Categoria: Imprensa

  • Município das Caldas gasta 145 mil euros para ficar com “espólio” de dois jornais, mas não revela o que comprou

    Município das Caldas gasta 145 mil euros para ficar com “espólio” de dois jornais, mas não revela o que comprou


    A Câmara Municipal das Caldas da Rainha decidiu transferir 145 mil euros a dois jornais “da terra” justificando-o como aquisição de “espólio documental”, mas não são revelados detalhes daquilo que efectivamente adquiriu.

    Em causa estão duas despesas no espaço de um ano, e num período que antecede as eleições autárquicas, que beneficiam dois periódicos locais, a Gazeta das Caldas e o Jornal das Caldas. A autarquia é liderada desde finais de 2021 por Vítor Marques, antigo presidente social-democrata da União de Freguesias das Caldas da Rainha (Nossa Senhora do Pópulo, Coto e São Gregório), mas eleito para a Câmara Municipal como independente. E recandidata-se para as eleições do próximo mês de Outubro, com o apoio do Partido Socialista.

    Close-up view of stacked newspapers tied with twine, ideal for recycling and storage concepts.
    Foto: D.R.

    A primeira despesa do município caldense foi feita em 9 de Setembro do ano passado. A autarquia pagou à dona da Gazeta das Caldas, a Cooperativa Editorial Caldense, o montante de 100.280 euros, excluindo o IVA. Segundo os dados desta aquisição que constam a plataforma de registo de compras públicas, o Portal Base, o objecto do negócio foi a “aquisição de espólio documental – arquivo histórico Gazeta das Caldas”.

    Mas o município não fez nenhum contrato escrito, invocando o artigo 95.º do Código dos Contratos Públicos relativo a “locação ou aquisição de bens móveis ou de serviços”. Assim, não existem detalhes sobre esta aquisição, designadamente que tipo de documentos foram comprados e como foram avaliados. Também se desconhece onde é que a autarquia está a armazenar o “arquivo” comprado à Gazeta das Caldas e o que pretende fazer com ele.

    A segunda despesa foi efectuada no dia deste mês de Setembro e envolveu o pagamento de 44.490 euros à Medioeste com a justificação de se tratar da “aquisição de espólio documental do Jornal das Caldas”. Também neste caso não foi efectuado qualquer contrato escrito e também não existem dados sobre o tipo de documentos que foram adquiridos pela autarquia.

    Foto: D.R. / Museu Bordalo Pinheiro

    A Gazeta das Caldas completa no próximo dia 1 de Outubro o seu centenário. Foi fundado em 1925 e terá um arquivo vasto. Já o Jornal das Caldas foi fundado em 1992. Assim, pelo menos no caso da Gazeta das Caldas, a autarquia poderá ter desejado ficar com alguns documentos históricos em termos da imprensa da região. Mas o quê? Ninguém quer dizer.

    O PÁGINA UM questionou o presidente da Câmara Municipal das Caldas da Rainha sobre o que foi adquirido a estes dois jornais. Também quisemos saber o que a autarquia pretende fazer com os “espólios” adquiridos e onde estão armazenados. Até à publicação desta notícia ainda não recebemos qualquer resposta. Saliente-se que toda a documentação associada a estas aquisições, incluindo lista de bens, sua avaliação monetária e destino, são documentos administrativos, susceptíveis de serem solicitados por qualquer cidadão.

    Segundo António Salvador, proprietário da Medioeste – que, além da Jornal das Caldas, gere o Jornal Mais Oeste e Jornal Região da Nazaré -, a aquisição do espólio documental dos dois jornais do concelho “visam salvaguardar o acervo documental destes, antes que fechem, face à crise do sector, tendo sido iniciativa do outro jornal (Gazeta) junto do município”. Salientou ainda que as despesas foram aprovadas pelo “Executivo por unanimidade e deliberado pela Assembleia Municipal, com três forças políticas na Câmara e quatro na Assembleia Municipal”.

    Foto: D.R.

    Certo é que as verbas pagas pelo município das Caldas aos donos dos dois jornais “da terra” ocorreram no último ano, coincidindo com o período que antecede as próximas eleições autárquicas.

    Para as empresas proprietárias dos dois jornais, o dinheiro veio mesmo a calhar. A Medioeste fechou o ano de 2024 com um prejuízo de 70.260 euros depois de obter receitas de 108 mil euros. Assim, a verba que recebeu este mês da autarquia das Caldas de Rainha corresponde a 41% das receitas totais obtidas no ano passado. A não ser que este ano a Medioeste tenha receitas muito superiores às do ano passado, a empresa terá de registar o município das Caldas da Rainha como “cliente relevante” no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Acresce que a Medioeste recebeu, no passado dia 12 de Agosto, a verba de 13.940 euros da mesma autarquia a título de “aquisição de publicidade” no Jornal das Caldas, o que representa mais de 10% do total, devendo também ficar registado no Portal da Transparência dos Media.

    Organized filing cabinets stacked with indexed books in a library setting.
    Foto: D.R.

    No caso da dona da Gazeta das Caldas, ainda não houve registo das contas de 2024 no Portal da Transparência. Porém, em 2023, teve um lucro de 42.831 euros e receitas de 393 mil euros. Se as receitas registadas em 2024 forem da mesma ordem, somando a verba recebida da autarquia das Caldas, significa que o montante do encaixe da venda do “arquivo” da Gazeta das Caldas terá superado os 20% das receitas, o que também obriga a registo na ERC da autarquia como “cliente relevante”.

    Acresce que a autarquia pagou à dona deste jornal, no passado dia 12 de Agosto, o montante de 19.045 euros, para a compra de publicidade na Gazeta das Caldas.

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    Foto: D.R.

    Se não restam dúvidas sobre a importância da preservação de arquivos e acervo documental com valor histórico, também se levantam questões sobre se ónus das facturas a pagar para tapar a crise na imprensa, seja ela regional ou nacional, deve sair do bolso do Zé Povinho, ou seja, dos contribuintes.

    No caso destes dois jornais, a factura paga só no último ano pelos contribuintes para a compra de “espólios” e publicidade foi de 178 mil euros, excluindo o IVA. E se estas dependências do poder local nas contas da imprensa regional não são depois reflectidas num portal gerido pelo regulador sobre a transparência dos financiamentos, resta perguntar para que serve esse portal.

  • Principal accionista da Global Notícias usa truques contabilísticos ilegais para esconder falência técnica

    Principal accionista da Global Notícias usa truques contabilísticos ilegais para esconder falência técnica


    As contas de 2024 da Páginas Civilizadas, principal accionista da Global Notícias controlada pelo empresário Marco Galinha – dona do Diário de Notícias e com participação na sociedade que detém o Jornal de Notícias e a TSF –, apresentam gravíssimas irregularidades e artifícios contabilísticos, transformando uma evidente falência técnica numa aparente robustez financeira.

    De acordo com a análise contabilística e financeira do PÁGINA UM à empresa liderada por Marco Galinha – que controla directa e indirectamente 45,87% da Global Notícias e detém ainda por via indirecta 13,8% da Notícias Ilimitadas (dona do JN e da TSF, entre outros títulos) –, a Páginas Civilizadas reportou lucros de cerca de 190 mil euros e capitais próprios superiores a 4,7 milhões de euros nas demonstrações financeiras do ano passado. Contudo, estes resultados só foram possíveis graças a expedientes contabilísticos dificilmente aceitáveis numa empresa com esta dimensão e relevância.

    Marco Galinha (à direita), accionista de referência da Global Notícias e gerente da Páginas Civilizadas, com a direcção do Diário de Notícias – Filipe Alves, Valentina Marcelino e Nuno Vinha – numa fotografia publicada pelo próprio director no Facebook, a assinalar o primeiro ano da actual liderança do jornal. Foto: D. R.

    Recorde-se que a Páginas Civilizadas foi o ‘veículo’ usado pelo enigmático fundo das Bahamas (World Opportunity Fund) para controlar, durante alguns meses de 2023 e 2024, a Global Notícias sob a égide de José Paulo Fafe, num episódio que gerou forte polémica e instabilidade e motivou mesmo a intervenção da ERC. No início de 2024, Marco Galinha retomou o controlo financeiro da Páginas Civilizadas – surgindo no registo de beneficiário efectivo com uma quota de 59,75% – antes de proceder à separação do Jornal de Notícias e da TSF (entre outros títulos) da Global Notícias, num negócio ainda envolto em falta de clareza.

    Um dos pontos mais polémicos nas contas de 2024 da Páginas Civilizadas está na rubrica “Investimentos financeiros”, onde inscreveu mais de 2,8 milhões de euros, correspondentes à participação na Global Notícias, mas sem aplicar o método da equivalência patrimonial que seria exigido pela dimensão da posição e pela influência exercida na gestão do grupo de media cujo principal activo é ainda o Diário de Notícias.

    Na própria Informação Empresarial Simplificada (IES), entregue na Base de Dados das Contas Anuais, a Páginas Civilizadas declara que os investimentos em subsidiárias, empresas conjuntamente controladas e associadas são registados pelo método da equivalência patrimonial.

    Demonstração de resultados de 2024 da Páginas Civilizadas ignoram a participação relevante (45,87% por via directa e indirecta) na Global Notícias, escondendo assim um descalabro financeiro.

