O Banco de Portugal encomendou a troca de peças para as duas piscinas que tem na sua quinta de luxo em Odivelas, que classifica como ‘centro de formação’. Pela troca das peças o Banco de Portugal deverá gastar 61.500 euros.
Em causa está a “substituição das centrais hidráulicas das piscinas da Quinta da Fonte Santa”, um espaço com 22 hectares, às portas de Lisboa, que é propriedade do Banco de Portugal.
Quinta da Fonte Santa, em Odivelas. / Foto: D.R.
Em concreto, o objecto da encomenda abrange “a remoção de equipamentos e componentes existentes nas centrais hidráulicas e posterior fornecimento, instalação, ligação e comissionamento de novos equipamentos e componentes, nas centrais hidráulicas das piscinas do Centro de Formação da Quinta da Fonte Santa do Banco de Portugal”. A informação consta do caderno de encargos do concurso público cujo prazo terminou no dia 15 deste mês.
Segundo os detalhes da encomenda, “pretende-se dotar a central hidráulica da piscina 1, com três unidades de electrobomba do tipo ARAL Plus C-3000 7.5CV 400V, ou equivalente”. Para a “circulação do chapinheiro, piscina das crianças, pretende-se o fornecimento, instalação e comissionamento de duas unidades de eletrobombas do tipo ASTRAL Victoria Plus Silent 1CV 230V, ou equivalente.
Por fim, “para a central hidráulica da piscina 2, pretende-se o fornecimento e aplicação de duas unidades de electrobombas do tipo ASTRAL Victoria Plus Silent 1.5CV 400V, ou equivalente”. O serviço inclui a “substituição dos equipamentos existentes, com todos os trabalhos, materiais e acessórios necessários ao seu correto funcionamento”.
A verba que agora o Banco de Portugal vai despender é uma “gota de água” no contexto dos gastos de manutenção que a sua quinta de luxo exige anualmente. Recorde-se que só na manutenção dos espaços verdes da Quinta da Fonte Santa foram gastos 1,6 milhões de euros (com IVA) em sete anos.
Uma das piscinas da Quinta da Fonte Santa. / Foto: D.R.
Quanto à limpeza do espaço, tem um encargo de 1.724.460 euros (com IVA) nos próximos cinco anos, segundo o contrato assinado pelo Banco de Portugal no início de Dezembro do ano passado.
De resto, com a excepção dos contratos referentes aos encargos com a quinta, pouca informação pública se encontra sobre a propriedade, designadamente no site e relatórios do Banco de Portugal.
A informação mais completa foi divulgada num comunicado que o Banco de Portugal emitiu em 2012 com um esclarecimento. Nesse comunicado, a instituição indicou que “a Quinta da Fonte Santa é património do Banco de Portugal desde 1989” e que “a aquisição do imóvel resultou de um processo de dação em pagamento de dívidas ao banco”.
As duas piscinas foram ‘herdadas’, mas já registaram algumas remodelações ao longo do ano. Uma piscina de 25 metros de comprimento por 13 metros de largura não é para todas as ‘bolsas’: pode atingir um custo mínimo de 1,3 milhões de euros, com custos de manutenção anual acima de 50 mil euros.
Vista aérea da Quinta da Fonte Santa. / Foto: Captura de imagem do Google Maps
Ainda de acordo com o comunicado, “o banco aproveitou este activo como centro de formação e espaço institucional para a realização de reuniões de trabalho”. Também explicou que, “dada a sua implantação e características de origem, a Quinta da Fonte Santa serve igualmente para a promoção de diversas actividades de natureza social, cultural e desportiva, destinadas aos colaboradores e reformados do banco e eventuais convidados”, estando “aberta a iniciativas da comunidade local, acolhendo periodicamente actividades de escolas e associações”.
Uma certeza existe agora: com este contrato que o Banco de Portugal vai adjudicar em breve, as águas das duas piscinas da sua quinta de luxo estarão garantidamente mais limpas para o bem-estar dos seus funcionários e convidados a desfrutar das várias actividades lúdicas disponíveis na propriedade.
1) Onde e como falhou o sistema? A ruptura do cabo ocorreu dentro do destorcedor do trambolho superior da cabina 1, a poucos centímetros da pinha (soquete) de amarração. A análise macroscópica realizada pelo GPIAAF mostra roturas progressivas dos arames (degrau a degrau, ao longo do tempo). Após a libertação, formou-se a meio do traçado um laço no sentido de torção — assinatura típica de rotação acumulada. Este ponto de ruptura não era visível numa inspeção convencional sem desmontar o destorcedor.
2) Que cabo estava montado? O cabo era um 6x36WS-FC, grau 1960, 32 mm, torção Lang direita (zZ), com alma de fibra sintética. Entrara em serviço a 1 de Outubro de 2024; à data do acidente tinha 337 dias. Embora a sua carga mínima de rupttura (662 kN) fosse “largamente suficiente” para a carga do sistema, não estava conforme com a especificação interna da Carris para o Ascensor da Glória e, mais grave, o certificado do fabricante proibia o uso com destorcedor — exatamente o que existe no Glória.
3) Porquê a incompatibilidade com destorcedor? A norma EN 12385-3 classifica cabos que não são resistentes à rotação e não devem trabalhar com extremidades livres de girar (caso de destorcedores). O cabo 6x36WS-FC enquadra-se nesse grupo; o certificado entregue ao operador também o dizia. Nada disto foi considerado na recepção e aplicação do cabo.
4) A pinha (soquete): defeitos internos e método empírico. Radiografias às duas pinhas do trambolho, realizadas pelo GPIAAF, onde a ruptura ocorreu detectaram zonas menos densas e vazios numa delas. A execução das pinhas seguia um processo empírico histórico, registado num “caderno antigo” da Carris fora do sistema documental, sem norma interna específica para preparação do cabo, composição da liga, ensaios ou critérios de aceitação. O procedimento não cumpria os preceitos das normas EN 12927 (instalações por cabo – requisitos de segurança) e EN 13411-4 (terminações metálicas/resina), que exigem preparação, qualificação e inspeções periódicas à zona da pinha.
5) Sequência operacional e falência da redundância. Após a ruptura do cabo no acidente do Elevador da Glória, a cabina 1 acelerou pela calçada; o guarda-freio actuou corretamente, mas os freios não imobilizaram o veículo. O primeiro embate, já com descarrilamento e tombamento parcial, deu-se entre 41 e 49 km/h, cerca de 20 segundos após o início de movimento. A cabina 2 recuou e ficou presa no limite inferior. O relatório descreve um sistema de frenagem cuja eficácia não estava assegurada para o cenário de falha de cabo, sem ensaios regulares para esse caso.
6) Manutenção, aceitação e qualidade. Existia um plano de manutenção, mas os registos nem sempre correspondiam ao executado. A MNTC actuava de facto como “mão de obra” sob orientação da Carris. Não houve ensaios/controlo após a execução das pinhas nem inspeções magneto-indutivas que cobrissem os últimos 2 metros junto às terminações. Em 2024–25 ocorreram ainda dois incidentes (colisão da cabina 1 nas escadas e embate com veículo de manutenção) que solicitaram anormalmente o cabo e as fixações.
7) Compras e especificação do cabo: o desvio de 2022. A investigação do GPIAAF documenta como, numa consulta lançada para o Elevador de Santa Justa, foram adicionados os artigos do Glória/Lavra e acabou contratualizado (e depois rececionado e aceite) um tipo de cabo divergente da especificação interna da Carris para o Elevador da Glória (que pedia 6x19S-IWRC gr1770, admitindo 6x19S-FC gr1770 como alternativa). Desde Dezembro de 2022 passou a ser usado no Glória o cabo 6x36WS-FC gr1960 zZ, não conforme com a especificação. O primeiro desses cabos durou 601 dias sem incidentes registados; o segundo foi o do acidente.
8) Enquadramento legal e supervisão pública. O relatório do GPIAAF reconstrói a “zona cinzenta” jurídica que deixou os Elevadores da Glória e Lavra fora da supervisão regular do IMT/ANSF, ao contrário da Bica e de Santa Justa. Mas afirma explicitamente que nada impedia a aplicação adaptada de regras e supervisão efetiva — por iniciativa do operador ou do IMT — e recomenda agora um quadro legislativo que cubra todos os funiculares e sistemas assimiláveis.
