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  • Manuel Pizarro pressionado para explicar promiscuidades na estratégia de comunicação do Serviço Nacional de Saúde

    Manuel Pizarro pressionado para explicar promiscuidades na estratégia de comunicação do Serviço Nacional de Saúde

    O Ministério da Saúde até fez um concurso público – que é raro em contratos de assessoria de imprensa e comunicação – e os montantes em causa são modestos. Mas as relações da empresa vencedora, que irá definir o plano e estratégia de comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, levantam suspeitas: a LPM Comunicação, fundada por um conhecido consultor de marketing do Partido Socialista, tem sete farmacêuticas no seu portfólio, e mais uma dezena de outras entidades do sector da Saúde. Em reacção à notícia do PÁGINA UM na sexta-feira passada, o Chega quer agora explicações do ministro Manuel Pizarro na Assembleia da República.


    A presença do ministro da Saúde, Manuel Pizarro, na Assembleia da República foi requerida com carácter de urgência pelo partido Chega para ser explicada a contratação da LPM Comunicação pela Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), de acordo com um take da Lusa divulgado este fim-de-semana pela generalidade da imprensa.

    No decurso de uma investigação do PÁGINA UM, divulgada sexta-feira em exclusivo, sobre a contratação da empresa fundada pelo conhecido consultor de marketing político do Partido Socialista, Luís Paixão Martins – que há vários anos legou a administração da empresa ao seu filho João –, o partido liderado por André Ventura diz que esse acordo comercial revela “preocupações pertinentes sobre possíveis conflitos de interesse, uma vez que a DE-SNS é uma entidade estatal que terá responsabilidades importantes na gestão, supervisão e monitorização do Sistema Nacional de Saúde, bem como na definição de diretrizes e normas que afetam tanto os fornecedores quanto os utentes e as empresas privadas do setor”.

    Luís Paixão Martins, fundador da LPM e pai do actual administrador único da empresa que vai gerir a comunicação da Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde. (DR)

    Em causa, como revelou o PÁGINA UM, não estão os procedimentos da contratação – que até foi ganho em concurso público (o que é raro no género) e por um valor ligeiramente abaixo do preço base –, mas sim as ligações da LPM com farmacêuticas e outras empresas, incluindo o grupo privado do sector da saúde Lusíadas.

    De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, a LPM identifica como seus clientes, apenas no sector da Saúde, sete farmacêuticas – AbbVie, Bluepharma, Daiichi-Sankyo, Gedeon Richter, GlaxoSmithKline, Novartis e Viatris –, uma empresa de homeopatia (Boiron), duas entidades na área do diagnóstico – a empresa Hologic e a Associação Portuguesa das Empresas de Diagnósticos Médicos (Apormed) –, uma empresa hospitalar privada (Lusíadas), uma fundação associada a uma farmacêutica (Fundação Bial), duas organizações não-governamentais sem fins lucrativos (Liga Portuguesa contra o Cancro e a União das Associações das Doenças Raras de Portugal) e ainda três sociedades médicas (Sociedade Portuguesa de Senologia, Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia e Sociedade Portuguesa de Cardiologia). Esta última sociedade médica é aquela que mais financiamento obtém do sector farmacêutico desde 2017, enquanto a penúltima se encontra no top 10.

    Contudo, apesar disso, nos critérios de avaliação das candidaturas, cujo processo acabou por ser instruído pelos SPMS, não houve qualquer critério de índole ético que pudesse excluir candidatos que tivessem conflitos de interesse por deterem relações comerciais com entidades privadas do sector da saúde ou com alguma que estivesse sob a supervisão directa ou indirecta da DE-SNS.

    Lista dos 17 clientes do sector da Saúde detidos pela LPM. Falta a actualização para incluir a Direcção Executiva do Serviço Nacional de Saúde.

    Pelo contrário. Além do preço (com um peso de 30%), a “experiência na Área da Assessoria de Imprensa no Setor da Saúde” era um dos critérios explícitos de avaliação qualitativa das propostas, com um peso de 35%.

    Ou seja, não houve qualquer cláusula que obrigasse a uma exclusividade, para garantir independência e evitar transmissão de informação privilegiada entre a DE-SNS e clientes da empresa de comunicação vencedora.

    Deste modo, a LPM até acabou fortemente beneficiada por possuir contas de 17 clientes na área da Saúde, incluindo as sete farmacêuticas e até um hospital privado.

    Em todo o caso, este “problema” seria similar se a escolhida fosse a Creative Minds, que no seu site expõe os seus 28 clientes no sector da Saúde, embora sem incluir tantas empresas de grande dimensão. Com efeito, no meio de pequenas e médias empresas, destaca-se apenas, no sector farmacêutico, a portuguesa Medinfar.

    Pelo caminho, neste concurso, ficou a Kicab, a empresa pertencente a Rui Neves Moreira, que foi assessor de imprensa no Hospital de São João, tendo sido escolhido por Fernando Araújo para o assessorar nas primeiras fases de instalação da DE-SNS. Esse contrato, com a duração formal de 9.000 euros por apenas 25 dias de trabalho, levantou celeuma no início deste ano, por envolver um custo de 360 euros por dia.

    O contrato foi assinado em Maio, mas apenas divulgado no dia 8 deste mês no Portal Base, e surge no decurso de um concurso público, envolvendo mais duas empresas (Creative Minds e KICAB), para assessorar a equipa de Fernando Araújo a instalar uma estrutura. Na prática, a DE-SNS vai centralizar algumas das funções políticas e administrativas que estavam dispersas pelo próprio Governo e por duas entidades públicas: a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS).

    O contrato, que estará em vigor dutante oito meses, não será directamente muito lucrativo para a LPM, estando dentro dos padrões do mercado para a contratação de um só assessor com alguma experiência. O preço do contrato – 22.380 euros (sem IVA), perfazendo cerca de 2.800 euros por mês, durante os oito meses de duração – até ficou ligeiramente abaixo do preço base, que era de 23.600 euros, o que denota o interesse na aquisição deste cliente público. Na verdade, por exemplo, comparando o montante deste contrato com o volume de negócios da LPM em 2021 – as contas relativas ao ano passado ainda não se encontram disponíveis –, estamos perante uma gota de água.

    Com efeito, embora conhecida por ser uma empresa de comunicação próxima do poder, o Estado e a Administração Central e Local nem são assim tão bons clientes em termos de facturação. Em 2021, as receitas da LPM totalizaram 5.976.574 euros, e os seis contratos públicos nesse período (Região de Turismo do Algarve, Direcção-Geral do Património Cultural, Fundação para a Ciência e a Tecnologia, Comissão para a Cidadania e Igualdade do Género e Câmara Municipal de Almada, com dois) ascenderam aos 153.770 euros. Ou seja, o sector privado representou 97,4% da facturação da LPM.

    Chega quer explicações de Pizarro sobre definição da estratégia de comunicação do SNS por uma empresa com (demasiadas) ligações ao sector farmacêutico.

    Porém, no mundo da comunicação empresarial, ter uma porta de passagem para o poder mostra-se fundamental. E assim, mais importante do que uma verba num contrato público, ostentar na carteira um organismo estatal com o quilate da DE-SNS vale ouro.

    Mesmo quando existe em contrato uma “cláusula de direitos sobre a informação”, que estipula que a LPM não pode usar nem ceder a terceiros a informação da DE-SNS sem autorização prévia. E mesmo que as empresas de comunicação jurem, a pés juntos, que usam (ou colocam em práticas) as chinese walls, quase sempre mais míticas do que verídicas.

  • Google e YouTube no tribunal por censurarem candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

    Google e YouTube no tribunal por censurarem candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

    De respeitável e temido (pelas corporações) advogado de causas ambientais, Robert F. Kennedy Jr. não tem tido agora vida fácil nos Estados Unidos a defender os seus princípios, sobretudo desde que, durante a pandemia, começou a tecer críticas à narrativa oficial sobre a origem do SARS-CoV-2 e a segurança das vacinas contra a covid-19. Oriundo de uma das famílias com mais história na política norte-americana, Kennedy propôs-se enfrentar o actual presidente Joe Biden nas primárias democratas a iniciar em Fevereiro do próximo ano. E acusa agora o Google e o Youtube de o censurarem numa parceria com o Governo Federal. O caso está agora nos tribunais, num processo que promete: ali se determinará se é lícito que empresas tecnológicas definam o que é ou não desinformação e penalizem sem apelo quem foge da “linha”.


