Categoria: Opinião

  • Talidomida, Constituição e legítimas suspeições

    Talidomida, Constituição e legítimas suspeições


    A vontade de alterar a Constituição pelos partidos maioritários deve provocar-nos interrogações. Na República Popular da China houve recentes alterações para aumentar indefinidamente o poder da liderança. Mustafa Kemal Atatürk, na Turquia, até simulou um atentado para mudar a Constituição e tentar perpetuar-se no poder. Putin mudou as regras da substituição para se eternizar.

    Infelizmente, as mudanças constitucionais só surgem em países de fraca ou de recente democracia, pois Inglaterra e Estados Unidos perpetuam os seus textos fundamentais, construindo emendas em situações muito específicas sempre com um foco: garantir a Liberdade; marcar os limites do Estado sobre os indivíduos.

    red and white no smoking sign

    Os títeres e os pseudo-democratas gostam de marcar a História, de garantir os seus nomes para a posteridade. Fazem monumentos, alteram textos fundamentais e nunca respeitam os pais fundadores.

    A emenda constitucional a pedido da Presidência é no sentido de corrigir “dificuldades” legais colocadas pela pandemia. Há, depois, mais desejos de alteração que, feitos sobre o joelho, trarão dificuldades
    democráticas e constrangimentos à Justiça.

    Para mim, a Constituição deve garantir os direitos fundamentais à vida, à habitação, ao trabalho, à educação, à saúde, à liberdade, à justiça e, desse modo, não carece de ser um texto longo, mas tem de ser claro e orientador para os princípios que anuncia.

    Ou seja, um texto constitucional não tem nada que se enredar em assuntos pandémicos, ou de guerra de nações, ou de terrorismo. As leis vertidas em decreto podem orientar esses, e outros problemas, escudadas no livro dos princípios e das traves condutoras que tem de ser a Constituição.

    Perigosos e ignaros deputados querem uma lei sanitária para garantir que coarctam a liberdade de quem se lhes opõem em situações limite. Pois é aí que se distingue a democracia, a ética e os princípios entre um canalha e um democrata. Não concordo contigo, mas luto até ao fim para que tenhas a tua opinião, e garanto que a possas expressar.

    A democracia depende das oposições e das discordâncias. A garantia de que nem todos cumprem tudo é imperiosa para surgirem alternativas, descobertas surpreendentes. Haver quem não tome um medicamento porque sim, é vital para que se mantenham grupos de controlo, presenças que servem de comparação.

    A talidomida foi uma recomendação científica que redundou numa tragédia planetária. Felizmente, milhares de mulheres recusaram tomar aquela “recomendação” médica. Não esqueçam também o The Cutter Incident, que foi uma tragédia desencadeada pelos primeiros lotes de vacina anti pólio, ou o julgamento de Calmette em Lübeck, que foi consequência, em 12 de outubro de 1931, das mortes por
    uma tentativa de vacinação contra a tuberculose.

    As inúmeras multas pagas pelas grandes farmacêuticas são a prova desses factos, como quando mentiram sobre efeitos colaterais de oxicodona, do Seroquel, do depakote, do zyprexa, a hormona do crescimento. Pagaram milhares de milhões de dólares de indemnizações e de multas.

    O mundo não tem “negacionistas” porque enlouqueceram. Tem inúmeros “negacionistas” como consequência dos múltiplos incidentes que a indústria farmacêutica já produziu e, por questões de negócio, não travou antes das tragédias.

    A suspeição é legítima e saudável. Mudar a Constituição para fazer uma lei sanitária que prende os que recusam, que retira direitos aos que colocam dúvidas, que impede oposição em momentos críticos é um dos maiores crimes contra a Liberdade e a Democracia.

    Este avanço contra a Democracia pode até suspeitar-se que é financiado por quem quer obrigar cidadãos a usar fármacos que nunca foram integralmente testados. Por esta razão, o PS e o PSD estão doentes.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os “lucros excessivos” e os excessivos descaramentos da Cecília, do João e do Vítor

    Os “lucros excessivos” e os excessivos descaramentos da Cecília, do João e do Vítor


    Aqui há uns meses conheci um jardineiro que me disse que, dadas as “condições”, iria aumentar o preço do trabalho para o dobro. Perguntei-lhe porquê, pensando que ia ouvir o clássico recital da Ucrânia, dos combustíveis e do custo de vida em geral. Mas não. Este empreendedor tinha uma abordagem diferente no mundo dos negócios: “se o carpinteiro e o pintor aumentaram para o dobro, porque não deveria eu fazer o mesmo? Sou mais parvo do que os outros?”

    Gostei da honestidade – afinal, para quem nunca foi à Web Summit, este homem tinha a noção perfeita de como aumentar os seus rendimentos sem ter de trabalhar mais. Os custos eram essencialmente os mesmos, os salários também, o trabalho era feito cada vez mais a despachar, mas o preço final aumentava porque sim. Num meio pequeno, longe dos unicórnios, faz-se o que vizinho faz, não vão os clientes pensarem que somos menos empreendedores.

    black and yellow push lawn mower on green grass during daytime

    Expliquei-lhe que essa não era uma forma de compensar custos-extra, mas pura e simplesmente uma forma de aumentar o lucro. Ele disse-me que “lucros excessivos” era um conceito que desconhecia e, já em desespero de causa, lá falou na Ucrânia para dizer que o petróleo nigeriano com que abastecia a carrinha estava pela hora da morte – embora naquela região o combustível seja sempre mais barato.

    Não chegámos a acordo, o que foi uma pena porque eu adoro empreendedores que não nasceram em fábricas de unicórnios, e acabei por fechar negócio com outro empreendedor que somente tinha a vantagem de ser honesto. Algo que, confesso, aprecio em geral nas pessoas.

    A segunda vez que ouvi a frase “desconheço o que são lucros excessivos” veio da boca da Cecília Meireles, naquele debate semanal que faz com a Mariana Mortágua na SIC. A Cecília, como é “mais estudada” (sempre que possível uso expressões da minha avó) do que o empreendedor da relva, já conseguia definir o conceito de uma forma mais apelativa e recorrendo a palavras complexas.

    close-up photo of assorted coins

    Segundo ela, as empresas servem para dar lucro, logo, não havendo limite ao lucro, quanto mais melhor porque é exactamente para isso que lá estão. E todos ganham: os accionistas, os investidores, o Estado com a receita fiscal, etc. Portanto, “lucro excessivo” é um conceito absurdo e uma impossibilidade económica, dizia a Cecília do ex-partido do táxi.

    Aquilo que a Cecília quer dizer, passando para linguagem que todos entendemos é que, se o Gonçalo Ramos desatar a marcar 10 golos em cada jogo do Benfica, ninguém vai dizer que ele está a marcar golos a mais: é esse o trabalho dele, e não há nenhuma regra que diga que a partir de cinco já se torna desagradável. Portanto, eu percebo a semântica da Cecília, e entendo o carapau que nos tenta vender em nome de um robalo.

    Mas afinal qual é o problema? O problema é que o conceito de “lucro excessivo” não é acompanhado de outro conceito, que gostava de introduzir aqui, que é o do “aumento de salário excessivo”.

    Vou dar aqui um exemplo, como fazia o meu professor de antenas, quando percebia que a malta já não ia lá só com expressões de rotacionais no quadro.

    Para este quadro, trago a Sonae, até porque o seu administrador financeiro, João Dolores foi a terceira pessoa que eu ouvi a dizer, desta vez ao Observador, que “não reconhecemos o conceito de lucros excessivos“.

    Imaginemos que no Continente, por causa da inflação, que a Sonae não controla, sobem os preços ao cliente. Vamos assumir que, com o maior fluxo de dinheiro gerado, depois de cobertos os custos dos fornecedores, a Sonae decide aumentar, em igual ordem de grandeza, os salários aos seus funcionários. Dessa forma, o maior lucro (inesperado) criado pela inflação, é distribuído não só pelos accionistas e Estado, na receita fiscal, mas também pelos trabalhadores. Ou seja, todos, mesmo todos, ganham com a subida dos preços. Não sei se conhecem algum caixa do Modelo que tenha comprado um Tesla recentemente.

    Como o ramalhete não ficava completo com políticos do sistema e empresas de distribuição, veio Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos e antigo administrador do Novo Banco, dizer ao Expresso que também não reconhece o conceito de “lucro excessivo”. Acrescentou ainda que os bancos não estão no negócio da caridade e quanto maior for o lucro, mais investidores conseguem captar.

    woman in red long sleeve shirt and black pants standing on white floor tiles

    Aqui sou obrigado a concordar com o amigo Vítor. Os bancos não estão no negócio da caridade. Aliás, vindo de um ex-administrador ligado ao BES, esta frase é tão cristalina e pura que deveria ser emoldurada: a caridade bancária fica ao encargo dos contribuintes. Aos bancos compete aumentar juros – quando a Lagarde diz –, cobrar taxas por serviços que não fazem, não dar juros que prometem ou, aqui e ali, sacarem o dinheiro todo das poupanças dos clientes (não fiques aborrecido Rendeiro, também já não ouves).

