Os actuais gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, estão mesmo em maus lençóis. Os credores chumbaram o Processo Especial de Revitalização (PER) da empresa e decidirão em breve se a insolvência da TIN se faz através de um plano de rentabilização dos activos ainda com valor, nomeadamente a transmissão dos títulos de media, ou se se parte, de imediato, para a liquidação. Qualquer um dos cenários dará, garantidamente, calotes de milhões ao Estado e restantes credores. Seja como for, a actual gerência liderada por Luís Delgado, apesar de manifestar interesse, não terá as mínimas condições de credibilidade para se manter à frente da Trust in News durante o processo de insolvência, até porque, além de ter recebido a confirmação de uma condenação por abuso de confiança fiscal agravada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, aumentou ainda mais as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança durante o PER, chumbado na semana passada, e os atrasos no pagamento de salários agravaram-se.
Salários em atraso, dívidas de mais de 30 milhões de euros, um Processo Especial de Revitalização (PER) ‘chumbado‘ e uma condenação a pena de prisão pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada. Este é o cenário que enfrenta o ex-jornalista e comentador Luís Delgado, gerente e dono da Trust in News (TIN), que detém as revistas Visão e Exame. Com os títulos já penhorados desde 2020 pela Segurança Social e o Fisco, a Trust in News avança agora para um processo de insolvência. Os credores irão decidir se aprovam um plano ou se a empresa parte para a liquidação. Seja como for, os activos deverão ser vendidos, sendo alvo de um ‘saneamento’. Ou seja, os novos donos das revistas da TIN irão ficar com os títulos mas não com as dívidas. Também irão ‘herdar’ os trabalhadores.
Neste novo processo que vai ser iniciado pelo Tribunal, após o ‘chumbo’ do PER, Luís Delgado e os outros dois gerentes da TIN não estão em condições de liderar a insolvência da empresa, ainda que sob a fiscalização de um administrador judicial apontado pelo Tribunal. Isto porque os três gerentes da TIN viram confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a condenação, pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, a uma pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos sob condição de a dívida em causa ser saldada.
Apesar disso, a gerência da TIN anunciou a intenção de apresentar aos credores um plano de insolvência, depois de não ter conseguido convencê-los com o plano de recuperação da empresa que apresentou no decurso do PER. Curiosamente, os meios de comunicação social que noticiaram o anúncio da gerência da TIN, designadamente a agência Lusa, omitiram aos leitores que os três gerentes da dona da Visão foram condenados a penas de prisão, enfrentando ainda mais processos, incluindo um da Segurança Social, que deverá também levar a uma condenação a pena de prisão.
Sendo que na insolvência serão analisados ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta.
Os próximos passos serão decisivos para as revistas da TIN e para os seus trabalhadores. O administrador judicial provisório do PER, Bruno Costa Pereira, indicou, ao PÁGINA UM, que iria entregar ao Tribunal na quarta-feira o seu parecer no sentido de se avançar para a insolvência da empresa. De seguida, o Tribunal irá encerrar o processo do PER e iniciar um novo processo, desta vez relativo à insolvência da TIN. Será, depois, convocada uma assembleia de credores , os quais irão, ou não, aprovar um plano de insolvência ou decidir pela liquidação da dona da Visão.
Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.
O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram apareceu a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendem as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
Certo é que, com aprovação do plano de insolvência ou com a liquidação, o desfecho mais provável é de que as revistas da empresa irão ter de encontrar novos donos, os quais ficarão com os activos da TIN sem dívidas. Haverá um ‘saneamento’ e os novos donos das revistas não ficarão com as dívidas, apenas com os títulos e os trabalhadores.
Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas.
Entretanto, os trabalhadores da Visão e da Exame convocaram um plenário para o dia 18 de Novembro para analisar a insolvência da empresa de media, segundo noticiou o jornal Expresso.
Para já, após o início do processo de insolvência decretado pelo Tribunal, os credores só serão chamados a pronunciar-se no prazo de 45 dias a 60 dias, em sede de assembleia de credores. Aí será então decidido o destino dos activos da TIN. Será também o culminar de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu portfólio tóxico de revistas, ‘salvando’ a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de dívida. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.
Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores do Fisco e da Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.
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EDIÇÃO ESPECIAL: O Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News só serviu para adiar o inevitável… e aumentar as dívidas do grupo de media ao Estado. Esta tarde soube-se da decisão final dos credores, que votaram contra a recuperação da dona da revista Visão (e de cerca de uma dezena e meia de outros títulos da imprensa), onde pontificam a Autoridade Tributária e a Segurança Social, que no conjunto detêm 51% dos direitos sobre as dívidas da empresa unipessoal do ex-jornalista Luís Delgado. A ‘máquina fiscal’ assegura agora que a Trust in News continuou este ano a aumentar as dívidas, que se situam agora em mais de 8,5 milhões de euros, e a Segurança Social informou que só em Maio passado houve um pagamento esporádico. A insolvência está cada vez mais próxima, e o risco do colapso completo das revistas do grupo – entre as quais a Visão, a Exame, a Caras e o Jornal de Letras – é quase certo. Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.
Fim de linha para Luís Delgado e para um modelo desastroso de negócios de media que levou uma empresa com capital social de apenas 10 mil euros a deter uma dezena e meia de títulos de imprensa e ‘conseguir’ o prodígio de acumular dívidas de mais de 30 milhões de euros em apenas oito anos.
Foi chumbado esta tarde o plano do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, com os votos tanto da Autoridade Tributária e Aduaneira (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Ao lado da continuação da Trust in News apareceu apenas a Impresa (13,5% do total dos créditos), a quem foram vendidas das revistas em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
A partir de agora, o administrador judicial provisório, Bruno Costa Pereira, solicitará à Trust in News e aos credores uma pronúncia sobre a eventual insolvência – que aparenta ser inevitável face ao ‘chumbo’ do PER e às dificuldades de obtenção de crédito imediato. Num caso destes, a suspensão da publicação das revistas será imediata, podendo, contudo, num processo de insolvência serem vendidos os títulos a terceiros, embora seja previsível que tal suceda somente se não houver ‘migração’ do passivo.
Saliente-se que numa situação de insolvência será então possível averiguar se houve gestão danosa e mesmo se poderá averiguar as circunstâncias da estranha venda das revistas pela Impresa em 2018 a Luís Delgado, que constituiu uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros, e cuja contabilidade merece bastantes dúvidas.
Uma das razões principais para este ‘chumbo’ do PER acabou por ser a falta de confiança dos principais credores em garantir que a Trust in News iria cumprir as obrigações passadas e as futuras. Até porque nem nos últimos meses, já com a ‘corda na garganta’, a gerência liderada por Luís Delgado – sócio único da empresa de media – se comportou de forma diferente. Num ofício ontem enviado pela AT, a directora de serviços de Gestão dos Créditos Tributários, Ana Tavares Silva, revelava que a Trust in News continuava a aumentar a dívida, salientando que a dívida fiscal é, actualmente, de 8.570.711,37 euros, ou seja, “um aumento da dívida, desde Janeiro de 2024, de 1.292.147,65 euros”.
A dirigente da ‘máquina fiscal’ salienta que “não obstante as medidas de redução de custos previstas e incluídas nos planos anteriores, como indutoras e suscetíveis de reverter a situação de incumprimento crónico”, a Trust in News “não pára de constituir dívida nova”, apesar “dos compromissos assumidos para com o credor tributário de dar cumprimento ao plano prestacional implementado, bem como, ao cumprimento tempestivo e integral de todas as novas obrigações tributárias vincendas (declarativas e de pagamento)”.
Constatando assim que os resultados dos últimos anos da Trust in News “não produz excedentes capazes de saldar o valor dos créditos em dívida”, a AT destaca ainda que a qualidade e quantidade das dívidas (retenções de IRS e IVA não entregues) enquadra-se num crime de abuso de confiança. Recorde-se, aliás, que Luís Delgado, e os outros dois gerentes da Trust in News (Cláudia Serra Campos e Filipe Passadouro), já sofreram uma condenação, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, conforme noticiou o PÁGINA UM, por abuso de confiança agravada, a dois anos e meio de prisão suspensa mas com a condição de pagamento. Ora, essa condenação diz apenas respeito às dívidas de menos de 900 mil euros.
Em sentido similar foi a posição da Segurança Social. A própria presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (IGFSS), Teresa Cordeiro, salientou, na comunicação do voto desfavorável ao PER, que houve um “incumprimento reiterado do pagamento de contribuições por parte da empresa [Trust in News] desde Setembro de 2019 (inclusive), sendo que, desde esse mês, apenas ocorreram pagamentos esporádicos e parciais das contribuições mensais, sendo o único mês pago na totalidade o de Maio de 2024”, acrescentando que “a empresa não cumpriu nenhum dos planos prestacionais que foram autorizados e implementados”. Na deliberação, a IGFSS acrescentou também que se o PER viesse a ser eventualmente aprovado, seria interposto recurso da sentença de homologação, até porque houvera “consentimento expresso à modificação dos seus créditos”.
De entre os documentos do PER, consultados pelo PÁGINA UM, destacam-se também os votos, grande parte dos quais contra, dos jornalistas das diversas revistas da Trust in News. Numa dessas cartas, a directora de arte da Caras, Carla Mendes, além de informar não ter recebido o salário de Outubro e o subsídio de férias, salienta que “diariamente estamos a perder condições e ferramentas essenciais de trabalho, sem qualquer explicação ou comunicação da administração. Aliás, são os próprios empregados sem qualquer cargo de direção, como eu, que vamos encontrando soluções que permitam contornar as dificuldades existentes para que se consigam fazer as revistas, que é o nosso produto”
Esta jornalista, na missiva enviada para o processo, acusa a gerência da Trust in News de “não apresentar linhas condutoras de negócio, demonstra[ndo] total desconhecimento das necessidades e funções de uma editora”, acrescentando que o “comportamento danoso” da empresa a faz acreditar que “não haverá capacidade para pagar as dívidas”. E alerta, por fim, para a existência de “situações graves sociais decorrentes dos atrasos dos pagamentos”, apelando “à celeridade da resolução deste problema e de um esclarecimento sobre o que podemos contar nos próximos dias”, lamentando o “silêncio desesperante”.
Recorde-se que o PÁGINA UM foi o primeiro órgão de comunicação social a revelar, em Julho do ano passado, a situação desastrosa da Trust in News, que mentia no Portal da Transparência dos Media e que estava a beneficiar de um ‘tratamento especial’ do Governo de António Costa, que ‘permitiu’ que as dívidas fiscais e à Segurança Social se acumulassem até aos 15 milhões de euros.
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Não estalou apenas o verniz. Escaqueirou-se o edifício inteiro, neste caso a (pouca) credibilidade da actual Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), revelando-se o caos que há muito ruminava por dentro. A demissão de três membros da ‘polícia dos jornalistas’, que concede acreditações e tem funções disciplinares, veio sob a forma de acusações de centralismo, despotismo, desvio de funções e mesmo gastos excessivos que colocaram as contas da CCPJ no vermelho. Nas cartas de renúncia dos três jornalistas (Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão) são expostos vastos exemplos da forma como a presidente da CCPJ, Licínia Girão, que não tem exercido jornalismo nos últimos anos, usou e abusou dos seus poderes para, através de senhas de presença e outros gastos, bem como de acções de formação, transformar uma função não remunerada num ‘salário’ que estará a ultrapassar os 4.000 euros por mês. Também se soube que, por causa de notícias do PÁGINA UM, Licínia Girão contratou um escritório de advogados para apresentar uma queixa pessoal, mas apresentou a conta de 6.000 euros à CCPJ. Com inéditos prejuízos, a CCPJ arrisca agora ficar nos mesmos ‘lençóis’ onde as finanças pessoais de Licínia Girão estiveram há poucos anos: em 2019, a jornalista beneficiou de um perdão de dívidas num processo de insolvência pessoal.
