Durante os primeiros meses do ano, a cobertura dos protestos no Canadá teve uma cobertura enviesada pela imprensa mainstream, tal como já sucedera durante a fase mais aguda da pandemia. A Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) veio agora dizer que o Observador não teve “rigor informativo” quando apelidou os manifestantes canadianos de “antivacinas”. O Observador defendeu que chamar “antivacinas” a quem até pode não ser “antivacinas” constituiu um princípio enquadrado na “liberdade de expressão e de criação dos jornalistas”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) acusou o jornal Observador de falta de “rigor informativo” na cobertura das manifestações no Canadá durante o denominado Freedom Convoy, que sitiou a capital Ottawa, em Janeiro e Fevereiro passado.
Em causa está uma notícia da autoria da jornalista Tânia Pereirinha, publicada em 30 de Janeiro passado, intitulada “Trump elogia manifestantes antivacinas canadianos: ‘Queremos que aqueles grandes camionistas saibam que estamos com eles’“. Apesar de a jornalista referir que “o protesto [era] organizado contra a lei que vai obrigar os camionistas que cruzem a fronteira entre os Estados Unidos e o Canadá a apresentar certificado de vacinação contra a Covid-19” – e não contra as vacinas –, acabava por apelidar os manifestantes de “antivacinas”, tanto no título como no lead.
A deliberação da ERC, do passado mês de Abril, mas apenas divulgada esta semana, surge no seguimento de uma queixa particular contra o Observador, que considerava que «a notícia em causa falta[va] à verdade de forma evidente e (excluindo a hipótese de incompetência total) deliberada». O queixoso dizia ainda que «este tipo de manipulação é grave, é um atentado ao jornalismo e é, por consequência, um atentado à nossa democracia».
A entidade reguladora veio agora dar razão à queixa, assumindo que o Observador violou as “exigências de precisão, incluindo terminológicas, que envolvem” a actividade informativa, até porque a manifestação canadiana nunca teve como objectivo a contestação à vacinação.
No processo, o Observador ainda invocou “princípios de liberdade de expressão e de criação dos jornalistas” para apelidar de “manifestantes antivacinas” os participantes do protesto, e que as acusações de falta de rigor constituíam “uma leitura enviesada da notícia em causa».
Opinião contrária teve a ERC que considerou não ser aceitável «que um órgão de comunicação social possa justificar uma falha de rigor informativo com base na liberdade de criação ou de expressão, ou mesmo em direitos fundamentais dos jornalistas», concluindo que a designação foi livremente escolhida pelo próprio jornal para referir as pessoas em protesto.
Recorde-se que o Código Deontológico do Jornalista salienta que “o jornalista deve relatar os factos com rigor e exactidão e interpretá-los com honestidade”, acrescentando que “os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso”.
Curiosamente, esta decisão da ERC constitui uma profunda – e bem-vinda – mudança de paradigma na análise da terminologia usada pelos media portugueses por parte dos membros do Conselho Regulador.
Notícia do Observador publicada em 30 de Janeiro. Durante a cobertura do Freedom Convoy houve declaradas tentativas de associar os manifestantes a movimentos de extrema-direita.
Durante a pandemia, a ERC nunca interveio para disciplinar a prática corriqueira da esmagadora maioria da imprensa mainstream em apelidar de “negacionista” qualquer pessoa que contestasse qualquer parte da estratégia de gestão política, ou rotular de “antivacinas” quem sequer considerasse que a vacinação voluntária não deveria ser universal – e apenas administrada a grupos de risco – ou que os certificados de vacinação não eram um método eficaz de controlo epidemiológico.
A ERC chegou mesmo a arquivar em Dezembro passado queixas contra notícias da Visão e do Observador por apelidarem de “negacionistas” todos os manifestantes que contestavam a estratégia política sobre a pandemia, também tendo recentemente ilibado de crítica o jornalista da TVI José Alberto Carvalho por chamar “negacionista” a quem não se vacinou. E a mesma ERC nunca criticou, nem levantou processos, podendo, contra os diversos órgãos de comunicação social (CNN Portugal, Público, Observador, Expresso e Lusa) que apelidaram o PÁGINA UM de “página negacionista” e “antivacinas” em notícias no passado dia 23 de Dezembro.
Sobretudo a partir de 2020, os principais grupos de media olham para o jornalismo como “galinhas de ovos de ouro” e têm estado a assinar cada vez mais contratos de prestação de serviços com autarquias e mesmo com órgãos do Governo. O PÁGINA UM detectou já 56 contratos susceptíveis de condicionar ou limitar a linha editorial de órgãos de comunicação social de âmbito nacional. Não estão aqui incluídos contratos comerciais com empresas privadas envolvendo “mercantilização” de jornalistas. Conheça e consulte os contratos em causa.
O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) diz ter conhecimento da existência de contratos entre a imprensa e entidades públicas susceptíveis de condicionar ou limitar a autonomia editorial, mas recusa confirmar se irá em concreto investigar os principais grupos de media nacionais que assinaram contratos “suspeitos” com entidades públicas.
Na deliberação de 16 de Março passado, em que se confirmou a existência de uma “prescrição de gaveta” que beneficiou o Porto Canal – controlado pelo Futebol Clube do Porto SAD – é afirmado que “amiúde são divulgadas notícias relativas a este [Porto Canal] e outros órgãos de comunicação social, alguns passíveis de avaliação através do portal dos contratos públicos (…), nada obstando que o Conselho Regulador da ERC, querendo, determine a abertura de um procedimento de fiscalização desta natureza, eventualmente mais abrangente”.
Público, e o seu director Manuel Carvalho, têm executado contratos comerciais susceptíveis de interferirem com a independência editorial do jornal.
Tendo em consideração que o PÁGINA UM tem vindo a denunciar diversos casos de prestações de serviços com a participação de jornalistas e mesmo directores – nomeadamente do Público, Expresso, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Visão e SIC, entre outros –, foi solicitado em 21 de Abril passado ao presidente da ERC, Sebastião Póvoas, que esclarecesse se já tinham sido abertos “procedimentos de fiscalização” e, se sim, que identificasse os órgãos de comunicação social. Pediu-se também que, no caso de não ter sido aberto qualquer procedimento, que fosse indicada a razão para tal, uma vez que a ERC admitia ter conhecimento de diversos casos.
A resposta ao PÁGINA UM apenas surgiu ontem, dia 5 de Maio. Sebastião Póvoas diz que “o Conselho Regulador solicitou, nesta data, à Unidade de Transparência de Media (UTM) que procedesse ao rastreio, no Portal dos Contratos Públicos, de contratos de entidades públicas com o Porto Canal que possam colocar em causa os princípios pelos quais se deve pautar e cuja observância incumbe à ERC garantir”.
Sobre a realização concreta de diligências para investigar cláusulas ilegais ou suceptíveis de colocarem em causa a isenção editorial e informativa em contratos de prestação de serviços assinados por grupos de media nacionais – como a Global Media (detentora, entre outros, do Jornal de Notícias, Diário de Notícias e TSF), a Impresa (Expresso e SIC), Trust in News (Visão, Jornal de Letras e Exame), Cofina (Correio da Manhã, CMTV, Sábado e Jornal de Negócios), Público e TVI –, o presidente do Conselho Regulador da ERC nada disse.
Exemplo de um contrato de prestação de serviço: Câmara do Barreiro pagou quase 20 mil euros por um debate e cobertura noticiosa no Diário de Notícias. O debate foi moderado pela subdirectora do DN, Joana Petiz.
Instado esta manhã a esclarecer se a não-menção a outros grupos de media na sua resposta ao PÁGINA UM, significava ou não que aqueles estariam isentos a uma investigação, a ERC manteve-se em silêncio.
O PÁGINA UM decidiu assim, elencar uma lista exaustiva de contratos “suspeitos” entre entidades públicas e os principais grupos de media assinados desde o ano de 2020, ou ainda em vigor naquele ano.