    Ora, mas se tivesse aplicado essa regra, teria de reconhecer no seu balanço a parte proporcional dos resultados catastróficos da Global Notícias em 2024, divulgados no Portal da Transparência dos Media, mas ainda não enviados para a Base de Dados das Contas Anuais. O atraso atingirá amanhã os 55 dias.

    Como detém directamente 41,5% do capital da Global Notícias, a Páginas Civilizadas teria de assumir nas suas contas pelo menos cerca de 11 milhões de euros de perdas, correspondentes a uma parcela dos capitais próprios negativos de 19,3 milhões e dos prejuízos líquidos de 26,4 milhões registados em 2024. Assim, em vez de um activo de 2,86 milhões contabilizado como se fosse sólido, a empresa liderada por Marco Galinha através de três empresas (Páginas de Prestígio, Norma Erudita e Grupo Bel) teria de registar um valor líquido nulo ou praticamente nulo, entrando assim em falência técnica.

    O expediente da Páginas Civilizadas – que tem Marco Galinha como gerente – foi, pura e simplesmente, ignorar a participação relevante na Global Notícias. Esta opção não é um detalhe técnico nem é legalmente aceitável, porque não se trata de uma posição minoritária irrelevante. Aparentemente, a empresa ‘encosta-se’ ao regime das pequenas entidades (NCRF-PE), que permite o uso de rubricas simplificadas.

    Extracto do anexo à Informação Empresarial Simplificada (IES) da Páginas Civilizadas relativa a 2024, onde a empresa declara aplicar o método da equivalência patrimonial às suas participações em subsidiárias e associadas. Contudo, no balanço, a participação de 41,5% na Global Notícias surge registada como “investimentos financeiros” ao custo, sem reconhecimento da quota-parte nos prejuízos e capitais próprios negativos da dona do Diário de Notícias.

    Porém, mesmo neste regime, vigora o princípio fundamental do Código das Sociedades Comerciais: as contas devem dar uma imagem verdadeira e apropriada da realidade económica. Ao não reflectir os capitais próprios negativos e os prejuízos avultados da Global Notícias, a Páginas Civilizadas fabrica uma saúde financeira fictícia. Na verdade, em vez de lucros de 190 mil euros, deveria apresentar prejuízos de 10,8 milhões; e em vez de capitais próprios positivos de 4,7 milhões, deveria revelar capitais negativos de 6,3 milhões. Ou seja, falência técnica.

    Nesta linha, o expediente da Páginas Civilizadas é materialmente irregular e contrário ao espírito da lei. Mais do que uma interpretação contabilística, trata-se de uma manipulação para contornar um maior controlo financeiro, pois a aplicação da equivalência patrimonial obrigaria à nomeação de um Revisor Oficial de Contas (ROC), que nunca aceitaria semelhante manobra.

    Mas mesmo admitindo, por hipótese académica, que a Páginas Civilizadas pudesse registar a sua participação na Global Notícias ao custo, teria então de constituir em 2024 uma imparidade ou, pelo menos, uma provisão que reflectisse a perda quase total de valor económico desse investimento. Só assim o balanço daria uma imagem verdadeira, uma vez que a participação na Global Notícias (em falência técnica) já não representa um activo sólido, mas sim um encargo de elevado risco.

    O Código das Sociedades Comerciais é igualmente claro ao exigir que sociedades com participações relevantes em empresas com capitais próprios negativos reflictam tais factos nos seus balanços. Ao subvalorizar os rendimentos e inflacionar o valor do investimento na Global Notícias, Marco Galinha garante que a Páginas Civilizadas se mantém, no papel, saudável e sem necessidade de auditor externo – quando, na realidade, está numa situação de extrema fragilidade, perante a indiferença da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Há cerca de duas semanas, o PÁGINA UM colocou diversas questões a Marco Galinha sobre a situação da Global Notícias, mas o empresário escusou-se a fazer declarações em ‘on’. E o PÁGINA UM não aceitou declarações em ‘off’.

  • Onda de desinformação diaboliza Charlie Kirk e glorifica o homicida  como um “jovem anti-fascista”

    Onda de desinformação diaboliza Charlie Kirk e glorifica o homicida como um “jovem anti-fascista”


    Charlie Kirk, o jovem conservador norte-americano de 31 anos que foi assassinado no passado dia 10 de Setembro, promovia debates com estudantes pelo menos desde 2012. Foi assassinado quando participava em mais um evento numa Universidade em que debatia com estudantes. Mas, mesmo depois da sua morte, o jovem continua a ser alvo de uma onda de desinformação em alguma imprensa e nas redes sociais, tanto sobre o seu trabalho como sobre as suas posições.

    Para a generalidade da imprensa, Kirk é retratado como um “radical” de direita, ou mesmo da “extrema-direita”. Já o seu alegado assassino, que se encontra detido, está a ser quase glorificado por utilizadores de redes sociais e até alguns órgãos de comunicação social, incluindo em Portugal, que o descrevem como um “jovem anti-fascista”. Isto apesar de ter assassinado um outro jovem apenas por ter ideias diferentes das suas.

    Charlie Kirk (à esquerda na foto), era um jovem conservador moderado e cristão devoto que promovia o debate de ideias. Casado e pai de dois filhos pequenos, fundou a organização Turning Point USA, que organizava eventos em que Kirk debatia com estudantes com diferentes pontos de vista. Nos debates, Kirk convidava alunos para a troca de ideias usando o ‘slogan‘ “prove me wrong” (prova que estou errado). / Foto: D.R.

    Em Portugal, diversos meios de comunicação social têm mostrado falta de rigor na descrição de Kirk mas também do seu alegado assassino. Por exemplo, numa notícia publicada ontem no Jornal de Notícias, assinada pela jornalista Rita Salcedas (CP 7547) — que tem um número de carteira profissional recente —, o título escolhido foi “Tyler Robinson: o jovem anti-fascista que quis calar o conservador Charlie Kirk”.

    Este título tem gerado polémica e nas redes sociais o jornal não tem sido poupado a críticas. Por exemplo, na rede X, a publicação que publicita a notícia tem apenas 55 ‘gostos’ mas recebeu já 154 comentários. “Este título é simplesmente deplorável”, refere um dos comentários. “Que nojo de artigo… Não é um anti-fascista, é um assassino”, lê-se num outro comentário que tem 133 ‘gostos’.

    A notícia começa por fazer um branqueamento do perfil do suspeito, descrevendo-o como um bom aluno criado numa boa família, omitindo as evidências de que sofreu uma radicalização ideológica e política nos últimos anos, levando ao homicídio. A jornalista aproveita ainda para sublinhar que o alegado assassino é “branco, não é imigrante, não é transgénero”. Num dos subtítulos, descreve o alegado assassino como um “crítico do conservadorismo apregoado por Kirk”, apesar de assumir que o suspeito nem sequer terá votado nas duas últimas eleições no país.

    Notícia do Jornal de Notícias publicada ontem que retrata o alegado assassino de Kirk como um “jovem anti-fascista”, apesar de ter morto um jovem conservador que promovia o debate de ideias. / Foto: Captura de ecrã da página do Jornal de Notícias na Internet.

    Por outro lado, a notícia omite que Kirk era um cristão devoto e que os valores cristãos e a promoção da tolerância eram presença constante nos debates. Também omite que Kirk era casado e pai de dois filhos pequenos, retirando intencionalmente a possibilidade de o leitor sentir empatia com a vítima. Por outro lado, descreve Kirk como um “ultraliberal”, procurando “colar” o jovem conservador a uma direita fundamentalista.

    Outros meios de comunicação optaram por destacar em título que as balas encontradas na arma usada no homicídio continham expressões “anti-fascistas”, passando a ideia aos leitores de que o suspeito pretendeu assassinar Kirk por este ser “fascista”, o que é falso.

    Depois, alguns media chegaram mesmo a procurar atribuir culpas ao próprio Kirk pela sua morte, mencionando que era a favor da Constituição norte-americana que permite o porte de armas. Numa notícia publicada no dia 11 de Setembro, a BBC escreveu que Kirk disse “há alguns meses: vale a pena ter o custo de haver, infelizmente, algumas mortes por armas de fogo todos os anos para que possamos manter a Segunda Emenda”.

    Nesta notícia não assinada por nenhum jornalista, publicada no dia do assassinato de Charlie Kirk, a TSF classificou o jovem cristão e conservador como sendo de “extrema-direita”, o que é falso. / Foto: D.R.

    De resto, na cobertura deste atentado contra o conhecido jovem conservador norte-americano, vários meios de comunicação social têm erradamente classificado Kirk como sendo da “direita radical” e até da “extrema-direita. Por outro lado, alguma imprensa tem também optado por diminuir o trabalho que foi desenvolvido pelo jovem conservador, ao classificá-lo como se fosse um mero “apoiante de Trump” ou um “porta-voz da juventude que apoia Trump”.

    Também comentadores, incluindo em Portugal, têm difamado Charlie Kirk atribuindo-lhe posições que não defendia — em temas como os direitos das mulheres e das pessoas LGBT ao tema do racismo — ou classificando-o como sendo extremista e radical, com alguns quase a querer transparecer a ideia de que o jovem conservador mereceu ter sido assassinado. Alguns comentadores, incluindo jornalistas, ao invés de criticarem claramente o homicídio, também têm aproveitado para lançar a ideia de que este homicídio hediondo vai servir para “alimentar Trump” e a “extrema-direita” — que para estes comentadores são todos os conservadores — nos Estados Unidos.