    O candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr. apresentou ontem uma queixa no Tribunal do Distrito Norte da Califórnia contra o Google e a sua subsidiária YouTube. Em causa está, segundo político democrata, uma alegada colaboração entre o Google e o Governo Federal para desenvolver e aplicar regras sobre “desinformação” com o objectivo de censurar oponentes políticos da Administração Biden.

    Robert F. Kennedy Jr. – um advogado conceituado que se destacou, desde os anos 90, pela seu activismo em questões ambientais, muitas vezes contra corporações – tem sido, nos últimos anos, particularmente crítico sobre o uso de determinados produtos químicos tóxicos, questionando também a origem do SARS-CoV-2 e manifestando preocupações sobre a segurança das vacinas contra a covid-19.

    Robert F. Kennedy Jr., de respeitado advogado de causas ambientais até à censura pelas redes sociais. Sinal dos tempos modernos.

    O Google e o Youtube têm, sobretudo desde a apresentação da sua candidatura às primárias democratas, removido vídeos de Robert F. Kennedy Jr. por suposta “desinformação médica”, mesmo se,em muitos casos, nem sequer são abordados temas relacionados com a saúde pública. De acordo com um comunicado da campanha de Kennedy – sobrinho do assassinado presidente norte-americano John F. Kennedy –, o Google está a violar a Primeira Emenda, uma vez que a acção da empresa tecnológica, que controla o YouTube, se baseia numa parceria público-privada que depende de fontes governamentais.

    De acordo com um comunicado da campanha de Kennedy – que defrontará Biden nas primárias a partir de Fevereiro de 2024 –, embora o YouTube se tenha tornado “uma plataforma importante para o discurso político nos Estados Unidos, uma praça digital em que os eleitores confiam como um local para obter notícias e opiniões sobre questões do dia”, tem-se constatado que “o Google censurou inúmeros americanos por causa das suas opiniões críticas às narrativas do Governo norte-americano”. E diz ainda que “Kennedy é apenas a vítima mais proeminente dessa campanha de censura”, concluindo que “esse grau de censura de um importante candidato presidencial não tem precedentes na História americana”.

    Um dos exemplos mais paradigmáticos ocorreu em Março passado quando discursou no Instituto de Política de New Hampshire, onde Robert F. Kennedy Jr, salientou que “ uma das razões pelas quais estou pensando em concorrer à Presidência é superar a polarização tóxica que divide republicanos e democratas, permitindo que as elites capturem o nosso Governo e saqueiem o nosso país”. O vídeo foi censurado pelo Youtube, e está agora somente no Substack.

    “O Governo [norte-americano] não pode censurar seus críticos”, defende Scott Street, da JW Howard Attorneys, o advogado que lidera a acção judicial, citado pelo site da campanha de Kennedy. “O Governo não pode fazer isso directamente e não pode fazer isso autorizando entidades privadas como o Google a actuarem como censores. Esse princípio é fundamental para a democracia americana, especialmente quando se trata de discurso político; trata-se de preservar a liberdade dos eleitores para falar, ouvir e pensar por si mesmos.”

    Com esta acção, Robert F. Kennedy busca providência cautelar (injunction, em inglês) para proibir o Google de se basear nas suas políticas de alegado combate à “desinformação” para censurá-lo durante a sua campanha presidencial. O caso já foi atribuído ao juiz Nathanael Cousins.

    Apesar de ainda estar atrás de Joe Biden nas intenções de voto nas primárias do Partido Democrata, Kennedy tem conseguido granjear apoios, embora a maioria da imprensa mainstream lhe esteja a mover uma campanha de ataque reputacional. Esquecendo propositadamente o seu passado respeitável – por exemplo, foi considerado Heroe for the Planet pela Time Magazine e recebeu variadas distinções por lutas ambientais –, apelidando-o constantemente de anti-vaxxer, mesmo se ele nunca se manifestou contra as vacinas, mas sim sobre a sua segurança.

  • Respondeu com atraso e só depois de processo em tribunal? Paga custas!

    Respondeu com atraso e só depois de processo em tribunal? Paga custas!

    A Parque Escolar – que mudou de nome para Construções Públicas, para também dinamizar a habitação pública – não mostrava contas e nem se incomodava com críticas dos partidos da oposição nem com notícias da imprensa. O PÁGINA UM meteu um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado em Maio, e os Ministérios das Finanças e da Educação apressaram-se a aprovar os relatórios de 2019, 2020 e 2021. E prometem para breve o de 2022. Não se livraram de pagar as custas do processo.


    A Construção Pública – a nova denominação da antiga Parque Escolar – foi condenada na passada semana pelo Tribunal Administrativo de Lisboa a pagar as custas do processo de uma intimação intentado pelo PÁGINA UM. Em causa estava a consulta dos relatórios e contas desde 2019, que esta empresa pública reiteradamente insistia não divulgar, alegando falta de aprovação pela tutela.

    Numa primeira fase, a administração da então Parque Escolar ignorou simplesmente o pedido do PÁGINA UM para consulta das demonstrações financeiras e relatórios complementares, mas já não pôde ignorar as solicitações do Tribunal Administrativo.

    Com efeito, no passado dia 8 de Maio, perante o incompreensível e injustificável silêncio, o PÁGINA UM decidiu apresentar um processo de intimação ao Tribunal Administrativo para forçar o desbloqueamento, o que levou os Ministérios das Finanças e da Educação a desencadearem uma aprovação célere das contas daquele triénio, que acabaram sendo enviadas em 25 de Maio passado, e também colocadas no site desta empresa pública.

    Mas apesar disso, e de considerar que ainda se deve aguardar pela aprovação da tutela das contas do ano passado, a juíza Joana Ferreira Águeda considerou que como “à data em que apresentou o presente processo (08.05.2023), o requerente [PÁGINA UM] ainda não tinha tido acesso aos documentos em causa, o que só veio a ocorrer em 25.05.2023”, a Construções Públicas deve “ser responsável pelas custas devidas nos presentes autos.”

    Este tipo de sentença acaba por ser um desincentivo à Administração Pública para manter uma atitude obscurantista.

    A administração da Construções Públicas remeteu, também com atraso, ao PÁGINA UM os ofícios enviados à tutela com as contas dos exercícios a partir de 2019, para aprovação que se encontravam “engavetados” há vários anos.

    De acordo com as datas desses ofícios, o relatório de 2019 estava na posse da Secretaria de Estado do Tesouro e do Ministério da Educação desde Novembro de 2020, o relatório de 2020 desde Maio de 2021 e o relatório de 2021 desde Maio de 2022.

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    Recorde-se que em Maio do ano passado, o ministro da Educação, João Costa, prometera a divulgação das contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Mas afinal, somente com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.

    De acordo com análise do PÁGINA UM, a dívida da Construções Públicas era, no final de 2021, de quase 152 milhões de euros, com o passivo não corrente a ascender aos 1.061,4 milhões de euros. No total, o passivo total situava-se nos 1.214,1 milhões de euros.

    O aumento da dívida acaba por relativizar os resultados líquidos positivos, até porque os activos da Parque Escolar beneficiaram bastante pelo aumento de capital estatutário no valor de cerca de 342,5 milhões de euros por incorporação de 138 escolas e por conversão de um empréstimo da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, após dação em cumprimento do Palácio Valadares, no Largo do Carmo, em Lisboa.

    Um dos aspectos mais relevantes dos relatórios e contas, prende-se com as reservas feitas pelo auditor das demonstrações financeiras, a cargo da Grant Thornton.

    Por exemplo, no relatório de 2019 – que somente em finais de Maio viu a luz do dia, após a intervenção do PÁGINA UM –, o auditor criticou a forma de cálculos das depreciações das propriedades de investimento (que incluem escolas), que além do mais, em diversas obras em curso, não tiveram ainda os terrenos transmitidos para a empresa pública, nem foram “objecto de avaliação por peritos independentes”.

    João Costa, ministro da Educação, em Maio do ano passado prometeu que divulgaria as contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Só com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.

    Também é considerado que os cerca de 37 milhões de euros de provisões – devidos a processos judiciais em curso – podem não ser suficientes.

    Mais grave ainda foi o alerta transmitido pelo auditor de que “na realização de diversos concursos públicos, verificou-se que houve concertação de preços entre as empresas fornecedoras de monoblocos, no que respeita ao preço de transporte, montagem, aluguer e desmontagem dos mesmos, durante as várias fases de realização das obras”.

    A Grant Thornton escreveu então que “esta situação originou gastos adicionais (…), cujo montante total não foi, ainda, possível de quantificar.”