De entre esses contratos, nenhum se refere a contratos de publicidade – que são absolutamente legais e constituem o financiamento habitual da imprensa – nem à venda de assinaturas nem à realização de eventos ou encartes promovidos pelos departamentos comerciais e de marketing sem participação de jornalistas ou sem interferência na linha editorial do órgão de comunicação social.
No total, foram identificados 56 contratos, cinco dos quais de 2022 e 27 assinados em 2021. Por grupos de media, a Global Media (e subsidiárias) assinou 19, a Cofina 15, a Trust in News sete, a Impresa e Público seis cada, e a TVI três.
O jornalista Paulo Baldaia foi o “mestre de cerimónias” de um evento pago pelo Ministério do Ambiente em Dezembro do ano passado. A SIC recebeu 19.750 euros por uma emissão a promover uma acção governativa.
Nesses contratos, grande parte dos quais de simples prestação de serviços, encontram-se envolvidas mais de duas dezenas de câmaras ou empresas municipais. E estão também órgãos do Governo. Em diversos casos, o Governo financiou a divulgação e promoção de iniciativas governamentais em órgãos de comunicação social, através de eventos em que jornalistas funcionaram como “mestres de cerimónias”. Os 56 contratos identificados pelo PÁGINA UM envolveram um total de 1.936.340 euros.
A selecção de contratos “suspeitos”, realizada pelo PÁGINA UM, agrega a prestação de serviços para a produção de eventos com a participação activa de jornalistas ou o pagamento de cobertura noticiosa (excluindo publireportagens ou encartes). Em diversos desses contratos, sobretudo para a realização de eventos, já participaram mesmo directores de órgãos de comunicação social, como Manuel Carvalho (Público), Rosália Amorim (Diário de Notícias), Inês Cardoso (Jornal de Notícias) e Mafalda Anjos (Visão).
Rosalia Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma habitué na moderação de eventos realizados pela Global Media e pagos pelo Estado, empresas e autarquias.
Em diversos destes contratos, não é possível esclarecer, através do Portal Base, todos os detalhes da prestação de serviços, uma vez que o adjudicante (a entidade pública) não inseriu o caderno de encargos no Portal Base, uma sistemática forma de manter a obscuridade de muitos contratos públicos.
O PÁGINA UM poderia solicitar os cadernos de encargos de todos estes contratos, mas essa tarefa hercúlea não é função de um pequeno órgão de comunicação independente com escassos meios humanos. É função do regulador. Mesmo de um regulador que faz “prescrições de gaveta” ao fim de quatro anos.
LISTA CRONOLÓGICA DOS CONTRATOS NO PORTAL BASE ASSINADOS POR EMPRESAS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Nota: clicando no nome de entidade adjudicante pode consultar os dados do contrato. Nos casos em que se apresenta o título de um órgão de comunicação social, significa que foi identificada uma cobertura noticiosa e/ou participação activa de jornalistas na execução desse contrato comercial.
Produção de três vídeos e campanha de divulgação dos mesmos em canal de imprensa escrita, digital, papel e televisão para o Programa Operacional Capital Humano (POCH).
Aquisição de serviços de Media Partner para a realização do Evento Anual do POSEUR – Programa Operacional Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos.
Programa de Dinamização da Economia Local (Praça do Natal 2021), incluindo a definição e promoção da comunicação e divulgação do evento junto da imprensa e de outros meios de comunicação social.
Aquisição de serviços para evento para divulgação dos Resultados da avaliação da estratégia de comunicação do POCH através de um talk-webinar a realizar presencialmente e online.
Aquisição, sem exclusividade, do direito de uso temporário das marcas “Splash Seixal” e “Cofina Boost Solutions”, respectiva activação e execução plano de promoção e publicidade.
Aquisição de serviços para elaboração da “Comunicação e divulgação da Estratégia do Cávado 2030 (programação dos FEEI 2021-2027 no território do Cávado)”.
Aquisição de serviços de campanha de comunicação para divulgação e promoção do seminário “O investimento público no pós-pandemia”, a realizar nos Paços do Concelho.
Aquisição de serviços de elaboração, produção e impressão de duas revistas, em formato físico e digital, assim como de 6 (seis) newsletters a desenvolver para e com a COTEC no âmbito do Programa Advantage 4.0..
Aquisição de serviços para uma Campanha de Comunicação no âmbito do Plano de Apoio Económico e Social, para os estabelecimentos de comércio tradicional a retalho e de restauração e bebidas, durante 20 dias no Diário de Noticias (Digital e imprensa).
TIN PUBLICIDADE E EVENTOS, LDA. (Jornal de Letras)
Programa de Dinamização da Economia Local (Praça do Natal 2020), incluindo a definição e promoção da comunicação e divulgação do evento junto da imprensa e de outros meios de comunicação social.
Aquisição de Serviços de Organização da Conferência “Aveiro no Centro da Resposta à Pandemia”, no âmbito do “JN Praça da Liberdade – Ciclo de Conferências”.
A emissão de um clip promocional/conteúdo com uma cara TVI com 120” de promoção turística do destino Açores nos canais televisivos TVI, TVI24 e TVI Ficção, com presença obrigatória em programa de Manuel Luís Goucha.
Após notícia do PÁGINA UM sobre a caducidade de um procedimento oficioso contra o Porto Canal, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social anuncia criação de nova estrutura para tratar das contra-ordenações. Mas o responsável na ERC pela “prescrição de gaveta”, que beneficiou o canal do Futebol Clube do Porto, mantém o cargo de director do Departamento Jurídico.
O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) divulgou hoje ter procedido à reestruturação da sua orgânica, criando uma nova Unidade de Contraordenações, dirigida agora por Ana Isabel Ferreira, tendo afastado dessas tarefas Rui Mouta, director do seu Departamento Jurídico.
Esta é uma consequência imediata de uma “prescrição de gaveta”, que o PÁGINA UM divulgou na quinta-feira passada, e que salvou o Porto Canal de sofrer um processo de contra-ordenação que poderia atingir uma coima máxima de 150 mil euros.
Aquele responsável detinha desde 2017 plenos poderes, por delegação do Conselho Regulador, para “deduzir acusação e proceder à inquirição de testemunhas, bem como para a elaboração da proposta de aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias”, e nessa qualidade decidiu, sem informar o Conselho Regulador, meter na gaveta durante quatro anos a investigação a contratos alegadamente ilegais assinados entre o Porto Canal e diversas entidades, sobretudo autarquias.
Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.
A caducidade do procedimento oficioso, que acabou por ser deliberado pela ERC em 16 de Março passado, mais de quatro anos depois de o caso ter sido denunciado em 2018 pelo jornal I, encerrou o caso sem culpados nem penalizações, tanto mais que Rui Mouta manteve a confiança institucional para continuar como director do Departamento Jurídico na nova orgânica da ERC.
Recorde-se que o Porto Canal é detido pela Avenida dos Aliados S.A., empresa controlada de forma directa (82,4%) pela Futebol Clube do Porto SAD, através da FCP Media, tendo Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente daquele clube nortenho, e Fernando Gomes, ex-presidente da autarquia do Porto e ex-ministro da Administração Interna como administradores.
No lote de relações comerciais susceptíveis de violar a Lei da Televisão, por constituírem ingerências na autonomia editorial do Porto Canal, estavam contratos com cinco autarquias (Porto, Braga, Matosinhos, Póvoa do Varzim e Chaves), três Comunidades Intermunicipais – Ave (CIA), Tâmega e Sousa (CITS) e Terras de Trás-os-Montes (CITTM) –, a Empreendimentos Hidroeléctricos do Alto Tâmega e Barroso (empresa intermunicipal constituída por seis autarquias), o Instituto Politécnico do Porto, o Turismo do Porto e Norte, o Instituto de Segurança Social, a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado do Lima e Fundação Hispano-Portuguesa Rei Afonso Henriques. No total, estes contratos envolveram mais de 600 mil euros.
Em ofício exclusivamente enviado ao PÁGINA UM, o presidente da ERC, Sebastião Póvoa, alega que “as razões do incumprimento do prazo legal para a conclusão de um procedimento oficioso”, que é de 180 dias (embora a deliberação refira 120 dias), se devem ao “volume de trabalho acumulado e à gestão das prioridades dos serviços”.
