O terceiro fim-de-semana do Comboio da Liberdade aproxima-se e as posições de ambos os lados continuam irredutíveis, mas civilizadas. Trudeau não aceita negociar; os manifestantes não arredam pé de Ottawa, apesar de se sucederem ordens judiciais. Entretanto, a GoFundMe já é passado; em uma semana, os organizadores conseguiram arrecadar mais do que aquilo que perderam com a decisão da semana passada daquela plataforma de crowdfunding.
O Tribunal Superior de Justiça de Ontário ordenou o fim do bloqueio da Ambassador Bridge, que liga Windsor a Detroit, e que constitui uma das principais ligações comerciais entre o Canadá e os Estados Unidos.
A ponte tem estado bloqueada há cinco dias por camionistas integrados no Freedom Convoy, e abre assim mais uma frente de conflito com a aproximação do terceiro fim-de-semana de protestos na capital Ottawa contra as restrições e mandatos impostos pelo Governo de Justin Trudeau.
A decisão foi tomada em audiência nesta sexta-feira e as especificidades ainda estão a ser finalizadas, de acordo com a CBC News. Com esta medida, a polícia passa a ter uma base legal mais forte para uma intervenção mais musculada, uma vez que os incumprimentos passam a ser crime.
Contudo, ao longo desta semana, apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy) mantém-se forte. E nenhuma das partes parece desejar ceder.
Porém, nos últimos dias, outras províncias canadianas têm mostrado sinais de cedência. Na terça-feira passada, foram levantadas várias restrições na província de Saskatchewan, entre as quais o uso de máscara e a proibição de entrada em restaurantes dos não-vacinados. As províncias de Alberta e Quebec também estabeleceram um plano programado de levantamento das restrições até Março.
Mas na capital as autoridades provinciais e federais têm tido uma postura diferente, tentando eliminar simplesmente os protestos. Na última semana têm procurado “sabotar” o fornecimento de bens aos manifestantes, e sobretudo o financiamento. Recorde-se que, há uma semana, a plataforma de crowdfunding GoFundMe cedeu às pressões do Governo de Justin Trudeau, e bloqueou nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros), provocando uma fúria dos internautas que colocaram a credibilidade daquele empresa em nível muito baixo.
Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá.
No entanto, para os manifestantes esse revés transformou-se num novo alento: através de uma plataforma similar, a GiveSendGo, foi atingida em apenas uma semana a fasquia dos 9 milhões de dólares americanos, equivalente a quase 8 milhões de euros.
Esta verba é já superior ao montante “congelado” pelo GoFundMe, que entretanto foi pressionado a devolver integral e automaticamente todas as verbas doadas.
Porém, as autoridades têm tentado a via judicial para que essas verbas não cheguem ao destino. Se essa é uma possibilidade, o mesmo não sucederá com as bitcoins arrecadadas numa outra campanha de apoio aos manifestantes.
Na Tallycoin foram já angariadas criptomoedas no valor de mais de 800 mil euros. Por se basear num sistema monetário descentralizado e completamente anonimizado está imune a qualquer interferência judicial e política.
N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataformaMIGHTYCAUSE.
O gabinete de Matos Fernandes, ministro do Ambiente, exigiu aos jornalistas que apresentassem “certificado de vacinação” para aceder a uma conferência de imprensa sobre seca. Agora disse ao PÁGINA UM que foi um “equívoco”, e que deveria ter apenas sido pedido certificado digital ou teste. No entanto, nem isso pode ser exigido, segundo as normas de um Conselho de Ministros: em edifícios governamentais, só máscara; e nada mais.
Apesar das medidas de controlo da pandemia terem sido decretadas pelo Governo através de uma Resolução do Conselho de Ministros, o Ministério do Ambiente e da Acção Climática decidiu, na semana passada, convocar uma conferência de imprensa com uma exigência inédita: a obrigatoriedade de apresentação de um certificado de vacinação para aceder a uma sala do edifício ministerial, na Rua do Século, em Lisboa.
A nota de imprensa do gabinete do ministro Matos Fernandes – que esteve presente numa conferência de imprensa no passado dia 1, terça-feira, para abordar o problema da seca e dos baixos níveis de armazenamento das albufeiras – informou previamente os jornalistas que “dada a situação pandémica, é obrigatório o uso de máscara e será necessário a apresentação de certificado de vacinação”.
Texto integral da convocatória do Ministério do Ambiente e da Acção Climática.
A exigência do Ministério do Ambiente excede em muito aquilo que constituem as normas sanitárias. Na verdade, o acesso a um edifício ministerial deverá ser livre – não sendo sequer necessário exibir um teste negativo, e muito menos um certificado digital de vacinação ou de recuperação –, sendo apenas exigível, como em todos os espaços interiores, o uso de máscara facial.
Contactado o Ministério do Ambiente pelo PÁGINA UM – que não esteve presente na conferência de imprensa por razões meramente editoriais –, o assessor de imprensa Paulo Chitas justifica que o texto da convocatória foi um “equívoco”, salientando mesmo que a “formulação não foi a mais feliz”. E adiantou ainda que aquilo que “é necessário aos jornalistas é apresentarem um certificado de vacinação, de recuperação ou um teste negativo para aceder às instalações [do Ministério do Ambiente], como é comum em espaços onde se concentra um grande número de pessoas.”
Isso não é verdade, tal como facilmente se constata pela leitura da Resolução do Conselho de Ministros, ou, de forma mais fácil, em cafés, supermercados, lojas e em qualquer transporte público – que é, aliás, sector tutelado por Matos Fernandes.
Com efeito, a realização de teste com resultado negativo é, actualmente, exigível no acesso “a estabelecimentos turísticos ou de alojamento local, a estabelecimentos de restauração e similares, a estabelecimentos de jogos de fortuna ou azar, casinos, bingos ou similares, a bares, a outros estabelecimentos de bebidas sem espectáculo e a estabelecimentos com espaço de dança, a determinados eventos e, ainda, a ginásios e academias”.
Matos Fernandes, ministro do Ambiente.
No entanto, em caso de apresentação de prova de vacinação há pelo menos 14 dias, é dispensado o teste para acesso “a bares e discotecas, a determinados eventos, a estruturas residenciais para idosos, unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e a outras estruturas e respostas residenciais”.
Ora, em nenhuma destas situações se encaixa, mesmo com interpretação muito lata, as instalações ocupadas pelo ministro Matos Fernandes. E mesmo se assim fosse – ou seja, se o Ministério do Ambiente fosse comparado, por exemplo, a um casino, a uma discoteca, a um lar de idosos ou a uma unidade de cuidados continuados –, nem a convocatória da conferência de imprensa jamais poderia exigir exclusivamente o “certificado de vacinação”, porquanto os recuperados também possuem certificado digital.
O PÁGINA UM questionou de novo o Ministério do Ambiente sobre a sua justificação, e perguntou ainda se os assessores e demais funcionários foram obrigados a vacinarem-se para continuar em funções, ou se Matos Fernandes exige “certificado de vacinação” para receber pessoas em audiência. O gabinete de imprensa disse apenas que “nada mais temos a acrescentar”.
Oficialmente, o Ministério do Ambiente não informou o PÁGINA UM se algum jornalista foi impedido de entrar naquela conferência de imprensa, ou se, no futuro, será vedado o acesso a um evento similar, ou mesmo conversar com o ministro Matos Fernandes, se não apresentar certificado digital (de vacinação ou de recuperação) ou um teste negativo.
Saliente-se que o teste negativo – que constitui apenas um “retrato” no momento da sua realização – e muito menos o certificado digital – que apenas atesta a toma de vacinas ou a existência prévia de infecção, ou seja, a presença individual de imunidade vacinal e natural, respectivamente – não constituem uma garantia de ausência de infecção.