    Outra situação irregular passa-se com o mobiliário escolar e sobretudo com o equipamento informático. O auditor salienta que “não foram objecto de inventariação física”, acrescentando que, desse modo, “não podemos concluir, na presente data, sobre a existência de todos os bens e, consequentemente, do respectivo valor registado no balanço”.

    Os alertas de desconformidades mantiveram-se no relatório de 2020 e 2021, praticamente nos mesmos moldes.

    Saliente-se que, no dia 23 do mês passado foram alterados os estatutos da Parque Escolar, agora denominada Construções Públicas para encaixar as funções que o Governo lhe pretende dar no Programa Mais Habitação.

    Nos novos estatutos, a Construções Públicas passar a ter intervenção no “planeamento, gestão, desenvolvimento e execução de programas e projetos de construção, reconstrução, adaptação, reabilitação, requalificação, modernização, valorização, manutenção e conservação de edifícios, equipamentos e outro património imobiliário próprio ou alheio, designadamente nos domínios da educação e da habitação, bem como a prestação de serviços de consultoria, assessoria e gestão de contratos públicos, naqueles âmbitos, relativos a património público alheio”, mantendo as suas funções anteriores na gestão do património escolar.

    No domínio da habitação, o objecto da Construção Pública passa a incluir “a conceção, desenvolvimento e implementação de projetos habitacionais, em articulação com as entidades públicas com atribuições neste domínio, designadamente com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana”, incluindo-se ainda “a elaboração dos projectos, a construção, bem como a fiscalização, o acompanhamento e a assistência técnica nas diversas fases de concretização do objecto previsto no presente artigo, assegurando padrões elevados de qualidade técnica e controlo económico.”

    Continua-se, contudo, sem saber ainda o ponto de partida. Ou seja, qual a dívida em 2022 e qual o investimento previsto. E falta também garantir outra coisa: maior transparência nas contas.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Promiscuidades com farmacêuticas: Filipe Froes está a um mês de beneficiar de prescrição

    Promiscuidades com farmacêuticas: Filipe Froes está a um mês de beneficiar de prescrição

    Falta apenas um mês para o pneumologista Filipe Froes se livrar de um castigo pelas suas ligações alegadamente à margem da lei com as farmacêuticas. Apesar de todas as evidências e proveitos mensais acima dos 4.000 euros, um dos “rostos da pandemia” está quase a ver o seu processo disciplinar arquivado por prescrição, sob a forma de “veto de gaveta”. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) começou por investigar Froes em Setembro de 2021, e decidiu em Fevereiro do ano passado instaurar-lhe um procedimento disciplinar. Mas, aparentemente, tudo serviu afinal para colocar um manto de esquecimento e segredo. Ao fim de 17 meses, nem sequer se concluiu a fase de instrução, e a prescrição está a caminho. Sem castigo. O inspector-geral da IGAS não dá explicações, mas o PÁGINA UM continua a lutar nos tribunais para conhecer os meandros desta (muito) provável prescrição.


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) não concluiu ainda sequer a fase de instrução do procedimento disciplinar contra o pneumologista Filipe Froes, que se iniciou em 19 de Fevereiro do ano passado, e que, por isso, deverá manter-se secreto, incluindo o relatório de averiguações que o antecedeu. Esta é a decisão de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa à intimação colocada pelo PÁGINA UM para a aceder, pelo menos, ao relatório de averiguações que decorreu entre Setembro de 2021 e Fevereiro de 2022.

    A consequência imediata será a prescrição no próximo dia 19 de Agosto deste processo, e o respectivo arquivamento sem qualquer penalização para um dos “rostos públicos” da luta contra a covid-19, mas também um dos médicos com maiores e mais promíscuas ligações comerciais com as farmacêuticas, muitas das quais com chorudos negócios associados à pandemia.

    Filipe Froes (ao centro) foi mandatário da candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda), actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    Na base da instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes estiveram, e estão, as suas relações com a indústria farmacêutica, que mereceram em Setembro de 2021 um processo formal de averiguações por parte da IGAS, então revelado pelos semanários O Novo e Expresso, por fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades nas parcerias entre farmacêuticas e aquele pneumologista.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia.

    Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e é ainda consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia. Foi também mandatário da lista de Carlos Cortes, o actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    Froes foi também um grande promotor do uso e da compra pelo Estado de antivirais e anticorpos monoclonais, como o molnupiravir, da Merck Sharp & Dohme, recentemente retirado do mercado por se ter confirmado que afinal era completamente ineficaz.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde, instarou um processo disciplinar depois de um relatório que detectou ilegalidades contra Filipe Froes. Mas aparentemente “engavetou” o processo, porque ao fim de 17 meses nem sequer se concluiu a fase de instrução. Tudo prescreve daqui a um mês.

    Este ano, também se soube que Filipe Froes recebeu 750 euros da farmacêutica da AstraZeneca apenas por ter participado na sessão de lançamento do Evusheld, um fármaco constituído por anticorpos monoclonais que até foram suspensos pela Food and Drug Administration (FDA).

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já ultrapassou largamente os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. No ano passado também ultrapassou a fasquia dos 4.000 euros por mês.

    Este ano, Froes continua a facturar. Em consulta ao Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed verifica-se que foram contabilizados 25.194 euros de apoios e honorários na sua conta bancária ou na da sua empresa (Terras & Froes) provenientes de quatro farmacêuticas, com destaque para a Merck Sharp & Dohme (12.341 euros) e a AstraZeneca (10.475 euros). Ou seja, uma média mensal também superior a 4.000 euros.

    Sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, deste mês, considera que processo disciplinar contra Filipe Froes, e o processo de averiguações, são documentos administrativos mas que se mantêm secretos até á conclusão ou arquivamento. Prescrição ocorre daqui a um mês.

    Convém salientar que o Infarmed não faz, por rotina, qualquer tipo de fiscalização destes registos, pelo que se mostra fácil receber dinheiro e outras ofertas de farmacêuticas sem declaração no Portal da Transparência, como aliás fez o antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.

    Sabendo-se que o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o PÁGINA UM requereu à IGAS a consulta de um vasto conjunto de processos disciplinares ainda em 2022, o que foi inicialmente recusado.

    Em finais de Outubro do ano passado, o PÁGINA UM chegou a obter uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a várias dezenas de processos intentados nos últimos anos pelo IGAS, mas, ao contrário do expectável, não estava ainda incluído qualquer documento referente a Filipe Froes.

    Mais tarde, em finais de Novembro, a IGAS acabou por revelar ao PÁGINA UM que o processo de averiguações sobre Filipe Froes, que fora conhecido desde Setembro de 2021, tinha resultado num processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022, por determinação do inspector-geral Carlos Carapeto.

    Quando se concluiu um ano desde a conclusão do processo de averiguações, o PÁGINA UM solicitou uma cópia, mas a IGAS informou que estaria integrado no processo disciplinar, dando-se assim uma aura de secretismo. Mas, a ser verdade, esse secretismo só se manteria, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, até à conclusão da fase de instrução.

    Na sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, conhecida este mês, o juiz Nuno Domingues considera que, embora “a informação em causa tem natureza administrativa, todavia, resulta dos autos que essa mesma informação ocorre em momento prévio à instauração do Proc. N.º 1/2022-INQ e afigura-se ao tribunal que está em conexão com a posterior instauração do procedimento disciplinar, na medida em que a informação reporta-se a processo de esclarecimento que tem clara repercussão e conexão na instauração do procedimento disciplinar”.

    Nessa medida, adianta o magistrado que “não podendo os dois procedimentos ser indissociáveis” e que “ainda não foi proferido despacho de acusação (ou de arquivamento)”, conclui que o PÁGINA UM não tem ainda direito de consulta.

    O juiz, porém, nem sequer estranhou que ao fim de quase 17 meses não houvesse sequer despacho de acusação ou de arquivamento – o que tornaria públicos os documentos –, sabendo-se que o Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas determina a prescrição ao fim de 18 meses.

    Contudo, o juiz que analisou a intimação do PÁGINA UM nem sequer pediu um comprovativo da veracidade das declarações do Ministério da Saúde nem sequer determinou a obrigatoriedade de ser disponibilizada a totalidade da documentação relativa ao processo de Filipe Froes a partir de 19 de Agosto, data em que tudo prescreverá ou terá de estar concluído.

    Defesa da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, que mantém o processo disciplinar contra Filipe Froes até à prescrição, foi assumida pelo Ministério da Saúde.

    Por esse motivo, o PÁGINA UM recorreu hoje mesmo para o Tribunal Central Administrativo Sul para que considere nula a sentença do juiz Nuno Domingues. Independentemente da decisão do recurso, o PÁGINA UM não desistirá de conhecer os contornos de um processo disciplinar que, tudo indica, foi “engavetado” para manter sob segredo – e sem castigo algum – as relações comerciais entre farmacêuticas e Filipe Froes.

