Categoria: Saúde

  • Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge previu uma catástrofe, falhou e calou-se… o PÁGINA UM mostra-lhe o que aconteceu

    Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge previu uma catástrofe, falhou e calou-se… o PÁGINA UM mostra-lhe o que aconteceu

    O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) voltou esta semana a dar um exemplo paradigmático de como não se deve comunicar Saúde Pública. No início desta semana, o organismo tutelado pelo Ministério da Saúde, mas integrado na Universidade Nova de Lisboa, decidiu accionar o seu modelo Índice ÍCARO — esse acrónimo sonante, mas que, na prática, fez descambar a credibilidade do seu presidente Fernando Almeida — para prever uma alegada “catástrofe” de mortalidade.

    Para os dias 4 a 6 de Agosto, o INSA projectou mais do que uma duplicação do número normal de mortes, conforme noticiou o PÁGINA UM na segunda-feira, sugerindo um cenário quase apocalíptico com mais de 700 óbitos por dia. Em três dias, o excesso de mortalidade estaria acima dos 1.100 óbitos? E o que aconteceu? Simples: a mortalidade real ficou a rondar pouco mais de 300 óbitos por dia, valores que, embora ligeiramente elevados para esta altura do ano, estão longe das profecias descontroladas. E pior: pela calada, o INSA modificou os valores do índice ICARO para ‘consertar’ o desacerto. Mas mesmo com esses valores ‘corrigidos’ à socapa, o instituto público previu 1.824 óbitos em três dias, ou seja, um excesso de 900 óbitos.

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    Foto: D.R.

    Mais uma vez, o problema nem foi apenas o erro (grosseiro, acrescido do silêncio), mas a histeria mediática que lhe seguiu.

    Mas, no PÁGINA UM, preferimos fazer o que o jornalismo deve fazer: olhar para os dados, analisá-los e contextualizá-los.

    É um facto que as temperaturas nas últimas duas semanas estiveram elevadas, com valores que, em alguns dias, se mantiveram persistentemente acima das médias climatológicas, sobretudo nas regiões do interior. Isso justifica uma análise estatística rigorosa para verificar se este calor se traduziu num excesso de mortalidade relevante. Fizemo-lo, concentrando-nos no período entre 25 de Julho e 7 de Agosto, através da informação do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), acrescentando duas componentes essenciais que o INSA e, muito provavelmente, o Governo e a Direcção-Geral da Saúde continuam a querer ignorar.

    A primeira componente é óbvia para qualquer demógrafo: a mortalidade em termos absolutos tem aumentado nos últimos anos, não apenas devido a episódios excepcionais como a pandemia, mas por causa do envelhecimento acelerado da população portuguesa. Há mais pessoas em idades avançadas e, por consequência, mais mortes por causas naturais, mesmo sem qualquer evento extremo relevante. Comparar, por exemplo, a mortalidade diária de 2025 com a de 2015, ou usar uma simples comparação com a média dos últimos cinco ou 10 anos, sem qualquer ajuste à estrutura etária, é receita certa para inflacionar artificialmente qualquer “excesso”.

    Previsões catastrofistas inicialmente apontadas para os dias 4 a 6 de Agosto…
    … foram alteradas poucas horas depois de uma notícia do PÁGINA UM que indicava que aparentavam seriam catastrofistas (e exageradas). Fonte: Portal da Transparência do SNS.

    Importa, contudo, acrescentar uma ressalva: a leitura desta tendência nos próximos anos será mais difícil devido ao ruído introduzido pelos anos pandémicos de 2020 a 2022, em que a mortalidade esteve anormalmente elevada. Se esses anos não forem devidamente atenuados ou ajustados nos modelos, os valores de referência tenderão a ficar artificialmente altos, podendo mascarar excessos reais ou gerar falsos défices. Este será um desafio inevitável para qualquer análise séria da mortalidade nos próximos anos.

    A segunda componente é mais subtil, mas igualmente importante: o chamado efeito harvesting, ou deslocamento de mortalidade. Este fenómeno traduz-se no seguinte: se num período anterior (como o Inverno) a mortalidade é mais baixa do que o esperado, isso significa que houve uma “poupança” de pessoas vulneráveis que, noutras condições, teriam morrido mais cedo.

    Quando surge um episódio adverso — como uma vaga de calor, mesmo que não demasiado intensa — parte destas pessoas acaba por falecer num curto espaço de tempo, gerando um pico de mortalidade que não reflecte necessariamente um aumento anual líquido. É um efeito de compensação temporal. O inverso também se aplica: um Inverno com surtos gripais mortíferos desencadeará previsivelmente uma menor quantidade de óbitos no Verão, mesmo perante condições adversas.

    Fernando Almeida, presidente do INSA: muda previsões catastrofistas e acha que não tem de dar satisfações quando se manipula os números originais. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, convém referir que mesmo em meses com ondas de calor, o Verão é, actualmente, a época do ano de menor letalidade, sendo que Setembro costuma ser invariavelmente o mês de menor mortalidade.

    Assim, aplicando um modelo estatístico robusto, calibrado com dados diários de mortalidade entre 2014 e 2024 e ajustado a dois factores essenciais — sazonalidade e tendência demográfica de envelhecimento — o PÁGINA UM construiu um referencial fiável do que seria expectável para cada dia de 2025.

    A sazonalidade foi modelada com harmónicos anuais que captam os padrões repetitivos ao longo do ano — como os picos habituais no inverno ou no verão. A tendência de longo prazo foi incorporada através de uma variável anual contínua, captando o aumento gradual da mortalidade absoluta resultante do envelhecimento populacional. O modelo foi estimado com regressão de Poisson, apropriada para contagens de eventos diários, garantindo que a variabilidade natural dos óbitos é tida em conta. Adicionalmente, o intervalo de confiança a 95% foi calculado para cada previsão, permitindo identificar dias com mortalidade significativamente acima ou abaixo do esperado.

    Ana Paula Martins, ministra da Saúde: INSA falha previsões, corrige e volta a falhar. E cala-se. E siga-se para a próxima narrativa. Foto: D.R.

    A partir deste referencial, compararam-se os óbitos observados entre 25 de Julho e 7 de Agosto de 2025 com os valores esperados para o mesmo período. A análise considerou ainda o possível efeito de harvesting — fenómeno em que um pico de mortalidade numa altura pode ser parcialmente “compensado” por défices de mortalidade noutras semanas, quando as vítimas prováveis já faleceram antes do previsto.

    Este método permite, assim, distinguir se há um verdadeiro excesso de mortalidade ou se os números recentes apenas reflectem uma redistribuição temporal dos óbitos.

    E, deste modo, entre 25 de Julho e 7 de Agosto de 2025, em 14 dias, registaram-se 4.601 mortes, contra um valor previsto de 4.373. Ou seja, houve um excesso de 228 óbitos, equivalente a +5,2%. Não é um valor irrelevante, mas está a anos-luz das duplicações anunciadas pelo Índice ÍCARO. E, convém sublinhar, 11 desses 14 dias ficaram acima do intervalo de confiança estatístico, o que indica um padrão consistente e não um mero acaso.

    Evolução diária da mortalidade em Portugal em 2025 (linha preta), comparada com o valor esperado ajustado à sazonalidade e à tendência demográfica (linha azul tracejada) e respetivo intervalo de confiança a 95% (faixa azul). O período de 25 de Julho a 7 de Agosto, assinalado a vermelho, corresponde à janela analisada pelo PÁGINA UM para avaliar um eventual excesso de mortalidade. Análise: PÁGINA UM.

    No entanto, este pico de mortalidade não ocorreu no vazio. Entre 1 de Janeiro e 24 de Julho deste ano, a mortalidade observada foi cerca de 3.698 óbitos inferior à esperada, porque os recentes surtos gripais foram anormalmente fracos. Com efeito, no inverno, a diferença foi ainda mais marcada: menos 1.401 mortes em Dezembro de 2024 e menos 2.979 entre Janeiro e Março de 2025.

    No total, o ‘défice invernal’ foi de 4.380 óbitos. É precisamente este contexto que sugere a acção do efeito harvesting: o calor do final de Julho terá “adiantado” o desfecho para parte das pessoas poupadas ao inverno benigno, mas sem inverter a tendência anual.

    Certo é que até 7 de Agosto, e mesmo contabilizando o excesso do período analisado, Portugal mantém um saldo anual negativo de 3.414 óbitos face ao esperado (ajustado ao envelhecimento). Ou seja, o ano de 2025, até agora, continua a ser menos letal do que a média ajustada dos últimos dez anos. É por isso enganador, e até intelectualmente desonesto, apresentar estes 14 dias como uma “catástrofe” sem explicar o pano de fundo.

    Mortalidade observada (linha azul) e esperada ajustada à sazonalidade e ao envelhecimento populacional (linha laranja) em Portugal, entre 25 de Julho e 7 de Agosto de 2025. A faixa sombreada representa o intervalo de confiança de 95% da previsão. Apesar de se registar um pico pontual no início de Agosto, a mortalidade global do período mantém-se apenas ligeiramente acima do esperado. Análise: PAV.