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Onde a nossa investigação bateu certo — e cedo
O Relatório Preliminar do GPIAAF hoje conhecido confirma, com linguagem pericial, o essencial do que o PÁGINA UM apurou e publicou entre 5 e 27 de setembro. Abaixo confrontamos, ponto por ponto, as constatações oficiais com as nossas peças — com títulos e datas — mostrando como o jornalismo independente chegou primeiro aos nós críticos desta tragédia.
1) O ponto de falha estava “escondido” — e nós avisámos
O GPIAAF localiza a ruptura dentro do destorcedor, a poucos centímetros da pinha/soquete, com rupturas progressivas e formação de laço por rotação acumulada — um local invisível numa inspeção visual sem desmontar. Já a 27/09/2025, explicámos que a questão decisiva não era “partir como corda velha”, mas ceder na união cabo–soquete, um ponto que exige processos e ensaios formais de selagem, e não meras rotinas visuais.
2) O cabo aplicado desde 2022 era de alma de fibra — e isso importa na amarração
O relatório descreve umcabo 6x36WS-FC, grau 1960, 32 mm, torção Lang (zZ), colocado 01/10/2024, com 337 dias de serviço — não conforme com a especificação da Carris e vedado pelo próprio certificado a uso com destorcedor. Em 22/09/2025, mostrámos a viragem de 2022 de IWRC (alma de aço) para CF (alma de fibra), e revelámos as facturas, e a poupança de 43%, sublinhando que o risco não estava na carga mínima de ruptura (CRM) nominal, mas no comportamento em serviço na amarração. Em 25/09/2025, detalhámos por que a CF é mais vulnerável à compactação e à perda de eficácia no soquete.
3) Incompatibilidade cabo–destorcedor-soquet: a regra técnica que foi ignorada
O relatório preliminar do GPIAAF regista que o próprio certificado do cabo proibia o trabalho com extremidade livre para girar (destorcedor), pelo facto de o cabo não ser resistente à rotação — justamente o caso do 6x36WS-FC. Na nossa leitura técnica (27/09/2025) já alertávamos para a eventual não conformidade normativa das terminações e da compatibilidade geometria–material, por serem determinantes na segurança.
4) Pinha executada por “método empírico” e sem ensaios — aquilo que denunciámos
Radiografias revelaram vazios internos numa das pinhas e um procedimento transmitido por “caderno antigo” da Carris, sem norma, sem ensaios e sem critérios de aceitação. A 27/09/2025 já escrevêramos que a selagem não é artesanato: exige materiais, provas de carga e qualificação em linha com as normas europeias de segurança. A ausência destes controlos deixava o sistema exposto.
5) Falhou a redundância: travões que não param sem o cabo
O guarda-freio (que morreu no acidente) actuou, mas os travões não imobilizaram a cabina; o primeiro embate deu-se entre 41–49 km/h, cerca de 20 segundos após a rutura do cabo. Nunca se ensaiou o cenário de falha de cabo. Em 05/09/2025, denunciámos a “inspeção por olhómetro” feita sem parar o equipamento (tempo real de paragem: 00:00:00), sem testes funcionais sob carga; e em 06/09/2025 provámos que o caderno de encargos nem exigia ensaios mecânicos ou não destrutivos ao cabo. Revelámos também em 13/09/2025 que, ao contrário do que sucedia na Carris, a manutenção no Porto, feita para os eléctricos dos STCP também pela MNTC, eram muitíssimo mais exigentes.
6) Manutenção e aceitação: registos formais ≠ trabalho real
O GPIAAF aponta registos que não batiam com as tarefas, formação sobretudo on-the-job, ausência de ensaios após execução das pinhas e inspeções magneto-indutivas que não cobriam os últimos 2 metros junto à terminação; documenta ainda incidentes em 2024–25 que solicitaram cabo e fixações. A 08/09/2025, revelámos a opacidade documental (sem relatório de instalação de 2024, sem prova de qualificações) e exigimos traçabilidade técnica e ensaios de aceitação. Em 06/09/2025, expusemos o modelo de manutenção reduzido a checklists visuais e a ausência de prescrições técnicas para desmontagens/medições/ensaios.
7) Compras e especificação: o pivot de 2022 ficou provado
O GPIAAF reconstruiu o processo que levou à escolha, para o elevador da Glória, de um cabo de alma de fibra em 2022. Em 22/09/2025, já tínhamos ligado os pontos: 2020 (cabos IWRC com certificação EN 12385-8) vs 2022 (CF), com uma poupança de 43% no preço e dúvidas de certificação — uma poupança ilusória com custos de segurança. Em 25/09/2025, identificámos a decisão de topo (de Tiago Lopes Faria, então presidente da Carris e professor do Instituto Superior Técnico) em 2022 e a ausência de ensaios/pareceres prévios à mudança.
8) Enquadramento legal e supervisão: a “zona cinzenta” não desculpa ninguém
O relatório do GPIAAF explica por que os elevadores da Glória e Lavra ficaram fora da supervisão regular do Instituto da Mobilidade e dos Transportes Terrestres (IMT), mas acrescenta que nada impedia regras e supervisão adaptadas. Em 11/09/2025, demonstrámos que a substituição do cabo é alteração significativa: exige projecto, plano de ensaios, análise de segurança independente e autorização prévia do IMT, além de documentação e inspeções periódicas.
9) Quem tinha a incumbência de trocar o cabo — e quem o fez
Revelámos em 08/09/2025 que a substituição do cabo era incumbência contratual da MNTC, sem prova pública de que a equipa tivesse as certificações exigidas. A Carris nunca respondeu e confirmou-se agora que foram técnicos da empresa municipal que procederam á substituição sem garantias de cumprimento das normas.
Linha do tempo das nossas publicações (antes do relatório)
O relatório preliminar corrobora o núcleo das nossas revelações: cabo errado e não conforme, incompatível com destorcedor e aplicação no soquete; falha na terminação com método empírico; manutenção/aceitação deficitárias; e supervisão pública omissa onde devia existir. A diferença é que hoje tudo isso vem escrito na gramática da peritagem. O jornalismo do PÁGINA UM chegou lá antes, e continuará acompanhar este caso para que o acidente da Glória modifique práticas e responsabilidades.
Para uma instituição que se quer sóbria, polémicas não têm faltado ao Banco de Portugal, a começar pelo seu governador até há pouco tempo, Mário Centeno. Talvez por isso, a instituição agora liderada por Álvaro Santos Pereira mantenha-se preocupada com a sua reputação e tenha seguido uma ideia herdada do seu antecessor: fazer um barómetro de reputação.
Assim, dois dias após a substituição de Centeno por Santos Pereira, o banco confirmou a contratação de uma empresa de sondagens para perguntar aos portugueses o que pensam da instituição. Na verdade, o que os portugueses acharem é irrelevante: a acção do Banco de Portugal no quotidiano é praticamente nula, limitando-se à supervisão das instituições financeiras e à execução das directivas do Banco Central Europeu.
Mário Centeno terminou oficialmente o seu mandato como governador do Banco de Portugal no dia 19 de Julho mas manteve-se no cargo até à nomeação do seu sucessor. Foi substituído pelo antigo ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, cujo mandato como governador teve início no dia 6 de Outubro. / Foto: D.R.
Certo é que a decisão de avançar com a despesa foi tomada pela direcção do Departamento de Logística e Instalações do Banco de Portugal no passado dia 20 de Julho, em pleno fim oficial do mandato de Centeno, mas o contrato foi celebrado dois dias após a tomada de posse de Santos Pereira, no dia 8 deste mês. A empresa escolhida, após um procedimento de consulta prévia, acabou foi a Marktest que receberá 73.099 euros, com IVA incluído, para elaborar e conduzir um estudo de mercado durante três anos, embora possa ser revogado a cada ano.
Segundo o caderno de encargos do procedimento, consultado pelo PÁGINA UM, “o Banco de Portugal, com a elaboração de um Barómetro Anual da sua reputação, pretende monitorizar o nível de conhecimento e de confiança da sociedade sobre a sua missão e actividades e adaptar as suas estratégias de comunicação de forma mais eficiente”.
No entanto, ainda não estão definidas as questões a colocar — estimadas em cerca de três dezenas — nem o número total de pessoas a inquirir. Em todo o caso, um estudo desta natureza, para ter credibilidade estatística representativa da população adulta portuguesa (cerca de 8,2 milhões de pessoas), deve incluir pelo menos 600 entrevistas, o que corresponde a um erro amostral próximo de ±4%. Para uma amostra de 1.000 inquiridos, o erro desce para cerca de ±3%, garantindo maior robustez. Em termos de custos, cada inquérito telefónico ronda entre 15 e 25 euros, dependendo da complexidade e duração, o que colocaria o valor total do estudo entre 9.000 e 25.000 euros.