    O PÁGINA UM pediu, na semana passada, esclarecimentos a Carlos Carapeto, inspector-geral da IGAS, sobre a iminência da prescrição, e dos motivos para tamanha demora na conclusão da fase de instrução. Foi também perguntado “se houve qualquer pressão governamental, política, empresarial ou de outra natureza (mesmo que válida e legal) para evitar o desenrolar normal do referido procedimento disciplinar até que fosse, como certamente sucederá, arquivado por prescrição” o procedimento disciplinar a Filipe Froes. Não se obteve qualquer reacção.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

  • Sem gastos com pessoal, Grupo Parlamentar do PS “desviou” 1,4 milhões de euros no último quinquénio para pagar serviços externos

    Sem gastos com pessoal, Grupo Parlamentar do PS “desviou” 1,4 milhões de euros no último quinquénio para pagar serviços externos

    O PÁGINA UM consultou em detalhe as contas dos grupos parlamentares dos últimos cinco anos e detectou que a maioria não regista quaisquer gastos com pessoal, incluindo o do Partido Socialista. No total, as subvenções públicas exclusivas para o regular funcionamento dos trabalhos parlamentares, distintas da subvenção por votos nas eleições, ultrapassaram os 4,5 milhões de euros entre 2018 e 2022, mas quase tudo acabou gasto num enigmático “fornecimentos e serviços externos”. Curiosamente, o grupo parlamentar do PSD até foi aquele que assume ter gasto dinheiro com assessoria própria (cinco mil euros, em média anual). Paulo Morais, uma das mais reconhecidas vozes no combate à corrupção em Portugal, diz que o alegado desvio de verbas dos grupos parlamentares para os respectivos partidos é apenas a “ponta do iceberg”. Já o economista João Duque, presidente do ISEG, condena que a imprensa tenha sido avisada para presenciar as rusgas a Rui Rio.


    Zero euros. É esta a verba registada por quase todos os grupos parlamentares dos diversos partidos na rubrica “Gastos com o pessoal” nos últimos cinco anos, incluindo o do Partido Socialista (PS). De acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM às contas dos grupos parlamentares depositadas na Entidade das Contas e Financiamentos Públicos – um órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional –, apenas o Partido Social Democrata (PSD), com um total de 25.690 euros, e o Bloco de Esquerda, com 3.500 euros, contabilizaram pagamentos a seus funcionários parlamentares. Os restantes partidos não atribuem gastos com pessoal nas suas contas parlamentares, que têm um regime contabilístico autónomo ao dos próprios partidos.

    A lei do financiamento dos partidos políticos estipula que “a cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento“, que corresponde a quatro vezes o indexante dos apoios sociais (IAS). Ou seja, este ano por cada deputado, o grupo parlamentar recebe cerca de 1.922 euros.

    No caso dos partidos com maior representatividade parlamentar, estas subvenções podem ser significativas. No último quinquénio, onde se apanharam três legislaturas, o PS recebeu quase 1,8 milhões de euros para encargos de assessoria aos deputados, enquanto o PSD arrecadou um pouco mais de 1,5 milhões de euros. Ou seja, as médias anuais estiveram sempre acima dos 300 mil euros, o que possibilitaria o pagamento de salários de assessores parlamentares fixos.

    No caso dos outros partidos, os montantes destas subvenções parlamentares são muito mais reduzidas. Por exemplo, o Bloco de Esquerda recebeu cerca de 422 mil euros no último quinquénio – mas viu a subvenção cair para apenas 58 mil euros em 2022 com a perda de deputados nas eleições do ano passado, enquanto o PCP – rondou os 317 mil euros, estando a receber no último triénio menos de 60 mil euros por ano.

    Os restantes grupos parlamentares têm valores ainda mais baixos, mesmo o Chega, que reforçou a sua presença parlamentar em 2022, mas que mesmo assim só recebeu no ano passado 61.250 euros de subvenção para assessoria na Assembleia da República.

    António Costa, primeiro-ministro e secretário-geral do PS

    Mas se formalmente os grupos parlamentares dos distintos partidos não têm assessores a ser pagos com estas subvenções, o dinheiro acaba por “voar” para outras paragens, uma vez que os partidos não podem fazer transferências de “lucros” no final de cada ano, como sucede nas empresas. E o expediente mais utilizado tem sido, invariavelmente, o “fornecimento e serviços externos”, uma rubrica contabilística onde cai todo o tipo de despesas.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM, no último quinquénio, 86% do total subvenções públicas aos grupos parlamentares serviram afinal para pagar a fornecedores e serviços externos, que podem, nestes casos, incluir os próprios partidos e respectivos funcionários, uma vez que são entidades contabilisticamente independentes. Aparentemente, parece ser esse o caso que levou às 20 buscas da Polícia Judiciária desta semana ao PSD, incluindo à residência do seu ex-presidente, Rui Rio.

    No caso do PSD, os fornecedores e serviços externos “desviaram” 1,34 milhões de euros no último quinquénio, ou seja, 89% da subvenção parlamentar. Por esse motivo, o grupo parlamentar do PSD até apresenta um prejuízo acumulado de 31 mil euros nos últimos cinco anos.

    Rui Rio, antigo deputado e ex-presidente do PSD, está no “olho do furação” por causa de uma prática habitual em todos os grupos parlamentares, mas de duvidosa legalidade e de ética discutível.

    Embora relativamente mais baixo, o uso do expediente dos fornecedores e serviços externos é também bastante usado pelo PS. Entre 2018 e 2022, 80% das verbas da subvenção parlamentar serviram aquele propósito, não havendo assim qualquer gasto com pessoal parlamentar, mesmo se há assessores do partido a trabalharem no Parlamento.

    Nos pequenos partidos, até há casos curiosos, como os do Bloco de Esquerda e do Chega. No último quinquénio, os bloquistas têm estado a suportar, através da subvenção ao grupo parlamentar (421.755 euros), montantes superiores para pagamento a fornecedores e serviços externos (460.680 euros, no total). Daí apresentarem um prejuízo acumulado de 44.803 euros.

    No caso do Chega – que com André Ventura como candidato único até chegou ao fim de 2021 com um lucro de cerca de 48 mil euros –, no ano passado o desvio para alegados pagamentos a fornecedores e serviços externos disparou para os 104 mil euros (tinha sido de apenas 11 mil euros no ano anterior), o que poderá indiciar uma “descapitalização” do fundo destinado à assessoria parlamentar.

    Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e antigo presidente do PSD

    Apesar da contabilidade ser independente – e da existência de inúmeros casos polémicos no Brasil com assessoria-fantasma, envolvendo mesmo Jair Bolsonaro e também um dos seus filhos –, o Presidente da República veio, entretanto, tentar menorizar o assunto, defendendo que os grupos parlamentares também são “órgãos dos partidos”, considerando ser uma prática legal o desvio das subvenções parlamentares para uso partidário. Mas subsistem dúvidas quanto à legalidade do desvio de verbas.

    “Marcelo Rebelo de Sousa fez essas declarações, não para colocar água na fervura, mas para se acautelar, porque sabe como era quando foi presidente do PSD”, diz Paulo Morais, presidente da Frente Cívica e um dos principais rostos do combate à corrupção em Portugal.

    Para Paulo Morais, este alegado uso de verbas dos grupos parlamentares pelos partidos “é apenas a ponta do iceberg” em termos de irregularidades que existem em torno do financiamento dos partidos.

    person using black computer keyboard

    Em todo o caso, para o economista João Duque “será difícil provar de onde as verbas foram gastas” porque “o dinheiro não tem cara”. O também presidente do ISEG condena, sobretudo, o facto de ter sido avisada a imprensa para presenciar e noticiar as buscas a Rui Rio. “É algo de inaceitável, seja com Rui Rio ou com quem for”, lamentou.

    Ao que o PÁGINA UM observou, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos nunca fez nenhum alerta ou recomendação aos partidos no sentido de não utilizarem verbas dos seus grupos parlamentares para gastos com pessoal nos próprios partidos, nem nunca estranhou o peso demasiado elevado da rubrica dos fornecedores e serviços externos. Contactada, esta entidade presidida pela juíza conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros não respondeu ainda às questões do PÁGINA UM até à hora da publicação desta notícia.   

