Para uma instituição que se quer sóbria, polémicas não têm faltado ao Banco de Portugal, a começar pelo seu governador até há pouco tempo, Mário Centeno. Talvez por isso, a instituição agora liderada por Álvaro Santos Pereira mantenha-se preocupada com a sua reputação e tenha seguido uma ideia herdada do seu antecessor: fazer um barómetro de reputação.
Assim, dois dias após a substituição de Centeno por Santos Pereira, o banco confirmou a contratação de uma empresa de sondagens para perguntar aos portugueses o que pensam da instituição. Na verdade, o que os portugueses acharem é irrelevante: a acção do Banco de Portugal no quotidiano é praticamente nula, limitando-se à supervisão das instituições financeiras e à execução das directivas do Banco Central Europeu.

Certo é que a decisão de avançar com a despesa foi tomada pela direcção do Departamento de Logística e Instalações do Banco de Portugal no passado dia 20 de Julho, em pleno fim oficial do mandato de Centeno, mas o contrato foi celebrado dois dias após a tomada de posse de Santos Pereira, no dia 8 deste mês. A empresa escolhida, após um procedimento de consulta prévia, acabou foi a Marktest que receberá 73.099 euros, com IVA incluído, para elaborar e conduzir um estudo de mercado durante três anos, embora possa ser revogado a cada ano.
Segundo o caderno de encargos do procedimento, consultado pelo PÁGINA UM, “o Banco de Portugal, com a elaboração de um Barómetro Anual da sua reputação, pretende monitorizar o nível de conhecimento e de confiança da sociedade sobre a sua missão e actividades e adaptar as suas estratégias de comunicação de forma mais eficiente”.
No entanto, ainda não estão definidas as questões a colocar — estimadas em cerca de três dezenas — nem o número total de pessoas a inquirir. Em todo o caso, um estudo desta natureza, para ter credibilidade estatística representativa da população adulta portuguesa (cerca de 8,2 milhões de pessoas), deve incluir pelo menos 600 entrevistas, o que corresponde a um erro amostral próximo de ±4%. Para uma amostra de 1.000 inquiridos, o erro desce para cerca de ±3%, garantindo maior robustez. Em termos de custos, cada inquérito telefónico ronda entre 15 e 25 euros, dependendo da complexidade e duração, o que colocaria o valor total do estudo entre 9.000 e 25.000 euros.

Assim, face ao custo envolvido, é mais provável que seja escolhida uma amostra de cerca de 600 inquiridos, o mínimo necessário para garantir validade estatística, permitindo à empresa contratada maximizar a margem de lucro sem comprometer formalmente a credibilidade do estudo.
A decisão deste barómetro surge ainda para cumprir uma meta do Banco de Portugal, que definiu, no seu plano estratégico para 2021-2025, como um dos objetivos aumentar a proximidade e a confiança junto da sociedade”.
E bem que precisa. Têm sido várias as polémicas em torno da instituição, no passado mais distante e no mais recente. Basta lembrar que, apesar de toda a supervisão, grandes bancos colapsaram, com destaque para o BES, em 2014, com as decisões do Banco de Portugal a deixar um conjunto de investidores lesados. Depois, os gastos e alguns luxos, designadamente com salários, contratações e promoções, têm deixado marcas reputacionais negativas.

A somar, mais recentemente, há a polémica em torno da nova sede do Banco de Portugal, na zona de Entrecampo, envolvendo os terrenos da Fidelidade, agora com capitis chineses, que já é vista como um elefante branco. Acrescem todas as polémicas em torno de Mário Centeno, que até na saída do cargo de governador foi motivo de notícia devido ao conteúdo da mensagem que enviou aos trabalhadores da instituição, com um tom que alguns viram como narcísico.
Agora, o Banco de Portugal contratou a Marktest para aferir “do conhecimento e confiança” que “a sociedade portuguesa adulta” tem desta instituição cada vez mais distantes dos portugueses..
O contrato está dividido em três fases operacionais que incluem ao desenho, implementação e apresentação do estudo. Assim, “no prazo máximo de uma semana após a outorga do contrato ou em data posterior se o Banco de Portugal assim o indicar, deverá ser realizada uma reunião de kick-off entre as partes para a preparação do plano detalhado dos trabalhos a executar, a identificação de factores críticos de sucesso e riscos do estudo”.

Adivinha-se uma tarefa espinhosa para a Marktest e o Banco de Portugal. Por um lado, o banco quer ouvir os portugueses, por outro não quererá publicar um barómetro de reputação negativo. A chave estará nas questões a colocar aos portugueses que, certamente, não irão incluir perguntas sobre o que pensam da luxuosa Quinta da Fonte Santa, que exige uma manutenção milionária, ou o valor total pago pelo Banco de Portugal com mudanças, instalações temporárias (com tapumes em obras nunca iniciadas) e a construção na nova sede.
Porém, a instituição agora liderada por Santos Pereira tem a ‘faca e o queijo na mão’: o caderno de encargos do contrato destaca explicitamente que, se houver alguma coisa que esteja ‘incorrecta’ no relatório final, a Marktest terá de “garantir a realização de todas as correcções e/ou propostas de melhoria, à sua custa, solicitadas pelo Banco de Portugal, e disponibilizar uma nova versão actualizada”.