    A nossa análise confirma que o calor teve impacto real na mortalidade — e isso não deve ser minimizado. Mas também confirma que este impacto está inserido num padrão mais vasto, onde um défice prévio e prolongado de mortes condiciona a leitura do excesso pontual.

    É aqui que a diferença entre o alarmismo do INSA – que, depois, de forma altiva e presunçosa, não se digna explicar-se – e a análise contextualizada do PÁGINA UM se torna evidente. Um organismo público, pago pelos contribuintes, tem a obrigação de explicar, com rigor e sobriedade, que um pico de mortalidade no Verão pode ser estatisticamente significativo e, ao mesmo tempo, compatível com um saldo anual em défice. E aquilo que não pode nem deve é continuar a alimentar, com petulância, narrativas de emergência através de modelos opacos e previsões erráticas. Já nos chegou a pandemia…

  • Coimbra tem um rácio de médicos 70 vezes superior aos concelhos com maiores carências

    Coimbra tem um rácio de médicos 70 vezes superior aos concelhos com maiores carências

    É um dos indicadores mais paradigmáticos do desequilíbrio – e mesmo da iniquidade – do desenvolvimento económico e social: a distribuição dos médicos residentes pelos diversos concelhos mostra um país profundamente desigual — e a agravar-se.

    De acordo com os dados actualizados para 2024 e divulgados na sexta-feira passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), apenas 29 dos 308 concelhos portugueses têm um rácio de médicos superior à média nacional de 6,0 por mil habitantes. O concelho de Coimbra lidera com 34,7 médicos por mil habitantes – um valor quase 70 vezes superior ao dos concelhos de Pedrógão Grande, Pampilhosa da Serra e Góis, que apresentam um rácio de apenas 0,5. Estes dois últimos municípios pertencem ao distrito que tem a ‘cidade dos doutores’ como capital.

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    Este desequilíbrio agrava a clivagem entre litoral e interior, entre zonas urbanas e zonas rurais, revelando-se um dos indicadores mais nítidos da desarticulação territorial – e com tendência a piorar.

    Em 2024, dos 15 concelhos com menos de um médico por mil habitantes – Armamar, Carrazeda de Ansiães, Ferreira do Zêzere, Viana do Alentejo, Calheta (Açores), Alcácer do Sal, Mourão, Castanheira de Pêra, Cadaval, Barrancos, Vila do Bispo, Lajes das Flores, Góis, Pampilhosa da Serra e Pedrógão Grande – somente Ferreira do Alentejo (de 0,6 para 0,9) registou melhorias. Carrazeda de Ansiães (que passou de 1,5 para 0,9) e Pedrógão Grande (de 0,9 para 0,5), se estavam mal em 2021, estão agora ainda piores.

    O contraste entre os concelhos mais rurais — e mesmo citadinos fora dos centros hospitalares — com os grandes centros urbanos é esmagador. Coimbra está noutro patamar, mas mesmo as cidades do Porto (22,0) e Lisboa (17,7) encontram-se muito acima dos restantes.

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    Coimbra é mesmo a ‘cidade dos doutores’.

    Aliás, para além destes concelhos, apenas Oeiras (11,1), Faro (10,8) e Matosinhos (10,4) superam a fasquia dos 10 médicos por mil habitantes. Apesar disso, algumas destas autarquias continuam a promover incentivos à fixação de médicos, como é o caso absurdo de Oeiras, numa lógica que parece mais política do que estrutural.

    Acima da fasquia de oito médicos por mil habitantes estão apenas mais sete municípios, quase todos capitais de distrito: Évora (9,3), Funchal (9,2), Viseu (9,1), Braga (9,0), Vila Real (8,7), Cascais (8,4) e Guarda (8,1).

    A análise da evolução entre 2021 e 2024 revela ainda mais desequilíbrios. Apesar de um aumento de 0,4 médicos por mil habitantes em todo o país durante esse período – que representou, em termos absolutos, mais cerca de 4.300 médicos –, também aqui a distribuição foi muito variável.

    Lisboa tem menos médicos em 2024 do que em 2021, sendo io terceiro com maior rácio, atrás de Coimbra e Porto.

    E houve até municípios de pequena dimensão que conseguiram contrariar a interioridade, como foram os casos de Mesão Frio e Castelo de Vide, que tiveram crescimentos de 1,5 e 1,3 médicos por mil habitantes em três anos, respectivamente.

    O concelho transmontano tem agora um rácio de 4,6 e o município alentejano tem 4,7. Mais seis concelhos conseguiram juntar mais de um médico por mil habitantes ao ‘pecúlio’ que tinham em 2021: Bragança, Covilhã, Santo Tirso, São Roque do Pico, Arraiolos e Torre de Moncorvo.

    Em todo o caso, houve 47 concelhos que em 2024 têm menos médicos por mil habitantes do que em 2021, estando neste lote também Lisboa, que passou de 18,0 para 17,7 – embora se deva, em princípio, aos preços da habitação na capital portuguesa.

    Mesão Frio foi o concelho com maior crescimento de ‘novos’ médicos nos últimos três anos.

    Os dados do INE mostram que a presença de médicos continua fortemente associada à existência de hospitais e centros universitários, mas existem evidências de que essa concentração está longe de garantir coesão territorial. A fixação de profissionais de saúde segue a lógica do mercado e da qualidade de vida urbana, descurando territórios envelhecidos e com menores recursos.

    O rácio de médicos por habitante, mais do que um indicador de saúde, tornou-se um reflexo brutal do abandono progressivo de vastas regiões do país – mesmo quando subsídios municipais procuram mascarar o que é, afinal, um problema estrutural de atractividade e planeamento.

  • Calor: modelo oficial prevê excesso de mortalidade acima de 1.100 óbitos em três dias

    Calor: modelo oficial prevê excesso de mortalidade acima de 1.100 óbitos em três dias

    Entre hoje, 4 de Agosto, e a próxima quarta-feira, 6 de Agosto, Portugal estará, segundo os modelos oficiais do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA) e do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), sujeito a um cenário de catástrofe térmica — ou, em linguagem técnica, a um surto de mortalidade em escala alarmante. Os dados do chamado Índice ÍCARO, actualizados diariamente e utilizados como base para alertas de saúde pública e planos da protecção civil, projectam para este período níveis de risco sem paralelo desde 2012.

    A previsão para quarta-feira aponta um valor de 1,57 no Índice ÍCARO — o mais elevado dos últimos treze anos —, o que representa, segundo a própria definição estatística do modelo, um aumento expectável de 157% na mortalidade diária face a condições sem calor excessivo. Traduzido em termos concretos: se a mortalidade média no Verão ronda os 280 óbitos por dia, um índice de 1,57 corresponderá a cerca de 720 mortes num só dia. Um valor que implicaria mais 440 óbitos do que o habitual — o equivalente, em termos proporcionais, a um acidente ferroviário catastrófico por dia durante três dias consecutivos.

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    Também os valores previstos para segunda-feira e terça-feira se apresentam extremamente elevados: 1,21 e 1,30, respectivamente. Estes índices implicam, segundo o modelo, 619 e 644 mortes diárias. Assim, e apenas com base no Índice ÍCARO, o total de mortes previstas para este trio de dias aproximar-se-ia das duas mil mortes, ou seja, mais 1100 óbitos acima da média esperada para o mesmo período — se o modelo estivesse calibrado com precisão.

    Contudo, a realidade será eventualmente menos aterradora, embora possa atingir níveis de gravidade relevante. Desde o dia 25 de Julho, os valores do índice têm-se mantido positivos, mas ainda assim bastante abaixo do limiar de 1. A mortalidade registada tem oscilado dentro de valores ligeiramente superiores ao padrão sazonal, com uma média próxima dos 320 óbitos diários — o que representa um acréscimo de cerca de 15% face à mortalidade-base.

    Evolução dos valores do Índicfe ICARO desde 23 de Julho. Fonte: INSA / Portal da Transparência do SNS.

    Este pequeno aumento, aliás, pode estar também relacionado com um Inverno particularmente ameno, o que terá poupado parte da população mais vulnerável, agora exposta a condições extremas. Desde o início de Janeiro, os níveis de mortaldiade global têm estado alinhados com os do anos passado.

    Mas o que mais fragiliza a confiança no modelo para valores mais elevados é o que se passou neste domingo. O valor do Índice ÍCARO — inicialmente estimado para 1,44, mas que foi entretanto corrigido para 0,87 —, significaria um acréscimo de 87% na mortalidade, ou seja, cerca de 524 mortes. No entanto, os dados provisórios do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) apontam para apenas 290 óbitos, um número perfeitamente dentro do padrão estival. Aqui poderá estar, paradoxalmente, uma boa notícia: o Índice ÍCARO exagera os cenários quando os valores se tornam mais elevados — em suma, é estruturalmente catastrofista.

    Criado em 1999 pelo Observatório Nacional de Saúde do INSA em colaboração com o IPMA, o modelo do Índice ÍCARO assenta numa equação estatística simples: estima-se a diferença entre o número de óbitos esperados com o efeito do calor e o número médio de óbitos em condições meteorológicas normais, com base em séries temporais da temperatura máxima observada e prevista. A variável central do modelo é a chamada “sobrecarga térmica acumulada”, definida como o número de dias em que a temperatura máxima ultrapassa os 32ºC, ponderado pelo excesso registado acima desse limiar.

