Categoria: Imprensa

  • Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    Conteúdos comerciais em secção ambiental do Público resultam em processo de contra-ordenação

    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu instaurar um processo de contra-ordenação ao jornal Público pela inclusão de conteúdos comerciais disfarçados de notícias na secção Azul, dedicada ao tema do ambiente. Em causa está um conjunto de conteúdos publicitários publicados no âmbito de um contrato de ‘parceria comercial’ feito com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N). O regulador dos media também identificou uma jornalista que assinou quatro peças de carácter comercial no âmbito dessa parceria comercial, o que constitui uma incompatibilidade com a profissão, pelo que decidiu remeter para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista a análise da infracção. Esta acção do regulador dos media resulta de uma notícia do PÁGINA UM em Junho do ano passado, e que, na altura, mereceu um direito de resposta do director do Público a negar a veracidade das revelações. A ERC confirma agora, implicitamente. quem dizia a verdade.


    Mais vale tarde do que nunca. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) tardou mas decidiu abrir um processo de contra-ordenação ao Público por publicar conteúdos comerciais disfarçados de ‘notícias’ na sua secção de ambiente, Azul.

    Em causa estão quatro conteúdos publicados há um ano no âmbito de um contrato celebrado com a Comissão de Coordenação da Região Norte (CCDR-N), um organismo da Administração Pública com nomeação governamental. Nas cláusulas contratuais constava a “obrigação de produzir uma série de conteúdos editoriais relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, ficando o jornal do Grupo Sonae obrigado a publicar os referidos conteúdos encomendados pela CCDR-N nos sites do Azul, do Público e no podcast Azul.

    Na sua deliberação, a ERC refere que decidiu avançar com a “instauração de um processo de contraordenação contra o Público – Comunicação Social, SA, por violação do disposto no nº 2 do artigo 28º da Lei da Imprensa“, o qual estabelece que “toda a publicidade redigida ou a publicidade gráfica, que como tal não seja imediatamente identificável, deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

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    A deliberação, adoptada a 4 de Setembro e que foi comunicada esta semana ao PÁGINA UM em primeira-mão, surge na sequência de questões colocadas à ERC pelo nosso jornal em 3 de Outubro do ano passado sobre a legalidade dos contratos de prestação de serviços entre o Público e duas entidades, a CCDR-N e a Biopolis, que envolviam a obrigação de publicação de conteúdos editoriais.

    Os contratos assinados entre o Público e aquelas duas entidades foram revelados pelo PÁGINA UM numa notícia publicada em Junho de 2023. No caso da Biopolis, o contrato determinava até o número de artigos a publicar pelo jornal, e no caso da CCDR-N constava mesmo a condição de prévia entrega de conteúdos para a respectiva validação por aquela entidade. A decisão do PÁGINA UM de remeter para a ERC um pedido formal de análise dos contratos da Biopolis e da CCDR-N foi tomada após o director do Público, David Pontes, ter exigido a publicação de um direito de resposta.

    David Pontes acusou então o PÁGINA UM de, “através de uma leitura parcelar de documentos” ter construído “uma teia de falsidades com que se procura[va] denegrir a actividade profissional” dos jornalistas do Público e da secção Azul. Numa primeira fase, o PÁGINA UM, convicto da veracidade das revelações, recusou a publicação do direito de resposta do director do Público, mas o regulador considerou que esse direito pode ser exercido independentemente das circunstâncias relatadas serem verídicas. Agora, a deliberação da ERC de abrir um processo de contra-odenação ao Público atesta que não houve qualquer “teia de falsidade” criada pelo PÁGINA UM, mas apenas mercantilização do jornalismo à margem da lei por parte do jornal dirigido por David Pontes.

    O processo de contra-ordenação aplica-se apenas ao contrato com a CCDR-N, porque o Público alegou que o contrato com a Biopolis “nunca chegou a ser concretizado por não ter sido viável o cumprimento das obrigações dele decorrentes pelo que o mesmo foi revogado por mútuo acordo”. Segundo o jornal, os textos envolvendo a Biopolis que foram mencionados no ofício que a ERC enviou ao Público, foram elaborados e publicados exclusivamente devido ao seu interesse noticioso, não estando abrangidos por nenhum contrato comercial.

    No entanto, até hoje não constava qualquer referência no Portal Base à revogação do contrato público entre estas duas entidades, assinado no dia 2 de Março do ano passado, como deveria suceder se tal tivesse mesmo ocorrido. Na verdade, já este ano, em 9 de Março, o Público e a Biopolis assinaram um novo contrato, em tudo similar ao do ano anterior, e que inclui especificamente a promoção de “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas da Biopolis”. Tudo a troco de 90 mil euros.

    Foto: PÁGINA UM

    A intenção destes apoios até pode, em teoria, ser boa, mas este tipo de prestação de serviços é incompatível com a Lei da Imprensa, e se generalizado pode implicar que, por exemplo, uma petrolífera ou uma farmacêutica possa também pagar para ver promovidos na imprensa “projectos de investigação desenvolvidos pelos cientistas” da sua confiança ou de temas que lhe sejam queridos.

    No caso da CCDR-N, estão em causa conteúdos comerciais publicados como notícias entre 29 de Setembro e 11 de Novembro de 2023. A ERC constatou que nos quatro artigos publicados, alguns com referências positivas e elogiosas a empresas e instituições públicas, não existem referências “nem quaisquer elementos verbais ou gráficos que identifiquem a relação contratual”. Os quatro textos com o tema comum de ‘Mudar o Atlântico em quatro vagas’ são assinados por uma jornalista com carteira profissional, Inês Loureiro Pinto (CP 8264). A jornalista assina os quatro textos, bem como um podcast sobre a mesma temática. Esta jornalista é freelancer, ou seja, não tinha vínculo ao Público. A ERC enviou documentos para a CCPJ para eventual processo de cassação da carteira profissional.

    Na sua deliberação, a ERC assinalou também que “a não identificação [pelo PÚBLICO] da natureza contratual estabelecida, bem como da entidade adjudicante [CCDR-N], é susceptível de comprometer a independência do órgão de comunicação social perante interferências do plano económico”. O regulador constatou ainda que “tal actuação é também passível de inobservar o livre exercício do direito à informação”, garantido na Constituição da República Portuguesa e na Lei da Imprensa.

    Por outro lado, o regulador presidido por Helena Sousa, considerou que, “ao comprometer-se contratualmente nestes termos, o Público restringe a liberdade e autonomia editorial do seu director, em desrespeito” pela Lei da Imprensa, acrescentando que tal “pode perigar o rigor e a objectividade da informação”.

    Foto: PÁGINA UM

    Além da instauração de um processo de contra-ordenação, a ERC advertiu “o Público para a necessidade de garantir que os conteúdos publicados ao abrigo de contratos de natureza comercial com entidades externas não sejam concebidos, nem assinados, por jornalistas”. Recorde-se que a ERC está a realizar um estudo sobre a separação entre conteúdos jornalísticos e conteúdos promocionais ou publicitários. embora a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalismo sejam extremamente claros sobre esta temática.

    O regulador ainda tem em curso, desde Junho do ano passado, um conjunto de processos de contra-ordenação por contratos públicos de mercantilização do jornalismo que atingem sete grupos de media, nomeadamente a Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Medialivre (ex-Cofina) e Público. Houve também 14 ‘jornalistas comerciais’ identificados, que elaboraram artigos e conteúdos noticiosos contratualizados com entidades públicas, mas nenhum caso teve efeitos na CCPJ.

    Apesar destes processos, a promiscuidade mantém-se na imprensa, sobretudo nas ambíguas ‘parcerias comerciais’ ou de ‘media partner’, com a ERC e a CCPJ a fecharem os olhos a casos evidentes de elaboração de notícias e entrevistas que são feitas ao abrigo de contratos com empresas e entidades públicas, passando mensagens de cariz promocional ou promovendo gestores, organismos, empresas e até políticos. Além disso, proliferam nos media outros formatos, como podcasts, cujos conteúdos poderão estar também contratualizados, passando a ideia de que se trata de informação isenta, quando não passa de promoção dos entrevistados ou de entidades ou produtos. Ao contrário do que sucede nos contratos públicos, divulgados no Portal Base, os acordos comerciais envolvendo empresas de media e entidades privadas não são de divulgação obrigatória, mantendo-se secretos. A única excepção sucede com as farmacêuticas, obrigadas pela Lei do Medicamento a divulgar fluxos financeiros de promoção, incluindo nos média, mas o regulador, o Infarmed, presidido por Rui Santos Ivo, tem intencional e claramente fechado os olhos à ausência sistemática de registos no Portal da Publicidade e Transparência.

    Resta agora aguardar pelo estudo do regulador dos media sobre a promiscuidade evidente, que em muito tem contribuído para desacreditar a imprensa e os jornalistas, ajudando a melhorar as receitas de órgãos de comunicação, mas afastando cada vez mais o público e os leitores. Para já, de acordo com a Lei da Imprensa, o ‘crime’ compensa do ponto de vista financeiro: a coima máxima para o caso do Público é de apenas 5.000 euros. A ERC costuma, porém, fazer ‘descontos’, ou seja, por regra atenua as ‘multas’.