Notícia do Jornal i de Fevereiro de 2018 que denunciou contratos. O jornalista Júlio Magalhães, actualmente na CNN Portugal, era então o director de informação do Porto Canal.
No entanto, este juiz conselheiro admite que, no caso do Porto Canal, “sabendo que não seria possível concluir as diligências instrutórias encetadas, reconhece-se que teria sido judicioso por parte dos serviços proceder a uma comunicação prévia ao Conselho Regulador sobre as opções a tomar para que este pudesse, em consequência, optar pelo caminho a seguir”.
O presidente da ERC diz também que foi decidido enviar “os contratos celebrados pelas entidades públicas com o Porto Canal à Inspecção-Geral de Finanças”, embora as consequências práticas sejam nulas.
Entretanto, em comunicado de imprensa, divulgado hoje, a ERC ainda reitera – como se fosse expectável que defendessem publicamente o contrário – que os membros do Conselho Regulador “manifestam a sua total isenção, ética e rigor nas matérias sujeitas à sua apreciação, independentemente do órgão de comunicação social que esteja em causa”.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) impôs há 50 dias à CNN Portugal a publicação, na íntegra e no prazo de 24 horas, de um texto de direito de resposta do PÁGINA UM em resultado de um artigo difamante. E ameaçou aplicar ao canal televisivo uma multa 500 euros por cada dia de atraso. Fogo de vista: 49 dias depois, a CNN Portugal nada fez nem foi ainda incomodada. E entretanto, a ERC já leva quase quatro meses para decidir queixas similares contra Expresso, Público, Lusa e Observador. Forte com os fracos; e fraco com os fortes – será este o novo lema do regulador dos media portugueses?
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) confessa que “ainda não encetou diligências junto da CNN Portugal” para apurar as razões do não-acatamento da sua deliberação de Março deste ano – há quase dois meses, portanto – que obrigava o franchise português do canal norte-americano a publicar um texto de direito de resposta do director do PÁGINA UM. E também para lhe aplicar uma sanção pecuniária de 500 euros por cada dia de atraso na publicação daquele texto.
Na origem deste diferendo está uma notícia da CNN Portugal, publicada em 23 de Dezembro do ano passada e assinada pelo jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista“, onde se acusava o PÁGINA UM, identificando-o indirectamente, de ser “uma página negacionista” e “anti-vacinas”, e que revelara “dados confidenciais de crianças em unidades de cuidados intensivos”.
Mais de quatro meses depois, notícia difamante da CNN Portugal continua sem resposta, ERC dá o seu contributo.
A notícia da CNN Portugal, que teve eco em outros órgãos de comunicação social (Público, Lusa, Expresso e Observador), foi publicada apenas dois dias após a inauguração formal do site do PÁGINA UM, apesar de estar já reconhecido como órgão de comunicação social pela ERC desde Novembro do ano passado.
O trabalho de investigação jornalística do PÁGINA UM, alvo da “sanha” da CNN e dos outros órgãos de comunicação social, baseava-se em dados oficiais sobre os internamentos de crianças com covid-19, mas usando dados anonimizados. Ou seja, permitiam que se avaliasse com rigor o baixíssimo risco da doença naquela faixa etária, mas sem permitir qualquer possibilidade de identificação dos internados.
Para consubstanciar as acusações, a CNN Portugal recorreu às opiniões de médicos ligados a sociedades médicas e à Ordem dos Médicos, que já então conheciam as investigações em curso do PÁGINA UM sobre as suas relações comerciais com companhias farmacêuticas.
Após uma queixa à ERC do PÁGINA UM por a CNN Portugal não conceder o direito de resposta, a entidade reguladora viria em 9 de Março passado a “reconhecer” estar-se parente uma “denegação ilegal”. Nessa medida, a ERC determinou que o canal televisivo deveria “proceder à publicação do texto de resposta” do director do PÁGINA UM “no seu site dentro de vinte e quatro horas após a recepção da deliberação do Conselho Regulador” da ERC.
Notícia do PÁGINA UM que revelou dados convenientemente anonimizados das crianças internadas com covid-19. Foi o primeiro de vários artigos de investigação jornalística, nunca desmentidos, publicados nos últimos quatro meses.
De acordo com a ERC – que prestou informações ao PÁGINA UM, que lhe exigiu conhecer as diligências entretanto tomadas em cumprimento ao Código do Procedimento Administrativo –, a CNN Portugal foi notificada por correio electrónico em 14 de Março, e novamente por carta registada em 30 de Março, através do “M.I Advogado” da CNN Portugal, Miguel Coroadinha.
No entanto, apesar do PÁGINA UM ter avisado logo em 6 de Abril o presidente da ERC, Sebastião Póvoas, de que a CNN Portugal não cumprira a deliberação, o regulador nada fez. Continuou também a nada fazer após o PÁGINA UM ter solicitado em 12 de Abril, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, que lhe fosse concedido o acesso ao processo, e formalizado um pedido sobre “eventuais diligência tomadas pela ERC contra a CNN Portugal face ao evidente não acatamento do ponto 3 da citada Deliberação, o que implicaria a aplicação de sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 72º dos Estatutos da ERC”.
Saliente-se que este artigo do Estatutos da ERC prevê uma sanção pecuniária de 500 euros por cada dia de atraso, o que significa que, se se considerar o dia 13 de Março como data de notificação, a ERC deverá aplicar, à data de hoje, uma coima de 24.500 euros à CNN Portugal.
Embora tenha concedido o acesso ao processo e respondido ao PÁGINA UM, mostra-se evidente que a ERC não manifesta um interesse especial sobre os ataques da imprensa mainstream a um projecto marcadamente independente e que, aliás, se tem destacado por denunciar desvios éticos e legais de muitos jornalistas.
Com efeito, em carta entregue ao PÁGINA UM na passada quinta-feira, o chefe de gabinete do Conselho Regulador da ERC diz que está “a aguardar a remessa pelo serviço de programas do comprovativo da publicação do texto, e indicação da respectiva hiperligação”, ou seja, aguarda algo que não existe. E apenas promete que “a ERC encetará diligências junto da CNN Portugal para averiguar do alegado não cumprimento da citada Deliberação”.
Frederico Roque de Pinho, Nuno Santos e Pedro Santos Guerreiro são os directores da CNN Portugal, de acordo com o site deste canal televisivo.
Ora, a ERC necessitaria apenas de clicar na notícia original da CNN Portugal para constatar que o direito de resposta do PÁGINA UM não se encontra ainda publicado. Nem nunca esteve publicado, conforme poderia constatar na consulta do arquivo desta notícia, criado pelo PÁGINA UM para memória futura.
Além disto, a ERC tem também manifestamente protelado a decisão em relação às outras queixas similares contra outros órgãos de comunicação social que fizeram eco da notícia difamante da CNN Portugal. Em 5 de Janeiro passado, o PÁGINA UM apresentou queixas no regulador contra a Lusa, Expresso e Observador, mas quase quatro meses depois ainda não resultaram em qualquer deliberação.
Apenas uma queixa contra uma notícia do jornal Público – que fazia referência expressa e com hiperligação ao artigo da CNN Portugal – foi alvo de uma estranha deliberação da ERC, que ainda se encontra em fase de reclamação desde 6 de Março.
Em 2018, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não demorou a reagir a uma denúncia do Jornal i sobre contratos do Porto Canal com autarquias e outras entidades por possível ingerência na autonomia editorial deste operador televisivo. O canal do Futebol Clube do Porto era já reincidente, mas a ERC encarregou o director do Departamento Jurídico de indagar, através de um procedimento cautelar. Terminou tudo quatro anos depois com um arquivamento por “caducidade”.
O director jurídico da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Rui Mouta, procrastinou e “engavetou” durante mais de quatro anos um procedimento oficioso contra o Porto Canal, por alegados contratos comerciais ilegais sobretudo com autarcas do Norte, poupando assim este operador televisivo, na esfera do Futebol Clube do Porto, a sofrer coima máxima de 150 mil euros.