Álvaro Santos Pereira, governador do Banco de Portugal desde 6 de Outubro.
Assim, face ao custo envolvido, é mais provável que seja escolhida uma amostra de cerca de 600 inquiridos, o mínimo necessário para garantir validade estatística, permitindo à empresa contratada maximizar a margem de lucro sem comprometer formalmente a credibilidade do estudo.
A decisão deste barómetro surge ainda para cumprir uma meta do Banco de Portugal, que definiu, no seu plano estratégico para 2021-2025, como um dos objetivos aumentar a proximidade e a confiança junto da sociedade”.
E bem que precisa. Têm sido várias as polémicas em torno da instituição, no passado mais distante e no mais recente. Basta lembrar que, apesar de toda a supervisão, grandes bancos colapsaram, com destaque para o BES, em 2014, com as decisões do Banco de Portugal a deixar um conjunto de investidores lesados. Depois, os gastos e alguns luxos, designadamente com salários, contratações e promoções, têm deixado marcas reputacionais negativas.
Foto: D.R.
A somar, mais recentemente, há a polémica em torno da nova sede do Banco de Portugal, na zona de Entrecampo, envolvendo os terrenos da Fidelidade, agora com capitis chineses, que já é vista como um elefante branco. Acrescem todas as polémicas em torno de Mário Centeno, que até na saída do cargo de governador foi motivo de notícia devido ao conteúdo da mensagem que enviou aos trabalhadores da instituição, com um tom que alguns viram como narcísico.
Agora, o Banco de Portugal contratou a Marktest para aferir “do conhecimento e confiança” que “a sociedade portuguesa adulta” tem desta instituição cada vez mais distantes dos portugueses..
O contrato está dividido em três fases operacionais que incluem ao desenho, implementação e apresentação do estudo. Assim, “no prazo máximo de uma semana após a outorga do contrato ou em data posterior se o Banco de Portugal assim o indicar, deverá ser realizada uma reunião de kick-off entre as partes para a preparação do plano detalhado dos trabalhos a executar, a identificação de factores críticos de sucesso e riscos do estudo”.
O Banco de Portugal fechou acordo com a Fidelidade para construir um novo edifício num terreno (na foto) onde antes se situava a Feira Popular, junto a Entrecampos, Lisboa. Foto: PÁGINA UM
Adivinha-se uma tarefa espinhosa para a Marktest e o Banco de Portugal. Por um lado, o banco quer ouvir os portugueses, por outro não quererá publicar um barómetro de reputação negativo. A chave estará nas questões a colocar aos portugueses que, certamente, não irão incluir perguntas sobre o que pensam da luxuosa Quinta da Fonte Santa, que exige uma manutenção milionária, ou o valor total pago pelo Banco de Portugal com mudanças, instalações temporárias (com tapumes em obras nunca iniciadas) e a construção na nova sede.
Porém, a instituição agora liderada por Santos Pereira tem a ‘faca e o queijo na mão’: o caderno de encargos do contrato destaca explicitamente que, se houver alguma coisa que esteja ‘incorrecta’ no relatório final, a Marktest terá de “garantir a realização de todas as correcções e/ou propostas de melhoria, à sua custa, solicitadas pelo Banco de Portugal, e disponibilizar uma nova versão actualizada”.
A Justiça administrativa em Portugal pode ler lenta, com processos a desenrolar-se por anos, e inacessível a muitos, já que as custas são proibitivas, mas não se pode acusá-la de retrógrada: o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) prepara-se para lançar um canal de televisão em regime de streaming com conteúdos jurídicos – e esta até poderá acessível aos cidadãos comuns, pagando uma subscrição. Não se sabe é se o valor será indexado à famosa Unidade de Conta (UC).
O lançamento do canal JAF TV, que tem estreia marcada para o segundo semestre de 2026 será financiado com verbas retiradas de um projecto de digitalização do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). O CSTAF tem disponíveis, por agora, 422,8 mil euros de um ‘bolo’ de 950 mil euros que recebeu para “a melhoria das condições de contexto de funcionamento do sistema de Justiça da República Portuguesa, nas vertentes legal, procedimental, de gestão do conhecimento e do paradigma tecnológico”.
Foto: D.R.
Em concreto, o projecto não fala especificamente num canal televisivo, mas sim em investimentos em plataformas digitais dos Tribunais Administrativos, incluindo a contratação de recursos tecnológicos, hardware e software. Grande parte dos investimentos (55,5% do total) deste financiamento global foi já gasto na aquisição de hardware e de software, incluindo de inteligência artificial.
Não se pense que este canal servirá para a transmissão de actos processuais como já sucede com o Tribunal de Justiça da União Europeia, até porque são raras as audiências nos tribunais administrativos, que funcionavam à base de requerimentos e despachos escritos. Na verdade, a JAF TV serve para auxiliar na formação certificada especializada dos magistrados da jurisdição administrativa e fiscal, disponibilizando essa formação a quem, na área do direito, tenha interesse em pagar o acesso. Mas também terá uma componente mais aberta, prevendo-se quatro rubricas e ainda um podcast mensal.
A ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, e o juiz conselheiro Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia, que tomou posse como presidente do CSTAF em Outubro de 2024. / Foto: D.R.
Já desde sexta-feira que o PÁGINA UM preparava uma notícia sobre o lançamento deste canal e enviou questões ao CSTAF, designadamente sobre como será financiado o canal, tendo-nos sido enviadas respostas na segunda-feira. Mas só ontem, após novo contacto telefónico, recebemos a resposta final sobre a origem concreta do financiamento. Em paralelo, sem nada indicar no contacto telefónico feito com o PÁGINA UM, o CSTAF emitiu um comunicado público para anunciar o lançamento do canal, antecipando-se à notícia do PÁGINA UM.
Antes, nas respostas escritas enviadas ao nosso jornal, o CSTAF esclareceu que as entidades cofundadoras da JAF TV “serão estabelecimentos de ensino superior, instituições públicas e associações de magistrados que acrescentarão qualidade à componente formativa do canal”, disse fonte oficial do CSTAF em resposta a perguntas do PÁGINA UM. Mas poderão alugar por um valor simbólico, a determinar, “os meios tecnológicos e humanos da JAF TV para a realização e transmissão de eventos próprios que se alinhem com a missão do canal”.
Também não são ainda conhecidos os preços de subscrição da JAF TV, os quais “estão a ser definidos de acordo com o estudo económico financeiro que está a ser elaborado para o canal”. Mas é certo que “qualquer interessado, seja individualmente ou através de uma pessoa coletiva, pública ou privada, pode subscrever e aceder aos conteúdos do canal JAF TV”.
O que se sabe é que o canal de TV vai ter um “serviço por assinatura” que “consiste no pagamento de uma quantia periódica – mensal, trimestral ou anual – que confere ao utilizador acesso ilimitado a todos os conteúdos da plataforma, incluindo seminários, congressos, ações de formação, entrevistas e podcasts, no período subscrito”. A criação desta “modalidade visa proporcionar uma receita previsível para o canal e incentivar o consumo contínuo de conteúdo por parte dos subscritores”.
Também vai disponibilizar o pagamento por conteúdo, que “permite ao utilizador pagar um valor único para aceder a um conteúdo singular e específico, como um seminário, um congresso ou um curso específico, sem a necessidade de uma assinatura contínua”.
A JAF TV terá descontos para entidades parceiras cofundadoras, as quais “beneficiam de um desconto automático de 35 % em todos os serviços e de condições especiais para a utilização do canal para os seus próprios eventos”. Também “serão estabelecidos descontos de 25 % para estudantes de direito, mestrado ou doutoramento, mediante comprovativo de inscrição”.
(Da esquerda para a direita) O presidente do STA e do CSTAF, juiz conselheiro Jorge Aragão Seia, a ministra da Justiça, Rita Alarcão Júdice, o secretário de Estado-Adjunto e da Justiça, Gonçalo Cunha Pires, e a juíza-secretária, juíza desembargadora Eliana Almeida Pinto, a qual vai liderar o novo canal JAF TV. / Foto: D.R.