As renúncias de três dos nove membros da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), conhecidas ontem, vieram trazer a público uma gestão financeira caótica e casos de centralismo e despotismo da sua presidente, a jurista e também jornalista Licínia Girão, que tomou posse em Maio de 2022, três anos depois de um processo de insolvência (falência) pessoal, interposto em 2012, ter sido concluído.
No rol de acusações agora conhecidas nas cartas de renúncia de três dos seus pares – que a designaram por cooptação, em Maio de 2022 -, constam as excessivas despesas, sobretudo por uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’ e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.
Neste último caso, a carta de renúncia de Anabela Natário e de Isabel Magalhães, datada de 24 de Outubro, explicita o uso indevido de recursos financeiros da CCPJ no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre o currículo e experiência profissional de Licínia Girão, e que colocavam em causa os seus pergaminhos de “jurista de mérito” exigido por lei para o cargo, incluindo a existência de um estágio de advocacia fictício e um ‘chumbo’ nas provas de acesso ao curso de magistrados no Centro de Estudos Judiciários.
De entre o rol de exemplos de anormalidades da gestão centralizadora de Licínia Girão, as duas jornalistas demissionárias relatam a decisão da presidente da CCPJ em processar o director do PÁGINA UM, por notícias publicadas sobre o seu percurso profissional, mas às custas desta entidade com estatuto público. “Foram, pelo menos, seis mil euros em advogados, e desconhecemos quanto em senhas e viagens”, relatam Anabela Natário e Isabel Magalhães, recordando que Licínia Girão tinha garantido, em plenário de 15 novembro de 2023, que tinha “apresentado uma queixa, em nome pessoal, contra o jornalista Pedro Almeida Vieira junto do Conselho Deontológico (…) e apresentado igualmente queixa junto do Ministério Público”. As duas jornalistas dizem ainda que “só depois de uma grande pressão, [Licínia Girão] acabou por retirar a queixa, querendo, no entanto, impor condições tão esquisitas que foram ‘chumbadas’. E não se comprometeu a devolver a quantia gasta indevidamente.” A queixa judicial terá sido mesmo retirada, mas o processo enviesado no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas avançou, sendo mesmo recusada a defesa apresentada pelo director do PÁGINA UM. Saliente-se que não é necessário que seja um advogado a apresentar uma queixa judicial nem a solicitar uma intervenção do Conselho Deontológico, bastando saber escrever razoavelmente. Além disso, embora não sendo advogada, por não ter conseguido concluir o estágio da Ordem dos Advogados, Licínia Girão é jurista.
Mas este gasto de seis mil euros é apenas uma ‘gota de água’ nos despesismos de Licínia Girão, e que estão rapidamente a delapidar os recursos financeiros da CCPJ, que ‘vive’ sobretudo dos emolumentos pagos pelos jornalistas (70,50 euros a cada dois anos). Se nas contas de 2021, a CCPJ apresentava resultados transitados (ou seja, acumulação de lucros) de 343.882 euros, os dois anos de gestão de Licínia Girão já ‘comeram’ uma parte substancial destas reservas. Em 2022, a CCPJ apresentou um ligeiro mas inédito prejuízo (2.588 euros), mas no ano passado o prejuízo subiu para os 78.904 euros, havendo indicações de o ano de 2024 terminar com mais perdas. A parte substancial destes prejuízos advirá da constante apresentação de gastos diversos e de senhas de presença de Licínia Girão, que ao contrário dos anteriores presidentes da CCPJ, não tem actividade jornalística conhecida. Nos seus estatutos, este organismo, apenas com funções de acreditação e de acção disciplinar, nunca previu a remuneração dos membros dos seus órgãos sociais, sendo os nove membros recompensados por senhas de presença em reuniões.
Porém, Licínia Girão tem vindo a assumir, pessoalmente, múltiplas tarefas fora das competências da CCPJ, entre as quais acções de formação, para amealhar um autêntico salário. Na carta de renúncia, Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que os gastos associados a senha de presença em 2022 chegaram aos 26 mil euros – quando em 2021, no mandato de Leonete Botelho, jornalista do Público tinham sido de 22 mil euros –, mas que aumentaram abruptamente em 2023 para os 40 mil euros [na verdade, 40.986 euros, de acordo com as demonstrações financeiras, consultadas pelo PÁGINA UM]. Do montante despendido no ano passado, só Licínia Girão embolsou, segundo as duas demissionárias, 18.948 euros apenas em senhas de presença, ou seja, quase tanto quanto o que os oito membros auferiram no mesmo período. No primeiro semestre de 2024, o recebimento, nesta modalidade, situou-se já nos 14 mil euros, ou seja, um ‘salário’ médio de mais de 2.300 euros por mês. Na carta de renúncia de Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que Licínia Girão atribuiu a si própria as senhas de presença.
Porém, existem mais gastos assumidos pela CCPJ, sedeada em Lisboa, que acabaram nos bolsos da sua presidente, que vive em Coimbra. De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM – e que encontram respaldo numa análise na evolução das despesas desta entidade face ao mandato anterior –, enquanto Leonete Botelho, anterior presidente da CCPJ, auferiu cerca de seis mil euros por ano para compensar o tempo dedicado, Licínia Girão fez por ganhar o direito de receber 33 mil euros em senhas de presença e outras compensações ao longo de 2023. Este ano, a ‘factura’ de Licínia Girão, suportada sobretudo pelos emolumentos dos jornalistas, foi já de 24 mil euros apenas no primeiro semestre, ou seja, uma média de quatro mil euros por mês.
Destaque-se que os gastos em senhas de presença têm sido escondidos activamente pela CCPJ, tendo o PÁGINA UM intentado uma acção de intimação no ano passado junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos documentos de pagamentos individuais. Uma sentença de Setembro do ano passado chegou a conceder o direito ao PÁGINA UM de acesso à “totalidade das actas do Plenário” desta entidade desde 2020, bem como “a consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”. Porém, a sentença ainda não foi executada porque houve recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul sobre outras matérias, mas tem sido evidente ao longo dos anos que a CCPJ, apesar de ser constituída por jornalistas, nunca se mostrou muito defensora da transparência. Muito pelo contrário.
O mal-estar pelos gastos e gestão da presidente da CCPJ à frente de uma entidade que tem tido uma actuação polémica por via da ausência de acção sobre ‘jornalistas comerciais’ e pela acção pífia face ao descrédito generalizado da profissão não são recentes, mas ganharam agora expressão com o bater da porta dos três membros eleitos com o apoio do Sindicato dos Jornalistas, apenas restando Jacinto Godinho, jornalista da RTP e docente na Universidade Nova de Lisboa, que se tem comportado como o ‘braço direito’ de Licínia Girão. Apesar de ser um órgão colegial de nove elementos que funciona em Plenário com frequência mensal, orientado por um Secretariado de três membros (Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro), os três jornalistas demissionários tecem críticas demolidoras, incluindo a tomada de decisões da CCPJ que, na verdade, apenas reflctem a posição da presidente.
“Quase tudo é feito por ‘iniciativa’ do Secretariado, a maioria das vezes apenas com a assinatura da presidente em nome do mesmo, contudo, no corpo dos textos ou nos depoimentos fala-se em nome da CCPJ, como se representasse de facto todos os seus membros”, salientam Anabela Natário e Isabel Magalhães, que denunciam um clima pouco saudável criado pela gestão de Licínia Girão. E acrescentam que “a centralização de quase tudo na pessoa da presidente é um dos entraves ao bom funcionamento da CCPJ”, exemplificando com “os inúmeros pontos na ordem de trabalhos das reuniões semanais do secretariado, tão evocados, interna e externamente, para justificar a ineficácia da sua gestão”.
Já Miguel Alexandre Ganhão, o terceiro demissionário, é mais curto mas igualmente contundente nas suas críticas expostas na carta de renúncia, falando, como exemplo, no “processo burocrático que desabou no gigantismo de 80 pontos a serem discutidos em reunião de Secretariado”, acrescentando que “mais uma vez, este não é um indicador de eficácia, é uma entropia que foi alimentada por uma estratégia centralizadora”.
Todos os três demissionários são unânimes também em criticar a opção de Licínia Girão em tentar reorientar as funções da CCPJ para a área da formação e mesmo para cativar fundos comunitários, de forma a encontrar fontes de financiamento que a beneficiem, algo que acabou por ser travado pela Direcção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT). Como tal não avançou, por ‘chumbos’ diversos, Licínia Girão acabou por optar pelo estabelecimento de parcerias com o Centro de Estudos Judiciários e o CENJOR. Isabel Magalhães e Anabela Natário lamentam, na carta de renúncia, ser “incompreensível o facto da presidente [Licínia Girão] arranjar formações para ela própria ganhar financeiramente com as mesmas”.
Acrescente-se que, antes mesmo destas renúncias, o PÁGINA UM estava já a investigar a promoção de acções de formação entre a CCPJ e o CENJOR, tendo questionado ambas as entidades sobre os montantes a receber por Licínia Girão. Ambas as entidades não quiserem revelar esses montantes.
Com a saída dos três membros do Plenário da CCPJ, em princípio deveriam ser substituídos pelos suplentes, mas o PÁGINA UM apurou que ninguém manifestou disponibilidade, até por estarem previstas eleições para esta entidade em finais de Janeiro do próximo ano. Certo é que Licínia Girão respondeu às demissões acusando os ex-membros de terem “muitas dificuldades em lidar com a democracia quando as suas opiniões são contrárias“. E tem a esperança de vir a ser reconduzida em novo mandato por mais três anos.
Nesse caso, e tendo em conta o desempenho financeiro de Licínia Girão no seu primeiro mandato à frente da CCPJ, com elevados prejuízos acumulados, e o seu passado de gestão pessoal, não se prevêm bons resultados. Recorde-se que Licínia Girão beneficiou de um processo de insolvência pessoal, iniciado em 2012, e que a partir de 2019 a desonerou das dívidas que acumulara com o Banco Credibom, o Barclaycard, a Gesphone, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Optimus e a Universidade Aberta.
N.D. O Código Deontológico dos Jornalistas estipula que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”. Nessa linha, pode eventualmente criticar-se o facto de eu co-assinar uma notícia em que se revela que Licínia Girão apresentou uma queixa judicial (aparentemente retirada) contra mim. A opção poderia passar por incluir a autoria exclusivamente à Elisabete Tavares, que também é a autora da intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Mas, ponderado com racionalidade, não há aqui, salvo melhor opinião (um jargão jurídico), qualquer conflito de interesses, no pressuposto de que o rigor com que o PÁGINA UM tem vindo a tratar dos assuntos relacionados com a CCPJ e Licínia Girão são a nossa maior garantia de credibilidade daquilo que assinamos. Se temos, como jornalistas do PÁGINA UM, algum interesse a manifestar nesta ‘estória’ da CCPJ que culminou na renúncia aos cargos de três membros, então acrescentarei apenas: lamento e não estou absolutamente nada surpreendido.
Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM
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A lei prevê compensação para as distribuidoras de electricidade por cada factura que enviem aos seus clientes com a cobrança da contribuição para o audiovisual com o objectivo de financiar o serviço público da RTP. Nos últimos 15 anos, as distribuidoras de electricidade, sobretudo a EDP, arrecadaram 40,3 milhões de euros apenas por incluírem nas facturas dos clientes aquela cobrança. Empresas de electricidade só não ganharam mais com a medida porque no tempo da ‘troika’ o valor que estão autorizadas a ‘reter’ em cada factura de cliente caiu para metade. Ainda assim, só em 2023, as eléctricas puseram no bolso mais de 2,2 milhões de euros. Na prática, 1,18% da contribuição para o audiovisual não chegou à RTP porque ficou nas mãos das distribuidoras de electricidade. Ainda assim, no global, já entraram nos cofres da empresa pública de televisão 2,44 mil milhões de euros provenientes das contas da luz, desde 2009.