Ou seja, na conferência de 1 de Fevereiro deste ano, Matos Fernandes ou outra qualquer pessoa no interior do palacete da Rua do Século poderia ter sido infectado por um dos jornalistas ordeiramente munidos de certificado de vacinação com dose tripla. Até porque qualquer um deles, mesmo vacinado, poderia estar infectado, e infectar um terceiro.
Uma carta aberta de destacados médicos acusa Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, de querer deter “poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta”. O PÁGINA UM revela em primeira-mão, em exclusivo, o teor integral de uma dura missiva enviada a todos os órgãos da Ordem dos Médicos, pedindo-lhes que “avaliem os factos recentes e incentivem a que todos os médicos sejam devidamente respeitados”.
Um conjunto de 23 médicos – entre os quais o catedrático Jorge Torgal (antigo presidente do Infarmed) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia) –, e mais dois médicos dentistas, escreveram esta tarde a todos os membros dos vários órgãos da Ordem dos Médicos (OM) acusando o bastonário Miguel Guimarães de “grave violação da dignidade que se espera” do máximo representante desta classe profissional.
Os signatários da carta, a que o PÁGINA UM teve acesso em primeira-mão – que integram parte do grupo de 91 profissionais de saúde que apelaram ao Governo para suspender a vacinação universal de crianças saudáveis –, acusam Miguel Guimarães de desrespeito e mesmo de violação do Código Deontológico, e recordam ainda que o bastonário é apenas “o representante oficial da OM, mas isso não lhe confere poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta”.
Em causa está sobretudo a abertura de um processo disciplinar a Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da OM, por declarações contra a vacinação contra a covid-19 de crianças saudáveis. Esta decisão da OM surge após uma queixa de 16 médicos, encabeçados por Filipe Froes – um pneumologista com ligações financeiras à Pfizer e outras farmacêuticas. Quase todos são muito próximos ou homens de confiança de Miguel Guimarães.
Embora seja urologista, nem sequer da área da pediatria, o bastonário tem vindo a menorizar o papel do presidente do Colégio de Pediatria – que sempre falou sobre a vacinação de crianças a título pessoal – e depreciado os médicos signatários daquele abaixo-assinado. E tem argumentado ser apenas ele que deve falar “Não são duas vozes [que há na OM], é só uma, pois o doutor Jorge Amil não fala em nome da Ordem”, esclareceu já Miguel Guimarães em declarações à CNN Portugal.
Jorge Amil foi alvo de queixa de médicos próximos do bastonário Miguel Guimarães.
Considerando que esta situação “tem de acabar”, o bastonário anunciou já a convocação de um Conselho Nacional Executivo para discutir o assunto. Em cima da mesa, sabe o PÁGINA UM, está a destituição imediata de Jorge Amil Dias da presidência do Colégio de Pediatria, antes mesmo da conclusão do processo disciplinar, que demorará sempre meses.
A postura de Miguel Guimarães é duramente criticada agora pelos 25 médicos que entendem que “o conhecimento científico é dinâmico”, tanto assim que, salientam, “alguns países europeus, nomeadamente os nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) e até o Reino Unido ou a Alemanha, decidiram reapreciar o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças, e não estão a recomendá-la de forma universal na população infantil.”
E, lembrando ainda que as afirmações ou convicções científicas de Miguel Guimarães “não reflectem, nem vinculam, toda a população médica”, os subscritores desta carta aberta salientam que “são conhecidos contornos de documentos técnicos de grupos especializados e estatutariamente legitimados dentro da Ordem dos Médicos [como são os casos dos Colégios de Especialidade e de Competência], que devem ser devidamente ponderados nas decisões ou recomendações oficiais da Ordem, e tendo em exclusiva consideração a bondade das recomendações do ponto de vista do interesse dos doentes.”
Saliente-se que o PÁGINA UM solicitou, no final do ano passado, o acesso a todos os pareceres dos Colégios da Especialidade da Ordem dos Médicos. No entanto, Miguel Guimarães não acedeu ao pedido, tendo a Comissão de Acesso ao Documentos Administrativos dado razão ao PÁGINA UM, mas em moldes dúbios, e para os quais foi pedido uma clarificação que ainda não foi concluída.
Dig.mo Bastonário, Dig.mo Presidente da Assembleia de Representantes, Dig.mos Membros do Conselho Superior, Dig.mos Membros do Conselho Nacional, da Ordem dos Médicos
Os signatários fazem parte dum grupo de 90 Médicos, que entenderam subscrever um apelo público para que o programa de vacinação infantil contra a Covid-19 fosse suspenso e reapreciado nas suas vantagens em comparação com os riscos incorridos.
Esta preocupação decorre do conhecimento de potenciais riscos a curto, médio e longo prazo, da existência de efeitos adversos documentados em registos amplos de farmacovigilância como o VAERS americano, ou a EudraVigilance europeia, para além de centenas de publicações isoladas. Por outro lado, alguns países europeus, nomeadamente os nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) e até o Reino Unido ou a Alemanha, decidiram reapreciar o benefício da vacinação contra a Covid-19 em crianças, e não estão a recomendá-la de forma universal na população infantil.
O apelo formulado pelos médicos subscritores desse documento tem, pois, fundamentação genérica, já que o conhecimento científico é dinâmico, particularmente neste domínio, e não ofendeu as recomendações da Autoridade de Saúde, nem convidou à desobediência civil.
Os subscritores do apelo são médicos com competência e méritos demonstrados nos respectivos domínios de atividade.
Todavia, a forma como o Dig.mo Bastonário a eles se referiu nas suas intervenções e comunicados públicos foi depreciativa e violou os deveres de representação profissional e de ética no relacionamento e referência pública.
A Ordem dos Médicos estabelece princípios de deontologia entre Colegas no seu Art.º 128 do Código Deontológico, que não foram devidamente respeitados pelo Dig.mo Bastonário nas suas declarações públicas ao referir-se aos subscritores. O Dig.mo Bastonário é o representante oficial da Ordem dos Médicos, mas isso não lhe confere poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta.
As suas afirmações ou convicções científicas não refletem, nem vinculam, toda a população médica. São conhecidos contornos de documentos técnicos de grupos especializados e estatutariamente legitimados dentro da Ordem dos Médicos, que devem ser devidamente ponderados nas decisões ou recomendações oficiais da Ordem, e tendo em exclusiva consideração a bondade das recomendações do ponto de vista do interesse dos doentes.
Cabe a outras entidades tomar a responsabilidade de decisões políticas, pelos motivos que bem entendam considerar.
Se um grupo de Médicos, neste caso perto de uma centena, faz um apelo público à reapreciação científica duma decisão, espera-se que o seu representante máximo aja com a devida compostura, dignidade e respeito, sugerindo que esse escrutínio seja feito.
Tratar Colegas dignos e competentes com desprimor e acusá-los sumariamente de falta de rigor, é grave violação da dignidade que se espera do Bastonário da Ordem dos Médicos.
Por todas estas razões, os signatários apelam a todos os órgãos nacionais da Ordem dos Médicos que avaliem os factos recentes e incentivem a que todos os médicos sejam devidamente respeitados em declarações públicas em nome da Ordem que a todos deve orgulhar.
Jacinto Gonçalves (OM nº 9882), João Gorjão Clara (OM nº 12251), Ramiro Araújo (OM nº 12477), Jorge Torgal (OM nº 14433), Fernando Torrinha (OM nº 17492), Horácio Costa (OM nº 17788), António Neves Silva (OM nº 18873), Pedro Covas (OM nº 21555), Carlos Diogo de Matos (OM nº 24630), Teresa Gomes Mota (OM nº 27477), Cristina Nogueira (OM nº 30347), Pedro Girão (OM nº 31918), Óscar Prim da Costa (OM nº 35019), Marisa Vieira (OM nº 38193), António Caiado (OM nº 38427), Cristina Nunes (OM nº 40275), Carlos Mata (OM nº 41048), Leonor Boto (43033), Tiago Marques (OM nº 44104), Ana Rita Pereira (OM nº 46566), Sofia Almeida (OM nº 51699), Tiago Araújo dos Santos Silveira (OM nº 51992), Nuno Alfaro Simões (OM nº 55243), Eugénia Matos (OM nº 55288) e Pedro Rabaço (OMD 916).
