Luís Montenegro ganhou as eleições legislativas e já formou Governo. Mas, antes disso, António Costa teve uma derradeira palavra a dizer e resolveu ‘queimar os últimos cartuchos’ sob a forma de 20 Resoluções de Conselho de Ministros (RCM) nos dias 21 e 24, que ontem foram publicados em Diário da República. Não foi coisa pouca: envolvem um volume de despesas públicas da ordem dos 1,7 mil milhões de euros. Segundo um levantamento do PÁGINA UM, de entre as duas dezenas de RCM – que se tornaram uma forma corriqueira de governar por parte de António Costa –, 12 constituem autorizações para realização de despesa em institutos, empresas públicas e também universidades, sendo que as restantes são reprogramações, embora em grande parte dos casos com definição em concreto de gastos acrescidos e das entidades beneficiadas. Como o próximo Governo de Luís Montenegro não terá a mesma facilidade do de António Costa em gerir a ‘máquina de despesa do Estado’ com simples RCM – por não ter maioria parlamentar –, a ‘impressão digital’ do Partido Socialista vai, assim, manter-se em muitos sectores nos próximos anos.
Foi uma semana bastante produtiva a última em acção do Governo socialista cessante. Em quatro dias somente António Costa compôs, entre outros diplomas, um total de 21 Resoluções de Conselho de Ministros, praticamente todos com forte impacte financeiro e, em muitos casos, até condicionando da acção do novo Governo de Luís Montenegro, porque têm incidência em programas plurianuais. A sofreguidão do Governo Costa foi tal que alguns dos diplomas saíram de um Conselho de Ministros extraordinário em regime electrónico no passado domingo.
Tamanho afã governamental, levaram mesmo os serviços da Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que produzem o Diário da República, a trabalho redobrado. Uma parte das Resoluções de Conselho de Ministros tiveram de passar para dois suplementos da 1ª série da ‘edição’ de ontem. O ‘tomo’ principal ficou cm 93 páginas, enquanto um dos suplementos ocupou 27 páginas e o outro mais 51, embora neste caso quase todo ocupado por uma portaria que estabeleceu as normas do regime de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual.
António Costa e Luís Montenegro. (Foto: D.R./ Foto oficial de António Costa)
De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, de entre as 20 Resolução com impacte financeiro e até orçamental, 12 constituem autorizações de realização de despesa por parte de institutos e empresas públicas e também universidades, sendo que as restantes são reprogramações, embora em grande parte dos casos também com definição em concreto de gastos acrescidos e das entidades beneficiadas.
Embora com alguma (pequena) margem de erro, porque algumas reprogramações podem não ter um impacte financeiro por se tratar de reajustamentos plurianuais, as derradeiras medidas do Governo Costa ‘mexem’ num impressionante montante: mais de 1,7 mil milhões de euros. E como o próximo Governo de Luís Montenegro não terá a mesma facilidade do de António Costa em gerir a ‘máquina de despesa do Estado’ com simples Resoluções de Conselho de Ministros – por não ter maioria parlamentar –, a ‘impressão digital’ do Partido Socialista vai manter-se em muitos sectores nos próximos anos.
Dois dos sectores onde tal será mais evidente são os investimentos na ferrovia e na habitação. O novo ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, estará ‘agarrado’ a três decisões do Governo de António Costa sobre a afectação de verbas específicas do Fundo Ambiental e do Orçamento do Estado para o Plano de Investimento em Material Circulante por parte da CP.
(Foto: D.R./Foto oficial de António Costa)
Um dos diplomas concede, desde já, autorização à empresa pública para proceder á repartição de encargos plurianuais, até 2032, num montante total de cerca de 746 milhões de euros. Por exemplo, para o Orçamento do Estado do próximo ano, o Governo de Luís Montenegro será já obrigado a incluir uma verba específica de 50 milhões de euros para dar cumprimento a esta Resolução.
Também é o Governo de António Costa que, em ‘fim de festa’ determinou a repartição em concreto das verbas que o Fundo Ambiental, que será tutelado pela nova ministra Maria da Graça Carvalho, deverá entregar à CP. A título de exemplo, este ano serão 78,5 milhões de euros e no próximo mais 82,6 milhões.
Ainda no sector dos transportes, mas neste caso em benefício do Metropolitano de Lisboa, foi também António Costa – que, desde Novembro acumulava a tutela das Infraestruturas – que decidiu já as compensações financeiras anuais a atribuir até 2030 pelo Estado no âmbito das obrigações de serviço público. Por ordem do Governo socialista, o Governo da Aliança Democrática terá de entregar este ano ao Metropolitano de Lisboa um total de 4.259.786 euros, e se continuar a durar em 2025 serão mais cerca de 18,3 milhões de euros. Nos próximos sete anos, a Resolução de Conselho de Ministros de 21 de Março, apenas assinada por Mariana Vieira da Silva, fixou pagamentos à empresa pública de 73,7 milhões de euros.
(Foto: PÁGINA UM)
No caso do sector da habitação, Miguel Pinto Luz vai, em termos práticos, ser obrigado a cumprir a estratégia do Governo socialista. A Resolução de Conselho de Ministros autorizou o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) a realizar a despesa e a assumir os encargos plurianuais de mais 390,5 milhões de euros no âmbito da contratualização do Programa de Apoio ao Acesso à Habitação, e que visa, em princípio, a construção das 26 mil habitações. Para 2025 e 2026, Luís Montenegro terá de garantir 190,25 milhões de euros em cada um destes anos para este programa habitacional, assim o determinou António Costa nos seus últimos dias como primeiro-ministro.
Acresce ainda, no sector da habitação, mas neste caso para residências de estudantes universitários, duas autorizações de despesa concedidas à Construções Públicas (ex-Parque Escolar). A primeira para se gastar quase 17 milhões de euros num edifício na lisboeta Avenida 5 de Outubtro. A segunda para se gastar um pouco menos de 6,6 milhões de euros na reabilitação de um edifício em Seia. Os prédios pertencias ao Subfundo ImoResidências, da Estamo, dissolvido recentemente.
O sector da Saúde também teve decisões de última hora por parte do Governo Costa. Além da confirmação de mais compras de vacinas contra a covid-19 até 2026, no valor de 210 milhões de euros – que terão, em grande parte, o lixo como destino, por ser já escassa a procura face aos compromissos assumidos pela Comissão Europeia –, houve muitas decisões para obras em hospitais.
A última reunião de Conselho de Ministros ordinária do anterior Governo contou a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. (Foto: D.R./Foto oficial de António Costa)
No caso da reprogramação dos encargos plurianuais do Programa de Investimentos na Área da Saúde, foram incluídas autorizações de despesas para o alargamento e remodelação das instalações da urgência polivalente da Unidade Local de Saúde de Viseu Dão-Lafões (8,06 milhões de euros), aquisição de acelerador linear para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (4,9 milhões de euros), a requalificação das instalações do Hospital de Conde de São Bento, em Santo Tirso (6,45 milhões de euros), o projeto de eficiência energética no Centro Hospitalar do Baixo Vouga (2,41 milhões de euros), a construção de uma central térmica no Hospital de Santa Maria (8,95 milhões de euros), a reabilitação dos sistemas energéticos do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (4,26 milhões de euros) e a requalificação do edifício de cirurgia do Instituto Português de Oncologia de Coimbra (38,3 milhões de euros).
Ainda no sector hospitalar, o Governo Costa aprovou a realização, ainda para este ano, de gastos por parte da Administração Central do Sistema de Saúde no valor de cerca de 16,1 milhões de euros, no quadro de um acordo de prestação de cuidados de saúde com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa em duas unidades de saúde: o centro de reabilitação de Alcoitão e o Hospital Ortopédico de Sant’Ana.
Por fim, ainda houve mais três Resoluções relacionadas com a logística e aquisição de fármacos, um dos quais a próxima ministra da Saúde, Ana Paula Martins, até ‘agradecerá’ por não ser ela a tomar. Trata-se de uma aquisição de compra, ao longo deste ano, de cerca de 1,6 milhões de euros do polémico antiviral remdevisir, para tratamento da covid-19, que é comercializado sob a marca Veklury, pela Gilead. Ana Paula Martins foi um quadro de topo desta farmacêutica entre Fevereiro de 2022 e Janeiro de 2023. Nesta Resolução integra-se também a compra de outros “medicamentos contra a covid-19” não especificados, mas feito no âmbito de acordos celebrados, e mantidos em segredo, que atingiram os 22,7 milhões de euros desde 2022.