Uma fatia da contribuição para o audiovisual nunca chega à RTP. Isto porque as distribuidoras de electricidade retêm um ‘taxa’ como compensação por terem de incluir nas facturas dos seus clientes a cobrança daquele apoio que visa financiar a empresa pública de televisão. Nos últimos 15 anos, um total de 40,3 milhões de euros ficaram ‘retidos’ nos cofres das empresas de electricidade, segundo a análise do PÁGINA UM aos relatórios e contas da RTP.
A EDP, a maior empresa do sector, com mais de 4,7 milhões de clientes em Portugal, tem sido a que mais tem ‘amealhado’ com a medida prevista numa lei de 2003, que aprovou o modelo de financiamento do serviço público de radiodifusão e de televisão. Segundo este diploma, “as empresas distribuidoras de electricidade serão compensadas pelos encargos de liquidação da contribuição através da retenção de um valor fixo por factura cobrada”.
Em 2023, as eléctricas viram entrar em ‘caixa’ um total de 2.243.170 euros apenas por terem cobrado aos clientes a contribuição para o audiovisual, e entregue depois o valor à RTP. Por cada factura em que seja cobrada esta contribuição, as distribuidoras e comercializadoras de energia podem tirar para si o valor de 0,0333 euros.
Segundo a legislação, quem decide quanto podem reter as eléctricas por prestarem este ‘serviço’ é o Governo, por meio de despacho conjunto do Ministro das Finanças, do ministro responsável pela área da comunicação social e do Ministro da Economia. O valor inicial até chegou a ser mais elevado do que actualmente: 0,06 euros por cada factura de cliente, por via de um despacho conjunto de Janeiro de 2004. Posteriormente, em 2011, foi actualizado para 0,0666 euros, uma subida de 11%, mas a crise de dívida e a ‘troika’ levou a que, em 2012, o valor fosse cortado para metade, ficando nos 0,0333 euros. O valor mantém-se desde essa data.
Mas, se para uma empresa lucrativa, como a EDP ou a Galp, esta receita possa parecer ‘peanuts‘, sabe a pipocas, porque é dinheiro ‘limpo’ e garantido em caixa. E é uma excepção ao modelo de cobrança de taxas e impostos. Por exemplo, a Galp não recebe qualquer montante por gerir os fluxos do Imposto sobre os Produtos Petrolíferos (ISP), nem, claro, as empresas e os particulares por serem ‘cobradores’ de IVA. Pelo contrário, se falharem ou se atrasarem no envio desse dinheiros para a ‘máquina estatal’ arriscam pesadas coimas ou mesmo penas por crime de abuso de confiança fiscal.
Segundo o levantamento feito pelo PÁGINA UM, através de uma análise aos relatórios e contas da RTP nos últimos 15 anos, entre 2009 e 2012 as empresas de electricidade conseguiram ‘sacar’ mais de quatro milhões de euros por ano à conta da contribuição para o audiovisual. Só com a chegada da crise e o pedido de ajuda financeira externa do país, houve um travão nesta receita fácil, e os valores recuaram para valores próximos dos dois milhões de euros por ano. No ano passado atingiram um pouco mais de 2,2 milhões de euros, o valor mais elevado da última década.
Este crescimento nas receitas advém directamente do aumento do número de consumidores de electricidade no país. Segundo o mais recente boletim da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, em Portugal Continental estão registados um pouco mais de 6,5 milhões de consumidores do mercado retalhista de eletricidade, entre mercado liberalidade e mercado regulado. O bolo da comissão pela ‘taxa audiovisual’ é distribuído pelos 35 comercializadores a operar no país, mas a EDP mantém-se como a ‘rainha’, uma vez que detém ainda64% de quota de mercado.
No meio de tudo, quem tem perdido são os consumidores que são obrigados a pagar, nas suas facturas da luz, a verba para financiar a RTP, sendo discutível que a empresa presta sempre serviço público, como seria suposto. Por exemplo, a empresa empregou, a peso de ouro, apresentadores para serem estrelas em programas de entretenimento de gosto debatível, além de outros casos de possíveis ‘desperdícios’ de dinheiro dos contribuintes. Por outro lado, em alturas de crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, alinhou com a ‘linha’ oficial do Governo, sem questionar algumas das medidas radicais impostas no país com resultados trágicos, os quais são observáveis no excesso de mortalidade recorde registado desde 2021 e no aumento do nível de pobreza no país.
Ao todo, a RTP encaixou, somando os valores contabilizados nos diversos relatórios e contas, cerca de 2,44 mil milhões de euros nos últimos 15 anos pagos pelos consumidores através das faturas da luz. Dava para construir quase três pontes Vasco da Gama. O ano em que a RTP recebeu menos verba foi em 2010, quando ‘só’ arrecadou 109,6 milhões de euros. O valor mais alto registou-se no ano passado: 190,1 milhões de euros. A empresa explicou, no seu relatório e contas de 2023 que o aumento daquela ‘receita’ em 2,7% face a 2022, é justificado “maioritariamente pelo aumento do número de consumidores de eletricidade” no país.
Apesar de os montantes arrecadados de ‘taxa audiovisual estarem a subir, não significa que a RTP tivesse menos dinheiro do Estado há alguns anos, uma vez que existia a prática de injectar financiamento extraordinário através das denominadas “indemnizações compensatórias”. Por exemplo, em 2010, a indemnização compensatória de 121 milhões de euros chegou a ser superior à ‘taxa audiovisual’ (109,6 milhões de euros). Em 2023 não houve este tipo de ‘compensação’.
A contribuição para o audiovisual tem, actualmente, um valor fixo mensal de 2,85 euros, a que acresce o IVA à taxa de 6%. Ou seja, só em IVA o Governo encaixou no ano passado mais 11,46 milhões de euros. Para clientes que cumprem certos critérios, como estar em situação de desemprego, a contribuição é de 1 euro, mais IVA. Este ‘imposto’ sobre os consumidores de electricidade é cobrado 12 vezes ao ano, a cada mês. Apenas os contratos com consumos menores de 400 kWh por ano estão isentos do pagamento deste ‘imposto’ para financiar a RTP.
Este ‘imposto’ cobrado aos clientes das eléctricas para financiar a RTP continua a ser polémico, sendo considerado anacrónico, por obrigar os consumidores de electricidade a ‘sustentar’ uma empresa da qual podem nem ser ‘clientes’, que não valorizam ou cujo desempenho não apreciam. Certo é que, mesmo sendo considerada uma taxa, por prestação de um serviço, ninguém pode recusar o pagamento.
A lei determina que nenhuma comercializadora de electricidade pode passar factura ou aceitar pagamento de um cliente sem somar aos custos dos consumos de electricidade e demais serviços este ‘imposto RTP’. Assim, o consumidor, se quiser ter luz em casa, tem mesmo de financiar a RTP. E, à boleia, acaba a dar uma ‘gorjeta’ forçada às eléctricas.
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Durante anos, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) – que detém, directa e indirectamente, 12 rádios locais, dois periódicos, um canal televisivo – tentou que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a desobrigasse de revelar os indicadores financeiros de uma actividade religiosa, assente numa mera associação privada do tipo clube, que movimentou 209 milhões de euros entre 2017 e 2022. Nunca conseguiu. Até este ano. Sem sequer qualquer deliberação conhecida, o novo Conselho Regulador da ERC decidiu que, afinal, bastava a IURD divulgar dados parcelares e não validados, passando a esconder as informações financeiras globais. Sustentação legal para esta acção do regulador dos media, presidida por Helena de Sousa, não existe. A ERC diz que a actividade de comunicação da IURD é secundária, o que se mostra bastante questionável, tanto mais que também detém uma ‘holding’ de empresas de rádio, a Global Difusion, que em 2022 tinha dívidas de 58 milhões de euros e estava em falência técnica. E não registou ainda as contas do ano de 2023.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), presidida por Helena de Sousa, aceitou este ano que a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) não divulgasse os seus dados financeiros reais de toda a sua actividade, permitindo-lhe, ao arrepio da lei, que inserisse na Plataforma da Transparência dos Media somente algumas informações financeiras não validadas respeitantes às actividades de comunicação social, que incluem dois periódicos e um canal televisivo por cabo (UniFé TV), que entrou em actividade em Agosto de 2022. Essa documentação não está acessível nem sequer é validável, por a IURD se tratar de uma associação privada.
Nos últimos anos, a IURD andou insistentemente a tentar obter a confidencialidade dos dados financeiros, com sucessivos requerimentos, mas o anterior Conselho Regulador, presidido pelo Sebastião Póvoas, recusou por sistema essa pretensão, conforme documentos consultados pelo PÁGINA UM após a intervenção do Tribunal Administrativo de Lisboa, confirmado por um acórdão ‘demolidor’ do Tribunal Central Administrativo de Lisboa. Recorde-se que o PÁGINA UM teve uma ‘luta’ de quase dois anos contra o regulador que se opunha a identificar as entidades que solicitavam confidencialidade na transmissão do reporte financeiro exigido pela Lei da Transparência dos Media.
Para tentar não divulgar publicamente qualquer informação, a IURD alegava, segundo os documentos consultados na ERC, “que, por se tratar de uma associação de carácter religioso sem fins lucrativos, as suas contas não se encontra[v]am sujeitas a um dever de publicação” e que desenvolvia uma actividade “que vai muitíssimo além da publicação periódica da qual é detentora, actuando neste prisma de empreender de forma meramente acessória por referência ao seu escopo principal”. E defendia que, deste modo, “a maioria dos dados financeiros inseridos na Plataforma da Transparência não está relacionada com a sua actividade de comunicação social”. Contudo, o sector da comunicação social na IURD, com uma estratégia de compra tem aumentado substancialmente nos últimos anos, detendo directa e indirectamente dois periódicos, um canal televisivo e 12 rádios locais.
De entre essas largas dezenas de entidades que pediam confidencialidade destacava-se a IURD, bem como as empresas de rádios regionais integradas na holding Global Difusion, detida a 100% por esta igreja evangélica de origem brasileira, e ainda a RecordTV. Este canal televisivo integra a holding de Edir Macedo, o fundador e líder da IURD no Brasil.
Em anos anteriores, a ERC recusara sistematicamente essa pretensão de obscuridão por parte da IURD, até porque uma autorização abriria uma caixa de Pandora. Ou seja, qualquer investidor ou fundo poderia passar a deter um ou vários órgãos de comunicação social sem divulgar publicamente a informação, bastando ‘provar’ que a actividade de media era completamente acessória. No limite, os próprios partidos políticos que detêm os seus periódicos oficiais deixariam de ser obrigados a transmitirem dados financeiros no Portal da Transparência dos Media, bem como centenas de outras entidades, entre as quais algumas de carácter religioso ligadas à Igreja Católica, sindicatos, instituições de solidariedade social e diversas empresas privadas, ou até mesmo fundos financeiros.
Até ao ano passado, mesmo se até houve um ano em que os serviços técnicos recomendaram o deferimento dos dados financeiros da IURD, o Conselho Regulador da ERC foi intransigente, indeferindo sempre os pedidos de confidencialidade dos dados financeiros, apenas permitindo a ocultação dos sócios da IURD em Portugal, que é uma associação privada do tipo clube apenas acessível aos ‘bispos’, e que vive dos chorudos donativos dos fiéis. Por esse motivo, através do Portal da Transparência dos Media era possível conhecer tanto os rendimentos, como o activo total, o capital próprio e o passivo da IURD. Consultando essa informação, fica-se a saber que a igreja evangélica conseguiu arrecadar 209 milhões de euros entre 2017 e 2022, passando o activo, que inclui edifícios de culto, para os 184,5 milhões de euros, mais 110 milhões do que em 2017.