O procedimento, que deveria ter culminado num processo de contra-ordenação, foi entretanto arquivado por “caducidade”, através de uma deliberação do Conselho Regulador da ERC.
Em causa estava um conjunto de duas dezenas de contratos comerciais assinados no período de 2014 a 2018 entre aquele operador televisivo – detido pela Avenida dos Aliados S.A., empresa controlada de forma directa (82,4%) pela Futebol Clube do Porto SAD, através da FCP Media – e diversas entidades, entre as quais as autarquias do Porto, Braga, Matosinhos, Póvoa do Varzim e Chaves.
Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.
Recorde-se que o Porto Canal tem, como membros do Conselho de Administração, o presidente do Futebol Clube do Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, e também Fernando Gomes, antigo edil socialista do município portuense e ex-ministro da Administração Interna.
No lote de relações comerciais susceptíveis de violar a Lei da Televisão, por constituírem ingerências na autonomia editorial do Porto Canal, estavam ainda os contratos com três Comunidades Intermunicipais – Ave (CIA), Tâmega e Sousa (CITS) e Terras de Trás-os-Montes (CITTM) –, a Empreendimentos Hidroeléctricos do Alto Tâmega e Barroso (empresa intermunicipal constituída por seis autarquias), o Instituto Politécnico do Porto, o Turismo do Porto e Norte, o Instituto de Segurança Social, a Associação de Desenvolvimento Rural Integrado do Lima e Fundação Hispano-Portuguesa Rei Afonso Henriques. No total, estes contratos envolveram mais de 600 mil euros.
O procedimento inicial da ERC foi uma reacção a uma notícia do Jornal i, publicada em 5 de Fevereiro de 2018, intitulada “Portocanalgate – Câmaras do Norte financiam televisão do FC Porto”, onde se denunciava a existência de contratos de “prestação de serviços”, sob a forma de “divulgação de eventos e iniciativas”, “concepção, produção e difusão de conteúdos televisivos” ou “publicitação de anúncios”.
A celebração deste tipo de contratos de prestação serviços com uma componente editorial e a participação de jornalistas são, na generalidade, “susceptíveis de condicionar ou limitar a autonomia editorial do serviço de programas”, razão pela qual o Conselho Regulador da ERC decidiu, em 20 de Fevereiro de 2018, abrir um procedimento oficioso, uma antecâmara do processo de uma contra-ordenação com vista à aplicação de uma coima.
Todo este processo ficou, contudo, nas mãos de Rui Eugénio Varão Mouta, director do Departamento Jurídico da ERC, com uma extensa delegação de poderes, que incluía “poderes para deduzir acusação e proceder à inquirição de testemunhas, bem como para a elaboração da proposta de aplicação das respetivas coimas e sanções acessórias, com exceção da decisão final do processo contra-ordenacional cuja competência continua reservada exclusivamente para o Conselho Regulador.”
Contudo, apesar do Porto Canal ser reincidente – estando então a correr um processo de contra-ordenação por questões similares, que culminaria na aplicação de uma coima de 37.500 euros em Outubro de 2018 –, Rui Mouta decidiu, de forma exasperadamente lenta, pedir informações a algumas autarquias e à Porto Canal.
No caso do operador televisivo, Rui Mouta apenas enviou um ofício ao Porto Canal em 19 de Março daquele ano, respondido em 3 de Abril pelo departamento jurídico do próprio Futebol Clube do Porto, que pediu mais tempo “face à densidade da informação solicitada”. Prontamente, no dia seguinte à chegada daquela missiva, Rui Mouta deferiu o pedido, mas sem determinar outra qualquer data.
No dossier consultado pelo PÁGINA UM na ERC – que, ao contrário das boas práticas de um regulador, não tem as páginas do processo numeradas, pelo que se mostra impossível saber se foram “retiradas” partes – somente consta uma sucinta resposta do Porto Canal em 23 de Abril, incluindo cópias de diversos contratos.
Notícia do Jornal i de Fevereiro de 2018 que denunciou contratos. O jornalista Júlio Magalhães era então o director de informação do Porto Canal.
Somente em 5 de Junho, Rui Mouta tomou mais algumas diligências, escrevendo às autarquias de Braga, Matosinhos e de Gondomar, à Comunidade Intermunicipal do Ave e ainda à Associação de Municípios das Terras de Santa Maria.
Por exemplo, neste último caso, esta entidade – que agrega as autarquias de Arouca, Espinho, Oliveira de Azeméis, Santa Maria da Feira, São João da Madeira e Vale de Cambra – assumiu que o contrato com a Porto Canal visava “divulgar e dar a conhecer a actualidade da região, ao nível da informação, economia, património, cultura, eventos, etc., com apresentação frequente em programas informativos”.
E informou ainda a ERC que, “de acordo com o respetivo Caderno de Encargos”, ficou estabelecido nesse contrato, além de spots publicitários, a emissão de “seis reportagens promocionais, com 120 minutos de emissão” e ainda “dois vídeos promocionais por mês, a cada município”. O preço, neste caso, foi de 37.5000 euros, através de um contrato assinado por Fernando Gomes e Adelino Caldeira, que também integravam, e integram, a Futebol Clube do Porto SAD.
Apesar das evidências de violação da Lei da Televisão, Rui Mouta apenas foi vagarosamente solicitando documentação em falta aos autarcas que tinham assinado contratos com o Porto Canal. A sua última intervenção neste procedimento oficioso ao longo de 2018 foi um ofício datado de 27 de Setembro, reiterando um pedido de informação anteriormente feito à Comunidade Intermunicipal do Ave.
Depois, Rui Mouta nada fez, em redor deste procedimento oficioso sobre o Porto Canal, em 2019.
Nem em 2020.
Nem em 2021.
E só este ano, em 9 de Março, surge Rui Mouta a dar um brevíssimo parecer sobre a informação de uma técnica do seu Departamento Jurídico, a propor “a extinção do presente procedimento oficioso por caducidade”.
A razão era simples, conforme a informação da técnica: “[o]s procedimentos de iniciativa oficiosa passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados [Porto Canal], caducam, na ausência de decisão, no prazo de 120 dias”. Ou seja, apesar das evidências e da sua vasta experiência de jurista, como Rui Mouta não tomou qualquer decisão, nem apresentou qualquer recomendação ao Conselho Regulador da ERC com vista a um processo de contra-ordenação, o Porto Canal ficou ilibado de quaisquer penalizações a partir de 19 de Junho de 2018.
Em suma, a ERC acabou por concluir, através de uma deliberação do seu Conselho Regulador em 16 de Março passado, que deveria ter tomado uma decisão sobre os contratos do Porto Canal 1.366 dias antes.
O PÁGINA UM questionou o presidente da ERC, o juiz conselheiro Sebastião Póvoas, sobre se, com este caso, “o papel do regulador pode sair fragilizado face a um procedimento oficioso que não cumpr[iu] os 120 dias para a sua conclusão, e que demor[ou] quatro anos e um mês a ‘arquivar’ esse procedimento”, mas não obteve resposta. A única reacção foi a autorização para o PÁGINA UM consultar todo o processo.
A Global Notícias está a guinar a informação portuguesa para campos perigosos. Pagar para ter notícias ou mesmo entrevistas é já possível, e até é agora feito às claras com papel escrito para apresentar à contabilidade. O PÁGINA UM descobriu um contrato comercial que garantiu à Ordem dos Médicos Dentistas uma entrevista nas páginas do Diário de Notícias ao seu bastonário e a cobertura de um evento sobre saúde oral a troco de quase 20 mil euros.
Dias mundiais de qualquer coisa há, enfim, todos os dias. Por ironia, em 20 de Março coincidem o Dia Internacional da Saúde Oral, o Dia do Pontapé no Rabo (Kick Butts Day) e o Dia Internacional da Felicidade. E há pouco mais de duas semanas, houve uma estranha coincidência dos “astros” no jornalismo português: para se celebrar o primeiro daqueles dias – o da Saúde Oral –, Diário de Notícias (DN) e Jornal de Notícias (JN) deram um “pontapé no rabo” aos princípios da independência da imprensa e aceitaram vender directamente serviços noticiosos à Ordem dos Médicos Dentistas, incluindo uma entrevista ao seu bastonário, para felicidade da administração da Global Notícias, que assim recebeu 19.970 euros.