Três dos médicos, aliados do bastonário Miguel Guimarães e com fortes ligações ao sector farmacêutico, são subscritores de um pedido de sanção disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil Dias.
Três dos principais subscritores da denúncia à Ordem dos Médicos contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria daquela associação profissional de direito público, têm fortes ligações à indústria farmacêuticas, incluindo aquelas que mais têm beneficiado economicamente com a pandemia.
O primeiro subscritor é o pneumologista Filipe Froes, mas uma investigação do PÁGINA UM mostra que, além deste médico, há mais dois com vastos contactos com a indústria farmacêutica: Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro. Todos são muito próximos do bastonário, o urologista Miguel Guimarães.
Na carta-denúncia, os 16 subscritores – que incluem todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 – solicitam “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Jorge Amil Dias, tentando também que seja destituído da liderança do Colégio de Pediatria. Miguel Guimarães já prometeu levar o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo.
Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos.
Em causa estão declarações públicas e a participação num abaixo-assinado deste pediatra contra a vacinação universal de crianças saudáveis, bem como as críticas que teceu a um parecer da Direcção-Geral da Saúde que claramente possui enviesamentos e deturpações de estudos científicos.
Amil Dias tomou sempre as posições a título pessoal e nunca em nome da Ordem dos Médicos, mas mesmo assim terá irritado o actual bastonário, incondicional apoiante das políticas governamentais. E Miguel Guimarães conseguiu, com a denúncia encabeçada por Filipe Froes, tentar silenciar a voz incómoda de Jorge Amil Dias.
Médico no Hospital Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes lidera também o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, e é um dos clínicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Desde 2013 amealhou mais de 380 mil euros de diversas empresas deste sector, com destaque para a Pfizer (134,5 mil euros), Merck Sharp & Dohme (85,5 mil euros) e BIAL (47,3 mil euros).
No seu portefólio constam ainda a Sanofi (maior fornecedora de vacinas anti-gripe), a AstraZeneca (outra produtora de vacinas anti-covid) e a Gilead. Para esta última, Froes foi mesmo consultor para o uso do remdesivir, um fármaco já desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde em doentes-covid. No entanto, Filipe Froes, que também é consultor da Direcção-Geral da Saúde e que integra a equipa responsável por indicar as terapêuticas contra a covid-19 nos hospitais portugueses, mantém o remdesivir na lista de fármacos a prescrever.
Por sua vez, Luís Varandas, infecciologista pediátrico no Hospital Dona Estefânia (Lisboa) e também professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, é outro dos subscritores da denúncia contra Jorge Amil Dias, que tem também beneficiado bastante com a pandemia do ponto de vista financeiro.
Filipe Froes, pneumologista, numa das suas muitas palestras pagas por farmacêuticas.
Até 2020, as suas relações com a indústria farmacêutica, a título pessoal ou através da sua empresa SISP, Lda., cingiam-se a algumas palestras ou ao financiamento de viagens para congressos internacionais. No total, entre 2013 e 2020 recebeu um total de 18.872 euros, ou seja, apenas 2.359 euros por ano.
Com o aumento do interesse das farmacêuticas na vacinação de crianças contra a covid-19, Luís Varandas foi contratado pela Pfizer como consultor e palestrante, tendo recebido no ano passado, apenas da Pfizer, 27.148 euros.
O médico chegou a escrever vários artigos, incluindo no Expresso, e a prestar declarações na imprensa sempre a apoiar a vacinação universal de crianças, mas jamais assumindo a sua posição de consultor da farmacêutica que vendia as vacinas.
Luís Varandas é também um membro destacado da Ordem dos Médicos, sendo o responsável pela secção de Pediatria do Colégio da Competência da Medicina do Viajante.
Também bastante lucrativa tem sido a pandemia para Carlos Robalo Cordeiro, antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e actual director da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar desta cidade.
Tanto pessoalmente como através da sua empresa por quotas (Robalo Cordeiro, Lda.), este pneumologista recebeu já um bom pecúlio das farmacêuticas desde o início da pandemia: em 2020 teve direito a 27.441 euros, e em 2021 deram-lhe 26.006 euros, a título de consultor, palestrante e moderador, além de financiamento de viagens ao estrangeiro para congressos.
No seu portefólio de negócios contam-se 11 farmacêuticas, entre as quais a AstraZeneca (5.907 euros), a Boehringer Ingelheim (16.478 euros), a Merck Sharp & Dohme (5.345 euros), a Roche (7.950 euros), a Sanofi (2.675 euros) e a Pfizer (2.562 euros). Robalo Cordeiro foi recentemente eleito presidente da European Respiratory Society, onde não surge, à data de hoje, ainda qualquer menção a conflitos de interesse, apesar de ele os ter.
Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, é assim apresentado no júri de um prémio promovido por uma farmacêutica.
Esta postura é contrária à do presidente cessante, Marc Humbert, que através de uma declaração de interesses elenca todas as relações regulares com 14 farmacêuticas, entre as quais a Janssen, Bayer, AstraZeneca, GSK, Novartis e Sanofi. A revista científica desta poderosa sociedade médica internacional tem como editor-chefe Martin Kolb, que assume ter recebido donativos, honorários pessoais e outros benefícios da Roche, Boehringer Ingelheim, GSK, Gilead, AstraZeneca e Novartis, entre outras farmacêuticas.
Carlos Robalo Cordeiro é bastante próximo de Miguel Guimarães, tendo sido por ele escolhido para membro do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a COVID-19, e para presidir a comissão científica do último congresso desta associação profissional.
O processo contra Jorge Amil Dias deve ser conduzido pela também pediatra Maria do Céu Machado, antiga presidente do Infarmed e que preside ao Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Tem sido ela a supervisionar todos os processos instaurados contra aqueles que fogem da opinião oficial da Ordem dos Médicos ao nível da gestão da pandemia, sendo bastante próxima de Miguel Guimarães. Aliás, os dois integraram, no ano passado, o júri do BI Award for Innovation in Healthcare, um prémio promovido pela farmacêutica Boehringer Ingelheim, onde também teve assento Carlos Robalo Cordeiro.
A cobertura mediática, muitas vezes alarmista, sobre os efeitos da covid-19 nos jovens está a ignorar um facto essencial: os internamentos e as mortes por doenças respiratórias em menores de 25 anos, mesmo sendo eventos muito raros, têm sido em muito maior número desde o início da pandemia. E há ainda um paradoxo: antes da pandemia, os números das doenças respiratórias ainda eram maiores. E mesmo se se juntar a esta contabilidade, para avaliar o verdadeiro impacte da pandemia, os números da covid-19.
A pandemia da covid-19 está a ter um impacte paradoxalmente benéfico nas faixas etárias dos bebés, crianças, adolescentes e jovens adultos. De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados pública do Serviço Nacional de Saúde (SNS) da morbilidade e mortalidade nos hospitais portugueses, desde o início da pandemia até Outubro do ano passado, a covid-19 não só tem mostrado ser doença relativamente benigna para os mais jovens, como tem indirectamente reduzido o número de vítimas causadas pelas doenças respiratórias.
Com efeito, os dados do SNS mostram, de forma inequívoca, que a covid-19 foi responsável, nos primeiros 20 meses da pandemia, pelo internamento de 1.022 menores de 25 anos, uma quantidade muito inferior à registada por doenças respiratórias: 11.344, no mesmo período.
No caso de mortes, as diferenças são também colossais, mas ainda mais relevantes, segundo os registos de óbito do SNS, que não são exactamente coincidentes com os números divulgados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS).
