e dentes’ pelo coordenador da ‘task force’ Gouveia e Melo. Em resultado de uma ‘luta’ de 32 meses, contra advogados pagos a ‘peso de ouro’ pelo Infarmed, o PÁGINA UM conseguiu um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul para aceder à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), mas o regulador do medicamento, presidido por Rui Santos Ivo, não o quer cumprir na íntegra. O Infarmed insiste em mutilar e omitir diversas variáveis, e ainda só disponibilizou os dados do primeiro ano do programa de vacinação. Mesmo assim, aquilo que já se vê é assustador: não apenas ocorreram mortes fulminantes, algumas poucos minutos após a administração das doses, como se salienta que as autoridades negligenciaram o apuramento das causas de muitas fatalidades, sendo provável um elevado grau de subnotificação. O PÁGINA UM revela, por agora, nesta notícia em edição especial, a ponta de um (escandaloso) icebergue.
Diversas mortes fulminantes, conjugadas com escandalosas lacunas de informação – é este o retrato inicial da informação parcial disponibilizada pelo Infarmed integrada na base de dados das reacções adversas (Portal RAM) relativas às vacinas contra a covid-19. O regulador dos medicamentos, presidido por Rui Santos Ivo, viu-se obrigado por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) a permitir o acesso ao Portal RAM, mas intencionalmente optou por enviar apenas os dados do primeiro ano da campanha de vacinação, sendo notórias várias manipulações e ocultamentos em variáveis, entre as quais a data da administração e número do lote da vacina, a idade precisa das vítimas e sobretudo a causalidade (definitiva, provável, possível e improvável).
Perante o incumprimento intencional do Infarmed – e até por via da recusa implícita do organismo estatal em realizar uma análise conjunta do Portal RAM com o PÁGINA UM a partir dos dados brutos – será solicitada a execução da sentença ao Tribunal Administrativo de Lisboa. Desde o primeiro requerimento do PÁGINA UM, e mesmo depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativo ter também considerado de relevante interesse público o acesso à base de dados anonimizados, já decorreram mais de 32 meses. Rui Santos Ivo, presidente do regulador desde 2019 – e com um percurso profissional sempre próximo do sector empresarial, tendo sido mesmo director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (2008-2011) – chegou a defender afincadamente em audiência no Tribunal Administrativo de Lisboa no início do ano passado a ocultação do Portal RAM, bastando, na sua óptica, os relatórios de farmacovigilância.
Em todo o caso, mostra-se de enorme gravidade a inexistência na base de dados do Infarmed de pormenores relevantes mesmo em desfechos fatais, nem se percebe se, no decurso do tempo, muitos outros casos evoluíram favorável ou desfavoravelmente. Certo é que no período compreendido entre 27 de Dezembro de 2020 – início da campanha de vacinação – e 6 de Dezembro de 2021, em que foram reportadas 27.220 reacções adversas, das quais 7.110 classificadas como graves, nem os casos de morte foram alvo de particular investigação.
Com efeito, a base de dados gerida pelo Infarmed – e que possibilita actualizações posteriores por médicos notificadores –, indica a ocorrência de 104 mortes durante o primeiro ano de vacinação, mas em cerca de quatro dezenas nem sequer é indicado o período desde a administração da vacina e o desfecho fatal. Porém, em diversos casos, surge a indicação de mortes absurdamente fulminantes. Por exemplo, identificada como o caso 23897, uma mulher com mais de 80 anos sucumbiu de ataque cardíaco apenas dois escassos minutos após receber a vacina da Pfizer (Comirnaty) em 18 de Outubro de 2021. Pouco mais durou um idoso da mesma faixa etária, identificado como a reacção 27033: após lhe administrarem também a vacina da Pfizer (Comirnaty), em 4 de Dezembro de 2021, morreu ao fim de 15 minutos com um tromboembolismo pulmonar.