  • Censura nas redes sociais: juiz recusa recurso da Administração Biden

    Censura nas redes sociais: juiz recusa recurso da Administração Biden

    Um recurso que tentava reverter uma decisão judicial do juiz Terry Doughty que proíbe o Governo dos Estados Unidos de solicitar a censura nas redes sociais foi já rejeitado em Tribunal. Para o juiz da Louisiana, nenhuma entidade estatal ou governamental, incluindo a Casa Branca, podem ordenar eliminação de publicações apenas por serem opiniões diferentes, as quais estão abrangidas pela liberdade de expressão garantida pela Primeira Emenda. Apenas em questões de segurança interna ou externa muito concretas o Governo está autorizado a estabelecer esses contactos.


    É mais uma derrota para o Governo norte-americano e a sua intenção de continuar a aplicar censura nas plataformas que operam redes sociais.

    O juiz distrital dos Estados Unidos Terry Doughty rejeitou ontem um recurso do Departamento de Justiça da Administração Biden que visava reverter a sua ordem anterior que proibiu o Governo, incluindo 11 departamentos de Estados e o próprio Presidente, além de outros funcionários públicos, de contactarem com as tecnológicas para remover conteúdo postados nas redes sociais.

    Para o juiz, os conteúdos divulgados nas redes sociais estão protegidos pela Primeira Emenda – excluindo obviamente conteúdos relativos a actividades ilegais, como pedofilia, conspiração, extorsão, ameaças à segurança do Estado ou de infraestruturas no estrangeiro.

    Joe Biden e a sua Administração não vão poder continuar a censurar meras opiniões contrárias à sua.

    Segundo o juiz, “é provável que os autores da acção [onde se incluem o Estados da Louisiana e do Missouri] provem que todos os Réus [Administração Biden e departamentos de Estado, além de funcionários] coagiram, encorajaram significativamente e/ou participaram conjuntamente com empresas de redes sociais para suprimir publicações de cidadãos norte-americanos que expressavam opiniões que eram contra as vacinas da covid-19, contra confinamentos, publicações que deslegitimaram ou questionaram os resultados das eleições de 2020 e outros conteúdos não sujeitos a qualquer exceção à Primeira Emenda”.

    O juiz frisou ainda que “estes itens estão protegidos pela liberdade de expressão e foram aparentemente censurados por causa dos pontos de vista que expressaram”. Salientou que “a discriminação de pontos de vista está sujeita a um escrutínio rigoroso”.

    Recorde-se que a decisão anterior deste juiz “apenas proíbe algo que os Réus não têm o direito legal de fazer: entrar em contacto com empresas de redes sociais com o objetivo de solicitar, encorajar, pressionar ou induzir, de qualquer forma, a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida publicada em redes sociais”.

    Terry A. Doughty, tomou decisão histórica.

    O juiz deu provimento parcial a uma providência cautelar e proibiu, com efeitos a partir do simbólico dia 4 de Julho, que a Administração Biden e várias agências e organizações estatais façam acordos com gigantes tecnológicas – como o Twitter, o Youtube e o Facebook – para que sejam censurados ou restringidos conteúdos nas suas plataformas – uma prática que se normalizou durante a pandemia de covid-19.

    Além de Joe Biden, a proibição abrange quatro dezenas de pessoas associadas à Administração Biden e ainda 11 entidades públicas, entre as quais o National Institute of Allergy & Infectious Diseases – que foi presidido por Anthony Fauci, durante a pandemia –, o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Centers for Disease (CDC), o Food & Drug Administration (FDA) e diversos departamentos federais.

    Todos ficam agora impedidos de contactar as plataformas digitais com “o propósito de incitar, encorajar, pressionar ou induzir de qualquer maneira a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida”.

    Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya são três eminentes investigadores que, por se oporem às medidas radicais aplicadas pelos Governos durante a pandemia, foram difamados e alvo de restrições com a participação activa e empenhada da imprensa e redes sociais.

    Nessa medida cautelar (preliminary injunction), revelada na terça-feira passada num documento de 155 páginas, o juiz determinou ainda a proibição de as agências governamentais “sinalizarem publicações específicas às plataformas digitais, ou solicitarem relatórios sobre os seus esforços para banir conteúdos”. No entanto, ficam excluídos desta decisão eventuais notificações sobre “publicações que detalhem crimes, ameaças à segurança nacional ou tentativas externas de influenciar as eleições”.

    A ordem de Doughty surge no seguimento de um processo interposto pelo procurador-geral do Estado da Louisiana, Jeff Landry, e o antigo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt. Os queixosos alegaram que o Governo Federal norte-americano violou sistematicamente a Primeira Emenda, tendo invocado, entre vários exemplos, casos de censura de publicações que visaram Hunter Biden, ou que defendiam a teoria da fuga de laboratório do SARS-CoV-2.

    No leque de queixosos estava também o bioestatístico sueco Martin Kulldorff e o norte-americano Jay Bhattacharya. Tal como outras personalidades, estes conceituados investigadores – o primeiro é professor da Harvard Medical School e o segundo professor da Universidade de Stanford – foram alvo de intensas campanhas de difamação e de censura nas redes sociais por apresentarem, com informação científica, opiniões contrárias às da Organização Mundial da Saúde.

  • Administração Biden proibida por juiz de pressionar Big Tech para aplicar censura

    Administração Biden proibida por juiz de pressionar Big Tech para aplicar censura

    Ontem, no Dia da Independência dos Estados Unidos, um juiz federal do Estado da Louisiana colocou um travão à censura nas redes sociais e determinou que o Governo não poderá pressionar nem estabelecer parcerias com as gigantes tecnológicas para retirar ou restringir publicações e conteúdos nas suas plataformas. Esta conduta intensificou-se, nos Estados Unidos e na Europa durante a pandemia de covid-19, sob o pretexto do combate à “desinformação”.


    Um juiz federal do Estado norte-americano da Louisiana proibiu, com efeito a partir de ontem, que a Administração Biden estabeleça acordos com as gigantes tecnológicas – como o Twitter, o Youtube e o Facebook – para que sejam censurados ou restringidos conteúdos nas suas plataformas – uma prática que se intensificou durante a pandemia de covid-19.

    A decisão do juiz Terry A. Doughty – nomeado durante a administração de Donald Trump em 2017 – concedeu razão aos apelos, como queixosos, dos Estados da Louisiana e do Missouri e ainda a cinco particulares, entre os quais o bioestatístico sueco Martin Kulldorff e o norte-americano Jay Bhattacharya.

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    Tal como outras personalidades, estes conceituados investigadores – o primeiro é professor da Harvard Medical School e o segundo professor da Universidade de Stanford – foram alvo de intensas campanhas de difamação e de censura nas redes sociais por apresentarem, com informação científica, opiniões contrárias às da Organização Mundial da Saúde.

    Além de Joe Biden, a proibição abrange quatro dezenas de pessoas associadas à Administração Biden e ainda 11 entidades públicas, entre as quais o National Institute of Allergy & Infectious Diseases – que foi presidido por Anthony Fauci, durante a pandemia –, o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Centers for Disease (CDC), o Food & Drug Administration (FDA) e diversos departamentos federais. Todos ficam agora impedidos de contactar as plataformas digitais com “o propósito de incitar, encorajar, pressionar ou induzir de qualquer maneira a remoção, exclusão, supressão ou redução de conteúdo que contenha liberdade de expressão protegida”.

    Nesta medida cautelar (preliminary injunction), revelada num documento de 155 páginas, o juiz determinou ainda a proibição de as agências governamentais “sinalizarem publicações específicas às plataformas digitais, ou solicitarem relatórios sobre os seus esforços para banir conteúdos”. No entanto, ficam excluídos desta decisão eventuais notificações sobre “publicações que detalhem crimes, ameaças à segurança nacional ou tentativas externas de influenciar as eleições”.

    Terry A. Doughty, tomou decisão histórica.

    A ordem de Doughty surge no seguimento de um processo interposto pelo procurador-geral do Estado da Louisiana, Jeff Landry, e o antigo procurador-geral do Estado do Missouri, Eric Schmitt. Os queixosos alegaram que o Governo Federal norte-americano violou a Primeira Emenda, tendo invocado, entre vários exemplos, casos de censura de publicações que visaram Hunter Biden, ou que defendiam a teoria da fuga de laboratório do SARS-CoV-2.

    A acusação de censura imputada por Landry e Schmitt à Administração Biden teve eco nas palavras de Terry A. Doughty, que concluiu que “se as alegações feitas pelos queixosos forem verdadeiras, o presente caso provavelmente envolve o maior ataque contra a liberdade de expressão na História dos Estados Unidos”.

