Fortunato estava rico. Riquíssimo. Fizera um grande negócio. Desses que aparecem uma vez na vida: um golpe de pura sorte. Não exigira visão, nem talento, nem sequer o mínimo esforço. Vendera a propriedade que herdara havia anos. Vendera-a bem. Muito bem, na verdade. E foi assim que, de um momento para o outro, aquele homem que nunca tivera um tostão, se viu dono de uma fortuna.
Engana-se quem acredita que a sorte bate à porta dos que mais trabalham. Que o esforço é sempre recompensado e que um dia os preguiçosos pagarão pelo seu pecado. A velha história da formiga e da cigarra – pura ficção. Coisa de fábula e de livros edificantes, criados para nos convencer a passar a vida a trabalhar. Não da vida real. Fortunato era a prova viva disso mesmo. O mais acabado exemplo de malandro à face da Terra. Nunca fez nada, nunca quis fazer. Dizia a própria mãe que não valia a água que bebia. E aqui estava ele, abençoado pelo acaso com o que outros procuram, em vão, durante uma vida inteira de labuta e sacrifício.

Fortunato nunca duvidara de si próprio. Sabia que tinha nascido para ser rico. Era uma vocação. Um talento que a falta de liquidez o impedia de demonstrar. Chegara a sua oportunidade. Multiplicaram-se os brinquedos – carros desportivos, motas de alta cilindrada, barcos, relógios extravagantes – almoços demorados, jantares principescos regados com vinhos escolhidos a dedo. A mesa cresceu. A cada dia surgiam novos amigos. Pessoas que finalmente tinham tido a oportunidade de perceber o seu requinte, os seus atributos ofuscados pela falta de recursos. Não havia médico, advogado, juiz ou comerciante de prestígio que ousasse faltar: todos corriam a sentar-se à mesa do ilustre anfitrião.
Mas, como a água que cai do céu e tomamos como certa, também o dinheiro de Fortunato se sumiu rapidamente. A conta encolhia a olhos vistos e, com ela, o séquito que o acompanhava para todo o lado. Pertences, viagens, aventuras, amigos, tudo foi rareando.
A riqueza foi-se, a malandrice, essa, ficou. Era o mesmo Fortunato de sempre. É que, ao contrário do que sucede nas fábulas e histórias de embalar, não aprendeu nada com a queda. Pelo contrário, revoltou-se contra a injustiça de regressar a uma condição que não combinava consigo. Não compreendia como podia o destino ser tão cruel. Até a Ritinha, colega da filha a quem generosamente pagara o curso e montara casa junto à universidade, sempre tão dedicada, teve de regressar para junto da mãe que adoeceu subitamente.

Vendeu o imóvel para ajudar nas despesas médicas e partiu inconsolável com a separação. Entre lágrimas, confessou-lhe que talvez tivesse de se desfazer também do jipe e das joias que lhe oferecera, tão difícil era a situação. Uma tragédia. Uma falta de sorte inexplicável. A revolta de Fortunato era tal, que o deixou incapaz de trabalhar. Viveu, por isso, o resto dos seus dias à conta do trabalho da mulher, que teve a honra de sustentar a distinta figura até ao final dos seus dias.
Não, no final nem todos têm o que merecem, a lei do retorno universal não existe, a justiça divina é uma miragem, e um malandro será sempre um malandro.
Sílvia Quinteiro é professora da Universidade do Algarve