Com as novas ‘contas’, alegadamente referentes apenas à componente associada à comunicação social, a IURD inscreveu apenas rendimentos de 1,4 milhões de euros, reportando também prejuízos de 1,38 milhões de euros e capitais próprios negativos de 2,7 milhões de euros. Mas em anos anteriores essa informação discriminada não existirá.
Confrontada com esta situação, o Conselho Regulador da ERC alega que “as entidades proprietárias de órgãos de comunicação social, mas cuja actividade principal não é a comunicação social (como é o caso da IURD) quando inserem as suas informações na Plataforma da Transparência podem optar por inserir os indicadores relativos à atividade global ou apenas os indicadores financeiros relativos à actividade de comunicação social”, acrescentando que “neste enquadramento, até 2022 inclusive, os dados inseridos pela IURD dizem respeito à actividade da igreja como um todo”, mas que, “em 2023, passaram a apresentar os indicadores financeiros para a actividade de comunicação social isoladamente”.
A ERC acrescenta ainda que a informação reportada pela IURD “está devidamente documentada”, mas defende que “a prova dos indicadores financeiros não é documentação de domínio público”. Esta é mais uma interpretação abusiva por parte do regulador, uma vez que, estando essa informação em sua posse, em formato analógico ou digital, passa a constituir imediatamente o ‘estatuto’ de documento, acessível ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Aliás, o PÁGINA UM já requereu hoje a consulta formal desses documentos.
Mas o acesso á documentação é somente um pormenor, porque, na verdade, a liberalidade do regulador constituiu uma ilegalidade. Com efeito, a ERC até tem o poder arbitrário de conceder confidencialidade às empresas – e somente em condições muitos especiais o fez, como o PÁGINA UM teve oportunidade de conferir em mais de uma centena de processos consultados nas instalações do regulador até ao final da passada semana –, mas não pode alterar as normas da Lei da Transparência dos Media, uma vez que esta é uma incumbência exclusiva da Assembleia da República.
Ora, na lei de 2015 e no regulamento subsequente que estabelece as regras de reporte financeiro, aprovado em 2020, não existe a mínima referência à possibilidade de se indicar apenas a parte alegadamente respeitante a uma suposta componente minoritária associada à comunicação social. Nesse aspecto, os deputados que aprovaram a Lei da Transparência dos Media em 2015 foram taxativos: a lei da transparência aplicava-se às agências noticiosas, às pessoas singulares ou colectivas que editem publicações periódicas (quaisquer que fossem), aos operadores de rádio e de televisão (incluindo emissão por via eletrónica), às “pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, serviços de programas de rádio ou de televisão, na medida em que lhes caiba decidir sobre a sua seleção e agregação”, bem como às “pessoas singulares ou colectivas que disponibilizem regularmente ao público, através de redes de comunicações eletrónicas, conteúdos submetidos a tratamento editorial e organizados como um todo coerente”.
A única excepção seria para os casos em que não há, por razões de dimensão financeira, contabilidade organizada, algo que jamais se pode aplicar à IURD que movimentou mais de 200 milhões de euros desde 2017.
Certo é que desde que tomou posse no ano passado, o novo Conselho Regulador da ERC, presidido por Helena de Sousa, tem mostrado interesse em ‘escurecer’ a Lei da Transparência dos Media, justificando a intenção com o cenário de crise financeira do sector. Em Julho passado, numa polémica proposta de revisão desta legislação, sob a forma de deliberação, a ERC propôs à Assembleia da República um autêntico repositório de alterações e subtracções das obrigações das empresas de media em termos de identificação dos titulares directos e indirectos dos órgãos de comunicação social, bem como um aligeiramento das penalizações em caso de não indicação (ou lacunas e erros) de indicadores financeiros.
Por outro lado, nessa proposta, a ERC ainda manifestava o desejo de se ocultar o acesso a acordos parassociais – escondendo assim formas de controlo indirecto sem ser sob a forma de quotas ou acções – e também a possibilidade de isenção do cumprimento das normas de transparência sobre os meios de financiamento e o relatório organizacional por parte das “entidades que prossigam actividades de comunicação social a título acessório, em que a actividade de comunicação social tenha comprovadamente um peso diminuto nos rendimentos e um alcance residual ao nível das audiências”.
A ERC nunca determinou, nesta deliberação nem em outros documentos, os critérios para determinar o que é “um peso diminuto nos rendimentos” ou ainda “um alcance residual ao nível das audiências”, mas, conforme o PÁGINA UM alertava há três meses, claramente esta norma, a ser acolhida numa alteração legislativa na Assembleia da República, isentaria os partidos políticos, sindicatos, associações e diversas instituições religiosas, como a IURD, de mostrarem contas, sobretudo por não serem ‘empresas convencionais’ obrigadas a registo e depósito das demonstrações financeiras na Base de Dados das Contas Anuais, gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado (IRN).
Ou seja, o Conselho Regulador da ERC – a entidade que, muitas vezes, aplica coimas aos órgãos de comunicação social que cometem infracções legais – está a agir, no caso concreto da IURD, completamente à margem da lei, usando de um poder discricionário incompatível com o seu estatuto de entidade somente reguladora. O PÁGINA UM pediu, aliás, que a entidade presidida por Helena de Sousa dissesse que norma (a existir) em concreto, com indicação do artigo da Lei da Transparência dos Media, que sustenta a ‘benesse’ agora concedida à IURD para não revelar os dados financeiros principais de toda a actividade desta associação privada, como sucedeu entre 2017 e 2022. Hoje, ao final do dia, o Conselho Regulador da ERC respondeu ao PÁGINA UM, continuando sem indicar, em concreto, a norma da Lei da Transparência dos Media que poderia dar respaldo legal à benesse concedida à IURD.
O regulador diz que “31% das entidades registadas na Plataforma da Transparência não têm como atividade principal a comunicação social”, e que, desse modo, entende que “o reporte integral dos indicadores financeiros destas empresas [ou entidades] no Portal da Transparência, a par e passo com empresas cuja actividade é apenas a comunicação social, não só é desproporcional, como é comparada com informação que abrange um universo de atuação distinto – o da comunicação social exclusivamente”. E acrescenta ainda que, “ao permitir que empresas de outros sectores de actividade reportem informação financeira, quando o conseguem fazer, em exclusivo relativa à actividade de comunicação social, reforça a comparabilidade da informação e a sua relevância para a prática regulatória e para os objetivos prosseguidos pela Lei da Transparência”.
Mas esta interpretação abre também uma infinidade de problemas de transparência complexos, sobretudo porque, como sucede no caso da IURD, não há uma validação dessa contabilidade analítica. Aliás, a igreja evangélica sabe disso, razão pela qual nem sequer se mostrou interessada em colocar o canal televisivo UniFé na esfera da sua ‘holding’ Global Difusion ou criar uma empresa específica, que a obrigaria a contas mais rigorosas e transparentes.
O PÁGINA UM colocou também questões à IURD, que respondeu apenas através de Martim Menezes, advogado da sociedade Abreu Advogados, que tem vindo ‘facilitar’ diversos negócios no sector dos media associados à igreja evangélica, incluindo a aquisição de rádios locais, através da ‘holding’ Global Difusion. Aliás, a recente actividade empresarial desta sociedade anónima, detida a 100% pela IURD, é desconhecida, pois ainda não surgiu, como a lei estabelece, o registo da Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa a 2023, que incluiu as demonstrações financeiras, na Base de Dados das Contas Públicas.
Mas a situação não era, em 2022, nada positiva. Pelo contrário, era mesmo muito negativa. Em Setembro do ano passado, numa análise às contas da Global Difusion – que detém, por sua vez, seis empresas que gerem 12 rádios locais –, o PÁGINA UM detectou dívidas de 58 milhões de euros e uma situação de falência técnica, com capitais próprios negativos de 20,8 milhões de euros. A existência de uma ‘holding’ de comunicação social detida a 100% pela IURD com dívidas de 58 milhões de euros é, além disso, uma prova de que este sector não é nada irrelevante para esta igreja evangélica.
Certo é que, efectivamente, esta estranha alteração de procedimentos foi mesmo autorizada, mesmo se de forma informal, sem qualquer sustentação por deliberação, mesmo sabendo-se que houve troca de correspondência entre a ERC e a IURD sobre esta matéria. Martim Menezes garantiu ao PÁGINA UM ser “totalmente falso que a situação [financeira] da Instituição [IURD] não seja óptima”, e que “a parte da comunicação social decorre sem problemas, mas é deficitária e cabe à Instituição suprir esse défice”. No entanto, recusou sempre enviar ao PÁGINA UM quaisquer documentos que validem contabilisticamente quer o desempenho financeiro da IURD, no seu conjunto, quer da Global Difusion.
O advogado em causa, Martim Menezes, assegura que a ERC autorizou que a IURD passasse a remeter apenas informação financeira relativa à comunicação social, e insiste que as contas de 2023 da Global Difusion “foram aprovadas e comunicadas à AT [Autoridade Tributária], embora, mais uma vez, o PÁGINA UM confirmou, mais uma vez hoje, que não foram enviadas à Base de Dados das Contas Anuais, o que é um processo extremamente expedito. O advogado da IURD coloca a hipótese de poder haver “algum problema informático dado o recente ataque à AT”. A debilidade nesta argumentação é exactamente o facto de o ataque informático ser muito recente, pois o envio da IES teria de ser feita obrigatoriamente até 31 de Julho passado, ou seja, há três meses.
Em todo o caso, a alternativa seria o envio da IES da Global Difusion ao PÁGINA UM, conforme pedido, mas Martim Menezes respondeu: “Não vejo qualquer interesse em enviar-lhe o documento. Se quer publicar algum dado especifico agradeço que o contradite antecipadamente pois a Igreja é muito vigilante quanto ao seu bom nome”.
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O Grupo Impresa respirou de alívio quando, em 2018, vendeu o seu deficitário portefólio de revistas, que incluía a Visão e a Exame, ao antigo jornalista Luís Delgado. Seis anos depois, a Trust in News, que tem um capital social de apenas 10 mil euros detido integralmente por Delgado, soma já 32 milhões de euros em dívidas, dos quais mais de 17 milhões ao Estado. Algumas destas dívidas fiscais e à Segurança Social, apesar da ‘protecção política’ durante o Governo Costa, acabaram por ir parar aos tribunais. Esta semana, o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou uma pena de prisão de dois anos e um mês a Luís Delgado e aos outros dois gerentes da Trust in News, por uma dívida ao Fisco de 828 mil euros contraída em 2018. A pena foi suspensa por cinco anos sob a condição de ser saldada a dívida. Mas o calote nunca parou de aumentar e a dívida de 2018 representa agora apenas 5% daquilo que Luís Delgado deve ao Estado. Nos próximos dias, o Governo Montenegro votará, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), se vai continuar a confiar em Luís Delgado, e no seu ‘histórico’, ou se exigirá o seu afastamento preferindo que se avance para a insolvência. Nessas circunstâncias, Delgado arrisca ficar atrás das grades por abuso de confiança fiscal.
O Tribunal da Relação de Lisboa confirmou esta quarta-feira as penas de prisão de dois anos e um mês aos gerentes da Trust in News – empresa proprietária das revistas Visão e Exame, entres outros periódicos em papel comprados em 2018 ao Grupo Impresa – por um crime de abuso de confiança fiscal agravado. Esta condenação segue-se à sentença já decretada em Junho pelo Tribunal Judicial de Oeiras num processo instaurado em 2021 pelo Ministério Público por dívidas fiscais no valor de cerca de 828 mil euros. Essa dívida dizia respeito à parte da dívida à Autoridade Tributária e Aduaneira acumulada em 2018, ou seja, apenas no primeiro ano de actividade do grupo de media de Luís Delgado. Este ex-jornalista é um dos três gerentes da Trust in News, sendo os outros dois, também condenados, Filipe Passadouro e Cláudia Serra Campos.