Debate para uma sala vazia. Conferência sobre saúde oral em Viseu foi uma “prestação de serviços” paga pela Ordem dos Médicos Dentistas.
De acordo com o Portal Base, dois dias antes da celebração do Dia Internacional da Saúde Oral, em 18 de Março, a Ordem dos Médicos Dentistas e a Global Notícias – detentora daqueles dois diários – formalizaram um contrato de “prestação de serviços de divulgação, promoção e cobertura do Dia Mundial de Saúde Oral”, que tiveram como ponto alto uma conferência em Viseu no dia 21. E pode-se dizer que os dois diários da Global Media cumpriram a preceito essa “prestação de serviço” a uma entidade externa, apesar de travestida de “conferência promovida pela Ordem dos Médicos [Dentistas]”, integrando um “debate, organizado em parceria com o DN e o JN”.
Com efeito, além da participação, como moderador de dois debates, de Pedro Araújo, editor-adjunto do JN, a cobertura noticiosa – sem qualquer referência de se tratar de conteúdo pago – foi executada por uma jornalista, Marisa Silva (CP 7319). E inclui mesmo uma entrevista ao bastonário Miguel Pavão.
Nessa entrevista, publicada no própria Dia Mundial da Saúde Oral (20 de Março), o bastonário dos dentistas aproveitou sobretudo para lançar críticas ao Serviço Nacional de Saúde e ao projecto do cheque-dentista e também a defender a redução das vagas dos cursos superiores de Medicina Dentária.
Os mesmos tópicos haveriam de ser os pontos centrais também de uma notícia de Marisa Silva publicada no dia 22 de Março no Diário de Notícia que abordou o evento, onde também participou Graça Freitas, directora-geral da Saúde, através de vídeo-chamada.
Ordem de Miguel Pavão pagou quase 20 mil euros para cobertura noticiosa de evento e entrevista no Diário de Notícias.
Para que não surjam dúvidas de ser este o evento alvo da prestação de serviços, refira-se que o contrato estipulava um prazo de execução de sete dias. Ou seja, todas as notícias e a entrevista a Miguel Pavão foram publicadas entre os dias 18 e 25 de Maio.
Recorde-se que o Estatuto dos Jornalistas (Lei nº 1/99) estipula que estes profissionais, para garantir a sua independência, estão impedidos de participar em acções de marketing ou de relações públicas. Além disso, a escrita de conteúdos comerciais “travestidos” de notícias e, em especial, a realização de entrevistas em que o entrevistador a pagou é incompatível com a actividade jornalística. E fomenta a desconfiança sobre a independência da imprensa.
O PÁGINA UM tentou obter um comentário através de correio electrónico sobre este contrato de prestação de serviços junto do bastonário Miguel Pavão e da directora do DN, Rosália Amorim, e do JN, Inês Cardoso, mas não obteve qualquer resposta.
Processo arrastou-se por mais de cinco anos, depois da Entidade Reguladora para a Comunicação Social ter deliberado já em 2017 que o canal da Cofina tinha violado a Lei da Televisão. É a terceira coima em apenas um ano aplicado ao canal televisivo da Cofina por motivos similares.
O Grupo Cofina, detentor da CMTV, foi condenada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a pagar uma coima de 10.000 euros por violação da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP). Esta foi a terceira coima no espaço de um ano daquela estação televisiva.
Em causa, desta vez, esteve a emissão de imagens explícitas do atentado terrorista em Nice, em 14 de Julho de 2016, durante as comemorações do Dia da Bastilha, que não foram editadas e nem tiveram advertência prévia sobre o carácter chocante das imagens.
O processo contraordenacional que levou à aplicação da coima, concluído em Fevereiro passado, mas divulgado somente na semana passada no site da ERC, demorou mais de cinco anos a ser concluído pela ERC. E pode ainda vir a ser impugnado judicialmente.
A entidade reguladora, após a recepção de 24 queixas de telespectadores, aprovou uma deliberação em 15 de Fevereiro de 2017, em que, além concluir ter a CMTV violado “princípios essenciais à actividade jornalística”, determinou “a instauração do competente procedimentos contraordenacional”.
Contudo, essa tarefa também da responsabilidade da ERC só seria iniciada em 14 de Outubro de 2020 – ou seja, 44 meses depois – com a notificação da acusação à CMTV. Após a resposta do canal televisivo, a ERC demorou quase mais 16 meses para aplicar uma coima.
Recorde-se que o atentado em Nice em 2017, considerado um acto terrorista, foi provocado por um tunisino residente em França que acometeu um semi-reboque contra a multidão, deixando um rasto de 86 mortos e 458 feridos.
Tendo sido um momento marcante, a CMTV catapultou o atentado como notícia marcante entre 14 e 16 de Julho daquele ano, transmitindo imagens de carácter violento independentemente do horário.
Em muitos casos, para a emissão dos vídeos, com durações diferentes, a CMTV utilizou mesmo a técnica “multiscreen” (para difundir vários em simultâneo) e o efeito “loop”, para que as imagens continuassem a ser transmitidas sem interrupção, enquanto os pivots ou convidados comentavam os acontecimentos.
De acordo com o processo instaurado pela ERC, a CMTV iniciou a transmissão das primeiras imagens a partir das 22:39 horas do dia 14 de Julho, com um especial de informação que durou quase cinco horas. Nesta emissão foram transmitidos tanto imagens recolhidas por operadores de televisão da França e do Reino Unido como vídeos anónimos colocados nas redes sociais.
Um desses vídeos, com 23 segundos, foi repetido 14 vezes num curto espaço de cinco minutos, contendo dois cadáveres ensanguentados. Numa versão mais alargada, a CMTM expôs mesmo o corpo de uma mulher em roupa interior deitada de barriga para cima, chegando mesmo a ser mostrado o rosto desta vítima, bem como o corpo desarticulado de um jovem.
A ERC ocupa quase cinco páginas – entre os pontos 28 e 58 da sua deliberação de 2017 – a descrever minuciosamente a tétrica e sangrenta cobertura noticiosa da CMTV, que contou entre os seus comentadores com Rui Pereira, antigo ministro da Administração Interna, e André Ventura, actual líder do Chega.
Além de reportagens de enviados a Nice, a CMTV mostrou imagens cruas das vítimas do atentado.
Em defesa da emissão destas imagens, o jornalista Carlos Rodrigues – actual director-geral da CMTV, Correio da Manhã e Sábado – justificou “estar em causa a relevância noticiosa de um acontecimento de elevado interesse público”, e que era “uma forma de alerta e denúncia de um ato terrorista”. E defendeu ainda que a ausência de advertência prévia foi ima opção edfitorial porque, segundo ele, “faz parte da missão dos órgãos de comunicação social divulgar a realidade tal como é, desprovida de quaisquer filtros”.
Na pronúncia, a CMTV acabou também por advogar a “liberdade editorial” reconhecida pela Constituição, e fazendo referências à relevância histórica de imagens chocantes, exemplificando com o massacre em Timor no cemitério de Santa Cruz, em 1991, e considerando até que “o combate à fome em África não seria eficaz, se o mundo não fosse constantemente bombardeado por imagens de crianças moribundas cobertas por moscas”.
A ERC nunca foi sensível a estas esdrúxulas comparações, e concluiu que a CMTV sabia bem que estaria a “violar normas referentes à emissão de conteúdos suscetíveis de influírem de modo negativo na formação da personalidade de crianças e adolescentes”. Até porque, acrescenta, “os próprios colaboradores afetos à Arguida [CMTV], ao longo das emissões de três dias”, classificaram as imagens emitidas como “violentas”, “terríveis”, “devastadoras”, inqualificáveis” e “É o terror tal como é”.