Em apenas 30 minutos morreu, em 6 de Abril de 2021, uma mulher com idade entre os 65 e os 79 anos, identificada como caso 8712, depois de receber a vacina da AstraZeneca. E somente uma hora ‘sobreviveu’ o caso 7486: uma morte súbita ‘levou’ um homem com idade entre os 65 e os 74 anos depois de lhe ser administrada uma vacina cuja marca, estranhamente, nem sequer surge no Portal RAM – e nem sequer o Infarmed pareceu preocupado em saber.
Em duas ou menos horas estão identificadas mais três mortes: o caso 1062 (mulher com mais de 80 anos, por dispneia, em 21 de Janeiro de 2021); o caso 5987 (mulher com idade entre os 65 e 79 anos, por ataque cardíaco, em 30 de Março de 2021); e o caso 6675 (homem com idade dos 50 aos 64 anos, por choque anafilático, em 8 de Abril de 2021). Com desfecho fatal entre duas horas e menos de dois dias, o PÁGINA UM contabilizou mais 24 mortes, quase todas associadas a distúrbios cardiovasculares.
Também se mostra surpreendente a ausência de informação recolhida – ou então ilegalmente escondida ao PÁGINA UM pelo Infarmed – sobre mortes de pessoas de menor idade. No ficheiro ‘mutilado’, estão reportadas nove mortes de pessoas com idade entre os 25 e 49 anos, uma faixa onde a covid-19 constituía um perigo real bastante reduzido. Ora, em cinco destas mortes (casos 200, 11860, 13665, 25779 e 26408) nem sequer se registou a duração da reacção até ao desfecho fatal.
Nem sequer se considerou alarmante que a primeira destas mortes, em faixas mais jovens (25-49 anos), tenha ocorrido logo na primeira fase, vitimando uma mulher no primeiro dia do ano de 2021, surgindo somente a referência a ter sido uma morte súbita. Neste grupo de vítimas mais jovens, alguns das causas de morte estão em linha com alguns distúrbios compatíveis com reacções adversas das vacinas contra a covid-19 confirmadas pela Ciência ao longo dos últimos anos. Por exemplo, o caso 18448 diz respeito à morte de um homem nesta faixa etária que foi acometido de trombocitopenia imune somente 24 horas depois de lhe ser administrada a vacina da Janssen. Já uma mulher do mesmo grupo etário morreu em Agosto de 2021 depois de sofrer um choque anafilático seis horas após receber uma dose da vacina da Pfizer, acabando por sucumbir de ataque cardíaco.
Ainda mais complexa, e agonizante, foi a morte de um homem desta faixa etária a quem, três dias após receber a vacina da Pfizer, foi diagnosticada uma miocardite, seguindo-se um acidente vascular cerebral grave e uma trombose arterial. Morreu passado mais três dias, em 26 de Novembro de 2021, de ataque cardíaco.
O PÁGINA UM continuará a analisar o Portal RAM, a pressionar o Infarmed a cumprir o acórdão do Tribunal Administrativo, e a fazer um levantamento das reacções adversas mais graves causadas pelas vacinas da covid-19 no espaço europeu, através de um levantamento exaustivo e rigoroso da informação da EudraVigilance, a base de dados da Agência Europeia do Medicamento.
Destaque-se, no entanto, e desde já, que não existe nenhum outro medicamento autorizado que actualmente apresente tantas vítimas por efeitos adversos, mantendo-se um estranho alheamento com vista a uma necessária análise ética e política sobre os programas de vacinação contra a covid-19, que inclua uma avaliação do custo-benefício por grupo etário e por grau de vulnerabilidade. E, sobretudo, com a transparência exigida para que haja um verdadeiro (e sem pressão) consentimento informado, assumindo o Estado – já que as farmacêuticas obtiveram isenções de responsabilidades da Comissão von der Leyen – os apoios e indemnizações por danos causados durante os programas (quase impostos) de vacinação.
N.D. A ‘luta’ do PÁGINA UM nos tribunais administrativos, neste processo contra o obscurantismo do Infarmed, e noutros, somente tem sido possível em virtude dos apoios individuais dos leitores, através de donativos específicos para o FUNDO JURÍDICO.