A sentença do Tribunal de Oeiras terá também espoletado a abertura do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News, uma estratégia desesperada para suspender o trânsito em julgado deste e de outros processos por dívidas. Isto porque a dívida fiscal no primeiro ano de existência da empresa unipessoal de Luís Delgado (ou seja, ele é o único sócio com um investimento de 10 mil euros) constitui agora uma ‘gota de água’ num ‘oceano de dívidas’ de todo o género, incluindo tanto a Autoridade Tributária e Aduaneira como a Segurança Social.
Com efeito, o PÁGINA UM apurou que, para além deste processo de 2021, a Trust in News – e o seu sócio único, Luís Delgado, e dois outros dois gerentes – enfrentam mais casos na Justiça. No total, as dívidas ao Estado superam já os 17,1 milhões de euros num total de créditos reconhecidos de quase 33 milhões. As dívidas à Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o PER, já totalizam 8.125.545,20 euros, sendo que estão ainda em falta pagamentos de contribuições à Segurança Social no montante de 8.979.252,35 euros.
A decisão do Tribunal da Relação de Lisboa será, em princípio, o ‘ponto de partida’ para Luís Delgado e os demais gerentes da Trust in News acabarem mesmo presos, uma vez que, conforme destaca o desembargador Alfredo Costa, na síntese do acórdão desta quarta-feira, “a pena de 2 anos e 1 mês de prisão, suspensa por 5 anos […] foi condicionada ao pagamento da dívida, de acordo com a prática comum em crimes fiscais, equilibrando a sanção penal com a recuperação do montante devido”. O acórdão foi também votado também pelas desembargadoras Ana Guerreiro da Silva e Maria Elisa Marques.
Em sua defesa, a Trust in News terá argumentado que a dívida apurada em 2018 era inferior ao valor de 828.364,59, mas o acórdão concluiu que o Tribunal de Oeiras decidiu bem sobre a moldura penal, uma vez que o crime de abuso de confiança fiscal agravado se aplica “quando o montante em dívida excede os 50.000 euros”. Ora, como o montante devido “ultrapassava largamente este valor”, o acórdão conclui que se justificava “a agravação automática, sem necessidade de outros elementos subjectivos”.
Se esta condenação se aplicou com uma dívida fiscal de cerca de 828 mil euros, imagine-se então com a dívida fiscal agora acumulada de 8,1 milhões de euros (quase 10 vezes superior), a que acresce as dívidas à Segurança Social de mais de 8,9 milhões de euros. No início de Setembro, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e da Segurança Social confirmou ao PÁGINA UM que, de entre os vários inquéritos instruídos na Justiça “contra entidades empregadoras que não entregaram à Segurança Social as quotizações obrigatórias dos salários dos seus trabalhadores”, está também “incluído um processo contra a empresa em apreço, Trust in News”.
Saliente-se que o Regime Geral das Infracções Tributárias determina que “quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a (euro) 7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias”. Contudo, “nos casos previstos nos números anteriores, quando a entrega não efectuada for superior a (euro) 50.000, a pena é a de prisão de um a cinco anos e de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas”.
No caso da Segurança Social, a falta de pagamento das contribuições dos trabalhadores é considerada abuso de confiança, sendo aplicadas as mesmas penas previstas para os casos de infracções tributárias de maior gravidade, incluindo prisão e multa.
Recorde-se que Luís Delgado, através da sua empresa unipessoal, a Trust in News, adquiriu o portfólio de revistas da Impresa em Janeiro de 2018 por 10,2 milhões de euros. O negócio rapidamente se revelou ruinoso e as dívidas começaram cedo a avolumar-se. Actualmente, rondam os 30 milhões de euros, sendo o Estado o maior credor. No entanto, as dívidas incluem também empresas de comunicação e o próprio proprietário das redacções das revistas no Taguspark, bem como trabalhadores e ex-trabalhadores. Neste lote, está Mafalda Anjos, a directora que ‘abandonou o barco’ e que em Julho do ano passado apelidou de “fantasiosas” as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira da Trust in News. A actual comentadora da CNN Portugal reivindica agora 54 mil euros que não lhe foram pagos por Luís Delgado no acordo de rescisão.
Após o pedido de acesso ao PER junto do Tribunal de Sintra, para evitar a falência, a empresa de media está sob gestão de um administrador judicial, estando o plano já apresentado para ser votado ainda este mês. Inexplicavelmente, apesar das dívidas ao Estado se terem acumulado desde o primeiro dia, bem como ao Novo Banco, que financiou a compra das revistas, e à própria Impresa, a Trust in News continuou a sua actividade com o beneplácito do Governo de António Costa. Durante largos meses no ano passado, o PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao então ministro das Finanças, Fernando Medina, que nunca explicou as razões para uma empresa de media com um capital social de apenas 10 mil euros continuar a sua actividade apesar das dívidas fiscais de milhões de euros.
Aliás, apesar de estar sempre a acumular dívidas ao Estado, estranhamente a empresa de Luís Delgado nunca integrou a lista de devedores e continuou a beneficiar de contratos comerciais e publicidade junto de entidades públicas. Não se sabe quem autorizou a acumulação sucessiva de dívidas ao Fisco e à Segurança Social, mas terá eventualmente existido autorização superior, da tutela, para atingir os 17,1 milhões de euros.
Também se desconhece se este eventual ‘favor’ político foi concedido mediante a negociação de contrapartidas. Mas é certo que durante todo este período, desde que começou a dever ao Estado, a Trust in News e os seus títulos de media ficaram com ‘uma espada sobre a cabeça’.
Saliente-se também que, desde 2019, a empresa de Luís Delgado tem as suas principais marcas penhoradas pelo Fisco e pela Segurança Social, como já noticiou o PÁGINA UM. Tanto o Ministério das Finanças, tutelado por Joaquim Miranda Sarmento, como o Ministério da Segurança Social, liderado por Rosário Palma Ramalho, ainda não tomaram posição sobre se o Governo Montenegro viabilizará o plano apresentado pela Trust in News no âmbito do PER, uma vez que o Estado detém 51,92%, ou seja, a maioria dos créditos, sendo que 12,98% são detidos por instituições financeiras, 33,62% por outros credores e 1,48% por trabalhadores.
Caso o Governo vote favoravelmente pela aprovação do PER, sob o compromisso (sem garantias) do pagamento das dívidas no prazo de 15 anos, Luís Delgado continuará à frente dos destinos da Trust in News, com o ‘histórico’ de dívidas ‘na lapela’. No caso de o Governo chumbar o PER, mesmo com votos contrários dos outros credores, a Trust in News avançará para a insolvência, o que não significará necessariamente o fim da actividade de media. Na verdade, no processo de insolvência, passando a gestão para um administrador judicial, os títulos poderão ser vendidos e renegociadas as dívidas, mas já sem que Luís Delgado possa manter-se ao leme, dando ‘calotes’ ao Estado e aos outros credores.
A Trust in News e os seus gerentes nunca responderam aos pedidos de informação e esclarecimentos do PÁGINA UM.
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Nos últimos dois anos, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) retirou a carteira a nove jornalistas, mas na sua acção sancionatória tem deixado escapar o ‘peixe graúdo’. Os jornalistas que trabalham ou colaboram em grandes grupos de comunicação social têm uma espécie de imunidade, e não sofrem sanções ou penalizações mesmo quando exercem actividades absolutamente incompatíveis com a profissão. Este é um cenário de uma ‘terra com leis enviesadas’, onde o exercício da profissão sem carteira profissional até é o menor dos ‘crimes’. Por exemplo, há um pivot da CNN que se orgulha de ser dono de uma empresa de consultoria em comunicação e de fazer media training para a Força Aérea. Há jornalistas a trabalhar em empresas ou agência de comunicação e conteúdos comerciais. Outros tantos dão formação em ‘media training’ ou ensinam a escrever ‘press releases’ e a saber ‘apresentar um produto’, como faz uma das mais mediáticas jornalistas da RTP. E há ainda directores e jornalistas a executar contratos comerciais. E isto é o que se mostra visível. O PÁGINA UM revela aqui quem são e como tudo isto é feito nas ‘barbas’ da CCPJ e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que pouco ou nada fazem neste ‘faroeste’ em que se transformou o sector do Jornalismo em Portugal.
Os jornalistas em Portugal vivem numa ‘terra com leis enviesadas’, um ‘faroeste’ em que os ‘xerifes’ dormem muito, e quando acordados são fortes com os fracos mas fracos com os fortes. Os casos de jornalistas ‘estrela’ que estão a exercer a profissão à margem da lei, sem terem carteira profissional, é apenas a ponta de um icebergue que esconde ilegalidades, muitíssimo mais graves, como jornalistas a exercer impunemente actividades incompatíveis e que violam a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista.
Uma análise do PÁGINA UM detectou inúmeros casos de jornalistas, alguns conhecidos do grande público, que facturam com o exercício de actividades incompatíveis com a profissão. Mas isto faz-se a par de uma aparência de fiscalização, mas pífia e enviesada.
Numa primeira consulta ao site da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) contabilizaram-se nove jornalistas que viram as suas carteiras profissionais serem cassadas nos últimos dois anos até 5 de Abril de 2024, por, na sua maioria, terem sido ‘apanhados’ a exercer actividade incompatível com a profissão. Numa consulta feita esta semana, embora surja a última cassação com data de 9 de Outubro de 2024, somente aparecem oito casos. Existem também processos de contra-ordenação pela ‘polícia dos jornalistas’ que resultaram em multas. Contudo, nenhum destes agora ex-jornalistas pertence ao grupo dos que trabalham para grandes grupos de media. O ‘peixe graúdo’ tem escapado à acção sancionatória da CCPJ e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).
Em 2023, de acordo com a primeira informação recolhida pelo PÁGINA UM, a CPCJ retirou a carteira a quatro jornalistas: Manuel T. Perez (CP 8265) e Sérgio Velhote (CP 8002), da Revista Dragões; Paula Charro (CP 4342), da Associação Mutualista Covilhanense; e Maria João Silva (CP 8411), da publicação Leonino. Os três primeiros perderam o título por “incompatibilidade com o exercício da profissão de jornalista” e a quarta por exercer “atividade ao serviço de publicação predominantemente promocional”, infracções previstas no Estatuto do Jornalista.
Já este ano, terá sido cassada a carteira a cinco jornalistas: André Estima (TE779) e Artur Arêde (TE793), do Notícias Ribeirinhas; Maria Pinto Jorge (CP8420) e Duarte Pereira da Silva (CP8419), do EuroRegião; e Sofia Ribeiro (CP8434), do Jornal Fórum. O primeiro ficou sem carteira por ter sido detectada a “falta de requisitos obrigatórios” e os restantes por “incompatibilidade com o exercício da profissão de jornalista”.
Na lista mais recente, estranhamente desaparecem, nos processos de 2024, os nomes de Maria Pinto Jorge e Duarte Pereira da Silva, mas aparece Alice Machado (TE117), directora da doPapel, de Angra do Heroísmo, por uma estranha causa: a revista não estar registada na ERC, o que, sendo matéria de controlo do regulador dos media, não aparenta constituir matéria para retirada da carteira profissional. A CPCJ também decidiu dois processos de contra-ordenação, em 2023, tendo aplicado multas a dois jornalistas por “exercício de actividade incompatível”.