No período em análise, a covid-19 terá sido a causa da morte de uma criança com menos de um ano – falecida no Centro Hospitalar (CH) de Lisboa Central em Setembro de 2020 –, outra com idade entre 1 e 4 anos no CH do Algarve em Agosto do ano passado, e mais três jovens entre os 15 e 24 anos – um em Outubro de 2020 no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures; outra no CH de Lisboa Norte, em Fevereiro do ano passado; e ainda outra no CH de Gaia-Espinho, em Agosto também do ano passado. Ou seja, cinco óbitos.
Morte por doenças respiratórias, durante o mesmo período, foram 39 – quase oito vezes mais. Não houve para nenhuma destas mortes qualquer relevância mediática. Mais estranho ainda porque estão também em causa, em muitas destas situações, crianças de tenra idade. Se até aos 5 anos, a covid-19 levou apenas duas crianças – seguindo os dados do SNS –, já as doenças respiratórias tiraram a vida a três bebés com menos de um ano, e a outras três com idades entre 1 e 4 anos.
No primeiro grupo etário, os óbitos por doenças respiratórias ocorreram no Hospital de São João (Porto), em Julho de 2020, no CH de Entre Douro e Vouga, no mês seguinte, e no CH de Lisboa Norte, em Fevereiro do ano passado. No segundo grupo observaram-se duas mortes em Março de 2020, logo no início da pandemia, um no CH de Lisboa Norte e outro no Hospital de São João, e uma terceira em Janeiro do ano passado, também no CH de Lisboa Norte.
No grupo etário seguinte – dos 5 aos 14 anos –, a covid-19 não matou ainda, apesar da pressão para os pais vacinarem os seus filhos, mas as doenças respiratórias foram mais inclementes: nove óbitos registados em hospitais do SNS entre Março de 2020 e Outubro do ano passado.
Número de internamentos por covid-19 e por doenças respiratórias (DResp) entre Março de 2020 e Outubro de 2021, e nos dois períodos homólogos imediatamente anteriores à pandemia. Fonte: SNS.
Para a faixa etária subsequente, a menor gravidade da covid-19 ainda se mostra mais evidente: os três óbitos que causou nos primeiros 20 meses da pandemia contrastam com as 24 mortes provocadas por doenças respiratórias.
Porém, apesar desse impacte das doenças respiratórias nos mais jovens – mas mesmo assim pouco relevante em termos de Saúde Pública, porquanto os menores de 25 anos são quase 2,5 milhões de habitantes –, curiosamente o surgimento do SARS-CoV-2 teve como consequência directa uma redução significativa dos internamentos e mortes neste grupo etário por causa de problemas respiratórias. E mesmo se juntarmos covid-19 às doenças respiratórias.
Na verdade, comparando os internamentos integrados de covid-19 e doenças respiratórias nos primeiros 20 meses da pandemia (Março de 2020 a Outubro de 2021) com os dois períodos homólogos imediatamente anteriores – em que “somente” havia doenças respiratórias – constata-se que o surgimento do SARS-CoV-2 quase foi uma “bênção” para bebés, adolescentes e jovens adultos. E não só nos internamentos; também os desfechos fatais diminuíram bastante.
De facto, juntando covid-19 e doenças respiratórias, o SNS contabiliza nos primeiros 20 meses da pandemia um total de 12.366 internamentos e 44 óbitos. Saliente-se que quase 92% desses internamentos e 89% destas mortes são da responsabilidade das doenças respiratórias.
Ora, estes números contrastam com os 24.610 internamentos e as 71 mortes causadas apenas por doenças respiratórias no período homólogo imediatamente anterior à pandemia, ou seja, entre Março de 2018 e Outubro de 2019.
Se recuarmos ao período homólogo antecedente – entre Março de 2017 e Outubro de 2018 –, nota-se que o impacte das doenças respiratórias até foi um pouco pior: 25.171 internamentos e 87 mortes. Ou seja, cerca do dobro das mortes verificadas durante a pandemia, quando a covid-19 se juntou às outras doenças respiratórias.
Apesar disto tudo, intensificou-se, nos últimos meses – e particularmente nas últimas semanas, no caso das crianças –, campanhas de pressão para a vacinação de crianças e jovens contra a covid-19. E mesmo pediatras têm sido alvo de críticas e processos entre os seus pares.
Foi o caso de Jorge Amil Dias – um dos subscritores de um abaixo-assinado de profissionais de saúde que exigiram a suspensão da vacinação em crianças saudáveis – que, apesar de ser presidente do Colégio da Pediatria da Ordem dos Médicos, foi alvo de um processo disciplinar e de destituição daquele cargo por defender que não se deveria vacinar crianças saudáveis, após o próprio bastonário, Miguel Guimarães, o ter criticado. Saliente-se que o bastonário da Ordem dos Médicos, que diz ser o único representante desta associação profissional de direito público, é um urologista.
O “estado de emergência” e a proibição judicial de buzinar em Ottawa teve um impacte quase nulo nos manifestantes, que estão a recuperar rapidamente, por outras vias, o financiamento retido pela GoFundMe. Entretanto, o ambiente político no Canadá está a adensar-se.
Apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, continua inabalável o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy). Nenhuma das partes parece querer ceder.
Ontem, o juiz Hugh McLean ordenou que cessasse o barulho das buzinas como forma de protesto, alegando que não é “uma expressão de qualquer grande pensamento”, no seguimento de queixas de moradores incomodados com a presença de entre quatro e cinco centenas de camiões.
No entanto, essa aparenta ser uma pequena limitação para refrear o dinamismo dos manifestantes, que prometem não arredar pé do centro de Ottawa. Movimentos similares, mas de menores dimensões, surgiram entretanto, durante o fim-de-semana, em outras cidades canadianas, entre as quais Toronto, cidade de Quebec e Winnipeg.
Justin Trudeau, ontem, na Câmara dos Comuns.
Desde que, na sexta-feira passada, o Freedom Convoy viu a plataforma de crowdfunding GoFundMe suspender a campanha que já recolhera 10 milhões de dólares canadiano (cerca de 6,3 milhões de euros), os ânimos dos manifestantes têm sido reforçados com uma redobrada solidariedade, tanto no Canadá como em outras partes do Mundo.
A plataforma da GiveSendGo – que substituiu a da GoFundMe, que se viu, entretanto, obrigada a prometer a devolução incondicional dos montantes retidos aos doadores – conta já com apoios de 6,6 milhões de dólares, o que representa mais de 5,7 milhões de euros. Por outro lado, a comunidade das criptomoedas, através da Tallycoin, já recolheu quase meio milhão de euros em bitcoins.
O mayor de Ottawa, Jim Watson, tem acentuado, em tom dramático, a presença dos manifestantes, dizendo que os residentes da capital “estão aterrorizados”, e acusando as incessantes buzinadelas de serem uma forma de “guerra psicológica”. Após Watson ter, no domingo, declarado o “estado de emergência”, foi solicitado ainda ao Governo federal o envio urgente de 1.800 operacionais da Real Polícia Montada Canadiana, com o objetivo de “recuperar a cidade”.
Organizadores do Freedom Convoy, em conferência de imprensa, têm insistido no pacifismo da manifestação e apelam à negociação para acabar com as restrições.
Poucas horas depois, a polícia de Ottawa terá apreendido milhares de litros de combustível e propano, comprometendo o funcionamento de cerca de mil camiões. No domingo, as autoridades confirmaram a abertura de mais de 60 investigações criminais supostamente associadas aos protestos, alegando danos, roubos, crimes de ódio e danos à propriedade, e chegou mesmo a ameaçar deter quem ajudasse os manifestantes. Terão sido também passadas cerca de 450 multas por excesso de ruído, desde a manhã de sábado.