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Foi uma reunião com três secretários de Estado, incluindo Lacerda Sales, que deu o ‘pontapé de saída’ para um processo de cartelização de preços dos testes de detecção da covid-19 nas escolas que resultou num encargo público de quase 30 milhões de euros. O PÁGINA UM analisou em detalhe o processo da Autoridade da Concorrência (AdC), onde se mostram comunicações e actas, e os 163 ajustes directos celebrados pela Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE), concluindo que o preço concertado foi aquele que consta em todos os contratos. O Ministério da Saúde inicialmente propunha 15 euros como preço unitário, mas a Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL) conseguiu subir para os 20 euros com a concordância do Governo. Também fica patente que os dirigentes associativos estiveram a fazer ‘lobby’ pessoal: as empresas dos sete dirigentes amealharam 82% do valor dos contratos. Foram apenas essas as empresas multadas agora pela AdC por cartelização, uma prática usual em associações mafiosas.
O Governo, através da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) e dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), foi conivente e mesmo colaborativo na concertação de preços por parte dos principais laboratórios para a testagem massiva de alunos com vista à detecção da covid-19 durante a pandemia, prática alvo de um processo instaurado pela Autoridade da Concorrência (AdC) que levou à aplicação de coimas de quase 57,5 milhões de euros.
Chegou a haver mesmo uma reunião preparatória em 25 de Fevereiro de 2021 entre dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos (ANL), altos dirigentes da Administração Pública e membros do Governo, nomeadamente Lacerda Sales (secretário de Estado Adjunto e da Saúde), Inês Ramires (secretária de Estado da Educação) e Rita da Cunha Mendes (secretária de Estado da Acção Social), onde se debateu, entre outros aspectos, a capacidade máxima dos laboratórios existentes em Portugal para colheita com vista à testagem massiva em escolas e creches sem passar por qualquer procedimento contratual normal. A referência à reunião com os membros do Governo consta na página 203 da Decisão do Conselho da AdC de 17 de Julho, revelada esta quarta-feira.
Além das sucessivas reuniões e trocas de mensagens entre os dirigentes da ANL – algumas das quais citadas pela AdC no seu processo –, os Ministérios da Educação e da Saúde, neste caso a partir dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, acabaram por concordar com a concertação de preços, que ficou nivelado nos 20 euros por teste, e com a distribuição das análises a executar pelos diversos laboratórios, sugeridos pela própria ANL.
Tanto assim que nem sequer a DGEstE lançou qualquer concurso público ou fez um procedimento de consulta prévia, optando sempre por ajustes directos para o programa de testagem. As campanhas de testagem massiva em escolas e creches decorreu até Janeiro de 2022, em dois varrimentos: o primeiro, para o ano lectivo 2020/2021, decorreu entre Março e Julho de 2021, em oito fases, e o segundo, para o ano lectivo 2021/2022, entre Setembro de 2021 e Janeiro de 2022, em quatro fases, tendo ficado prevista a realização de mais de 1,4 milhões de testes.
De acordo com uma análise do PÁGINA UM no Portal Base, a DGEstE estabeleceu ao longo de 2021, para testagens específicas a alunos, um total de 163 ajustes directos, invariavelmente ao preço unitário de 20 euros, envolvendo 29,3 milhões de euros. Apesar de se contabilizarem 63 laboratórios a beneficiar destes contratos leoninos, que por terem tido preços exagerados penalizaram o erário público, cerca de 82% deste ‘bolo’ ficou em apenas seis empresas, todas alvo da mira e sanções da AdC.
Três destas empresas de laboratórios clínicos ficaram com mais de 5 milhões de euros em ajustes directos: a Dr. Joaquim Chaves, com 5.311.2380 euros; a Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa, com 5.260.800 euros; e Hormofuncional, do Grupo Affidea, com 5.076.580 euros. Acima de um milhão de euros encontram-se mais três empresas: a Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, do Grupo Unilabs, com 3.674.600 euros; a Synlabhealth, do Grupo Synlab, com 3.537.940 euros; e a Labeto, com 1.1270.040 euros.