De acordo com o Estatuto do Jornalista, o exercício do jornalismo é incompatível com funções em áreas como publicidade, marketing, relações públicas, assessoria de comunicação, serviços de segurança e informação, serviço militar, cargos políticos ou executivos em órgãos autárquicos, além de actividades que promovam produtos ou entidades através da notoriedade do jornalista, excepto quando regidas por critérios editoriais ou se para acções de solidariedade e promoção das actividades informativas do seu órgão de comunicação social.
Mas as diligências da CCPJ só valem para o ‘peixe miúdo’, os jornalistas que trabalham em publicações de menor dimensão ou especializadas, e sobretudo os jornalistas mais jovens que são ‘enviados’ pelas chefias para fazerem trabalhos incompatíveis, e que assim ficam ‘queimados’. Aliás, a generalidade dos jornalistas que têm a carteira profissional (CP) começada pelo número 8 obtiveram o título há menos de três anos. No caso das carteiras com a denominação TE são títulos equiparados a jornalistas, geralmente detidas por responsáveis editoriais com outras profissões sem formação jornalística.
Certo é que nesta selecta ‘rede’ da CCPJ não caem ‘tubarões’, ou seja, jornalistas com estatuto ou trabalhando em órgãos de comunicação social de âmbito nacional. Esses, mesmo que publicamente assumam actividades incompatíveis, têm escapado incólumes, sem multas, sem penalizações ou sem repreensões públicas, apesar de estarem a cometer infracções graves.
Veja-se o caso de jornalistas como José Alberto Carvalho, pivot da TVI, que tem exercido ilegalmente a profissão sem ter carteira profissional válida, algo que o PÁGINA UM noticiou em Janeiro de 2022. Ou os casos de jornalistas e de responsáveis editoriais de jornais de grandes grupos de media nacionais que exercem a profissão também sem carteira. Depois, há todo um conjunto de jornalistas que tem executado contratos comerciais em grandes órgãos de comunicação social, incluindo directores de publicações. Outros dão formação em ‘media training’, e há até jornalistas que têm empresas que prestam serviços de comunicação ou que fazem produção de conteúdos comerciais.
Por exemplo, José Gabriel Quaresma (CP 1713), pivot da CNN, tem uma empresa de comunicação e ‘media training’, a Sardine Conjugation Lda, criada a 29 de Fevereiro de 2023. O jornalista apresenta-se publicamente como CEO da empresa, a qual tem um capital social de apenas 250 euros, e também como um especialista em comunicação, prestando serviços de consultoria de marca, relações públicas e preparação para entrevistas. O jornalista da CNN participa mesmo como orador em eventos de ‘estratégia de comunicação’, ao lado do ‘guru das agências de comunicação, Luís Paixão Martins, e publicita abertamente a sua actividade de consultoria em comunicação nas redes sociais, designadamente no Facebook e na rede profissional LinkedIn. Além disso, José Gabriel Quaresma refere no seu perfil no site da CNN que colabora “há 9 anos com a Academia da Força Aérea Portuguesa, enquanto Media Coach (Media Training)”.
Já a jornalista Rita Marrafa de Carvalho (CP 3195 ), uma das jornalistas mais mediáticas da RTP, ensina a escrever “press releases”, “newsletters”, “artigos de opinião” e “crónicas” na empresa Proficoncept – Formação Profissional, Unipessoal Lda. Trata-se de uma empresa que tem como objecto social um vasto conjunto de serviços, designadamente consultoria, auditoria e formação profissional”, mas também prestação de serviços de higiene e segurança no trabalho, bem como “actividades de consultoria para negócios e gestão” e até “desinfecção, desratização e similares“. A sociedade é actualmente detida pela Ferreira da Cunha Saúde, Lda, uma empresa criada em Junho de 2020, em plena pandemia, e que “disponibiliza serviços e cuidados de saúde e bem-estar ao domicílio”. Por sua vez, esta empresa tem como principal sócio um médico, Miguel Ferreira da Cunha.
O mais recente curso com a presença de Rita Marrafa de Carvalho, denominado ‘Estrutura da Comunicação Escrita’, custa 205 euros a cada participante, podendo render até 4.100 euros por cada edição, se houver lotação esgotada. A página que anuncia esta formação inclui um vídeo promocional protagonizado por Rita Marrafa de Carvalho, completamente incompatível com o Estatuto do Jornalista, no qual afirma, designadamente, que ensina aos participantes diversas técnicas de ‘escrita’ para diferentes fins, incluindo para “apresentar um produto”. O curso, com a duração de 20 horas, vai na sua terceira edição, decorre online, via Zoom, e terá lugar em oito sessões, entre os dias 22 de Outubro e 10 de Dezembro.
Recorde-se que o Estatuto do Jornalista proíbe que jornalistas prestem serviços como os de “consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”, nomeadamente consultoria na elaboração de ‘press releases’ e ‘apresentação de produtos’.
Num outro caso, o jornalista André Carvalho Ramos (CP 6177), da CNN Portugal e da TVI, que fez parte da equipa do programa Ana Leal (agora na CMTV), é um dos formadores no Curso de Especialização em Media Training da Universidade Europeia/Grupo GCIMedia, que começa no próximo mês de Novembro. Também é formadora neste curso a jornalista Patrícia Matos (CP 5341), da Medialivre (Now) e ex-pivot da TVI. O estatuto de formador nestas condições não confere nenhuma categoria de professor, mesmo realizando-se numa universidade, porque se trata de consultoria de comunicação.
Na verdade, este curso com André Carvalho Ramos e Patrícia Matos é dirigido à formação de gestores e executivos, sendo realizado em parceria com o GCIMEDIA Group, um grupo da área de comunicação e relações com a imprensa. Os líderes da GCI coordenam e participam como formadores no curso, como é o caso de Pedro Costa, filho do ex-primeiro-ministro António Costa. O membro da comissão política nacional do PS é o actual director-geral da GCI, onde lidera “em particular a área de comunicação institucional”. André Gerson, CEO da GCI é um dos dois coordenadores do curso e Bruno Baptista, presidente do grupo de comunicação, é outro dos formadores.
O curso da Universidade Europeia/Grupo GCIMedia em questão promete “reforçar competências essenciais ao desenvolvimento profissional no mercado da comunicação”, e dando a possibilidade aos participantes de poderem “progredir nas carreiras de comunicação, relações-públicas ou similar”. Entre as saídas profissionais consta ainda “integrar empresas de comunicação, agências de relações-públicas, departamentos de comunicação externa e outros em que o media training pode ser uma mais-valia”.
Mas há mais casos. Por exemplo, Augusto Madureira (CP 1059), um dos mais antigos jornalistas da SIC, também anuncia na sua página no LinkedIn que presta serviços de ‘media training’, sem fornecer mais detalhes.
Uma antiga jornalista da RTP, Teresa Botelheiro (CP 2549), detém carteira profissional e apresenta-se como jornalista, apesar de indicar na sua página na rede social LinkedIn que trabalha desde 2019 no Instituto de Oftalmologia Dr. Gama Pinto e na Universidade Aberta, onde é formadora de ‘media training’. Teresa Botelheiro, que diz ainda ser formadora há oito anos na World Academy PT, tem também apresentado diversos programas da Universidade Aberta transmitidos na RTP.
No anúncio do curso de ‘media training’ que lecciona, cuja lotação é de 100 inscritos, lê-se que a formação “destina-se a capacitar um profissional que pretenda atuar como porta-voz de uma organização” e ajuda os profissionais a “adotar conhecimentos e competências para se posicionar em relação à comunicação social”. Neste curso “serão simuladas situações de comunicação de crise, onde o porta-voz será confrontado pelos diferentes meios de comunicação, em situação de entrevista, direto, conferência de imprensa ou na elaboração de comunicados de imprensa (press release)”.
Os destinatários desta formação são todos os “profissionais com interesse em adquirir competências em técnicas de comunicação organizacional”. Nos seus critérios de admissão, o curso confere prioridade de admissão aos profissionais cuja entidade patronal seja um “Associado do Turismo de Portugal”, a Sonae, a Polícia de Segurança Pública ou um “associado da ANAFRE (Associação Nacional de Freguesias)”. Esta formação começou a 17 de Setembro e dura até 15 de Novembro.
A questão da actividade de ‘Media Training’ até foi objecto de uma recomendação da CPCJ, em Janeiro de 2021, por considerar que “pode dar origem a um conflito de interesses em algumas situações” e colocar em causa a “imparcialidade do jornalista”.
Na altura, a CCPJ identificou alguns exemplos em que a actividade de ‘media training’ pode gerar conflito de interesses, designadamente “nos casos em que os sujeitos passivos da formação recebem instruções sobre como se apresentar nos media, evitar perguntas difíceis, esconder informação, ou contribuir para a desinformação apresentando dados incorretos”. Ou ainda “nos casos em que os sujeitos passivos da formação são líderes partidários ou outros protagonistas da atividade informativa e cujo relacionamento com os jornalistas põe claramente em causa o dever de isenção e imparcialidade destes”. Também incluiu as situações “em que os sujeitos passivos da formação venham a marcar presença em peças noticiosas, debates, entrevistas ou programas de informação produzidos ou coordenados pelo jornalista que fez o treino”.
Certo é que, numa rápida análise, o PÁGINA UM detectou inúmeros casos de jornalistas que usam a sua ‘carteira’ e o estatuto (mediático) de jornalista para anunciarem e prestarem serviços de formação em ‘media training’ e para dar formação a gestores e executivos e profissionais de marketing sobre a forma como devem lidar com jornalistas, para ensinar a escrever comunicados de imprensa e a “apresentar produtos”.
Questionada sobre se tem fiscalizado e actuado nos casos de jornalistas que fazem formação em ‘media training’, a CCPJ indicou ao PÁGINA UM, no início de Setembro, numa fase em que se estava já a investigar este tema, que não tem “nos seus quadros, ‘equipas’ ou ‘agentes’ de ‘fiscalização’ que, aliás, não estão prevista(o)s em nenhum normativo legal que rege este organismo, pelo que não realiza ações de fiscalização”.
Mas a Comissão adiantou que “contudo, como é sua obrigação, sempre que seja identificada pela CCPJ uma eventual violação de deveres e/ou do regime de incompatibilidades, este organismo independente de direito público desencadeia os procedimentos necessários para averiguar se estão reunidos os pressupostos para desencadear a abertura de um processo de contraordenação e/ou disciplinar”. Nestas situações, “fá-lo oficiosamente ou a partir de queixas, denúncias ou participações”.
Mas a actividade de ‘media training’ não é a única incompatibilidade detectada na análise do PÁGINA UM. Uma das mais comuns incompatibilidades observadas é a elaboração de conteúdos comerciais, seja através de empresas de comunicação, seja na execução de contratos feitos pelo departamento comercial dos órgãos de comunicação social onde os jornalistas trabalham.
No primeiro caso, o PÁGINA UM já tinha noticiado a situação envolvendo dois colaboradores do Expresso que trabalham na empresa de produção de conteúdos e comunicação Mad Brain. Trata-se de Francisco de Almeida Fernandes e Fátima Ferrão que tinham carteira profissional activa, mas actualmente não constam da base de dados da CCPJ como jornalistas ou colaboradores. Contudo, continuam a apresentar-se na rede social profissional LinkedIn como jornalistas. Fátima Ferrão apresenta-se como “Coordenadora Editorial at Mad Brain, jornalista colaboradora do Expresso” e Francisco de Almeida Fernandes diz ser “Colaborador do Expresso e Jornalista na Mad Brain – Produção de Conteúdos” e ainda colaborador do Diário de Notícias. A Mad Brain é detida e gerida por Maria Ferrão, segundo o portal oficial com os registos de actos das sociedades, e presta diversos serviços, nomeadamente em comunicação e produção de conteúdos, chegando a produzir revistas para empresas e instituições.