O canal será dirigido pela juíza-secretária do CSTAF, a juíza desembargadora Eliana Almeida Pinto, que assumirá a função de diretora-geral, a quem caberá definir “a estratégia editorial e institucional do canal”, com a supervisão do presidente do CSTAF.
A criação de um canal de streaming não foi a única mudança recente aprovada pelo CSTAF. Na mesma sessão em que foi aprovada a criação da JAF TV foi também aprovada a criação de um Gabinete de Relações Internacionais, um Gabinete de estudos e um Gabinete de apoio ao presidente do CSTAF e juiz-secretário.
Apesar de três mensagens de correio electrónico enviadas pelo PÁGINA UM desde quarta-feira terem sido confirmadas como recebidas pelos serviços da CNE, não houve qualquer resposta deste organismo independente quanto à legalidade e oportunidade da iniciativa. A menos de um dia das eleições, o silêncio da entidade fiscalizadora deixa sem escrutínio um modelo inédito — e potencialmente perigoso — de “debates patrocinados” em plena campanha. E abre portas, no futuro, para ‘modalidades’ ainda mais promíscuas e desviantes.
Como o PÁGINA UM revelou, o JN introduziu nesta campanha uma “inovação”: debates financiados por um terceiro, que assume a definição dos temas a discutir. No caso, a OERN celebrou mesmo um contrato público para estabelecer as condições dos debates, tendo estes se centrado em exclusivo nos temas da “habitação” e “mobilidade”. A cláusula contratual, firmada entre a OERN e a Notícias Ilimitadas (proprietária do JN), limitou convites a forças com representação nas Assembleias Municipais, provocando exclusões em todos os concelhos abrangidos.
No Porto, por exemplo, apenas 8 das 12 candidaturas estiveram no palco; em Braga, participaram 7 de 10; em Viana do Castelo a CDU ficou de fora; em Bragança subiram ao debate 4 de 7 listas. Para além de condicionar temas e formato, o financiador viu ainda assegurada visibilidade institucional: o presidente da OERN, Bento Aires, foi o centro das atenções, sendo até fotografado no meio dos candidatos.
O carácter polémico destes debates patrocinados decorre de três planos. Primeiro, a natureza da OERN: sendo uma associação pública profissional que exerce poderes públicos (inscrição, disciplina, regulação profissional), está sujeita a legalidade, imparcialidade, prossecução do interesse público e neutralidade institucional. Financiar debates com candidatos, em período eleitoral, pode colidir com a neutralidade e condicionar o pluralismo.
Segundo, a parceria com um órgão de comunicação social, remunerada e com temas predeterminados, fere a necessária separação entre jornalismo e patrocínio, agravada pelo facto de o conteúdo ter sido divulgado em formato informativo e moderado por um ex-jornalista com funções comerciais, o que suscita dúvidas de incompatibilidade ética e autonomia editorial. Terceiro, as exclusões de candidaturas legalmente admitidas afectam a igualdade de oportunidades entre concorrentes, princípio basilar da disputa eleitoral.
Debate eleitoral no Porto dinamizado pelo Jornal de Notícias e pago pela Ordem dos Engenheiros. Presidente da secção regional do Norte, Bento Aires, teve direito a foto de conjunto no meio dos candidatos.
Questionado pelo PÁGINA UM, Bento Aires, líder da OERN, justificou por escrito que “a Engenharia está envolvida no desenvolvimento das autarquias em diferentes dimensões”, garantindo, contra o que resulta do contrato, que “todos os candidatos (…) foram convidados”. E assegurou que os debates decorreram “com total imparcialidade e isenção”. Porém, nem nos vídeos alojados nas páginas do JN e da OERN, nem nas peças de enquadramento, é referida a existência de patrocínio remunerado nem a interferência do financiador na escolha de temas. Esse défice de transparência é grave em qualquer circunstância; em campanha, é inaceitável.
Perante este quadro, qual deveria ser o papel da CNE? De acordo com as suas competências, esta Comissão tem o dever de zelar pela regularidade dos actos eleitorais, assegurar a igualdade de tratamento das candidaturas e vigiar a neutralidade das entidades públicas, emitindo recomendações e deliberações quando detecta riscos para a liberdade de voto, a isenção informativa e a equidade. Pode ainda instar correcções imediatas e encaminhar ocorrências para a competente actuação contra-ordenacional quando aplicável.
Num contexto em que uma entidade do sector público financia debates e define regras de participação e temas, esperar-se-ia, no mínimo, um esclarecimento célere sobre se é compatível com a lei eleitoral e com os princípios de neutralidade e igualdade que um patrocinador externo seleccione temas e, por via contratual, condicione quem pode ou não subir ao palco.
Debate eleitoral em Braga pago pela Ordem dos Engenheiros.
A urgência de uma posição não é meramente formal. O precedente criado pela OERN e pelo JN abre a porta a que, no futuro, associações empresariais, ordens públicas, fundações ou grupos sectoriais ditem, mediante pagamento, as agendas de debate e o perímetro dos convidados em plena campanha. Se hoje foram “habitação” e “mobilidade”, amanhã poderão ser interesses agrícolas, energéticos, imobiliários ou securitários, com o risco de privatizar a agenda pública e moldar a cobertura informativa segundo quem paga. O mercado dos debates substitui a mediação editorial e o interesse público por contratos comerciais, dissolvendo a fronteira entre informação e publicidade em matéria eminentemente política.
Recorde-se que, além das exclusões, houve ganhos de imagem para o financiador: a marca da OERN esteve permanentemente associada aos debates, e o seu presidente apareceu em destaque ao lado dos candidatos. Os encontros foram moderados por um quadro comercial do grupo de media, circunstância que aumenta a percepção de promiscuidade entre áreas comerciais e conteúdos editoriais. Tudo isto, em período de campanha, quando a legislação e as boas práticas impõem especial rigor.
N.D. (15/10/2025) O PÁGINA UM escreveu inicialmente que o actual presidente da CNE era o juiz conselheiro Santos Cabral, antigo director nacional da Polícia Judiciária. Essa informação constava no site da CNE à data da publicação. O PÁGINA UM foi alertado por Santos Cabral informando que já cessara funções em 21 de Julho. Contactado o CNE sobre essa situação, André Wemans, porta-voz desta entidade, esclareceu hoje que “que detetado ontem que uma outra página (constante de um submenu designado “História”) não continha a data de fim de mandato do anterior Presidente da CNE – 18.ª CNE – a mesma foi completada com essa data e aditado o espaço do atual Presidente em funções”. Informou também que “relativamente ao V/ pedido sobre os debates, informo que o mesmo se encontra pendente para informação dos Serviços, com vista a submeter à Comissão.”
Embora por um erro de uma entidade (que deveria ter a informação actualizada), o PÁGINA UM lamenta a informação inicialmente transmitida e pede desculpas ao juiz conselheiro Santos Cabral pela referência na notícia original, entretanto corrigida neste aspecto, que não altera a substância.
Se dantes o ano autárquico era o calendário das inaugurações — a rotunda pintada, o jardim rematado, a piscina municipal com fita para cortar —, em 2025 a música tomou de assalto a praxe. Às vésperas do voto deste domingo, 12 de Outubro, uma boa parte das câmaras e juntas de freguesia abriu os cordões à bolsa para contratar artistas “a rodos”, sob o pretexto das festas populares e de uma programação “gratuita” que, como sempre, sai do dinheiro público.
Nunca antes — e muito menos em 2021, quando a pandemia tolheu agendas — se assistiu a tal euforia de espectáculos suportados por contratos públicos.
Em ano de autárquicas, em pouco mais de nove meses, Tony Carreira triplicou a sua receita em comparação com todo o ano de 2024.
O PÁGINA UM analisou os contratos publicados no Portal BASE até 10 de Outubro, incluindo ajustes directos e concursos para “animação” cultural, considerando os valores sem IVA e, quando o contrato abrangeu vários artistas no mesmo cartaz, atribuindo ao cabeça-de-cartaz o valor médio por actuação em 2025. E encontrou o top 20, por coincidência aqueles que facturaram, este ano, mais de 200 mil euros.
E, em vez de começarmos de baixo para cima, vamos mesmo para o vencedor do ‘arraial autárquico’: Tony Carreira é o campeão do ano. Trinta concertos contratados por entidades públicas somam 1.332.203 euros, pulverizando as marcas recentes do próprio artista nos anos anteriores: em 2023, tinha facturado 492.050 euros por 13 actuações; no ano passado, 426.901 euros por 11. Além do volume, subiu o cachet médio, que este ano ronda os 44.407 euros por espectáculo (face a cerca de 37.850 em 2023 e 38.809 em 2024).