Esta concentração elevada (ajustes directos de quase 24 milhões de euros), beneficiando tão poucas empresas, não esteve apenas relacionada com a sua dimensão, mas sobretudo com o facto de as negociações para o estabelecimento dos preços e demais combinações terem sido realizadas pelos dirigentes da ANL que são simultaneamente gestores de topo das principais empresas beneficiadas pelos testes pagos pela DGEstE.
Com efeito, o presidente da ANL é Pedro Oliveira, CEO da Synlab, empresa que decidiu pagar voluntariamente uma coima de 5 milhões de euros aplicada pela AdC. Os dois vice-presidentes da associação, Joaquim Paiva Chaves e Paulo Marques, são, respectivamente, CEO da empresa homónima (que recebeu uma coima de 11,5 milhões de euros) e director executivo comercial da Unilabs (que decidiu, também voluntariamente, pagar já a coima de 3,9 milhões de euros aplicada à sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres). Por sua vez, o tesoureiro da ANL, Miguel Santos, é CEO da Affidea Portugal, que detém a Hormofuncional, a quem a AdC aplicou a maior coima: 26,1 milhões de euros.
Quanto à secretária da direcção da associação, Maria João Tomaz é administradora do Grupo Beatriz Godinho Saúde, que detém a Labeto, empresa a quem se aplicou uma coima de 1,4 milhões de euros. De entre os dois vogais da ANL está José Germano de Sousa, filho do antigo bastonário da Ordem dos Médicos que fundou uma das mais conhecidas e lucrativas redes de análises clínicas. O Centro Medicina Laboratorial Germano de Sousa – que contabilizou, segundos cálculos do PÁGINA UM com base nas contas do triénio anterior à pandemia, lucros acrescidos de quase 62 milhões de euros – recebeu a ‘notícia’ de ter de pagar agora uma coima de 9,3 milhões de euros por cartelização.
Na lista dos dirigentes da ANL ainda consta, como vogal, Gizela Santos, que também beneficiou directa e indirectamente dos contratos negociados entre a associação do sector e a Administração Pública, mas em menores montantes. Gizela Santos é presidente da administração da Laboratório de Análises Clínicas Dr. J. Leitão Santos e também da Redelab, que tem parcerias com diversos outros laboratórios, que beneficiaram de ajustes directos num total a rondar os 600 mil euros. Em todo o caso, a Redelab acabou por ver a AdC aplicar-lhe duas coimas, uma de 100 mil e outra de 200 mil euros.
O longo processo da AdC detalha, embora com algumas rasuras por alegada confidencialidade, vastos pormenores das negociações e da forma como, internamente, os dirigentes da ANL, e simultaneamente gestores de topo dos principais laboratórios, negociaram entre si os preços e distribuição dos testes, e portanto dos montantes a arrecadarem de dinheiros públicos por parte das suas empresas.
Numa das mensagens interceptadas pela AdC, Joaquim Chaves aborda a questão de o Ministério da Saúde ter manifestado, na tal reunião de Fevereiro de 2021, que “esperava um preço na ordem dos 15 euros”. “Deixámos claro que tal como na primeira fase”, escreveu aos seus ‘colegas’ da ANL (e concorrentes), “há um preço só para colheita que não poderá ser abaixo dos 10 euros. Agora teremos que determinar a que preços venderemos os testes. Pessoalmente acho que devemos estar alinhados e não concordo, nada, que numa fase destas cada um tente ir por si conquistar mercado com preços”. E colocava também como se deveria fazer “o levantamento” dos laboratórios que deveriam envolver, mostrando preocupação sobre como fazer “a distribuição geográfica sem que isto se torne uma batalha campal ‘entre aliados’”.