No entanto, curiosamente, apesar das insistentes acusações de vandalismo e violência, as autoridades canadianas continuam sem disponibilizar imagens ou outras provas de comportamento ilegal dos manifestantes, para além das buzinadelas e da ocupação de ruas por veículos e pessoas. Os organizadores do Freedom Convoy têm sistematicamente negado quaisquer ilegalidades, falando mesmo em boa relação com as forças policiais, insistindo na necessidade de diálogo com as autoridades.
Entretanto, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, reapareceu ontem, num debate de emergência na Câmara dos Comuns, e declarou que os protestos “têm de parar”, acusando os manifestantes de “tentarem bloquear a nossa Economia, a nossa democracia e a vida quotidiana dos nossos concidadãos”.
Este debate mostrou, contudo, o início de uma divisão política em torno da gestão da pandemia, por via das acções do Freedom Convoy. Enquanto Jagmeet Singh, líder do Novo Partido Democrático (NDP), a quarta força política do país, mostrou apoio ao Goveno, considerando que não se está perante um “protesto pacífico”, já a líder da oposição (Partido Conservador), Candice Bergen, acusou Trudeau de alimentar a divisão e o descontamento do país pela forma de gestão da pandemia.
Mesmo no partido de Trudeau, o mal-estar começa a eclodir, o que pode complicar ainda mais a gestão deste delicado conflito social, que dificilmente poderá ser feito através de repressão policial, pelas imprevisíveis consequências na opinião pública canadiana. Hoje, o deputado liberal Joel Lightbound criticou abertamente a gestão da pandemia pelo Governo federal, considerando ser “hora de pararmos de dividir a população”, acrescentando que “nem todos podem ganhar a vida com um MacBook numa casa de campo”, numa alusão às restrições da actividade económicas ao longo da pandemia. O mal-estar desta conferência de imprensa foi de tal dimensão que Lightbound se viu já forçado a pedir, esta noite, a sua demissão de presidente do caucus de Quebec.
N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataformaMIGHTYCAUSE.
O PÁGINA UM revela, em exclusivo, o desempenho de todos os hospitais portugueses que tentaram salvar doentes-covid. Uns portaram-se bem; outros tiveram desempenhos francamente medíocres. Eis uma investigação jornalística que destapa um assunto tabu: o Serviço Nacional de Saúde não é igual em todo o lado, e seguir para o hospital errado, à hora errada, pode ser “a morte do artista”.
A idade foi um dos factores mais determinantes para a letalidade da covid-19, mas em Portugal, apesar de um sistema público teoricamente universal e homogéneo, a sobrevivência dependeu muito, mas mesmo muito, do hospital que calhou na sorte de cada internado.
Uma análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que quantifica os internamentos e óbitos por covid-19 – classificada no grupo “Código para fins especiais” –, revela que até Outubro de 2021 foram internadas com esta doença um total de 53.194 pessoas, das quais 77% sobreviveram.
Contudo, o desempenho de cada hospital variou bastante.
Considerando apenas as unidades de saúde – Centros Hospitalares (CH), hospitais e Unidades Locais de Saúde (ULS) – que, ao longo dos primeiros 20 meses de pandemia, receberam 300 ou mais doentes-covid, a taxa de sobrevivência atingiu um valor máximo de 90% no Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada) e no Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira). No extremo oposto, 13 hospitais quedaram-se por valores abaixo dos 75%, grande parte dos quais em regiões do interior.
A pior situação observou-se no Hospital do Espírito Santo (Évora) que recebeu 610 doentes-covid, tendo 218 morrido, apresentando assim uma taxa de sobrevivência de apenas 64%. Um pouco mais a sul – na ULS do Baixo Alentejo, que integra o Hospital José Joaquim Fernandes (Beja) –, o quadro também foi medíocre: 136 óbitos em 413 doentes-covid internados, registando assim uma taxa de sobrevivência de somente 67%. A ULS do Norte Alentejano – que integra os hospitais de Portalegre e Elvas – também teve uma perfomance sofrível (69%).
Em centros urbanos de maior dimensão, mesmo nas imediações de Lisboa, detectam-se desempenhos sofríveis: o CH de Setúbal contabilizou uma taxa de sobrevivência de 68% (terceira pior situação nacional, a par da ULS do Nordeste), reflectindo a morte de 471 dos 1.480 doentes-covid internados, enquanto o Hospital de Vila Franca, que recebeu 1.219 doentes não conseguiu salvar 364, apresentando assim uma taxa de sobrevivência de apenas 70%.
Nenhuma das unidades de saúde da região Centro mostrou desempenhos ao nível dos melhores. A situação menos desfavorável foi a do CH de Coimbra (taxa de sobrevivência de 75%), sendo que as outras unidades registaram valores ainda mais aquém deste indicador: Baixo Vouga (73%), Tondela-Viseu (72%), Castelo Branco, Médio Tejo e Santarém (71%, em todos) e Leiria (69%).
Nas 13 unidades de maiores dimensões (considerando aquelas que receberam mais de 1.500 doentes-covid), os melhores desempenhos foram do CH Universitário do Porto, que integra o Hospital de Santo António, e do CH de Entre Douro e Vouga (agrupando os hospitais da Feira, Oliveira de Azeméis e São João da Madeira), com taxas de sobrevivência de 83%.
Melhores e piores desempenhos das unidades do SNS, m função das taxas de mortalidade (TM), e de sobrevivência (TS), em função dos internamentos (INT) e óbitos (OBIT). Fonte: SNS. Nota: Pode descarregar ficheiro integral no final da notícia.
Com desempenhos próximos (81% neste indicador) surgem o CH de Lisboa Central – que integra os hospitais de São José e Curry Cabral – e o denominado Hospital Amadora-Sintra. No extremo oposto, com 75% de taxa de sobrevivência, encontram-se o CH de Coimbra e o CH de Vila Nova de Gaia-Espinho.
Para uma correcta avaliação da performance de cada unidade de saúde, medida em termos de taxa de sobrevivência, mostra-se relevante considerar a estratificação etária dos doentes-covid, uma vez que a gravidade desta doença depende muito da idade dos internados.
Com efeito, de acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, embora a taxa de sobrevivência global seja de 77,37%, no caso dos menores de 25 anos foi praticamente de 100%, e situou-se nos 97,72% na faixa etária entre os 25 e os 44 anos, e desceu para os 92,7% no grupo com idades entre os 45 e os 64 anos.
Só a partir dos 65 anos – e, infelizmente, a desagregação não é mais fina, separando, por exemplo, o subgrupo dos maiores de 80 anos –, a taxa de sobrevivência começa a ser menor: pouco mais de dois em cada três internados (68,3%) sobrevive. Ora, tendo em conta que o grupo dos idosos representou 65% dos internados e 91% dos óbitos totais em meio hospitalar, este aspecto mostra-se crucial para aferir o desempenho de cada unidade de saúde no combate à covid-19.
Taxa de sobrevivência hospitalar (%) dos doentes-covid por grupo etário até Outubro de 2021. Fonte: SNS
Daí que, por exemplo, uma taxa de sobrevivência global apenas razoável possa afinal mostrar um desempenho muito positivo se o peso dos internados mais idosos – e, portanto, mais vulneráveis – for muito relevante, o que sucede em alguns hospitais do interior do país.
Posto isto, para o grupo específico dos idosos (maiores de 65 anos), o PÁGINA UM identificou hospitais que, enfim, mostraram desempenhos muito sofríveis, enquanto outros apresentaram performances muitíssimo boas.
Note-se, aliás, que não é de estranhar uma quase coincidência no posicionamento das unidades de saúde em termos de desempenho em relação aos idosos face ao que se verifica para a totalidade dos internados. Contudo, na comparação das taxas de sobrevivência dos idosos salta à vista um aspecto deveras preocupante: há hospitais em que a probabilidade de um idoso não sobreviver foi muitíssimo superior à de outros.