    Quando a coisa aperta e a crise se instala, os contribuintes são chamados a pagar, cabendo a administradores, como o Vítor, a espinhosa tarefa de distribuir prémios de gestão pela administração. Repare-se que eu falei em caridade dos contribuintes para com a banca, mas não fui factual nem exacto. Caridade é voluntária; no caso dos contribuintes foi mesmo roubo.

    Vamos então imaginar que a EDP, a GALP, as empresas de águas e saneamento, as Telecom, os bancos, e todas as outras que fazem parte do cabaz mensal, utilizavam os lucros gerados pela inflação em forma de aumento salarial para os trabalhadores. Eu disse trabalhadores, porque os colaboradores normalmente sujam pouco as mãos.

    cars parked in front of store during daytime

    Estão a ver o cenário? Todos pagávamos mais pelos produtos, mas tínhamos aumentos reais. E com a parte da receita fiscal, o Estado faria o mesmo no lado da Função Pública. Desta forma, subíamos todos, ainda que níveis diferentes, mas pelo menos haveria alguma distribuição da riqueza gerada.

    Portanto, Cecília, João e Vítor, desta forma não seriam apenas vocês a desconhecer o conceito de “lucro excessivo”. E porquê? Porque como esse lucro seria distribuído por toda a gente, deixava de haver excesso. Eu sei, parece utópico, mas é mesmo assim.

    Embora lucro excessivo não exista, o que a plebe que está a contribuir para isso quer dizer, quando vê a montanha de dinheiro que se forma do outro lado, é que já chega. Estão a compreender o grito?

    O trabalhador que tem o mesmo salário há 10 anos e entra na bomba da Galp como quem vai a um spa de luxo, reza antes de abrir a conta da luz, paga mais 25% pela prestação da casa ou traz um saquinho do Modelo pelo valor do que costumava dar três, vai depois lembrar-se da palavra “excessivo” ao ouvir os lucros anunciados para essas empresas. A ele compete apenas pagar, empobrecendo, porque o salário estagnou. A quem não conhece o conceito de “lucro excessivo”, compete enriquecer, ainda mais, sem o reconhecer, obviamente.

    selective force perspective photo of left human hand about to reach green leaf trees

    Uma pessoa farta-se e acaba por não ter muita paciência para semânticas irónicas da Cecília, do João e ainda menos do Vítor.

    Lucro excessivo é quando uma minoria enriquece à custa da exploração e empobrecimento da maioria. É dinheiro que cai do céu sem que as empresas tenham feito algo para isso, com a agravante de nem os próprios trabalhadores beneficiarem com esse lucro.

    No fundo, lucro excessivo é uma forma de quem trabalha, e depende disso para viver, vos dizer: “deixem de ser filhos da puta e gananciosos”. Pardon my french, obviamente.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • … E tá-se tudo a passar…

    … E tá-se tudo a passar…

    “Torna-se cansativo deixar de poder acreditar na espontaneidade.”

    António Cabrita

    O mundo não tem pressa


    Solo de saxofone.

    Voz:

    Jonas está agarrado ao seu saxofone/ A namorada deu-lhe com os pés pelo telefone/ E ele encontrou inspiração numa notícia de jornal/ Acerca de uma mulher que foi chamada a tribunal/ Por ter assassinado uma criança recém-nascida/ E o juiz era um homem que prezava muito a vida/ E a pena foi agravada por tudo se ter passado…

    Três acordes de piano.

    Voz:

    DO LADO ERRADO DA NOITE...


    … O que é que eu estou para aqui a fazer?

    Pensei que fosse evidente. Estava a citar o Jorge Palma, não era? E estava a fazer a citação completamente de cor e salteado, porque foi isso mesmo que os outros senhores fizeram, e se eles podem eu também posso, porque também sou filha de Deus. Se a demagogia dos políticos já chegou ao ponto de andarem ao soco em público usando uns contra os outros as palavras de um homem que fugiu a salto para França no trilho por onde se escapava às garras do Antigo Regime, e que depois sobreviveu longos anos a cantar no metro, e que depois voltou a casa na euforia da Revolução mas ainda se passaram no mínimo três décadas até que as pessoas deixassem de considerá-lo um completo marginal…

    … bem, deixem-me respirar, coitado do Jorge, que pouca vergonha…

    … porque vocês viram, não viram? Ou fui só eu que vi? Aquela sessão inacreditavelmente penosa do Parlamento, em que tanto o nosso Primeiro como as bancadas da Oposição se desdobravam em mortais empranchados e flic-flacs à rectaguarda para começarem cada um dos seus discursos ocos com uma boa citação do Jorge Palma? Que horror. Era o António Costa, com aquele seu ar de pasha repimpado, todo confortável em cima da sua maioria absoluta que tem vindo a tornar-se cada vez mais desconfortável, a fechar qualquer coisa que não queria dizer nada com um sorridente…

    “… e, citando o Jorge Palma, Enquanto houver ventos e mar/ A gente vai continuar…

    Para ser atacado pela bancada do PSD com um retumbante…

    “… Ó Senhor Primeiro Ministro, se é para citar o Jorge Palma o senhor está é Frágil, está tão Frágil que já nem consegue ser ágil[1]

    … seguido de qualquer outra coisa que também não queria dizer nada; para logo a seguir ser agredido por um deputado da direita que se apressou a bradar, sem sequer acrescentar a seguir mais qualquer coisa que não quisesse dizer nada…

    “… e o Senhor Deputado escusa de fazer de conta que repudia as políticas do governo, porque, para citar o Jorge Palma, anda há imenso tempo a implorar-lhe Encosta-te a mim

    … o que foi um desfecho verdadeiramente horrível, porque, de todas as grandes canções do Jorge Palma, este lean on me[2] em português é a única que pode considerar-se verdadeiramente foleira[3].

    E é pena os Senhores Deputados irem todos para casa cedo, senão ainda poderíamos ter assistido a um encerramento operático, em que toda a gente, nas bancadas e na assistência, cantava em coro polifónico uma das verdadeiras grandes canções de Jorge Palma…

    “… São sete da tarde e tá-se tudo a passar/ Uns andam em frente e outros querem virar…”

    Uma vez mais, citado de cor.

    Não se metam comigo no que toca a citar o Jorge Palma. Ao menos isso.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] Citação, ainda por cima, neste caso feita de forma incorrecta para servir os propósitos dos oradores.

    [2] Em português, “lean on me” traduz-se, literalmente, por “Encosta-te a mim”.

    [3] Opinião que talvez seja só minha, mas esta crónica também é.

  • Mudar a Constituição: isso, até o III Reich fez

    Mudar a Constituição: isso, até o III Reich fez


    A Suécia é a prova inequívoca e irrefutável de que não é preciso abolir direitos civis e humanos para gerir bem uma crise, seja ela sanitária, energética, económica, climática ou outra qualquer.

    Em Portugal, a legislação em vigor já prevê os mecanismos necessários para lidar de forma eficiente com uma pandemia, nomeadamente a possibilidade de cumprimento de pena pelo crime de propagação de doença contagiosa. Por outro lado, há diversos incentivos para que os cidadãos sigam as recomendações de autoridades de saúde, como o pagamento de baixa médica a 100% devido à necessidade de cumprimento de quarentena. Mais incentivos podem ser introduzidos, incluindo para compensar empresas por faltas de trabalhadores. Os que não cumprirem, enfrentarão a Justiça.

    black and white labeled bottle

    Claro que, como se viu nesta pandemia, muitas medidas e recomendações implementadas careceram de base científica, não encontrando evidência para a sua implementação. A ‘ciência’ utilizada na gestão de uma pandemia ou crise de saúde pública precisa ser baseada na evidência, ou não é Ciência, é política. Muito disso aconteceu desde 2020, infelizmente, com a ´ciência comercial´, baseada em ‘nada’ ou então em estudos pagos e patrocinados por farmacêuticas ou cientistas e entidades financiados por farmacêuticas, a ser utilizada como se tratasse de Ciência. Não é.

    Mas, havendo já todos os mecanismos disponíveis para gerir bem uma crise sanitária, porque querem o PS e o PSD alterar a Constituição para eliminar direitos civis e direitos humanos que lá estão consagrados?