Ana Paula Martins (Foto: Captura a partir de vídeo da AR-TV)
No sector da segurança, o Governo de António Costa já ‘avançou’ com o trabalho da nova ministra da Administração Interna, Margarida Blasco já não se terá de preocupar demasiado com a aquisição de serviços de suporte à Rede Nacional de Segurança Interna. Ou, pelo menos, ficará a saber que o Governo socialista determinou já vai tudo vai ficar em cerca de 63 milhões de euros, sendo que este ano se gastará apenas 5,2 milhões de euros, mas depois 12,8 milhões de euros em cada ano do quadriénio 2025-2028, terminando em 2029 com um gasto final de 6,4 milhões de euros.
Além de autorizações para gastos em campanhas de sensibilização na área dos resíduos – onde o Governo Costa determinou ‘autorizar’ que o Governo Montenegro venha a gastar cerca de 10,7 milhões de euros, através do Fundo Ambiental e da Agência Portuguesa do Ambiente – e de autorizações para a aquisição de computadores por escolas e de aquisição de serviços de gestão do centro de contacto do Instituto de Segurança Social, houve também lugar, nesta recta final do Governo socialista, em garantir despesa para obras em duas universidades.
Para uma residência de estudantes, a Universidade de Lisboa obteve autorização para avançar com uma empreitada de 6 milhões de euros, cujas obras deverão estar concluídas no próximo ano.
Já a Universidade de Coimbra recebeu duas benesses na recta final do Governo socialista: a primeira para avançar com a empreitada de edificação da nova biblioteca da Faculdade de Direito, no valor de 28,1 milhões de euros; e a segunda para reprogramar a despesa de outra empreitada, dessa vez de quase 22,3 milhões de euros, no decurso da construção do Centro de Excelência em Investigação do Envelhecimento.
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Antes de sair, António Costa manteve as ordens recebidas de Bruxelas, através de uma Resolução de Conselho de Ministros de última hora publicada hoje em Diário da República: Portugal vai continuar a comprar vacinas contra a covid-19 como se estivéssemos no auge da pandemia. Este ano ficou garantida uma despesa de 103,3 milhões de euros, mantendo prevista a compra de mais 107 milhões de euros em 2025 e 2026. Desde Outubro do ano passado, já só foram administradas menos de dois milhões de doses, e se se mantiver o ritmo dos reforços até ao Inverno de 2026-2027, o desperdício financeiro (em benefício das farmacêuticas) atingirá os 550 milhões de euros, porque haverá cerca de 35 milhões de doses literalmente deitadas ao lixo por perda de validade. Quando a covid-19 deixou de ser um problema de Saúde Pública – este mês representa 0,17% das mortes –, e sabendo-se que há 1,7 milhões de cidadãos sem médico de família, esta estratégia mostra os paradoxos das políticas de Saúde Pública em Portugal.
Preso pelos acordos secretos da Comissão von der Leyen com as farmacêuticas, o Governo cessante de António Costa decidiu no domingo passado, em Conselho de Ministros extraordinário, reprogramar as despesas pelas compras de vacinas contra a covid-19, autorizando para o ano de 2024 gastos da ordem dos 103,3 milhões de euros. Uma parte desta verba será para suportar encargos feitos no ano passado, mas apenas a serem pagos agora por causa de alegados atrasos de visto no Tribunal de Contas.
Com a reprogramação desta despesa – a que acrescerão mais quase 107 milhões de euros em 2025 e 2026 –, confirma-se um desastre financeiro e de Saúde Pública: num país com mais de 1,6 milhões de cidadãos sem médico de família, vai continuar a haver dinheiro para comprar doses de vacinas contra a covid-19 que serão enviadas literalmente para o lixo, face à cada vez mais diminuta procura. Com efeito, estando a covid-19 endémica e com uma baixíssima mortalidade – este ano causou 197 óbitos, representando 0,6% dos óbitos totais, mas este mês de Março encontra-se abaixo dos 0,2% –, a procura tem sido bastante baixa.
De acordo com os dados da Direcção-Geral da Saúde, entre Outubro do ano passado e o domingo passado, 24 de Março, foram administradas um total de 1.990.226 doses de reforço. Considerando o preço médio unitário de 15,5 euros, indicado num relatório do Tribunal de Contas, a despesa total terá ascendido a 30,8 milhões de euros, caso não existissem compromissos assumidos pela Comissão von der Leyen com a concordância dos diversos Governos da União Europeia de se comprar mais do que o necessário.
Vacinas desperdiçadas: não serão enviadas para o lixo urbano, obviamente, mas serão inutilizadas cerca de metade das doses que serão adquiridas por Portugal desde 2020 até 2026.
O Tribunal de Contas, num relatório de Setembro do ano passado, já apontava para um elevado desperdício financeiro pela inutilização de doses não administradas. O valor provisório então indicado, referente ao final de Dezembro de 2022, era de um desperdício de 3,5 milhões de doses com um valor de 54,5 milhões de euros. Porém, esse montante pecava já por defeito.
Uma análise do PÁGINA UM, com base em informação oficial, mostrava que apesar de Portugal ter encomendado 61.19.803 doses de vacinas até 2022 somente tinha administrado, até então, 28.200.460 doses, considerando os dados do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC). Ou seja, como a partir dessa altura até agora acresceram cerca de dois milhões de doses, administradas, chega-se a um desperdício de mais de 40 milhões de doses.
Mas entretanto, ainda se comprou muitas mais doses, e mais se comprarão, atendendo à cativação das verbas desde 2020 pelo Governo de António Costa. Apesar de os contratos celebrados pela DGS continuarem escondidos – o PÁGINA UM tem um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa que corre há quase 15 meses, embora seja considerado urgente –, fica-se a saber, através de sucessivas Resoluções de Conselho de Ministros quanto se gastou e se continuará a gastar em vacinas contra a covid-19 até, pelo menos, 2026.
A primeira compra foi autorizada em 20 de Agosto de 2020, antes mesmo da aprovação das vacinas. Montante: 20 milhões de euros. Ainda nesse ano, em 17 de Dezembro, em vésperas da administração da primeira dose, o Governo de António Costa autorizou, para o ano seguinte, a realização de despesas de aquisição de vacinas e de logística no total de 195,5 milhões de euros.
Menos de cinco meses depois, em 6 de Maio de 2021, uma nova autorização para realização de despesa adicional: mais 241.537.472 euros. Em 23 de Dezembro desse ano, autorizou-se mais compras de vacinas contra a covid-19 para 2022: e assim se concedeu liberdade para se gastar mais 291,4 milhões de euros. Mas não acabou por aí: em 17 de Novembro de 2022, o Governo Costa autorizou mais compras no valor de quase 70,6 milhões de euros. E menos de um mês depois, em 15 de Dezembro, ainda se adicionou mais uma autorização no valor máximo de mais de 57,8 milhões de euros.
Nesta lógica de dividir uma factura cada vez mais crescente, em 7 de Setembro do ano passado, o Conselho de Ministros determinou que em 2023, apesar de a covid-19 deixar de ser uma preocupação pública relevante, se gastariam ainda mais 65,4 milhões de euros em 2023, mais cerca de 50 milhões de euros em 2024, mais 53,5 milhões de euros em 2025 e outro tanto em 2026.
A decisão do passada domingo de um Governo em gestão altera os montantes de 2023 e 2024 – sem afectar a despesa previamente definida, e assegura a despesa pré-determinada para os anos de 2025 e 2026 – mostra sobretudo que Portugal, tal como os outros parcerias comunitários, está completamente preso aos negócios secretos assumidos secretamente por Ursula von der Leyen.