No extremo mais favorável, o PÁGINA UM detectou quatro unidades de saúde com taxas de sobrevivência de idosos de 80% ou mais: Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada) e no Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira), ambos com 85%, e Hospital de Santa Maria Maior (Barcelos) e Hospital Senhora da Oliveira (Guimarães), com 82% e 80%, respectivamente.
No pior extremo, com taxas de sobrevivência de 60%, ou inferior, estão o Hospital do Espírito Santo (Évora), com apenas 53% – morreram 205 dos 439 idosos internados com covid-19 –, a ULS do Baixo Alentejo (56%), o CH de Setúbal (58%) – faleceram 419 dos 987 idosos internados –, a ULS do Norte Alentejano (59%), o Hospital de Vila Franca de Xira (60%) – morreram 329 dos 814 idosos internados – e a ULS de Castelo Branco (também 60%).
Caso se considerem as unidades de saúde com mais de 1.000 doentes-covid de mais de 65 anos, a região Norte teve os melhores desempenhos, com destaque para o CH de Trás-os-Montes e Alto Douro (taxa de sobrevivência de 76%), seguindo-se os CH Universitário do Porto e de Entre Douro e Vouga, ambos com 75%. Nas unidades da Grande Lisboa, as taxas de sobrevivência andaram entre os 60% e 70%.
Para estas idades – e sobretudo pela grande variação neste indicador nas diversas unidades de saúde –, uma diferença de 10 pontos percentuais pode representar muitas vidas. Por exemplo, se os três CH de Lisboa – onde morreram 1.162 dos 3.777 doentes-covid com mais de 65 anos – tivessem um desempenho de 80% em vez dos 69,2% que registou, então teriam conseguido salvar mais cerca de 400 pessoas.
Se, globalmente, a taxa média nacional de sobrevivência dos mais idosos tivesse sido, por exemplo, de 75% (para colocar uma fasquia exequível), em vez dos (reais) 68%, ter-se-iam então salvado mais 2.315 vidas. Se essa taxa subisse aos 80%, então salvavam-se mais 4.044 idosos até Outubro do ano passado.
Por fim, importa também salientar um outro aspecto preocupante: mesmo nas populações menos vulneráveis à covid-19 – os menores de 65 anos –, o desempenho dos hospitais do SNS foi também bastante diferenciado. Quatro unidades de saúde conseguiram taxas de sobrevivência superiores a 98%: Hospital da Figueira da Foz (98,7%), CH do Oeste (98,6%), CH do Médio Ave (98,4%) e Hospital Dr. Nélio Mendonça (Funchal, com 98,1%).
No extremo oposto, encontra-se o CH de Setúbal, o único com uma taxa de sobrevivência abaixo dos 90%, sendo acompanhado de perto de outras unidades com fracos desempenhos nos outros dois indicadores retratados pelo PÁGINA UM, o que confirma que existem problemas estruturais em diversos hospitais portugueses que tiveram efeitos directos no impacte da pandemia ao nível da mortalidade. O vírus não matou sozinho.
NOTA: Para obter o ficheiro de dados com os internamentos, óbitos e taxas de mortalidade e de sobrevivência hospitalar de doentes-covid por grupo etário, pode descarregar AQUI.
Quem assiste aos telejornais ou percorre as ruas ou aplica as regras impostas pelo Governo, pensará que a situação pandémica estará, pelo menos igual, ou pior do que estava há um ano. A PÁGINA UM foi fazer as contas.
O PÁGINA UM realizou uma análise comparativa da taxa de letalidade da covid-19 – ou seja, dos óbitos atribuídos a esta doença por cada 100 casos positivos – não apenas entre países, mas também entre períodos.
Pretendia-se observar se a actual situação da pandemia justifica o clima de medo ainda instalado em Portugal – com pressões para, por exemplo, se vacinarem crianças, grupo praticamente não afectado por esta doença –, que tem implicado ainda a manutenção de restrições sociais e económicas, e um modelo discriminatório dos não-vacinados, mesmo daqueles com imunidade natural após infecção anterior.
Cada vez mais se torna evidente que, além do programa de vacinação abranger uma cobertura quase total das comunidades mais idosas, a variante Ómicron é, claramente, menos agressiva. Por exemplo, um recente estudo de investigadores da Universidade Politécnica de Hong Kong, ainda não revisto pelos pares (peer review), adiantam que a variante Ómicron, apesar de uma transmissibilidade três vezes superior às anteriores, mostra um a redução da taxa de letalidade de 87,8%.
Rússia é uma excepção ao panorama favorável dos últimos meses.
Isto significaria que, se com a variante Alfa ou Delta, a taxa de letalidade rondava, em geral, os 2% nos países mais desenvolvidos, torna-se expectável que com a Ómicron viesse então a atingir valores próximos de 0,25% ou ainda mais baixo.
Vejamos então.
Para esta análise, incluímos, além dos 27 países da União Europeia, mais três países europeus (Noruega, Reino Unido e Rússia), e ainda Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Índia, Nova Zelândia. A taxa de letalidade foi calculada para dois períodos distintos: os primeiros 12 meses da pandemia – assumindo que, na generalidade destes países, os óbitos atribuídos à covid-19 começaram em Fevereiro de 2020; e os últimos seis meses, de modo a abranger o surgimento da variante Ómicron, associado também a um aumento muito significativo de casos positivos.
Assim sendo, para ambos os períodos – o primeiro terminado em 1 de Fevereiro de 2021; o segundo compreendido entre 1 de Agosto de 2021 e 1 de Fevereiro do presente ano –, obteve-se os valores tanto dos casos positivos como dos óbitos. A informação foi recolhida no site Worldometers.
Um dos aspectos mais relevantes é a notória descida – muito significativa em muitos países – das taxas de letalidade entre o primeiro e o segundo período analisado. A única excepção é a Rússia, que regista um incremento de 1,05 pontos percentuais (p.p.), passando de 1,92% para 2,97%. Apesar de ser um país actualmente com uma relativamente baixa taxa de vacinação (48,8% da população com duas doses), nunca se sentiu um efeito relevante desse fármaco.
Ao invés, desde finais de Junho do ano passado, os óbitos têm estado sempre em níveis muito mais elevados do que nos períodos anteriores, antes do fabrico das vacinas. Por outro lado, o pico dos óbitos verificou-se em meados de Novembro, sensivelmente na altura do surgimento da Ómicron, e a partir daí as mortes têm tido uma tendência decrescente, apesar da acentuada subida de casos positivos. Entre 10 de Janeiro e início de Fevereiro deste ano, os novos casos diários aumentaram cerca de 10 vezes, situando-se agora nos 153 mil por dia (média móvel de sete dias).
Portugal está com uma das mais baixas taxas de letalidade da Europa.
Em todo o caso, a actual taxa de letalidade na Rússia não atinge os níveis que ocorriam em qualquer destes países analisados durante a primeira fase da pandemia. A taxa de letalidade era, ao fim do primeiro ano, superior a 3% na Austrália (3,15%, apesar do número absoluto relativamente reduzido de vítimas), Hungria (3,42%), Itália (3,45%), Grécia (3,66%) e Bulgária (4,15%).
Observavam-se ainda 12 países com taxas de letalidade entre 2% e 3%. Apenas três países (Chipre, Noruega e Estónia) tinham taxas de letalidade inferiores a 1%. Portugal (1,78%) estava então no lote de 16 países com taxas entre 1% e 2%. Saliente-se que, nesta fase, ao fim do primeiro ano da pandemia, a Suécia estava na 16ª posição no grupo destes países, com uma taxa de letalidade de 2,11%, apesar das sistemáticas críticas ao modelo de gestão escolhido que não passou por lockdowns nem pelo uso obrigatório de máscaras.
