A Impresa, dona da SIC e do Expresso, tem enfrentado dificuldades com o negócio da comunicação social, que está em crise há vários anos. Terminou o ano passado com prejuízos recorde de mais de 66 milhões de euros e conta com um passivo de 250 milhões de euros, dos quais 150 milhões são empréstimos bancários que exigem um esforço de mais de um milhão de euros por mês apenas em juros.
Mas, apesar do seu ‘core business’ ser a comunicação social, nos negócios imobiliários envolvendo o seu edifício-sede em Paço de Arcos, o grupo de Pinto Balsemão descobriu a sua ‘galinha dos ovos d’ouro”. Entre venda, recompra e nova venda, a Impresa conseguiu, através de estranhos (por absurdamente favoráveis) negócios , e num espaço de menos de três anos, um lucro de 22 milhões de euros. Isto depois de em 2022 ter recomprado o mesmo edifício ao Novo Banco por 19,6 milhões de euros.

Esta conclusão surge depois de o grupo de media ter anunciado na semana passada que vai (re)vender o seu edifício ao BPI Imofomento, um fundo imobiliário pertencente ao grupo BPI, do qual foi administrador até 2024 o actual vice-presidente da Impresa, Pedro Barreto. Este fundo vai pagar um valor total agregado de 37 milhões de euros, divididos em duas tranches: a primeira de 25 milhões, no momento de aquisição do imóvel, no próximo mês, e a segunda de 12 milhões, a ser paga no prazo de dois anos.
Este montante significa que o fundo do BPI Imofomento pagará mais 12,8 milhões de euros pelo imóvel do que o valor que o Novo Banco pagou em 2018 e mais 17,4 milhões de euros do que o preço que a Impresa pagou para recomprar o imóvel em 2022. E a Impresa passará a inquilina desse fundo imobiliário.
O mais estranho neste negócio é que o edifício em causa, construído de raiz para alojar os órgãos de comunicação social da Impresa, tem características que acabam por servir apenas à própria Impresa. Mas mesmo assim, em 2018, o grupo fundado por Francisco Pinto Balsemão conseguiu convencer o Novo Banco a comprá-lo por 24,2 milhões de euros, ficando o grupo de media com o direito a arrendar o imóvel por um período de 10 anos e também com a possibilidade de recompra, que exerceria cinco anos mais tarde.

Esta operação foi anunciada com pompa e circunstância e teve direito a comunicado publicado no site do ‘polícia da Bolsa’, a Comissão do Mercado de Valores Imobiliários (CMVM).
Mas, em Dezembro de 2022, a Impresa decidiu recomprar o edifício ao Novo Banco, que o aceitou vender por 19,6 milhões de euros — um valor cerca de 4,6 milhões inferior ao da transacção inicial. Esta redução dever-se-á, em parte, às rendas entretanto pagas no âmbito do modelo de venda com arrendamento de retorno (lease-back), mas a Impresa terá beneficiado ainda de vantagens fiscais, ao apresentar como despesas os encargos com as rendas e manter contabilisticamente o edifício-sede como activo, permitindo deduções por via das depreciações. Seja como for, do ponto de vista da chamada ‘engenharia financeira’, tratou-se de um excelente negócio imobiliário para a Impresa. Acresce que, em 2022, foi o próprio Novo Banco a financiar a recompra, como noticiou o PÁGINA UM.
Este negócio foi feito de forma discreta e nem sequer comunicado ao mercado, mas foi um excelente negócio para a Impresa e mais um dos ruinosos para a instituição bancária herdeira do chamado ‘BES bom’. A própria CMVM, de forma ostensiva, não quis intervir.
O negócio da venda do imóvel em 2018 ao Novo Banco foi efectuada numa altura em que a instituição bancária era presidida por António Ramalho, actual presidente da Lusoponte, e recebia injecções de capital estatais, através do Fundo de Resolução. A operação avançou apesar de naquela época a ‘ordem’ na banca ser para reduzir a exposição ao sector imobiliário e vender carteiras de crédito.