António Costa e Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, que negociou contratos secretos com as farmacêuticas que resultarão seguramente, apenas em Portugal, no desperdício de 35 milhões de doses e quase 550 milhões de euros
Somando toda a despesa feita e assumida desde 2020 pelo Governo português, Portugal deverá assumir encargos de 1,1 mil milhões de euros associadas à compra e armazenamento de vacinas contra a covid-19, dos quais 210 milhões de euros entre 2024 e 2026. Se o preço unitário rondar os 15,5 euros por dose, o valor indicado pelo Tribunal de Contas, então estará garantida a compra de quase 71 milhões doses.
Contudo, contabilizando as doses já administradas (cerca de 30 milhões) e se o processo de reforço nos Invernos de 2024-2025, 2025-2026 e 2026-2027 for similar ao do mais recente, o nosso país apenas administrará 36 milhões de doses, o que significará que desperdiçará praticamente metade das doses adquiridas. Contas feitas, o processo de aquisição sob a batuta da Comissão Europeia entregará cerca de 550 milhões de euros aos cofres das farmacêuticas beneficiadas sem qualquer préstimo, uma vez que aproximadamente 35 milhões de doses serão deitadas para o lixo por nem sequer haver quem as queira receber de borla.
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A Câmara Municipal de Cascais aceitou pagar, em tempo recorde, uma factura de cerca de 233 mil euros de uma empresa fornecedora de refeições para refugiados ucranianos numa altura em que os seus centros estavam quase vazios. Ainda mais estranho, e contrariando mesmo o caderno de encargos, a autarquia liderada pelo social democrata Carlos Carreiras fez a transferência ainda durante a vigência do contrato, que decorreu desde 26 de Setembro do ano passado e o dia a seguir ao mais recente Natal, sem sequer se apurar o número de refeições supostamente distribuídas. A autarquia quer agora, num processo de intimação protagonizado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Sintra, que o caso seja encerrado sem sequer explicar os motivos para não se revelarem guias de remessa e de recepção das refeições. Um caso que, na verdade, merecia mais ser tratado num tribunal penal do que administrativo, até porque em outro estranho ajuste directo com preços hiperinflacionados, envolvendo o Modelo Continente, a Câmara Municipal de Cascais – que fez contratos para apoio aos refugiados da Ucrânia de quase dois milhões de euros – diz que, afinal, não comprou nada à cadeia de supermercados. Mas diz isto sem apresentar provas, e apenas depois de ter sido obrigada pelo Trbunal Administrativo de Sintra a pronunciar-se.
Um contrato com um preço estimado de 250 mil euros para fornecimento de alimentação ao centro de refugiados da Ucrânia em Cascais foi facturado quase na íntegra à autarquia apenas dois dias após o ajuste directo e o pagamento concretizou-se ainda no prazo de vigência, sem sequer especificar sequer número de refeições entregues. Esta situação ocorreu num momento em que os centros de refugiados naquele município estavam já com um número reduzido de ucranianos, segundo apurou o PÁGINA UM, e existem fortes suspeitas de não terem sido entregues grande parte das refeições, apesar do pagamento feito. A autarquia de Cascais sempre recusou divulgar ao PÁGINA UM elementos sobre os refugiados que apoiou desde a invasão da Rússia à Ucrânia.
A factura deste contrato – o terceiro em cerca de dois anos, para o mesmo fim – foi enviada pela ICA – Indústria e Comércio Alimentar em 28 de Setembro do ano passado à Câmara Municipal de Cascais, com um valor total de 232.799,69 euros, mas sem explicitar o número de refeições nem a sua tipologia nem o número de beneficiários nem as condições de entrega. Na referida factura surge apenas a referência “Serviço Refeição – Almoços aos Refugiados” com a quantidade de “1 UN” [uma unidade], com um “Preço Unitário” de 189.268,04 euros, a que acresceu IVA a 23%. Se foram apenas almoços a serem fornecidos, e se se estipulasse um preço unitário de 10 euros, estaríamos perante mais de 23.000 refeições, o que, distribuídas pelo prazo do contrato, daria quase 260 refeições por dia.
Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais. É possível pagar facturas de 233 mil euros com indicação de 1 unidade? Em Cascais, sim.
Como revelou o PÁGINA UM, em Setembro do ano passado, este terceiro ajuste directo à empresa ICA estabelecia “a prestação de serviços de fornecimento de refeições conforme as necessidades até ao valor contratual máximo de 250.000,00 euros, pelo período estimado de 3 meses”, que incluía o “fornecimento diário até 4 refeições completas (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar)” com entregas “nos centros de acolhimento a refugiados”, cujas “localizações e quantidades” deveriam ser acordadas com “o gestor do contrato”.
Porém, ao longo do ano passado, a autarquia liderada por Carlos Carreiras – que foi de longe a entidade pública que despendeu mais dinheiros públicos alegadamente para apoio aos ucranianos após a invasão pela Rússia – nunca mostrou disponibilidade para facultar acesso ao PÁGINA UM aos centros de refugiados nem aos registos das pessoas apoiadas, obrigando assim à instauração de um processo de intimação no Tribunal Administrativo.
Foi no decurso deste processo no Tribunal Administrativo de Sintra que o município de Cascais acabou por enviar cópia da factura, bem como a ordem de pagamento emitida em 7 de Novembro do ano passado, ou seja, a autarquia até pagou antes do fim do contrato, incumprindo, logo aqui, o caderno de encargos que a impedia de conceder adiantamentos.
Factura da empresa ICA emitida em 28 de Setembro de 2023, dois dias após o ajuste directo e quando ainda faltavam 89 dias para o fim da vigência do contrato. Não consta a discriminação das refeições a entregar. Ver AQUI a cópia da factura(em melhor qualidade) e a ordem de pagamento.
Mas o mais suspeito neste estranho contrato de alimentação está relacionado com a assumpção, agora, por parte da própria Câmara Municipal de Cascais, junto do Tribunal Administrativo de Sintra, de que não existirão quaisquer documentos que comprovem o número de refeições efectivamente entregues em cada um dos 91 dias do contrato.
Relembre-se que numa reportagem do Diário de Notícias em Fevereiro do ano passado , Carlos Carreiras dizia que nos dois centros de acolhimento em Cascais, então existentes, estavam “apenas 132 cidadãos” ucranianos, acrescentando que se esperava que até ao final de Março esse número fosse “cerca de metade e que até Maio/ Junho já todos [tivessem] encontrado soluções”. Ou seja, perante a postura da Câmara de Cascais ignora-se quem comeu, e sobretudo quantas pessoas comeram, refeições no valor de 232.799,69 euros supostamente entregues pela ICA entre 26 de Setembro e 26 de Dezembro de 2023. E ignora-se sobretudo quem entregou e quem recebeu, porque a autarquia não quer revelar guias de remessa e de recepção, e quer mesmo que o Tribunal Administrativo de Sintra não a obriga a revelar dando por encerrada a lide com a simples entrega de uma factura e de uma ordem de pagamento.
Ora, não é nada expectável – pelo contrário, a sua falta configura ilegalidades graves – que os serviços associados a uma facturação de um valor tão elevado, que se desenvolvia ao longo de 91 dias, se tenham feito sem qualquer requisição, sem qualquer guia de recepção, sem qualquer outra comunicação entre adjudicante e adjudicatária.
Repasto em Junho do ano passado em Cascais aquando da visita do presidente da autarquia russa de Irpin a um dos centros de acolhimento de refugiados, mas onde estiveram a almoçar muitos portugueses. O contrato suspeito com a ICA foi celebrado em Setembro de 2023.
Acresce também que a emissão da factura apenas dois dias após a celebração do contrato, e com o pagamento a ocorrer em 7 de Novembro, consubstancia uma irregularidade contratual, uma vez que na cláusula 13ª do Caderno de Encargos refere-se que “os pagamentos são efectuados no prazo de 60 dias após a entrega das respectivas facturas, as quais só podem ser emitidas após o vencimento das obrigações a que se referem, devendo conter a menção do número de compromisso e do número de requisição externa […].” Mais se adiantava, que “podem ser propostos pagamentos parcelares, não havendo, contudo, lugar a adiantamentos […]”, conforme é reiterado na cláusula 14ª.