A coima aplicada à CMTV, apesar da violação de três normas legais, e a ERC a classificar como dolosa, acabou porém atenuada para metade do mínimo previsto na lei (20.000 euros). No limite, poderia ter atingido os 150.000 euros. A ERC optou por ser benevolente com a CMTV ao defender que “o efeito preventivo pretendido com a coima pode ser atingido com montante inferior” aos tais 20.000 euros.
Saliente-se que esta é a segunda coima aplicada à CMTV em menos de quatro meses. Em Novembro passado, a ERC também aplicou uma coima de 10.000 euros pela emissão de imagens da violência ocorrida em 26 de Abril de 2016 entre o proprietário do restaurante Palácio do Kebab, na zona lisboeta de Santos, e um grupo de jovens que o assaltavam.
Há exactamente um ano, a CMTV recebeu outra coima (75.000 euros) por repetir em vários programas noticiosos, ao longo de quatro dias (entre 17 e 20 de Maio de 2017), um vídeo de sexo explícito envolvendo uma jovem alegadamente abusada num autocarro durante a Queima das Fitas do Porto.
A decisão, de 24 de Março do ano passado, teve, contudo, o voto contra do próprio presidente da ERC, o juiz Sebastião Póvoas, que defendia uma coima de 25.000 euros.
Somam-se ainda mais quatro admoestações da ERC, transitadas em julgado, desde que o canal televisivo da Cofina foi criado em 2013.
Entidade Reguladora para a Comunicação Social impõe ao canal televisivo a publicação de texto de resposta do PÁGINA UM sem qualquer alteração, e remeteu processo à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista para abertura de processo contra 10 jornalistas da CNN Portugal por alegada violação do Estatuto do Jornalista.
A CNN Portugal foi condenada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de uma deliberação, a publicar o texto integral de um direito de resposta, que negara inicialmente, em consequência da sua notícia intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista“, publicada em 23 de Dezembro do ano passado. O canal televisivo de Queluz de Baixo terá de cumprir esta obrigação no prazo de 24 horas após a recepção da notificação da ERC, ficando sujeita a “sanção pecuniária compulsória” de 500 euros por cada dia de atraso.
A ERC também remeteu para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) o processo com vista à abertura de um processo contra o autor da notícia (o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino), os directores da CNN Portugal (Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho) e ainda seis jornalistas que, ao longo do dia 23 de Dezembro, divulgaram repetidamente aquela notícia difamante.
Notícia “ultrajante” da CNN Portugal terá agora incluída o texto integral do direito de resposta do PÁGINA UM.
Em causa está uma notícia da CNN Portugal que acusou o PÁGINA UM – não o citando, mas permitindo facilmente a sua identificação – de ser uma página “negacionista” e “anti-vacinas” por revelar dados anonimizados – ou seja, sem qualquer identificação do nome e local de residência – de crianças internadas com covid-19.
A notícia da CNN Portugal surgiu dois dias após a inauguração do site oficial do PÁGINA UM, e não estava dissociada aos incómodos causados pelas investigações, já então em curso, sobre as ligações comerciais entre farmacêuticas e a Ordem dos Médicos e diversas sociedades de médicos.
Henrique Magalhães Claudino, jornalista-estagiário da CNN Portugal e autor da notícia “ultrajante” contra a honra e rigor do PÁGINA UM.
Aliás, a notícia da CNN incluía a opinião (crítica à informação veiculada pelo PÁGINA UM) de Alexandre Lourenço (presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos), de Jorge Roque da Cunha (presidente do Sindicato Independente dos Médicos), Manuel Ferreira de Magalhães (pediatra e professor auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto), Filipe Almeida (director do Serviço de Humanização e Ética do Hospital de São João) e Cristina Camilo (presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos Pediátricos).
Em declarações à Lusa, o próprio bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, chegou mesmo afirmar ter apresentado uma queixa à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), também “pedindo a intervenção do Ministério Público”, porque considerava que a divulgação daquela informação verídica (mas anonimizada) do PÁGINA UM seria “uma situação muito grave” que, “ainda por cima”, envolvia crianças.
O PÁGINA UM não tem conhecimento de qualquer diligência da CNPD ou do Ministério Público sobre si. E pediu mesmo, através de e-mail de 5 de Janeiro último, que a presidente da CNPD, Filipa Calvão, confirmasse se essa suposta queixa de Miguel Guimarães foi mesmo remetida “e se já houve alguma resposta definitiva, e se sim qual o teor”. A CNPD não respondeu ao PÁGINA UM.
Na sua análise ao processo instaurado contra a CNN Portugal, a ERC salienta primeiro, face à documentação existente (incluindo troca de e-mails) que “dúvidas não existem de que era ao Recorrente [Pedro Almeida Vieira] e ao jornal Página Um que a CNN Portugal se referia na notícia publicada em 23 de Dezembro de 2021, sendo, assim o Recorrente e o jornal que dirige suscetíveis de serem identificados e reconhecidos pelo círculo de pessoas do relacionamento pessoal e profissional do Recorrente”.
Notícia do PÁGINA UM que revelou dados convenientemente anonimizados das crianças internadas com covid-19
E acrescenta ainda a ERC que a referência a “‘página de negacionistas’, a ‘página anti-vacinas no Facebook’, associada à imputação da revelação de dados pessoais sigilosos de crianças na internet, é manifestamente suscetível de afetar a reputação e o bom nome do Recorrente, tanto mais que se trata de um jornalista com carteira profissional, responsável por um órgão de comunicação social online, sujeito a regras legais e éticas de conduta profissional, que lhe impõem a isenção e a imparcialidade no desempenho da sua atividade, facto que, como se viu, era conhecido pela CNN Portugal”.
A CNN Portugal ainda tentou, junto da ERC, alegar que algumas partes do direito de resposta não fossem expurgadas, designadamente a formação académica e percurso profissional do seu director do PÁGINA UM, a referência a uma editora de multimédia daquele canal (Catarina Guerreiro) e aos interesses da Ordem dos Médicos em causar danos à reputação do PÁGINA UM por via das investigações jornalísticas então em curso. Contudo, a ERC considerou que todo “o texto de resposta [do PÁGINA UM]” se mostra “apto a contestar ou modificar a impressão causada pelo texto [do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino] a que responde, improcedendo o fundamento invocado pela CNN Portugal para negar o exercício do direito de resposta”.
De igual modo, a CNN quis também que a ERC censurasse o ponto 7 do texto do direito de resposta do PÁGINA UM: “Não há memória, na História recente da Imprensa Portuguesa, de um órgão de comunicação social claramente independente (sem publicidade e sem parecerias comerciais) ser atacado de forma tão vil, e apelidado de ‘página negacionista’ por um órgão de comunicação social de um importante grupo empresarial. E ser ainda acusado de propalar alegada informação falsa, ademais omitindo, intencionalmente, elementos essenciais.”
Frederico Roque de Pinho, Nuno Santos e Pedro Santos Guerreiro são os directores da CNN Portugal, de acordo com o site deste canal televisivo.
A ERC não deu também qualquer razão à CNN Portugal neste ponto.
Além disto, a ERC considerou que as referências que o PÁGINA UM faz ao artigo da CNN Portugal – e em concreto ao “jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino” e ao seu trabalho “ultrajante” – “não se apresenta desproporcionalmente desprimorosa, tendo em conta o ‘rótulo’ de ‘página negacionista’, ‘página anti-vacinas’, ‘caso gravíssimo’, ‘inaceitável’ e ‘deplorável’, dado pela CNN Portugal ao jornal que o Recorrente dirige”.
A ERC abre, porém, a porta à CNN Portugal para não publicar o direito de resposta, uma vez que “a publicação com o texto de resposta [do PÁGINA UM] deve estar disponível [somente] enquanto a notícia respondida permanecer online, devendo estar acessível através de link, com relevo adequado, na página do texto respondido”. Ou seja, a direcção editorial da CNN Portugal pode, inadvertida ou intencionalmente, carregar numa tecla do back office do seu site, para eliminar o artigo do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, que ainda hoje, três meses depois, continua disponível.