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  • Imprensa: Gerentes da Trust in News condenados por dívidas ao Fisco

    Imprensa: Gerentes da Trust in News condenados por dívidas ao Fisco

    Luís Delgado e mais dois gerentes da Trust in News foram condenados em Junho passado pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 por iniciativa do Ministério Público. O processo está agora em recurso no Tribunal da Relação, mas com efeitos suspensivos por via de se encontrar em curso um Processo Especial de Revitalização (PER). A empresa proprietária da revista Visão e de mais 16 títulos da Impresa acumulou dívidas avultadas junto do Fisco e da Segurança Social, que também já abriu processos judiciais, actualmente em curso. Inexplicavelmente, a Trust in News, apesar de possuir um capital de apenas 10 mil euros, conseguiu acumular dívidas de 30 milhões de euros sem ser encerrada. Agora, aguarda perdões de dívida, que em grande parte, a ocorrerem, lesarão os contribuintes.


    Luís Delgado, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos, gerentes da Trust in News – empresa proprietária das revistas Visão e Exame, entres outros periódicos em papel comprados em 2018 ao Grupo Impresa – foram condenados pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 pelo Ministério Público por dívidas fiscais no valor de cerca de 828 mil euros. Essa dívida diz respeito apenas à parte acumulada em 2018, no seu primeiro ano de actividade. O PÁGINA UM ainda não teve acesso à sentença por aguardar autorização de consulta por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, uma vez que Luís Delgado e os gerentes desta empresa unipessoal apresentaram recurso no passado dia 4 de Julho. A sentença terá também espoletado a abertura de um Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, uma estratégia que também procura suspender o trânsito em julgado deste e de outros processos.

    Com efeito, o PÁGINA UM apurou que, para além deste processo de 2021, a Trust in News – e o seu sócio único, Luís Delgado, e mais dois gerentes – enfrentem mais casos na Justiça por avultadas dívidas junto do Fisco e da Segurança Social. No total, as dívidas ao Estado superam já os 17 milhões de euros. No limite, Luís Delgado e restantes gerentes da empresa de media podem ser condenados até cinco anos de prisão.

    Luís Delgado (à esquerda) ficou com o portfólio de revistas da Impresa, activos que se revelaram tóxicos. Agora, o comentador e dois outros gerentes da Trust in News arriscam pena de prisão por abuso de confiança fiscal e pelo crime de abuso contra a Segurança Social. (Foto: D.R.)

    O Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social confirmou ao PÁGINA UM que de entre os vários inquéritos instruídos na Justiça “contra entidades empregadoras que não entregaram à Segurança Social as quotizações obrigatórias dos salários dos seus trabalhadores”, está também “incluído um processo contra a empresa em apreço, Trust in News”.

    Tal como o PÁGINA UM já tinha revelado em Junho, os gerentes da Trust in News – que tem apenas um capital social de 10 mil euros, e que evidenciam uma absoluta incapacidade de suportar os encargos gerais – arriscam penas de prisão. O Regime Geral das Infracções Tributárias determina que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. Contudo, “nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50.000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas”.

    No caso da Segurança Social, a falta de pagamento das contribuições dos trabalhadores é considerada abuso de confiança, sendo aplicadas as mesmas penas previstas para os casos de infracções tributárias de maior gravidade, incluindo prisão e multa.

    Recorde-se que Luís Delgado, através da sua empresa unipessoal, a Trust in News, adquiriu o portfólio de revistas da Impresa em Janeiro de 2018 por 10,2 milhões de euros. O negócio rapidamente se revelou ruinoso e as dívidas começaram cedo a avolumar-se. Actualmente, rondam os 30 milhões de euros, sendo o Estado o maior credor. No entanto, as dívidas incluem também empresas de comunicação e o próprio proprietário das redacções das revistas no Taguspark, bem como trabalhadores e ex-trabalhadores. Neste lote, está Mafalda Anjos, a directora que ‘abandonou o barco’ e que em Julho do ano passado apelidou de “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. A actual comentadora da CNN Portugal reivindica agora 54 mil euros que não lhe foram pagos por Luís Delgado no acordo de rescisão.

    Registo da distribuição do recurso de Luís Delgado e dos outros dois gerentes da Trust in News no Tribunal da Relação de Lisboa

    Após o pedido de acesso a Processo Especial de Revitalização (PER) junto do Tribunal de Sintra, para evitar a falência, a empresa de media está sob gestão de um administrador judicial, estando o plano ainda em elaboração, depois de um recente prolongamento do prazo por mais um mês. Inexplicavelmente, apesar das dívidas ao Estado se terem acumulado desde o primeiro dia, bem como ao Novo Banco, que financiou a compra das revistas, e à própria Impresa, a Trust in News continuou a sua actividade.

    No caso das dívidas ao Estado, estranhamente, a empresa de Luís Delgado nunca integrou a lista de devedores e continuou a beneficiar de contratos comerciais e publicidade junto de entidades públicas. Não se sabe quem autorizou a acumulação sucessiva de dívidas ao Fisco e à Segurança Social, mas terá eventualmente existido autorização superior, da tutela, para atingir os 17 milhões de euros. Também se desconhece se este eventual ‘favor’ político foi concedido mediante a negociação de contrapartidas. Mas é certo que durante todo este período, desde que começou a dever ao Estado, a Trust in News e os seus títulos de media ficaram com a espada sobre a cabeça.

    Saliente-se também que, desde 2019, a empresa de Luís Delgado tem as suas principais marcas penhoradas pelo Fisco e pela Segurança Social, como já noticiou o PÁGINA UM.

    O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social defende que a ausência da Trust in News da lista de devedores tem uma explicação legal. “Num primeiro momento, a dívida da referida entidade à Segurança Social gerou processos de execução fiscal e, posteriormente, estiveram ativos planos prestacionais de pagamento de dívida em execução fiscal, com apresentação de garantia idónea e suficiente aos planos prestacionais firmados, motivo pelo qual a empresa não constou da lista de devedores à Segurança Social”, indicou fonte do gabinete da ministra Maria do Rosário Ramalho ao PÁGINA UM.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Posteriormente, acrescenta a mesma fonte ministerial, “considerando a rescisão por incumprimento dos acordos prestacionais que estiveram em vigor até final de abril de 2024, e a informação conhecida nos processos da existência de bens penhoráveis na esfera de devedora originária, as execuções em fase de penhora não prosseguiram com a preparação dos processos para reversão da dívida, porquanto não se encontravam reunidas as condições legais previstas” na Lei Tributária, isto é, “fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal”.
     
    O Ministério da Segurança Social adianta também que agora, com a nomeação do administrador judicial, “foi registada a suspensão das execuções, aguardando-se os ulteriores termos deste processo”.  E assim, como a lista de devedores à Segurança Social compreende informação de devedores com processos de execução fiscal, neste caso concreto, e “uma vez que as execuções fiscais estão suspensas por PER, não estão reunidas as condições para publicação na referida lista”.

    O PÁGINA UM enviou também questões ao gabinete do ministro das Finanças, mas, apesar das muitas insistências, não recebeu respostas até ao fecho desta edição. Joaquim Miranda Sarmento repete assim a postura de Fernando Medina, que nunca quis abordar o caso Trust in News, que ameaça tornar-se mais um ‘negócio tóxico’, caso seja aprovado um perdão de dívidas às custas do dinheiro dos contribuintes.


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  • Estranhos negócios: Impresa compra edifício ao Novo Banco sem dinheiro e com desconto

    Estranhos negócios: Impresa compra edifício ao Novo Banco sem dinheiro e com desconto

    A Impresa, o grupo de media fundado por Pinto Balsemão recomprou, discretamente, no final de 2022, o seu edifício-sede, em Oeiras, que vendera ao Novo Banco, há seis anos, por 24,2 milhões de euros. A opção, que implicava o posterior arrendamento á instituição bancária, justificava-se então por problemas graves de liquidez da Impresa. A situação financeira da Impresa não se modificou, e por isso a recompra somente foi possível porque o Novo Banco, como vendedor, financiou a aquisição do edifício pela Impresa, aparentemente com uma menos-valia, porque a hipoteca registada é de apenas 19 milhões de euros, conforme o PÁGINA UM apurou. A CMVM entende não haver necessidade de os investidores e a concorrência terem sido informados desta estranha operação em que a Impresa terá obtido, de mão-beijada, cerca de 4,6 milhões de euros de um banco intervencionado pelo Estado.


    Quando, em 2018, a Impresa vendeu o edifício-sede do grupo, situado em Paço de Arcos, ao Novo Banco, o negócio foi anunciado ao mercado através de um comunicado, e foi notícia na maioria dos órgãos de comunicação social. A venda, através de uma operação ‘sale e leaseback’ garantiu à dona do jornal Expresso e da SIC um encaixe de 24,2 milhões de euros, com a Impresa a ficar com o direito de arrendar o imóvel por 10 anos.

    Contudo, no final de 2022, a Imprensa comprou o mesmo edifício ao Novo Banco, através de um negócio executado de forma discreta, sem comunicação ao mercado e sem qualquer comunicado de imprensa. A discrição em torno do negócio compreende-se. Afinal, a Impresa comprou o edifício ao Novo Banco, mas como não tinha recursos financeiros próprios suficientes foi o banco que financiou o negócio. Para aumentar a estranheza, o Novo Banco não só emprestou o dinheiro para lhe ser comprado um activo, como ainda por cima terá perdido dinheiro pela transacção do imóvel. E não foi pouco.