Para além de terem sido feitos pagamentos claramente antecipados – a transferência foi realizada pelo município 20 dias antes da data de vencimento da factura –, ignora-se nos documentos entregues entretanto pela autarquia de Carlos Carreiras qual o motivo para o valor final ter sido de 189.268,04 euros sem IVA (232.799,69 euros com IVA) – e não de 250.000 euros sem IVA estabelecido em contrato – e quantas refeições afinal foram contratadas, uma vez que supostamente não existem documentos onde se indique o número total de refeições, a sua tipologia e o preço unitário.
Na intimação junto do Tribunal Administrativo de Sintra, o PÁGINA UM tinha requerido que a Câmara Municipal de Cascais entregasse, entre outros elementos, a totalidade dos documentos que comprovassem a execução diária do fornecimento de refeições, com o número (em cada dia) de refeições (por tipologia) e o custo respectivo.
Quanto ao ajuste directo para a compra de diversos produtos alimentares e não-alimentares ao Modelo Continente no valor de 166.124,88 (sem IVA) para a entrega em períodos mensais, durante um ano – a acabar em Junho próximo –, de cerca de uma centena de produtos, a autarquia de Cascais diz que, afinal, não comprou nada. O ‘problema’ deste contrato estava sobretudo no facto de as quantidades constantes no caderno de encargos, aos preços unitários então praticados pelos supermercados do Grupo Sonae, totalizarem pouco mais de 14 mil euros. Ou seja, o valor dos bens previstos no contrato era mais de 10 vezes superior ao valor de mercado desses produtos, havendo uma diferença de mais de 160 mil euros, se se considerar o IVA.
Autarquia de Cascais celebrou contratos públicos de quase dois milhões de euros para apoio aos refugiados da Ucrânia, destacando-se entre as entidades públicas portuguesas. Mas, no momento de mostrar ‘contas’, fechou-se em copas.
Somente com a intimação junto do Tribunal Administrativo de Sintra, a autarquia de Cascais veio agora revelar que este estranho contrato, denunciado em Outubro passado pelo PÁGINA UM, afinal terá ficado “em águas de bacalhau”. Ao Tribunal Administrativo de Sintra, a autarquia diz que “até à presente data não foi efectuada qualquer encomenda àquela entidade [Modelo Continente] e por conseguinte não foi emitida qualquer guia de remessa, não foram emitidas quaisquer determinações ou comunicações por parte do gestor do contrato, não foram emitidas facturas por parte daquela empresa, nem existem ordens de pagamento no âmbito do referido contrato”. Informações que que, perante o histórico e comportamento da edilidade liderada por Carlos Carreiras, deveria necessitar de uma confirmação por parte de um entidade judicial com capacidades de investigação para aferir da sua veracidade.
Recorde-se que, desde Junho de 2022, o PÁGINA UM tem-se debruçado nos estranhos contratos da autarquia de Cascais em em redor do apoio aos refugiados ucranianos, que chagaram quase aos dois milhões de euros (com IVA), e mesmo com a intervenção do Tribunal Administrativo tem feito finca-pé para manter o obscurantismo e evitar que se afira a legalidade dos seus procedimentos. A sentença deste processo ainda não foi declarada, estando o PÁGINA UM em fase de resposta jurídica aos argumentos da autarquia de Cascais durante a presente semana. Este é um dos 20 processos de intimação do PÁGINA UM para a obtenção de documentos administrativos financiados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO.
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Numa das campanhas mediáticas ‘mais sujas’ contra um fármaco comercialmente pouco interessante para a Big Pharma, por já não ter patente, a ivermectina chegou a ser apodada como um mero desparasitante para cavalos ou vacas durante a pandemia da covid-19, quando alguns resultados se mostravam auspiciosos. A Food & Drug Administration ‘ajudou ao festim’ com um comunicado e posts nas redes sociais em que apelava de forma sensacionalista ao não uso de fórmulas veterinárias, sem relevar o potencial interesse na prescrição por médicos de fórmulas humanas. Numa acção judicial intentada por três médicos, a FDA acabou esta semana por aceitar eliminar o comunicado e todos os textos nas redes sociais, entre os quais um que se intitulava “Tu não és um cavalo. Tu não és uma vaca. A sério, pessoal. Parem de tomar ivermictina para a covid.” A autoridade norte-americana do medicamento tem agora um prazo de três semanas para “tirar o cavalinho da chuva”; neste caso, os seus polémicos conteúdos da Internet.
Em situações normais, um fármaco demora anos a fio, por vezes diversas décadas, até estabelecer um consenso entre os investigadores, e as decisões das autoridades do medicamento em manter ou não a sua comercialização depende de um contínuo avolumar de ensaios clínicos e de acompanhamento da sua aplicação pelos médicos em doentes reais.
Mas durante a pandemia, esse ‘circuito natural’ da Ciência foi modificadode forma drástica. Enquanto novos fármacos foram rapidamente aprovados e quase ‘endeusados’, resultando em negócios chorudos – como sucedeu com o remdesivir, o Paxlovid e molnupiravir, este último já retirado do mercado, por ser ineficaz e até promover mutações do SARS-CoV-2 –, outros foram metidos foram difamados em três tempos, mesmo se vários médicos os foram prescrevendo quase às escondidas, temendo represálias.
O caso mais conhecido sucedeu com a ivermectina, que, até ao início de 2020, era um dos fármacos mundiais mais amado pela Organização Mundial de Saúde, elogiada por médicos e investigadores. Os louvores vinham de todos os lados, sobretudo da comunidade de farmacologia, e logo no título de artigos científicos, que a consideravam uma wonder drug, um fármaco maravilhoso, ao lado da penicilina e da aspirina.
Entre 1990 e 2019, o Google Scholar contabiliza cerca de 16.400 artigos sobre a ivermectina. Nenhum a maldiz. Pudera: o seu descobridor, o japonês Satoshi Omura e o irlandês William Campbell – que a “purificou” – foram galardoados com o Prémio Nobel da Medicina em 2015, pelas maravilhas produzidas por este “milagre da terra”.
Mas, no decurso da pandemia, quando vários médicos começaram a testar diversos fármacos já existentes para outras doenças, a ivermectina foi estranhamente amaldiçoada, e metida no mesmo ‘saco’ da cloroquina e da hidrocloroquina.
Apesar de vários médicos a nível mundial continuarem, durante os anos da pandemia, a prescreverem a ivermectina – e em alguns países, como no Peru, chegou-se a usar de forma preventiva, embora fosse depois abandonada, com efeitos que não foram os melhores –, muitas autoridades e ‘peritos’ associados a farmacêuticas montaram, com o apoio da imprensa mainstream, uma das mais eficazes campanha de difamação de um fármaco.
Um dos eventos mais relevantes sucedeu em Agosto de 2021, quando a Food & Drug Administration decidiu lançar um comunicado para recomendar que não fosse feita auto-medicação com ivermectina, sobretudo através de fórmulas usadas para tratamento veterinário.
A autoridade norte-americana destacava o “interesse crescente num medicamento chamado ivermectina para a prevenção ou tratamento da covid-19 em humanos”, referindo que, além de “certas formulações para animais”, e acrescentava que, no caso de uso humano, “os comprimidos de ivermectina são aprovados em doses muito específicas para tratar alguns vermes parasitas, e existem formulações tópicas (na pele) para piolhos e doenças de pele como rosácea”. E a FDA alertava que tinha recebido “vários relatos de pacientes que necessitaram de cuidados médicos, incluindo hospitalização, após automedicação com ivermectina destinada a gado”.
Salientando então não haver ainda conclusões sobre a eficácia do fármaco, a FDA fazia recomendações sobre os perigoso de tomar “grandes doses de ivermectina”, remetendo para a necessidade de ser um médico a prescrever uma receita, se assim fosse por ele determinado, e a toma ser “exactamente como prescrito”. E concluía: “nunca use medicamentos destinados a animais em si ou em outras pessoas. Os produtos de ivermectina para animais são muito diferentes daqueles aprovados para humanos. O uso de ivermectina animal para prevenção ou tratamento de covid-19 em humanos é perigoso”.
