‘Esquizofrenia’: Família Balsemão avisa mercado de que foi informada pela família Balsemão sobre entrada da família Berlusconi na Impresa


Menos de três horas após o PÁGINA UM ter revelado que a Impresa estava em violação do Regulamento Abuso de Mercado (RAM) da União Europeia por estar em negociações com a MFE-MediaForEurope sem avisar a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e os accionistas, o grupo controlado e dominado pela família Balsemão foi literalmente a correr avisar a ‘polícia da bolsa’.

A holding fundada e presidida por Francisco Pinto Balsemão, e que tem o seu filho Francisco Pedro como CEO, arrisca, mesmo assim, uma coima até 5 milhões de euros e outras penalidades se a CMVM não fechar os olhos, uma vez que a falta de informação ou a revelação de informação completa para o “sistema de difusão “são consideradas contra-ordenações “muito graves”.

Francisco Pinto Balsemão em 2015. Foto: Imagem de entrevista à PSD-TV

O jornal italiano Il Messaggero já revelara ontem de manhã que no conselho de administração da MFE, que aprovara as contas semestrais na passada quarta-feira, o CFO Marco Giordani tinha informado sobre a retoma das negociações para uma entrada na Impresa, o grupo de media fundado por Francisco Pinto Balsemão e actualmente em situação financeira fragilizada.

Ao final da tarde de ontem, a partir das 19h00, a imprensa económica portuguesa – como o Jornal de Negócios e o Eco – começaram a divulgar também essa notícia do jornal italiano, mas sem destacarem que a Impresa tinha obrigações legais de avisarem o regulador e o mercado sobre essas negociações, que tenham ou não sucesso acabam por possuírem uma potencial influência na cotação das acções em bolsa.

Somente depois de o PÁGINA UM ter revelado pelas 22h15 de ontem que estaria a ser violado o Regulamento Abuso de Mercado da União Europeia e as regras da CMVM – porque as empresas cotadas ou emitentes de dívida têm a obrigação de esclarecer o mercado sempre que circulem rumores ou notícias susceptíveis de influenciar a cotação dos seus títulos -, a Impresa fez um comunicado no site do regulador. O comunicado da Impresa na área da informação privilegiada foi feito numa hora inusitada: 00 horas, 59 minutos e 47 segundos. Ou seja, menos de três horas depois, num fim-de-semana. O mercado bolsista em Portugal só reabre na próxima segunda-feira. Impresa fechou ontem a 0,126 euros

Foto: D.R.

Nesse comunicado nocturno, a Impresa manifesta uma estranha esquizofrenia corporativa porque começa por dizer “que lhe foi comunicado pelo seu accionista maioritário que este se encontra a desenvolver contactos, em exclusividade, com o grupo MFE com vista à avaliação de potenciais operações societárias para a aquisição de uma participação relevante na Impresa, embora não exista, nesta data, qualquer acordo vinculativo entre o acionista e a MFE para o efeito”.

Ora, sucede que o tal accionista maioritário (com 50,1%) da Impresa é a Impreger, que por sua vez é controlada (cerca de 71,4%) pela Balseger. E em todas estas empresas, a família Balsemão é dona e senhora. Com efeito, a administração da Impresa é constituída pelo patriarca Francisco Pinto Balsemão (chairman) e por dois dois seus filhos: Francisco Maria (vice-presidente) e Francisco Pedro (vogal e CEO), sendo que todos os restantes quatros membros são indicados pela Impreger.

Por sua vez, a Impreger só tem Balsemão nos apelidos dos três administradores: Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão e Mónica Balsemão, que é também quadro de topo da Impresa. Por fim, a Balseger, detida a 100% pela família Balsemão, é presidida pelo patriarca e tem como membros do conselho geral e de supervisão todos os seus cinco filhos: Francisco Pedro, Francisco José, Mónica, Henrique e Joana.

Pier Silvio Berlusconi, presidente-executivo do grupo MFE. / Foto: D.R.

Só os dois últimos não estão associados aos negócios familiares nos media, sendo que Joana Balsemão foi vereadora da autarquia de Cascais e actualmente é administradora não executiva da Brisa, ocupando ainda funções no Kaizen Institute.