    Francisco Pinto Balsemão, presidente do conselho de administração da Impresa, e Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República, na inauguração da expansão do edifício-sede da Impresa, em 2019, quando passou a ser também a ‘casa’ da SIC. Foto: Captura a partir de vídeo da SIC.

    O PÁGINA UM consultou a Certidão Permanente da matriz do edifício-sede da Impresa, tendo constatado que a venda do imóvel pelo Novo Banco à Impresa Office & Service Share – Gestão de Imóveis e Serviços se efectuou em 23 de Dezembro de 2022. Simultaneamente, foi registada uma hipoteca sobre o edifício em nome do Novo Banco.

    Os detalhes do negócio não foram divulgados publicamente, mas o valor da hipoteca foi de 19.607.540,03 euros de capital – ou seja, bem abaixo dos 24,2 milhões de euros da transacção de 2018. No registo surge ainda que o Novo Banco garantiu um financiamento máximo de até 27.450.556,04 euros, o que pode indiciar que houve outros compromissos assumidos entre as duas partes. Sabe-se, aliás, que a Impresa, apesar de ter ‘recuperado’ a posse efectiva da sede, não vai ter a vida fácil, porque a taxa de juro anual aplicada ao empréstimo será de 9%, a que acresce 3% de juros de mora em caso de atraso no pagamento de mensalidades.

    O PÁGINA UM questionou a Impresa e o Novo Banco sobre este estranho negócio, mas o grupo de media remeteu todos os esclarecimentos para os seus relatórios e contas, que nada explicam sobre esta matéria, enquanto o banco se escusou a responder. Já o Fundo de Resolução, que é acionista minoritário do Novo Banco e foi o veículo para as injecções de capital no banco, indicou ao PÁGINA UM que “não foi, nem tinha que ser, nos termos dos contratos, consultado” sobre a compra do edifício à Impresa em 2018, nem dispõe de informação sobre a operação agora ocorrida.

    Registo predial do edifício da Impresa. Em quatro ano, a Impresa recuperou a sua sede com um empréstimo do vendedor, que ainda fez um ‘desconto’ (ou uma assumida menos-valia) de 4,6 milhões de euros.

    Recorde-se que no momento em que o edifício da Impresa foi vendido ao Novo Banco, o grupo dono da SIC e do Expresso passava enormes dificuldades e precisava de liquidez financeira. Foi, aliás, no mesmo ano, em 2018, que o grupo de Pinto Balsemão vendeu os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa escrita – nomeadamente as revistas Visão e Exame – à empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, que está actualmente com um Processo Especial de Revitalização (PER) a aguardar conclusão. (Recorde-se que a compra das revistas à Impresa também foi financiada pelo Novo Banco, que arrisca agora ‘ficar a ver navios’ em relação ao dinheiro emprestado, reclamando um valor de créditos no PER da Trust in News de 3.557.280,58 euros).

    A solução de venda do edifício em 2018 foi a escapatória depois de a Impresa ter falhado, no ano anterior, uma emissão de obrigações. Com BPI, o banco com ligação histórica ao grupo de Balsemão, a preferir ficar ‘ao largo’ de novos financiamentos, e com a Caixa Geral de Depósitos a receber ajudas estatais, a dona do Expresso encontrou ‘refúgio’ num ‘novo amigo’ (Novo Banco), que estava então a receber injecções de capital dos contribuintes, depois do colapso do BES.

    A compra do edifício-sede da Impresa pelo Novo Banco foi feita quando a instituição era liderada por António Ramalho, que não respondeu às questões do PÁGINA UM. Já a venda do imóvel à Impresa e o financiamento da tomada do edifício por parte do grupo de media, ocorreram meses depois de Ramalho ter saído da presidência.

    Saliente-se que, ao contrário do anúncio de venda do imóvel ao Novo Banco, em 2018, o qual foi divulgado como ‘Informação Privilegiada’ aos investidores, a compra do edifício pela Impresa, em 2022, não mereceu qualquer comunicado ao mercado.

    Em 2018, a Imprensa emitiu uma informação ao mercado, informando os investidores da venda do seu edifício-sede. Mas, em 2022, nenhum comunicado foi feito ao mercado. Para a CMVM, o mercado não precisava saber deste negócio e do novo empréstimo da Impresa através de um comunicado. A Impresa remeteu informações para os seus Relatórios e Contas, mas não se encontra nenhuma referência ou nota a explicar a operação de compra do seu edifício ao Novo Banco.

    Apesar de ser uma empresa cotada em Bolsa, a Impresa não informou os investidores, através de um comunicado formal, sobre a alteração da propriedade do seu edifício-sede nem sobre o novo empréstimo de longo prazo contratado com o Novo Banco.

    Sobre esta omissão da Impresa, enquanto emitente no mercado de capitais português, e a diferença de actuação face às duas transacções em questão, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) considerou não ser necessário actuar, não impondo a obrigatoriedade de divulgação de ‘Informação Privilegiada’ ao mercado através de um comunicado formal similar ao que foi publicado no site do polícia da Bolsa nacional em 2018 pelo grupo liderado por Balsemão. Um privilégio que nem todos recebem.


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  • Dona do Diário de Notícias está em falência técnica e mentiu ao regulador

    Dona do Diário de Notícias está em falência técnica e mentiu ao regulador

    Ao regulador, e publicamente, a Global Media diz ter ainda capitais próprios positivos, acima de sete milhões de euros, mas nas suas contas consolidadas mostra afinal uma situação de falência técnica, depois de prejuízos no ano passado de mais de sete milhões de euros. Acrescem ainda dívidas ao Estado de nove milhões de euros, que foram ‘ignoradas’ quando o Governo Montenegro decidiu comprar as participações na Lusa detidas por este grupo de media, novamente dominado por Marco Galinha. Com a transmissão recente da exploração de diversos títulos e a venda da TSF a um grupo de empresários liderado por Domingos de Andrade, o cenário da Global Media, que ficou apenas integralmente com o Diário de Notícias, é mais do que sombrio. E o Estado está assim prestes a assumir outro ‘calote’, adicionado ao da Trust in News, o grupo liderado por Luís Delgado, que tem uma dívida fiscal e à Segurança Social de 15 milhões de euros.


    A Global Media – o grupo de media proprietário do Diário de Notícias – está em falência técnica, apesar de ter revelado no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma situação financeira bastante diferente.

    Dominado de novo pelo empresário Marco Galinha, após um conturbado período em que foi dominado por um fundo das Bahamas – que viria a culminar em ameaças de despedimento colectivo e em salários em atraso –, este grupo de media e o seu sócio maioritário, a Páginas Civilizadas, venderam recentemente a sua participação na Agência Lusa ao Estado, bem como diversos títulos, com Jornal de Notícias à cabeça, e a empresa proprietária da TSF a um grupo de investidores. Neste último caso, os montantes envolvidos são desconhecidos, ignorando-se também se os compradores assumiram as dívidas passadas.

    Certo é que, no âmbito da obrigatoriedade de transmissão de indicadores financeiros ao regulador dos media, a Global Media referiu que detinha ainda capitais próprios positivos da ordem dos 7,1 milhões de euros, apesar de um passivo de 46,5 milhões de euros. Eram valores pouco famosos – indiciando que em seis anos perdera mais de 24 milhões de euros de capital –, mas a serem verdadeiros sempre colocava o grupo de media acima da ‘linha de água’. Mas não são. Na verdade, de acordo com o balanço entregue neste mês pela própria Global Media na base de dados das contas anuais, a empresa está em falência técnica, de acordo com as contas consolidadas de 2023, isto é, apresenta um capital próprio negativo. E bem negativo: – 2.022.714 euros.

    Significa assim que desde que Marco Galinha se tornou um accionista relevante no início de 2020 – em que terá adquirido o controlo da Global Media, através da Páginas Civilizadas, que então criou –, este grupo de media acumulou prejuízos de 28,3 milhões de euros. E com os valores negativos do capital próprio no final de 2023, agora revelados pelo PÁGINA UM, os accionistas terão perdido quase 18 milhões de euros face aos valores de 2019. Em simultâneo, os activos definharam: a Global Notícias tinha em 2018 activos no valor de 76,7 milhões de euros; no final do ano passado cifravam-se apenas em 41,4 milhões. Ou seja, sumiram-se mais de 35 milhões de euros em sete anos.

    Os principais indicadores financeiros da Global Media no final do ano passado – portanto, ainda antes das alienações das participações na Lusa e da venda, em contornos desconhecidos, do Jornal de Notícias e da TSF – mostram já uma situação deplorável, mantendo-se, além do mais, uma elevadíssima dívida ao Estado: 8.978.101 euros. Este montante é cerca de 1,1 milhões de euros mais baixo do que em 2022, mas estranhamente, tal como sucede com a Trust in News, a Global Media nunca teve de sofrer o opróbrio de ver o seu nome na lista dos devedores ao Fisco ou à Segurança Social.

    Desde que Marco Galinha assumiu um papel preponderante, a partir de 2020, quase 18 milhões de euros ‘sumiram’ dos capitais próprios da Global Media.