Mas aquilo que seria uma recomendação óbvia para a generalidade dos fármacos com uso humano e veterinário – ou seja, uma pessoa não deve automedicar-se e ainda menos com fórmulas ou doses usadas em animais – acabou por ser um ‘ferrete’ na ivermectina que passou a ser usado pela imprensa e pelos promotores de medicamentos novos. E a a culpa foi inteiramente da FDA, que usou a mensagem do seu comunicado nas redes sociais de modo enviesado.
Tanto no Facebook como no Twitter (actual X) e no LinkedIn, a FDA apelava ao não uso de ivermectina veterinária de forma sensacionalista: “Tu não és um cavalo. Tu não és uma vaca. A sério, pessoal. Parem de tomar ivermictina para a covid.” E assim foram lançados os dados para continuamente maldizer a ivermectina, confundindo-se uso veterinário com uso humano.
Em pleno ano de 2024, ainda se está longe de um consenso sobre a eficácia da ivermevtina no combate ao SARS-CoV-2, mas o seu interesse científico é por demais evidente. Só desde Janeiro deste ano, o Google Scholar regista a publicação de 719 artigos científicos; alguns não encontrando eficácia, outros apontando vantagens. O mais recente foi publicado há duas semanas na revista científica Heliyon, da conceituada Elsevier, da autoria de três investigadores chineses que, numa meta-análise envolvendo 33 outros artigos com dados quantitativos sobre a ivermectina, concluíram que este fármaco “pode reduzi o risco de necessidade de ventilação mecânica e de efeitos adversos em doentes com covid-19 sem aumento de outros riscos”, acrescentando que “na ausência de melhor alternativa, os médicos podem usá-la com precaução”.
Ora, mas do ponto de vista mediático a ivermectina continuava ‘conspurcada’ pelo comunicado e posts de Agosto de 2021 da FDA, algo não foi suportado de forma indiferente por alguns médicos. Três deles – Mary Talley Bowden, Paul Marik and Robert Apter, medicos no Estado norte-americano de Louisiana – interpuseram uma acção contra a FDA por extravasar as suas atribuições.
Anteontem, numa decisão histórica, num acordo firmado em tribunal, a FDA aceitou retirar no prazo de 21 dias – e nunca mais republicar – os controversos conteúdos colocados nas redes sociais sobre a ivermectina em 21 de Agosto de 2021, bem como a apagar o seu comunicado de imprensa daquele mês, cuja primeira versão é de 5 de Março de 2021.
Comunicados e posts nas redes sociais da FDA ajudaram a criar a ideia de a ivermectina ser um mero medicamento de uso veterinário.
De igual modo, também será apagado um post do Twitter de 26 de Abril de 2022 com o sugestivo título: “Hold your horses, y’all. Ivermectin may be trending, but it still isn’t authorized or approval to treat covid-19”, onde a autoridade norte-americano do medicamento não escondia o entusiasmo em manter a artificial má-fama de um fármaco de já não tem patente e é, por isso, bastante barato, ao contrário do remdesivir, comercializado pela Gilead, e do Paxlovid, comercializado pela Pfizer.
Em declarações ontem à revista norte-americana Newsweek, fonte oficial da FDA defendeu que “a agência optou por resolver este processo em vez de continuar a litigar sobre declarações com entre dois e quase quatro anos”, mas acrescentou que “não admitiu qualquer violação da lei ou qualquer irregularidade, discordando de que “excedeu a sua autoridade ao emitir as declarações contestadas no processo”, e dessa forma, mantém “autoridade para comunicar com o público sobre os produtos regula.”
Em Agosto do ano passado, uma análise revista pelos pares (peer review) publicada na revista científica Cureus – que integra a editora Springer Nature, a dona da Nature – concluiu que a decisão do antigo presidente peruano Francisco Sagasti de suspender em Novembro de 2020 o uso de ivermectina como terapêutica preventiva contra a covid-19 terá causado uma escalada de mortes naquele país sul-americano.
Trecho do acordo judicial onde a FDA aceita retirar o seu comunicado e os posts das redes sociais sobre a ivermectina.
O Peru destacou-se nas estatísticas internacionais como o país com maior taxa de mortalidade atribuída à covid-19 com um espantoso rácio de 6.572 óbitos por milhão de habitantes – que corresponde a 0,65% da população –, quase duas vezes mais do que o valor registado em Portugal.
Os autores daquele estudo relataram também os bons resultados do uso de ivermectina na província indiana de Uttar Pradesh, e denunciam também a manipulação e erros em ensaios clínicos que acabaram por afectar a reputação deste fármaco de baixo custo.
“Nas últimas décadas, os medicamentos genéricos geralmente se saíram mal perante a concorrência com ofertas patenteadas, com base na infeliz vulnerabilidade da Ciência à mercantilização e à captura regulatória”, alertaram os autores, exemplificando com o caso de uma terapia tripla para úlceras pépticas, que apresenta uma eficácia de 96%, e que agora é o padrão terapêutico, mas cujo uso foi sendo adiado até que as patentes de dois medicamentos paliativos mais vendidos para esse problema gástrico expirassem.
E apontam ainda que “tal viés potencial contra a ivermectina foi sugerido por um comunicado de imprensa de 4 de Fevereiro de 2021 da Merck, de que estava desenvolvendo sua própria terapêutica patenteada para covid-19”, alegando que havia “uma relativa falta de dados de segurança” para a ivermectina.
Peru foi um dos países que começou a usar ivermectina como prevenção da covid-19, mas uma posterior decisão política abandonou a campanha de medicação. Resultado: a mortalidade total aiumentou.
Com efeito, a norte-americana Merck – que oferecera a patente da ivermectina para o Programa Africano de Controle da Oncocercose (cegueira dos rios) – haveria de conceber um fármaco, o molnupiravir, sob a marca comercial Lagevrio, que obteve autorização em finais de 2021 na Europa e foi logo bastante elogiado por vários especialistas, estando à cabeça, em Portugal, o actual bastonário da Ordem do Farmacêuticos, Hélder Mota Filipe, e o pneumologista Filipe Froes, um médico do SNS, consultor da Direcção-Geral da Saúde e um dos mais promíscuos consultores de farmacêuticas.
Recorde-se, porém, que o molnupiravir acabou ingloriamente os seus dias em Julho passado, depois de evidência da sua completa ineficácia. Mas antes da retirada do mercado, confirmada pelo Infarmed em 17 de Julho, a Merck embolsou com este “embuste”, e com a conivência de reguladores e o apoio de influencers de Medicina, um total de 5,7 mil milhões de dólares em receitas só no ano passado.
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Nenhuma eleição é igual a outra, mas com a proximidade das Europeias a distribuição dos votos do passado domingo servirão como referência, pelo menos psicológica. O PÁGINA UM foi ver como ficariam distribuídos os mandatos para eurodeputados se as percentagem das eleições de Junho fossem exactamente semelhantes às do passado domingo. Há duas ‘expulsões’ quase certas e duas estreias garantidas, uma delas fulgurante. Conheça também algumas estórias sobre os sufrágios que se iniciaram em 1987, e que não parecem muito estimulante para os portugueses, que os ‘brindam’ com taxas de abstenção que já suplantam os 60%.
Daqui a cerca de três meses os portuguesas serão chamados de novo às urnas. Pela nona vez desde a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia – que evoluiu até à actual União Europeia –, apresta-se a mais uma dança de cadeiras para eleger 21 representantes portugueses para integrar 705 deputados no Parlamento em Bruxelas (e Estrasburgo e Luxemburgo). E, embora as comparações com sufrágios internos possam ser falíveis, não será muito provável, devida à estreita proximidade temporal, que haja grandes diferenças entre os resultados das recentes eleições legislativas – que quebraram, pela segunda vez em democracia, o bipartidarismo clássico – e as eleições para o Parlamento Europeu. Excepto, claro, como disse certo dia Marcelo Rebelo de Sousa, se Cristo descer à Terra.
