Youtuber brasileiro com 12 milhões de seguidores acusado de adultização pondera vir para Portugal

O anúncio espalhou-se rapidamente entre jovens fãs portugueses: um popular youtuber brasileiro, cujo canal foi banido no YouTube, surge num vídeo onde anuncia que pondera mudar-se para Portugal. O objectivo do streamer é poder escapar a nova legislação que o impede de gravar conteúdos com a participação de menores, sem autorização judicial prévia.

Trata-se do influencer Felipe Sápio, conhecido como Taspio, que arrecadou 12 milhões de seguidores nas redes sociais junto do público infanto-juvenil, sobretudo com a publicação de vídeos em que participavam crianças e adolescentes.

O influencer brasileiro Taspio tinha 12 milhões de seguidores nas redes sociais antes de o seu canal no YouTube ter sido fechado por alegadamente violar a lei, após denúncias feitas na plataforma. / Foto: D.R./ Instagram

O anúncio de Taspio surgiu após vários streamers brasileiros que publicam vídeos no YouTube em que participam crianças e adolescentes terem visto os seus canais serem apagados pela plataforma. O canal de Taspio foi um deles, mas não foi o único. A plataforma também eliminou os canais dos populares streamers brasileiros João Caetano e Paty e Dedé, com a justificação de que violavam as políticas de segurança infantil. A decisão do YouTube foi confirmada ao portal de notícias da Globo, g1.

Os três canais banidos pelo YouTube pertenciam a criadores de conteúdos residentes no estado do Paraná, no Brasil, e são conhecidos precisamente por produzirem vídeos com a participação de crianças e adolescentes. Os jovens que apareciam nos vídeos e em publicações nas redes sociais dos streamers eram organizados em grupos informais e chamados de “tropas”.

Os canais foram banidos na noite de quarta-feira, 20 de Agosto, e permanecem inactivos. O YouTube indicou ao g1 que as denúncias que motivaram a remoção dos canais foram feitas de forma anónima na plataforma.

João Caetano. O streamer brasileiro tornou-se uma celebridade junto do público mais jovem, graças aos seus vídeos. / Foto: D.R. / Instagram

Os streamers estão agora a procurar reverter a decisão do YouTube. Num comunicado enviado ao g1, os influencers banidos garantiram que “não houve qualquer notificação prévia” por parte do YouTube e que a eliminação dos canais foi “em desacordo com a lei, uma vez que não oportunizou aos influenciadores o direito de resposta”.

Mas os streamers ponderam uma alternativa. Num vídeo aparentemente feito em directo (‘live‘) na plataforma TikTok, e que tem sido republicado por várias contas nas redes sociais, Taspio sugere que, se não for possível voltar a gravar e a publicar vídeos com menores no Brasil, Portugal será o “plano B”. “Como isso é uma lei que aconteceu no Brasil, caso não dê certo (o recurso da decisão do YouTube e a reversão de legislação), a gente vai, todo o mundo, se mudar para Portugal, morar em Portugal e começar do zero em Portugal; são outras leis, outro mundo”, afirmou no vídeo feito em directo.

Os canais destes streamers agora banidos do YouTube arrecadavam, em conjunto, dezenas de milhões de seguidores numa altura em que crianças e jovens trocaram há muito a televisão por conteúdos no YouTube e nas redes sociais. Entre crianças e adolescentes portugueses, os populares streamers brasileiros são muito conhecidos, com as suas casas com piscina, carros topo de gama e vídeos apelativos.

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Foto: D.R.

A decisão do YouTube surge após um caso polémico e também na sequência de uma decisão judicial no Paraná. Recorde-se que o Ministério Público (MP) do Estado do Paraná, obteve uma decisão judicial que proíbe influencers e empresas da cidade de Londrina, no Paraná, de produzir, gravar, divulgar ou partilhar conteúdos com crianças e adolescentes sem autorização judicial prévia.

A decisão formalizada em Junho surgiu a partir de uma investigação iniciada em Abril, após o MP ter recebido denúncias sobre conteúdos audiovisuais considerados sensíveis e inadequados, envolvendo a participação de menores. A decisão também se aplica a conteúdos produzidos fora da cidade, desde que realizados por influencers e empresas sediados em Londrina.