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    O modelo tem mérito técnico, e foi pioneiro nos sistemas de vigilância meteorológica com implicações em saúde pública. Contudo, como já reconheciam os próprios autores no artigo fundador publicado em 1999 na Revista Portuguesa de Saúde Pública, o sistema foi deliberadamente concebido com uma orientação catastrofista: privilegia a sensibilidade (detectar todos os sinais de risco possíveis) à custa da especificidade (evitar alarmes falsos).

    Como se lê nesse artigo: “Em termos de especificidade, isto é, na sua capacidade para evitar falsos alarmes, [o modelo] está longe de ser perfeito. Mas, claramente, num sistema de alerta não pode sacrificar-se a sensibilidade à especificidade. A ocorrência de falsos alarmes num sistema de alerta não é um problema grave desde que o sistema denote uma muito boa sensibilidade”. E acrescentam que o índice ÍCARO “parece mostrar uma boa capacidade de detectar todas as ondas de calor de que temos conhecimento e avaliar a severidade do seu impacto na mortalidade”.

    Na prática, isto significa que o modelo está concebido para soar o alarme perante qualquer sequência de dias muito quentes, mesmo que não exista uma correspondência real em termos de aumento da mortalidade. Acresce que os valores mais recentes do índice se baseiam exclusivamente em previsões meteorológicas a três dias, sem cruzamento com dados demográficos, clínicos, alimentares ou epidemiológicos. Como se tem constatado, nem sequer ajusta as suas previsões em função da evolução real da mortalidade recente.

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    Em todo o caso, o resultado é um índice com uma tendência demasiado alarmista do ponto de vista estrutural, que esta semana atinge o paroxismo ao prever valores superiores ao dobro da mortalidade de base, durante três dias consecutivos. O PÁGINA UM contactou esta tarde o presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Fernando de Almeida, colocando questões sobre a validação empírica do modelo, possíveis actualizações ou recalibrações feitas nos últimos anos, os limiares que justificam a emissão de alertas, e as medidas concretas que estão a ser tomadas com base nestas previsões. Até ao fecho desta edição, não foi recebida qualquer resposta.

    Apesar disso, o Índice ÍCARO continua a ser utilizado como fundamento para activar planos de contingência da Protecção Civil, emitir orientações clínicas e influenciar decisões políticas e mediáticas. Ainda no final desta tarde, a Direcção-Geral da Saúde emitiu um comunicado sobre medidas preventivas.

    A comunicação de valores como 1,57 — que, num quadro meramente estatístico, implica quase 750 mortes num só dia — não pode ser feita de forma acrítica nem sem escrutínio técnico. Quando o modelo falha sistematicamente e de forma ampla, e ainda assim continua a ser divulgado sem qualquer contextualização crítica, o risco deixa de estar no calor extremo: passa a residir no próprio sistema de alerta.

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    Contactado pelo PÁGINA UM, Francisco Ferreira, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e presidente da associação ZERO, sublinha que, embora não conheça em detalhe o funcionamento do Índice ÍCARO, “este tipo de modelos serve sobretudo como alerta prévio para se introduzirem medidas preventivas que evitem a mortalidade em excesso prevista”. Tal como sucede com os modelos de previsão da qualidade do ar, temática da qual é especialista, Francisco ferreira acrescenta que se “tratam de indicações de risco potencial que devem ser mitigadas ou atenuadas”.

    O problema, como mostram os números das previsões, é quando o risco previsto não existe, a sociedade é condicionada por alarmes sem substância. E quando existe mas se mostra demasiado alarmista, os políticos depois vêm cobrar um sucesso que nunca existiu.

  • Órgãos arrancados a doentes ainda vivos: o escândalo que está a abalar os Estados Unidos

    Órgãos arrancados a doentes ainda vivos: o escândalo que está a abalar os Estados Unidos

    Nos Estados Unidos, um escândalo começou a abalar esta semana o sistema nacional de transplantes de órgãos: vários relatórios e testemunhos de profissionais e famílias denunciam que a recuperação de órgãos para transplante terá ocorrido — ou tentado ocorrer — em pacientes ainda vivos, contrariando os mais elementares princípios éticos da medicina.

    Um dos casos mais perturbadores, escrutinado esta terça-feira num painel na Câmara dos Representantes durante a inquirição de uma entidade que supervisionava transplantes, ocorreu em 2021 no Estado do Kentucky com um homem que estava a ser preparado para a retirada de órgãos, mesmo balançando a cabeça em “não” e levando os joelhos ao peito.

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    Foto: D.R.

    O volume e gravidade dos casos levou Robert F. Kennedy Jr., Secretário da Saúde e Serviços Humanos (HHS) do Governo norte-americano, a anunciar uma profunda reforma do sistema de obtenção e transplante de órgãos. A gravidade das revelações está a provocar reacções em todo o país, com implicações legais, médicas e morais de largo alcance.

    A polémica estalou após uma investigação conduzida pela Administração de Recursos e Serviços de Saúde (HRSA) ter revelado que, em apenas um dos estados analisados — o Kentucky — mais de 70 procedimentos de doação de órgãos foram interrompidos porque os pacientes começaram a mostrar sinais de recuperação.

    No total, a HRSA analisou 351 casos de tentativas não concluídas de colheita de órgãos e concluiu que 103 apresentavam “características preocupantes”, entre as quais 28 em que os pacientes possivelmente ainda estariam vivos no momento da tentativa de extracção.

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    Foto: D.R.

    Em termos clínicos, a morte cerebral — considerada equivalente à morte legal na maioria dos países ocidentais, incluindo os Estados Unidos — é o estado em que todas as funções do encéfalo, incluindo do tronco cerebral, cessaram de forma irreversível. Quando esse diagnóstico é validado por critérios rigorosos e testes confirmatórios, o paciente é declarado legalmente morto, mesmo que o coração ainda possa bater com auxílio de suporte artificial.

    A legislação norte-americana, como a Uniform Determination of Death Act (UDDA), reconhece a morte cerebral como critério suficiente e definitivo para declarar a morte de um indivíduo. No entanto, um diagnóstico inadequado ou apressado desse estado — ou a sua substituição por critérios circulatórios menos rigorosos — levanta sérias dúvidas jurídicas e bioéticas, que agora estão a ser colocadas em evidência neste escândalo.

    “A investigação revelou que o processo de obtenção de órgãos foi iniciado quando os pacientes ainda apresentavam sinais de vida”, afirmou anteontem Robert F. Kennedy Jr., que classificou o sistema como “horrível” e exigiu reformas estruturais. “Cada potencial dador deve ser tratado com a santidade que merece”, declarou, prometendo responsabilizar as organizações envolvidas.

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    Foto: D.R.

    O relatório, que serviu de base à denúncia pública do HHS, sublinha que a procura crescente por órgãos está a gerar situações de “tomada de decisão precipitada” e a inverter prioridades éticas fundamentais: em vez de garantir primeiro a protecção do dador, o sistema estaria a favorecer a obtenção célere de órgãos.

    Esta tendência está sobretudo associada a um método crescente nos EUA — a doação após morte circulatória — que permite a colheita de órgãos em pacientes que não tenham sido declarados em morte cerebral, mas que se encontrem em estado terminal ou em suporte vital com decisão clínica de suspensão.

    E é precisamente neste tipo de casos que surgem os episódios mais chocantes. Segundo uma investigação publicada esta semana pelo New York Times, 55 profissionais de saúde de 19 estados reportaram pelo menos um caso perturbador de tentativa de colheita de órgãos em dadores ainda com actividade neurológica. Alguns denunciaram, inclusive, que medicamentos teriam sido administrados para “acelerar a morte” do potencial dador.

    Robert F. Kennedy Jr., secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Actualmente, mais de 103 mil pessoas aguardam um órgão nos EUA. Diariamente, morrem 13 doentes por falta de um dador compatível. Esta tensão constante entre necessidade e disponibilidade alimenta uma corrida desenfreada por órgãos, gerando um terreno fértil para abusos e negligência, sobretudo quando se aplica o critério circulatório.

    Ao contrário da doação tradicional — feita após diagnóstico de morte cerebral irreversível —, a “doação após morte circulatória” (DCD, na sigla em inglês) ocorre em pacientes que não estão em morte cerebral, mas cujo prognóstico clínico é terminal. Após decisão médica (e consentimento familiar ou directiva antecipada) de suspender o suporte vital, aguarda-se a paragem cardíaca e, passados dois a cinco minutos, inicia-se a colheita de órgãos.

    Este tipo de doação é controverso porque o intervalo entre a cessação dos sinais vitais e o início da extracção é curto, deixando margem para erros de avaliação. O risco é agravado quando há pressa ou pressão institucional, como documentado em vários casos. Na ausência de critérios neurológicos estritos, a fronteira entre vida e morte torna-se mais ambígua — e é aqui que se têm concentrado os abusos agora denunciados.

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    Foto: D.R.