Nas eleições do parlamento europeu não se aplica os círculos distritais – que, claramente prejudicam os partidos mais pequenos –, entrando todos os votos para o ‘bolo nacional’, mas existe um óbvio obstáculo: como agora são apenas eleitos 21 deputados – já chegaram a ser 25, em 1994 –, mostra-se necessário, em princípio, pelo menos, uma votação a rondar os 3,7% para garantir um eurodeputado.
Porém, esse valor mínimo depende de outros factores, entre os quais a própria distribuição dos votos, por via do uso do método de Hondt, e que beneficia sobretudo os maiores partidos. Até agora, somente em 1987 – as primeiras eleições europeias em Portugal – houve três partidos a ultrapassarem os 15%, sabendo que os dois maiores (PS e PSD) costumam, mesmo nos maus sufrágios estar acima dos 20% e nos bons acima dos 30%.
No sufrágio de estreia para a Europa, Francisco Lucas Pires, encabeçou a lista de um ainda pujante CDS e conseguiu 15,4%, ficando a cerca de sete pontos percentuais do PS (com Maria de Lourdes Pintasilgo como cabeça de lista), numas eleições ganhas pelo PSD (com Pedro Santana Lopes a liderar a lista), que obteve 37,45%.
Apesar disso, e estando então em jogo 24 eurodeputados, o CDS somente conseguiu quatro mandatos (razão de 3,85% por deputado), ficando o PS com seis (razão de 3,75% por deputado) e o PSD com 10 (razão 3,75% por deputado). Neste sufrágio, a CDU conseguiu 11,5% e elegeu três eurodeputados (razão 3,83% por deputado), enquanto o PRD, já em ‘queda’, ainda elegeu um eurodeputado (Medeiros Ferreira) com 4,5% dos votos.
Saliente-se que estas eleições para o Parlamento Europeu – que elegeram deputados por apenas dois anos, e não cinco como habitualmente, por via da adesão recente de Portugal à CEE – tiveram uma ‘proximidade absoluta’ com as legislativas antecipadas desse ano, por via da queda do Governo minoritário de Cavaco Silva em resultado de uma moção de censura do PRD. Coincidiram na data. E os resultados não foram exactamente semelhantes porque as circunstâncias e os protagonistas eram muito especiais.
Com efeito, nas legislativas de 1987, Cavaco Silva arrecadaria a sua primeira maioria absoluta, com uns estrondosos 50,2%, e a grande diferença com o sufrágio para o Parlamento Europeu surgiu da capacidade dos sociais-democratas de ‘capitalizarem’ nas urnas para a Assembleia da República os votos dos centristas. O então líder do CDS, Adriano Moreira, somente conseguiu 4,44%, ou seja, cerca de menos 11 pontos percentuais do que o seu ‘camarada’ Lucas Pires nas europeias, enquanto Cavaco Silva suplantou em quase 13 pontos percentuais a votação de Pedro Santana Lopes. O actual presidente da autarquia da Figueira da Foz referiu, mais tarde, que a estratégia do PSD foi de priorizar as legislativas, mesmo do ponto de vista de materiais de campanha eleitoral. Nos restantes partidos que então elegeram eurodeputados (PS, CDU e PRD), as diferenças entre os dois sufrágios foram mínimas.
Denotando, este exemplo de 1987, a importância dos cabeças-de-lista apresentados pelos diversos partidos, certo é que nunca, como em 2024, houve um quadro político em vésperas de eleições europeias em claro ‘tripartidarismo’. Hoje, a situação apresenta algumas similitudes com aquela saída das eleições de 1985 – com o PRD próximo dos 20% e PSD e PS então também abaixo dos 30% –, mas as Europeias realizaram-se dois anos depois, em 1987, quando o PRD cometera um ‘harakiri’ político ao fazer cair o Governo minoritária de Cavaco Silva.
Pedro Santana Lopes, aos 31 anos, foi o primeiro vencedor das primeiras eleições para o Parlamento Europeu em Portugal, no ano de 1987, obtendo 37,45%. Mas a sua vitória foi ofuscada por coincidir com as eleições legislativas, onde Cavaco Silva ‘cilindrou’ a oposição, conseguindo uma maioria absoluta com 50,2%. Imgem: RTP Arquivo (debate contra Maria de Lourdes Pintasilgo)
Por esse motivo, mostra-se interessante olhar como será a distribuição dos 21 mandatos no Parlamento Europeu nas eleições do próximo dia 9 de Março com as exactas percentagens obtidas pelos partidos nas recentes eleições legislativas. Assim, se no domingo as notícias não foram nada favoráveis aos comunistas, então para as Europeias afiguram-se dramáticas. Com efeito, contas feitas, com a distribuição dos outros partidos, os 3,3% da CDU no passado domingo serão insuficientes para eleger um eurodeputado. Se se mantivesse a abstenção nos 33,7% registada no domingo – nas Europeias a abstenção tem ultrapassado os 60% –, os comunistas necessitariam de mais cerca de 20 mil votos para ‘sacar’ um mandato. Saliente-se que os comunistas (em coligação com o PEV) têm actualmente dois eurodeputados e representação no Parlamento Europeu desde 1987.
Obviamente, se a CDU conseguir Governo os 202 mil votantes do domingo passado e só forem votar os 3,3 milhões de eleitores das Europeias de 2019, então ficará com cerca de 6% do total, garantindo facilmente um mandato. Mesmo assim muito longe dos históricos 14,4% de Carlos Carvalhas em 1989, que permitiu a eleição de quatro deputados, incluindo um (Maria Santos) do Partido Ecologista Os Verdes, parceiro habitual dos comunistas.
Porém, neste exercício de projectar as percentagens das recentes legislativas para o universo das próximas Europeias, a CDU não será o único partido com assento parlamentar em Portugal a não ter representação no Parlamento Europeu. Também o Livre – cujo co-líder, Rui Tavares, foi já eurodeputado pelas listas do Bloco de Esquerda em 2009, desvinculando-se depois em 2011 – não conseguirá qualquer mandato europeu se mantiver os 3,26% do domingo passado. E quanto ao PAN mais difícil ainda se torna: os 1,93% em Europeias valem nada. Perspectiva-se assim a perda do seu único eurodeputado eleito em 2019 com 5,08%.
Quanto ao Bloco de Esquerda – que desde 2004 está no Parlamento Europeu, tendo chegado mesmo a eleger três deputados em 2009 –, manter-se-á em Bruxelas se obtiver nas Europeias os 4,46% das Legislativas do passado domingo. Porém, reduzido a um representante.
Francisco Lucas Pires em 1987, como cabeça-de-lista do CDS en , foi quem maior percentagem de votos alcançou em eleições europeias (15,4%) a seguir aos ‘dois grandes’. Será esta faquia ultrapassada nas eleições de Junho?
Quem também perderá deputados, caso tenha a mesma percentagem das Legislativas, será o Partido Socialista. Em 2019, os 33,38% resultaram em nove deputados, mas os 28,66% de agora darão apenas para sete. A perda de dois deputados dever-se-á sobretudo aos acertos finais para distribuição dos últimos mandatos.
Já a Aliança Democrática, com os 29,49% de domingo passado, ficará com oito deputados, o que se traduz num ganho líquido de apenas um eurodeputado se considerarmos o somatório dos mandatos saídos das eleições europeias de 2019, onde PSD conseguiu seis deputados e o CDS apenas um. Aliás, é neste caso que se mostra a vantagem das coligações (se não forem ‘tóxicas’) em termos de optimização da distribuição dos mandatos pelo método de Hondt: em 2019, se se somarem os votos individualizados de PSD (21,94%) e CDS (6,19%), a razão percentagem por deputado fica em 4,0%, enquanto com os 29,49% – que dariam para oito deputados – essa razão passa para 3,7%.
No caso da simulação do PÁGINA UM, esta união mostra-se mais relevante: mesmo com perda de influência eleitoral do CDS – que regressou à Assembleia da República à boleia da AD –, com a distribuição de votos nas Legislativas de domingo passado, o 21º deputado nas Europeia seria ‘entregue’ à Aliança Democrática por uma diferença de cerca de 20 mil votos. Ou seja, sem os centristas – que valem certamente mais de 20 mil votos –, o PSD elegeria sete eurodeputados, tantos como o PS.