    Apesar desta enorme dívida ao Estado, o Governo de Montenegro terá aceitado entregar grande parte do dinheiro da alienação das participações da Global Media e da Páginas Civilizadas na Agência, que valeriam cerca de 2,5 milhões de euros. Segundo as notícias então veiculadas, apenas uma dívida de cerca de um milhão de euros da Páginas Civilizadas ao Estado foi deduzida, pelo que o valor líquido da operação terá sido de 1.489.933,65 euros. Ou seja, o Governo Montenegro ignorou a dívida da Global Media ao Estado, de quase 9 milhões de euros, e passou-lhe o cheque.

    Além das dívidas ao Estado, a dimensão e tipologia do endividamento da Global Media no final do ano passado são, aliás, aterradoras. Além de empréstimos bancários da ordem dos 6,4 milhões de euros, o grupo de media devia ainda, no final de 2023, quase 9,2 milhões de euros a fornecedores, havendo ainda 9,3 milhões de euros a credores não identificados. Além de provisões e responsabilidade de pagamento de rescisões, que totalizam quase 2,9 milhões de euros, o grupo deve 11,6 milhões de euros aos seus próprios accionistas. O PÁGINA UM sabe que, fora do perímetro de consolidação, a Global Media tem ainda um empréstimo feito pela sua subsidiária de 6,7 milhões de euros, um crédito que, a não ser pago, colocará a empresa de impressão de jornais em maus lençóis.

    O envio de informação falsa ou com lacunas por parte de grupos de media para o Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC, não é novidade, e tem sido reiteradamente detectado pelo PÁGINA UM. Porém, essa é questão que, na aparência, e apesar de revelar um desrespeito pela transparência num sector sensível, não incomoda absolutamente nada o regulador dos media. Instada a informar se já tinha conferido este ano a veracidade da informação financeira transmitida pelos grupos de media de maior dimensão (com uma facturação de, pelo menos, 10 milhões de euros), fonte do regulador presidido por Helena Sousa diz ser “da responsabilidade das entidades que prosseguem atividades de comunicação social o reporte completo e correcto da informação”, indicando que somente faz fiscalização numa “base de amostragem” ou intervém após uma denúncia ou exposição. E relembra ainda “a falta de comunicação ou a comunicação defeituosa dos elementos a reportar à luz deste enquadramento normativo poderão constituir contraordenação grave ou muito grave”.

    Sede da ERC: regulador mostra confrangedora passividade, fiscalizando por amostra e intervindo apenas após denúnicas.

    São, contudo, palavras que não encontram respaldo na realidade. A ERC não emitiu ainda qualquer deliberação com vista à abertura de processos de contra-ordenação por omissão ou falsas declarações ou ocultação de credores e clientes. Há mesmo empresas de media que nunca sequer apresentaram contas no Portal da Transparência e que nunca foram incomodadas pelo regulador.

    O PÁGINA UM colocou questões sobre estas matérias a Marco Galinha, mas não obteve ainda qualquer resposta.


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  • Regulador dos media dá ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos por causa de Marta Temido

    Regulador dos media dá ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos por causa de Marta Temido

    Foi a 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, mas a entrevista na RTP conduzida por José Rodrigues dos Santos à cabeça-de lista do Partido Socialista, Marta Temido, na recente campanha para o Parlamento Europeu, aqueceu muito e o ambiente não ficou nada arejado. E não foi apenas nas redes sociais que se debateu o ‘confronto’: houve três queixas a acabar na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que achou bem criticar o estilo do jornalista da RTP na condução da entrevista. Uma ingerência “intolerável e fascistinha” do regulador, diz o especialista em media Eduardo Cintra Torres, perante a polémica deliberação que foi votada apenas por três dos cinco membros da ERC. A presidente do regulador, Helena Sousa, não participou na aprovação.


    Foi o momento mais mediático da recente campanha eleitoral para o Parlamento Europeu: a entrevista do jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos à cabeça-de-lista do Partido Socialista, Marta Temido, na noite do dia 5 de Junho, acabou azeda, sobretudo pelo ‘confronto’ em redor da “subsidiodependência” de Portugal relativamente aos fundos europeus. No rescaldo, houve quem criticasse a postura do jornalista, outros o comportamento da ex-ministra da Saúde, agora eurodeputada, que se despediu com acrimónia, quando Rodrigues dos Santos agradeceu a sua presença.

    Nos dias seguintes, tanto nas redes sociais como até no Polígrafo, discutiu-se e dissecou-se apaixonadamente este ‘confronto’, e houve três pessoas que se dispuseram a queixar-se à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), acusando José Rodrigues dos Santos de ter feito uma entrevista que era “uma vergonha para a TV pública”, com “perguntas capciosas, baseadas em informações falsas, tom violento, contestando todas as respostas”, agindo com “uma postura agressiva” que ultrapassara “em muito a razoabilidade da educação e boas maneiras”.

    Marta Temido não apreciou entrevista e depediu-se com acrimónia.

    Apesar de não ser nada consensual que o regulador intervenha em matérias do foro editorial, e sobretudo de estilo, certo é que a ERC deu seguimento às queixas e acabou mesmo por aprovar uma deliberação que constitui um ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos. Com efeito, na deliberação aprovada no passado dia 7, mas somente hoje revelada, o Conselho Regulador – sem a presença da sua presidente, Helena Sousa – critica o conhecido pivot da RTP por se ter afastado “do registo de factualidade e das regras de condução da entrevista jornalística”, e que “não foi conferido espaço à entrevistada para expor os seus pontos de vista”. E conclui ainda que “a forma como decorreu a entrevista é susceptível de prejudicar o direito dos telespectadores de serem informados”, em violação do que garante a Constituição.

    A polémica deliberação do regulador – que não detém atribuições para se imiscuir em estilos e abordagens, apesar de ser uma tentação à qual não resiste –, aprovada apenas por três dos cinco membros do Conselho Regulador, “revela uma atitude condenável de interferir na liberdade jornalística”, defende Eduardo Cintra Torres, professor universitário e especialista em media.  Destacando que a deliberação não contraria sequer a argumentação defendida no processo por José Rodrigues dos Santos, Cintra Torres diz também que não é esclarecido “se as queixas contra a entrevista tiveram origem na candidatura eleitoral da entrevistada”.

    Este aspecto não é, aliás, despiciendo, uma vez que as queixas sobre a cobertura mediática no decurso das campanhas por parte de representantes partidárias têm de seguir trâmites, passando primeiro pela Comissão Nacional de Eleições. Cintra Torres, que é também comentador no Correio da Manhã e na CMTV, lamenta ainda que “os membros da ERC que assinam a deliberação, sem experiência jornalística, tomem partido pela pessoa política entrevistada”, quando a função do entrevistador, como foi feito por José Rodrigues dos Santos, foi insistir quando Marta Temido quis fugir às perguntas. “É inacreditável que a ERC se intrometa no modo de realizar entrevistas, para mais falseando a realidade”, defende Cintra Torres, concluindo que este tipo de ingerência “é intolerável e é um toque ‘fascistinha’, contrariando até o caminho seguido, em geral, pelo anterior Conselho Regulador”, e ameaça ser “um regresso aos tempos negros da dupla socratinista Azeredo Lopes-Estrela Serrano”.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social continua na sua senda de criticar mais do que defender jornalistas.

    Sem pretender abordar o caso em concreto, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz ser “incontestavelmente a favor da total liberdade de informação” e que, sem prejuizo de se apreciar ou não estilos, “não cabe ao regulador apreciar a condução de uma entrevista”.

    O PÁGINA UM está a tentar, ainda sem sucesso, uma reacção de José Rodrigues dos Santos. Em todo o caso, no processo levantado pelo regulador dos media, o jornalista da RTP argumentou que “não houve nenhuma acção para impedir a entrevistada de prestar esclarecimentos quando ela estava a responder efetivamente às perguntas nem qualquer ‘tom violento’ e ‘agressão’, a não ser que se defina os repiques como agressões”.

    Rodrigues dos Santos sublinhou ainda que os “repiques nestas entrevistas constituíram um esforço para impedir respostas evasivas a perguntas concretas, e também um esforço para obter respostas factualmente verdadeiras ou que não induzissem em erro”, sustentando ainda que “as entrevistas com políticos tendem a ter uma natureza confrontacional porque o entrevistador procura assumir-se como “advogado do diabo“.

    Contudo, para a ERC, aparentemente, por esta deliberação, o jornalista deve pensar agora sempre duas vezes antes de perguntar ou escrever algo que possa resultar numa queixa, que em seguida culmina num ‘puxão de orelhas’ do (atento) regulador.

    N.D. Acrescentado, às 21h00 de 22/08/2024, o comentário de Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas.


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  • Parecer jurídico integral sobre processo disciplinar contra Pedro Almeida Vieira

    Parecer jurídico integral sobre processo disciplinar contra Pedro Almeida Vieira


    O PÁGINA UM pediu um parecer jurídico ao Professor Doutor José Melo Alexandrino em consequência da acusação do Secretariado da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), após a abertura de processo disciplinar aberto pelo Secretariado da mesma CCPJ no decurso de uma queixa de Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, por notícias publicadas no PÁGINA UM sobre as suas actividades como membro da task force da vacinação contra a covid-19, e quando em simultâneo ocupava funções de Adjunto para o Planeamento e Coordenação no Estado-Maior-General das Forças Armadas.

    Recomendamos a leitura integral do parecer do Professor José Melo Alexandrino, que pode ser acedido AQUI.

    Para descarregar a “Ata da Secção Disciplinar” e o “Relatório”, de 22 de Julho de 2024, subscrito pelo Relator Miguel Alexandre Ganhão, membro da Secção Disciplinar da CCPJ, aceda AQUI.