Ou seja, Tony Carreira praticamente triplicou a sua facturação, e ainda faltam quase três meses e a Passagem de Ano que sempre dá para encaixar ainda mais do que o cachet habitual.
Os Calema estão perto de destronar Tony Carreira na preferência dos autarcas.
A perseguição ao trono está perto e só surpreende quem não percorre a ‘moda musical: dupla são-tomense Calema, que se tornou coqueluche do circuito municipal com pop lusófona de acento dançável, contabiliza 25 concertos este ano, tendo já facturado, segundo as contas do PÁGINA UM, cerca de 1,24 milhões de euros, um cachet médio próximo dos 50 mil euros por concerto. Logo depois surgem os Xutos & Pontapés – decanos do rock português, que assinaram 23 actuações por ajuste directo de autarquias, totalizando 1.125.635 euros, quase tanto quanto os Calema em média por concerto) – e Pedro Abrunhosa, com a sua pop-rock de sala cheia, a igualar o patamar de 30 espectáculos, com os quais facturou um pouco mais de 1,1 milhões de euros, com um cachet médio próximo dos 37 mil euros.
Estes quatro são os únicos que superaram já a fasquia de um milhão de euros de concertos pagos pelos contribuientes, mas Nininho Vaz Maia — pop de pulsação latina e raízes ciganas — está próximo desses valores. Para já, o ano de 2025 está a correr-lhe de feição em termos de contratos públicos: já contabiliza 22 concertos e uma facturação de 845.174 euros, com um crescimento de 63% face ao ano passado, onde registou 518.191 euros por 12 actuações). Comparando com 2023, quando surgiu em força, a facturação mais do que triplicou e o cachet médio passou de 22 mil euros para 38 mil euros por espectáculo.
O mapa dos mais contratados pelas autarquias completa-se com nomes que dispensam apresentações e cobrem quase todo o espectro da música popular e da canção de autor.
Xutos & Pontapés continuam a fazer ‘casinhas’ magníficas para os autarcas que os contratam.
Na faixa acima do meio milhão de euros estão os Quatro e Meia – o sexteto de antigos estudantes de Coimbra, dos quais três são médicos – registam, neste ano de eleições autárquicas, 15 concertos e 569.086 euros, com um cachet médio de 38 mil euros euros por noite; António Zambujo – um dos mais conhecidos fadistas contemporâneos – que soma 18 espectáculos por 553.307 euros, com o cachet médio a rondar os 31 mil euros); o histórico Rui Veloso com 13 espectáculos e uma facturação de 538.778 euros, onde se destaca o concerto nas escadarias da Assembleia da República; a fadista Mariza que marca este ano em solo lusitano um total de 11 concertos por 514.645 euros, com um cachet médio a rondar os 47 mil euros); e ainda o cantor pop Fernando Daniel que se apresentou em 22 concertos com uma facturação total de 510.686 euros, sendo que, do top 10, é aquele que exige um cachet mais baixo: cerca de 23 mil euros por espectáculo.
Na segunda metade do top 20, estão cantores e músicos de várias gerações. O 11.ª posição é ocupada por Diogo Piçarra que, por 16 concertos ‘públicos’ facturou 437.584 euros, estando com um cachet próximo dos 27 mil euros, seguindo-se Carolina Deslandes (16 concertos e 385.742 euros), Bárbara Tinoco 15 concertos e 328.314 euros).
Abaixo dos 300 mil euros surgem Miguel Araújo (13 concertos e 287.588 euros), Carminho (12 concertos e 256.300 euros, incluindo um espectáculo em Osaka pago pelo Turismo de Portugal), Bárbara Bandeira (10 concertos e 254.000 euros), Marisa Liz (15 concertos e 227.252 euros), Toy (17 concertos e 216.233 euros), Jorge Palma (14 concertos e 213.420 euros) e, fechando a lista do top 20, José Cid, que aos 83 anos está para dar e durar: este ano já fez 11 concertos e facturou 200.860 euros.
Top 20 dos grupos e cantores por valor contratualizado este ano até 10 de Outubro (contratos publicados). Fonte: Portal Base. Analise: PÁGINA UM.
De fora do top 20, estão outras ‘estrelas’ próximas da fasquia dos 200 mil, como são os casos de Camané (15 concertos e 169.975 euros) e Cuca Roseta (12 concertos e 176.130 euros).
Comparado com 2021, ano em que o rasto da pandemia ainda impôs cancelamentos e apertos orçamentais, 2025 é assim um desvario programático. Muitos eventos foram apregoados como “gratuitos” para as populações, mas, como sempre, os custos são socializados. Somente os 20 mais activos contabilizam um total de 11,15 milhões de euros. Se incluir IVA, ultrapassa-se os 13,7 milhões de euros. Todos os portugueses pagaram e só alguns assistiram, mas muitos autarcas beneficiaram deste ‘feito’, com dinheiros públicos.
N.D. (15/10/2025) Foi feita uma correcção na lista inicialmente divulgada, que continha a Marisa Liz duplicada no top 20. No caso desta cantora, surgem contratos com o nome Mariza Liz e outros com Marisa Liz. Deste modo, o top 20 fecha com José Cid.
As eleições autárquicas realizam-se no próximo Domingo, mas há autarcas que nem esperam pelos resultados eleitorais para fechar contratos chorudos. Foi o que fez Isaltino Morais, edil de Oeiras, que a poucos dias de ir a votos, garantiu a entrega de 174 mil euros a uma empresa para prestar serviços de assessoria de comunicação à autarquia de Oeiras durante um ano.
A escolhida foi a First Five Consulting (F5C), consultora de comunicação polémica gerida por João Tocha — socialista e maçom —, e que foi fundada por José Manuel Rodrigues, então advogado de André Figueiredo, chefe de gabinete do antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates. Este contrato, assinado esta quinta-feira, com o município de Oeiras é o maior de sempre celebrado pela F5C com entidades públicas.
Foto: D.R.
Recorde-se que João Tocha é um dos principais visados num caso em que a Polícia Judiciária investiga suspeitas de concertação de preços e corrupção em concursos públicos de serviços de assessoria de comunicação, segundo noticiou o Observador em Julho de 2024. Um outro empresário investigado foi Luís Bernardo, dono da empresa Wonderlevel Partners (WLP). Em Julho, os empresários e autarquia do Barreiro foram alvo de novas buscas pela Polícia Judiciária no âmbito da Operação Concerto.
Em Julho do ano passado, uma investigação do PÁGINA UM aos contratos públicos de comunicação revelou que, desde 2008, a F5C tinha celebrado 131 contratos públicos no valor total de 4,96 milhões de euros, estando na segunda posição, atrás da LPM (120 contratos de 6,24 milhões de euros). Na terceira posição estava a F5C com 101 contratos no valor global de 3,9 milhões de euros. Meses mais tarde, em Março deste ano, o Expresso e a SIC contabilizara os contratos apenas associados com autarquias, concluindo que a F5C e a WLP conseguiram perto de metade do total.
A única outra empresa que concorreu a este concurso foi a Plot e Print – Publicidade e Design, com sede em Coimbra, uma sociedade por quotas gerida por António Luís da Conceição Ferreira Henriques. Esta empresa não tem, no seu objecto social, qualquer actividade relacionada com comunicação ou relações públicas.
João Tocha, gestor da F5C. / Foto: Captura de imagem a partir de vídeo do canal Now
O contrato tem como objecto a “aquisição de serviços especializados em consultoria de comunicação, assessoria de imprensa e marketing digital”, remetendo os detalhes para o caderno de encargos, o qual, como é habitual, não está disponível para consulta, contrariando as melhoras práticas de transparência na contratação pública.
Contudo, num dos anexos do programa do concurso, consultado pelo PÁGINA UM, são apontadas as especificidades técnicas dos serviços a contratar e inclui a “definição de estratégia e plano de comunicação, por forma a aumentar a notoriedade e a reputação positiva do município e do executivo municipal”.
A F5C também vai prestar “apoio na selecção e criação de conteúdos para suportes de contacto com os munícipes, nomeadamente: boletim municipal, folhetos, cartas do presidente aos munícipes”.
Câmara Municipal de Oeiras. / Foto: D.R.