    De resto, não é só nas notícias que tem havido desinformação sobre Kirk ou enviesamento no tratamento deste homicídio. É frequente encontrar publicações em que, por exemplo, frases de Kirk são usadas fora de contexto. E proliferam acusações difamatórias em relação a Kirk. Por exemplo, o famoso autor Stephen King, que na rede social X tem 6,8 milhões de seguidores, veio pedir desculpa por ter escrito numa publicação que Charlie Kirk “defendia o apedrejamento até à morte de pessoas gay”, o que é totalmente falso.

    O autor Stephen King foi uma das personalidades que difundiu acusações difamatórias falsas sobre Charlie Kirk. Algumas têm-se propagado também na imprensa. / Foto: Foto: Captura de ecrã da publicação rede X

    O autor apagou a publicação onde difundia a mentira e tem vindo a desdobrar-se em pedidos de desculpa sucessivos na rede X.

    Já a popular escritora J.K. Rowling, autora de Harry Potter, que tem 14,4 milhões de seguidores na rede X, fez uma publicação no dia 11 de Setembro contra a violência e em defesa do debate, da democracia e da liberdade de expressão. “Se acredita que a liberdade de expressão é para si, mas não para os seus opositores políticos, você é anti-liberal. Se nenhuma evidência contrária puder mudar as suas crenças, você é um fundamentalista. Se acredita que o Estado deve punir aqueles com opiniões contrárias, você é um totalitário. Se acredita que opositores políticos devem ser punidos com violência ou morte, você é um terrorista.”

    A popular autora de Harry Potter, que também é uma defensora dos direitos das mulheres, escreveu no X em defesa da tolerância, da democracia e da liberdade de expressão. / Foto: Captura de ecrã da publicação rede X

    Além de desinformação, também tem havido quem celebre o homicídio do jovem conservador, com vídeos e publicações nas redes sociais. Em Portugal, um dos que festejou o homicídio foi o argumentista João Quadros que escreveu várias publicações na rede X, uma das quais teve cerca de 500 ‘gostos’.

    Numa das publicações, João Quadros escreveu: “vou buscar uma almofada, preciso de espaço para dormir com este sorriso”.

    Nos Estados Unidos, algumas das pessoas que celebraram a morte de Kirk nas redes sociais foram despedidas, depois de os seus empregadores terem tido conhecimento do que publicaram online. Vários vídeos e publicações com festejos têm vindo a ser apagados.

    Também a empresa Office Depôt fez um comunicado onde anunciou despediu um dos seus funcionários que recusou imprimir um poster para anunciar uma vigília em nome de Kirk. Disse ainda que tinha contacto o cliente para resolver a situação, mas entretanto emergiram publicações na rede X indicando que um concorrente, a FedEx Office, tinha avançado com a impressão do poster gratuitamente.

    Foto: Captura de ecrã de publicações na rede social X

    Contudo, a onda de desinformação sobre Kirk deverá continuar nos media e também nas redes sociais. Para a imprensa, este caso de má conduta surge depois de uma outra polémica envolvendo a cobertura que os media fizeram do homicídio de uma jovem refugiada ucraniana, quando regressava a casa de metro vinda do seu emprego.

    Apesar de ter sido divulgado o vídeo do homicídio, que foi cometido por um criminoso reincidente 14 vezes, os media em geral ignoraram o acontecimento e fizeram um ‘blackout‘, não noticiando o crime. Só quando o vídeo e as críticas aos media se tornaram virais na Internet é que a imprensa começou a noticiar o crime. Por detrás do ‘blackout‘ dos media ao caso terá estado o facto de a jovem assassinada ser branca e o criminoso não.

    A forma como a imprensa em geral cobriu estes dois homicídios tem gerado uma onda de críticas e exposto um sector de media que faz as notícias com carga ideológica e que se afastou dos deveres éticos e de rigor e isenção, que são pilares do Jornalismo.

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    Foto: D.R.

    Nesta altura, há quem questione mesmo como teria sido a cobertura mediática destes dois homicídios se o jovem conservador assassinado fosse antes um democrata ou um devoto muçulmano e se a jovem ucraniana tivesse outro tom de pele.

    Em termos mediáticos, o que transparece destas duas polémicas é que, para alguma imprensa, o tratamento noticioso de acontecimentos tem dois pesos e duas medidas consoante a religião, a cor de pele e a preferência política dos envolvidos. Algo que contraria as boas práticas jornalísticas e, em Portugal, constitui uma violação do Estatuto do Jornalista e do Código Deontológico.

    No caso de Charlie Kirk, a forma como alguma imprensa norte-americana diabolizou o jovem leva que críticos da sua cobertura de Kirk lhe estejam a atribuir uma parte da responsabilidade pelo ódio criado em torno do jovem conservador, que levou a que se tornasse num alvo de um extremista.

  • Impresa: em 10 anos, Balsemão pai & filhos sacam 6,6 milhões em salários e pensões

    Impresa: em 10 anos, Balsemão pai & filhos sacam 6,6 milhões em salários e pensões


    Francisco Pinto Balsemão, fundador e ainda ‘patrão’ da Impresa, tem recebido nos últimos tempos várias homenagens e galardões públicos, como a Ordem de Camões na semana passada. Mas também tem levado para casa outros valores: mais concretamente milhões de euros em salários e complementos de pensão pagos pelo seu grupo de media, que vive uma crónica crise financeira.

    Mas não é só o ‘pai’ que tem amealhado fortuna à custa de uma holding que tem um saldo negativos de resultados acumulados na última década de 47,3 milhões de euros, com prejuízos particularmente elevados em 2017 e no ano passado. Os seus filhos Francisco Pedro e Francisco Maria – que estão a herdar os destino do grupo que detém, entre outros, a SIC e o Expresso -, não se têm saído nada mal, segundo uma análise do PÁGINA UM aos vencimentos dos três Franciscos que constam nos relatórios e contas anuais.

    Francisco Pinto Balsemão, fundador e ‘chairman’ da Impresa, dona da SIC e do Expresso, num vídeo de apresentação do livro ‘Memórias’, em 2021./ Foto: D.R.

    No global, se a Impresa é conhecida por nunca ter pagado dividendos aos accionistas, a cúpula da família Balsemão tem visto os frutos da sua gestão do grupo de media caírem à sua mesa: na última década, contabilizam-se quase 6,6 milhões de euros apenas em salários e complemento de pensão. De fora, estão outros benefícios eventuais, incluindo viaturas e despesas diversas pagas pela Impresa.

    No caso do patriarca da família, Francisco Pinto Balsemão – que foi CEO até 2012, passando a partir daí, aos 75 anos, a ser a chairman (sem funções executivas) – tem auferido anualmente um salário de 106.400 euros a que acresce 184.739 euros de complemento de pensão da própria empresa. Somado, Balsemão tem recebido desde 2016 mais de 291 mil euros por ano do seu grupo. Ou seja, uma média mensal de quase 21 mil euros em 14 meses. Na última década, amealhou 3,0 milhões de euros, valor que inclui as verbas recebidas em 2015 e também os três anos em que auferiu de prémios no valor global de 79.800 euros.

    Já Francisco Pedro, actual CEO com 45 anos, tem recebido 280 mil euros de vencimento como presidente-executivo do grupo desde 2017. Em 2016, o salário foi de ‘apenas’ 236 mil euros. Assim, em 10 anos, o filho/gestor recebeu 2,7 milhões de euros da dona da SIC. O valor engloba um total de prémios de 240 mil euros obtidos em três exercícios, mas exclui despesas e outros benefícios pagos pela Impresa, como viatura, despesas de deslocação, subsídio de almoço e outras.

    Francisco Pedro Balsemão tem desempenhado o cargo de CEO da Impresa desde 2016, levando para casa 280 mil euros por ano, excluindo extras. / Foto: D.R.

    Quanto a Francisco Maria, nascido em 1970, mantém-se na administração há mais de uma década. Em 2015, ganhaou, como vice-presidente da Impresa, 406 mil euros em vencimento fixo. Com a entrada de Francisco Pedro para o cargo de presidente-executivo, o seu vencimento passou para apenas 49 mil euros, excluindo eventuais extras. Tudo somado, na última década, ganhou 847 mil euros em vencimentos na Impresa.

    Os rendimentos da cúpula Balsemão contrastam com os resultados do grupo: do lucro líquido de 11 milhões de euros que a Impresa ainda registou em 2014, há uma década, o grupo passou para um prejuízo recorde de 66,2 milhões de euros no ano passado.

    Mas o passivo subiu de 80 milhões em 2014 para quase 128 milhões de euros no ano passado, mesmo depois de se ter libertado dos ‘activos tóxicos’ da Impresa Publishing, que dariam origem à Trust in News, nas mãos de Luís Delgado, agora em insolvência. Enquanto isso, as receitas quebraram: eram de 237 milhões de euros em 2014 e no ano passado ficaram nos 182 milhões, ou seja, uma queda de 23% – e isto sem contabilizar a inflação.

    Evolução em bolsa das acções da Impresa.

    Nos seus relatórios e contas, a Impresa aponta que um dos critérios usados para decidir as políticas de remuneração dos quadros de gestão é o facto de a empresa estar cotada em Bolsa e, portanto, querer alinhar os salários dos gestores aos de outras cotadas de similar dimensão. Isto apesar de as acções da Impresa estarem hoje a cotar em Bolsa na casa dos 10 cêntimos quando em Abril de 2014 ainda chegaram a aproximar-se dos 2 euros. Daí para cá, em pouco mais de 11 anos, a queda em bolsa foi de quase 95%.