    De entre as organizações com as quais o Governo Federal norte-americano deixa de poder comunicar com o intuito de suprimir publicações nas redes sociais, estão entidades externas, como o Virality Project e o Stanford Internet Observatory, que já tinham sido alvo de escrutínio mediático aquando da divulgação dos Twitter Files.

    Martin Kulldorff, Sunetra Gupta e Jay Bhattacharya são três eminentes investigadores que, por se oporem às medidas radicais aplicadas pelos Governos durante a pandemia, foram difamados e alvo de restrições com a participação activa e empenhada da imprensa e redes sociais.

    De facto, os documentos internos da rede social divulgados com a autorização de Elon Musk, aquando da sua aquisição do Twitter no ano passado, avolumaram o debate em torno de um aparente conluio entre funcionários governamentais e a Big Tech para limitar a liberdade de expressão no mundo digital.

    Esta decisão em defesa da liberdade de expressão foi contestada por alguns círculos, mas aplaudida por outros, sobretudo jornalistas, cientistas e académicos que foram alvo de censura pelas suas opiniões sobre a pandemia. Nesta lista, constam Andrew Lowenthal e Paul D. Thacker, que foram, aliás, recentemente entrevistados pelo PÁGINA UM.

    No Twitter, Thacker respondeu a uma alegação da Casa Branca, que rejeitou ter pressionado as plataformas tecnológicas para censurar conteúdos. O jornalista, que participou na divulgação dos Twitter Files, aludiu especificamente a um e-mail de Rob Flaherty, no qual o funcionário da Administração Biden reagia de forma acesa e autoritária à recusa do Facebook em restringir algumas contas. “Vocês estão a falar a sério, porra? Eu quero uma resposta sobre o que aconteceu aqui e quero-a hoje”, recorda Thacker numa publicação partilhada.

    Para além dos procuradores-gerais, o processo foi também encabeçado por dois epidemiologistas que contestaram a gestão da pandemia, Jayanta Bhattacharya e Martin Kulldorff, Aaron Kheriatv, um professor demitido da Universidade da Califórnia pela sua recusa da vacina para a covid-19, Jill Hines, da associação Health Freedom Louisiana, e Jim Hoft, do site Gateway Pundit.

    As reacções à ordem de Doughty foram mistas, demonstrativas das fortes clivagens ideológicas, com os democratas a serem mais favoráveis a um melhor controlo daquilo que se convencionou chamar desinformação, mas que se transforma em mera censura como arma de silenciamento.

    Certo é que o procurador-geral da Louisiana apelidou a decisão como “histórica”, enquanto o procurador-geral do estado do Missouri festejou efusivamente no Twitter: “Feliz aniversário, América! Tens a tua Primeira Emenda de volta!”.

    O New York Times, que adianta que esta decisão judicial pode ter “implicações significativas na Primeira Emenda”, tentou obter comentários das plataformas mas sem sucesso. E diz também que a Casa Branca deverá recorrer da decisão.

  • Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Gravar som e/ ou imagens de sessões públicas de órgãos autárquicos, para transmitir online, pode expor a vida privada de quem nem sequer piou. Por isso, tem de ser pedida autorização expressa sem a qual nada feito. Esta é a visão redutora de uma orientação da Comissão Nacional de Protecção de Dados, mas que entra em conflito com uma deliberação praticamente da mesma data da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para quem as restrições para usar equipamentos de gravação se equipara à denegação do exercício do direito a informar.


    Dois pareceres com poucos dias de distância – o primeiro da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e o segundo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – ameaçam causar interpretações antagónicas para a captação de imagens e sons de reuniões de órgãos autárquicos quer por parte do público quer por parte sobretudo dos jornalistas.

    Em Abril passado, uma orientação da CNPD, a pretexto de vários pedidos de esclarecimento sobre a transmissão na Internet das reuniões camarárias e de Juntas de Freguesia considerou que “a transmissão áudio e vídeo em direto e online das reuniões dos principais órgãos autárquicos corresponde a um tratamento de dados pessoais (…) por implicar a recolha e divulgação de informação relativa a pessoas singulares identificadas ou identificáveis”.

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    Para este organismo, com uma visão extremamente lata sobre o conceito de dados nominativos, em causa está “não apenas a imagem das pessoas, o que revela ainda o local e contexto em que se encontram em determinado momento, como também o conteúdo das suas declarações, as quais podem expor, entre outros dados pessoais, aspetos da vida privada dos declarantes ou de terceiros e revelar convicções políticas, filosóficas ou de outra natureza.”

    A CNPD considera que a transmissão dessas imagens e mesmo das opiniões que possam ser transmitidas durante uma reunião autárquica “pode ainda promover ou facilitar a estigmatização e discriminação das pessoas cujos dados sejam assim divulgados, tendo em conta o risco de reutilização dos dados pessoais expostos na Internet”, concluindo que “a exposição da vida privada é irreversível”.

    Na orientação, a CNPD defende que as reuniões autárquicas são distintas das sessões na Assembleia da República, uma vez que naquelas os participantes “não o fazem na qualidade de cidadãos para expor as suas necessidades ou as suas perspetivas pessoais quanto às necessidades públicas”, mas sim “em termos que facilmente resultam na exposição da vida privada e familiar”.

    Fotografia: Médio Tejo

    Nessa medida, a CNPD considera que deve ser obtido “o consentimento prévio e expresso de todos as pessoas abrangidas pela filmagem e transmissão”, devendo todos serem alertados “especificamente para o facto de as imagens e som, uma vez disponibilizados online, serem suscetíveis de reutilização e difusão por terceiros”.

    A interpretação da CNPD vai não apenas a quem faça declarações como aqueles que lá estejam a assistir, incluindo os “trabalhadores que prestem apoio durante a reunião”.

    Esta visão absolutamente restritiva – que acabará por abranger a captação de imagens e sons por profissionais da comunicação social, quer para transmissão em directo quer para uso noticioso – entra assim em conflito com o direito de acesso à informação por parte dos jornalistas, que inclui captação de som e imagem sem autorização específica nas reuniões autárquicas por se realizarem em locais públicos.

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    E é nesse contexto que a ERC se debruça numa deliberação aprovada em 27 de Abril, mas apenas divulgada esta semana, a pedido de esclarecimento do jornal regional Notícias LX sobre se “será legítima a proibição de recolha de sons e imagens em reuniões públicas de órgãos autárquicos”.

    Na sua deliberação, a ERC defende que, “como princípio de ordem geral, e no âmbito das reuniões públicas de um órgão autárquico, será inadmissível o estabelecimento, por iniciativa do órgão promotor da reunião, de toda e qualquer limitação que objetivamente contenda com o regular desempenho da atividade profissional aí exercida por um jornalista, e que, simultaneamente, não se revele estritamente necessária ou adequada a assegurar o normal funcionamento de tais reuniões.”

    Na sua exposição, este regulador acrescenta que “por princípio, não devem ser colocadas quaisquer restrições injustificadas à captação, reprodução e divulgação do conteúdo com relevo informativo derivado da realização de uma reunião pública de um órgão autárquico”, acrescentando que “restrições ou proibições de recolha de sons e imagens (…) apenas em circunstâncias excecionais e devidamente justificadas será de tolerar, por contender com aspetos essenciais da própria cobertura informativa do evento em causa”.

    E diz mesmo que existe sim “o direito que os órgãos de comunicação social têm de utilizar os meios técnicos necessários ao desempenho da sua atividade (…) para efeitos de efetivação do exercício do seu direito de acesso a locais públicos para fins de cobertura informativa”, pelo que “vedar a jornalistas o acesso ou a permanência a locais públicos para efeitos de cobertura informativa ou proibir-lhes a utilização nesses mesmos locais dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade, representam condutas juridicamente equiparáveis, pela negativa, do ponto de vista de denegação do exercício do direito a informar e, em última instância, da própria liberdade de informação.”

    Aliás, o Conselho Regulador da ERC recorda até que “preenche o tipo de crime de atentado à liberdade de informação ‘quem, com o intuito de atentar contra a liberdade de informação, apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da atividade jornalística pelos possuidores dos títulos previstos na presente lei ou impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa’, que pode ser punido com prisão até um ano ou com multa até 120 dias”.

    E, por fim, a ERC até reitera “a particular valorização conferida, no contexto apontado, à obediência estrita ao imperativo constitucional de ausência de discriminações em matéria de direito de acesso, frequentemente violado através da imposição de condicionamentos arbitrários, intuitu personae, a agentes de informação considerados hostis pelos organizadores de eventos abertos à comunicação social.”