Esta deliberação da entidade reguladora sobre a postura da CNN Portugal acaba, porém, por ser paradoxal face a uma anterior decisão que ilibou o Público de publicar um direito de resposta exigido pelo PÁGINA UM.
A CNN Portugal, um “franchisado” da Media Capital foi inaugurada em 22 de Novembro do ano passado.
Embora uma notícia do Público, colocada no seu site em 23 de Dezembro passado, fizesse referências expressas à notícia original da CNN Portugal (com um link activo) e de ali constarem comentários de leitores identificando expressamente o PÁGINA UM e o seu director, a ERC escreveu então que, naquele caso, “não pode razoavelmente interpretar-se” haver uma associação “inequívoca”. E manifestou então, nessa deliberação de 9 de Fevereiro, que a “expressão ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’” não era “subsumível ao conceito de referência indirecta suscetível de afetar a reputação e boa-fama de Pedro Almeida Vieira [director do PÁGINA UM]”.
O PÁGINA UM recorreu junto da ERC, através de uma reclamação formal, dessa deliberação que considerou “legítima” a recusa do Público em publicar o texto de direito de resposta.
Saliente-se que é usual, em organismos reguladores, as deliberações serem escritas por assessores com formação jurídica, e sensibilidades distintas, antes das votações pelos membros dirigentes, ou seja, nem sempre as deliberações entre si se mostram coerentes. A ERC terá, por certo, oportunidade de as tornar coerentes, tanto mais que se encontram ainda para deliberar queixas similares contra a Lusa, Observador e Expresso.
Pela terceira vez, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social arquivou queixas por jornalistas usarem o termo “negacionista” de forma generalizada. Desta vez o visado foi o pivot e jornalista da TVI. Segundo estatísticas que não revela, a TVI defende que os críticos das restrições impostas para controlo da pandemia apresentam tendencialmente taxas de vacinação contra a covid-19 e logo de imunização mais baixas do que a população em geral.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considera que o uso do termo “negacionista” pode ser usado livremente por jornalistas. Numa deliberação tornada pública esta semana no decurso de duas queixas contra as declarações do jornalista da TVI José Alberto Carvalho no programa Global, com Paulo Portas, aquela entidade reguladora presidida pelo juiz Sebastião Póvoas garante que o uso das expressões “negacionistas, por exemplo”, num contexto em que se abordava pessoas imunodeprimidas, não constitui “falta de rigor ou de violação do dever de imparcialidade, nem parecendo ficar em causa a devida cultura de tolerância, de não discriminação e inclusão”.
Em causa estava um comentário do jornalista José Alberto Carvalho – que recentemente recuperou a carteira profissional, com o número 7128, no decurso de uma notícia de 30 de Janeiro passado do PÁGINA UM – em conversa com Paulo Portas sobre a vacinação com a terceira dose contra a covid-19 no programa Global, onde aquele ex-político comenta uma diversidade de assuntos.
José Alberto Carvalho, pivot da TVI, que recentemente recuperou a carteira profissional de jornalista.
Quando Paulo Portas se referia ao novo antiviral da Pfizer, indicando ser “muito importante para gente que tem hospitalização, que está imunodeprimida, ou que não está suficientemente imunizada”, o pivot da TVI retorquiu: “os negacionistas, por exemplo”.
Apesar de “negacionista” ser termo considerado altamente pejorativo – o PÁGINA UM foi já acusado, de forma difamatória, pela CNN Portugal e outros órgãos de comunicação social com a clara intenção de denegrir a sua credibilidade e rigor –, a ERC parece, em todo o caso, ser agora menos liberal no seu uso.
Numa deliberação de 9 de Dezembro passado, a ERC arquivara uma queixa contra a Visão por considerar que, apesar de “em termos históricos, a negação da existência do Holocausto foi cunhada de ‘negacionismo do Holocausto’”, tal “não condiciona a utilização da palavra unicamente neste contexto”, aditando que esta “tem sido utilizada para descrever pessoas e grupos de pessoas que negam os conhecimentos científicos, à data, sobre a covid-19”.
Desta vez, porém, a ERC já diz que “não se escamoteia a dimensão errónea, parcial e pejorativa, e o potencial discriminatório, do uso da expressão ‘negacionista’ quando visando referir ou representar o universo das pessoas não vacinadas contra o coronavírus SARS-COV-2, pois que este universo de pessoas, manifestamente, abrange uma multiplicidade de realidades socioeconómicas, de situações clínicas, e de motivações subjectivas no exercício das liberdades fundamentais que não podem ser, de todo em todo, subsumíveis à da negação dos conhecimentos científicos existentes, à data, sobre a covid-19.”
A ERC acaba por ilibar José Alberto Carvalho sobretudo por interpretar que o comentário daquele jornalista “contextualizada nos termos descritos, não parece ser suscetível de confundir ‘pessoas não imunizadas’ com ‘pessoas negacionistas’”.
Neste processo, em defesa de José Alberto Carvalho, a TVI referiu que o comentário “não é minimamente injurioso, uma vez que não qualifica positiva ou negativamente o negacionismo nem se dirige em concreto a ninguém identificado ou identificável”.
Por outro lado, sublinha que José Alberto Carvalho se limitou “a partir do princípio, estatisticamente correcto, segundo o qual negacionistas (pessoas que negam a existência da covid-19 ou são críticos das restrições impostas para a resolução do problema de saúde pública por ela colocado) teriam tendencialmente taxas de vacinação e logo de imunização mais baixas do que a população em geral”.
NOTA DA DIRECÇÃO DO PÁGINA UM
Tenho sido extremamente crítico sobre grande parte das restrições impostas na gestão da pandemia, e isso não me coloca como um negacionista, qualquer que seja a acepção que se deseje usar. Negacionista é uma expressão que reputo de altamente ofensiva e difamatória. Tenho pautado a linha editorial do PÁGINA UM na escrupulosa procura de informação e seguindo preceitos de rigor científico.
Por isso mesmo, é de uma ignorância atroz – diria mesmo estupidificante –, a TVI e José Alberto Carvalho considerarem que quem critica a gestão da pandemia ou quem opta por não se vacinar seja negacionista e com imunidade mais baixa do que a população em geral.
A protecção contra a covid-19 depende não só de variáveis como a idade e o sexo – daí ser até contraproducente vacinar universalmente populações jovens saudáveis e dever ter-se prudência em vacinar jovens do sexo masculino – como também do contacto prévio com o vírus.
No meu caso pessoal, sendo crítico da gestão pandémica, a minha opção por não me vacinar advém de um dado científico: em Dezembro do ano passado fiz um teste serológico com um resultado de 427 BAU/ml para anticorpos IgG. Garanto que é uma imunidade mais alta do que a população em geral.
Na próxima semana farei novo teste serológico, porque acredito na Ciência e nos diagnósticos.
E desafio, assim, José Alberto Carvalho – que já terá pelo menos três doses de vacina – a fazer similar teste serológico, para se fazer comparação da “coisa”.
Note-se, aliás, que ainda esta semana o PÁGINA UM revelou um (até há pouco escondido) parecer da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) que afirmou – presume-se que com base na Ciência – que os recuperados sem vacina têm um risco “muito inferior ao das pessoas vacinadas sem infecção prévia por SARS-CoV-2”. E, por outro, a própria CTVC confessa que “parece existir uma maior frequência de reacções adversas sistémicas após vacinação de indivíduos previamente infectados”. Além de tudo isto, a vacinação de recuperados nunca foi alvo de ensaios clínicos.
Como pode alguém, ainda mais sendo jornalista, atrever-se a chamar negacionista a alguém por isso. Só talvez um jornalista que nega os princípios do jornalismo. E a própria Ciência.
Quanto à posição dos circunstanciais membros da ERC, não posso deixar de relembrar um extracto de uma reclamação por mim apresentada recentemente, e que caracteriza a forma lamentável como esta entidade tem regulado os media durante a pandemia:
XXIV
Na verdade, desde 2020, a ERC contribuiu também, pelo menos por omissão, para que certos jornalistas e certa comunicação social, sem qualquer rigor nem pudor, tachasse de “negacionista” toda e qualquer manifestação crítica à gestão da pandemia ou às políticas públicas de Saúde, mesmo quando essas manifestações eram assentes nas premissas da Ciência e no debate de ideias. E a ERC nunca deveria ter permitido tais comportamentos de determinados jornalistas e de determinados órgãos de comunicação social.