Dois consultores seniores da F5C irão desempenhar funções nas instalações do município de Oeiras, a tempo inteiro, num contrato que corresponde a uma despesa mensal de 14.500 euros para o município. Ficarão “responsáveis pela consultadoria de comunicação e assessoria de imprensa e coordenação do núcleo de marketing digital, em articulação com o gabinete da presidência e com o gabinete de comunicação”.
Entre os serviços a prestar, estes dois consultores terão ainda de fazer a “antecipação, prevenção e gestão de crises” da autarquia.
Este contrato é 144º que a F5C ganha junto de entidades públicas, segundo dados do Portal Base. Ao todo, a empresa já facturou perto de 5,5 milhões de euros em contratos públicos, desde 2008. Somando o IVA, foram mais de 6,7 milhões de euros que entraram nos cofres da F5C em dinheiro dos contribuintes.
Contratos adjudicados pelo município de Oeiras à F5C publicados no Portal Base.
Este ano, a consultora ganhou oito contratos públicos, na maioria com autarquias ou entidades municipais, mas também um contrato com a Universidade Nova de Lisboa, no valor de 88.560 euros. Mas o contrato agora obtido com Isaltino Morais é o maior do ano e o maior de sempre.
No total, a F5C assinou já quatro contratos com o município de Oeiras. Em Março deste ano, ganhou um contrato por ajuste directo referente à “aquisição de serviços de branding – Oeiras Life Sciences Campus”, no valor de 14.760 euros. Antes, ganhou um contrato em 2021, no valor de 87.822 euros, através de um procedimento de consulta prévia, para prestar serviços de assessoria de comunicação. Em 2018, tinha ganho um contrato similar, de 88.560 euros, com a autarquia, através do modelo de ajuste directo.
O Jornal de Notícias introduziu nesta campanha eleitoral uma “inovação”: a realização de debates patrocinados, em que a entidade que paga assume a escolha dos temas a debater. Para agravar, a entidade pagadora foi a secção regional do Norte da Ordem dos Engenheiros (OERN), que está impedida de condicionar a campanha eleitoral por se enquadrar no sector público, uma vez que exerce funções atribuídas pelo Estado.
Apresentada como uma série de “debates com Engenharia”, promovida em conjunto pela OERN e pelo Jornal de Notícias — que publicou o conteúdo em formato informativo e com a participação de jornalistas, o que constitui uma incompatibilidade legal, já que estes não podem participar em eventos de índole comercial —, a iniciativa decorreu ao longo das últimas duas semanas, em plena campanha eleitoral. Realizaram-se quatro debates com candidatos às Câmaras Municipais do Porto, Braga, Viana do Castelo e Bragança, centrados sobretudo em dois temas escolhidos pela Ordem dos Engenheiros – Região Norte (OERN): habitação e mobilidade.
Debate eleitoral em Braga pago pela Ordem dos Engenheiros.
Para isso, a entidade liderada por Bento Aires dispôs-se a pagar quase 25 mil euros, com IVA, para ver – e ele aparecer – os candidatos a debaterem habitação e mobilidade. Presume-se que, se fosse a Confederação dos Agricultores de Portugal a financiar, poder-se-ia ter assistido a debates sobre a produção de couves de Bruxelas e de nabos. Ou, se o patrocínio viesse de uma coligação da Confraria da Alheira de Mirandela, da Confraria do Fumeiro, Salpicão e Linguiça de Vinhais e da Confraria do Bucho Raiano de Sabugal – que efectivamente existem – , talvez os candidatos discutissem o impacto dos enchidos no desenvolvimento regional. O Jornal de Notícias demonstra que tudo agora será possível se houver 25 mil euros.
De facto, segundo o contrato celebrado entre a OERN e a Notícias Ilimitadas, proprietária do Jornal de Notícias, as condições desta esdrúxula relação comercial com vista à realização de um debate político determinavam que seriam convidados apenas os representantes dos partidos com assento na Assembleia Municipal de cinco concelhos — sendo que o debate previsto para Vila Real acabou por não se realizar. Esta cláusula restringia o número de participantes, levando à exclusão de várias candidaturas legalmente registadas nas eleições autárquicas de 2025.
Assim, no Porto, onde existiam 12 candidaturas activas, apenas oito participaram no debate de 30 de Setembro. Ficaram de fora o Partido Liberal Social, o ADN, a CDU e o Partido Trabalhista Português. Em Braga, onde o debate se realizou no dia 1 de Outubro, estiveram presentes sete das dez listas concorrentes. Em Viana do Castelo, a CDU ficou igualmente excluída do debate de 29 de Setembro, e em Bragança, realizado no dia 25 de Setembro, participaram apenas quatro das sete candidaturas registadas.
Debate eleitoral no Porto dinamizado pelo Jornal de Notícias e pago pela Ordem dos Engenheiros. Presidente da secção regional do Norte, Bento Aires, teve direito a foto de conjunto no meio dos candidatos.
A própria OERN não escondeu as suas intenções nesta parceria: “colocar em evidência a influência da Engenharia e dos/as Engenheiros/as nas políticas locais e como as autarquias podem crescer e inovar quando a decisão é feita com Engenharia”. Contudo, em nenhum dos debates — disponíveis nos sites do jornal e da OERN — é feita qualquer referência a esta parceria ser remunerada, nem os diferentes candidatos terão sido informados de que a escolha dos temas resultou de um pagamento da Ordem dos Engenheiros ao Jornal de Notícias.
Este inédito (ou pelo menos até agora desconhecido) modelo de debates patrocinados levanta questões legais e éticas. A Ordem dos Engenheiros é uma associação pública profissional, mas com um enquadramento jurídico que a equipara às entidades públicas, razão pelo qual tem de cumprir as regras de contratação pública.
Uma vez que exerce “poderes públicos”, a Ordem dos Engenheiros está sujeita aos princípios da legalidade, imparcialidade e prossecução do interesse público, não podendo as suas actividades envolver interferência político-partidária nem favorecimento de interesses particulares, sendo obrigatória a neutralidade institucional. Assim, a celebração de um contrato comercial para promover debates políticos durante o período eleitoral pode violar estes princípios e colocar em causa a natureza pública e independente da instituição.
Com 25 mil euros, Bento Aires pôde brilhar junto dos candidatos autárquicos.
Por outro lado, a participação do Jornal de Notícias enquanto parceiro e beneficiário financeiro da iniciativa suscita dúvidas sobre a independência editorial e a necessária separação entre jornalismo e patrocínio institucional. O contrato previa que o jornal assegure a divulgação dos debates, seleccionando temas previamente acordados com a OERN, o que introduz uma clara condicionante à autonomia editorial. Os debates foram também moderados por um antigo jornalista, Paulo Ferreira, agora com funções de direcção-comercial. Paulo Ferreira é também investigador do Centro de Estudos de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, sendo assim colega da actual presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Helena Sousa. O regulador tem sido particularmente condescendente com a promiscuidades nos grupos de media,
Questionado pelo PÁGINA UM sobre a eventual ilegalidade do contrato e sobre as exclusões verificadas, o presidente do Conselho Directivo da Região Norte da Ordem dos Engenheiros, Bento Aires, respondeu apenas por escrito, dizendo que a realização dos debates se deveu ao facto de que “a Engenharia está envolvida no desenvolvimento das autarquias em diferentes dimensões, como habitação, mobilidade, segurança e planeamento”. Acrescentou, apesar de ser contrariado pelo próprio contrato assinado entre as partes, que “todos os candidatos a Presidente de Câmara Municipal foram convidados atempadamente, tendo comparecido os que aceitaram o convite”, assumindo ainda que “os debates decorreram com total imparcialidade e isenção, sendo um contributo cívico para aprofundar o debate público das temáticas referidas.”
O PÁGINA UM também contactou a Comissão Nacional de Eleições (CNE) para obter comentários sobre se a realização de debates patrocinados por entidades com funções públicas durante o período pré-eleitoral é compatível com a lei eleitoral, mas não obteve ainda resposta, embora o pedido tenha sido confirmado como recebido.
Além das dúvidas jurídicas, especialistas em ética dos media alertam que a introdução de debates patrocinados — onde o financiador define os temas e as regras de participação — compromete a independência jornalística e cria precedentes de condicionamento editorial por via contratual. Este caso ocorre num contexto em que a linha que separa jornalismo informativo e conteúdos pagos se tem tornado cada vez mais difusa, nomeadamente em iniciativas de branded content e “parcerias institucionais”.