    Além disso, têm surgido críticas sobre práticas de sedação agressiva ou administração de fármacos com o intuito de facilitar a extracção, sem clara indicação clínica para benefício do paciente, o que levanta sérias questões éticas e legais.

    Agora, nos Estados Unidos, a HRSA impôs medidas correctivas às organizações de captação de órgãos, obrigando à revisão de protocolos clínicos, reforço do consentimento informado e melhoria das avaliações neurológicas. O HHS comprometeu-se também a transferir parte da supervisão para um sistema mais centralizado, reduzindo o actual mosaico institucional que inclui também os Centros de Serviços Medicare e Medicaid e ainda dezenas de organizações locais com autonomia operacional.

    Em Portugal, o regime da doação de órgãos é regulado sobretudo por legislação dos anos 90, com alterações posteriores. Basicamente, adoptou-se o modelo de consentimento presumido, o que significa, à partida, que todos os cidadãos são potenciais dadores, salvo declaração em contrário registada no RENDA – Registo Nacional de Não Dadores.

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    Foto: D.R.

    A colheita de órgãos só pode ocorrer após a verificação de morte cerebral, definida segundo critérios clínicos rigorosos e padronizados. O diagnóstico de morte encefálica é feito com base em três exames neurológicos, realizados por dois médicos independentes da equipa de transplantação, com intervalo mínimo entre observações, conforme normas da Direcção-Geral da Saúde.

    A doação após paragem cardíaca — do tipo DCD — não é prática corrente em Portugal. Embora legalmente possível em certos contextos, a sua implementação carece de regulamentação própria e protocolos clínicos específicos, além de aceitação ética consolidada. Assim, na prática portuguesa, os transplantes baseiam-se exclusivamente em doação pós-morte cerebral, ou, em alternativa, na doação em vida (casos de rins ou segmentos hepáticos entre familiares).

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    Foto: D.R.

    Adicionalmente, todo o processo é centralizado pelo Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST), que coordena a alocação dos órgãos, valida os critérios clínicos e assegura que os princípios da equidade, transparência e segurança do dador e do receptor são respeitados.

    Embora Portugal se destaque no panorama europeu pela elevada taxa de doações per capita, não existem quaisquer sinais de situação anómala do ponto de vista legal e mesmo ético.

  • Presidente do Infarmed arrisca multa por ter mutilado base de dados das reacções adversas das vacinas

    Presidente do Infarmed arrisca multa por ter mutilado base de dados das reacções adversas das vacinas

    O PÁGINA UM interpôs esta terça-feira, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, uma acção destinada a que seja aplicada uma sanção pecuniária compulsória ao presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, em virtude do incumprimento reiterado e injustificado de um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), proferido a 11 de Julho de 2024.

    No processo está em causa a recusa do Infarmed – que Rui Santos Ivo lidera desde 2019 e que acumula com a presidência da Agência Europeia do Medicamento – em cumprir na íntegra uma decisão judicial que o condenou a facultar ao PÁGINA UM o acesso às bases de dados contendo informação integral sobre as reacções adversas ao antiviral Remdesivir e, sobretudo, às vacinas contra a covid-19.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed.

    A acção agora intentada visa compelir a entidade a cumprir de forma integral e rigorosa a decisão judicial, sem novas tergiversações técnicas nem omissões deliberadas, e requer ao tribunal que fixe uma sanção diária não inferior a 200 euros, a incidir pessoalmente sobre Rui Santos Ivo, caso o incumprimento persista.

    A iniciativa surge após três anos de resistência institucional do Infarmed, que se escudou durante todo o processo judicial em argumentos tecnocráticos e escassamente fundamentados, tentando impedir o escrutínio cívico e jornalístico sobre os efeitos adversos das vacinas administradas em Portugal. O Infarmed respondeu ao acórdão com um gesto de aparente cumprimento: em Agosto de 2024 remeteu uma ligação com acesso condicionado a uma base de dados.

    Porém, como o PÁGINA UM denunciou de imediato, o ficheiro disponibilizado estava manifestamente truncado e manipulado, suprimindo variáveis essenciais como o grau de causalidade (improvável, possível, provável ou definitiva), o número da dose administrada, a identificação do lote, a idade exacta da vítima, o concelho e a qualificação profissional do notificador – todos dados públicos até então disponíveis no Portal RAM e que, além de não constituírem dados pessoais identificáveis, são indispensáveis para qualquer avaliação epidemiológica séria.

    A mutilação deliberada da base de dados, contrariando de forma flagrante a letra e o espírito do acórdão judicial, levou o PÁGINA UM a interpelar o Infarmed por carta registada em Outubro de 2024, sem que tenha obtido qualquer resposta ou sinal de correção. Mais grave ainda, o ficheiro entregue continha apenas os dados relativos ao primeiro ano da campanha de vacinação – entre Dezembro de 2020 e Dezembro de 2021 – ocultando os anos seguintes, precisamente quando se iniciou a vacinação em massa de adolescentes e crianças.

    Com efeito, mesmo os dados manipulados revelam já um cenário inquietante: durante o primeiro ano, foram registadas 27.220 reacções adversas, das quais 7.110 classificadas como graves. Dessas, pelo menos 104 culminaram na morte do notificado, embora em cerca de quatro dezenas de casos o ficheiro omitisse por completo o intervalo entre a administração da vacina e o desfecho fatal – sinal inequívoco da negligência do Infarmed na recolha e no acompanhamento dos dados clínicos.

    Entre os casos mais chocantes identificados pelo PÁGINA UM estão reacções fulminantes que ocorreram minutos após a vacinação. Uma mulher com mais de 80 anos morreu dois minutos depois de receber a vacina da Pfizer; um homem da mesma idade faleceu quinze minutos após a toma, vítima de tromboembolismo pulmonar; uma mulher entre os 65 e os 79 anos morreu em trinta minutos após inoculação com a vacina da AstraZeneca; e outro homem, sem identificação da marca da vacina, morreu de forma súbita uma hora depois de vacinado.

    também se registam diversos casos de reacções graves registadas entre jovens adultos e mesmo adolescentes, incluindo episódios de miocardites, tromboses, síndromes inflamatórias pediátricas e paralisias faciais, cujo desfecho clínico o Infarmed indicou como “desconhecido”, revelando uma inacreditável ausência de monitorização – precisamente a função basilar da farmacovigilância.

    Entre as 27.220 reacções adversas reportadas no primeiro ano da vacinação, o PÁGINA UM identificou 513 casos classificados como graves ocorridos em pessoas com menos de 25 anos, dos quais 225 permanecem sem qualquer registo de evolução clínica. Nove mortes ocorreram em pessoas com idades entre os 25 e os 49 anos, grupo etário para o qual a mortalidade associada à covid-19 era, mesmo antes da vacinação, residual.

    Há ainda casos de recém-nascidos, não vacinados, que sofreram reacções adversas através do leite materno após a vacinação das mães, e situações de embolias pulmonares, acidentes vasculares cerebrais, tromboses venosas cerebrais e perturbações raras do sistema nervoso, todas registadas como graves – mas também, na maioria, sem que o Infarmed tenha feito qualquer seguimento. No caso das alterações menstruais, fenómeno amplamente reportado em todo o mundo, o Portal RAM já contabilizava duas centenas de notificações apenas até Dezembro de 2021, mas nenhuma foi objecto de análise pública ou contextualização por parte do regulador.

    brown wooden smoking pipe on white surface

    O incumprimento por parte do Infarmed da ordem judicial proferida pelo TCAS configura, segundo a acção agora apresentada pelo PÁGINA UM, uma violação do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que determina a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias sempre que uma decisão de intimação para prestação de informações não seja cumprida sem justificação aceitável.

    Ao pretender compelir Rui Santos Ivo a suportar pessoalmente as consequências do incumprimento do acórdão, o PÁGINA UM coloca a nu uma realidade incómoda: em Portugal, mesmo em face de sentenças judiciais inequívocas, as entidades reguladoras continuam a agir com arrogância institucional, confiando na passividade dos poderes públicos e no silêncio da restante comunicação social. E isso demonstra não apenas uma cultura de opacidade administrativa, como uma deliberada resistência ao princípio da administração aberta.

    Recorde-se, aliás, que, apesar de sentenças e acórdãos favoráveis nos tribunais administrativos, começa a ser sistemática a disponibilização dos dados de forma truncada ou insuficiente, o que tem obrigado o PÁGINA UM a interpor novas acções com vista à aplicação de multas diárias aos responsáveis dessas entidades.

    Essa situação verificou-se este ano quando o próprio presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que acumula com a presidência do Conselho Superior da Magistratura, Henrique Araújo, teve de acatar um acórdão para ceder sem restrições o inquérito sobre a distribuição da Operação Marquês, sob pena de pagar do seu próprio bolso uma multa de 50 euros por cada dia de atraso.