Depois, há ainda jornalistas e directores de grandes órgãos de comunicação social que executam contratos feitos pelos departamentos de marketing, como o PÁGINA UM também já noticiou, o que também é incompatível com o Estatuto do Jornalista. Neste lote estavam então Celso Filipe (CP 852), diretor-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018; Miguel Midões (CP 4707), então jornalista da TSF; Luís Ribeiro (CP 3188), jornalista na Visão e comentador da SIC; Tiago Freire (CP 3053), director da Exame; Alexandra Costa (CP 2208), Rute Coelho (CP 1893), Adriana Castro (CP 7692) e Carla Aguiar (CP 739), jornalistas em periódicos da Global Media; Filipe S. Fernandes (CP 1175), jornalista no Jornal de Negócios; António Larguesa (CP 5493), jornalista no Jornal de Negócios; Mário Barros (CP 7963), jornalista colaborador no Público; e José Miguel Dentinho (CP 882), jornalista colaborador no Expresso.
A ERC abriu processos de contra-ordenação neste âmbito aos órgãos de comunicação social, mas, mais de um ano depois, desconhece-se ainda o seu desfecho e efeitos práticos. No caso da CCPJ, esta entidade tem vindo a recusar revelar se abriu qualquer processo. Certo é que não procedeu à cassação de títulos a estes jornalistas.
Por fim, o PÁGINA UM detectou vários casos de jornalistas com carteira activa que prestam serviços de comunicação e produção de conteúdos empresariais. Além disso, há um mar de produtores de conteúdos e relações públicas que se apresentam como jornalistas nas redes sociais e no seu curriculum vitae, não possuindo, contudo, qualquer habilitação profissional.
Assim, perante a lentidão ou mesmo inacção dos ‘xerifes’ deste ‘faroeste’ em que se tornou o sector do Jornalismo em Portugal, os casos de ilegalidades, incompatibilidades e usurpação de funções alastram, ameaçando a reputação de uma classe que já viveu melhores dias.
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Seria a coima mais elevada alguma vez aplicada a empresas de comunicação social. Alegadamente por o ‘homem forte’ da Media Capital, Mário Ferreira, não ter comunicado antecipadamente as negociações do controlo da TVI em 2020, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) considerou ter havido alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão. E vai daí aplicou, no ano passado, coimas unitárias de 175 mil euros à Prisa, à sua subsidiária Vertix e à Pluris. Acabou tudo no tribunal de Santarém, com a juíza a considerar que o regulador não poderia usar testemunhos do procedimento oficioso na instrução do processo de contra-ordenação – um erro jurídico de amador. Resultado: a deliberação de 182 páginas que aplicou a coima está ferida de nulidade. E a prescrição do processo será a consequência.
É mais um caso absurdo com inexplicáveis erros jurídicos básicos por parte do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). As coimas milionárias aplicadas no ano passado ao empresário Mário Ferreira e à Prisa pelo negócio do controla da Media Capital, dona da TVI e da CNN Portugal, ficaram em ‘águas de bacalhau’, porque o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão de Santarém declarou “nula” a decisão administrativa da ERC “por erro notório na apreciação da prova”.
Em causa, como então revelou o PÁGINA UM em primeira-mão em Julho do ano passado, estão factos que remontavam a Abril de 2020, quando a Pluris Investments, detida a 90% pelo empresário Mário Ferreira, e a Vertix – que no início daquele ano esteve para ser adquirida pela Cofina (actual Medialivre) – celebraram um acordo com vista à aquisição, pela primeira, de uma participação de 30,22% no capital social da Media Capital.
Esse acordo implicava a preparação de um novo plano de negócios, um compromisso de financiamento da Media Capital pela Pluris, de até de cerca de 14 milhões de euros, a cooperação das partes no sentido de procurar novos investidores que pudessem vir a adquirir a participação da Prisa, bem como a colaboração das partes com vista à perda da qualidade de sociedade aberta pela Media Capital, a financiar também pela Pluris. O acordo previa ainda o direito de a Pluris indicar um observador e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o conselho de administração da Media Capital, na proporção da sua participação.
Além disso, ficou estabelecido o direito de a Pluris indicar, “imediatamente após a execução” do acordo um observador que “deve ser autorizado a estar presente em todas as reuniões do conselho de administração da Media Capital e a receber informação completa e precisa de todos os trabalhos do conselho de administração» e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o Conselho de Administração da Media Capital, na proporção da sua participação”.
Na altura, a Media Capital era detentora das empresas TVI Televisão Independente – dona da TVI e da CNN Portugal – e ainda da Rádio Comercial e diversas rádios locais – entretanto vendidas em 2022 à alemã Bauer Media Group –, envolvendo um serviço de programas de televisão e de vinte e nove serviços de programas de rádio.
Em 9 de Outubro de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiria que estes “acordos celebrados entre a Vertix/ Prisa e a Pluris/ Mário Ferreira e a conduta das partes instituída na sequência dos mesmos configura[va] o exercício concertado de influência sobre a Media Capital, manifestado, entre outros, na (re)composição do seu órgão de administração, na redefinição do plano estratégico da sociedade e na tomada de decisões relevantes na condução dos seus negócios.”
A ERC considerou então existirem “fortes indícios da ocorrência de uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão a operar sob licença que compõem o universo da Media Capital”, e em 15 de Outubro de 2020 determinou a abertura de um processo de contra-ordenação, após um procedimento oficioso, alegando que houvera alteração de domínio sobre um operador (de rádio e de televisão) sem a necessária autorização prévia.
E tomou uma decisão com ligeireza: a ERC aproveitou tanto os documentos como os depoimentos pessoais coligidos no decurso do procedimento oficioso como ‘provas’ para o processo de contra-ordenação, que, em Fevereiro do ano passado, condenaria a Prisa, a sua subsidiária Vertix e a Pluris, do empresário Mário Ferreira, ao pagamento de coimas unitárias de 175 mil euros.
O tribunal veio, porém, dizer que “o processo contra-ordenacional inicia-se com aquela participação e não com o início de algum procedimento [oficioso] que deu origem àquela participação”, salientando que “o processo contra-ordenacional não é uma longa manus do processo de averiguação para efeitos de supervisão”. E conclui que “essa extensão do processo sancionatório não está tipificada na lei, pelo que não é admissível”. Ou seja, o tribunal considerou que, na investigação e instrução do processo de contra-ordenação, seria possível ‘migrar’ documentos do procedimento, mas não testemunhos.
A ERC ainda tentou contrariar esta nulidade, cometida de uma forma incompreensível – o regulador era então presidido por Sebastião Póvoas, antigo juiz conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça –, que repetir inquirições iria “comprometer o exercício dos seus poderes de supervisão”, mas o Tribunal de Santarém disse que o que estava em causa era exactamente o contrário. “A necessidade de repetir depoimentos ou declarações dos Arguidos não coloca, necessariamente, em causa aqueles poderes, antes os reforça, na medida em que o cumprimento das regras processuais atinentes a um processo sancionatório serve precisamente para comprovar ou não os indícios decorrentes de um processo de menores garantias para os Arguidos, como é o caso do tipo de procedimento prévio de averiguações que in casu foi adotado”.
De facto, mostra-se notório que a ERC, na generalidade das suas deliberações, mesmo naquelas sem carácter sancionatório – como as que derivam de simples queixas sobre rigor –, demonstra ligeireza de análise e, em muitos casos, um completo desconhecimento técnico e científico nas matérias em que ‘opina’.
A consequência desta decisão da juíza Vanda Miguel, do Tribunal da Concorrência de Santarém, foi tomada em Maio deste ano, mas mantida secreta pela ERC, que está obrigada, pelos seus estatutos, a divulgar o teor das sentenças ou acórdãos a si comunicadas. Teoricamente, o regulador ainda poderia sanar a nulidade – iniciando todo o procedimento contra-ordenacional –, mas seria um acto inglório, porque condenado à partida por prescrição, uma vez que os actos eventualmente ilegais terão sido praticados no ano de 2020.
Deste modo, a coima milionária, resultante de um processo de contra-ordenação com 182 páginas, tem um destino: o lixo. Ou melhor dizendo, foi fogo-de-vistas que, no final, serviu apenas para gastar papel e recursos públicos.
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Caiu o Carmo e a Trindade por Maria João Avillez entrevistar, sem deter carteira profissional de jornalista, o primeiro-ministro Luís Montenegro num espaço informativo da SIC. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) ameaça não deixar o ‘caso em branco’ e o Sindicato dos Jornalistas fala em “usurpação de funções”. Porém, os casos de exercício da actividade jornalística sem carteira profissional, proibida pela Lei da Imprensa, são inúmeros e são do conhecimento da CCPJ. O PÁGINA UM fez um rápido levantamento e ‘apanhou’ uma dezena de situações ilegais em jornalistas com funções de topo, designadamente na TVI, CNN, CMTV/Correio da Manhã, Expresso, Público, Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Observador. Confira aqui os nomes, onde pontificam José Alberto Carvalho e José Carlos Castro, que pelo menos desde finais de 2021 não têm carteira activa, e ainda Ana Sá Lopes, que, além de redactora-principal no Público, é comentadora na CNN Portugal.
O exercício da actividade de jornalista sem carteira profissional está proibido por lei – e os órgãos de comunicação social incorrem em multas –, mas o ‘caso Maria João Avillez’, que ontem entrevistou para a SIC o primeiro-ministro num espaço informativo, está longe de ser único. Na verdade, trespassa praticamente todos os grandes grupos de media, e mesmo figuras gradas do jornalismo. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) tem conhecimento destas situações há muitos anos, mas nada tem feito.
Já em Janeiro de 2022, o PÁGINA UM relatara os casos de quatro conhecidos jornalistas de televisão que estavam no activo de forma ilegal: José Rodrigues dos Santos e Carlos Daniel (RTP), José Alberto Carvalho (TVI) e José Carlos Castro (CMTV). Os dois primeiros viriam a recuperar a carteira profissional – e Rodrigues dos Santos até ‘perdeu’ o seu número original, daí ter um número recente (CP 7590) –, embora até agora os outros dois continuem sem constar no registo da CCPJ como jornalistas no activo. Saliente-se que José Carlos Castro é também director-adjunto com a tutela da Estratégia do Correio da Manhã e da CMTV.
Aliás, as situações de jornalistas ‘desencartados’ em lugares de destaque nos media são bastante comuns. Num levantamento do PÁGINA UM, concluído esta tarde [vd. imagens nos nomes elencados nesta notícia, a partir da base de dados da CCPJ] abrangendo somente os responsáveis editoriais, grandes repórteres e pivots dos principais órgãos de comunicação social, detectou-se uma dezena de situações irregulares.
Na imprensa escrita, no Diário de Notícias – que ontem destacou o caso da entrevista de Luís Montenegro à ex-jornalista Maria João Avillez (que deixou de ter título habilitante desde 2008) –, o editor-executivo adjunto Artur Cassiano não tem carteira profissional activa, o mesmo sucedendo com o editor Carlos Nogueira.
Até há pouco ‘irmão germano’ do DN, o Jornal de Notícias conta com um caso de um alto responsável editorial ‘desencartado’: Vítor Santos, que ocupa o cargo de director-executivo do diário portuense agora detido pela Notícias Ilimitadas (70%) e Global Media (30%).
No Expresso, Pedro Candeias, editor-executivo, é o nome mais sonante sem carteira profissional.