    Para ler (ou recordar a notícia do PÁGINA UM em causa), intitulada “Gouveia e Melo ‘mercadejou’ administração de vacinas a médicos não-prioritários uma semana após tomar posse na task force”, aceda AQUI.

    Os comentários de Pedro Almeida Vieira sobre este assunto e sobretudo sobre as absurdas falhas da instrução do processo disciplinar da CCPJ podem ser lidas no Editorial desta edição quinzenal, AQUI.


  • Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

    Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

    De entre os nove maiores grupos de media em Portugal com títulos da imprensa escrita, segundo uma análise financeira do PÁGINA UM, apenas duas (Medialivre e Impresa Publishing) apresentaram lucros em 2023, mas somente o grupo que tem Cristiano Ronaldo como accionista mostra uma situação financeira saudável. De resto, a tónica destes grupos de media é a acumulação imparável de resultados negativos, havendo mesmo quatro em falência técnica (Swipe, Trust in News, Media9Par e Newsplex). A hecatombe não é maior porque, por exemplo, nos casos do Público (que acumula 24,2 milhões de euros de prejuízos desde 2017) e do Observador (prejuízos acumulados de 11,3 milhões de euros), os accionistas têm tapado os ‘buracos’. A crise neste sector não é uma surpresa, derivando de diversos factores, incluindo a ‘concorrência’ das grandes plataformas digitais na captação de publicidade e a mudança dos hábitos de leitura, embora a crescente quebra de credibilidade e a promiscuidade com o poder político e económico não ajudem.


    O cheiro a papel, a tinta que sobra para os dedos, os anúncios, as ‘gordas’, as palavras cruzadas têm lugar na era do pixel, do clique, do Chat GPT, e dos textos escritos por máquinas? Nesta era de acelerada transformação para um mundo digital, o sector da imprensa escrita em Portugal enfrenta uma crise longa e definha a olhos vistos. Um levantamento do PÁGINA UM, que analisou as contas dos maiores grupos da imprensa escrita, tanto impressa como digital, nos últimos oito anos, encontrou um cenário negro, com prejuízos sucessivos e até falências técnicas, com empresas já com a ‘corda no pescoço’ e outras em processo de desmantelamento.

    Neste cenário de decadência e ‘cheiro’ a fim dos dias, poucos se ‘salvam’ e ainda menos vivem desafogados. A excepção é, na verdade, Medialivre, dona do Correio da Manhã, da revista Sábado e do desportivo Record (e também dos canais televisivos CMTV e Now), que está para a imprensa em Portugal como Cristiano Ronaldo, seu accionista, está para o mundo do futebol: marca ‘golos’, acumulando lucros todos os anos. Mas ‘Ronaldos’ não há muitos e este grupo é um dos poucos na imprensa nacional com um registo de lucros sustentáveis, ao longo dos anos num sector em crise. De facto, na análise do PÁGINA UM, apenas três grupos registaram lucros em 2023. A Medialivre, que também detém a CMTV, destaca-se com um lucro de 7,2 milhões de euros no ano passado. Em oito anos, a empresa, antes conhecida como Cofina Média, registou lucros totais de 50 milhões de euros, o que se mostra excelente neste sector.

    A maioria dos grupos de imprensa está preso por ‘fios’, acumulando prejuízos atrás de prejuízos. Três terminaram o ano passado em situação de falência técnica, um deu início a um PER e outro foi desmantelado. (Foto: PÁGINA UM)

    Também a dona do Expresso, a Impresa Publishing, tem conseguido apresentar um resultado líquido positivo nos últimos anos, com o ano de 2023 a fechar com um lucro de 1,478 milhões de euros. Mas este desempenho tem uma explicação pragmática: em 2018 livrou-se ‘milagrosamente’ de um ‘pedregulho no sapato’: o tóxico portfólio de revistas, encabeçado pela Visão, que ‘chutou’ para uma empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, com um capital social de apenas 10 mil euros. Um negócio ainda hoje está muitíssimo mal explicado, e que está a dar um fenomenal calote de cerca de 15 milhões de euros ao Estado e outro tanto a outros credores. Mas já vamos à Trust in News.

    Hoje, a ‘divisão’ de imprensa escrita do Grupo Impresa, fundado por Pinto Balsemão, com o Expresso à cabeça, tem um passivo de ‘apenas’ 10,1 milhões de euros, quando em 2017 essa rubrica contabilizava um valor na ordem dos 30 milhões de euros. Transferida a ‘Impresa má’ para a Trust in News, já sem ónus e muitos encargos insuportáveis, ficou o caminho livre para a dona do Expresso registar lucros. Já a actual dona das revistas Visão e Exame, Trust in News, iniciou este ano um Processo Especial de Revitalização (PER), cujo desfecho ainda se aguarda.

    Com a excepção destes dois casos, de empresas com lucros em 2023, os restantes maiores grupos fecharam o exercício abaixo da ‘linha de água’. À cabeça, a Global Notícias, dona do Diário de Notícias, que apresentou um prejuízo 7,284 milhões de euros. O grupo, que detém também a rádio TSF, tem registado prejuízos sucessivos, que totalizam quase 50 milhões de euros em oito anos. O passivo da Global Notícias estava no final de 2023 nos 46,5 milhões de euros, quando em 2017 se situava nos 66,9 milhões de euros. Mas o activo, num processo de ‘vampirização’, caiu para metade, de 98,3 milhões de euros para 53,6 milhões de euros no fim do exercício passado. Quanto aos capitais próprios, sofreram uma redução de dois terços: passaram de 31,4 milhões de euros em 2017, para 7,2 milhões de euros no ano passado. Entretanto, o grupo foi já desmantelado, com a Notícias Ilimitadas de Marco Galinha a ficar com a ‘galinha dos ovos de ouro’ do grupo – o Jornal de Notícias –, além de engolir também outros títulos e a rádio TSF.

    Apesar de estar inserido num gigante, que é a Sonae, e de beneficiar da rede de distribuição e pontos de venda que incluem os supermercados Continente e demais lojas do grupo, o jornal Público registou em 2023 um dos maiores prejuízos de, pelo menos, os últimos oito anos. (Foto: PÁGINA UM)

    Ao descalabro da Global Notícias, segue-se um histórico prejuízo do jornal Público, que em 2023 fechou o ano com o pior resultado líquido de, pelo menos, os últimos oito anos, a atender aos dados do Portal de Transparência dos Media. De resto, o jornal do grupo Sonae tem um problema de prejuízos crónicos. Em 2023, o jornal fechou o ano com um prejuízo de 4,5 milhões de euros. Em 2022, o jornal tinha registado um prejuízo de 2,1 milhões de euros. Somado desde 2017, o Público deu um prejuízo acumulado de 24,2 milhões de euros, mesmo (ou por causa) das constantes promiscuidades entre informação e marketing empresarial por via de parcerias. Não se vislumbra uma melhoria da situação para o jornal, que se ‘aguenta’ por estar sustentado num dos maiores grupos empresariais do país e que lhe garante a ‘banca’ gigantesca que é a rede de lojas e supermercados da dona do Continente, com campanhas de assinatura que incluem desconto ‘em cartão’ da principal marca da Sonae.

    Também no ‘vermelho’, e muito, está a dona do Observador, a Observador Ontime, que, tal como o Público, tem a ‘sorte’ de contar com accionistas ‘generosos’, que têm efectuado injecções de capital na sociedade. O maior accionista, com 55% do capital, é a Amaral Y Hijas Holding, de Luís Amaral, dono da empresa de distribuição polaca Eurocash, seguido da Orientempo (com 7,69%), que tem o gestor António Carrapatoso como accionista de referência. São ainda accionistas de referência empresas ligadas a nomes como Alexandre Relvas, Filipe de Botton, João Talone, António Champalimaud e Carlos Moreira da Silva, entre outros.

    Em 2023, a Observador Ontime fechou o ano com prejuízos de quase 1,3 milhões de euros, mas isso é o ‘normal’: os prejuízos acumulados atingem já os 11,3 milhões de euros desde a sua criação. O passivo da empresa mais do que duplicou desde 2017, situando-se agora nos 2,5 milhões de euros. Mas, além de encontrar apoio nos seus accionistas famosos, a empresa conta ainda com o apoio dos seus principais credores: a Caixa Geral de Depósitos, com cerca de 30% do passivo, e o BCP, com 11%.

    O momento em que a Impresa passou os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa para a empresa unipessoal de Luís Delgado, que apesar do ‘calote’ que deu ao grupo liderado por Francisco Balsemão continua a ser comentador na SIC. Hoje, a Impresa Publishing apresenta lucros. Já a empresa de Delgado iniciou um PER e está ‘por um fio’ e o empresário arrisca ser condenado na Justiça, já que além de não ter pago contribuições dos trabalhadores à Segurança Social, também deve ao Fisco, nomeadamente pagamentos de IVA. (Foto: D.R.)

    De notar, que os resultados de 2023 da Observador Ontime não constam ainda do Portal da Transparência dos media, como é obrigatório. Desconhece-se se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já deu um ‘puxão de orelhas’ à empresa devido a este atraso na divulgação de informação financeira ao público.