    Também ainda se aguarda uma decisão similar relativamente a uma base de dados dos internamentos hospitalares na posse da Administração Central do Sistema de Saúde, cuja entidade se recusa há dois anos a acatar um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

  • Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante  5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Pé-de-meia: Ex-secretário de Estado da Saúde garante 5.535 euros por mês com entidade que já tutelou

    Caiu em desgraça no início de 2021, quando liderava a task force do programa de vacinação contra a covid-19 — sendo então secundado por Gouveia e Melo, que lhe tomou o lugar —, mas Francisco Ventura Ramos nunca foi abandonado à sua sorte. Aos 69 anos, garantiu este mês a renovação por mais dois anos de uma choruda avença com o Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade pública que tutelou directamente como governante

    Secretário de Estado na área da Saúde por cinco vezes, sendo que a última vez fora entre 2018 e 2019, como adjunto de Marta Temido, Francisco Ramos foi a escolha inicial do Governo em Novembro de 2020 para coordenador o processo de vacinação no auge da pandemia. No mês seguinte, acumulou com a presidência da comissão executiva do Hospital da Cruz Vermelha. E foi por causa de irregularidades na selecção de pessoal a ser vacinado nesse hospital, associado à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que Francisco Ramos foi afastado da task force, dando lugar a Gouveia e Melo.

    Francisco Ventura Ramos foi o primeiro coordenador da ‘task force’ criada em Novembro de 2020 para elaborar e gerir o plano de vacinação contra a covid-19. No início de Fevereiro de 2021, demitiu-se do cargo devido a irregularidades detectadas na administração de vacinas no Hospital da Cruz Vermelha, ao qual então presidia. Foi substituído na coordenação da ‘task force’ por Gouveia e Melo. /Foto: D.R.

    O administrador hospitalar acabaria por sair do Hospital da Cruz Vermelha em Junho de 2022, já em idade de reforma, mas mantendo as funções de professor convidado da Escola Nacional de Saúde Pública.

    Mas os seus rendimentos, e a sua ligação à Administração Pública, não se reduziram por muito tempo, porque menos de um ano depois foi-lhe oferecida de ‘mão-beijadas’ uma avença mensal de 5.535 euros com a Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH), uma entidade que tutelou directamente enquanto governante.

    Celebrado no dia 2 de Maio de 2023, o contrato entre o SUCH e Francisco Ramos engloba um valor de 132.840 euros, com IVA. Sem qualquer caderno de encargos publicado no Portal Base, o contrato de dois anos estabelece apenas que serão prestados serviços de “consultadoria de desenvolvimento de projectos”. Contactado o SUCH, não foram dados quaisquer esclarecimento sobre as funções e tarefas efectivamente concretizados por Francisco Ramos nos últimos dois anos.

    (Da esquerda para a direita) Joel Azevedo, administrador da SUCH, Paulo Sousa, presidente da SUCH, Marta temido, ex-ministra da Saúde, e Ana Maria Nunes, administradora da SUCH. A equipa executiva da SUCH foi reconduzida num despacho de Abril de 2022 pela então ministra da Saúde, Marta Temido (na foto, a segunda a contar da direita), e o ministro das Finanças, Fernando Medina. / Foto: D.R.

    E também não se sabe o que fará nos próximos dois anos, para além de receber mensalmente os 4.500 euros acrescidos de IVA. Nesta avença, integrada num contrato assinado na semana passada, está estabelecido que Francisco Ramos, que já deve ter desenvolvido todos os projectos do anterior contrato, mostrará a sua polivalência, passando agora a fazer “consultadoria no âmbito da comunicação institucional na área da saúde”.

    No global, nos dois ajustes directos, e durante quatro anos e sem funções específicas (e sem cumprimento de horário), o antigo governante encaixará 265.680 euros, com IVA incluído, a prestar serviços de consultadoria na entidade que agrega múltiplos serviços dos hospitais, desde a gestão dos resíduos até à manutenção. Aliás, foi no pólo logístico da SUCH que ficou sediada a recepção, armazenamento e distribuição das vacinas contra a covid-19.

    Recorde-se que enquanto secretário de Estado de Marta Temido, e mesmo antes, Francisco Ramos teve sob sua tutela directa diversos organismos públicos, incluindo o SUCH. Licenciado em Economia e diplomado em Administração Hospitalar, foi secretário de Estado em quatro anteriores governos, mesmo sem estar filiado no Partido Socialista. A partir de 2014, foi presidente do conselho diretivo do Grupo Hospitalar dos IPO. Voltou a integrar um governo quando, em 17 de Outubro de 2018, assumiu a secretaria de Estado da Saúde, cargo em que ficou até 26 de Outubro de 2019.

    Gouveia e Melo, actual candidato às presidenciais, e Paulo Sousa, presidente da SUCH, numa visita às instalações da SUCH em Setembro de 2021. Gouveia e Melo sucedeu a Francisco Ventura Ramos como coordenador da ‘task force’ da campanha de vacinação. Sob a liderança de Gouveia e Melo, foram administradas vacinas a médicos não prioritários do Hospital Militar e até a um político, numa operação envolvendo a Ordem dos Médicos e então bastonário Miguel Guimarães, actual deputado do PSD. / Foto: D.R.

    A sua queda em desgraça no processo de vacinação no Hospital da Cruz Vermelho, do qual viria a ser ‘ilibado’ ao fim de oito meses, marcou a ascensão do então discreto vice-almirante Gouveia e Melo que nunca teve problemas em cometer ‘pecadilhos’, como sucedeu na vacinação de cerca de quatro mil médicos não prioritários (e até a um político) à margem das normas então em vigor da Direcção-Geral da Saúde. Esta operação de desvio de vacinas, numa altura ainda em escassez, foi protagonizada por um acordo ‘ad hoc’ com o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, actual deputado do PSD.

    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) abriria formalmente um “processo de esclarecimento” sobre o caso, que envolveu indirectamentea gestão de um fundo solidário do qual esteve também envolvida a então bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, Ana Paula Martins, actual Ministra da Saúde. Mas a IGAS acabou por deixar ‘morrer’ a investigação, recorrendo a uma mentira sobre a data crucial de uma norma da DGS e recusando pedir testemunhos e analisar a lista dos supostos médicos vacinados.

  • Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

    Chega teve melhor desempenho onde houve mais imigração? A estatística mostra que nem por isso

    Em Outubro do ano passado, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o PÁGINA UM assinalava uma viragem demográfica pouco discutida: em 17 concelhos portugueses, mais de um em cada 10 residentes em 2023 tinha chegado do estrangeiro nos seis anos anteriores.

    A partir de saldos migratórios acumulados, esse estudo revelou como a imigração, longe de estar confinada às grandes cidades, estava a moldar profundamente o tecido social de zonas rurais, sobretudo nos distritos de Lisboa, Santarém, Leiria e Faro.

    Perante esse contexto, a ascensão eleitoral do Chega e o seu discurso centrado na imigração colocam uma questão inevitável: a crescente presença de imigrantes nesses territórios alimentou directamente o voto no partido liderado por André Ventura no último domingo? Ou seja, terá tido o Chega melhores resultados nos concelhos com maior entrada de estrangeiros?

    Para dar resposta a esta interrogação, numa análise estatística robusta mas simplificada para efeitos de uma resposta célere, o PÁGINA UM cruzou os resultados eleitorais das Legislativas de 2025 com os 30 concelhos com maior peso relativo da imigração no período 2018-2023. O critério foi o saldo migratório acumulado nestes seis anos por concelho dividido pela população residente, conforme metodologia utilizada no artigo publicado em 3 de Outubro de 2024.

    O resultado, porém, contraria muitas narrativas simplistas: na verdade, não existe prova de qualquer relação estatisticamente significativa entre o peso da imigração e a votação no Chega nestes concelhos. Nem mesmo no sentido oposto — isto é, que maior presença de imigrantes leve a uma rejeição do discurso do partido.

    Municípios com maior peso do saldo migratório acumulado entre 2018 e 2023 em função da população residente em 2023 e desempenhos eleitorais do partido Chega Fonte: INE e resultados eleitorais das legislativas de 2025. Análise: PÁGINA UM.

    De facto, numa análise directa, até se constata que em 13 dos 30 concelhos com mais imigração o Chega foi o partido mais votado. Estão nesse lote municípios como Benavente (36,2%), Salvaterra de Magos (36,1%), Entroncamento (31,8%) e Azambuja (29,5%). O caso de Odemira, frequentemente apontado como epicentro da presença migrante sazonal no sector agrícola, regista também uma vitória do Chega com 29,6% dos votos. Contudo, o Chega ganhou em 60 municípios, e nos 17 concelhos restantes também com elevadas taxas de imigração — como Lagos, Lagoa, Ponta Delgada, Vila do Bispo, Pedrógão Grande ou Aljezur — o Chega não conseguiu vencer. Em alguns deles, ficou mesmo longe do topo pódio.

    Análises demasiado simplistas, de mera estatística descritiva podem dar indicações erróneas. Por isso, para verificar se existe uma tendência global, o PÁGINA UM comparou a média de imigração nos concelhos onde o Chega venceu e onde não venceu. Resultado: 11,15% versus 11,18%, respectivamente. Ou seja, uma diferença praticamente nula. E quando submetidas a teste estatístico formal [ por exemplo, t de Student], essas médias revelam, em linguagem técnica, que não se pode rejeitar a hipótese de que são iguais. Em suma, o voto no Chega, nos concelhos mais marcados pela imigração, não está correlacionado com o peso dessa imigração. Existirão assim outros factores.