    Mas, além do trio formado pela cúpula da família Balsemão, também Mónica Balsemão, filha do patrão da Impresa, tem trabalhado no grupo, ocupando um lugar de destaque no sector do marketing há mais de 30 anos. Começou no Expresso, mas, mais tarde, também assumiu a pasta de marketing tanto da Impresa Publishing como das marcas da SIC. Esteve durante mais de uma década à frente da direcção de marketing, comunicação e criatividade, do grupo.

    Desde 2023, Mónica Balsemão deixou estas funções para passar a tratar do reforço de imagem e reputação institucionais da Impresa bem como do desenvolvimento de projectos transversais, com apoio directo à comissão executiva.

    Foto: PÁGINA UM

    Assim, enquanto o grupo vai sangrando ao longo dos anos, com o despedimento de quadros, incluindo jornalistas, a família Balsemão vive uma era de ouro, como se não houvesse crise no seu grupo de media nem no sector da imprensa.

    Mas a crise está lá. Com efeito, como o PÁGINA UM noticiou, o império de media da família Balsemão, através da empresa Balseger, está em verdadeiro colapso financeiro. E a sua manutenção no controlo da Impresa – onde só detém 35,9%, uma vez que tem 71,41% dos direitos de votos via Impreger – está a transformar-se numa mão ‘cheia de quase nada’.

    Segundo uma análise do PÁGINA UM, a erosão financeira da Balseger – a holding criada em 2010 por Francisco Pinto Balsemão para concentrar os seus interesses na Impresa – é gigantesca: em apenas década e meia, os capitais próprios caíram de cerca de 75 milhões de euros para apenas 9,4 milhões, uma perda de 87%, quase nove décimos do “património mediático” de Pinto Balsemão.

    Resultados anuais da Impresa entre 2015 e 2024. Fonte: Relatórios e contas da Impresa. Análise: PÁGINA UM

    Além disso, o nome Imprensa tem estado envolvido em controversias. As dificuldades financeiras têm levado o grupo a fazer alguns negócios polémicos, como a venda do portefólio de revistas à Trust in News (TIN), de Luís Delgado, que está em situação de insolvência. Delgado está mesmo a cumprir uma pena suspensa de cinco anos devido a dívidas fiscais acumuladas pela TIN e arrisca novas condenações que o podem levar a cumprir pena efectiva.

    Outro negócio polémico foi a venda, e posterior recompra, ao Novo Banco do seu edifício-sede em Paço de Arcos. Estes negócios levaram o Ministério Público a investigar a existência de eventual corrupção envolvendo a Impresa, mas concluiu, com fraca fundamentação, pela não existência de matéria criminal.

    Foto: D.R.

    Recentemente, Francisco Pedro Balsemão tentou vender, de novo, o edifício, desta vez a um fundo imobiliário do BPI, grupo onde o actual vice-presidente da Impresa foi administrador até 2024. Mas o negócio ruiu devido a alegados problemas fiscais passados em torno do imóvel.

    Seja como for, nem os prejuízos recorde, a desvalorização das acções ou os negócios estranhos têm afectado o estilo de vida abastado dos membros família Balsemão, nem os seus rendimentos. Pelo menos os que vêm da Impresa.

  • Família Balsemão perdeu quase 90% do seu ‘património mediático’ em 15 anos

    Família Balsemão perdeu quase 90% do seu ‘património mediático’ em 15 anos


    O império de media da família Balsemão, através da empresa Balseger, está em verdadeiro colapso financeiro. E a sua manutenção no controlo da Impresa – onde só detém 35,9%, uma vez que tem 71,41% dos direitos de votos via Impreger – está a transformar-se numa vitória de Pirro, porque se arrisca, em breve, a controlar um grupo de media sem um pataco que seja. Algo que será fatal para um negócio num sector que, ainda por cima, se tem mostrado deficitário nos últimos anos e com crónicos problemas de liquidez.

    Com efeito, de acordo com uma análise do PÁGINA UM, a erosão financeira da Balseger – a holding criada em 2010 por Francisco Pinto Balsemão para concentrar os seus interesses na Impresa – é assustadora: em apenas década e meia, os capitais próprios caíram de cerca de 75 milhões de euros para apenas 9,4 milhões, uma perda de 87%, quase nove décimos do “património mediático” de Pinto Balsemão.

    Francisco Pinto Balsemão em 2015. Foto: Imagem de entrevista à PSD-TV

    Esta hemorragia patrimonial não é apenas um número contabilístico: traduz-se numa capacidade cada vez menor para responder a crises de liquidez, a renegociações com a banca e a investimentos estratégicos para manter a competitividade do grupo. E confirma uma evidência: o accionista de referência, a família Balsemão, apesar de controlar toda a administração – e pôr e dispor das estratégias de gestão – já não tem sequer dinheiro próprio, ou não quer disponibilizar, para suprir crises de tesouraria. Ainda recentemente foram relatados atrasos no pagamento dos subsídios de férias aos trabalhadores da SIC.

    Apesar do cenário anterior já não ser muito favorável, o ano de 2024 agravou dramaticamente a situação. A Impresa registou prejuízos de 66,2 milhões de euros, esmagada por imparidades de 60,7 milhões que desvalorizaram contabilisticamente os activos da SIC e da InfoPortugal – e em cascata da Impreger e da Balseger. A holding familiar de Pinto Balsemão – com acções distribuídas pelos filhos, mas com o patriarca a deter 99,9% dos votos – teve de reconhecer imparidades (e prejuízos) de mais de 31,1 milhões de euros. Uma verdadeira hecatombe financeira e de imagem.

    Ao mesmo tempo, a dívida líquida da Impresa subiu para 130,9 milhões de euros, mais 13% que no ano anterior, elevando a pressão financeira e tornando urgente a geração de liquidez. Para piorar o cenário, falhou em Julho uma operação crucial para reforçar a tesouraria do grupo de media: a venda do edifício de Laveiras, em Paço de Arcos, chegou a estar praticamente alinhavada com um fundo de investimento ligado ao BPI, mas o negócio caiu no último minuto, privando a Impresa de uma injecção de capital que seria vital para aliviar a pressão de curto prazo.

    Segunda geração Balsemão não está a sobreviver ao império criado a partir da década de 70.

    Embora ainda de forma discreta, os primeiros sinais do colapso surgiram ainda na primeira metade da segunda década deste século. Em 2014, os capitais próprios da Balseger tinham já descido para 52,5 milhões de euros, fruto de cerca de 23 milhões de prejuízos acumulados. Foi nesse contexto que, em 2016, se avançou para uma reestruturação do capital social: de 75 milhões de euros de capital social passou-se para apenas 4,6 milhões de euros, através da extinção de acções próprias e da redução do seu valor nominal, passando uma parte do valor anterior para reservas.

    Esta operação meramente contabilística teve, porém, outra particularidade: cerca de 20 milhões de euros, anteriormente classificados como capital social, foram reclassificados como um “empréstimo” dos accionistas à própria empresa, sem juros e sem prazo de devolução. A Balseger passou a ser uma mera holding de estrutura flexível, mas deixando de ser um peso-pesado financeiro, e com uma dívida simbólica para com os accionistas.

    Numa altura em que Pinto Balsemão jogava ainda a sua influência política e económica, esta estratégia poderia ter corrido bem, pois libertava tecnicamente o capital social, permitindo no futuro distribuir reservas ou reforçar capital sem novo processo formal de redução.

    Extracto do capital próprio inscrito no balanço da Balseger em 2024.

    Mas esta operação só faria sentido se fosse acompanhada de um segundo passo estratégico: comprar os 28,6% minoritários da Impreger, distribuídos por personalidades e famílias que co-fundaram o Expresso em 1973, sobretudo as famílias Ruella Ramos (dona do Diário de Lisboa), Boullosa e Botelho Moniz, sem poder de gestão. De entre os minoritários, com uma quota simbólica na Impreger, está ainda António Guterres, actual secretário-geral das Nações Unidas.

    Mas os accionistas minoritários da Impreger nunca quiseram abrir mão das suas acções – com valor de mercado cada vez menor – e Pinto Balsemão nunca conseguiu reforçar o controlo indirecto sobre a Impresa que lhe permitisse abrir a porta a novos investidores, dispostos a injectar capital, sem pôr em causa o controlo da gestão.

    O ano de 2024 foi, por isso, ainda mais devastador. Hoje, a Balseger está com capitais próprios esqueléticos e sem almofada para novos choques. Se a Impresa voltar a registar prejuízos relevantes ou novas imparidades, os capitais próprios da holding da família Balsemão podem cair para níveis residuais ou mesmo negativos, obrigando a uma recapitalização urgente. E aqui surge o dilema: ou a família injecta dinheiro novo para manter o controlo, ou aceita a entrada de investidores externos, correndo o risco de perder o controlo do grupo de media, onde pontifica a SIC a e Impresa Publishing (Expresso), em dificuldades maiores porque ainda tem de suportar os juros das dívidas do ‘pai’ Impresa.

    Recusar capital externo significa assistir à asfixia do grupo, incapaz de investir em programação e de travar a perda de receitas. Aceitá-lo implica abrir mão do comando absoluto, algo que Pinto Balsemão, agora com 88 anos, nunca aceitou.