Simulação da distribuição dos eurodeputados pelo método de Hondt se os diversos partidos tivessem os mesmos votos das legislativas (ou, obviamente, as mesmas percentagens). Análise: PÁGINA UM, a partir do simulador do Ministério da Administração Interna.
Quem entrará seguramente no Parlamento Europeu se mantiverem as percentagens das Legislativas serão a Iniciativa Liberal e o Chega. No caso dos liberais – que em 2019 tiveram apenas 0,88% nas Europeias, com Ricardo Arroja –, os 5,08% são largamente suficientes para recolher um mandato, embora muito longe de um segundo.
Quanto ao Chega, a estreia vai ser bastante auspiciosa: os 18,06% de domingo darão para quatro mandatos, o que constitui, descontada a eleição de 1987, a estreia mais fulgurante de um partido português no Parlamento Europeu. Com efeito, estas serão as primeiras eleições europeias para o Chega, embora André Ventura tenha sido candidato em 2019 na coligação Basta!, criada antes do final do processo de legalização do seu partido, e que integrava o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC) e ainda o movimento Democracia 21. Os 49.496 votos então obtidos por André Ventura deram apenas 1,49%, deixando-o muito longe de Bruxelas e sem a chama actual. Nas Europeias de 2019, Ventura destacou-se por ter faltado a um debate ‘à molhada’ na RTP com os candidatos dos pequenos partidos, optando por ir fazer comentário sobre futebol na CMTV.
Em todo o caso – e como já referido nas eleições de 1987 para os desempenhos Cavaco Silva & Santana Lopes e Adriano Moreira & Lucas Pires –, muito vai depender não apenas da capacidade de segurar eleitores das Legislativas para as Europeias mas também dos cabeças-de-lista, embora não se esteja a ver que qualquer partidos consiga encontrar um ‘coelho’ para tirar da cartola e entusiasmar o eleitorado a seu favor.
André Ventura concorreu em 2019 para as eleições parlamentares integrado na coligação Basta!, antes mesmo da legalização do Chega no Tribunal Constitucional. Agora, se mantiver a fasquia alcançada nas recentes legislativas, o Chega elegerá quatro eurodeputados.
Mesmo se se mostra mais difícil em eleger um deputado para Bruxelas, em comparação com a eleição para a Assembleia da República, as Europeias têm sido palco de algumas surpresas e quase-surpresas, o que não será provável nas próximas. A maior surpresa ocorreu em 2014 quando o antigo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto aproveitou o seu mediatismo para integrar o Movimento Partido da Terra, conseguindo dois eurodeputados com 7,14%. Acabaria tudo em ‘divórcio’, e Marinho e Pinto criaria, um ano mais tarde, o Partido Democrático Republicano que nunca teve sucesso eleitoral interno, ‘evoluindo’ para a actual Alternativa Democrática Nacional (ADN).
A maior quase-surpresa foi protagonizada por Miguel Esteves Cardoso (MEC) em 1987 – um ano antes de ter fundado, com Paulo Portas, o semanário O Independente, que tantas dores de cabeça daria a Cavaco Silva. Aos 31 anos, MEC foi candidato pelo Partido Popular Monárquico e obteve 2,77%, fazendo uma campanha eleitoral marcante. Dois anos mais tarde – numa altura em que o MDP-CDE (um histórico pequeno partido que depois acabaria fundido no Bloco de Esquerda) procurou surpreender com a candidatura do maestro António Victorino d’Almeida –, MEC fez nova tentativa, mas conseguiu somente 2,07%.
Desconhecendo-se ainda, com excepção da Iniciativa Liberal, quem serão os cabeças-de-lista das próximas Europeias, convém salientar que, ao longo das diversas eleições, por lá passaram personalidades que acabariam mais tarde como primeiros-ministros, como Pedro Santana Lopes e António Costa. Ou então mesmo ex-primeiros-ministros, como foram o caso de Maria de Lourdes Pintassilgo e de Mário Soares (que foi também Presidente da República). No caso de Soares, a sua candidatura em 1999 enquadrava-se numa estratégia socialista, defraudada, de o colocar como presidente do Parlamento Europeu.
António Costa detém, como cabeça-de-lista, a maior vitória nas eleições europeias. Em 2004 conseguiu 44,5%, superando por pouco o recorde de Mário Soares em 1999 (43,1%).
O peso do socialista Mário Soares viu-se nessas eleições, obtendo, até então, a vitória mais expressiva em eleições europeias, com 43,07%, um valor que, em legislativas, daria para ‘sacar’ a maioria na Assembleia da República. Porém, como os mandatos das Europeias são atribuídos para todo o território, o melhor que o PS conseguiu foram 12 mandatos, metade daqueles a que Portugal tinha então direito.
Acrescente-se que essas eleições de 1999, em pleno guterrismo, tiveram um ‘cartaz de luxo’: Mário Soares pelo PS, Pacheco Pereira pelo PSD e Paulo Portas, pelo CDS, que ainda teve como antagonista (não eleito) o seu irmão mais velho, Miguel Portas, que não foi então eleito – seria quatro anos mais tarde.
Cinco anos mais tarde, com António Costa a liderar a lista socialista, o recorde de Soares seria batido: o ainda actual primeiro-ministro conseguiu 44,57% nas eleições europeias de Junho de 2004, beneficiando da insatisfação popular ao Governo de Durão Barroso, que se demitiria no mês seguinte para ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Foi a última vez que qualquer partido superou a fasquia dos 40% – aliás, a partir dessas eleições nunca mais ninguém ultrapassou os 34%. E, provavelmente, se se mantiver a linha das eleições legislativas deste mês, pode suceder que nenhum partido utrapassse nas Europeias a fasquia dos 30%.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Miguel Guimarães (ex-bastonário da Ordem dos Médicos) e Ana Paula Martins (ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos) serão, no próximo hemiciclo, colegas de bancada do PSD, mas já são ‘velhos conhecidos’, a tal ponto que geriram uma conta bancária pessoal conjunta (com Eurico Castro Alves) para gerir 1,4 milhões de euros de uma angariação de fundos em 2020 durante a pandemia, com financiamento quase em exclusivo de farmacêuticas. A gestão do dinheiro em conta pessoal – e não titulada pelas duas ordens profissionais – foi uma das muitas irregularidades e mesmo ilegalidades detectadas no decurso de uma investigação do PÁGINA UM no final de 2022. A existência de facturas falsas de quase 980 mil euros na Ordem dos Médicos foi apenas um dos problemas mais graves então encontrados. Miguel Guimarães garantiu então que estava a ser concluída uma auditoria às contas pela consultora BDO, mas mais de um ano depois, não se vislumbram conclusões. Perante a recusa da Ordem dos Médicos, uma sentença do Tribunal Administrativo exige agora que o actual bastonário, Carlos Cortes, revele o contrato da auditoria com a BDO (para confirmar se existe) e provas cabais que expliquem o alegado atraso. Há meses que o PÁGINA UM insiste em saber se a Procuradoria-Geral da República está a investigar a gestão muito particular da campanha ‘Todos por Quem Cuida’, mas nunca obteve resposta.
A gestão de um fundo de 1,4 milhões de euros de uma campanha para apoiar entidades na luta contra a pandemia da covid-19, promovida pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos a partir de 2020, estava pejada de irregularidades e mesmo ilegalidades, incluindo facturas falsas e fugas ao fisco, mas em 11 de Dezembro de 2022, em reacção às notícias do PÁGINA UM, o então bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, garantia ao Correio da Manhã que o “fundo é à prova de bala e que foi tudo contabilizado” e que “está a ser concluída uma auditoria, pedida pelas duas ordens e pela Apifarma”.
Catorze meses depois, sem ser conhecida publicamente qualquer auditoria – a Ordem dos Médicos garante agora nunca ter sido concluída –, o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou anteontem, por sentença (que incluiu também os pareceres do Colégio de Pediatria sobre vacinação de menores contra a covid-19), que a Ordem dos Médicos, agora liderada por Carlos Cortes, disponibilize ao PÁGINA UM “a cópia do contrato celebrado entre a Ordem dos Médicos e a BDO & Associados, SROC, Lda., ou os documentos que comprove a adjudicação da auditoria às atividades e contas da ação solidária ‘Todos por Quem Cuida’, e ainda as comunicações que existam e estejam na posse da Entidade Requerida de ‘onde seja possível compreender os motivos para a eventual não conclusão da auditoria’ expurgados os dados pessoais deles constantes”. A Ordem dos Médicos tem 10 dias para cumprir a sentença.