    A resposta é simples: um regime totalitário só pode ficar legitimado com uma consagração na Lei. Por isso, é perfeitamente normal e mais do que esperada a ‘fome’ do PS e do PSD por alterarem a Lei Fundamental do país e eliminar direitos civis e direitos humanos básicos. Uma última machadada na democracia que, moribunda, desfia e definha a cada dia.

    white and black braille machine

    Dirão que é exagerado fazer uma comparação com as alterações legislativas levadas a cabo pelo regime genocida, criminoso, antissemita, homofóbico e xenófobo, anticomunista, nacional socialista de Hitler. É verdade. É exagerado. Mas, para se perceber como se começa a instalar uma ditadura, vale a pena saber que Hitler – como outros ditadores – mudou a Legislação, fez um bypass ao ‘sistema político’ em vigor e concentrou todo o poder. Outros ditadores fizeram ações similares.

    E a verdade é que Hitler precisava disso, ainda assim. Apesar de ter um vasto exército, armamento, de ter uma poderosa máquina de propaganda, e ter grande parte do povo alemão do seu lado. Mas era fundamental que houvesse um quadro jurídico que desse legitimidade à ditadura Nazi. E a Hitler.

    Mesmo as maiores atrocidades tiveram a sua sustentação na ‘ciência’ (do regime), na segurança nacional, na Lei.

    “A detenção sem mandado ou decreto judicial foi um dos actos legislativos e jurisprudência criados no processo gradual pelo qual a liderança nazi transferiu a Alemanha de uma democracia para uma ditadura”, como recorda a United States Holocaust Memorial Museum.

    man in black long sleeve shirt raising his right hand

    Na sua página pode ler-se ainda: “Os Nazis usaram uma estratégia abrangente para controlar todos os aspetos da vida sob o seu regime”. E acrescenta: “Em conjunto com uma agenda legislativa pela qual exigiam unilateralmente ou proibiam certos comportamentos públicos e privados, os dirigentes nazis redefiniram drasticamente o papel da polícia, dando-lhes amplos poderes – independentemente da supervisão judicial – para procurar, prender e encarcerar inimigos do Estado reais ou percebidos e outros que consideravam criminosos”. Aqui estavam incluídos comunistas e radicais de esquerda, também.

    Isto foi antes dos campos de concentração, dos actos criminosos e genocidas, dos assassínios em massa. Primeiro, houve muitos outros passos que tiveram aplausos de muitos alemães. Como, hoje, alguns portugueses incautos e ingénuos, iludidos e enganados, ou fascistas, aplaudem as anunciadas propostas de mudança da Constituição, a Lei Fundamental do país, em vigor praticamente desde que Portugal é uma democracia. Uma Lei criada depois do país ter saído de uma ditadura.

    Hoje, querer-se-á deter cidadãos por “motivos sanitários”, de “bio-segurança”. Amanhã, querer-se-á deter cidadãos por questões “climáticas”, “energéticas”. Por serem “uma ameaça à ordem”, por “quererem organizar manifestações”, por “colocarem em risco a estabilidade” ou o “consenso social” – como diria o director do jornal Público.

    red Emergency Pull lever

    Por umas quaisquer questões de “emergência”, poderem deter, ou seja, privar cidadãos da sua liberdade. Mas não só. Colocar nas mãos de políticos e autoridades de saúde, climáticas ou outras o poder de decidir se um cidadão é livre ou não.

    Imagine-se um qualquer “Filipe Froes” – ‘amigo’ da indústria farmacêutica – a poder decidir sobre detenções de cidadãos por terem estado hipoteticamente, ou de facto, em contacto com alguém ‘infectado com um vírus’.

    Um qualquer “Filipe Froes” que faz parte do grupo de “todos os médicos e todos os cientistas que estão de acordo” sobre um tema, neste caso a pandemia. É que é óbvio existir um “consenso”, quando todos os médicos e cientistas sérios, que não são pagos por farmacêuticas, que discordam do tal “consenso” são simplesmente censurados e afastados! É assim que se criam consensos em ditaduras!

    Na Europa e no Portugal de 2022, o regime totalitário está em marcha. Não é só em Portugal que se têm mudado leis para eliminar direitos civis e direitos humanos. Em outros países, tem havido mudanças e em outros haverá mais alterações. Basta lembrar, no caso português, da censura instituída a coberto de uma Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, ou a tentativa de eliminar o direito à manifestação, algo impensável em democracia.

    Assim, o quadro de início de um regime totalitário já é uma realidade desde 2020. Nessa altura, com o surgir da pandemia, os poderes políticos e económicos aperceberam-se que tinham pela frente uma oportunidade de ouro para reforçar o seu poder (e lucros) e produzir reformas profundas em áreas como o mercado de trabalho, aproveitando para atropelar e ir eliminando conceitos como direitos civis e direitos humanos.

    blue spiral staircase

    É exagerada a comparação com o sanguinário e abominável regime de Hitler? Sim, é. Mas fingir que não estão a ser usadas tácticas também usadas por ditadores como Hitler é estar em negação.

    Vejamos. Os atuais governos contam com uma boa parte da população completamente do seu lado (como os alemães estavam do lado de Hitler). Uma população que, tal como a alemã, levou com uma campanha de medo (neste caso, aproveitando-se uma pandemia) e propaganda em larga escala, profissional e bem financiada, tanto por fundos públicos como pelo poder económico, incluindo a indústria farmacêutica.

    Uma campanha de medo que também beneficiou, em parte, da baixa literacia científica da população em geral, incluindo da classe jornalística. Uma coisa é ‘Ciência’, que é baseada na evidência, outra coisa é a ‘ciência comercial’, baseada em ‘estudos’ pagos por farmacêuticas.

    Uma campanha aproveitando uma crise (económica), e que identificava um inimigo a abater. Uma campanha que conseguiu pôr uns contra os outros. Que inventou nomes para os “dissidentes”, que difamou cientistas de renome e com uma reputação inatacável.

    black and white rectangular frame

    O regime totalitário que está a ser construído tem também o apoio dos media tradicionais (ou mainstream) que fazem, com gosto, propaganda às medidas e anúncios do novo regime em voga e à ideologia em que assenta. Sim, também hoje está subjacente uma ideologia, segundo a qual as vontades e desejos do poder político e económico – disfarçados agora de “autoridades de saúde” e de “bem comum” – se sobrepõem aos direitos civis e direitos humanos.

    Não falta sequer a esta ideologia a ideia de que a segregação de cidadãos é, não só “normal” – sustentada na ‘ciência’ criada pelos ‘cientistas’ ligados ao poder político e económico –, como é “fundamental”.

    Além dos media tradicionais e de uma parte dos jornalistas, também uma certa (pseudo) ‘elite’ apoia este novo regime totalitário. Em primeiro lugar, porque foram assustados ao ponto de acharem, efectivamente, que a sua segurança está em risco (como na Alemanha Nazi). Segundo, porque têm sido beneficiados pelas medidas impostas pelos líderes do novo regime: confinamentos, com direito a teletrabalho a partir das casas de campo ou com vista para o mar; fundos europeus; pagamento de créditos suspensos (com incremento da poupança e do consumo pessoal).

    woman holding sword statue during daytime

    Junta-se ainda o bónus de estes jornalistas, esta ‘elite’, se poderem sentir ‘superiores’ – mais do que é habitual – porque fazem parte de “algo maior”, uma “missão” em que trabalham “juntos” e “unidos” com políticos e indústrias, para um “fim comum”. Para o “bem comum”.

    Perseguir, reprimir, difamar, injuriar, censurar cientistas, jornalistas, intelectuais, académicos, políticos, artistas, e todos os que se oponham ao novo regime e à nova ideologia é algo visto como “essencial” para afastar “os vermes tóxicos” (em outros tempos eram os comunistas, os judeus, ….) que impedem que se atinja o “fim comum”.   

    Em Portugal, PS e PSD querem mudar a Constituição para eliminar direitos humanos e civis que lá estão consagrados. Não precisam fazer um bypass ao ‘sistema político’ porque PS e PSD “SÃO” o ‘sistema político’ em Portugal. Os outros partidos, como se viu na pandemia, pouco ou nada fazem para parar este comboio a caminho de uma ditadura, em velocidade acelerada, em Portugal e na Europa.

    A democracia já não existe, na verdade. Só falta assumir isso em texto legal. Fica uma democracia fantoche. Uma democracia fantoche até ‘no papel’.

    persons hand with white snow

    A guerra na Ucrânia e a crise económica espoletada pelos confinamentos e restantes medidas de suposta “gestão” da pandemia apenas ajudam a sustentar mais medo na população. Junta-se ainda a grave crise ambiental e as alterações climáticas, que serão certamente usadas para novas medidas de eliminação de direitos humanos e civis, pois o terreno está tratado para receber esta ideologia do medo. Da “bio-segurança”. Da “segurança” energética. Da “segurança” económica. Da “segurança” ambiental e climática.