No Público, onde a ausência de carteiras profissionais ‘enxameia’ toda a redacção, o PÁGINA UM descobriu que a editora-executiva Helena Pereira também não detém carteira profissional activa. Igualmente, a jornalista Ana Sá Lopes, que é redactora-principal no jornal do Grupo Sonae e comentadora de política na CNN Portugal, também está legalmente inabilitada para o exercício da profissão. Uma das mais antigas jornalistas do Público, Teresa de Sousa, também com o estatuto de redactora principal da secção Mundo, tem a carteira profissional caducada.
Outro redactor principal que não ocupou tempo a renovar a carteira profissional é João Vaz, mas neste caso ‘exerce’ sem habilitação no Correio da Manhã.
No Observador, com lugares de destaque em funções de editoria, somente se detectou o caso de Cátia Costa, editora de Actualidade.
Estas falhas não constituem apenas um pormenor nem um detalhe numa profissão que, por princípio, ‘supervisiona’ a democracia, e que por isso não está acima da lei. Com efeito, apesar de o jornalismo não ser uma profissão que seja reconhecida por uma Ordem – como os médicos, enfermeiros ou advogados –, a Lei da Imprensa e o Estatuto dos Jornalista estipularam regras para o seu exercício.
Mesmo os jornalistas mais antigos – com mais de 10 anos ininterruptos ou 15 anos interpolados – necessitam de carteira profissional concedida pela CCPJ, renovável periodicamente. Ficam a partir daí sujeitos a diversos deveres éticos e deontológicos, entre os quais a proibição de exercer actividades de marketing ou executar, em qualquer grau, contratos comerciais. As consequências são também para os órgãos de comunicação social que os empregam.
O Estatuto do Jornalista refere taxativamente, no seu artigo 4º, que “nenhuma empresa com actividade no domínio da comunicação social pode admitir ou manter ao seu serviço, como jornalista profissional, indivíduo que não se mostre habilitado (…), salvo se tiver requerido o título de habilitação e se encontrar a aguardar decisão”.
Hoje, ouvida pela TSF, a presidente da CCPJ, Licínia Girão, sublinhou que não deixaria passar o ‘caso Avillez’ em branco, afirmando que “vamos analisar a situação para ver se configura ou não o processo de contraordenação e, eventualmente, se tem cabimento, apresentar uma queixa junto do Ministério Público no sentido de que ele possa aferir se estamos perante um crime ou não de usurpação de funções”. Certo é que, na generalidade das situações, a CCPJ mantém um obscurantismo absoluto sobre grande parte dos processos que abre (ou não abre).
Ainda recentemente, a CCPJ recusou ao PÁGINA UM o acesso a processos arquivados contra jornalistas ao abrigo da Lei da Amnistia, por causa da visita papal de Agosto do ano passado, alegando um inexistente “direito ao esquecimento”. Esta recusa – que se acumula a outros – vai originar mais uma intimação do PÁGINA UM junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, uma vez que a CCPJ, apesar de ser dominada por jornalistas, tem estatuto público.
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A Impresa, o grupo de media fundado por Pinto Balsemão, tentou convencer o presidente da Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno municipal adjacente às suas instalações, em Paço d’Arcos. Mas, numa carta enviada a Isaltino Morais, a dona do Expresso propunha que a compra fosse feita pelo Novo Banco e só depois o imóvel passaria para o nome da Impresa. O conteúdo da carta mostra a forte ligação entre a Impresa e o Novo Banco e o ‘à-vontade’ que Francisco Pedro Balsemão tinha para propor um investimento em nome do banco. A autarquia indicou ao PÁGINA UM que não vendeu o terreno em questão nem à Impresa nem ao Novo Banco, tendo acabado por o incluir num lote que foi a hasta pública no final de 2023, ficando nas mãos de uma outra empresa, a Índicegeneroso.
A Impresa tentou persuadir a Câmara Municipal de Oeiras a vender-lhe um terreno adjacente às suas instalações, em Paço d’Arcos, onde se situa o seu edifício-sede e também a SIC e o jornal Expresso. Mas a autarquia indicou que preferia vender o terreno em causa ao efectivo dono da sede da Impresa, que era o Novo Banco. Assim, Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, tentou negociar a compra do imóvel em nome do banco, para posterior transferência de propriedade para o grupo de media.
Numa carta assinada pelo CEO do grupo de media, datada de 22 de Setembro de 2020, a Impresa tentou convencer Isaltino a vender o terreno ao Novo Banco, actuando como intermediário no negócio. Na proposta da Impresa, o Novo Banco compraria o terreno, com uma área de aproximadamente 2.000 metros quadrados e potencial construtivo de 800 metros quadrados, ficando garantido que a Impresa iria acabar por ficar dona do imóvel posteriormente.
A carta foi enviada na sequência dos contactos mantidos e comunicações trocadas com a autarquia relativamente à aquisição do terreno e “no seguimento da manifestação por parte da Câmara Municipal de Oeiras da necessidade de clarificação adicional relativamente à relação entre o Novo Banco, S.A., instituição financeira actual proprietária do Edifício Impresa e o Grupo Impresa”, como se lê na missiva a que o PÁGINA UM teve acesso.
Recorde-se que o Novo Banco comprou o edifício-sede da Impresa ao grupo de media por 24,2 milhões de euros em Junho de 2018 através de uma operação de ‘sale & leaseback‘, ficando a Impresa como locatária do imóvel por 10 anos e com uma opção de compra sobre o mesmo no final do contrato. O banco vendeu, posteriormente o edifício à Impresa, no final de 2022, num discreto e estranho negócio como noticiou o PÁGINA UM na sua última edição.
Segundo a carta, a Câmara de Oeiras “indicou que apenas poderá vender o referido terreno ao proprietário do imóvel contíguo – mais concretamente o imóvel onde se encontra o edifício” que era então “propriedade do Novo Banco”.
“A opção de compra a exercer no final do contrato de locação financeira” existente com o Novo Banco não foi, “segundo os critérios da Câmara Municipal de Oeiras, suficiente para demonstrar um verdadeiro interesse público de aquisição por parte do Grupo Impresa do edifício e, posteriormente, do terreno”. Assim, o grupo de media apresentou a Isaltino Morais uma proposta “tendente à aquisição no futuro do edifício e do terreno por parte do grupo Impresa”.
Em concreto, propunha que “o grupo Impresa exerceria desde já (ainda que com efeitos no futuro) a opção de compra do edifício, transformando a opção de compra decorrente do contrato de locação financeira num verdadeiro compromisso do Grupo Impresa, comprometendo-se a obter do Novo Banco a respetiva anuência ao exercício da opção de compra, no pressuposto do cumprimento integral do contrato”.
Depois, “o Novo Banco S.A., enquanto proprietário do imóvel contíguo e em momento seguinte ao indicado (…), adquiriria o terreno à Câmara Municipal de Oeiras, tomando-se assim proprietário de ambos os imóveis (edifício e terreno)”. Balsemão propunha ainda que “imediatamente após a aquisição do terreno por parte do Novo Banco, S.A., este celebraria com o grupo Impresa um contrato de locação financeira sobre o mesmo e, em momento imediatamente a seguir, o grupo Impresa exerceria desde logo (ainda que com efeitos futuros) a opção de compra do terreno”.
Para o grupo de media, “ficaria assim estabelecida a obrigação por parte do grupo Impresa de adquirir no futuro, ao Novo Banco, tanto o edifício como o terreno”. No futuro, “o grupo Impresa celebraria as respetivas escrituras de compra e venda tornando-se assim no proprietário dos imóveis (edifício e terreno)”. No final, “proceder-se-ia à anexação do terreno ao imóvel onde se situa o edifício, transformando-se ambos num só imóvel”.
Questionada sobre o desfecho destas negociações, a Câmara de Oeiras esclareceu ao PÁGINA UM que “o terreno em questão não foi alienado ao Novo Banco nem à Impresa, tendo sido integrado na área vendida em hasta pública, realizada no dia 19 de setembro de 2023 e adjudicada a venda pelo preço base – doze milhões seiscentos e noventa mil euros – ao único licitador presente na sessão, a empresa Índicegeneroso, Ld.ª, tendo sido realizada escritura pública de venda a 9 de fevereiro de 2024”.
Segundo o Município, “a decisão de vender o lote de terreno de 20.015,00 m² para construção em hasta pública, bem como dos seus aspetos essenciais, foi aprovada em reunião de Câmara e de Assembleia Municipal, no âmbito da estratégia de gestão e valorização do património municipal para investimento em Ação Social, nomeadamente construir mais habitação municipal pública a custos controlados”.
De acordo com a informação pública existente no portal oficial que agrega publicações de actos societários, a empresa Índicegeneroso, inicialmente pertencente a Wenpeng Zhang e à esposa, Xiaoqing Lin, é agora detida maioritariamente pelo Transcend Development Group, de uma empresa unipessoal de Carmélia Chiang. É também detida minoritariamente pela Soma Future Investments, pertencente a uma empresa da Singapura.
O conteúdo da carta demonstra o à-vontade da Impresa com o Novo Banco, que é comprovado com o facto de o grupo de media fazer à autarquia de Oeiras uma proposta comercial em nome da instituição que era liderada na altura por António Ramalho.
As relações de proximidade entre a Impresa e o Novo Banco desenharam-se em 2018, quando o banco comprou o edifício-sede do grupo dono do Expresso por 24,2 milhões de euros, através de uma operação de ‘sale e leaseback‘. Isto apesar de a ‘ordem’ na banca ser para vender carteiras de imóveis e do facto de o banco estar a receber injecções estatais através do Fundo de Resolução, para ‘tapar’ os buracos de créditos e negócios tóxicos do tempo do Banco Espírito Santo, que foi alvo de resolução em 2014.
No mesmo ano, foi o Novo Banco que emprestou ao comentador e empresário Luís Delgado o capital para comprar o portfólio de revistas da Impresa, incluindo a Visão e a Exame. Isto apesar de a empresa unipessoal de Delgado, Trust in News, deter um capital social de apenas 10.000 euros.
Questionado, o Novo Banco escusou-se a responder ao tema em torno deste terreno. Já anteriormente, da parte do banco, só o Fundo de Resolução, seu accionista minoritário, se mostrou disponível para responder a questões, tendo descartado responsabilidades nos negócios entre o banco e a Impresa. O grupo de media tem remetido para os seus relatórios e contas os esclarecimentos sobre os negócios relacionados com o seu edifício-sede e sobre a venda das revistas à Trust in News, tendo aliás, neste caso, assumido um ‘calote’ milionário de Luís Delgado. Quanto a António Ramalho, não se mostrou disponível para responder a questões sobre os contornos da compra da sede da Impresa.
No mesmo ano, em Novembro, António Ramalho, foi apontado como um dos escolhidos por Francisco Balsemão para integrar o restrito grupo de fundadores de um novo clube, apelidado como a versão portuguesa do secreto grupo Bilderberg, segundo noticiou o Público.
Já depois da saída de Ramalho da liderança do banco, o edifício-sede da Impresa voltou para as mãos do grupo dono do Expresso, num negócio discreto efectuado no final de 2022, como o PÁGINA UM noticiou na sua última edição. Mas, neste negócio, não só o Novo Banco financiou a compra do edifício pela Impresa, como a escritura foi feita com base num valor abaixo do da compra do imóvel pelo banco, em 2018.
Quanto ao empréstimo a Luís Delgado, tornou-se em mais um dos créditos tóxicos do Novo Banco. A Trust in News aguarda a aprovação de um Processo Especial de Revitalização (PER) para evitar a insolvência e o Novo Banco é um dos credores que reclama créditos e arrisca perder 3,6 milhões de euros.
No final, apesar de o Novo Banco ter sido criado para supostamente ficar com os activos ‘bons’ do BES, manteve algumas práticas do banco de Ricardo Salgado, designadamente fazendo empréstimos de alto risco a empresários com ligações próximas com partidos e com políticos e, no caso da Trust in News, praticamente sem garantias seguras.
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