    Quanto à Media9Par, dona do Jornal Económico e da Forbes, também está em ‘maus-lençóis’. Além do prejuízo ter piorado, passando de 412 mil euros em 2022 para 1,925 milhões de euros no ano passado, a empresa viu os seus capitais próprios descerem de 517 mil euros para o valor negativo de 1,079 milhões de euros, sinalizando estar em falência técnica.  O passivo da empresa do Emerald Group, do ‘misterioso’ empresário angolano N’Gunu Tiny – que é também accionista do Polígrafo –, mais do que duplicou, de 1,439 milhões de euros para 3,932 milhões de euros.  

    Outra empresa do sector da imprensa escrita, neste caso exclusivamente digital, a fechar o ano passado com prejuízos foi a Swipe News, dona do Eco, que registou um resultado líquido negativo de 235 mil euros. E isto depois de sucessivos anos sucessivos de prejuízos. Esta empresa de média – detida em 79% por empresários e empresas, incluindo a Amorim SGPS e a Valens Private Equity, de Mário Ferreira, principal accionista da TVI – não tem grandes motivos para festejar, pois tem capitais próprios negativos de 1,6 milhões de euros, o que não abona a favor de quem aborda sobretudo temas económicos. Além disso, registou um passivo de 2,6 milhões de euros, quando há oito anos, em 2017, o valor estava nos 375 mil euros. Entretanto, em Março deste ano, os accionistas abriram os cordões à bolsa com um aumento de capital de 1.302.647 euros para 3.211.397 euros. Aparentemente, vão ter de injectar mais.

    Outro grupo que registou uma deterioração dos resultados foi a Newsplex, dona do Nascer do Sol, que no ano passado viu os prejuízos aumentar de 474 mil euros para 574 mil euros. Os capitais próprios foram negativos, em 1,628 milhões de euros, e o grupo apresentava, no final de 2023, dívidas à Segurança Social (738 mil euros) e ao Fisco (398 mil euros).

    Mas estas dívidas ao Estado são ‘peanuts‘, quando comparadas com a situação da sua vizinha no Taguspark, a Trust in News, que está a dever mais de 15 milhões de euros aos contribuintes. O prejuízo da empresa que detém a Visão até nem foi tão elevado quanto o de outros grupos, já que a sociedade unipessoal do comentador e empresário Luís Delgado fechou 2023 com um resultado líquido negativo de 116 mil euros. O problema é mesmo os mais de 30 milhões de euros de passivo.

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    A incógnita permanece: como é que uma empresa com um capital social de apenas 10.000 euros conseguiu acumular uma dívida desta dimensão, ainda para mais, quando o maior credor é o Estado, mais concretamente a Segurança Social e o Fisco. Além disso, pela lista de credores do PER, a empresa deixou um longo rasto de dívidas a todo o tipo de fornecedores e também a trabalhadores. Do que não se duvida é que o acumular de dívidas aos cofres públicos só foi possível com ‘carimbo’ político, do Governo.

    Só falta saber se a factura do descalabro deste grupo e de outras empresas do sector da imprensa vai acabar por suportada pelos bolsos dos contribuintes, que, mesmo que não queiram ser leitores e assinantes das publicações, arriscam tornar-se apoiantes à força destes meios de comunicação social dos media mainstream. Os mesmos media que estão, por sua vez, cada vez mais reféns e dependentes de accionistas ‘generosos’ e de promíscuas parcerias comerciais que encomendam o funeral à ética jornalística, a troco da sobrevivência a prazo dos maiores donos da imprensa em Portugal.

    N.D.: A Swipe News começou por apresentar no Portal da Transparência dos Media um lucro no ano passado de cerca de 235 mil euros, que acabou por corrigir para valor negativo (prejuízo). O PÁGINA UM somente detectou essa correcção em 11 de Setembro de 2024, refazendo essa parte da notícia original.


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  • Cinco anos de prejuízos: TVI e CNN Portugal não saem do ‘buraco financeiro’

    Cinco anos de prejuízos: TVI e CNN Portugal não saem do ‘buraco financeiro’

    Longe vão os tempos em que a empresa gestora da TVI (e agora da CNN Portugal) nadava em lucros. Nos últimos cinco anos, as contas da TVI S.A., do Grupo Media Capital, têm estado sempre no vermelho, com prejuízos acumulados que já ultrapassam os 26 milhões de euros desde 2019. Mas não têm sido apenas questões de negócios que afectam os resultados dos canais televisivos: a Media Capital, através da Meglo, optou por uma gestão de ‘vampirização’ da TVI S.A.: empresta-lhe dinheiro, mas depois cobra-lhe juros elevados. Apenas nos últimos dois anos, este estratagema fez com que a Media Capital recebesse mais de 4,3 milhões de euros em juros da sua ‘filha’ TVI. Se não há dividendos, por não haver lucros, ‘saca-se’ em juros. O problema desta estratégia não é só de gestão amoral; está a criar-se uma crise financeira artificial na TVI e CNN Portugal – em seis anos, o passivo aumentou 35 milhões de euros e o capital próprio ‘encurtou’ 47 milhões –, talvez aguardando depois pelas (pré-anunciadas) salvíficas ajudas do Estado.


    Apesar de se anunciar como líder, a empresa gestora dos canais televisivos TVI e CNN Portugal não descola dos prejuízos. De acordo com o Portal da Transparência dos Media, a TVI-Televisão Independente S.A., a subsidiária da Media Capital, apresentou no ano passado, pelo quinto ano consecutivo, resultados líquidos negativos, também muito por força do endividamento crescente.

    Tem de se recuar aos idos de 2018 para se encontrar o último ano desta empresa com lucros. E foram então bastante razoáveis. Com rendimentos de cerca de 151,2 milhões de euros, a TVI S.A. apresentou resultados líquidos positivos em 2018 da ordem dos 27,7 milhões de euros. Esses lucros foram entretanto ‘derretidos’ à medida que se foi instalando a crise na comunicação social mainstream e a fuga para a frente causou um endividamento colossal.

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    Por exemplo, se o passivo em 2017 rondava os 56,4 milhões de euros, no final do ano passado saltara já para os 91,6 milhões de euros. Ao invés, o activo mingou, passando de 111,4 milhões para 98,9 milhões de euros entre 2017 e 2023. Deste montante, 66,6 milhões de euros são referentes a direitos de transmissão de programas de televisão – ou seja, de pouca utilidade imediata para pagar contas.

    Noutra perspectiva, significa que os cerca de 47,5 milhões de euros do capital próprio da empresa TVI S.A. despareceram à conta dos sucessivos prejuízos, grande parte dos quais agravados pelo serviço da dívida, incluindo pagamento de juros a empresas da holding da Media Capital.

    Segundo os elementos financeiros do Portal gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o descalabro financeiro da TVI S.A. começou em 2019 com prejuízos um pouco abaixo de um milhão de euros (963 mil euros). No ano seguinte, mesmo com a pandemia que trouxe receitas extraordinárias do Estado, a dona da TVI teve resultados desastrosos: prejuízos de 7,3 milhões de euros. Em 2021, a TVI S.A. apostou forte na criação da marca CNN Portugal, um ‘sucedâneo’ ao estilo de franchise do canal norte-americano, e os prejuízos continuaram, desta vez em 7,1 milhões de euros. Nesse ano, a TVI tentou obter uma autorização de confidencialidade dos elementos financeiros, situação denunciada pelo PÁGINA UM, e a ERC acabou por obrigar a empresa a revelar mesmo os seus prejuízos.

    Em 2022, o efeito CNN Portugal mais não fez do que afundar ainda mais as contas: o prejuízo atingiu os 9,3 milhões de euros, que se ‘atenuaram’ no ano passado para 1,4 milhões de euros.

    O canal televisivo TVI celebrou o seu 31º aniversário em Fevereiro passado. Já as contas da TVI S.A. são ‘um 31’. Fonte: DR

    Mas mais do que estes sucessivos prejuízos, que totalizam 26,1 milhões de euros, a evolução de diversos indicadores financeiros mostram-se assustadores. Por exemplo, a autonomia financeira da TVI S.A. – que compara o capital próprio com os activos – desceu de 49,3% em 2017 para apenas 7,4% no ano passado. Quando a empresa está em falência técnica, esta percentagem é virtualmente negativa. No caso da solvabilidade geral – que confronta o capital próprio com o passivo, dando assim indicações de quem é o dono –, passou-se de 97,3% em 2017 para apenas 8,0% em 2017.

    Em todo o caso, segundo a análise do PÁGINA UM às contas da TVI S.A., o endividamento a instituições bancárias nem sequer é muito elevado: não chega sequer a 2 milhões de euros. Na verdade, os maiores financiadores têm sido as próprias empresas do Grupo Media Capital, que no balanço de 2023 surge como empréstimos de accionistas num valor acima de 27,2 milhões de euros. Esse crédito será inteiramente detido pela Meglo-Media Global, a empresa da Media Capital que formalmente é detida pela Media Capital. Mas este empréstimo é remunerado – aliás, aparentemente muito bem remunerado.

    Com efeito, na demonstração de resultados, a TVI S.A. até mostra que teve em 2023 resultados positivos antes dos encargos de financiamento, mas acabou por ter prejuízos depois de pagar quase 3,06 milhões de euros de juros e gastos similares. Ora, como cerca de 92% da dívida por empréstimos é à accionista Meglo, uma subsidiária da holding Media Capital, a TVI S.A. pagou assim, ao longo de 2023, um total de 2.422.800 euros em juros à casa-mãe.