    Resta aos democratas, pró-direitos humanos e civis, levantarem-se, unirem-se contra este novo ‘monstro’ que está a ser criado. ‘Monstro’ não no sentido sanguinário e genocida (veremos, daqui a uns anos, contudo, após a análise das mortes excessivas que já se verificam) mas porque implica o fim do Mundo Livre. E, mesmo que este regime atual seja derrotado, tal como outras ditaduras foram derrotadas, serão anos de sofrimento, privação de direitos, de retrocesso civilizacional que se registarão.

    Podem mudar a Constituição, as Leis, impor medidas arbitrárias e alavancadas na falsa ‘ciência’ que é a ‘ciência comercial’. Podem censurar, reprimir, difamar, segregar. Enfrentarão uma crescente corrente de cidadãos do Mundo que não baixarão os braços, nem calarão as suas vozes, enquanto a nova ditadura não for definitivamente derrotada.

    Podem mudar a Constituição, legitimando assim a sua ditadura. Mas saibam isto: serão derrotados, leve o tempo que levar. E será garantido que ficarão na História por esse crime cometido contra os portugueses e contra Portugal. O crime cometido contra os valores europeus, os valores humanos. Querem mudar a Constituição? Mudem. O tempo irá julgá-los pelo que são: ditadores.  

    Links com informação oficial recente sobre as propostas de revisão constitucional do:

    PSPS baliza revisão constitucional para aprofundar Estado social e direitos fundamentais | Partido Socialista

    PSDDesafio António Costa a vestir “fato de reformista” na Constituição | PSD

  • Os ministros kamikazes de António Costa; e nós, os entalados

    Os ministros kamikazes de António Costa; e nós, os entalados


    Quando o PS alcançou a maioria absoluta nas últimas eleições, imaginei que se seguiria um passeio no parque na Assembleia da República, e apenas, quando muito, alguma contestação nas ruas, uma vez que PCP e BE (principalmente o PCP) voltariam ao seu habitat natural.

    Estava a vislumbrar António Costa fingindo querer saber das opiniões da oposição, ou da “maioria dialogante” como lhe chamou, e a seguir a sua trajetória de político hábil e pragmático. Deu um cheirinho destas suas intenções com o pacto de regime com o PSD em relação ao novo aeroporto de Lisboa (que vale zero e deve gerar apenas mais um ou dois estudos para um laboratório amigo) e o namoro ao Livre e PAN na discussão do Orçamento de Estado.

    António Costa, primeiro-ministro de Portugal.

    Aquilo que eu não esperava, depois do autêntico show do ex-ministro Eduardo Cabrita na anterior legislatura, era ver António Costa a dar tiros nos pés com tantos elementos tóxicos no novo elenco governativo. É certo que a oposição precisa destes casos como de pão para a boca, considerando que o seu combate no hemiciclo está perdido à partida. Obviamente, no meio da gritaria, misturam-se “casos” que não são casos – como o do ministro Pedro Nuno Santos – com outros que, de facto, nos deixam perplexos.

    O governo de maioria do PS tem estado a explicar-nos, palavra por palavra, por que se devem evitar maiorias. De repente, “incompatibilidade” passou a ser a palavra procurada no curriculum vitae como mandatória para uma promoção neste governo. Costa olha para a esquerda, e depois olha para a direita, e só vê drones kamikazes (outro conceito curioso) saídos dos seus próprios ministros.

    Manuel Pizarro foi nomeado ministro da Saúde, enquanto era sócio-gerente de uma consultora na área da saúde. Evitou-se assim aquela imagem já batida da raposa a tomar conta do galinheiro – diria eu que seria como se um médico, patrocinado por farmacêuticas, nos andasse todas as semanas a vender injecções em horário nobre nas televisões… Imaginem apenas o escândalo que seria… Felizmente, nunca vimos algo sequer parecido…

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    Duas semanas depois de alguém dar com a incompatibilidade, e de fazer todas as manchetes, Manuel Pizarro lá foi passar a empresa ao sócio. Portanto, muda-se um papel, os ganhos continuam e a incompatibilidade também. Mas, legalmente, tudo está bem. Aliás, só há problema porque alguém fez o trabalho de casa… Em princípio, isto seria coisa para passar sem grandes alaridos.

    Vejam o caso de Carlos César, por exemplo. Até ao terceiro familiar encaixado no aparelho, ninguém deu por ela. A partir do quarto e até ao sétimo, já se fizeram umas caixas e ouvimos alguns gritos. Depois do oitavo, já passa a procedimento legal e aceita-se como algo normal. É um pouco como o funk brasileiro: ninguém gosta, mas todos batem o pé a pelo menos três músicas.

    Entretanto, Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, seria responsável pela gestão de fundos comunitários a que a empresa do marido acedeu. Nada ilegal, ao que parece – e, segundo alguns comentadores, um caso perfeitamente normal, porque, num país como Portugal, com um tecido empresarial tão pequeno, um empreendedor não pode deixar de concorrer a fundos europeus só porque tem família no Governo.

    Esta frase faz-me logo pensar que o Governo é uma grande família, e que, nem que seja em segundo ou terceiro grau, ter ministros na família é algo absolutamente comum para 10 milhões de portugueses. A forma como uma parte dos comentadores políticos tenta normalizar aquilo que, à vista do comum dos mortais, é uma cunha sem fim, leva-me as rugas aos cantos dos olhos, de tanto franzir a testa de estupefacção.

    Quando apareceu Miguel Alves, o secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, injustiçado pela corte lisboeta, lá longe em Caminha, pensei que tínhamos chegado ao pináculo. Um argumento muito bom, uma excelente produção, disparates ditos em catadupa. Tudo para ser um sucesso de bilheteira. Costa nomeou para seu adjunto um rapaz que é arguido em dois processos de corrupção. Um deles é a Operacão Éter, onde, juntamente com o ex-presidente do Turismo do Porto e Norte, está a ser investigado pelo Ministério Público por contratos ilícitos, corrupção e abuso de poder com autarcas socialistas.

    Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial

    Em cima disto, desconfia-se que fez uns ajustes diretos na aquisição de material informático com outras autarquias do Norte (Operação Teia), e ainda há um adiantamento de 300.000 euros da câmara de Caminha a uma empresa para construir um centro que não está bem explicado.

    Portanto, temos aqui um cv excepcional para andar no bolso de António Costa. Para se defender, Miguel Alves foi à página 4 do manual escrito por Pinto da Costa: desde logo, está inocente e, como é óbvio, sente-se perseguido pelo centralismo de Lisboa. É o tipo de argumentação que funciona no mundo da bola, onde a paixão move os cérebros. No mundo da política já não será bem assim. O melhor que a plebe consegue fazer é encolher os ombros, dizer que “os políticos são todos iguais a roubar” e, em dia de eleições, não ir votar. Mas acreditar na inocência, quer dizer, também já é pedir demais a quem anda a contar migalhas.

    Entre todos os tiros nos pés que o PS deu no último mês, este parece ser, de facto, o mais grave. É tão insustentável para o Costa que até duas deputadas do PS, com presença habitual no comentário televisivo, já rasgaram o camarada Alves de cima a baixo. E como se não bastassem os processos para a gravidade da coisa, a defesa de Miguel Alves – no grito arrogante contra a corte de Lisboa e a vitimização de quem vem do interior do país – é uma cereja difícil de rejeitar. Aplausos de pé e saída triunfante, deixando Costa com a jogada seguinte.

    Miguel Alves, secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro.

    Pensava eu que estava feito o mês… Uma certa dose de escândalo, incompatibilidade, alguma corrupção, dinheiro desviado, epá, tudo o que uma pessoa precisa para escrever: MAIORIAS NÃO SÃO BOAS.

    Mas não, voltei a enganar-me.

    Antes de ver o Costa começar a usar aquela ginga de cintura para novas danças contorcionistas, eis que a ministra da Presidência, Mariana Vieira da Silva – ela própria filha de um antigo ministro (acontece, se um pescador leva um filho para o mar, porque não pode um ministro levar um filho para o ministério?) – contrata um assessor de 21 anos, recém-licenciado, pela módica quantia de 4.000 euros mensais. Tiago Cunha, é o nome do jovem premiado e já faz sozinho a piada que tinha para aqui meter: nunca trabalhou e, ao que parece, identifica-se como “ocasionalmente estudante de Direito” tendo concluído recentemente (julgo) uma licenciatura de três anos.