Contudo, ao envolver debates entre candidatos em plena fase eleitoral, a iniciativa da OERN e do Jornal de Notícias ultrapassa o domínio publicitário e entra na esfera da comunicação política condicionada, levantando questões sérias de transparência, legalidade e equidade democrática.
Três concelhos alentejanos concentram o epicentro da dependência social em Portugal. Mourão, Monforte e Moura são os municípios que largamente sobressaem quando se observa o mapa de 2024 do Rendimento Social de Inserção (RSI) em função da população activa, ontem divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE).
A prestação social que deveria ser transitória mostra estar a enraizar-se em muitas regiões do país, constituindo uma espécie de indicador da pobreza estrutural portuguesa. Nestes três concelhos do Alentejo interior, de acordo com o INE, mais de 13% da população activa vive do RSI: 137,25 por mil em Mourão, 135,25 em Monforte e 133,66 em Moura. São valores mais de cinco vezes superiores à média nacional, que se situou no ano passado nos 24,22 por mil — ou seja, cerca de 2,4%.
O município da Ribeira Grande, nos Açores, com 100,29 beneficiários por mil habitantes activos — o equivalente a 10% da população — é o quarto concelho acima dos 10%, um número fortemente influenciado pela freguesia de Rabo de Peixe, símbolo histórico da exclusão social. No mesmo arquipélago, outros concelhos reforçam a gravidade da situação, ainda que com valores mais baixos: Nordeste (80,28), Povoação (77,56) e Santa Cruz da Graciosa (67,31). Estes dados evidenciam que, em várias ilhas açorianas, o RSI deixou de ser uma rede de segurança para se converter num pilar essencial da economia local.
Ainda acima dos 6% da população activa destacam-se Elvas (65,84), Idanha-a-Nova (63,98), Serpa (63,62), Vidigueira (62,68) e Avis (61,49). A lista mantém-se quase toda no sul do país, reforçando o peso estrutural do Alentejo como território mais dependente de prestações sociais. Só Moimenta da Beira (61,44) rompe o padrão, surgindo como o primeiro concelho fora do Alentejo e dos Açores a ultrapassar a barreira dos 6%. Logo depois aparecem Santa Marta de Penaguião (59,94), Figueira de Castelo Rodrigo (58,89), Peso da Régua (58,59) e Murça (58,18), todos no interior norte, na zona de Trás-os-Montes e Douro.
Mas a maior surpresa acaba por ser o peso do RSI na cidade do Porto. Segundo o INE, o rácio foi no ano passado de 58,04 por mil habitantes em idade activa — o equivalente a 5,8% da população —, o que significa que cerca de 6.400 pessoas beneficiaram desta prestação. Em números absolutos, este é o concelho do país com o maior número de beneficiários.
Mourão, no Alentejo, lidera a dependência social em Portugal: acompanhada de Monforte e Moura, têm um rácio de RSI em função da população activa mais de cinco vezes a média nacional.
Ponta Delgada (58,35) e Lagoa (54,50), nos Açores, e Campo Maior (53,69), Cuba (52,75), Reguengos de Monsaraz (51,48) e Beja (50,02), no Alentejo, fecham o grupo dos territórios onde mais de 5% da população activa depende do subsídio. O Baixo Alentejo, no seu conjunto, regista 52,79 beneficiários por mil habitantes activos — 5,3% da população —, ultrapassando mesmo a média dos Açores (49,07).
No plano regional, o contraste é evidente. A média nacional situa-se nos 24,22 por mil, o que significa que 2,4% da população activa portuguesa vive com o RSI. Acima deste valor encontram-se o Baixo Alentejo (52,79) e os Açores (49,07), mas também, com índices de apoio social bastante elevados, o Alto Alentejo (37,52), o Douro (37,26), a Península de Setúbal (31,62), a Área Metropolitana do Porto (31,61), as Terras de Trás-os-Montes (30,93) e o Alto Tâmega e Barroso (30,90). São, pois, regiões que ultrapassam os 3% da população activa dependente.
O padrão é claro: as áreas com menor diversificação económica e menor densidade populacional exibem rácios mais elevados, e as zonas industriais ou mais urbanizadas apenas escapam a esta regra quando enfrentam problemas estruturais de emprego e rendimentos baixos.
Porto é o município que, em termos absolutos, mais população activa beneficia de apoio social
No extremo oposto, há um outro país: um total de 38 concelhos contam com menos de 1% da população activa a receber RSI. A liderança positiva cabe a Vizela, onde apenas 0,47% da população é beneficiária — 4,71 por mil. Barcelos (5,23) e Esposende (5,86) seguem-se como os concelhos com maior autonomia social. O top 10 dos menos dependentes completa-se com Oliveira de Frades (6,72), Óbidos (7,00), Ponte de Lima (7,80), Sever do Vouga (7,31), São Roque do Pico (7,32), Vila Verde (7,51) e Mealhada (7,61). Todos apresentam uma economia mais diversificada, níveis de emprego estáveis e maior coesão social — factores que mitigam a necessidade de apoio público permanente.
Outros concelhos com valores inferiores a 1% incluem Oleiros, Melgaço, Arruda dos Vinhos, Mira, Arraiolos, Condeixa-a-Nova, Terras de Bouro, Vale de Cambra, Monção, Mafra, Póvoa de Lanhoso, Santiago do Cacém, Oliveira de Azeméis, Anadia, Vouzela, Santa Cruz, Guimarães, Arcos de Valdevez, Nazaré, Murtosa, Ponte da Barca, Ourém, Caldas da Rainha, Vila do Bispo, Caminha, Sobral de Monte Agraço e Arouca.
A dispersão geográfica destes concelhos demonstra que a baixa dependência do RSI não é exclusiva de regiões consideradas ricas: há concelhos rurais, com indústria ou agricultura robusta, que conseguem garantir uma autonomia económica mínima sem recurso massivo ao subsídio.
Nas grandes metrópoles, o quadro não é favorável, sobretudo porque os valores absolutos são inquietantes. Em Lisboa, 36,46 por mil habitantes activos — 3,6% — recebem RSI, valor acima da média nacional, embora inferior ao de outras áreas metropolitanas. Sintra, curiosamente, está muito abaixo (16,47), enquanto a Amadora (24,45) se situa praticamente na média nacional. Cascais, símbolo de riqueza, apresenta 17,11 por mil, e Oeiras, o concelho com maior proporção de licenciados, ainda regista 10,86 — cerca de 1,1% da população. Ou seja, mesmo nos territórios mais prósperos, persistem bolsas de vulnerabilidade.
Estes números traçam um retrato nítido de um país dividido. Por um lado, um Portugal que conseguiu diversificar a sua base económica e reduzir a dependência; por outro, um Portugal que permanece encurralado em ciclos de pobreza e exclusão social, onde o RSI deixou de ser uma ponte para a integração para se transformar num pilar de sobrevivência.
Haverá, por certo, quem queira retirar “dividendos” políticos — por ver predominância dos apoios sociais em Mourão e Monforte, com comunidades ciganas relevantes —, mas a equação é mais complexa. A interioridade, o isolamento e a fragilidade produtiva continuam a ser factores determinantes, mas há igualmente um problema de cultura institucional: a prestação foi concebida como instrumento de inserção, mas em muitas zonas está a tornar-se uma condição permanente, por faltarem investimentos públicos que quebrem uma crónica debilidade socioeconómica.
Aliás, mais do que uma “geografia étnica”, a distribuição do RSI coincide, em larga medida, com uma geografia do despovoamento e da concentração desregulada. Concelhos envelhecidos, com baixa natalidade e pouca oferta de emprego, acabam por depender de mecanismos de redistribuição que perpetuam a inércia — embora cada vez se observem mais franjas urbanas, como o Porto e até Vila Nova de Gaia, com problemas que já não parecem conjunturais.
Mas também há lições a retirar do outro extremo, mais favorável. Se considerarmos que o rácio de RSI em função da população activa indica sinais de menor ou maior prosperidade económica, verifica-se que as regiões menos dependentes de apoios sociais não são necessariamente as mais ricas, mas aquelas que mantêm uma actividade económica real — indústria, agricultura ou serviços — e uma relação mais equilibrada entre Estado e comunidade.
A ‘polícia da bolsa’ , o jargão usado para nomear a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), queixa-se frequentemente de falta de recursos humanos para melhor fiscalizar os mercados financeiros. Mas, como já se tornou hábito no sector público português, mesmo se os recursos humanos escasseiam, poucos decisores conseguem fugir à tentação de deixar obra feita, literalmente, com placa de inauguração à mistura.