  • #TwitterFiles: Universidade de Stanford foi o epicentro de uma tenebrosa máquina de censura

    #TwitterFiles: Universidade de Stanford foi o epicentro de uma tenebrosa máquina de censura

    É mais um episódio tenebroso da gestão da pandemia da covid-19. A Universidade de Stanford liderou um projecto para “caçar” textos nas redes sociais, indicando mesmo pessoas e também temas que deveriam ser banidos, mesmo que não fossem falsos. Os Twitter Files revelam agora que as universidades, que deveriam ser o primeiro reduto da liberdade de expressão e de questionamento, funcionaram afinal como uma máquina de censura.


    Virality Project – assim se chamava o projecto liderado pela Universidade de Stanford, iniciado em Maio de 2020, em colaboração com a Tandon School of Engineering, o Center for an Informed Public, o Centre for Social Media and Politics, o National Conference on Citizenship, a Graphika e a DFRLab. Mas em vez de apenas estudarem comportamentos sociais, o projecto acabou por se transformar numa “máquina de censura”, sobretudo quando, a partir do início de 2021, encetaram uma colaboração directa com o Twitter e outras redes sociais. 

    Na mira dos académicos estava a “moderação” de uma ampla variedade de discursos em redor da pandemia, desde as teorias da imunidade natural e da alegada fuga do SARS-CoV-2 do laboratório de Wuhan, até “piadas preocupantes” e casos reais de efeitos adversos às vacinas anti-covid. Relatos de países que tivessem proibido algumas vacinas, ou de mortes de celebridades após a vacinação também estavam incluídos.

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    Na prática, o projecto consistiu numa rede de censura de todas as publicações que pudessem beliscar a confiança da população face às vacinas contra a covid-19 – mesmo que estivessem em causa informações factuais e verdadeiras. O Virality Project registou uma actividade visível a partir de 2021, e deixou de ser actualizado em Agosto do mesmo ano.

    A acção de censura do Virality Project orquestrada por universitários – homens da Ciência, portanto – é o mais recente episódio dos Twitter Filles, ontem divulgado por Matt Taibbi, um dos jornalistas independentes que tem tornado públicas as práticas daquela rede social durante a pandemia, e antes da sua compra por Elon Musk.

    Na fachada, de acordo com o seu site oficial, o Virality Project era “uma coligação de entidades de pesquisa focada em apoiar a troca de informações em tempo real entre a comunidade de pesquisa, autoridades de saúde pública, agências governamentais, organizações da sociedade civil e plataformas de social media“, com o objectivo de “detectar, analisar e responder a incidentes de desinformação sobre a vacina contra a covid-19 em ecossistemas online e, finalmente, mitigar o impacto de narrativas que, de outra forma, prejudicariam a confiança do público na segurança desses processos nos Estados Unidos”. Mas foi muito mais do que isso.

    Os Twitter Files continuam a revelar um mundo tenebroso de censura e controlo de informação durante a pandemia.

    A parceria entre o Twitter e o Virality Project teve início pouco tempo depois da tomada de posse de Joe Biden, em Fevereiro de 2021. Nesse mês, a rede social recebeu o primeiro relatório semanal sobre “desinformação anti-vacinas” que, no entanto, continha “inúmeras histórias verdadeiras”, como salienta Matt Taibbi.

    Até as preocupações com a perda de direitos e liberdades com a eventual criação de um certificado digital de vacinação foram consideradas como informações imprecisas, como se lê num relatório endereçado à equipa do Twitter.  De facto, a veracidade, ou falta dela, não importava: desde que fosse susceptível de “promover hesitação vacinal”, qualquer conteúdo poderia ser considerado “malinformation” e, assim, alvo de censura. Ao contrário da “desinformação”, o termo malinformation designa informações que, sendo factuais, são veiculadas com o propósito de causar dano a um cidadão, país ou organização. 

    Para além do Twitter, o Virality Project colaborava ainda com o Facebook, Instagram, Google, Youtube, Tiktok e o Pinterest.  Segundo Taibbi, o projecto depressa ganhou também “visibilidade” junto de outras plataformas alternativas, como o Telegram e o Parler.

    O Virality Project teve autonomia para classificar entidades como suspeitas. Assim, por exemplo, o Worldwide Rally for Freedom – uma iniciativa organizada via Telegram, que abrangeu várias manifestações em dezenas de países contra as medidas anti-covid – ficou descrita como sendo uma fonte de “desinformação”.

    Num dos relatórios enviados ao Twitter, alertava-se aquela rede social para a data em que estava previsto o próximo protesto, acrescentando-se a hashtag utilizada para as publicações sobre o evento, #WewillALLbethere, e o facto de estar a “ganhar tracção online entre os principais influencers cépticos da covid-19, tanto na Inglaterra como na França”.

    Outro relatório do Virality Project versava sobre os comprometedores e-mails de Anthony Fauci, o antigo director do National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) divulgados legalmente no âmbito do Freedom of Information Act em Junho de 2021. Os e-mails, que abordavam as directrizes para as máscaras e a fuga de laboratório, foram vistos pelo Partido Republicano como uma prova de que Fauci “enganou o público americano”, referia-se no relatório. 

    Colaboração iniciou-se em Fevereiro de 2021.

    Por exemplo, neste caso foi até identificado um denominado “influenciador anti-vaxxer”, Alex Berenson, antigo jornalista do The New York Times e conhecido escritor norte-americano. Berenson chegou a ter a conta suspensa em Agosto de 2021, apenas sendo restabelecida no início de 2022 num acordo extra-judicial.

    Noutros casos, são identificados “reiterados infractores” (repeat offenders), os quais deveriam ser vigiados por ser expectável que viessem a escrever sobre temas delicados. Neste grupo constava o advogado Robert F. Kennedy Jr..

    O projecto da Universidade de Stanford considerou, de forma completamente abusiva, que referências ou alegações sobre os e-mails de Fauci também configuravam desinformação, já que “fomentavam desconfiança”.

    Matt Taibbi refere que até no seu último relatório, o Virality Project qualificava como desinformação a tese de que “a vacina não prevenia a transmissão, ou que os Governos planeavam implementar passaportes digitais”. “Ambas [as teses] se revelaram verdadeiras”, salienta agora o jornalista.

    A hipótese, que agora é assumida pelo FBI, foi classificada como desinformação pelas redes sociais por influência da Universidade de Stanford.

    A colaboração com o Virality Project marcou, conforme se consta agora neste episódio dos Twitter Files, um ponto de viragem nos critérios da rede social sobre os conteúdos afectos à covid-19 que pudessem ser “sinalizados”. Até Julho de 2020, ainda nas primeiras fases da pandemia, o Twitter somente “cortava” informações que fossem “comprovadamente falsas” sobre a covid-19. 

    Depois dessa data, a plataforma tecnológica então liderada por Jack Dorsey, sucumbiu aos padrões impostos pelo Virality Project, cujo principal objectivo era não melindrar os cidadãos norte-americanos no que dizia respeito à vacinação anti-covid.

    Embora os documentos agora revelados pelos Twitter Files sejam apenas sobre esta rede social – e já não se apliquem sobre os seus utilizadores –, mostra-se fortemente plausível que as outras redes sociais também tenham sido seduzidos pelo Virality Project. Aliás, o Facebook ainda censura e aplica “castigos” aos seus utilizadores, mesmo sobre matérias já comummente aceites como verdadeiras. Esta semana, mesmo referências feitas pelo PÁGINA UM às declarações do ministro da Saúde alemão, Karl Lauterbach, foram abusivamente eliminadas pela rede social de Mark Zuckerberg.

    Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.

  • Manuel Pizarro fez “desaparecer” quase 50 mil euros em dois anos para poupar nos impostos

    Manuel Pizarro fez “desaparecer” quase 50 mil euros em dois anos para poupar nos impostos

    Não se sabe sequer quais foram os clientes que pagaram 148 mil euros (entre os anos de 2018 e 2020) à empresa que Manuel Pizarro teve de dissolver no final do ano passado, após assumir o cargo de ministro da Saúde. Mas sabe-se agora que, em 2021 e 2022, a sua empresa de consultadoria não teve qualquer rendimento e serviu apenas para “fazer” mais de 24 mil euros de despesa. Somando a isto uma estranha operação de alienação de um escritório em Ramalde – que não se sabe como chegou à empresa do ministro, que tinha um capital social de apenas 500 euros –, Manuel Pizarro reúne assim as condições ideiais para ser alvo de uma fiscalização pela Autoridade Tributária e Aduaneira.