    No ano anterior, conforme se destaca no próprio relatório e contas de 2023, a TVI S.A. entregara já 1.929.679 euros à Meglo apenas em juros. Ou seja, em dois anos, a Media Capital ‘sacou’ mais de 4,3 milhões de euros em juros de uma ‘empresa-filha’ que deu sempre prejuízo. Ou seja, agravou ainda mais a situação financeira em período de crise.

    Embora este estratagema de gestão equilibre as contas (no curto prazo) da Media Capital, este processo de ‘vampirização’ (em que a holding descapitaliza as subsidiárias) traz, geralmente, maus resultados a médio prazo, neste caso colocando a TVI S.A. no caminho da falência técnica.


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  • ERC ‘puxa orelhas’ à TVI por promover ‘jovem milionário’ das cripto

    ERC ‘puxa orelhas’ à TVI por promover ‘jovem milionário’ das cripto

    Mais de um ano depois da polémica que gerou uma onda de contestação, sobretudo no mercado regulado das criptomoedas, o regulador dos media tornou público um ‘puxão de orelhas’ à TVI por ter transmitido uma reportagem da jornalista Conceição Queiroz sobre um suposto ‘jovem milionário’ português a residir no Dubai. Em causa está uma longa peça televisiva transmitida no dia 21 de Junho de 2023, em horário nobre, a promover os negócios de Renato Duarte Junior, apresentado como “o milionário improvável’ por via da sua ‘empresa de investimentos’, dbl.pt. Na sequência de várias queixas, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deixa agora fortes críticas à TVI por não ter sequer confirmado o perfil e legalidade das actividades do ‘jovem milionário’ e por ter apenas promovido um (alegado) estilo de vida luxuoso, susceptível de ludibriar os telespectadores mais ingénuos e sem literacia financeira. A ERC instou ainda a TVI a acrescentar um aviso na reportagem, no seu site, algo que ainda não sucedeu. Aliás, a estação de televisão de Queluz nem se dignou a responder a um ofício da ERC em Julho de 2023 para justificar este trabalho jornalístico. Subsistem ainda dúvidas sobre se a TVI recebeu contrapartidas financeiras para emitir a reportagem e se a jornalista e outros colaboradores da estação beneficiaram de viagens e estadia pagas pelo ‘jovem milionário’ ou pela sua suposta empresa. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista nunca se pronunciou sobre este assunto.


    Em sete pontos, o regulador dos media repreendeu a TVI por uma polémica reportagem que promoveu um ‘jovem milionário’ das criptomoedas a viver uma suposta vida de luxo no Dubai e que, através da empresa dbl.pt (Digital Bank Labs), prometia lucros enormes, mas sem que fossem apresentadas quaisquer provas sobre a veracidade e legalidade dos seus negócios. Numa deliberação aprovada a 29 de Maio, mas só ontem tornada pública, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deixa fortes críticas à estação de televisão de Queluz por não ter confirmado as afirmações do ‘jovem milionário’ e pela “falta de rigor informativo”.

    Em causa está a reportagem da jornalista Conceição Queiroz (CP 7851) que, em cenários luxuosos e idílicos gravados no Dubai, apresentava Renato Duarte Júnior (Silvério Renato Carneiro Duarte), o milionário improvável’, rodeado de fausto. A reportagem foi transmitida em 21 de Junho de 2023 em horário nobre e gerou uma onda de contestação na Internet pelo carácter duvidoso das informações veiculadas pela reportagem, incluindo do próprio sector regulado do sector das criptoactivos.

    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    Como noticiou o PÁGINA UM, em primeira mão em Junho do ano passado, vários reguladores emitiram, na altura, alertas na sequência da reportagem. O caso ficou rapidamente na mira da ERC dada a polémica que gerou. O Banco de Portugal emitiu um aviso aos investidores de que a empresa mencionada na reportagem e o suposto milionário não estavam autorizados a exercer qualquer actividade financeira em Portugal. A FACE – Federação Portuguesa das Associações da Cripto Economia revelou ao PÁGINA UM que considerava a reportagem ‘perniciosa’ e deixou um alerta. Também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários avisou que a suposta empresa dbl.pt não estava autorizada a operar em Portugal (na sua deliberação, a ERC cita o Jornal Económico como fonte deste aviso da CMVM, apesar de ter sido divulgado primeiro no PÁGINA UM).

    Na sua deliberação, a ERC sintetiza as participações de cerca de uma dezena de queixosos, e decidiu “instar a TVI a associar ao conteúdo disponível online uma advertência para os aspetos problemáticos identificados pelos vários reguladores”, o que a estação ainda não fez, apesar de terem passado dois meses desde a aprovação da deliberação do regulador.

    Para a ERC, “a peça não cumpre o dever de identificação de fontes relativamente a diversas informações” e considerou que “não foi cumprido o dever de rigor informativo inerente à prática jornalística e exigível aos órgãos de comunicação social”.

    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    Também criticou o facto de na reportagem ser apresentado “um estilo de vida, um modo de enriquecer e o discurso do seu protagonista, sem a problematização, o sentido crítico, a contextualização e o esclarecimento através de fontes fidedignas que sempre devem acompanhar a difusão destes temas pela comunicação social, mas especialmente devidos em conteúdos apresentados como informativos”.

    O regulador lamentou ainda que, com a reportagem, se prescindiu “de contribuir para a literacia
    financeira dos públicos, num contexto em que a desproteção dos mesmos e o tom promocional e apelativo do conteúdo o tornava adequado e especialmente necessário”.

    A ERC deliberou ainda instar “a TVI ao cumprimento, no futuro, da obrigação de assegurar o rigor e
    isenção da informação que difunde e da obrigação de observar uma adequada ética de antena” e de sensibilizar a estação para a “necessidade de limitar a proeminência da reportagem nas suas plataformas digitais, tendo em conta as críticas dos vários reguladores e o impacto que a reportagem pode ter nos cidadãos”.

    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    A ERC não divulga o número exacto de queixas que recebeu na sequência da emissão da reportagem da TVI, mas cita vários argumentos de telespectadores desagradados com o trabalho jornalístico. Entre as queixas, contam-se acusações de “incongruência” em afirmações de Renato Júnior e a ausência de confirmação da veracidade de muitos dos dados apresentados como ‘factos’.

    Uma das participações que chegou à ERC afirmava que a reportagem da TVI “tem como objetivo principal promover e publicitar um esquema em pirâmide de criptomoedas, com o claro intuito de atrair mais vítimas”. Segundo a participação, a peça “apresenta diversas informações falsas, com o propósito de enganar os telespectadores e incentivá-los a investir neste esquema fraudulento”, tais como “as garantias de retorno de 40% ao ano” e os “ganhos de 18 mil euros por segundo, que (…) representariam cerca de 567 mil milhões de euros por ano, mais do que os lucros combinados da Apple, Google, Microsoft, Amazon, Tesla, Nvidia, Intel, Netflix e Disney, e aproximadamente o dobro do PIB de Portugal”.

    “Tudo o que é mostrado pelo suposto investidor é a ostentação que vive, não mostra a empresa, não mostra qualquer infraestrutura da empresa que supostamente também faz mineração (de criptomoedas)”, apontou um dos telespectadores na sua queixa ao regulador. Outro queixoso considerou ser “escandaloso a TVI promover a empresa dum indivíduo que, sem sombra de dúvidas, exerce uma atividade criminosa”.

    A reportagem foi conduzida pela jornalista Conceição Queiroz (CP 7851) que chega a aparecer nas imagens num aparente cenário de luxo, a fazer uma entrevista num iate. Ao longo da reportagem, a jornalista mostra-se deslumbrada e aparenta desconhecer o modo de funcionamento do sector das criptomoedas. (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI).

    Outra participação mencionava tratar-se de “uma reportagem sobre uma pessoa, alegadamente milionária” que “alega ter lucros de 18.000 por segundo, e vangloriou-se da quantidade de dinheiro que fazia, e da vida que levava, no Dubai”. Alertava ainda que a “reportagem não mostra nada da vida profissional desta pessoa, focando-se na publicidade ao lucro e à vida de luxo, com a reportagem cheia de imagens de iates, joias e roupas de marca”, sem apresentar “nada que corroborasse a empresa ou a pessoa entrevistada”.

    Para o mesmo queixoso, a reportagem “pareceu um spot publicitário”, salientando que “[p]essoas na internet fazem peças com melhor fundamentação que isto”. O mesmo autor da participação à ERC, afirmou que “o discurso e as promessas são características de entidade relacionadas a burlas com criptocurrency” e que a “reportagem deu a conhecer promessas alucinantes e não justificadas a milhares de pessoas com pouca ou nenhuma literacia financeira”.

    Na sua análise, o regulador dos media sugere ter havido amadorismo na elaboração da reportagem. “O caso em análise é eloquente quanto à necessidade de evidenciar a diferença de paradigma que deve existir entre, por um lado, os conteúdos oferecidos pelos órgãos de comunicação social, em especial os de natureza informativa, necessariamente marcados pela insubstituível intermediação crítica especializada do profissional jornalista e, por outro, os demais conteúdos audiovisuais criados por entusiastas, autodidatas ou quaisquer pessoas que não jornalistas, incluindo para fins promocionais, que a cada vez maior acessibilidade das tecnologias de informação e comunicação tem permitido banalizar”, afirmou na deliberação.

