No ano passado, após uma convulsão no grupo de media Global Notícias — no decurso de uma atribulada tentativa de controlo por um obscuro fundo de investimentos das Bahamas —, o anúncio da separação do Jornal de Notícias e da TSF foi “vendido” como uma manobra de ressurreição.
Criou-se então a Notícias Ilimitadas — dinamizada pelo ex-jornalista Domingos de Andrade com um conjunto de empresários nortenhos — apresentada como a estrutura que permitiria salvar dois órgãos de comunicação social supostamente “lucrativos”, libertando-os da pesada âncora financeira deixada pela Global Notícias.

Prometeram estabilidade, foco editorial e uma nova fase para títulos históricos. Era, afinal, apenas retórica. A divulgação — tardia e ainda incompleta — dos números financeiros relativos a 2024, só agora feita no Portal da Transparência dos Media, após semanas de insistência do PÁGINA UM, expõe uma realidade totalmente distinta: não houve salvação alguma, apenas a transferência de um problema. E o colapso económico e financeiro está iminente.
De acordo com os dados divulgados agora no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) — que necessitam de ser confirmados com os depósitos da Informação Empresarial Simplificada (IES) na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA) —, a Notícias Ilimitadas terminou o exercício de 2024 já com um prejuízo líquido de 1,2 milhões de euros e um resultado operacional negativo de 1,4 milhões.
Os rendimentos totais mal ultrapassam os 7,4 milhões, valor assombrosamente baixo para uma empresa que concentra um dos maiores diários do país, o Jornal de Notícias, e títulos da imprensa ainda vendida em banca como a Evasões, JN História, O Jogo e Volta ao Mundo, detendo também, apenas no online, os sites Delas e Notícias TV.

A narrativa oficial, que sempre insistiu que ambas as marcas permaneciam “rentáveis”, desfaz-se assim ao primeiro sopro de números verdadeiros. O capital próprio da Notícias Ilimitadas é um dos mistérios contabilísticos que se adensa nos dados agora revelados.
Com efeito, a empresa tinha no final do ano passado apenas um capital social de 71.430 euros, mas surge com um capital próprio de quase 4,3 milhões de euros, desconhecendo-se a sua proveniência, porque os dados do balanço são desconhecidos. Certo é que, mesmo sendo investimentos dos accionistas — sobretudo da empresa Versos Imaculados, controlada pela Parsoc, uma holding da Guarda detida pelo empresário José Manuel Rogeira de Jesus —, ignora-se o peso de cada um.
Em todo o caso, para uma empresa de media recente com títulos relevantes, causa espanto a estrutura de custos que não encontra correspondência nas receitas. Com efeito, o passivo da Notícias Ilimitadas atinge já os 12,6 milhões de euros – ou seja, quase três vezes mais do que o capital próprio dos accionistas –, o que coloca a empresa num limiar vulnerável: basta repetir um resultado semelhante mais um ou dois anos para que caia na falência técnica.

Se a casa-mãe das marcas parece já instável, a situação da Rádio Notícias — a subsidiária que suporta a TSF — é ainda mais alarmante. Os seus resultados financeiros de 2024 não enganam: 1,12 milhões de euros de prejuízo líquido, fruto de receitas totais de 3,7 milhões, estando agora com um capital próprio de apenas 214 mil euros. Com um passivo acima dos 3,9 milhões, a empresa está tecnicamente à beira de colapso. Não se trata de mera turbulência conjuntural, mas de uma incapacidade estrutural de gerar receitas mínimas para cobrir custos operacionais. Ou seja, cada dia de emissão é dia de prejuízo.
Contudo, o caso mais surpreendente — ou talvez não — é constatar que o negócio entre a Global Notícias e a Notícias Ilimitadas foi um fiasco completo, porque nenhum dos órgãos de comunicação social está melhor do que em 2023, e nessa altura estavam já muito mal.
Em 2023, antes do surgimento da Notícias Ilimitadas – e da saída do JN, TSF e O Jogo –, a Global Notícias, que tem Marco Galinha como accionista de referência, apresentava capitais próprios positivos de 7,1 milhões de euros. Doze meses depois, no final de 2024, já sem o controlo dos títulos da Notícias Ilimitadas, o cenário transformou-se num desastre absoluto: capital próprio negativo de 19,3 milhões, passivo de 40,8 milhões, activos reduzidos a 21,4 milhões e um prejuízo líquido de 26,4 milhões.

Esta destruição patrimonial — superior a 26 milhões num único exercício — constitui um dos mais severos colapsos empresariais recentes no sector da imprensa portuguesa. A Global Notícias encontra-se em falência técnica inequívoca, e a questão que se coloca já não é “se” poderá recuperar, mas sim “quando” deixará de ter viabilidade formal para continuar a operar, apesar dos anúncios histéricos de sucesso por parte da direcção editorial do Diário de Notícias.
Aliás, sintomático de uma crise estrutural tanto dos títulos ainda controlados pela Global Notícias como pela Notícias Ilimitadas está no facto de já nem serem divulgadas as vendas em banca de diários icónicos como o Diário de Notícias e do Jornal de Notícias pela Associação Portuguesa para o Controlo da Tiragem e Circulação (APCT). Para ambos os títulos, não foram revelados dados do segundo trimestre de 2025.
A gravidade do caso da Global Notícias adensa-se porque a empresa não depositou ainda as contas na BDCA, impedindo qualquer escrutínio sobre dívidas fiscais e contributivas, incumprimentos perante entidades públicas ou eventuais passivos ocultos.
Esta omissão — que, por si só, coloca a empresa em incumprimento legal — ocorre ao mesmo tempo que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social escamoteia o acordo parassocial que atribui à Cofina 30% dos direitos económicos da Notícias Ilimitadas, recusando-se a publicá-lo apesar de uma intimação favorável ao PÁGINA UM. Ou seja, a ERC, cuja missão passa pela transparência dos media, é hoje parte activa da obscuridade que envolve estes grupos empresariais.

A leitura conjunta destes dados permite extrair também uma conclusão que dificilmente deixará alguém surpreendido: a separação do JN e da TSF não teve como objectivo salvar dois títulos, mas sim isolar prejuízos, redistribuir riscos e preparar, longe da vista pública, uma reconfiguração societária que continua sem explicação clara.
A operação não travou a degradação das contas; pelo contrário, expôs a fragilidade de todas as peças do tabuleiro. A Notícias Ilimitadas está debilitada, a Rádio Notícias está agonizante e a Global Notícias está financeiramente reduzida a um remanescente sem capital, sem liquidez e sem futuro discernível.