    Dirão os defensores das oportunidades aos mais jovens que não podemos discriminar por idade. É verdade. Eu e o meu filho, só para dar um exemplo, estamos a ver uma série sobre um puto prodígio que aos 11 anos já tinha chegado à universidade e era um cientista fabuloso. É uma história maravilhosa. Só que é ficção, estão a ver?

    Mariana Vieira da Silva, ministra de Estado e da Presidência.

    O Tiago Cunha pode ser o rapaz mais inteligente do planeta, e daqui a 10 anos chegar a primeiro-ministro, depois do governo do Ventura cair. Mesmo assim, não invalida a simples questão de entender como é que o primeiro emprego de alguém, sem qualquer experiência profissional relevante, é o de “assistir” um ministro. Se a assistência for algo como recolha de cafés no Starbucks e, aqui e ali, umas encomendas de pastéis de nata, tudo bem… Nesse caso, pergunto então apenas se a UberEats não seria uma opção mais económica.

    Agora, se de facto é suposto o rapaz trazer alguma mais-valia que justifique os 4.000 euros brutos, não estamos perante uma daquelas situações em que o abuso, a cunha e o desperdício de dinheiro público, estão ali a bater no escandaloso?

    É que, para colocar algum contexto nesta história, no artigo que há dias aqui escrevi sobre os professores, recebi algumas críticas por dizer que o salário em topo de carreira era mau (3.400 euros brutos ao fim de 40 anos de trabalho). Perante este caso do Tiago Cunha, tenho de facto que me retractar. Não é mau; é péssimo.

    Dava um dedo, daqueles que se usam menos, para beber um café com o Cabrita e perguntar-lhe o que acha destes clones todos. O homem deve andar a rir-se há um mês, e parecendo que não, todos precisamos de alguma alegria para lidar com a corrupção e abuso de poder a que as elites nos vão habituando.

    Mas, no fim, continuamos a ser, nós, os entalados. Continuamos apenas a assistir.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Que farei com este livro de Filipe Froes?

    Que farei com este livro de Filipe Froes?


    Chega a ser perturbador ler algumas passagens da magnum opus de Filipe Froes e Patrícia Akester, intitulada A pandemia que revelou outras pandemias: contributos para o conhecimento, que ontem juntou, no Grémio Literário, muitas figuras gradas da narrativa oficial da gestão da pandemia. Hoje, amanhã e quinta-feira está nas bancas, gratuitamente com o Diário de Notícias, permito-me a publicidade.

    Mas permitam-me também dizer, com generosa dose de ironia, que em boa hora a BIAL disponibilizou patrocínio conveniente para o livrinho sair do prelo, porque, de contrário, sem guito de farmacêuticas, o Doutor Froes parece nunca mexer uma palha quanto mais uma caneta, que é como quem diz, um matraquear de teclado.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    Por outro lado, também em boa hora o Diário de Notícias, cometida a ousadia de permitir que o Doutor Froes & Ca. explanasse as suas opiniões, possibilitou que os textículos esparsamente publicados no periódico, ficassem agora gravados para a eternidade em lâminas de papel, entre capa e contracapa, incluindo generosas badanas. Um livro sempre se mete numa estante, e mesmo que o conteúdo possa ser – e é, neste caso – indigesto, pode-se sempre pegar num momento zen para aumentar a pressão arterial.

    Porém, melhor ainda – e impeliu a perturbação denunciada logo na primeira linha deste meu texto – é o prefácio do senhor almirante – então vice-almirante, o que, estranhamente, aparentava dar-lhe maior dignidade – Gouveia e Melo. Ou melhor dizendo, que assim é apresentado no prefácio, de “Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, almirante”.

    Nas breves três páginas de auto-elogio do senhor almirante, destaco, contudo, o seu curto relato do episódio da suspensão da vacina da AstraZeneca, por decisão do Infarmed, em 15 de Março do ano passado com base no princípio da “precaução em saúde pública”. Aliás, em 8 de Abril, pouco mais de três semanas, a Direcção-Geral da Saúde passaria a recomendar a administração da vacina da AstraZeneca apenas a pessoas acima dos 60 anos. Na prática, a vacina da farmacêutica anglo-sueca praticamente deixou de ser administrada a partir daí.

    Gouveia e Melo assim relata: ”Muitas destas decisões foram tomadas em cima dos acontecimentos, sobretudo quando surgiam contrariedades. Recordo-me quando tínhamos tudo preparado para vacinar os docentes do ensino básico e secundário e, dois dias antes de se iniciar esse processo, a vacina que seria administrada foi suspensa. Refizemos planos, avaliámos riscos, consultámos stocks e, na semana seguinte, avançámos com a vacinação desse grupo.”

    Passando por cima deste modus operandi, aquilo que me interessa destacar é o facto de o então vice-almirante relatar este acontecimento no livro onde, páginas à frente, se expõe a doutíssima opinião do Doutor Froes por aquelas alturas sobre vacina da AstraZeneca. Com efeito, na página 16 da tal magnum opus, pode-se ler um artigo do Doutor Froes & Ca., publicado originalmente no dia 4 de Março de 2021 – ou seja, apenas 11 dias antes da suspensão da vacina da AstraZeneca –, no jornal Público (o único na obra que não saiu no Diário de Notícias), com o sugestivo título: “Das fake news nem a vacina está a salvo”.

    E que escreveu o Doutor Froes & Ca.?

    Além de defender que urgia “combater a desinformação mais do que nunca”, uma vez que o processo de vacinação estava em curso”, dissertavam eles sobre “duas pragas: (i) infodemia (um tsunami de informação no que respeita à pandemia, por vezes incorrecta e infundada, capaz de confundir e de induzir em erro, tendo na sua origem fontes pouco fidedignas) e (ii) desinformação (informação falsa ou imprecisa disseminada com a intenção deliberada de manipular e/ ou de induzir em erro), de que as Fake News são um dos principais expoentes.” E continuavam depois a batucar nas redes sociais, desinformação para aqui, fake news para ali.

    E depois isto: “Na Alemanha, os media passaram semanas a apregoar que a vacina AstraZeneca era ‘de segunda classe’ e que comportava efeitos secundários, pelo que uma parte não insignificante da população se recusa a ser inoculada com essa vacina, aguardando a chegada da vacina Pfizer Biontech. Consequência: tendo sido recebido, em terras de Merkel, um carregamento de 1,45 milhões de doses de AstraZeneca, em pleno estado de escassez de vacinas pelo mundo fora, apenas 270,986 mil pessoas aceitaram a administração proposta pelas autoridades de saúde em conformidade com o plano de vacinação nacional (New York Times). Resta saber o impacto da não-vacinação ou do seu atraso na população que deveria ter sido vacinada e não o foi…”

    E mais isto: “Agora que o processo de vacinação está em curso urge combater a desinformação mais que nunca. Para se atingir imunidade de grupo, para protecção do indivíduo e da comunidade e resolução progressiva do profundo impacto social e económico da pandemia, é crucial promover uma campanha de informação idónea no tocante à pandemia – divulgada responsavelmente por todos. A melhor forma de impedir que alguém adira ao movimento anti-vacinas, que pode impossibilitar a criação de imunidade de grupo é tolhendo a infecção…”

    Visto está o que sucedeu à AstraZeneca…

    Visto está o que sucedeu à quimérica imunidade de grupo…

    E vista está a base científica inexistente dos certificados digitais…

    E visto está quase tudo o resto que foi escrevendo o dizendo Froes & Ca., nos intervalos das consultadorias das farmacêuticas, a par do contínuo obscurantismo oficial em redor da informação mais sensível…

    E não visto está aquilo que ainda se vai descobrir, e que tornará esta magnum opus um tesourinho deprimente da “ciência pandémica”, digno de estudo futuro, de amostra daquilo que não se deve repetir.

    Resta-nos saber também, entretanto, qual será o impacte das alarvidades do Doutor Froes, mais as suas consultadorias… E resta-nos esperar que a imprensa mainstream deixe de viralizar os seus despautérios – como sucedeu nos últimos dias com o “anúncio” de uma “pandemia tripla”, rapidamente transmitida pelo Diário de Notícias, Observador, RTP, Correio da Manhã e Sapo.

  • A Universidade do Crime 

    A Universidade do Crime 


    Uma das ideias mais repetidas, quando se debate o Sistema Prisional, é que as cadeias funcionam como a “Universidade do Crime”.

    Ou seja, ideia de que a missão de reabilitar um recluso – o que permitiria que, ao terminar a sua pena, pudesse reintegrasse a sociedade mais consciente das suas responsabilidades enquanto cidadão – não só falha como acaba por, graças ao contacto com outros delinquentes, permitir que ganhe novos conhecimentos no que ao crime diz respeito.