    Diz ainda que “ao tratar o tema com tal ligeireza, de forma superficial e incompleta, a peça não
    contribui para a literacia financeira dos públicos, ao contrário do que o tema recomendaria e a responsabilidade social dos órgãos de comunicação social impõe”.

    A TVI não respondeu ao ofício enviado pela ERC em 18 de Julho de 2023. A estação de televisão também não adicionou ainda nenhum aviso na reportagem que ainda pode ser visualizada no seu site.

    Mas, o que é certo, é que o risco de haver ‘vítimas’ desta reportagem “continua a produzir-se de forma continuada, dado que a peça em causa continua disponível, sem qualquer indicação adicional, em páginas electrónicas da TVI” e sem qualquer aviso, como pediu a ERC na sua deliberação.

    Resta saber se o regulador vai ter uma mão mais pesada e se vai actuar para levar a TVI a acrescentar uma advertência ao público na reportagem disponível no seu site na Internet.

    Entre as dúvidas que persistem está a questão se a TVI recebeu alguma contrapartida para fazer e emitir a reportagem e se a jornalista Conceição Queiroz e outros colaboradores da TVI beneficiaram de viagens e estadia pagas pelo ‘jovem milionário’ ou a dbl.pt. O PÁGINA UM colocou estas questões à TVI aquando da polémica, em meados do ano passado, mas até hoje nunca recebeu qualquer resposta.


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  • ERC quer ‘escurecer’ Lei da Transparência dos Media

    ERC quer ‘escurecer’ Lei da Transparência dos Media

    Confidencialidade ‘ad hoc’ sobre os acordos parassociais, redução das entidades com obrigatoriedade de revelarem dados financeiros, expurgo eventual de informação sobre o governo societário e redução substancial de coimas, e mesmo a sua suspensão – eis a ‘resposta’ do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) para enfrentar a crise na imprensa portuguesa. A proposta de revisão da Lei da Transparência dos Media – uma legislação que, desde 2015 exige a revelação de informação essencial para perceber quem (e como) está a comunicação social -, apresentada este mês pelo regulador ao Governo e à Assembleia da República, ‘mutila’ diversos princípios de transparência e abre portas para a criação de modelos pouco ortodoxos de financiamento, através, por exemplo, de acordos parassociais a classificar como confidenciais. Com esse expediente, criam-se as condições para esconder do público quem são os ‘decisores’ efectivos de uma empresa de media, podendo os detentores do capital social serem meros ‘testas de ferro’, sobretudo em casos de ‘descapitalização’ ou falência técnica. Num período crítico para o Jornalismo, esta proposta do regulador é uma autêntica caixa de Pandora, de onde pode sair, efectivamente, todas as desgraças – se é que as já existentes não são suficientes.


    A resposta do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) à crise financeira e de valores da imprensa é ‘escurecer’ ainda mais já pouco respeitada Lei da Transparência dos Media, aprovada em 2015. A proposta de revisão desta legislação enviada este mês pelo regulador para a Assembleia da República e o Ministério dos Assuntos Parlamentares – sob a forma de deliberação assumida no passado dia 2 pelo órgão presidido por Helena Sousa – integra um autêntico repositório de alterações e subtracções das obrigações das empresas de media em termos de identificação dos titulares directos e indirectos dos órgãos de comunicação social, bem como um aligeiramento das penalizações em caso de não indicação (ou lacunas e erros) de indicadores financeiros.

    Uma das alterações mais relevantes com impacte futuro – por poder vir a ser explorada por grupos de media que pretendam esconder quem verdadeiramente os domina – é a possibilidade de acordos parassociais que visem adquirir, manter ou reforçar uma participação qualificada passarem a ser confidenciais se a ERC assim o determinar, impedindo assim o acesso por terceiros. Ou seja, uma Lei da Transparência dos Media passa a ser isso apenas por denominação.

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    Até agora, na actual legislação, uma empresa de media que estabelecesse um acordo parassocial teria de o enviar à ERC para ser analisado, podendo ser ou não publicitado por decisão do regulador. Porém, pela lei do acesso aos documentos administrativos seria sempre possível aceder aos textos, mesmo que eventualmente expurgados de matérias relacionadas com segredo comercial. Por exemplo, recentemente a ERC analisou um acordo parassocial da Medialivre e da sua holding – que controlam o Correio da Manhão, a CMTV e a Now –, tendo decidido não ser necessária a sua divulgação. Porém, em muitos casos, as decisões do regulador têm-se mostrado políticas, pelo que, por agora, se mostra possível legalmente requerer o acesso particular aos documentos, algo que deixará de ser possível se o novo articulado for aprovado.

    Esta questão não é de somenos importância. Os acordos parassociais são contratos celebrados por sócios (ou accionistas) de uma sociedade, com a eventual inclusão de terceiros, onde eventualmente se estabelece, por exemplo, condições de investimento ou compra ou aumentos de participações em função de determinados critérios ou objectivos. Na prática, os acordos parassociais podem, no limite, esconder os verdadeiros ‘donos’ de uma empresa de media, funcionando os sócios conhecidos como ‘testas de ferro’. Actualmente, começam a surgir um cada vez maior interesse de fundos de investimento, ou outras entidades, em influenciar os negócios dos media sem ser através da entrada no capital social, mas sim por via de empréstimos obrigacionistas.

    Regra geral, as obrigações não dão direito ao financiador de se imiscuir na gestão, excepto, claro, se houver um acordo parassocial que o determine ou que, por exemplo, seja acordado a possibilidade de conversão das obrigações em acções ou quotas (obrigações convertíveis). Essa possibilidade – ou perigo – ainda é maior em empresas de media descapitalizadas ou mesmo com capitais próprios negativos (falência técnica). Por isso, conceder apenas o controlo à ERC nesta matéria, tornando potencialmente secretos todos os acordos parassociais, constituirá um recuo clamoroso na transparência dos media.

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    Não é apenas neste aspecto que a ERC ‘convida’ as empresas de media a tornarem-se menos transparentes. Sobre o relatório do governo societário (ou organizacional, na proposta da ERC) – que passa a ficar restrito às empresas com mais de 10 empregados (o que, neste caso, retira a obrigatoriedade de a empresa gestora do PÁGINA UM de o enviar anualmente) –, o regulador também propõe uma alteração que promove o obscurantismo: o acesso pode ser restrito alegando-se “a protecção de dados pessoais ao abrigo do Regulamento Geral sobre a Protecção de Dados”. Este tem sido, aliás, um argumento ‘estafado’, usado por outras entidades públicas, para apagarem até nomes, sabendo-se que esse regulamento define como dados pessoas a proteger apenas aqueles elementos que digam respeito à intimidade, designadamente dados de saúde, de orientação sexual, de religião e de associação. Ou seja, não abrange a reserva de nome nem outros elementos previstos nesse relatório.

    Outro aspecto polémico da proposta do Conselho Regulador da ERC é a possibilidade isenção do cumprimento das normas de transparência sobre os meios de financiamento e o relatório organizacional por parte das “entidades que prossigam actividades de comunicação social a título acessório, em que a actividade de comunicação social tenha comprovadamente um peso diminuto nos rendimentos e um alcance residual ao nível das audiências”. A ERC não determina o que é “um peso diminuto nos rendimentos” nem “um alcance residual ao nível das audiências”, mas claramente esta norma, a passar, isentará os partidos políticos, diversas instituições religiosas, sindicatos e associações.

    Por fim, ‘a cereja no topo do bolo’ diz respeito às penalidades previstas numa lei sistematicamente desrespeitada nas ‘barbas’ do regulador. Desde o ano passado, o PÁGINA UM detectou erros, alguns intencionais, ou omissões de grande relevância financeira na Global Media, na Trust in News, na Inevitável e Fundamental (Polígrafo), na Parem as Máquinas (do semanário Tal&Qual) e no Observador On Time. Muitos outros casos de incumprimento generalizado são evidentes, mesmo em projectos jornalísticos considerados independentes e alternativos.

    Ora, a proposta do Conselho Regulador é de baixar de forma significativa as coimas. Por exemplo, as contra-ordenações muitos graves que são puníveis com coimas de 5.000 a 25.000 euros quando praticadas por pessoa singular, e de 50.000 a 250.000 euros quando praticadas por pessoa colectiva, passam, na proposta da ERC, para 1.250 a 20.000 euros, e de 5.000 a 120.00 euros, respectivamente. Mas fica ainda a possibilidade imediata de suspensão da coima se a entidade ou pessoa apanhada em falta, corrigir as declarações. Ou seja, é um autêntico convite para se esconder – e se se for apanhado, então  corrige-se sem consequências, apenas tendo o ‘cuidado’ de não prevaricar durante um período entre dois e cinco anos a fixar pela própria ERC.

    Posto tudo isto, se esta proposta do Conselho Regulador da ERC for aprovada nestes moldes pela Assembleia da República, à Lei da Transparência dos Media restará apenas uma coisa: a denominação enganadora. E não vai contribuir assim, nessa linha, para melhorar o cenário terrível da imprensa onde campeiam, entre os principais grupos de imprensa, casos de dívidas ao Estado, falências técnicas e dificuldades de tesouraria, em simultâneo à promiscuidade entre jornalismo e interesses económicos e financeiros.


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