XXV
Pessoalmente, considero abjecto que jornalistas me queiram classificar e rotular de “negacionista” ou de “anti-vacinas”, apenas porque questiono as políticas estatais (como deve um jornalista fazer), e sabendo-se ainda que comprovada e reconhecidamente já estive com covid-19 (e, portanto, não há forma de me acusarem de a negar), sob internamento (e, portanto, não há forma de me acusarem de negar a gravidade, em determinadas condições e idades), e que possuo agora, por causa disso, imunidade natural a esta doença, comprovada através de um teste serológico de anticorpos IgG (e, portanto, não há forma de me acusarem de não acreditar na Ciência).
XXVI
Nessa matéria, e em matéria de ética e deontologia, tem mesmo o PÁGINA UM sido um modelo de rigor e de busca de informação a fontes oficiais, de que são exemplo paradigmático as solicitações de documentos oficiais junto da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e do Infarmed relacionados com a pandemia. A este respeito, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que tentou promover o arquivo aberto junto daquelas entidades oficiais, e não tendo obtido essa informação, como deveria, apresentou então pedidos de parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).
Em teoria, durante a pandemia, nunca houve tanto tempo para ler e tanta notícia para dar. Contudo, em dois anos, as perdas dos principais títulos da imprensa escrita generalistas foram brutais, sobretudo em banca. Apenas Público e Expresso mostraram bons resultados na aposta no digital, mas são maioritariamente jornais digitais. Depois da covid-19, o conflito russo-ucraniano é olhada com o desespero de um náufrago buscando uma boia.
Os dois anos de pandemia reforçaram o processo de digitalização dos principais títulos da imprensa nacional, e quem mais apostou nesta via conseguiu até recuperar os números de circulação mesmo com vendas em banca a diminuírem.
De acordo com os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação (APCT), divulgados esta semana e analisados em detalhe pelo PÁGINA UM, a circulação digital paga entre o último trimestre de 2019 – imediatamente antes da pandemia da covid-19 – e o quarto trimestre do ano passado aumentou 63% nos principais títulos nacionais do segmento de informação geral (Correio da Manhã, Diário de Notícias, Expresso, Jornal de Notícias, Público, Sábado e Visão).
Essa subida contrasta, porém, com uma forte queda da circulação impressa paga, ou seja, das vendas em banca. Considerando que se está perante quatro diários e três semanários, as vendas em papel desceram, no conjunto, de 1.026.752 exemplares por semana para apenas 692.308, uma redução de 334.444 exemplares, ou seja, menos 33%.
O crescimento no digital deveu-se sobretudo a dois títulos: Público e Expresso, que se estão a transformar em jornais digitais. O conhecido semanário fundado por Pinto Balsemão em 1973 – e que apenas em finais da década de 1990 criou o seu site com cobertura noticiosa diária – registou nos últimos dois anos um crescimento de quase 18 mil assinaturas digitais, passando de 30.382 para 48.171.
A circulação digital do Expresso ultrapassou, pela primeira vez na história deste título, as vendas em banca, que foram em média de apenas 47.275 em cada semana no último trimestre de 2021.
Em todo o caso, mesmo somando a circulação digital e impressa, o semanário actualmente dirigido por João Vieira Pereira é agora uma sombra do passado: está já bastante abaixo dos 100.000, quando no seu melhor período (terceiro trimestre de 1995) chegou a alcançar, ainda sem edição online, os 169.454 jornais vendidos por edição.
Se a digitalização do Expresso constitui uma tendência, no caso do Público é já um facto, que foi fortemente reforçado durante a pandemia. Segundo a APCT, a circulação digital paga do diário dirigido por Manuel Carvalho tinha superado pela primeira vez as vendas em banca no quarto trimestre de 2019, mas de forma ainda ligeira (19.564 vs. 17.025). Contudo, uma política de marketing agressiva durante a pandemia catapultou as assinaturas digitais que subiram, no último trimestre do ano passado, para as 40.456, ou seja, um acréscimo de 107%.
Circulação paga digital no segmento de informação geral entre os 4º trimestres de 2019 e 2021. Fonte: APCT.
Porém, mantendo uma tendência na última década, as vendas em banca do Público registaram um decréscimo significativo: menos cerca de cinco mil exemplares diários a menos entre o último trimestre de 2019 e o de 2021. O diário do Grupo Sonae, que vendeu uma média diária de 11.619 exemplares em banca entre Outubro e Dezembro do ano passado, chegou a atingir o seu máximo no terceiro trimestre de 2002, com 59.971 exemplares por edição diária. O Público é hoje, na verdade, sobretudo um jornal digital, que já regista um peso de 78%.
Nos outros títulos nacionais de informação generalista, o período de pandemia não lhes fez bem, tanto mais que, para estes o digital continuou a ser quase marginal, o que acentuou o peso das quedas nas vendas em banca.
O Correio da Manhã, que continua a ser o jornal com mais vendas em papel, teve uma queda de 30% em banca neste período. Foram menos cerca de 20 mil exemplares diários. A subida das assinaturas digitais neste período foi irrelevante: somente mais 864.
O Jornal de Notícias – que em 2009 ainda vendia acima dos 100 mil exemplares por edição diária – apresentou vendas em banca de apenas 24.227 exemplares no último trimestre do ano passado. Estes valores mostram uma queda de 37% nas vendas de jornal em papel, que nem sequer tiveram qualquer compensação no digital. No período da pandemia a circulação digital até decresceu (menos 933 assinaturas).
A situação do Diário de Notícias – ainda classificado como jornal de âmbito nacional – é um caso à parte destes títulos. O título do Grupo Global Media, dirigido por Rosália Amorim, vendeu apenas 1.866 exemplares diários no último trimestre de 2021, a que acresceram 1.834 assinaturas digitais.
Imediatamente antes da pandemia (último trimestre de 2019), as vendas em banca situavam-se nos 4.791 exemplares diários. No início do presente século, este diário vendia mais de 65 mil exemplares diários em banca. De histórico jornal, o Diário de Notícias vende agora muito menos do que periódicos regionais como o Diário de Notícias da Madeira, o Diário de Aveiro e o Diário de Coimbra.
Circulação paga impressa no segmento de informação geral entre os 4º trimestres de 2019 e 2021. Fonte: APCT.
Nas revistas semanais generalistas, o cenário também não é animador. A Sábado, agora dirigida por Sandra Felgueiras, teve uma forte perda de vendas em banca nos últimos dois anos: menos 19.013 exemplares, uma queda de 48%. A subida na circulação digital paga neste período foi relativamente forte, mas com números absolutos baixos: mais 2.830, situando-se agora nos 4.718.
Já a Visão, liderada por Mafalda Anjos, perdeu em todas as frentes: banca e digitais. A circulação impressa – que continua a ser o forte desta publicação – caiu 24% nos últimos dois anos, tendo vendido apenas 24.523 exemplares por edição. A Visão chegou a vender muito mais de 100 mil exemplares em cada semana.
Para Eduardo Cintra Torres, professor universitário e colunista do Correio da Manhã, estes números revelam uma situação de crise generalizada da imprensa que a pandemia apenas agravou. “Nos últimos dois anos, houve imensos quiosques que encerraram por causa da pandemia, muitos nem irão reabrir”, destaca este especialista em comunicação, para quem “o modelo digital trouxe vantagens, mas também problemas como a pirataria de conteúdos e uma diminuição das receitas da publicidade”.
Considerando ainda que as novas gerações estão pouco atreitas a hábitos de leitura e ao papel, Cintra Torres reconhece a necessidade de se encontrarem soluções financeiras para os media. “Na França, por exemplo, existe já uma forte subsidiarização dos media por parte do Estado; existem também programas como os do Google e do Facebook, mas isso coloca depois problemas na independência dos órgãos de comunicação social”, diz.