    Infelizmente, há algo de verdadeiro nesta acusação.

    person looking out through window

    As cadeias têm, em Portugal, um único “objectivo”: fazer com que os presos cumpram as suas penas sem causarem problemas.

    Daí o privilegiarem a inércia, permitindo que os reclusos passem anos encerrados nas suas celas, sem qualquer horário para se levantarem ou deitarem, com acesso a televisão e playstations nas celas, com distribuição de doses elevadas de ansiolíticos, sem obrigatoriedade ou, sequer, aconselhamento ao trabalho ou estudo, mas, bem pelo contrário, com a criação de todo o tipo de obstáculos sempre que algum se propõe a desempenhar qualquer tarefa.

    Ser activo, na cadeia, obriga a que guardas e funcionários trabalhem, algo que todos fazem por evitar.

    A ida ao ginásio ou biblioteca é, sempre, uma dificuldade.

    O trabalho é considerado uma benesse, embora seja “pago” por valores vergonhosos (dois euros por dia).

    Um recluso conseguir estudar é praticamente uma miragem, dadas as regras criadas para o impediram: proibição de acesso a computadores, ausências de salas apropriadas, falta de material e professores qualificados, celas e camaratas sobrelotadas sem o mínimo de condições para a concentração necessária.

    shade photo of woman

    Depois há, ainda, as constantes greves de guardas (num ano estiveram mais de 300 dias em luta), que impedem aulas normais.

    Resta, pois, a conversa entre todos, a troca de experiências, a informação detalhada sobre o mundo do crime, os seus riscos, o modo de os evitar, os contactos dos especialistas nas diversas “áreas”, o esclarecimento sobre materiais a usar nas diversas “actividades”.

    Quem quiser ocupar o seu tempo, nas cadeias, para se aperfeiçoar no crime, é óbvio que o consegue.

    Nesse ponto têm razão os que as consideram “universidades”.

    Esquecem o principal, todavia. É que ninguém começa os seus estudos nas Faculdades.

    De quais pré-primárias, escolas e liceus vêm, então, estes “alunos”?

    A resposta torna-se mais simples, se tivermos em conta que mais de 50% dos jovens presos nas nossas cadeias são filhos de ex-reclusos.

    Muitos deles visitaram ambos os progenitores nas cadeias.

    Os seus “estudos” iniciaram-se na rua em zonas de absoluta exclusão social.

    São crianças que ficaram fechadas na rua quando os pais saíam, de madrugada, para trabalhos desgastantes e mal pagos, que os faziam chegar a casa revoltados, cansados e sem dinheiro.

    Os cadernos, o lanche preparado pelos pais, os livros de estudo que as crianças normais usam no dia-a-dia são, nestes bairros, trocados pelas artimanhas para se conseguir roubar um pão que engane a fome.

    person smoking

    É fácil estas crianças serem arregimentadas para, por exemplo, entregarem drogas a consumidores, a mando de traficantes adultos que sabem o risco, o de serem presos, que correriam se a trouxessem consigo.

    Recebem, aquelas, uma miséria que lhes dá para enganar a fome, mas, também, o “diploma de passagem”, com sucesso, pela “pré-primária do crime”.

    A “escola primária” são os pequenos furtos que proporcionam algum dinheiro que lhes permitirá comprar droga que dividem em duas partes: uma para consumir e outra para vender.

    Vão “melhorando” as suas condições financeiras ao mesmo tempo que caem nos radares das diversas polícias.

    No “liceu”, as disciplinas aumentam em número e dificuldade.

    Os assaltos exigem riscos elevados, mas podem proporcionar, também, lucros avultados.

    man in black long sleeve shirt raising his right hand

    Os alunos chegaram, até aqui, com uma ideia de impunidade, porque não conheceram qualquer cadeia, apesar dos inúmeros pequenos delitos cometidos.

    Arriscar é, também, uma prova de virilidade perante os companheiros.

    Há, até, grupos que não aceitam, entre os seus, quem nunca tenha passado pela prisão, não podendo, por isso, ser considerado um verdadeiro gangster.

    Daí que os crimes se tornem cada vez mais graves e os jovens cada vez mais violentos e destemidos.

    Até que entram na cadeia.

    Tudo perante o desdém da sociedade em relação a este fenómeno perigosíssimo, conhecido e estudado.

    Haveria, apesar de tudo, a hipótese de conseguir reverter esta situação se a Lei de Execução de Penas fosse minimamente tida em conta.

    É bem clara a sua redacção: as cadeias servem para reabilitar e punir. Por esta ordem.

    man holding chain-link fence

    O Ministério da Justiça deu, à Direcção-Geral responsável, o nome de Reinserção e Serviços Prisionais.

    Colocando a palavra Reinserção antes de Serviços Prisionais.

    O mínimo que se exigiria era que houvesse o cuidado de começarem a trabalhar a reabilitação dos detidos no dia da sua entrada nas cadeias.

    E o que acontece?

    Há 30 psicólogos para 12.000 reclusos em 49 cadeias.

    O dia-a-dia das prisões está descrito no início do texto.

    A nossa percentagem de presos reincidentes é das mais elevadas da Europa.

    Sim, as nossas prisões são Universidades do Crime. E há quem se gabe de tal. 

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Quando o frio aperta e a fome desperta…

    Quando o frio aperta e a fome desperta…


    Para quem ainda tinha dúvidas sobre o conto do “estamos todos no mesmo barco“, que nos andam a recitar desde 2020, eis que a recente visita do chanceler alemão à China eleva a ironia ao nível diplomático.

    Portanto, temos Olaf Scholz a visitar Xi Jinping, poucas semanas depois de o líder chinês ter dado uma nova roupagem à Ditadura. Julgo que já podemos dizer isto assim, com a palavras toda e com a maiúscula no D. Mas façamo-lo, ainda assim, em tom suave, para evitar cortes súbitos na electricidade em Portugal – e, se calhar, no Mundo. Não queiramos ter essa responsabilidade.

    people riding boat on river during daytime

    Mas o Olaf foi lá e não foi só. Levou na bagagem os presidentes executivos da BMW, da Volkswagen, da Bayer e da BASF, entre outros, que pela China-amiga espalharam fábricas. O chanceler foi, portanto, criticado internamente, na Alemanha, e até também por alguns parceiros europeus. Aliás, os mesmos que já tinham criticado o governo alemão pelos 200 milhões oferecidos às empresas para que, no actual cenário, aguentassem o choque da inflação nos custos energéticos.

    Entretanto, a também alemã Ursula von der Leyen – sempre ela na parte de leão de tesourinhos deprimentes –, discursou em Bruxelas alertando para a lição que o Ocidente tinha aprendido com a Rússia e o erro que não repetiríamos com a China.

    Na altura, escrevi aqui no PÁGINA UM que a Ursula não deve ter lido os jornais dos últimos 20 anos e, provavelmente, ainda não saberá que as grandes multinacionais europeias (e americanas) há muito que instalaram os seus centros de produção pela China. A dependência ocidental, neste momento, não é um risco, uma ameaça ou um receio futuro. É um facto. Já aconteceu quando os donos do capital quiseram aumentar as suas receitas a troco de mão-de-obra barata.

    person carrying umbrellas

    Quando Bruxelas começa a gritar, teoricamente em nome de todos os membros, que a China não é um parceiro de confiança, eu só tenho de começar a rir… até me lembrar que, hélas, eu também trabalho para chineses.

    E quando Nanci Pelosi vai a Taiwan repetir o número ucraniano, oferecendo ajuda militar na defesa da terra longínqua, caso a China resolva dar um abraço mais apertado, eu fico com a certeza de que esta gente sabe o que faz.

    A União Europeia sabe que as suas multinacionais estão espalhadas pela China. Os Estados Unidos sabem que oferecer ajuda a Taiwan é hostilizar um dos maiores mercados do Mundo.

    Na verdade, embora fosse mais fácil pensar que esta gente está apenas de cabeça perdida, eu acho mais razoável pensar que sabem mesmo o que estão a fazer: empobrecimento para os europeus, mas, sem grande réstia de dúvida, numa estratégia concertada.

    Ora, os alemães não estão para isto. Sabem que a sua Economia depende fortemente das exportações e, nesse cenário, ninguém pode desprezar o mercado chinês. Por mais conferências cheias de intenções de Ursula von der Leyen, ou dessa aberração que dá pelo nome de Josep Borrell, onde se grita por mais sanções à Rússia ou pelo alargamento da desconfiança à China, os alemães, esses, decidem o seu rumo.