Em suma, trocando por miúdos, o comunicado nocturno da Impresa pretende convencer o mercado de que só ontem à noite Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão e Francisco Pedro Balsemão, administradores da dona da SIC e do Expresso, foram formalmente informados por Francisco Pinto Balsemão, Francisco Maria Balsemão e Mónica Balsemão de que a própria Impreger (sócia maioritária da Impresa) estava em negociações com a MFE, controlada pela família Berlusconi, “para avaliar potenciais operações societárias com vista à aquisição de uma participação relevante” no grupo.

Seria uma tese aceitável — se não fosse o pequeno detalhe da impossibilidade técnica de Francisco Pinto Balsemão e Francisco Maria Balsemão notificarem-se a si próprios, a menos que o conselho de administração tenha passado a reunir-se em frente a um espelho na Quinta da Marinha.

Impresa comunicou informação privilegiada às 00h59m47s de hoje sem querer assumir que a escondeu ao mercado durante bastante tempo.

Também curioso é observar o facto de o comunicado da Impresa no site da CMVM, que só por si constitui “informação privilegiada” (daí a publicação), terminar com a frase: “Caso venha a existir informação privilegiada, será feita comunicação ao mercado nos termos previstos no artigo 29.º-Q do Código dos Valores Mobiliários e do Regulamento (UE) n.º 596/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014”.

Ou seja, a Impresa quer dar a entender que a informação privilegiada que escondeu ao mercado (negociações em curso que podem levar mesmo a uma OPA e à mudança de mãos de importantes órgãos de comunicação social) não é informação privilegiada, tanto assim que promete revelar informação privilegiada quando a houver. Uma curiosa subversão do conceito de transparência, porque se a informação privilegiada fosse um conceito definido pelo livre arbítrio das empresas cotadas corria-se o risco de nada ser relevante para ser considerada informação privilegiada.

Aliás, ainda ontem, fonte oficial da Impresa tinha dito que “não existe informação privilegiada” a reportar, mas ao fazer um comunicado poucas horas depois – e sem que fosse possível avançar com factos novos por se tratar de uma sexta-feira à noite – acabou por confessar implicitamente que existia informação privilegiada escondida.

Foto: Mediaset Itália

Na verdade, ontem, através da agência de comunicação JLMA, a Impresa não negava conversações, mas relativiza o ponto da situação das negociações, afirmando que, “como no passado, não deixará de analisar parcerias que contribuam para o crescimento e cumprimento dos [seus] objectivos estratégicos”, acrescentando ainda que “mantém, há alguns anos, uma relação de cooperação comercial com o grupo MFE”.

Recorde-se que o Il Messaggero salientava ontem que as negociações entre a MFE, sediada em Cologno Monzese, e a Impresa tiveram início no Verão de 2024, embora já tivessem existido contactos em 2019. A nova fase de negociações incide sobretudo sobre a SIC, subsidiária da Impresa que mantém resultados operacionais positivos, ainda que em queda devido ao peso da dívida acumulada pela casa-mãe nos últimos anos.

O jornal italiano referiu ainda que vários pontos permanecem em aberto, estando a MFE a avaliar se avança para a compra de todo o grupo Impresa ou apenas de activos específicos, como a SIC. O fecho das negociações é apontado para o final do ano, com a nota de que “o preço não será elevado, mas terá de contemplar uma eventual OPA”, uma vez que a dívida a ser assumida pela MFE será significativa.

Francisco Pedro Balsemão,

A MFE tem prosseguido uma estratégia agressiva de expansão e não esconde as suas ambições. No final do ano passado, o presidente-executivo, Pier Silvio Berlusconi, afirmou ter garantido o apoio de bancos para um empréstimo de 3,4 mil milhões de euros destinado a financiar o crescimento do grupo na Europa. “Queremos estar prontos para avaliar o que, se é que há algo, poderá ser a decisão certa a tomar na Alemanha, mas também relativamente a quaisquer outras oportunidades”, afirmou então Berlusconi, citado pela Reuters, acrescentando esperar que o ano em curso fosse de consolidação.

A megaholding italiana de comunicação anteriormente denominada Mediaset Group, controlada pelos herdeiros do antigo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi através do Fininvest Group. O grupo detém operações de televisão privada, bem como cinemas, produtoras e editoras em Itália, Espanha e Alemanha, país onde passou este mês a controlar a ProSiebenSat.1.