    Com uma posição financeira tão frágil, a Impresa está assim vulnerável aos caprichos de uma família que criou uma estrutura societária blindada para evitar perder o poder, mas que hoje mais parece uma gaiola de ouro sem escapatória financeira.

  • Dona do Diário de Notícias está em falência técnica com capitais próprios negativos de quase 20 milhões

    Dona do Diário de Notícias está em falência técnica com capitais próprios negativos de quase 20 milhões

    A derrocada da Global Notícias não surpreende, mas o estrondo atinge valores inimagináveis. Os dados provisórios entregues pela dona do Diário de Notícias — que já vende menos de mil exemplares por dia em banca — no Portal da Transparência dos Media mostram que a empresa colapsou no ano passado com resultados negativos de quase 26,5 milhões de euros, colocando-a em falência técnica.

    E não se trata de meia dúzia de tostões: os capitais próprios estão agora negativos em 19,3 milhões de euros, ao mesmo tempo que os activos encolheram para apenas 21,5 milhões, aparentemente fruto da venda de títulos como o Jornal de Notícias, a TSF e O Jogo à obscura Notícias Ilimitadas, por um valor ainda desconhecido.

    O colapso da empresa que ainda detém os títulos mais antigos do país — o Diário de Notícias e o Açoriano Oriental — é apenas a consequência de um rumo errático, marcado nos últimos anos por transacções pouco transparentes e polémicas infindáveis, incluindo a tentativa de controlo por um fundo das Bahamas, expediente que acabou por servir de argumento para desmembrar o grupo.

    Nos últimos oito anos impressiona como as sucessivas administrações foram sangrando uma empresa que, em 2017, possuía activos superiores a 98 milhões de euros e capitais próprios de 31,4 milhões de euros. Desde então, acumulou mais de 76 milhões de euros de prejuízos. E até os anéis se foram: os edifícios emblemáticos do Diário de Notícias, em Lisboa, e do Jornal de Notícias, no Porto, foram vendidos, e o dinheiro rapisamente se esfumou. Hoje, aquilo que resta é uma carcaça que apenas um regulador conivente e um mundo político condescendente permitem continuar a animar. E a minar o jornalismo.

    Com efeito, as receitas da Global Notícias estão em queda livre há anos, fixando-se em apenas 22,5 milhões de euros em 2024, menos 48% do que em 2017 — e isto apesar da alienação de títulos supostamente ainda lucrativos como o Jornal de Notícias.

    A falência técnica — mas com valores de grandeza estratosférica — parece ser a estratégia para abrir caminho a uma futura intervenção estatal que salve o icónico Diário de Notícias, alienando-se o título e empurrando a Global Notícias para a insolvência, mas com credores e o próprio Estado a ficarem a ‘arder’. As demonstrações financeiras ainda não foram apresentadas na Base de Dados das Contas Anuais, e ignora-se se as dívidas ao Estado aumentaram ao longo do ano passado.

    Recorde-se que, em 2024, a Global Notícias vendeu a maior parte do capital do Jornal de Notícias, da TSF e de outros títulos à igualmente opaca Notícias Ilimitadas — que também não apresentou contas — ficando apenas com uma participação de 30%. O negócio, celebrado como “salvação” por quem insistia em pintar o grupo com cores de optimismo, revelou-se afinal um mecanismo de liquidação encapotada. A operação foi autorizada pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), mas com um pormenor gravíssimo: a existência de um acordo parassocial confidencial entre as partes, cujas cláusulas permanecem em segredo até hoje.

    O Página Um apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar a ERC a mostrar esses documentos, mas apesar de uma sentença favorável, o regulador recorreu com efeito suspensivo. Tem sido norma da ERC, presidida por Helena Sousa, proteger os grandes grupos em dificuldades, negando acesso a informação considerada sensível e escondendo a gravidade da situação financeira.

    Helena Sousa, presidente da ERC: regulador autorizou um estranho negócio de alienação, que esconde, contribuindo para a última estocada para o colapso (pouco involuntário) da Global Notícias.

    As consequências da alienação à Notícias Ilimitadas não tardaram a mostrar-se. Se em 2021 a Global Notícias ainda conseguiu, por via de medidas excepcionais, apresentar um EBITDA ligeiramente positivo (1,1 milhões de euros), em 2023 regressou aos prejuízos e em 2024 desabou num abismo: o resultado operacional foi de -24,8 milhões de euros, mais do que todo o volume de negócios anual. Em rácios, a autonomia financeira caiu para -90% e a solvabilidade fixou-se em 0,53 — ou seja, os passivos superam largamente os activos.

    Do ponto de vista estritamente económico, a Global Notícias já não existe como entidade viável. Qualquer tentativa de recuperação exigiria injecções de capital superiores a 25 milhões de euros, apenas para regressar a capitais próprios positivos e repor mínimos de autonomia financeira. Mas a realidade é que as fontes de receita encolheram e as marcas mais fortes — como o JN e a TSF — foram amputadas do perímetro da empresa.

    Neste momento, existe um esqueleto feito de responsabilidades, passivos e nenhuma margem para sobreviver, sendo que o seu activo mais forte é um jornal emblemático mas de credibilidade ferida de morte, que vende já menos de mil exemplares em banca e nem mil assinaturas digitais possui.

    Este quadro é tanto mais grave porque foi o próprio regulador a abençoar um negócio que ocultou regras de governação através de cláusulas secretas. Não é apenas a Global Notícias que está em colapso: é também o regime de transparência que deveria tutelar a comunicação social.

    A falência técnica da Global Notícias, consagrada em 2024, não resulta apenas de maus resultados acumulados: resulta também da complacência cúmplice da ERC e da permissividade do Estado em relação a negócios pouco claros que moldam o panorama mediático português. É esta cadeia de decisões opacas que hoje conduz ao desfecho previsível: um grupo histórico transformado em ruína contabilística, amputado dos seus principais activos e protegido por uma cortina de sigilo regulatório.

  • Trust in News: sem data para divulgar contas anuais, mantém-se dúvida sobre ‘rubrica misteriosa’

    Trust in News: sem data para divulgar contas anuais, mantém-se dúvida sobre ‘rubrica misteriosa’

    A comunicação oficial do encerramento definitivo de actividade da Trust in News (TIN) — dona de várias publicações, incluindo a revista Visão — está suspensa a aguardar, de novo, uma decisão dos credores, sobretudo a Autoridade Tributária e da Segurança Social, que são os principais credores da empresa que se encontra insolvente. Mas, enquanto se decide o futuro desta empresa de media, mantém-se uma incógnita sobre as contas de 2024, o que impede, até agora, de apurar a verdadeira magnitude das dívidas e de saber se o ‘reinado’ de Luís Delgado esteve envolto em contabilidade criativa com contornos de potencial fraude.

    A divulgação do relatório e contas da empresa referente a 2024 deveria estar concluída em finais de Julho, mas está atrasada e sem data para publicação. As contas nem sequer estão ainda fechadas, conforme apurou o PÁGINA UM. Aguarda-se assim por saber se a TIN vai efectuar uma ‘limpeza’ contabilística e alterar, por exemplo, uma rubrica misteriosa que permitiu a Luís Delgado evitar o registo de prejuízos ao longo de anos e esconder a real situação da empresa perante os trabalhadores, os credores e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). Aliás, nenhuns dados financeiros relativos ao ano passado foram referenciados no Portal da Transparência dos Media, algo que deveria ter sido feito até finais de Junho.

    white Canon cash register
    Foto: D.R.

    Nas últimas semanas, a TIN voltou a ser gerida pelo administrador de insolvência, André Correia Pais . Será com este administrador no leme que a TIN vai, em princípio, divulgar os seus resultados de 2024.

    Uma das várias dúvidas financeiras que paira sobre a contabilidade da TIN prende-se com a existência de cerca de 14 milhões de euros em activos que Luís Delgado atribuiria a receitas futuras. Esse montante está registado na rubrica “Outras contas a receber”, que nem sequer são registadas com factura emitida, subsistindo dúvidas quanto à sua correspondência a um activo real, ou seja, que possa efectivamente ser convertido em receitas — e, em última instância, em dinheiro.

    Luís Delgado conseguiu esconder os problemas financeiros da sua empresa unipessoal Trust in News graças a um malabarismo contabilísticos. / Foto: Captura de ecrã a partir de vídeo do Canal Parlamento.

    Caso não tenha existência real, esta rubrica terá apenas servido para ‘embelezar’, nos últimos anos, a calamitosa situação financeira do grupo, uma vez que evitava o reconhecimento de resultados líquidos negativos da ordem dos milhões de euros. 

    A sociedade unipessoal de Delgado, cujo capital social é de uns meros 10.000 euros, fechou o exercício de 2023 com um resultado líquido negativo de ‘apenas’ 115 mil euros, apesar de ter um passivo superior a 30 milhões de euros. Este prejuízo foi o primeiro que a TIN registou, segundo os dados disponíveis na Plataforma da Transparência da ERC. Nos anos anteriores, anunciou sempre resultados positivos, mas ‘milimetricamente’ próximos de zero, enquanto o passivo disparava. Em 2018, teve um lucro de 14.281 euros. Em 2019, o lucro subiu para 16.345 euros e a partir daí foi sempre a descer. Em 2020, a TIN ainda registou resultados positivos de 10 mil euros, mas em 2021 ficaram-se por 27 euros e, em 2022 , pelos 1.061 euros.