    Ursula von der Leyen

    E fazem-no a solo, defendendo em primeiro lugar os interesses do seu povo: seja o aquecimento das casas, a proteção aos empregos ou a garantia de que se desviam da recessão.

    Por ser a Alemanha a maior Economia da Zona Euro, estas posições fora da “concertação” de Bruxelas acabam por deixar os restantes países numa posição de fragilidade.

    Assim, num dia vemos Ursula von der Leyen exigir uma posição chinesa no conflito da Ucrânia – e que seja, obviamente, uma forte condenação à Rússia; e, no dia seguinte, está Olaf Scholz a tentar vender BMWs ao Xi Jinping, pedindo-lhe que diga qualquer coisa sobre a guerra para que não o chateiem muito no regresso a Berlim.

    Os alemães são, de facto, os únicos que se estão a afastar da loucura do “as long as it takes“. Pressionados internamente por sindicatos e trabalhadores, o seu Governo segue um rumo autónomo, ignorando o que os parceiros europeus querem. Estão preocupados na defesa do seu povo.

    Numa frase, os alemães estão cansados do jogo de marionetes em que a Europa se colocou relativamente aos Estados Unidos, e optaram por seguir a solo. Estarão na sua fase Yoko Ono, se é que me entendem.

    blue flag on top of building during daytime

    Não estamos no mesmo barco. Nunca estivemos.

    Aquilo que se vê é a maior parte dos governantes europeus a estarem apenas a contribuir para o empobrecimento dos seus povos. E alguns não estão para isso. A Hungria, a Sérvia e a Eslováquia já disseram que não têm alternativa ao gás russo, e portanto, vão continuar a comprar. Hungria e Sérvia são mesmo explícitas na amizade com Putin.

    A França vai abrindo porta ao negócio, dizendo que é altura de estabelecer um acordo de paz e, nas conferências de imprensa, tenta Macron fazer aquele papel clássico dos estadistas franceses em tempo de crise: tentam assumir um papel de liderança, apesar de ninguém lhes ligar, esperando para ver o que dizem ingleses e alemães.

    Entretanto, Portugal e a maior parte dos outros desgraçados vão seguindo o rio, acatando ordens, esperando por bazucas e vendo se a coisa no Donbass pára a tempo de não rebentar os próximos quadros de apoio comunitário, em que a Ucrânia parece um sorvedouro de divisas.

    Voltando à China: no último congresso, este país tornou-se uma ditadura capitalista, ainda mais musculada. Querem esta guerra tanto como eu. Para Xi Jinping, a paz significa mais negócios; logo, a paz deve imperar. Sabe ele, como nós, que a China tem os mercados na mão. Seja pelas dívidas externas, pelas fábricas do Ocidente, seja pelas posições em empresas públicas europeias (ainda agora ficaram com uma fatia do maior porto da Europa, o de Hamburgo), pela produção com mão-de-obra barata ou pelo gigantesco mercado para exportações.

    photo of truss towers

    Bem pode, assim, vir Ursula gritar com Xi para que escolha um lado nesta guerra. Bem pode Nancy Pelosi ir fazer marketing bélico a Taiwan.

    Xi fará o que quiser, ajudará quem quiser e falará sobre o que quiser. E, no fim, se quiserem, ele ainda deixa que lhe vendam uns BMWs, lhe peçam para produzir uns iPhones ou construir um Airbus mais barato. Certo é que irão lá todos bater à porta.

    Agora os alemães, depois os outros. Até porque, sejamos pragmáticos: a solidariedade à custa do empobrecimento é um conceito nobre e válido, mas dura pouco quando o frio aperta e a fome desperta.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Quer uma democracia? Então, por agora, tome lá uma ditadura

    Quer uma democracia? Então, por agora, tome lá uma ditadura


    Desde a Revolução dos Cravos, em 1974, juram-nos e asseguram-nos que vivemos numa Democracia, garantindo-nos e asseverando-nos que é o povo que é Soberano, elegendo democraticamente os seus representantes, em particular os membros da Assembleia da República e o Presidente da República.

    Daí que, em 1976, foi aprovado o nosso Contrato Social: a actual Constituição da República Portuguesa (CRP), o documento basilar deste actual regime.

    Mas, quase meio século depois de 1974, será que vivemos mesmo numa Democracia?

    Ao longo da História da Humanidade, a fuga à tirania do Estado foi sempre um desejo de qualquer cidadão livre.

    Nas Idades Média e Moderna, quando um determinado monarca decidia perseguir um determinado grupo de cidadãos, confiscando-lhes activos, tributando-os de forma excessiva ou perseguindo-os pelas suas orientações religiosas, havia sempre a possibilidade de fuga para outro Estado; ou seja, havia “concorrência” entre estados-nações.

    Foi o que aconteceu, por exemplo, em 1492, com as expulsões dos judeus de Castela, através do Édito de Granada, promulgado pelos Reis Católicos. Muitos judeus, em vez de se baptizarem, fugiram para Itália, Grécia e mesmo Portugal. Mais tarde, Portugal fez o mesmo – por causa de negócios entre o rei D. Manuel e os Reis Católicos, e os Países Baixos acabaram a beneficiar desse êxodo. Em suma, sempre havia na Europa uma nação onde um ser humano lograva escapar à tirania.

    Ora, hoje, tal possibilidade deixou de existir.

    Com efeito, hoje temos um crescente comportamento em cartel por parte da maioria dos Estados, bem como a transferência de soberania destes últimos para organizações supranacionais, sem qualquer controlo democrático. Não conhecemos, nem elegemos nenhuma das caras que por ali pululam; não somos capazes de os responsabilizar ou punir por qualquer comportamento ou legislação que promovem. No fundo, não podemos escapar à tirania global.

    Exemplos? Temos vários.

    Podemos começar pela nossa “querida grande líder”, eleita ao melhor estilo de uma ditadura comunista, em lista única: a senhora Ursula von der Leyen.

    Depois de ter realizado um dos maiores negócios da História da Humanidade – a compra em moldes secretos de 1,8 mil milhões de doses de vacinas covid-19 à Pfizer –, exultava ela há dias com o possível confisco de activos russos na União Europeia. Usou estas palavras: “O objectivo da União Europeia não é congelar, mas confiscar os activos russos na Europa, mas para isso é preciso primeiro criar um quadro legal”.

    Portanto, hoje os russos; amanhã, você! Basta criar o devido quadro legal para legalizar hoje o que era ilegal ontem.

    Ursula von der Leyen

    E o que dizer do Environmental Social Governance (ESG)? O leitor dirá, se não clicar atrás: que é isso? É mais uma organização internacional, sem rosto ou qualquer controlo democrático, com um poder inimaginável. Se uma dada empresa não cumprir os critérios por si estabelecidos, obtendo uma má posição na sua ordenação, poderá deixar de ter acesso a crédito ou aos mercados de capitais.

    Se a empresa não promove carros eléctricos, se o seu Conselho de Administração não possui todas as raças e géneros – aqui falamos provavelmente de 10 ou mais hipóteses –, se utiliza fornecedores com sede na Rússia, então tem os dias contados no “Novo Mundo”. Os dois gigantes mundiais de gestão de activos, responsáveis pela gestão de muitos biliões de Dólares norte-americanos, a Blackrock e a Vanguard, certamente não irão entrar no seu capital.

    Estas regras têm um único propósito: tornar a vida dos pequenos negócios um autêntico inferno burocrático, com custos administrativos impossíveis de suportar e obrigando-os a submeterem-se aos ditames desta casta não eleita.

    Com os mesmos objectivos do ESG, a União Europeia prepara-se para obrigar todos os negócios a realizarem processos e diligências aos seus fornecedores, garantindo que estes não “infringem” os “direitos humanos” e os “objectivos do crescimento sustentável”. Estão a ver para onde a coisa caminha?!

    microburst thunderstorm

    No final, o propósito é levar os pequenos negócios à falência e promover a concentração da produção em meia dúzia de multinacionais promovidas pelo Sr. Larry Fink, líder da Blackrock.

    Também temos a Organização das Nações Unidas (ONU), que estabeleceu 17 objectivos de crescimento sustentável, tudo, como sempre, suportado em objectivos nobres, ao melhor estilo Miss Mundo: acabar com a fome e a pobreza, promover a igualdade de género, promover a produção de energia “limpa” e “barata” – deve ser a piada do século –, e diminuir as desigualdades sociais – como se esta gente alguma vez estivesse preocupada com tal coisa.