    Mas o PÁGINA UM foi mais longe nesta análise, criando um Índice de Reacção ao Imigrante (IRI), calculado como a diferença entre a votação do Chega num concelho e a sua média distrital, dividida pelo peso da imigração nesse território. Este índice permite perceber se a votação no Chega esteve desproporcionalmente acima (ou abaixo) do que seria de esperar tendo em conta o contexto regional e migratório.

    Se o IRI for superior a 0, o concelho tem uma votação no Chega superior ao padrão distrital, considerando o seu nível de imigração, e interpreta-se como reacção acima do esperado ao fenómeno migratório. Se o IRI for inferior a 0, então é porque o concelho tem uma votação inferior ao padrão distrital, apesar do peso da imigração, devendo-se interpretar como resistência à narrativa anti-imigração ou ausência de capitalização eleitoral.

    Aqui, sim, surgem sinais de assimetrias interessantes. Municípios como Azambuja (IRI = 0,96), Benavente (0,83) e Lourinhã (0,78), mais próximos da capital portuguesa, destacam-se por apresentarem uma votação superior à média distrital do Chega apesar da elevada imigração — o que sugere uma potencial mobilização específica contra este fenómeno. Salvaterra de Magos, Alenquer, Vagos e Sabugal apresentam valores de IRI superior a 0,5.

    Pelo contrário, concelhos como Aljezur (−0,63), Vila do Bispo (−0,55), Pedrógão Grande (−0,34), Alpiarça (−0,33) e Vila de Rei (−0,30) mostram uma votação inferior ao esperado, mesmo com presença significativa de imigrantes.

    Equação do Índice de Reacção ao Imigrante aplicado à votação do Chega, criado pelo PÁGINA UM para aferir a eventual capitalização de votos para o partido de André Ventura em função dos fenómenos migratórios recentes.

    Para clarificar os perfis eleitorais, aplicou-se ainda uma análise de clusters (agrupamento de padrões), e assim os 29 concelhos (excluindo o Corvo, considerado um ‘outlier’, pela sua pequena dimensão) foram divididos em três grupos, cruzando percentagem de imigração com votação no Chega. O resultado foi revelador: alguns concelhos conjugam imigração alta com fraca adesão ao Chega, outros combinam imigração média com votação intensa, e há ainda concelhos onde a correlação é mais ténue ou inexistente.

    Ou seja, a ligação directa entre presença de imigrantes e crescimento do Chega, tantas vezes invocada em debates mediáticos e políticos, não encontra confirmação em dados concretos, embora se recomende uma análise em que sejam testados todos os municípios. Na verdade, aquilo que se observa é um fenómeno mais complexo e multifactorial, onde o contexto económico, a oferta de serviços públicos, a tradição política local e até a visibilidade de episódios pontuais de conflito ou exploração laboral pesarão, porventura, mais do que a mera estatística demográfica.

    No fundo, a realidade aponta para a desmistificação de que o crescimento do Chega é um reflexo directo e imediata da chegada de imigrantes. E mais uma vez, os números mostram aquilo que os discursos não revelam: a política, mesmo quando populista, é mais complexa do que parece.

  • Mortalidade infantil no distrito de Setúbal duplicou desde 2021 e atinge maior valor em duas décadas

    Mortalidade infantil no distrito de Setúbal duplicou desde 2021 e atinge maior valor em duas décadas

    Se há sector em que Portugal teve uma evolução extraordinária ao longo do último século, foi nos cuidados infantis. Na década de 20 do século XX, a mortalidade infantil — de crianças com menos de 1 ano — era absurdamente elevada: mais de 20% dos recém-nascidos não completava o primeiro ano. A partir dos anos 40, a evolução da medicina e das condições de higiene melhoraram bastante este indicador. Mesmo assim, no final dos anos 60, ainda no Estado Novo, a mortalidade infantil rondava os 2%.

    Os maiores avanços da medicina, a par da vacinação e da prevenção e cuidados de higiene, reforçaram essa evolução — e assim a taxa de mortalidade começou a ser medida por óbitos por milhar de nados-vivos, porque passou a situar-se abaixo de 1%. Mesmo assim, com números que colocavam Portugal na vanguarda dos países mais desenvolvidos, em 1996 morreram 758 bebés, ficando abaixo do meio milhar de óbitos a partir de 2022.

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    Ainda assim, nas últimas décadas, mesmo estando num desempenho extraordinário em termos de Saúde Pública, mas consciente da preciosidade da vida de um bebé, houve progressos significativos. A taxa de mortalidade já chegou a estar abaixo dos 3 óbitos por mil — ou seja, 0,3% — com o ano de 2021 a representar o número absoluto mais baixo de sempre: 194 óbitos.

    Nos últimos anos, tem-se vindo a verificar um aumento relativo significativo: em 2024 morreram 255 crianças com menos de um ano de idade, representando um crescimento de 30,5%. Mas se estas variações até poderiam, em certas circunstâncias, ser conjunturais, por se estar perante números pequenos, a análise do PÁGINA UM ao conjunto de dados hoje divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística detectou uma situação altamente preocupante: o distrito de Setúbal está num absurdo agravamento da mortalidade infantil.

    Com efeito, a nível nacional, o período posterior a 2021 rompeu com a tendência de contínuo decréscimo de longo prazo. Em todo o caso, numa visa territorial, este acréscimo podia-se explicar pelo ligeiro aumento da natalidade e pelo aumento de comunidades com menor atenção no acompanhamento durante a gestação — situação que, em muitos contextos, se associa a menor acesso ou adesão aos cuidados pré-natais —, mas há o distrito de Setúbal que ‘apita’ por atenção.

    De facto, este distrito a sul de Lisboa não só lidera o aumento recente — passou de 19 óbitos em 2021 para 41 em 2024, uma subida de 116% — como é o único distrito onde o número de mortes de bebés em 2024 foi superior ao registado há 20 anos. Aliás, neste distrito não havia tantas mortes de bebés desde 2002.

    Evolução relativa da mortalidade infantil entre 2004 e 2024 em Portugal e nos distritos de Braga, Lisboa, Porto e Setúbal, tomando o ano de 2004 como valor base (índice 100).Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM. Nota: Cada linha representa a variação percentual anual face ao valor de referência de 2004, pelo que valores acima de 100 representam um acréscimo e abaixo de 100 uma redução.

    De acordo com os dados do INE, em 2004 registaram-se no distrito de Setúbal um total de 32 óbitos, menos nove do que em 2024. Ou seja, esta região teve um crescimento da mortalidade de 28% durante este período, em absoluto contraciclo com todas as outras regiões de Portugal. De facto, não há nenhum caso similar — muito pelo contrário.

    Em termos comparativos, em todo o país morreram em 2004 um total de 420 bebés, enquanto no ano passado foram 250, o que representa uma redução de 40%. No distrito de Lisboa, a redução nesse período foi de 31%, enquanto no distrito do Porto foi de 60%. Em Braga, de 48%, e em Aveiro de 65%. Para se ter uma noção mais chocante desta evolução, em 2004, no distrito do Porto, houve quase o triplo de óbitos de bebés com menos de um ano face ao distrito de Setúbal (94 vs. 32); agora, em 2024, morreram 41 bebés em Setúbal e 38 no Porto.

    Especular pode sempre especular-se sobre as causas de Setúbal estar em evidente e chocante contraciclo — que é aquilo que, por regra, se faz quando se pede um comentário a pediatras ou outros especialistas. Por regra, aponta-se a degradação de serviços neonatais, o aumento de partos de risco não acompanhados e eventuais factores sociais e económicos ainda por caracterizar.

    Situação da mortalidade infantil do distrito de Setúbal é um caso de Saúde Pública, estando em completo contra-ciclo num sector que registou progressos exemplares nas últimas décadas.

    Mas, por regra, fala-se nisso e mete-se uma pedra sobre o assunto sem sequer se analisar em detalhe as verdadeiras causas dos óbitos, para perceber aquilo que efectivamente está a causar esta situação única.

    Em todo o caso, através de outro conjunto de dados também divulgados hoje pelo INE, consegue-se saber em que concelhos vivem as mães dos recém-nascidos que morreram nos últimos quatro anos, e onde os números têm aumentado mais. E ressaltam aí os concelhos de Almada, com uma subida de quatro óbitos em 2023 para 16 no ano passado, e do Seixal, com uma subida de dois óbitos em 2021 para 10 no ano passado. Fora do distrito de Setúbal, também se nota uma subida relevante nos concelhos de Sintra e Amadora: em conjunto, registaram 18 óbitos em 2021, número que subiu para 30 no ano passado.

  • Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Farmacêuticas nos Estados Unidos: do paraíso ao inferno

    Os negócios das farmacêuticas já viveram melhores dias, pelo menos se se olhar para o seu desempenho no mercado bolsista. Muitas estão a despenhar-se no abismo, quando ainda há pouco ‘planavam’ pelo paraíso. Multinacionais como a Pfizer, que alcançaram máximos históricos em 2021, ‘à boleia’ dos gigantescos contratos públicos de venda de vacinas para a covid-19, são hoje uma pálida imagem de anos recentes, procurando compensar as quedas abruptas de vendas com despedimentos.