    Com a empresa em situação de insolvência, estranhamente, nem os credores, nem os trabalhadores nem o gestor de insolvência pediram ainda explicações fundamentadas para a existência da rubrica misteriosa nas contas da TIN em anos passados. Nem sequer foi pedida uma auditoria.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    O tema tem sido ignorado, apesar das suas implicações graves. Na prática, se o activo registado nas contas da TIN nunca existiu, estamos perante um activo fictício e, portanto, um caso de apresentação de contas fraudulentas.

    Se, por outro lado, esse activo existiu, mas a recuperabilidade deixou de ser provável, terá de ser reconhecida como uma imparidade, resultando assim num prejuízo de milhões. A diferença reside no momento em que a administração sabia — ou tinha o dever de saber — que o activo não existia ou nem sequer era recuperável.

    Assim, mostra-se expectável, ainda mais porque agora será o administrador judicial a ter de se responsabilizar pelas contas. que a demonstração de resultados e o balanço de 2024 tenha esta ‘rubrica misteriosa’ completamente clarificada, ficando a saber-se, afinal, do que se tratava e se foram, ou não, cometidos crimes.

    woman in dress holding sword figurine
    Foto: D.R.

    Se se concluir que foi feita, de forma intencional, uma sobreavaliação fraudulenta de activos, estamos perante mesmo um crime. Ou seja, se o balanço apresentava um valor que não tinha base real, e isso foi feito com intenção de enganar credores, trabalhadores e reguladores, entra no âmbito de contas falsas ou falsificação de demonstrações financeiras. Os crimes estão previstos nos artigos do Código das Sociedades Comerciais referentes a ‘contas falsas’ e ‘deveres dos administradores’.

    Também o Código Penal prevê o crime de falsificação de documento, sendo que as demonstrações financeiras são documentos.

    Acresce que, se as contas da TIN foram aprovadas com conhecimento da falsidade, há dolo, o que pode levar a responsabilidade criminal dos administradores mas também dos revisores oficiais de contas (ROC) e, eventualmente, de quem tenha participado conscientemente no esquema contabilístico.

    Se um ROC certificou as contas da TIN e não detectou ou não reportou a inconsistência existente, pode haver responsabilidade disciplinar e civil, e até criminal se se provar conluio.

    Luís Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, em Janeiro de 2018, na assinatura do acordo de venda do portfólio de publicações da Impresa Publishing à TIN. A venda permitiu ‘salvar’ financeiramente a Impresa que se encontrava numa situação financeira difícil, já naquela altura.
    / Foto: D.R.

    Recorde-se que, como o PÁGINA UM noticiou, Delgado esteve a esconder durante anos a situação de dívidas ao Estado, porque nem sequer emitiu a Certificação Legal de Contas (CLC), que no seu caso era claramente obrigatória por ser uma sociedade por quotas com um balanço superior a 1,5 milhões de euros, deter vendas anuais superiores a 3 milhões de euros e contar mais de 50 trabalhadores.

    De facto, nas contas de 2018 a 2022 depositadas regulamente na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA), a TIN informava sempre que não estava obrigada a ter contas certificadas por um revisor oficial de contas. 

    Mas isso foi até ao dia 4 de Julho de 2024. A empresa de media apresentou no dia 5 de Julho do ano passado uma “declaração de substituição” respeitante às contas do ano civil de 2021, para assim ‘eliminar’ aquela que fora apresentada em 15 de Julho de 2022, e que o PÁGINA UM tinha obtido.

    Foto: PÁGINA UM

    Na altura, a alteração mais relevante que a TIN fez às suas contas consistiu num acto do revisor oficial de contas. A DFK & Associados fez, então, uma reserva extremamente relevante: “Chamamos a atenção para o facto da Entidade [Trust in News] apresentar dívidas à Segurança Social e Autoridade Tributária [e Aduaneira] no montante total aproximado de 8.200.000 euros. Do valor indicado refira-se que até à emissão da presente Certificação tinham sido liquidados, pelo menos, 790.000 euros e celebrado acordos de pagamentos prestacionais no montante de 2.500.000 euros”. 

    O desfecho de anos de acumulação de dívidas, sobretudo ao Estado, foi um Processo Especial de Revitalização (PER) falhado, seguido de um pedido de insolvência. No dia 18 de Julho, a juíza Diana Martins, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, não deu ‘luz verde’ ao plano de insolvência da TIN que tinha sido apresentado por Delgado por violar a lei no que toca às garantias dos credores. Delgado, que está a cumprir pena suspensa durante cinco anos pelo crime de abuso de confiança fiscal agravado, pretendia ficar imune a novas acções de penhora e execução. O Tribunal decretou o encerramento da empresa, o que espoletou o processo de despedimento colectivo.

    No dia 4 de Agosto, o Tribunal deu o seu aval ao pedido de adiamento da comunicação oficiosa ao Fisco do encerramento da actividade da TIN, que tinha sido pedido pelo Correia Pais, segundo noticiou a Lusa. Assim, o administrador de insolvência ganhou tempo para que surjam soluções que travem o definitivo encerramento da TIN, pelo menos até 8 de Outubro.

    Os credores, sobretudo a Autoridade Tributária e a Segurança Social, têm de decidir se aceitam a proposta de um grupo de trabalhadores da Visão para a aprovação do plano de insolvência excluindo a clausula ilegal que protegia Luís Delgado, ou, em alternativa, dar o seu aval para manter a revista em funcionamento até à sua eventual venda. / Foto: D.R.

    Por outro lado, um grupo de onze trabalhadores da revista Visão, incluindo o seu diretor, Rui Tavares Guedes, solicitaram ao Tribunal, no dia 25 de Julho, para convocar uma nova assembleia de credores da empresa. Propõem que o plano de insolvência avance excluindo a cláusula ilegal que visava proteger Luís Delgado, ou, em alternativa, seja permitido que a revista continue a funcionar até à sua eventual venda, sob supervisão do administrador de insolvência —, o qual exige “imunidade” pessoal nas responsabilidades fiscais e junto da Segurança Social.

    Entretanto, alguns dos trabalhadores da TIN, que tem estado a ser afectada por uma greve por tempo indeterminado, têm vindo a deixar a empresa. Os que ficaram, têm a esperança de ser encontrada uma solução que evite o fecho da TIN, mas enfrentam um futuro sem garantias, nem de postos de trabalho, nem de salários. Depois de serem despejados das instalações no Tagus Park, os trabalhadores estão agora a trabalhar a partir de casa.

    Quanto a Delgado, recorreu da decisão da não homologação do seu plano de insolvência, segundo noticiou a agência Lusa. Mas esta acção não terá efeitos suspensivos. O dono e gerente da TIN corre ainda o risco de vir a ser acusado de insolvência culposa, algo que ficou deixado em aberto pela juíza do processo de insolvência.

    Num artigo publicado na Visão, no passado dia 8 de Agosto, a ex-directora da revista, Mafalda Anjos, lava as suas mãos da ‘queda em desgraça’ da TIN e atribui o descalabro da empresa a uma “gestão gravemente danosa e incompetente”.

    Mafalda Anjos foi publisher da TIN durante cinco anos e directora da Visão durante seis anos. A Lei da Imprensa concedia-lhe o direito de ser informada da situação económica e financeira da empresa.

    Mas a Lei da Imprensa concede aos directores das publicações o direito de “ser informado sobre a situação económica e financeira da entidade proprietária e sobre a sua estratégia em termos editoriais”. Ora, Mafalda Anjos foi ‘publisher’ da TIN e directora editorial de vários títulos (Visão, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima) entre 2018 e 2022, tendo apenas saído da liderança da Visão em Dezembro de 2023 – ou seja, teve seis anos para se informar, como a Lei da Imprensa lhe permitia, sobre a situação financeira e económica da empresa de Luís Delgado.

    Se exerceu esse direito de directora responsável, ignora-se, mas sabe-se que, em Julho de 2023, Mafalda Anjos apelidou de “artigos fantasiosos” as notícias do PÁGINA UM que alertavam para os graves problemas financeiros da TIN e o seu gigantesco passivo. O tempo confirmou que o PÁGINA UM escreveu a verdade que muitos queriam esconder debaixo do tapete.

  • Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge manipula índice de calor extremo após prever catástrofe (que não aconteceu)

    Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge manipula índice de calor extremo após prever catástrofe (que não aconteceu)

    O Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), tutelado pelo Ministério da Saúde, recusa justificar por que motivo manipulou esta terça-feira os valores do Índice ÍCARO — um modelo estatístico usado para estimar o excesso de mortalidade provocada por calor — e também se escusa a explicar os pressupostos científicos, técnicos e metodológicos que sustentam os números publicados.

    A alteração dos dados, feita sem qualquer nota explicativa, foi realizada poucas horas depois de o PÁGINA UM ter divulgado, na noite de segunda-feira, as previsões inéditas — e alarmantes — que o próprio INSA tinha publicado horas antes no portal oficial da Transparência do Serviço Nacional de Saúde.

    Fernando Almeida, presidente do INSA: muda previsões catastrofistas e acha que não tem de dar satisfações quando se manipula os números originais. / Foto: D.R.