Entre os temas apontados nas publicações analisadas estavam violência física, sequestros, afogamentos, sexualização e relações precoces, bem como exposição de seminudez, bullying em público, consumo de álcool e tabaco, uso de armas – reais ou simuladas-, e tentativas de homicídio.

João Caetano numa das suas publicações no Instagram. / Foto:

A decisão do YouTube também surge no rescaldo da polémica em torno dos influencers Hytalo Santos e o seu companheiro, Israel Vicente, conhecido como Euro, que foram detidos por suspeitas de tráfico humano e exploração sexual de menores.

Desde 2020 que o streamer publicava vídeos de menores com “cenas de namoro” e danças de teor sexual. Os dois streamers foram detidos depois do influencer Felca ter denunciado perfis que usam crianças e adolescentes para promover a “adultização infantil”. As suas contas nas redes sociais foram encerradas mas o canal do Spotify continua activo, como o PÁGINA UM verificou. O single ‘Empina essa bunda’ conta com mais de 9 milhões de audições.

Estes casos no Brasil estão a colocar novos holofotes no tema dos limites da exposição de menores na Internet e no papel das gigantes tecnológicas na regulação de conteúdos sensíveis para crianças e jovens.

Hytalo Santos e o companheiro encontram-se detidos acusados de tráfico humano e exploração sexual de menores. / Foto: D.R. / Instagram

Mas não só. segundo o advogado Miguel Santos Pereira, caso algum, ou vários, dos populares influencers brasileiros se mudem de armas e bagagens para Portugal, vai também ser colocada na agenda o tema da exploração de menores em produção de conteúdos, sejam eles emitidos na Internet — redes sociais e plataformas — ou em outros media, como a televisão.

“Pode mesmo haver um debate sobre a alteração da lei para melhor proteger os menores”, disse Santos Pereira. Isto porque “os pais, quando recebem dinheiro para os filhos participarem em produções, são beneficiários e podem não proteger os melhores interesses dos menores”, disse Santos Pereira.

Um dos casos que em Portugal tem merecido críticas é a popular série Morangos com Açúcar – que está agora a reposição num canal por cabo – por acusações de exploração de menores e adultização de crianças e adolescentes.

Foto: D.R.

Recentemente, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) decidiu arquivar uma participação contra o canal Biggs, dedicado ao público juvenil, na sequência da emissão de um episódio da conhecida série juvenil, que inclui uma cena sugestiva de um encontro sexual a três entre adolescentes, como o PÁGINA UM noticiou.

Em todo o caso, o debate em torno do tema da adultização de menores na produção de conteúdos, bem como da responsabilização dos pais, pode ganhar nova força em Portugal, com a polémica em torno dos streamers no Brasil. Sendo que a transferência do exercício dos poderes parentais para as mãos do poder judicial, no caso de autorização para um menor participar em produção de conteúdos, levanta muitas questões.

Seja como for, o debate sobre os limites da exposição de menores em vídeos e encenações e as questões sobre os efeitos da adultização de crianças e adolescentes estão, cada vez mais, na ordem do dia. Bem como o tema do acesso do público infanto-juvenil a certo tipo de conteúdos tanto na Internet como na televisão.

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Foto: D.R.

Na Austrália, foi anunciado, no final de Julho, que o YouTube será incluído na proibição das redes sociais para menores de 16 anos, na nova legislação que deverá entrar em vigor em Dezembro e que tem gerado forte polémica. Inicialmente, o Governo australiano tinha excluído a plataforma da proibição, a qual irá abranger o TikTok, o Instagram, o Facebook, o X e o Snapchat.

A legislação está a ser tanto aplaudida como contestada por eventuais violações de privacidade, já que todos passarão a ter de provar a sua idade para aceder àquelas plataformas digitais.

Por outro lado, há a dúvida sobre se menores de 16 poderão continuar a ter acesso a conteúdos naquelas plataformas, através de televisões, ou mesmo que não tenham conta. Além disso, poderão continuar aceder a outras plataformas e redes como o LinkedIn, o WhatsApp e o Roblox, que também apresentam perigos.