Estas operações chegaram a ser alvo de investigação por parte do Ministério Público por suspeita de corrupção activa e passiva. Mas o inquérito, aberto este ano com base numa alegada denúncia anónima, acabou arquivado de forma célere, abrindo a porta à revenda do imóvel e ‘limpando’ as anteriores operações envolvendo o edifício e o Novo Banco.
Agora, com o imóvel a ser vendido ao BPI Imofomento – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, que vai pagar 37 milhões de euros, o Grupo Impresa consegue quase o dobro do valor pago ao Novo Banco há apenas dois anos e meio.
Curiosamente, desta vez a Impresa informou o mercado sobre a operação. Segundo o comunicado publicado no site da CMVM no passado dia 20 de Junho, com esta venda ao fundo do BPI, o grupo de media vai aproveitar para pagar 14,9 milhões de euros ao Novo Banco, de forma a amortizar o empréstimo que financiou a compra do imóvel no final de 2022.
Significa assim que a Impresa amortizou, naquele período, cerca de 4,7 milhões de euros do empréstimo, correspondente a cerca de 157 mil euros por mês. Deste modo, liquidando esse empréstimo, a Impresa ficará com um valor remanescente de 22,1 milhões de euros. Ou seja, a Impresa terá um encaixe próximo do que arrecadou quando em 2018 vendeu o edifício-sede ao Novo Banco.

Este valor vai entrar nos cofres da Impresa em duas tranches. A primeira, de 25 milhões de euros deverá render na prática 10,1 milhões de euros, já que o grupo terá de pagar o empréstimo junto do Novo Banco. A segunda tranche será no valor de 12 milhões de euros a ser paga no prazo de 48 meses após a concretização da venda. A Impresa ficará como arrendatária do imóvel.
Esta nova aquisição do edifício-sede da Imprensa será uma ‘gota’ na carteira detida por este fundo gerido pela BPI Gestão de Activos, liderada por Jorge Teixeira, pelo que pode dar-se ao luxo de ser eventualmente pouco lucrativo. Com efeito, o BPI Imofomento gere uma carteira de 805,5 milhões de euros – ou seja, o edifício-sede da Impresa representará menos de 5% dos activos -, detendo imóveis num valor de 563,74 milhões de euros, segundo a informação trimestral divulgada no primeiro trimestre deste ano.
De entre os seus activos imóveis estão o Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa, sabendo-se também que “investe maioritariamente numa carteira de imóveis em Portugal, predominantemente nas áreas de Lisboa e Porto, e privilegia igualmente a diversificação sectorial, com baixa exposição a imóveis para habitação”.

Este fundo indica que se destina “a investidores que estejam dispostos a assumir perdas de capital e assumam uma perspectiva de valorização do seu capital no médio/longo prazo e, como tal, que estejam na disposição de imobilizar as suas poupanças por um período mínimo recomendado de cinco anos”.
No ano passado, o fundo apresentou uma rentabilidade anualizada de 2,99%, ligeiramente abaixo dos 3,33% e 3,62% registados em 2023 e 2022, respectivamente; significa tal que, para que as rendas agora a pagar pela Impresa ao seu novo ‘senhorio’ atinjam níveis de rentabilidade entre 3% e 4%, será necessário que o grupo de media desembolse entre 1,11 milhões e 1,48 milhões de euros por ano, o que equivale a valores mensais entre 92.500 e 123.333 euros. Ou seja, para a Impresa, este negócio foi um autêntico balão de oxigénio, mas numa perspectiva de longo prazo vai aumentar os encargos.
Esta operação representa o ‘regresso’ do grupo BPI, detido pelo catalão Caixabank desde 2016, como ‘financiador’ da Impresa. Historicamente, o BPI era o ‘banco’ parceiro do grupo de Balsemão e chegou a ser sócio na SIC. Mas em 2017, com o BPI a ser integrado no Caixabank e após a Impresa ter falhado uma emissão de obrigações, o grupo de media teve de se virar para o novo ‘amigo’ Novo Banco, liderado por António Ramalho.
A possível revenda do edifício-sede pela Impresa já tinha sido pré-anunciada no comunicado com as contas de 2024 do grupo de media, que revelou prejuízos recorde no ano passado de 66,2 milhões, quando em 2023 tinham sido de 2,0 milhões.

Com as receitas praticamente estagnadas, o grupo de media atribuiu a descida nos resultados líquidos sobretudo a uma revisão em baixa do valor do segmento televisivo (SIC), que gerou uma imparidade de 60 milhões de euros. Ou seja, o seu activo encolheu. Com a dívida líquida a aumentar de 115 milhões de euros para 131 milhões de euros, o grupo anunciou que admitia “a possibilidade de realizar uma operação de venda e subsequente arrendamento das suas instalações em Paço de Arcos”, o que agora se veio a confirmar.
Certo é que, com esta revenda, a Impresa prova, mais uma vez, que tem jeito — ou muita sorte — a fazer negócios com este seu imóvel, o qual lhe tem rendido milhões. E, dos 24,2 milhões de euros pagos pelo Novo Banco em 2018, o imóvel valorizou mais de 52% em sete anos. Nada mau.