    Segundo os dados então disponíveis, o valor previsto para amanhã, dia 6, atingia 1,57 — o mais elevado alguma vez registado desde que o Índice ÍCARO consta do portal da Transparência do SNS. De acordo com a definição estatística do modelo, tal valor correspondia a um aumento de 157% na mortalidade diária face a condições meteorológicas normais. Traduzido em números absolutos: sendo a média de mortes diárias no Verão de cerca de 280 óbitos, o índice implicaria mais de 720 mortes num só dia, ou seja, mais 440 do que o habitual.

    As previsões apresentadas pelas previsões desta segunda-feira também se revelavam extraordinariamente elevadas para ontem (1,21) e para hoje (1,30), o que corresponderia, respectivamente, a 619 e 644 óbitos por dia. Assim, só com base no Índice ÍCARO e nas suas estimativas, o total de mortes para estes três dias seria próximo das duas mil, representando um alegado excesso de mais de 1.100 mortes face à média esperada. Se o modelo estivesse minimamente calibrado, tal cenário equivaleria a uma das maiores crises de saúde pública das últimas décadas.

    Contudo, os dados reais rapidamente desmentiram este alarmismo. Segundo os números do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), o total de óbitos registados nesta segunda-feira (307), e até às 20h30 de hoje o número de mortes era de 244, sendo previsível que o valor final fique próximo de ontem. Aliás, convém referir que, do ponto de vista estatístico, só se pode falar de excesso de mortalidade nesta época do ano quando os valores diários ultrapassam os 350 óbitos. Não só tal não se verificou, como os valores se mantêm dentro da normalidade.

    Previsões catastrofistas (divulgadas ontem) para os dias 5 e 6 de Agosto…
    … foram alteradas poucas horas depois de uma notícia do PÁGINA UM (na manhã de hoje) que indicava que aparentavam ser catastrofistas (e exageradas).

    Mesmo assim, ainda antes de qualquer indício de anomalia, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) e a Direcção Executiva do SNS emitiram um comunicado no final da tarde de ontem com um vasto conjunto de recomendações públicas, partindo como ponto de partida das previsões do Índice ICARO. Saliente-se que existe um interesse político para criar uma narrativa de uma onda de calor inédita para justificar a crise dos incêndios que lavram no país desde a semana passada.

    O mais grave, porém, nem é o falhanço do modelo, mas sim a facilidade com que se alteram os números originais do Índice ÍCARO sem justificação. De facto, foi apenas na manhã de hoje que os valores do Índice ÍCARO para o início desta semana foram alterados na base de dados pública do SNS. Sem aviso, sem explicação, sem referência a erro. O valor de 1,57 desapareceu, dando lugar a um mais ‘modesto’ 1,01 – que mesmo assim falhará, porque implicaria cerca de 600 óbitos. Para hoje, o valor de 1,30, na previsão de ontem, mudou para 1,07, para a previsão de hoje.

    Parece algo irrelevante, mas mesmo sabendo que o INSA não teve coragem para mudar a previsão de ontem para o próprio dia (1,21), fica patente que o índice ÍCARO serve para pouco. De facto, se o modelo de aproximasse da realidade, o valor de 1,21 significaria que 619 óbitos, mas o valor ficou pela metade — e dentro da normalidade.

    Ana Paula Martins, ministra da Saúde, tutela o INSA. / Foto: D.R.

    Durante esta tarde, o PÁGINA UM contactou três responsáveis públicos, que têm também a incumbência de credibilizarem a Ciência: Fernando Almeida, presidente do INSA; Rita Sá Machado, directora-geral da Saúde; e António Amaral, director-executivo do SNS. Apenas este último respondeu, através do seu gabinete de comunicação, remetendo toda a responsabilidade para o INSA. Os dois primeiros — os directamente responsáveis — mantiveram-se em absoluto silêncio.

    O PÁGINA UM colocou questões objectivas e transparentes, como: quais os critérios e variáveis usados na construção do Índice ÍCARO? Que variáveis meteorológicas ou ambientais estão incluídas? Existe alguma componente subjectiva ou ajustável manualmente? Qual o valor considerado no denominador da fórmula de cálculo (isto é, o número de óbitos esperados sem calor)? Como se calcula o numerador (óbitos previstos sob efeito térmico)? A fórmula é fixa ou sofre adaptações semanais? Por que razão os valores previstos foram revistos em poucas horas? Houve erro de cálculo, actualização de dados meteorológicos ou intervenção discricionária? Existe histórico de revisões abruptas? Com que frequência? Qual o impacto prático das previsões? São comunicadas a outras entidades? Que planos públicos são desencadeados com base nestes números e que entidades são avisadas?

    A ausência de resposta a todas estas perguntas não é apenas uma falha de comunicação: é um sintoma de opacidade e de irresponsabilidade institucional. O Índice ÍCARO, recorde-se, foi criado em 1999 pelo Observatório Nacional de Saúde do INSA, em colaboração com o IPMA, e baseia-se numa equação simples: estima-se a diferença entre o número de óbitos esperados com efeito do calor e o número médio de óbitos sem calor, com base em séries de temperatura máxima observada e prevista. O elemento central é a chamada “sobrecarga térmica acumulada”, isto é, o número de dias em que a temperatura ultrapassa os 32 graus, ponderado pelo grau de excesso acima desse limiar.

    brown grass during sunrise
    Foto: D.R.

    O modelo, pioneiro no contexto europeu, tinha méritos técnicos, mas assumia desde o início uma lógica catastrofista. No artigo científico que lhe deu origem, publicado na Revista Portuguesa de Saúde Pública, os autores afirmavam já de forma explícita que o sistema foi desenhado para privilegiar a sensibilidade (ou seja, detectar qualquer situação de risco), mesmo à custa da especificidade (evitar alarmes falsos). Citando literalmente: “Num sistema de alerta, não pode sacrificar-se a sensibilidade à especificidade”. Traduzido: o modelo foi concebido para tocar o alarme o mais cedo possível, mesmo que isso signifique errar frequentemente.

    Nos últimos anos, o Índice ÍCARO tem sido utilizado como instrumento de apoio à comunicação institucional em saúde pública, mas sem ajustamento às novas realidades clínicas, demográficas ou epidemiológicas. Os valores mais recentes resultam exclusivamente de previsões meteorológicas a três dias e não cruzam qualquer dado com registos de saúde, mortalidade real ou factores sociais de risco.

    Além disso, o modelo é opaco: ninguém fora do INSA sabe como funciona em detalhe, nem que peso têm as variáveis, nem como se tratam os dados. E, como agora se comprova, os valores podem ser alterados em poucas horas sem qualquer nota de rodapé — como se não tivessem existido.

    Definir medidas de Saúde Pública com base em modelos sem rigor é meio caminho andado para descredibilizar a confiança da população. / Foto: D.R.

    Este episódio, em que uma previsão recorde é discretamente apagada e substituída por outra sem explicação, é um grave sinal de degradação da confiança científica e institucional. Quando uma entidade pública altera dados sensíveis sem prestar contas, compromete não apenas a credibilidade do índice, mas a do próprio sistema de saúde pública. E quando jornalistas ou cidadãos pedem explicações e recebem silêncio, o problema já não é apenas estatístico — é democrático.

    Num país que em tempos teve Ricardo Jorge como referência de rigor e serviço público, ver o seu nome hoje associado a um sistema opaco e errático é uma ironia amarga. E, mais do que isso, um alerta. Porque há um risco maior do que o calor: o da erosão silenciosa da confiança pública — essa sim, irreversível quando se perde.

  • Publicidade: Imprensa vai ser obrigada a mostrar quanto recebe do Estado e de entidades públicas  estrangeiras

    Publicidade: Imprensa vai ser obrigada a mostrar quanto recebe do Estado e de entidades públicas estrangeiras

    As empresas de media nacionais vão ter de divulgar de forma clara quanto recebem de entidades públicas nacionais e estrangeiras, nomeadamente de instituições da União Europeia, através de contratos de publicidade.

    O aviso da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já foi enviada esta tarde às diversas empresas que detêm órgãos de comunicação social, numa altura em que o regulador prepara a adaptação das leis nacionais ao novo quadro legal europeu para o sector, o European Media Freedom Act (EMFA).

    Foto: PÁGINA UM

    No seu aviso, o regulador explica que “o Conselho Regulador da ERC, em reunião datada de 30 de julho de 2025, deliberou dar início ao processo de revisão do Regulamento n.º 835/2020, de 2 de Outubro”, que define as normas para disponibilização de elementos societários e financeiros das empresas de media. O regulador adianta ainda que “esta alteração visa essencialmente reforçar os deveres de transparência das entidades que detêm órgãos de comunicação social, assegurando que a informação sobre o financiamento público através de publicidade institucional seja disponibilizada de forma clara, acessível e atualizada”.

    A ERC salienta que estas alterações se inserem nas exigências do novo quadro europeu “ditadas pelo EMFA, nomeadamente o disposto no seu artigo 6.º, relativo à divulgação obrigatória do montante total anual de receitas provenientes de publicidade institucional atribuída por autoridades ou entidades públicas nacionais e estrangeiras”.

    Assim, será colocado “em consulta pública o projecto de alteração ao Regulamento n.º 835/2020, de 2 de outubro, previsivelmente no último trimestre de 2025”.

    No aviso, a ERC destaca que “a participação activa das entidades reguladas é fundamental para assegurar que o novo regime responda de forma eficaz às exigências europeias e às especificidades do sector nacional”.