Neste tipo de cultura vigente, os membros do conselho de administração da CMVM, liderado por Luís Laginha de Sousa – que trouxe a ‘escola’ do Banco de Portugal, de onde foi administrador entre 2017 e 2022 – não fogem à regra e aprovaram um projecto de melhoraria de interiores da sua sede em Lisboa, junto ao Hospital Curry Cabral, que não tem fim à vista nem contas perfeitamente definidas. Mas pelo que se tem já gasto é possível estimar que custarão para cima dos oito milhões de euros,
A remodelação da sede da CMVM prevê a criação zonas de lounge. / Foto: Projecto de remodelação da sede da CMVM | D.R.
Só para a remodelação do piso técnico (onde se encontra maquinaria), do piso 1 e metade do piso 11, a CMVM está agora disposta, de acordo com um concurso público, a pagar um pouco mais de dois milhões de euros, que inclui um ginásio com balneários e ainda uma zona de gaming (jogos electrónicos) para os cerca de 220 trabalhadores. Note-se que esta remodelação é apenas de interiores, uma vez que o edifício do final dos anos 80 encontra-se em excelentes condições estruturais.
No futuro, serão avançadas as remodelações das outras áreas de um edifício com 13 pisos à superfície, não havendo ainda previsão de custos finais. Isto porque a CMVM, para que os gastos possam passar de forma discreta, tem desenvolvido a remodelação por fases. No ano passado, foi adjudicada à Arfus em Abril a remodelação do piso 0, incluindo o auditório, com um custo total de 652 mil euros, com IVA incluído. Contudo, se se juntar os gastos anteriores, incluindo os projectos de arquitectura, para já a factura chega já ultrapassa os três milhões de euros.
E a ‘procissão’ só agora vai no adro. Fazendo uma estimativa, atendendo às remodelações já adjudicadas e a concurso, que rondam cerca de 600 mil euros por piso, o custo global de melhorar todos os13 pisos aproximar-se-á dos oito milhões de euros, se não houver derrapagens.
O processo de remodelação do edifício da CMVM iniciou-se há cinco anos. O primeiro contrato conhecido, datado de Maio de 2020, visou uma due diligence técnica ao imóvel, num investimento modesto de 9.450 euros, destinado a avaliar as condições estruturais e funcionais do edifício.
Actualmente, os dois últimos pisos da sede da CMVM, que são usados pelos quadros de topo do regulador, apresentam uma decoração clássica, com madeiras nobres e tapeçarias. / Foto: Projecto de remodelação da sede da CMVM | D.R.
Seguiram-se, em 2022 e 2023, novas empreitadas com valores progressivamente mais elevados, nomeadamente estudos prévios, projectos base de arquitectura e especialidades, bem como consultoria para renovação de espaços interiores, incluindo o hall de elevadores e zonas comuns.
Este ano, o processo atingiu uma nova etapa, com a aquisição de serviços para automatização e controlo do edifício (SACE), sinalizando a transição de uma fase de planeamento e reabilitação física para uma vertente mais tecnológica e de eficiência operacional.
Ao longo de cinco anos, a CMVM escolheu sucessivamente a Savills Portugal, uma sucursal de uma empresa britânica do sector imobiliário, para estas intervenções. Assim, os contratos celebrados desde 2020 somam 283.843 euros, valor que, acrescido do IVA a 23%, eleva o montante global já gasto para cerca de 349.127 euros.
Agora, passou-se para a fase do concurso para a escolha da empresa de construção que vai executar o projecto de remodelação profunda da sede da CMVM já está em marcha com um preço base de 1,7 milhões de euros. Com IVA aumenta para os 2,09 milhões.
Este será o aspecto futuro dos dois pisos superiores da sede da CMVM, após as obras de remodelação. / Foto: Projecto de remodelação da sede da CMVM | D.R.
Segundo o projecto de remodelação, consultado pelo PÁGINA UM, o objectivo da obra é actualizar os interiores do edifício, criar espaços de trabalho abertos e modernizar os espaços que se encontram “datados”, embora em boas condições.
Também os dois andares mais altos do edifício, 11º e 12º, que são usados pelos quadros de topo da CMVM, serão alvo de um “extreme makeover“: as madeiras nobres, o mobiliário clássico e as tapeçarias serão substituídos por uma decoração de interiores sofisticada, com um toque de estética escandinava — mas num país sem os recursos financeiros daquela região do Mundo, conforme das imagens que acompanham os documentos de procedimento concursal.
No final desta remodelação extrema, a sede da CMVM ficará irreconhecível. A intervenção abrange assim a reconstrução dos interiores de 13 pisos – do piso 1 ao 12.º e ainda um piso “técnico”. Cada piso tem cerca de 514 metros quadrados, sendo que o primeiro serve diversos fins, dispondo, por exemplo, de uma cafetaria que será ampliada.
A “nova” sede da CMVM vai contar com espaço multiusos dedicado ao exercício físico e dois balneários. / Foto: Projecto de remodelação da sede da CMVM | D.R.
Segundo os documentos do concurso com a “memória descritiva” do projecto de remodelação, “a construção do edifício data do ano de 1989, pelo que a sua linguagem arquitectónica é marcada por uma sobriedade nas formas e volumes, combinada com uma certa ousadia na utilização das cores, tanto no exterior, como no interior”.
Actualmente, os pisos “encontram-se organizados com base nos critérios de utilização, função, grau de confidencialidade e nível hierárquico dos utilizadores”, sendo que “esta lógica é reflectida na compartimentação dos espaços e nos materiais utilizados em cada piso”. Assim, os pisos destinados a quadros de topo têm actualmente materiais nobres e mobiliário clássico. Os restantes pisos, estão decorados de forma mais austera e “fria”.
O documento destaca ainda que “os dois últimos pisos do edifício apresentam uma organização espacial distinta dos demais, onde a nobreza dos materiais se destaca”, mas “a reduzida incidência de luz natural e o pé direito baixo conferem a estes espaços uma atmosfera mais escura e pesada do que o desejável”.
Em resumo, o objectivo da remodelação é eliminar o aspecto “antiquado” dos espaços e criar interiores com mais luz e espaços abertos.
O edifício-sede da CMVM, na Rua Laura Alves, 4, em Lisboa. / Foto: D.R. | CMVM
Todas as zonas no edifício vão ser renovadas, dos gabinetes da administração às casas-de-banho. No piso 1, a cafetaria vai ser “substancialmente expandida, com o intuito de acomodar um maior número de utilizadores” tendo o novo espaço sido “concebido com uma diversidade de ambientes acolhedores, promovendo a interação e o convívio, incluindo, também, uma zona de gaming, para fomentar a dinamização entre os colegas”.
Também no piso 1, o espaço multiusos será “significativamente ampliado e relocalizado numa zona mais reservada, proporcionando um ambiente propício à prática de exercício físico, complementado por balneários de apoio”.
Já que a CMVM tem meios escassos, o regulador concluiu que não precisa de tanto espaço e libertará três pisos, que ficarão disponíveis. Segundo a documentação disponibilizada no concurso. “constatou-se que a utilização integral do edifício pela CMVM se revelava excessiva, decorrente da ineficiência do layout dos pisos, da área desproporcionalmente alocada à circulação e da existência de espaços que, face às novas necessidades, se tornaram obsoletos”.
Nesse sentido, “foi possível determinar que a ocupação necessária poderia ser optimizada, libertando três pisos para um novo inquilino”.
A nova ‘cantina’ da CMVM. / Foto: Projecto de remodelação da sede da CMVM | D.R.
Deste modo, na remodelação, os três pisos que serão “libertados” — entre os piso 2 e 4 — vão ser renovados “com os acabamentos básicos de um espaço interior, incluindo as infraestruturas técnicas essenciais”, uma configuração, “frequentemente descrita como uma “tela em branco”, oferece ao futuro ocupante a flexibilidade de adaptar o espaço às suas necessidades específicas”.
Com este “libertar” de espaço no edifício, o conselho de administração da CMVM consegue encontrar, assim, um argumento para promover esta obra de renovação como trazendo eficiência. Resta saber se o papel do regulador da Bolsa como polícia dos mercados financeiros vai beneficiar com este “extreme makeover” da sede. Uma coisa é certa: os ‘scores‘ dos funcionários nos jogos electrónicos vão melhorar.