O preço final, combinado e acordado pelos dirigentes e empresários, ficaria decidido logo no dia 26 de Fevereiro de 2021. Em acta da ANL, com a presença de todos os gestores das empresas agora multadas pela AdC, fixou-se o seguinte, preto no branco: “Relativamente aos preços a praticar, considerando os volumes e economia de escala antecipados, foi consensual o valor a apresentar, de vinte euros, por teste (líquido). Será enviada circular aos associados solicitando [que] nos indiquem se estão interessados e com disponibilidade, que capacidade têm instalada e em que regiões do continente têm cobertura”. A AdC comprovou que os associados da ANL que não estavam representados na direcção estiveram alheados desta cartelização que beneficiou quase em exclusivo as empresas que ficaram com o maior ‘bolo’ deste negócio.
O valor de 20 euros por teste recebeu explicitamente a concordância do Governo, e tal não se mostrava necessário mesmo se o ajuste directo foi permitido durante a pandemia para qualquer valor de aquisição. Mesmo que tivesse em causa uma urgência imediata, a Administração Pública poderia (e talvez devesse) fazer uma consulta independente ao mercado para definir um preço negocial. Mas optou-se por nunca fazer concurso público nem uma consulta prévia do mercado, sendo evidente que o Governo, iniciando este processo – que a AdC considera de cartelização – envolvendo reuniões com dirigentes da ANL (e simultaneamente gestores de topo de laboratórios relevantes) em que intervieram três secretários de Estado, deram implicitamente ‘carta branca’ para se concertarem e estabelecer um preço unitário elevado.
Certo é que, sem excepção, o preço unitário de 20 euros é o que consta em todos os 163 contratos por ajuste directo celebrados pela DGEstE, desde o maior, assinado em Abril de 2021 pela Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, no valor de 2,96 milhões de euros, até ao menor, assinado em Setembro desse ano com um pequeno laboratório de Coimbra, no valor de 760 euros. Convém referir que nem todos os contratos foram integralmente executados, uma vez que acabaram, em muitos casos, por serem realizados menos testes que os previstos.
A existência desta concordância entre o Governo e os processos de cartelização dos principais laboratórios, através da ANL, fica também patente numa tentativa de ser aumentado ligeiramente o preço unitário em 1 euro, o que resultaria em quase 1,5 milhões de euros de receitas adicionais para os laboratórios. No processo, a AdC salienta que, em resposta a esta tentativa de rectificação do preço por um dos dirigentes não identificados da ANL, o director-geral da DGEstE respondeu o seguinte: “Na reunião ficou também clarificado que recebendo nós essas listagens [dos laboratórios disponíveis], todo o trabalho logístico, conforme disponibilidade da SPMS, de cruzamento de capacidade de testagem e necessidades (construção do cronograma – matching) ficaria com eles. Razão pela qual, na própria reunião, tendo eu identificado os 20€/teste, não houve sequer lugar a debate sobre esse número. O preço acordado são os 20€/teste”.
Por tudo isto, se se mostra evidente a cartelização dos testes por parte dos laboratórios dos dirigentes da ANL, penalizados pela AdC, tal só foi possível com a conivência, concordância e aprovação da Administração Pública e do próprio Governo, que não apenas reuniram com cartelistas como aceitaram negociar com gestores de topo de empresas agora multados em 57,5 milhões de euros por causarem prejuízo ao erário público. Saliente-se ainda que a testagem em escolas teve uma taxa de positividade inferior a 0,1%, não havendo registo de qualquer aluno do ensino básico e secundário que tenha falecido devido à covid-19. No entanto, sempre que era detectado um único caso positivo numa escola chegou a ser determinado o isolamento profiláctico de toda a turma.
N.D. Pode consultar AQUI a lista discriminada dos ajustes directos e os montantes recebidos por cada empresa pela testagem nas escolas.