    Sede da ERC, em Lisboa. / Foto: PÁGINA UM

    Resta saber se a ERC vai mesmo obrigar as empresas de media em Portugal a divulgar quanto recebem, no total e de forma discriminada, de contratos publicitários com entidades públicas nacionais e estrangeiras ou se o regulador vai fechar os olhos a alguns contratos de prestação de serviços para promoção de entidades – e que se devem encaixar no conceito de publicidade –, como são o caso das parcerias comerciais, que trazem receitas chorudas aos órgãos de comunicação social, levantando questões de promiscuidade e opacidade.

    Já os contratos publicitários com entidades privadas vão continuar toldados por opacidade, já que a nova legislação europeia não obriga a que haja transparência nos relacionamentos comerciais entre grupos de media e órgãos de comunicação social e empresas privadas.

    A excepção, em Portugal, vai para a publicidade e contratos de parceria comercial feitos entre farmacêuticas e empresas de media, os quais devem constar no Portal da Transparência do Infarmed. Contudo, as farmacêuticas têm escondido esses contratos e não os registam na plataforma do Infarmed, não se sabendo quanto pagam a órgãos de comunicação social para organizar conferências, podcasts, ou publicar artigos.

    Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed, tem fechado os olhos ao incumprimento das regras por parte das farmacêuticas que escondem do Portal da Transparência os contratos comerciais feitos com órgãos de comunicação social. Pior do que isso, Rui Santos Ivo ainda participa em eventos organizados por órgãos de comunicação social e pagos por farmacêuticas. / Foto: D.R.

    O Infarmed também tem optado por fechar os olhos à promiscuidade entre empresas farmacêuticas e grupos de media, não actuando para cumprir a legislação e garantir a transparência.

    Assim, apesar de a adaptação da legislação nacional a novas regras de transparência nos media trazer uma melhoria em matéria de financiamento dos media por parte de entidades públicas, resta saber se a ERC vai exigir total transparência ou se vai ser um novo ‘Infarmed’ e fechar os olhos à opacidade nas parcerias comerciais promíscuas que danificam a credibilidade do jornalismo e do sector em Portugal.

  • Polígrafo oferece secções de ‘verificação de factos’ a quem pagar

    Polígrafo oferece secções de ‘verificação de factos’ a quem pagar


    É comum dizer-se que todos têm um preço. No jornalismo, esse preço raramente se traduz num envelope recheado ou num jantar de gala: surge, mais frequentemente, sob formas subtis — uma parceria, um patrocínio, ou a criação generosa de uma secção temática. Desde que haja dinheiro, tudo se justifica. E é isso mesmo que agora se começa a ‘verificar’ com o principal verificador de factos português: o Polígrafo.

    Criado em 2018 como órgão de comunicação social vocacionado para o fact checking — e que soube aproveitar a pandemia e a cruzada contra a desinformação para engordar as suas contas —, o Polígrafo acaba de abrir uma nova frente editorial, desta vez dedicada ao futebol. E porquê agora? Por amor ao desporto-rei? Nada disso. Por amor ao dinheiro. Concretamente, ao dinheiro da Bem Operations Limited, uma empresa de apostas desportivas e jogos de fortuna e azar registada em Malta, e que em Portugal sob a marca Betclic.

    Fernando Esteves, director do Polígrafo e gerente da Inevitável e Fundamental: a arte de comercialização do fact checking.

    Desde esta semana, através de uma “parceira exclusiva”, o principal verificador de facto em Portugal criou o Polígrafo Futebol, fruto declarado de uma parceria comercial. Confrontado com questões do PÁGINA UM, o director do Polígrafo e gerente da empresa Inevitável e Fundamental, Fernando Esteves, recusou esclarecer os termos da parceria com a Betclic, incluindo os montantes envolvidos.

    Certo é que numa consulta realizada esta tarde, entre os 25 conteúdos mais recentes de fact checking assinados por jornalistas do Polígrafo, seis (cerca de 25%) incidem sobre futebol, com destaque para o rescaldo da Supertaça.

    Aquilo que até há poucos dias era um interesse marginal por declarações duvidosas no universo futebolístico converteu-se subitamente num zelo factual sobre jogadores, clubes, árbitros e boatos de balneário. Não porque a verdade desportiva se tenha tornado mais nobre, mas porque a Betclic decidiu abrir os cordões à bolsa.

    Parceria comercial entre a empresa de Malta e o Polígrafo foi anunciada esta semana, mas é apresentada como uma nova secção de futebol “Powered by Betclic”.

    Apresentado com entusiasmo como um “projecto pioneiro” — aliás, “o primeiro no Mundo” —, o Polígrafo Futebol visa agora verificar rumores, exageros e inverdades que circulam nas redes sociais sobre futebol. Em tudo semelhante à verificação de factos na política ou na economia, não fora a inovação — ou melhor dizendo, a ilegalidade — residir no facto de a Lei da Publicidade e a Lei de Imprensa não permitirem que uma entidade pública ou privada, especialmente quando opera no sector em causa, patrocine conteúdos editoriais. A criação de secções editoriais motivadas por contratos comerciais representa, em si, uma forma de dependência e condicionamento editorial.

    Além da já preocupante promiscuidade entre jornalismo e financiamento, a forma como o Polígrafo apresenta esta nova secção levanta fundadas dúvidas legais. Em vez de assumir frontalmente o patrocínio, optou também por mascará-lo através da fórmula ambígua “Powered by Betclic”, que surge na página agregadora da secção. Herdada do jargão tecnológico, esta expressão não permite ao leitor perceber sequer que os conteúdos ali publicados são, em última análise, financiados por uma casa de apostas — e muito menos que os mesmos decorrem de uma parceria comercial.

    Mais grave: os artigos da secção Polígrafo Futebol — assinados por jornalistas e com aparência formal de conteúdos editoriais semelhantes aos outros fact checkings— não contêm qualquer menção à Betclic, embora os leitores comecem a ser bombardeados com publicidade dinâmica da empresa. O leitor comum não tem forma de saber que a peça que lê resulta de uma parceria paga, mas é exposto, sem aviso, a anúncios da marca patrocinadora.

    selective focus photography of Pinocchio puppet

    Estamos, pois, perante um caso claro de publicidade encapotada, violando não apenas a Lei da Publicidade como também o Estatuto do Jornalista, que proíbe os jornalistas de colaborarem em acções de marketing ou de subscreverem conteúdos que decorrem de contratos comerciais celebrados pelos seus empregadores. Qualquer jornalista está obrigado a recusar tarefas que comprometam a sua independência — e difícil será imaginar tarefa mais comprometedora do que escrever sobre futebol sob a égide de uma empresa cujo negócio depende da emoção, do rumor e do erro.

    Quando confrontada com este caso, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), presidida por Helena Sousa, reagiu com uma fuga burocrática: “não se pronuncia sobre casos concretos sem que tenha sido realizada a respectiva análise”. O problema é que essas análises costumam tardar — ou simplesmente não ocorrem. O regulador tem o hábito, cada vez mais enraizado, de não ver o que não quer ver, sobretudo quando os visados pertencem ao sistema mediático.

    Este novo caso de promiscuidade entre imprensa e financiadores públicos ou privados mina ainda mais os alicerces da independência editorial. A prática de criar secções à medida do patrocinador não é inédita — o jornal Público mantém, por exemplo, a secção de ambiente Azul, financiada por entidades públicas — mas é a primeira vez que um órgão dedicado à verificação de factos assume, de forma tão explícita, a criação de uma secção a pedido de uma casa de apostas. E, aliás, aparenta não ficar por aqui.

    Helena Sousa, presidente da ERC: um regulador que tudo anda a permitir para descrédito do jornalismo.

    Já numa fase final da redacção deste artigo, o Polígrafo anunciou esta tarde mais uma secção temática — agora dedicada ao cancro. A razão? Uma parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian. Estará, porventura, o jornalismo de verificação a tornar-se num balcão temático ao serviço de patrocinadores?

    Se amanhã a Pfizer, a Sanofi, a MSD, a AstraZeneca ou qualquer outro gigante farmacêutico decidir propor (e pagar) ao Polígrafo uma secção sobre medicamentos, “powered by Pharma”, é seguro presumir que será apenas a Ciência a garantir que todos os fármacos são eficazes, seguros e sem efeitos secundários.

    Ou se for a Nestlé, a Danone, a PepsiCo ou a Unilever a sugerir uma rubrica sobre alimentação, “powered by Alimentação Saudável”, será com entusiasmo nutricional que o Polígrafo verificará que os cereais açucarados e aditivados fortalecem os ossos, os refrigerantes com gás prolongam a esperança de vida e os caldos Knorr são melhores do que as ervas aromáticas.

    close-up photo of assorted coins

    E se um dia a Liga Portuguesa de Criadores de Galináceos desejar patrocinar uma secção sobre bem-estar animal, “powered by Frangos Felizes”, o Polígrafo não hesitará em assegurar, no limite, que os pintainhos passam férias no Algarve com ar condicionado quando o tempo estiver demasiado quente para viverem felizes ao ar livre.

    No limite, em tese, e ao invés, poderá existir uma empresa ou grupo de um determinado sector económico que imponha uma cláusula de exclusão temática, isto é, uma garantia de que certos assuntos não serão objecto de verificação por parte do Polígrafo. A caixa de Pandora agora aberta tudo permite.