    A empresa liderada pelo veterinário Albert Bourla atingiu um máximo alcançado em meados de 2021, caindo depois dos 59,48 dólares para os actuais 23,09 dólares por acção, uma queda de 61%. Em 2025 já desvalorizou 13%.

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    / Foto:D.R.

    A sua parceira dos tempos da pandemia, a alemã BioNTech, está a sofrer a ‘ressaca’ do desinteresse das vacinas contra a covid-19 e acumula já uma desvalorização de 74% em bolsa desde o pico atingido em Agosto de 2021. E não pára. Em 2025, as acções da empresa já recuaram 16%.

    Pior ainda está a Moderna, uma das primeiras farmacêuticas a avançar com a tecnologia RNAm contra o SARS-CoV-2 e que está a apostar fortemente nessa linha para combate a outras doenças. Mas perdeu muito gás desde 2021, quando apresentaram 12,2 mil milhões de dólares de lucro. Nesse ano bateram máximo histórico em bolsa, perto dos 450 dólares. Agora, rondam os 26 dólares, recuando 38% desde o início do ano. Face ao máximo registado em 2021, perderam já 94% da sua valorização bolsista. A razão não é apenas financeira, mas também económica: nos últimos dois anos, a Moderna apresentou prejuízos acumulados de 8,3 mil milhões de dólares.

    Outras farmacêuticas, como a Merck (que opera fora dos Estados Unidos sob a marca Merck Sharpe & Dohme), com menor destaque na pandemia, tiveram outro ‘perfil evolutivo’ e até alcançaram máximos em Março de 2024. Porém, já afundou 40% desde essa altura, seguindo agora a valer 79,58 dólares. Desde o início do ano, a queda das suas acções é de 20%.

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    Estas desvalorizações, num casos recentes, noutros já ‘estruturais’, sucedem perante a incerteza vinda dos Estados Unidos, com a Administração Trump a sinalizar uma nova era, que começou com a nomeação de Robert F. Kennedy Jr. para Secretário da Saúde, passa pela recente nomeação do oncologista Vinay Prasad para liderar a regulação das vacinas e outros biofármacos.

    Nos mercados bolsistas, os investidores reagem, em regra, por antecipação, e tudo parece indicar estar a terminar os tempos de ‘passadeira vermelha’ para lucros extraordinários das farmacêuticas com a permissão da Casa Branca e dos reguladores norte-americanos. A forte quebra das acções das empresas deste sector e também das biotecnológicas mostram que as receitas e lucros de outrora arriscam a ser agora uma miragem no futuro. Pelo menos, no mercado norte-americano.

    Com efeito, os Estados Unidos são uma das principais fontes de receitas das farmacêuticas, não apenas por ser um mercado de mais de 330 milhões de pessoas mas porque, devido ao poder de compra, o preço dos medicamentos são extremamente elevados, Por norma, as farmacêuticas usam a chamada discriminação de preços por segmentação geográfica. Os Estados Unidos são, segundo a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico (OCDE), um dos países que mais gasta em cuidados de saúde em termos do Produto Interno Bruto (PIB): 16% em 2023.

    (Da esquerda para a direita) Martin Makary, líder da FDA, Jay Bhattacharya, responsável pelo NIH, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Robert F. Kennedy Jr, secretário de Saúde e Mehmet Oz, líder do Centers Medicare and Medicaid Services (o programa federal de seguro de saúde) na conferência de imprensa de hoje a propósito da ordem executiva que Trump assinou para baixar o preço dos medicamentos no país. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo da conferência de imprensa .

    Apesar disso, porque há uma franja populacional sem seguro de saúde com limitações de acesso a medicamentos caros, os Estados Unidos apresentam um fraco desempenho em indicadores básicos de saúde, como a esperança média de vida e a taxa de mortalidade infantil quando comparado com os países da Europa Ocidental, Escandinávia e países asiáticos mais desenvolvidos. Por exemplo, no Índice de Prosperidade do Legatum Institute de 2023, os Estados Unidos surgem apenas na 69ª posição no segmento da Saúde. Portugal encontra-se na posição 40.

    A nomeação do reputado hematologista oncologista Vinay Prasad – professor na University of California San Francisco (UCSF) – para dirigir o Center for Biologics Evaluation and Research (CBER) da Food and Drug Administration (FDA) foi mais um sinal de tempos mais difíceis para as farmacêuticas, embora mais favoráveis para a defesa dos consumidores. Prasad tem sido um crítico das políticas de facilitismo na regulação de medicamentos e foi particularmente activo opositor da vacinação de crianças contra a covid-19.

    O CBER, que agora liderará, tem como missão fundamental a “regulamentação de produtos biológicos e relacionados, incluindo sangue, vacinas, alergênicos, tecidos e terapias celulares e genéticas”, autorizando ou não novos fármacos de ponta após uma análise de beneficio-risco, ou seja, prevalecendo as vantagens clínicas e não o lucro.

    Vinay Prasad, novo responsável pela regulação de vacinas e fármacos biológicos da FDA, nos Estados Unidos. / Foto: D.R.

    Os efeitos da nomeação de Prasad, anunciada na terça-feira da semana passada, foram imediatos: as acções da Pfizer caíram quase 3%, fechando a valer 22,88 dólares. As restantes farmacêuticas também sofreram. O índice DJ para o sector caiu quase 4% naquele dia. Na Europa, o índice Stoxx de Saúde recuou 4,2%. As acções das biotecnológicas também assistiram a uma debandada de investidores, com o ETF S&P para as Biotechs, nos Estados Unidos, a cair 6,6% numa só sessão.

    Nos Estados Unidos, o índice Dow Jones para as farmacêuticas, que também integra empresas de consumo, como a Johnson & Johnson, perdeu 18% desde o pico máximo alcançado no início de Agosto do ano passado e recua 9% em 2025.

    Ontem, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assinou, entretanto, uma ordem executiva para que os preços dos medicamentos nos Estados Unidos desçam para o mesmo nível dos praticados em outros países. Nos Estados Unidos, os preços dos medicamentos com receita médica são significativamente mais elevados do que os praticados em outros países, com a média dos preços a ser 2,78 vezes mais alta do que os registados em outros 33 países. Mas, em alguns casos de medicamentos de marca, os preços nos Estados Unidos podem ser 4,22 vezes mais elevados.

    Depois de um choque inicial, com as ações das farmacêuticas a cair na pré-abertura das bolsas, as cotações das empresas do sector subiram, já que analistas apontam que será difícil implementar a medida prevista nesta ordem executiva. No entanto, o menor impacte desta medida também poderá resultar numa articulação de preços: as farmacêuticas podem aceitar redução de preços nos mercado norte-americano se lhes for possível aumentar nos outros países, não causando assim qualquer impacte negativo nas contas consolidadas.

    Martin Makary, que lidera a FDA, anunciou na rede X a escolha de Vinay Prasad para liderar a regulação de vacinas e fármacos biológicos. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, na Europa, o índice Stoxx 600 para o sector da Saúde perde 5,4% em 2025, acumulando uma desvalorização de 19% desde o máximo histórico atingido em Setembro do ano passado. Por exemplo, acções da anglo-sueca Astrazeneca, que alcançaram o máximo no Verão passado, caíram 22% desde então. No último ano, desceram 16%. A empresa está envolvida em vários processos no Reino Unido por causa dos efeitos adversos das vacinas.

    E mesmo a dinamarquesa Novo Nordisk – a coqueluche do sector europeu, por via do Ozempic, um fármaco para diabetes que agora é usado largamente para emagrecimento -, depois de ter quadruplicado a sua cotação entre 2021 e Junho do ano passado, já desvalorizou 50% desde esse pico. Em 2025 desliza 30% na bolsa de Copenhaga.

    Mas, para algumas empresas, como as biotecnológicas, a queda já vinha de trás. No caso do S&P Biotech ETF desvalorizou 48% desde o máximo alcançado em 2021, em plena febre de corrida às vacinas contra a covid-19, incluindo as baseadas em tecnologia mRNA, como a vendida pela Pfizer em parceria com a alemã BioNTech.

    Em qualquer dos casos, este novo anúncio de Trump é mais um sinal de que a pressão do Governo Federal sobre as farmacêuticas aumentar, com com um reforço do escrutínio deste sector, algo que se iniciou com o convite ao polémico Robert F. Kennedy Jr. para ocupar o cargo de Secretário de Saúde.

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    O advogado, que se notabilizou há duas décadas como um destacado ambientalista, tem sido também, há muito, um dos mais ferozes críticos das farmacêuticas e um defensor do reforço do escrutínio sobre fármacos, designadamente vacinas, propondo a realização de ensaios clínicos mais rigorosos sobre a respectiva segurança e eficácia.

    Depois da sua chegada, no meio de um coro de críticas, foram nomeados para cargos de relevo da administração de saude diversos cientistas com um historial de peso, defensores da medicina baseada na evidência: Jay Bhattacharya foi o escolhido para liderar o NIH (National Institutes of Health) e Martin Makary, para dirigir a FDA.