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Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM já escrevia sobre os lucros pornográficos dos laboratórios de análises clínicas só por causa dos ‘testes covid’, mas tudo andava a ser ‘turbinado’ por esquemas de cartelização típicas das famílias mafiosas como se vêem nos filmes, mas estas de ‘bata branca’ com uma associação a servir de charneira. Agora que a Autoridade da Concorrência aplicou coimas históricas a grupos laboratoriais a operar em Portugal, o PÁGINA UM foi ver a ‘mossa’ que vai causar às contas de uma das mais importantes empresas deste sector, e concluiu que o ‘crime’ compensou: o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa foi condenado a uma coima de 9,3 milhões de euros, mas no triénio da pandemia (2020-2022) registou acréscimos de lucros da ordem dos 62 milhões de euros. Os capitais próprios da empresa fundada pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos mais que quadruplicaram entre 2019 e 2022, situando-se em quase 36 milhões de euros.
Haverá, por certo, nos próximos dias, ‘vestes rasgadas’ dos laboratórios, a clamar inocência e choque, por hoje terem sido condenadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) a pagar coimas no valor total de 48,61 milhões de euros devido a esquemas de cartel que operam no mercado português entre, pelo menos, 2016 e 2022, e que atingiu o seu auge durante a pandemia com os testes PCR e antigénio de detecção do SARS-CoV-2. Mas a verdade é cristalina: mesmo parecendo haver mão pesada, o crime mais do que compensou: os milhões eventualmente perdidos em coimas não beliscam lucros fabulosos daquilo que pode vir a ficar conhecido por ‘Máfia dos Testes’.
Um dos casos mais evidentes passa-se com o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa, fundado pelo antigo bastonário da Ordem dos Médicos, que viu na covid-19 uma espantosa oportunidade de negócio, ainda mais potenciada pelos esquemas agora denunciados e penalizados pela Autoridade da Concorrência. Mesmo sendo certo que existia já cartelização antes da pandemia, nomeadamente em análise de vitamina D, foi nos testes à covid-19 que os laboratórios de Germano de Sousa, e todos os outros singraram.
De acordo com as demonstrações financeiras da empresa do antigo bastonário, antes da covid-19 a situação não era nada má: as vendas e prestações de serviços no triénio pré-pandemia (2017-2019) tinham sido de 29,1 milhões, 30,5 milhões e 35,7 milhões de euros, respectivamente, que resultaram em lucros líquidos de 3,7 milhões, quase 3,9 milhões e 8,1 milhões de euros, respectivamente. A margem de lucro líquida andava próxima dos 13% em 2017 e 2018, e subira para 17% em 2019.
Com a covid-19, a história foi outra: para melhor, na perspectiva da empresa; para pior, na perspectiva dos dinheiros públicos. Com efeitos, as receitas do Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa dispararam literalmente, e ainda mais os lucros. Em 2020, a empresa mais que duplicou a facturação face ao ano anterior, com 74,4 milhões de euros, obtendo um lucro de 23,3 milhões de euros e uma margem de lucro líquida de 31%. Ou seja, os testes vendiam-se com elevadíssima margem. Em 2021, as receitas chegaram a uns impressionantes 115,4 milhões de euros e lucros de 35,1 milhões de euros, ou seja, de quase seis vezes o valor de 2019. Em 2022, os resultados decaíram um pouco, para os 17,1 milhões de euros, em virtude da retracção das vendas de testes (as receitas baixaram para os 78 milhões de euros) mas mesmo assim bem superior aos lucros do triénio de 2017-2018.
Na verdade, mostra-se impressionante comparar os lucros da empresa de Germano de Sousa no período pré-pandemia (2017-2019) com o período da pandemia (2020-2022): lucros acrescidos de 61.927.101 euros, ou seja, foi o ‘lucro da pandemia’ só para esta empresa, que agora viu ser-lhe aplicada uma coima de 9,3 milhões de euros. Contas feitas, fica um ‘saldo’ confortável de quase 52 milhões de euros a acrescer aos lucros expectáveis. Quem ganhou foram os capitais dos accionistas, que passaram de 7,9 milhões em 2019 para os quase 35,6 milhões em 2022. Ou seja, mais do que quadruplicaram.