O cenário ficou bem mais favorável a partir de Agosto do ano passado. Devido, em grande parte, por um significativo número de recuperados possuírem agora imunidade natural, pela menor agressividade da variante Ómicron e por via do plano de vacinação – não necessariamente por esta ordem, em termos de relevância –, observa-se nos últimos seis meses uma fortíssima redução da mortalidade atribuída à covid-19. Isto apesar de um colossal aumento dos casos positivos na quase generalidade dos países ao longo do último semestre, mas sobretudo no último mês.
Aliás, o inusitado crescimento do número de casos – de longe, a incidência de casos positivos é a maior registada ao longo de dois anos de pandemia – parece confirmar, por um lado, a maior transmissibilidade da variante Ómicron. E, por outro lado, mostra também não só a sua menor agressividade, mas, de igual modo, a incapacidade dos vacinados de terem afinal uma menor susceptibilidade à infecção. Isto sem menosprezar, sobretudo para idades avançadas, uma redução relevante, embora passageira, na gravidade da doença em caso de infecção.
Porém, até esta conclusão nos parece necessitar de uma análise cuidadosa, e independente, de modo a apurar o verdadeiro grau de eficácia das vacinas contra a variante Ómicron, sabendo-se que, na verdade, se “destinavam” a atacar as variantes diferentes.
Taxas de letalidade (%) no primeiro ano e nos últimos seis meses. Fonte: Worldometers
Em todo o caso, interessa destacar que, nos últimos seis meses, apenas três países – Rússia (2,97%), Bulgária (2,79%) e Roménia (2,14%) – apresentaram taxas de letalidade superiores a 2%, quando no primeiro ano da pandemia eram 17. No entanto, o maior destaque vai, certamente, para os 30 países que registaram taxas de letalidade inferiores a 1%. E destes, 14 com taxas inferiores a 0,25%.
Neste último lote – o mais favorável – está Portugal, com uma taxa de apenas 0,15%, ou seja, uma redução de 1,63 p.p. (ou uma redução de 92%) em comparação com o primeiro ano da pandemia. Colocar o país em quarentena, manter restrições com estes níveis de agressividade do “actual” SARS-CoV-2, ou discriminar não-vacinados, aparenta ser algo, no mínimo, absurdo.
Similar situação é a da França, outro país com uma redução brutal nas taxas de letalidade, passando de 2,55% no primeiro ano para apenas 0,14% nos últimos seis meses. Considerar que na França se está agora perante a mesma pandemia de 2020 será somente miopia. E a insistência de Emmanuel Macron, presidente francês, em impor a vacinação universal parece dever-se mesmo à sua vontade, como afirmou, de “chatear” e “irritar” os não-vacinados, porque justificações de Saúde Pública parecem não existir.
Pandemia: hoje é um problema de Saúde Pública ou de política?
A Áustria – que se tornou, por agora, o único país da União Europeia, a instituir a vacinação obrigatória para adultos –, apresentou uma taxa de letalidade de 0,27% nos últimos seis meses. Muito abaixo dos 1,87% que registou no primeiro ano da pandemia.
A Alemanha, onde também se discute a obrigatoriedade da vacinação – e de onde é natural a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma apoiante da medida –, também apresenta uma baixa taxa de letalidade nos últimos seis meses (0,40%), que contrasta com os 2,68% do primeiro ano. Note-se que, nestes dois países, a taxa de vacinação contra a covid-19 se situa, respectivamente, nos 76% e 74%, o que significa que a população mais vulnerável, sobretudo idosos, já estará quase toda imunizada.
Recorde-se que a taxa de letalidade para a pandemia do H1N1 em 2009 terá rondado os 0,5%, e estima-se que, por exemplo, na época de gripe sazonal nos Estados Unidos de 2018-2019 esse indicador rondou os 0,1% (28 mil mortes por gripe e pneumonias em 29 milhões de infecções), sendo que na de 2019-2020 foi de 0,06% (20 mil mortes em 35 milhões de casos).
Estes são os factos. Esta é, portanto, a actual situação da pandemia na Europa e em outras paragens importantes do Mundo. O resto não é Saúde Pública; é política.
NOTA: Os valores das taxas de letalidade nos países analisados nos dois períodos podem ser consultados AQUI.
Números das mortes por covid-19 nos hospitais são muito menores do que aqueles apontados pela Direcção-Geral da Saúde. Ou terá havido milhares de pessoas a morrerem por causa do SARS-CoV-2 sem prévia assistência hospitalar adequada, ou então as autoridades de Saúde e o Governo andaram a empolar números para fomentar uma campanha de medo e para esconder o excesso de mortalidade não-covid.
Até finais de Outubro do ano passado, são menos 6.122 os óbitos por covid-19 registados em meio hospitalar em comparação com os números oficiais da Direcção-Geral da Saúde(DGS). Esta é a diferença obtida comparando os números oficiais da DGS – que até 31 de Outubro de 2021 indicavam 18.162 mortes causadas pelo SARS-CoV-2 – e os certificados de óbitos passados nos hospitais, que apontam para apenas 12.040 mortes nos primeiros 20 meses da pandemia.
A garantia de estes 12.040 ser o número exacto de óbitos por covid-19 em hospitais, e que constam expressamente nos certificados de óbito, é simples de dar: uma base de dados pública da mortalidade hospitalar, que identifica, por mês, o número de óbitos por grandes classes de doença, a unidade de saúde e o grupo etário. A base de dados está integrada no Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Por norma, as diversas doenças estão agrupadas: por exemplo, não se consegue saber quantas mortes são por AVC ou por ataque cardíaco, porque ambas integram as doenças do aparelho circulatório. Porém, no caso concreto da covid-19, esta é a única doença existente classificada no grupo dos “Códigos para fins especiais”, tendo recebido o código U071. Por esse motivo, não há registo de mortes nesta classe entre Janeiro de 2017 – data de início de registo da base de dados é Fevereiro de 2020.
A enorme discrepância nos números detectada pelo PÁGINA UM, numa cuidadosa análise desta base de dados, pode dever-se a uma de duas causas, qualquer das quais bastante preocupante. Ou houve 6.122 vítimas da pandemia que morreram sem assistência hospitalar; ou então a DGS andou a manipular o número de óbitos por covid-19 para desviar as atenções do excesso de mortalidade não-covid, de modo a esconder também o descalabro do Serviço Nacional de Saúde no tratamento de outras doenças descuradas durante a pandemia.
No primeiro caso, um número tão elevado de mortes fora das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) numa doença tão infecciosa – e que obrigou a fortes restrições na sociedade e a uma logística hospitalar sem precedentes – mostra justificação pouco plausível ou mesmo credível, sobretudo devido às próprias características da infecção pelo SARS-CoV-2. Ou seja, num quadro clínico associado à hipoxemia e/ou falta de ar em situações críticas, pelo que a morte, nas situações mais graves, pelo menos é antecedida por uma admissão à urgência hospitalar ou no decurso de um internamento.
Note-se, por exemplo, que antes da pandemia, quase todos os óbitos registados por doenças respiratórias ocorriam em meio hospitalar. Já no caso das doenças do aparelho circulatório ou por neoplasias é mais comum que ocorram fora do meio hospitalar.
O cenário de mortes frequentes com covid-19 de doentes sem prévia assistência hospitalar adequada face ao seu estado – e com o óbito a ser certificado em residências ou lares – não é de descartar, mas seria de grande gravidade.
Uma hipótese alternativa – mas neste caso com o consequente empolamento dos números da covid-19 – será a inclusão de assintomáticos (ou seja, pessoas com teste positivo, mas sem sintomas) que acabaram por morrer de outras doenças. Estes casos poderão ter ocorrido, em maior ou menor grau, sobretudo em lares de idosos.
O PÁGINA UM aguarda, aliás, desde 25 de Janeiro, que a DGS ceda dados sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença.
Essa informação é essencial para apurar não apenas o verdadeiro impacte da covid-19 em lares, como também o número de idosos vítimas destas doenças que nem sequer mereceram preocupação para lhes ser dada assistência hospitalar antes do desfecho fatal.