  • Covid-19: quase metade das mortes na vaga Ómicron não foi causada pelo vírus, diz estudo

    Covid-19: quase metade das mortes na vaga Ómicron não foi causada pelo vírus, diz estudo

    Morte por ou com covid-19? Em plena pandemia, a simples colocação desta dúvida concedia o direito a rótulos depreciativos de relativista e negacionista. Mas agora que a ‘poeira’ do alarmismo e do medo se começa a assentar, e a Ciência, livre de paixões, recupera espaço sobre a propaganda, torna-se evidente que a distinção entre morrer por causa do vírus ou com a presença do vírus era – e continua a ser – essencial para compreender o verdadeiro impacto da pandemia. E um artigo científico publicado esta semana na Scientific Reports, do grupo editorial Nature, veio reforçar, com números concretos, que houve inflação da mortalidade atribuída ao SARS-CoV-2, mesmo se o vírus, detectado em testes de antigénio, não teve qualquer influência no desfecho fatal.

    O estudo agora apresentado foi realizado em sete hospitais de Atenas, onde foram analisadas em detalhe as verdadeiras causas de 530 óbitos classificados inicialmente como causados por covid-19. Mas afinal, cerca de 45% dessas mortes – ocorridas durante a vaga da variante Ómicron – não tiveram relação causal directa com a infecção pelo SARS-CoV-2. Estes resultados colocam assim em causa os critérios simplistas usados na contagem oficial de óbitos pandémicos, que frequentemente incluíram qualquer morte de pessoa com teste positivo, independentemente da causa clínica efectiva.

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    A equipa de investigadores gregos, composta por especialistas de diversas unidades hospitalares, fez uma revisão exaustiva dos dossiês clínicos, entrevistou os médicos assistentes e procedeu a uma avaliação independente por peritos experientes em tratamento de covid-19, assegurando, assim, uma abordagem rigorosa e abrangente.

    A principal conclusão do estudo apontou que apenas 290 das mortes – cerca de 54,7% – foram de facto causadas ou significativamente agravadas pela infecção. As restantes 240 mortes, correspondendo a 45,3% dos casos analisados, ocorreram em doentes que tinham teste positivo para SARS-CoV-2, mas cuja morte resultou de outras causas, como sépsis bacteriana, pneumonia por aspiração, insuficiência renal, acidentes vasculares cerebrais, insuficiência cardíaca ou neoplasias avançadas.

    A investigação demonstrou ainda que os doentes que faleceram “com” covid-19, mas não “devido a” covid-19, tendiam a ser mais jovens, com uma média de idade de 79,9 anos face aos 83,6 anos dos que morreram em resultado da infecção. Estes doentes apresentavam com mais frequência imunossupressão, doenças hepáticas avançadas e eram frequentemente infectados dentro do ambiente hospitalar, muitas vezes sem desenvolverem qualquer sintoma típico da doença.

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    De facto, a ausência de sintomas de covid-19 foi um dos factores determinantes na reclassificação das causas de morte, evidenciando a limitação do critério baseado apenas na positividade do teste.

    A metodologia de contagem oficial de mortes por covid-19 na Grécia – semelhante à aplicada em muitos países europeus, como Portugal – considerava qualquer morte com teste positivo como um óbito pandémico, sem necessidade de estabelecer uma relação causal com a infecção. Este critério, segundo os autores, pode ter sido útil nas primeiras vagas pandémicas, com variantes mais letais como a Delta, mas tornou-se desajustado com a chegada da Ómicron, menos agressiva e coincidente com altos níveis de imunização populacional.

     Salientando que a questão da morte “com” ou “devido à” covid-19 continua a ser “uma questão central para entender o impacto da pandemia”, os investigadores gregos salientam que “essa questão não pode ser respondida com certeza apenas com o uso de atestados de óbito, principalmente dadas suas limitações inerentes”. Em muitos hospitais, destacam, há médicos ‘juniores’ que podem frequentemente ser encarregados de assinar atestados médicos de causa de morte, sem a disponibilidade de autópsias, ou em hospitais com ou sem determinadas podem os médicos ser “mais propensos a reconhecer complicações infecciosas de imunossupressores e menos propensos a atribuir causas de morte a complicações cirúrgicas”.

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    Este estudo grego insere-se num contexto internacional de crescente escrutínio sobre a fiabilidade das estatísticas de mortalidade atribuídas à covid-19. Na Dinamarca, por exemplo, foi estimado que no início de 2022 cerca de 40% das mortes com teste positivo não estavam directamente relacionadas com a infecção, um aumento significativo face aos 10% a 20% registados nas vagas anteriores. No Reino Unido, estudos anteriores reportaram uma precisão de 92% a 97% na atribuição de mortes à covid-19 nas primeiras fases da pandemia, mas essa exactidão foi posta em causa com a evolução viral.

    Na Suécia, uma análise realizada no condado de Östergötland revelou que em 24% dos casos analisados como mortes por covid-19, a infecção não teve qualquer papel na morte. Por outro lado, a China ilustra o impacto directo das definições oficiais: em Dezembro de 2022, o país passou a considerar apenas mortes com doença respiratória associada, o que provocou uma descida abrupta dos números divulgados. O Peru é outro caso paradigmático, onde uma redefinição das causas de morte permitiu uma melhoria substancial na qualidade dos dados.

    Os autores gregos citam também o reputado epidemiologista John Ioannidis, que tem alertado para a existência simultânea de subnotificação, em países com fraca capacidade de testagem, e uma sobrestimação em países com políticas de testagem intensiva e sensibilização elevada. Ioannidis defende que, embora as estimativas de mortalidade em excesso ofereçam uma visão mais realista, também estas podem ser influenciadas por factores indirectos, como atrasos nos cuidados de saúde.

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    Os autores gregos alertam que a definição imprecisa da causa de morte compromete a avaliação rigorosa do impacto pandémico, conduzindo a potenciais distorções nas políticas públicas e na percepção social do risco. Sublinhando que as certidões de óbito, muitas vezes preenchidas por médicos sem acesso completo ao historial clínico ou sem autópsias, não são instrumentos fiáveis, os investigadores defendem a necessidade de uma abordagem clínica mais cuidada e contextualizada, especialmente em fases pandémicas de menor letalidade.

    O estudo conclui que, para compreender devidamente o impacto da pandemia, é essencial eliminar enviesamentos nas contagens de mortes e adoptar critérios mais rigorosos e clínicos na definição de óbitos “devidos a” covid-19. Só assim será possível evitar interpretações inflacionadas da mortalidade e assegurar políticas de saúde pública proporcionais e baseadas na realidade epidemiológica.

    Recorde-se que, sobretudo ao longo de 2022, através do acesso a uma base de dados oficial de internados-covid, o PÁGINA UM foi alertando para vários casos absurdos de atribuição de mortes por covid-19. Em Janeiro de 2022, através dos registos de internamento até Maio de 2021, o PÁGINA UM estimou que, pelo menos, 2751 óbitos que a Direcção-Geral da Saúde (DGS) atribuiu à covid-19 foram de pessoas internadas em hospitais por outros motivos, e não por infecção do SARS-CoV-2.

    Identificam-se então 586 óbitos por covid-19 de pessoas que foram inicialmente internadas por doenças do aparelho circulatório (código iniciado pela letra I), das quais 41 com enfartes agudos do miocárdio, 160 com AVC isquémicos, 11 com AVC hemorrágicos e 140 com crises de hipertensão.

    O segundo grupo de doenças que justificaram o internamento inicial de pacientes-covid (e assim sendo incluídos na base de dados), que acabaram por falecer, são as respiratórias (código J da CDI), mas sem estarem relacionadas com a infecção por SARS-CoV-2 (que recebe o código U071 da CDI, ou em casos muito específicos os códigos J1281 ou J1282).

    Para este grupo, contabilizaram-se 392 pessoas que ocorreram por ter o seu óbito indicado à covid-19, mas que entraram no hospital por causa de outras infecções ou problemas respiratórios, incluindo pneumonias não-covid, entre as quais 55 por pneumonias bacterianas identificadas (por exemplo, por Streptococcus pneumoniae, Klebsiella pneumoniae, Staphylococcus aureus e Escherichia coli, entre outras), além de 39 por doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) e 65 por pneumonia por inalação de comida ou vómito. Este problema grave ocorre principalmente em idosos: a média de idade destes casos é de 84 anos.

    Casos de quedas de camas ou acidentes similares, e até um suicídio, também foram reportados como mortes por covid-19. E até situações de negligência ou problemas de pós-operatório. Noutros casos, mortes de doentes terminais com SIDA ou ainda com neoplasias foram parar às estatísticas da covid-19. E uma parte bastante substancial de mortes atribuídas à covid-19 em Portugal ocorreu fora do ambiente hospitalar, o que levanta sérias dúvidas de terem sido causadas pelo vírus.

    De facto, todo os casos graves e fatais de covid-19 estiveram associados a síndrome do desconforto respiratório agudo, a necessitar de assistência médica, não sendo crível que essas pessoas tenham falecido por covid-19 em casa ou em lares sem suporte ventilatório em asfixia progressiva.