Com as devidas proporções, associadas aos volumes de negócios, os outros laboratórios terão tido um comportamento e sucessos similares, até por haver uma estreita relação quer na definição de preços quer na quota de mercado. Segundo o processo da AdC, “as visadas Affidea [Hormofuncional e Alves & Duarte], Germano de Sousa, Joaquim Chaves, Redelab, Beatriz Godinho e ANL [Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos] agiram deliberadamente, de forma ilícita e culposa, com manifesto dolo, implementando um acordo suscetível de consubstanciar uma infração por objeto ao direito da concorrência”.
De acordo com a decisão tornada hoje pública, a Hormofuncional/Alves & Duarte (grupo Affidea) foram condenadas a pagar uma coima de 26,1 milhões de euros, a coima aplicada à Joaquim Chaves foi de 11,5 milhões de euros, a Germano de Sousa terá de pagar 9,3 milhões de euros, a Labeto 1,4 milhões de euros, a Redelab (e Jorge Leitão Santos) 300 mil euros e a ANL 10 mil euros.
A AdC adiantou que a presente decisão anunciada hoje “foi precedida por duas decisões condenatórias no mesmo processo, adotadas em 21 e 26 de dezembro de 2023, que resultaram do recurso ao procedimento de transação por parte de dois grupos laboratoriais multinacionais”. Através da adesão ao procedimento de transação, estas empresas “abdicaram de contestar a imputação da AdC e procederam ao pagamento voluntário das coimas aplicadas no valor global de €8.900.000, tendo optado por colaborar com a investigação e fornecer à AdC prova relevante da existência das práticas anticoncorrenciais em causa”.
Existem dois acordos individuais que identificam a Synlab e a Unilabs como as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas, respectivamente de 5 milhões e 3,9 milhões de euros. No caso da Unilabs, a coima diz respeito à actuação da sua subsidiária Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres.
Uma vez que o processo teve origem em pedido de dispensa ou redução da coima ao abrigo do Programa de Clemência, foi concedida dispensa da coima à Affidea BV, que denunciara o esquema e que cumpria todos os requisitos aplicáveis. Segundo o regulador, a empresa Medicina Laboratorial Dr. Carlos da Silva Torres, uma das empresas que recorreu ao procedimento de transação, “beneficiou ainda de uma redução adicional da coima ao abrigo do Programa de Clemência”.
Ou seja, no conjunto, “este processo envolveu um total de sete grupos laboratoriais e uma associação empresarial, com um total de coimas aplicadas de €57.510.000, dos quais €8.900.000 foram voluntariamente pagos”.
Graças ao esquema, salienta a AdC, “a taxa de crescimento anual do volume de negócios agregado na prestação de análises clínicas em território nacional em 2020 e 2021, correspondente ao período da pandemia, por parte dos grupos laboratoriais visados foi entre 50 e 60% em cada um dos anos”. Não admira, só o Serviço Nacional de Saúde comparticipou 40 milhões de testes até finais de Março de 2022.
A combinação entre os laboratórios teve impacto significativo no preço unitário dos testes em Portugal. O regulador recorda que “em Setembro de 2020, o valor os testes covid (PCR) estavam, em Portugal, ao nível dos preços na Europa”, mas “em Junho de 2021, Portugal era o país da Europa com o preço por teste covid mais alto da Europa”.
Apesar da decisão de hoje, este caso remonta a Fevereiro de 2022, quando a Concorrência procedeu à abertura de inquérito na sequência de a decisão de “um pedido de dispensa ou redução da coima referente à existência de um conjunto de práticas” irregulares, mas sem haver então muitos elementos. Posteriormente, outro laboratório pediu clemência. Em Março de 2022, a AdC chegou a realizar diversas diligências de busca e apreensão na sede das empresas visadas, em Lisboa e no Porto. No entanto, o PÁGINA UM já escrevera em Dezembro de 2021 sobre os pornográficos lucros da laboratório de Germano de Sousa e também de Joaquim Chaves.