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, utilizou diversos expedientes contabilísticos para descapitalizar a sua empresa de consultadoria, que dissolveu no final do ano passado para cumprir a lei das incompatibilidades, por aquela ter um objecto social em área por si tutelada. Nessas operações existem fortes indícios de se ter furtado ao pagamento dos impostos devidos ao longo dos últimos dois anos.

    De entre as operações para liquidar a empresa Manuel Pizarro Consultadoria – criada em 15 de Fevereiro de 2018, detida em 70% por si e tendo como sócio Artur Rocha Viana – encontra-se o estranho processo de alienação de um escritório na freguesia portuense de Ramalde, na mesma rua onde o actual ministro possui um apartamento.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde e gerente da dissolvida Manuel Pizarro Consultadoria, Lda., da qual detinha 70% do capital social.

    Saliente-se que não são conhecidos nem clientes nem trabalhos desta empresa de consultadoria na área da saúde que registou apenas três anos com rendimentos: em 2018 – ano da fundação – foram exactos 58.000 euros; no ano seguinte – em que Manuel Pizarro foi para Bruxelas como eurodeputado – contabilizou um rendimento de exactos 64.000 euros e em 2021 mais exactos 26.000 euros.

    Manuel Pizarro – que assumira em Outubro passado ao PÁGINA UM que seria o comprador daquele escritório – não fez afinal uma compra directa à própria empresa, que veio a ser dissolvida em 26 de Novembro do ano passado. As demonstrações financeiras, com vista à dissolução da empresa, foram apresentadas em 12 de Janeiro deste ano, tendo sido analisadas entretanto pelo PÁGINA UM.

    Numa situação normal, a alienação resultaria numa entrada de dinheiro, por troca do activo fixo (escritório), pelo que, aquando da dissolução da empresa, haveria lugar à aplicação de uma taxa liberatória sobre a verba recebida nessa venda por parte dos dois sócios (Manuel Pizarro e Artur Rocha Viana) na ordem dos 28%. Isto mesmo se o comprador fosse – como era o caso – um dos sócios.  Contudo, não foi essa a solução seguida.

    Prédio onde se localiza o escritório comprado pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020, e passou agora para as mãos do ministro muito abaixo do preço de mercado.

    Pela análise do relatório e contas de 2022 da Manuel Pizarro Consultadoria, o escritório de Ramalde – comprado em 2020 por montante nunca esclarecido – tinha o valor escriturado final de 33.950 euros, após deduzidas depreciações acumuladas de 1.050 euros. Mas em vez de uma alienação directa, o ministro da Saúde e o seu sócio optaram antes por usar as reservas livres – ou seja, os lucros não distribuídos dos anos anteriores –, abatendo esse valor nos capitais próprios e, consequentemente, o escritório alienado na parte do activo.

    Embora tal não seja irregular, esse expediente carece de autorização escrita expressa de ambos os sócios – algo que Manuel Pizarro não quis informar o PÁGINA UM –, porque, em termos práticos, Artur Rocha Viana teria de ser compensado, uma vez que formalmente, como sócio, detinha 30% do escritório.

    Mas esse está longe de ser o único eventual problema. Além de outros aspectos que necessitariam de esclarecimentos adicionais, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem condições para colocar em causa os valores envolvidos no negócio. Com efeito, os preços de mercado dos escritórios naquela freguesia no Porto situam-se bem acima dos 1.200 euros por metro quadrado, pelo que, assumindo que o escritório agora integralmente nas mãos do ministro tem 38 metros quadrados – algo que não se consegue confirmar pela declaração no Tribunal Constitucional, pois esses elementos foram rasurados completamente (a “bem” da transparência) –, o valor escriturado contabilisticamente estaria assim já bastante baixo. Ou seja, o escritório alienado valeria pelo menos 45.600 euros.

    Declaração no Tribunal Constitucional de Manuel Pizarro já contém indicação de ser proprietário do escritório de Ramalde, anteriormente detido pela empresa, mas com rasuras nas suas características, incluindo valor patrimonial e/ou preço de aquisição.

    Contudo, segundo os dados do relatório e contas de 2022, a alienação terá sido feita pelo valor escriturado líquido (33.950 euros) – ou seja, pelo menos 11 mil euros mais baixo do que o mercado –, mas foi ainda colocado na demonstração de resultados um gasto de mais de 6.611 euros, que estará próximo do valor dos impostos sobre a transacção deste imóvel, que acabaram assumidos pela empresa através de endividamento.

    Além de tudo isto, Manuel Pizarro terá activamente descapitalizado a empresa ao longo dos últimos dois anos, através da sucessiva introdução de despesas sem que estas tivessem respaldo na obtenção de rendimentos.

    Com efeito, o ano de 2020 foi o último em que a Manuel Pizarro Consultadoria teve rendimentos (26.000 euros), tendo apresentado um lucro de 5.710 euros, conforme se confirma nas demonstrações financeiras. Note-se que o actual ministro – que como sócio-gerente não era remunerado – nunca revelou quais foram os clientes da sua empresa de consultadoria criada em 2018, nem sequer é conhecido qualquer relatório ou actividade. As únicas despesas reportadas foram sempre de fornecimentos e serviços externos.

    Em 2021 e 2022, a Manuel Pizarro Consultadoria serviu assim para o actual ministro meter despesas que podem muito bem vir a ser consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como exclusivamente pessoais. No primeiro destes dois anos, a empresa apresentou um prejuízo de 11.860 euros, e em 2022 – ano da dissolução – mais um prejuízo de 12.422 euros, como o PÁGINA UM constatou nas demonstrações financeiras. Ou seja, em dois anos, houve zero euros de rendimento e mais de 24 mil euros em despesas. Manuel Pizarro serviu-se, aparentemente, da empresa para escoar despesa pessoal.

    Deste modo, e com a operação de alienação do escritório, e conjugando com despesas de duvidosa justificação empresarial, a Manuel Pizarro Consultadoria passou de uma situação de capitais próprios de 54.391 euros no final de 2020 para apenas 1.382 euros no final de 2022, tendo pagado ao Estado, em impostos, menos de sete mil euros pelas estimativas do PÁGINA UM, analisando as demonstrações financeiras do último triénio.

    Caso a empresa tivesse sido liquidada logo em 2021 – e sem considerar sequer mais-valias do escritório de Ramalde –, Manuel Pizarro e o seu sócio teriam de desembolsar para o Estado mais de 15 mil euros em impostos.

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    Não são conhecidos clientes nem trabalho desenvolvido pela Manuel Pizarro Consultadoria entre 2018 e 2020, que facturou 148.000 euros. Nos dois últimos anos de actividade, a empresa registou zero euros de rendimentos e mais de 24 mil euros de despesas.

    Na passada segunda-feira, o PÁGINA UM enviou as seguintes oito questões ao ministro da Saúde, não tendo tido a mínima reacção:

    a) na alienação do escritório pela empresa à sua pessoa, qual foi o critério de valorização, atendendo que foi inferior ao valor contabilístico deduzido de amortizações? Qual a razão para um valor tão baixo num escritório com as dimensões por si anteriormente indicadas, gerando até uma situação de mesmo menos-valias de 6 mil euros aproximadamente? Sofreu alguma rectificação deste valor pela Autoridade Tributária?

    b) Qual foi o valor da aquisição desse escritório em 2019? Onde foi feita a escritura e quem era o anterior proprietário?

    c) Na sua declaração no Tribunal Constitucional surge a posse de dois escritórios na freguesia de Ramalde, mas sem qualquer identificação da matriz, o que contraria a legislação. Quer-nos indicar a matriz dos referidos escritórios?

    d) Atendendo que, aparentemente, foi remunerado em espécie pela empresa de que era sócio (70%), através do débito de reservas livres e crédito do activo em questão, por que motivo o valor contabilístico líquido e o valor abatido às reservas livres não coincidem?

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    e) como o escritório ficou, atendendo a declarações transmitidas pelo seu gabinete, a ser sua propriedade exclusiva, compensou o seu sócio, uma vez que este tinha direito a 30% do valor alienado? Se sim, qual o valor desta compensação? Pode disponibilizar algum documento que comprove essa situação?

    f) A sua empresa realizou a retenção na fonte do IRS relativo ao rendimento em espécie que ambos sócios receberam (alienação do escritório pela empresa)? Se sim, qual o valor destes pagamentos ao Estado?

    g) Para esta operação, foi a empresa que liquidou o IMT ao Estado ou foi o Sr. Ministro?

    h) Além da colaboração a título pessoal que teve com a Gilead em 2019 e 2021, quer esclarecer se a Manuel Pizarro Consultadoria teve farmacêuticas como clientes, e se sim, quais?