    Aliás, isto só poderia sair da cabeça da nossa “exportação de luxo”, depois que saiu do pântano que ele mesmo criou, à frente da Agência da ONU para Refugiados. Foi assim a sua vida: saía do seu hotel em Nova Iorque para se dirigir ao seu jacto particular – o “desastre climático” não se lhe aplica –, de onde viajava para algum país em guerra – era suposto a ONU resolver estes conflitos, mas parecem não ter fim e são cada vez mais –, onde um todo-terreno o recebia; seguidamente, acenava e sorria a uns desgraçados e famélicos, vítimas da incapacidade da ONU, para voltar a realizar o circuito inverso. Foi tão difícil que continua anafadinho, balofo e nédio.

    man in black jacket walking on street during daytime

    E o que dizer então da Organização Mundial da Saúde (OMS), essa instituição liderada pelo Sr. Tedros, com um passado negro e muitas páginas rasgadas da sua biografia, que se preparava para nos governar numa futura pandemia, caso o Tratado Internacional sobre Prevenção e Preparação para Pandemias tivesse sido há meses aprovado. Aliás, em abono da verdade, Portugal, liderado pelo jacobeu da República, até estava bem disponível para o ratificar. Já agora: alguém que me lê votou no Sr. Tedros?

    E então o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI, para os amigos), essa instituição intergovernamental e intercontinental, criada em 1989 pelo G-7, que tem à frente caras que ninguém conhece ou elegeu? Tem o GAFI o poder de decidir o destino financeiro de um país.

    Há anos, a evasão fiscal no Chipre dava origem apenas a uma multa administrativa, não existia moldura penal. Foi o suficiente para receber uma recomendação negativa destes senhores, originando o bloqueio de muitas entradas e saídas de capitais no sistema financeiro do país, pois, segundo estas luminárias, o risco de branqueamento de capitais era então elevado! De imediato, o país sujeitou-se e mudou a lei. Ninguém lhes faz frente. Os representantes locais são meros verbos-de-encher.

    aerial view of people walking on raod

    A perda de soberania não é só política, a mais importante, a monetária, já foi entregue há muito: em 2000, com a criação do Euro, a nossa soberania monetária passou para o Banco Central Europeu (BCE). Segundo nos diziam, essa divisa mágica ia retirar-nos das profundezas do atraso e da atávica miséria. Entretanto, não só não tirou, como estamos enterrados numa dívida pública gigantesca, no topo da lista dos países mais endividados do mundo.

    E quem lidera a instituição à frente do Euro? Sim, a Sra. Lagarde, a actual presidente do BCE, igualmente eleita “democraticamente” – não é assim?! – e com um currículo onde consta uma condenação por negligência por ter ajudado o seu amigo Bernard Tapie (os amigos são para as ocasiões, não é?). Já agora: alguém votou na Sra. Lagarde?

    Depois de ter impresso quatro biliões de Euros (sim, são 12 zeros por aqui) desde o início da putativa pandemia, gerando um enorme crescimento da massa monetária e a presente inflação de dois dígitos que vivemos, onde os pobres são penalizados sem apelo nem agravo, ela ainda teve o topete de nos dizer que a inflação tinha aparecido do nada!

    Agora, prepara-se para nos servir numa bandeja de prata o Euro Digital, “vendido” às populações como uma alternativa digital às notas e moedas. Ficamos sempre perplexos: qual a necessidade de tal instrumento, se os bancos comerciais há muito emitem dinheiro digital?

    Na verdade, trata-se apenas da tentativa desesperada de perpetuar um sistema monetário fraudulento, onde a prática de reservas fraccionadas é legal, onde, com o desaparecimento do dinheiro físico, irá ser possível aplicar juros negativos, subtraindo os depósitos das pessoas, e montando um sistema de vigilância digital sem precedentes na História da Humanidade.

    Com o desaparecimento do Estado-Nação, é este o mundo em que agora vivemos, onde a nossa Cultura e a nossa Soberania são entregues a personagens com currículos deploráveis, não eleitos e inimputáveis.

    Mas o leitor pergunta: e as nossas instituições nacionais serão melhores?

    woman holding goblet statue

    Infelizmente, não estamos melhores a nível nacional.

    Vejam que até temos o prócere máximo da República, obcecado em selfies, que, para exemplo, nos atira com esta pérola: “…o problema da lei de emergência sanitária; amanhã, temos uma outra pandemia, temos outra epidemia, não podemos ter o risco de casos em tribunal a dizer que há abusos de poderes, se é constitucional ou não.”

    Estas palavras deixam qualquer um boquiaberto. Senão vejamos: de acordo com o artigo 127º da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Presidente da República jura “defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa”. Mas ele afinal não está preocupado com as ilegalidades ocorridas durante a putativa pandemia, onde se “inventaram” crimes por desobediência, decretaram prisões domiciliárias ilegais, impediram-se estudantes de aceder a aulas presenciais. Isso não o preocupa. Aquilo que o inquieta são os cidadãos a procurar justiça nos tribunais, contra os políticos, fazendo cumprir a lei que um Presidente da República supostamente deveria defender.

    Não satisfeito em mandar às malvas a Constituição que jurou defender, pediu ele a revisão de direitos, liberdades e garantias, o que é, aliás, impossível, como determina o artigo 288º da CRP.

    Estimado leitor, ainda é dos que julga que está numa Democracia porque vota? Ora, se o seu voto contasse para alguma coisa, certamente não votaria. Enquanto não tomarmos consciência que já vivemos numa tirania, governada por salteadores, psicopatas e corruptos, não poderemos alterar o rumo das coisas. Portanto, se quer uma Democracia, um conselho: consciencialize-se, primeiro, que, por agora, vive numa Tirania.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.

  • O pé diabético, ou uma história sobre o ridículo

    O pé diabético, ou uma história sobre o ridículo


    Encontrei no Google diversas publicações antigas sobre a consulta de pé diabético que se fazia no Hospital dos Covões, vulgo Centro Hospitalar de Coimbra, agora Hospital Geral. Mas talvez muitos saberão que, no passado dia 31 de Outubro, ali se procedeu afinal à “inauguração oficial da Consulta de Pé Diabético”. A notícia nos jornais assim o confirma.

    Porém, inaugurou-se o que já está aberto há 30 anos.

    persons feet on green grass

    A história comprova que ali exerceram, durante décadas, serviços médicos e de enfermagem diversas pessoas de renome, como o endocrinologista Álvaro Coelho, e ali foram atendidos milhares de doentes desde 1998, pelo menos. Mas, em boa verdade, eu comecei a trabalhar nos Covões em 1993, e já então tratávamos o pé diabético nas suas múltiplas vertentes, dermatológica, ortopédica, vascular e médica.

    O pé diabético é um problema social grave, que também representa um item de qualidade em saúde. Devido a esta patologia, há inúmeras amputações e demasiados internamentos em Portugal. Muita medicina do adulto é feita sem verificar os pés, e os pés têm muito para nos mostrar. Um pé sem pulsos, um pé descuidado, um pé com feridas ou unhas mal-tratadas, tudo representa sinais de alguma coisa – miséria, doença, alteração comportamental, demência, famílias desinteressadas…

    Os pés são lindos, se forem cuidados e tratados, banhados e polidos. São a estrutura mais distante da bomba propulsora, que é o coração, e por essa razão são aqueles que primeiro sofrem com a isquémia. Notem bem que a isquémia se deve ao entupimento das artérias, e é uma doença do corpo todo, não de partes dele.

    Hospital dos Covões

    A aterosclerose provocada por alterações do endotélio (camada interna dos vasos sanguíneos) deve-se ao tabaco, ao colesterol, à diabetes e a outros processos inflamatórios e alterações da elasticidade das artérias, que conduz a um aperto, ou estreitamento, do seu lúmen.

    O pé diabético é, assim, uma medida da qualidade alimentar, um sinal do estado de pobreza do país, um semáforo dos cuidados de saúde.

    Por essa razão, o Hospital dos Covões tinha há 30 anos cuidados desse jaez. Mas, agora, uns atrevidos, uns produtos da condução do pensamento alheio, decidiram apagar a História e avançar com a inauguração da consulta do pé diabético na instituição que já o andava a tratar há décadas.

    person wearing orange and gray Nike shoes walking on gray concrete stairs

    Claro que, para cumprir essa missão, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (esse enorme aborto parido na cidade de Coimbra por Correia de Campos e seus acólitos) tornou impossível a antiga consulta, retirou os serviços que a prestavam, mudou as pessoas que faziam a consulta, destruiu o material que se usava. E depois, feita a destruição e garantida a sua morte lenta, desoxigenada, abriu-se uma nova unidade, para ser inaugurada com pompa e circunstância – a consulta do pé diabético.

    Não há vergonha nenhuma e, infelizmente, o ridículo não dispara, e só por isso não mata.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.