Uma outra alternativa em cima da mesa será simplesmente os óbitos por covid-19 terem sido cruamente manipulados – ou seja, as mortes ocorreram por outras causas evidentes, mas a DGS terá decidido manipular os números da covid-19.
Com esse estratagema, o Governo conseguiria não apenas mostrar artificialmente uma maior gravidade da pandemia como também, face ao aumento em alguns períodos da mortalidade total, atenuar publicamente, de forma habilidosa, o excesso de mortalidade não-covid.
Esta última hipótese mostra-se mais forte quando se analisa determinados meses. Por exemplo, em Maio de 2020, confrontando os óbitos em meio hospitalar (apenas 180) e os registos oficiais pela DGS (417), conclui-se que 57% das vítimas terão afinal morrido fora do hospital, uma situação de probabilidade muito baixa, porque, no início da pandemia, todos os doentes sintomáticos eram internados.
No Inverno de 2020-2021, as discrepâncias em termos absolutos são enormes. Se os dados da DGS estivessem correctos, em Novembro de 2020 teriam morrido, por covid-19, um total de 1.420 pessoas nos hospitais e 613 fora dos hospitais. No mês seguinte essa relação foi de 1,628 nos hospitais e 767 fora dos hospitais.
No início do ano passado, a diferença absoluta ainda é maior. Em Janeiro – oficialmente, o mês com mais óbitos no total e por covid-19 –, os dados da DGS apontam para um total de 5.785 vítimas da pandemia, mas apenas 3.207 surgem registadas nos hospitais. As restantes 2.578 vítimas, a terem mesmo morrido por covid-19, foi fora do hospital. Em Fevereiro do ano passado, também mais de mil pessoas (1.119) aparecem nos números oficiais da DGS mas não faleceram nos hospitais.
Óbitos mensais por covid-19 nos hospitais e nos registos oficiais. Fonte: SNS e DGS
Ao longo dos meses seguintes, as discrepâncias são menores em termos absolutos e relativos, havendo mesmo dois meses (Abril e Maio de 2021) em que os registos de mortes por covid-19 nos hospitais até são, estranhamente, superiores aos números que depois surgiram naqueles períodos nos boletins da DGS.
No total dos 12.040 óbitos por covid-19 registados nos hospitais portugueses até Outubro de 2021 – que representam, assim, apenas 66,3% do total à data indicado pela DGS –, 1.319 foram contabilizados nos três centros hospitalares da cidade de Lisboa.
No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – que integra o Hospital de São José – registaram-se 521, enquanto nos de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – e de Lisboa Ocidental – que integra o Hospital de São Francisco Xavier – houve 399 em cada. O Hospital de Coimbra foi individualmente aquele com maior número de óbitos (703 durante os primeiros 20 meses da pandemia).
O PÁGINA UM divulgará amanhã o desempenho de cada hospital, ou seja, a taxa de sobrevivência dos internamentos por covid-19, uma vez que essa variável se mostrou bastante relevante ao longo da pandemia.
NOTA: A lista completa de hospitais e óbitos por covid-19 até 31 de Outubro de 2021 pode ser consultada AQUI.
Justin Trudeau, primeiro-ministro canadiano, andou uma semana a diabolizar os manifestantes do Freedom Convoy. Na sexta-feira conseguiu aquilo que aparentava ser uma vitória: a plataforma de crowdfunding GoFundMe bloqueou 9 milhões de dólares canadianos, considerando que os organizadores promoviam “violência e assédio”. Como reacção, uma campanha alternativa angariou já, em menos de dois dias, mais de 3 milhões de dólares americanos. E a comunidade de criptomoedas também se está a mobilizar.
O efeito do bloqueio da GoFundMe ao Freedom Convoy está a ser desastroso para o Governo canadiano. Cedendo a pressões políticas, a decisão da maior plataforma mundial de crowdfunding em bloquear, na noite da passada sexta-feira, nove milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) arrecadados, por donativos de mais de 120 mil pessoas, resultou não só num feroz coro de críticas populares contra a GoFundMe, como incentivou uma onda de solidariedade sem precedentes.
Em cerca de dois dias completos, quando eram 23:00 horas em Lisboa, os organizadores do Freedom Convoy já tinham conseguido ultrapassar os 3 milhões de euros, correspondentes a mais de 3,4 milhões de dólares, através da plataforma GiveSendGo. E aponta-se agora para uma meta acima daquele prevista com a GoFundMe: 16 milhões de dólares.
Até às 21 horas de hoje, em Lisboa, a nova campanha de crowdfunding do Freedom Convoy angariou quase 3,3 milhões de dólares.
Para assegurar a legalidade e transparência do processo de gestão desta verba – para compra de combustíveis, alimentação dos manifestantes e alojamento sobretudo dos motoristas – foi criada a Incorporated Freedom 2022 Human Rights and Freedom Association.
O facto de a GiveSendGo ser claramente de cariz religioso – assume-se como a principal plataforma cristã mundial de angariação de fundos – retira também espaço a ataques sobre extremismos dos protestos contra as políticas restritivas do Governo Trudeau. Em todo o caso, apesar do sucesso da nova campanha de angariação, a plataforma da GiveSendGo tem estado com alguns problemas de acesso, que se deverão, segundo os seus responsáveis, a “fortes ataques de negação de serviço [DDOS attacks] e com bots maliciosos”.
Mas a decisão da GoFundMe trouxe também um reforço da onda de solidariedade da comunidade de criptomoedas, um mundo financeiro alternativo, não controlável pelos bancos centrais e, geralmente, imune às pressões ou intimidações políticas e interesses financeiros.
Por exemplo, uma campanha de angariação na plataforma de crowdfundingTallycoin – exclusivamente usando criptomoedas e não rastreável – propôs angariar 615 milhões de satoshi (SAT), ou seja, 6,15 bitcoins, que equivale actualmente a quase 250 mil euros, envolvendo cerca de 3.600 contributos.
Antes do bloqueio da GoFundMe, esta campanha promovida por alguém sob anonimato (usando o pseudónimo Honkhonk Hodl), tinha apenas recebido um pouco menos de 10 mil euros em bitcoins; neste momento, já foram transferidas criptomoedas no valor de 226 mil euros, superando os objectivos iniciais. Ou seja, cresceu quase 23 vezes em menos de dois dias.
Esta onda de solidariedade coincide com o segundo fim-de-semana de protestos em Ottawa, inicialmente apenas contra a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 dos camionistas que atravessassem a fronteira com os Estados Unidos, ou a realização de testes e quarentena. No entanto, as manifestações já se alargaram para outras restrições, sendo também patente protestos por outras causas, que reflectem um mal-estar popular perante as posturas do Governo liberal de Trudeau.
Durante a última semana, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou a acusar os protestantes de serem “uma minoria marginal” e de até “roubarem comida de sem-abrigos”, declarando que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.
Em mensagens no Facebook e Twitter, na terça-feira passada, congratulou-se ainda pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.
Comunidade das criptomoedas respondeu também com solidariedade ao bloqueio da campanha no GoFundMe.
Por proposta do deputado Taleeb Noormohamed, do Partido de Liberal liderado por Trudeau, o comité parlamentar deu ênfase a alegados actos criminosos da campanha de angariação, manifestando o interesse em ouvir responsáveis do Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).
O Governo de Trudeau pretendia, assim, diabolizar os protestos e “secar” o seu financiamento. Aparentemente, julgaria ter conseguido com a suspensão da campanha pela GoFundMe. Os últimos dois dias demonstraram, de forma avassaladora, que a estratégia estava errada. Os protestos intensificaram-se mais, e aparentam manter-se caso não haja um recuo governamental. E o sucesso, até financeiro, desta campanha canadiana pode mesmo servir de rastilho para movimentos similares em outros países.
N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataformaMIGHTYCAUSE.