Na próxima quinta-feira, e durante quatro dias, os jardins do palácio presidencial de Belém abrem as portas aos amantes do livro para mais uma celebração dedicada à literatura e aos escritores. Mas a edição deste ano do evento cultural promovido por Marcelo Rebelo de Sousa desde 2016 dever-se-ia chamar antes, mais apropriadamente, Festa da Música Pop e Rock. Isto porque, na derradeira festa em prol da promoção dos escritores e das letras, o Presidente da Republica decidiu puxar da pena e do tinteiro e ‘passar um cheque’ de 235.594 euros na contratação de estrelas da música rock e pop nacionais.
Assim, em quatro dias de festa do livro, só em cantorias e guitarradas (e outros instrumentos, claro) a Presidência da República vai gastar uma verba equivalente a quase 16 bolsas anuais de criação literária de 15.000 euros, como as que são atribuídas anualmente pelo Governo. Essas 16 bolsas podiam acrescentar-se às (apenas) 24 que serão atribuídas este ano pelo Governo para a poesia, ficção narrativa, dramaturgia e ensaio.

O evento, que tem este ano a sua oitava edição — depois de uma pausa de dois anos na pandemia de covid-19 — sofreu um adiamento devido à tragédia no elevador da Glória. Vai agora ter lugar entre os dias 25 e 28 de Setembro e conta com uma programação que inclui jogos didáticos, debates, sessões de autógrafos, apresentações de livros mas, sobretudo, concertos musicais.
O cartaz de música anunciado conta com a performance de cinco estrelas nacionais: Xutos & Pontapés, Rui Veloso Trio, Carolina Deslandes, Bárbara Tinoco e Fernando Daniel — artista foi adicionado à programação já após o adiamento do evento.
A animação musical do primeiro dia da Festa do Livro em Belém custou 68.080 euros aos contribuintes. Isto porque sobem ao palco no dia 27 de Setembro o Rui Veloso Trio, cuja contratação, feita através da PG Booking, ascendeu a 34.870 euros, com IVA incluído. O contrato não foi redigido a escrito, pelo que não está disponível no Portal Base, onde ficam registados os contratos públicos. Também actuará no mesmo dia a cantora Carolina Deslandes, por um custo de 33.210 euros, por via de um contrato feito com a empresa Sons em Trânsito, que também não foi redigido a escrito.

No segundo dia do evento, a animação musical ficará a cargo de Bárbara Tinoco, que cobrou 33.210 euros à Presidência da República, através da empresa Primeira Linha.
No dia 27 de Setembro, será a vez de subir ao palco o cantor Fernando Daniel, que bisa a presença neste evento anual da Presidência. A contratação do artista ainda não se encontra registada no Portal Base. Mas no ano passado, o cantor cobrou 31.057 euros, com IVA, através da Universal Music Portugal, para actuar na Festa do Livro em Belém.
A edição deste ano do evento termina com um concerto dos Xutos & Pontapés que cobraram 53.505 euros para actuar, através da Xutos 6 Pontapés – Produções Musicais. O contrato também não foi redigido a escrito.

Aos custos da contratação destas “estrelas” acrescem mais três contratos. Um deles, no valor de 23.973 euros, é relativo à “aquisição de serviços de riders técnicos de som e luz para os concertos”. Para o efeito, foi contratada a empresa Rapsódia de Ritmos, sem haver contrato escrito.
Foi também adjudicado um contrato no valor de 17.035 euros à empresa Wireless Voice referente à “aquisição de serviços audiovisuais, som e luz para os viveiros e cablagem e transmissão vídeo e áudio dos concertos no Led Wall”. Já a “aquisição de aluguer de palco” foi adjudicada à WiseDevotion, por 8.733 euros.
Além de apostar em concertos de música rock e pop, esta edição da Festa do Livro em Belém contrasta com as anteriores em matéria de custos com animação musical. Uma análise aos contratos registados no Portal Base revela que a despesa com a contratação de cantores e bandas nos anos anteriores foi muito inferior à registada este ano.

Marcelo Rebelo de Sousa despede-se, assim, com uma Festa do Livro de arromba do seu mandato final na Presidência. Mas, se tivesse antes aplicado os 235.594 euros gastos em concertos este ano, no investimento em literatura, Marcelo poderia ter incluído no seu legado como Presidente da República a criação de 15 bolsas de criação literária, e ainda dava mais um meses para uma mais.
Mas, numa sociedade que vive de costas voltadas para a leitura e em que proliferam posts e selfies, não admira que até a Presidência prefira gastar verbas em arraiais de música, mas, claro, com a Literatura na lapela e os escritores no bolso.