Segundo a AdC, o cartel forjado entre os laboratórios e com a participação da Associação Nacional dos Laboratórios Clínicos procedeu à “fixação dos preços aplicáveis e a repartição geográfica do mercado de prestação de análises clínicas e de fornecimento de testes covid-19”. A Concorrência concluiu ainda que a “a concertação entre os cinco laboratórios ter-lhes-á permitido aumentar o seu poder negocial face às entidades públicas e privadas com as quais negociaram o fornecimento de análises clínicas e de testes COVID-19, levando à fixação de preços e de condições comerciais potencialmente mais favoráveis do que as que resultariam de negociações individuais no âmbito do funcionamento normal do mercado, impedindo ou adiando a revisão e a redução dos preços”.
“A partir de Março de 2020, os laboratórios visados concertaram entre si os preços para o fornecimento de testes covid aos utentes do SNS e da ADSE e impuseram-nos nas negociações com a tutela”, refere a AdC no comunicado. Adianta que “os laboratórios visados ameaçaram, aliás, a tutela com um boicote ao fornecimento de testes covid em represália contra as atualizações (reduções) dos preços convencionados”.
De acordo com a AdC, a ANL teve um “papel determinante” na formação do cartel, visto que “o acordo em que estiveram envolvidos os laboratórios Affidea, Joaquim Chaves, Germano de Sousa, Beatriz Godinho e Redelab, foi facilitado por esta associação a pretexto da respetiva atividade, alavancando-se os laboratórios visados no exercício de cargos de Direção na associação”.
Segundo o processo, a ANL – que só apanhou uma coima de 10 mil euros – foi crucial para a viabilização dos contactos entre os laboratórios visados, com a associação a actuar como um “elemento facilitador” da “formação de consensos que se concretizaram designadamente, na fixação de preços e na repartição do mercado entre as demais visadas, bem como na transmissão das posições acordadas às entidades com as quais, nas várias circunstâncias descritas nesta Decisão, foi negociada a prestação de análises clínicas/patologia clínica”.
Dos laboratórios, “as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa desempenharam um papel de destaque, estando diretamente envolvidas na quase totalidade dos comportamentos identificados, ao contrário das visadas Redelab e Beatriz Godinho”.
Os “os elementos probatórios juntos aos autos indiciam que as visadas Affidea, Joaquim Chaves e Germano de Sousa, que integram o grupo de laboratórios privados com maior capacidade de produção e rede de colheitas, integram um grupo de laboratórios privados representados na Direção ANL mais restrito que manteve um grau de proximidade maior entre si e uma cooperação mais estreita, levando a que, muitas vezes, estes laboratórios beneficiassem dos resultados da colusão em detrimento dos demais laboratórios visados”.
Mas a AdC destaca, na sua decisão, que “cumpre fazer uma distinção entre o grau de participação da Germano de Sousa e o grau de participação das visadas Affidea e Joaquim Chaves”. Assim, “embora a Germano de Sousa tenha estado diretamente envolvida” na formação do cartel, “cumpre constatar que o seu grau de envolvimento é menor face ao envolvimento das visadas Affidea e Joaquim Chaves, na medida em que, embora fosse consultada pela Direção ANL e convidada para as respetivas reuniões em data anterior a 18.07.2018, manifestando o seu alinhamento com os consensos alcançados”, a AdC observou que “a Germano de Sousa tem intervenção em menos conversações, só tendo sido nomeada vogal da Direção ANL nessa data”.
A decisão final da AdC é ainda susceptível de recurso de impugnação judicial e não se encontra ainda transitada em julgado. A ANL anunciou, através de um comunicado citado pelo Eco, que vai recorrer da decisão da Concorrência, manifestando “o seu total desacordo e indignação” face à decisão da AdC e defendendo que esta é “caracterizada por erros factuais e de direito” e “representa um grave atentado à justiça e à integridade do setor convencionado da saúde em Portugal”.
N.D.: Notícia actualizada às 21H20 do dia 25 de Julho com mais informação sobre as duas empresas que pagaram voluntariamente as coimas e as duas empresas que pediram dispensa ou redução de coima.
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