Ana Paula Martins e Miguel Guimarães (D.R./Ordem dos Médicos)
Na verdade, existem sérias dúvidas sobre a existência de qualquer auditoria às contas daquele fundo gerido pessoalmente por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins (antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos), ambos agora na iminência de se tornarem deputados na Assembleia da República pelo PSD. A alegada realização da auditoria serviu, numa primeira fase em 2022, para tentar convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa, a não disponibilizar o acesso às contas e operações logísticas da campanha “Todos por Quem Cuida” então solicitada pelo PÁGINA UM. Não teve as duas ordens sucesso. Depois, com a publicação das investigações do PÁGINA UM sobre as ilegalidades e irregularidades na gestão do fundo, o anúncio da realização de uma auditoria serviu para dar uma aura de credibilidade e seriedade.
Contudo, a existir um contrato entre a Ordem dos Médicos e a BDO & Associados, este deveria obrigatoriamente constar no Portal Base. E não está. Aliás, até à data nunca houve qualquer relação contratual entre estas duas entidades. Também entre a Ordem dos Farmacêuticos e a BDO não existem, até à data, quaisquer contratos registados na plataforma de contratação pública, como é obrigatório por lei.
Continuam assim sem se descortinar – e aparentemente assim continuará, se a Procuradoria-Geral da República mantiver um silêncio de meses face aos pedidos sobre a existência de eventuais investigações – quaisquer consequências relativas à gestão de um fundo de solidariedade que arrecadou e geriu cerca de 1,4 milhões de euros, através de uma contabilidade paralela, uma completa ausência de declarações de transparência, várias situações de fuga ao fisco, centenas de declarações falsas com abuso de benefícios fiscais e ainda facturação falsa, tudo numa promiscuidade institucional sem limites.
Em 11 de Dezembro de 2022, no decurso das primeiras notícias do PÁGINA UM, Miguel Guimarães garantia que o fundo era “à prova de bala”, estando a ser concluída uma auditoria. Mais de um ano depois, nem sequer existem provas de ter sido iniciada.
Criada logo no início da pandemia em Portugal, a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, mas numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.
Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.
A gestão ficou a cargo de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, continuando a ser coadjuvados por uma comissão de acompanhamento de sete pessoas, entre representantes das duas Ordens (três, cada) e da Apifarma, com obrigação de actas de reunião. Apesar de ter sido sempre apresentada publicamente como uma campanha da sociedade civil, coordenada pelas duas ordens profissionais – que, em menos de dois meses angariara mais de um milhão de euros que teriam sido doadas pelos portugueses [as contas finais apontam para 1.422.962 euros] –, na verdade o grosso do financiamento proveio das farmacêuticas.
Em investigação do PÁGINA UM detectou-se que a conta solidária para a campanha “Todos por Quem Cuida”, bem como os cheques que a movimentavam, tinham como primeiro titular Miguel Guimarães. Os donativos, incluindo quase um milhão de euros de farmacêuticas, nunca entraram na conta da Ordem dos Médicos, mas as facturas das compras aos fornecedores (para os bens a doar a instituições) foram contabilizadas como se daí tivessem saído verbas, apesar dos pagamentos serem feitos através da conta solidária co-titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
De acordo com os extractos consultados no último trimestre de 2022 pelo PÁGINA UM – por autorização obtida através de uma outra sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, apenas pouco mais de 38 mil euros vieram de donativos particulares, ou seja, 2,7% do total. As empresas farmacêuticas, incluindo a Apifarma, canalizaram 1.313.251 euros, ou seja, 92,3% do total. No entanto, não foi por aqui que esta campanha por uma boa causa mostrou os seus maus procedimentos.
A génese de um vasto conjunto de irregularidades e ilegalidades envolvendo esta campanha, algumas com eventual consequência penal, começou no simples e evidente facto de a conta solidária da campanha “Todos por Quem Cuida” não pertencer nem à Ordem dos Médicos (que foi quem garantiu a logística da operação) nem à Ordem dos Farmacêuticos, apesar de serem estas entidades que pediram a autorização necessária para angariações deste género de campanhas junto do Ministério da Administração Interna.
Na verdade, a conta foi criada, a título individual, por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Os documentos do balcão da Portela de Sacavém da Caixa Geral de Depósitos não deixam, a esse propósito, quaisquer dúvidas sobre essa titularidade da conta solidária, sendo que nos cheques surge o nome de Miguel Guimarães, apresentando-o como “cliente há mais de 31 anos”.
Mesmo já depois de ter abandonado funções como bastonária na Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, Ana Paula Martins – que foi vice-presidente do PSD em final de mandato de Rui Rio, e esteve como administradora da Gilead nos últimos meses, até ser indigitada para administrar o centro hospitalar da região norte de Lisboa, onde se integra o Hospital de Santa Maria – manteve-se como co-titular desta conta.
Dossiers da campanha “Todos por Quem Cuida”, contendo documentos administrativos e operacionais, que o PÁGINA UM consultou em finais de 2022 após uma outra sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. Para obter acesso à alegada auditoria da BDO às contas, o PÁGINA UM teve de recorrer novamente ao tribunal
Através do processo de intimação esta semana concluído com (mais) uma sentença favorável ao PÁGINA UM, sabe-se que a campanha “Todos Por Quem Cuida” – com entradas e saídas de dinheiro através da conta aberta e gerida por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins – ainda se mantém activa, porque um remanescente de dinheiro serviu em Dezembro de 2023 para co-financiar prémios de investigação. Contudo, o actual bastonário não esclareceu ainda o PÁGINA UM se os titulares da dita conta continuam a ser os dois futuros deputados do PSD e Eurico Castro Alves, que foi secretário de Estado da Saúde no curto segundo mandato de Passos Coelho em 2015 e é agora presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos.
Em qualquer caso, sendo evidente que a conta bancária solidária – que recebeu e geriu os cerca de 1,4 milhões de euros – surgiu uma questão nunca esclarecida até agora. Desde 6 de Março de 2020 – dia do primeiro depósito na conta titulada por Guimarães, Martins e Castro Alves – foram contabilizados 41 donativos superiores a 500 euros, totalizando 1.394.017 euros. Sendo legais esses donativos a particulares [na sua génese, o PÁGINA UM, antes de passar a ter gestão empresarial, funcionou com base em donativos de leitores endereçados ao seu director], para valores acima de 500 euros não se aplica a Lei do Mecenato, pelo que deveriam ser declarados à Autoridade Tributária os montantes desses 41 donativos, sendo exigível o pagamento de imposto de selo de 10% do montante total. Ou seja, Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente à Autoridade Tributária cerca de 139 mil euros.
Nos documentos então consultados pelo PÁGINA UM não consta qualquer menção a esse pagamento, sempre exigível a particulares independentemente do bom propósito da campanha. E também nos extractos bancários consultados e fotografados pelo PÁGINA UM, não há qualquer transferência para a Autoridade Tributária.
Conta bancária da campanha, para onde seguiram os donativos das farmacêuticas, de outras empresas e de particulares, foi aberta no dia 2 de Abril de 2020, em nome de Miguel Guimarães (como titular principal), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Todos os pagamentos da campanha foram efectuados através desta conta.
Nenhum dos três visados prestou então esclarecimentos ao PÁGINA UM sobre esta matéria. Note-se que os restantes 48.945 euros amealhados pela conta solidária não têm aquela obrigação, porque se referem a transferências de valor igual ou inferior a 500 euros. Nestes casos, são considerados “donativos conforme os usos sociais”.
Mas houve mais declarações em falta, que ainda se mantêm hoje – e aqui com repercussões mais de índole ética. Como Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves são médicos e Ana Paula Martins é farmacêutica, as empresas farmacêuticas beneméritas tinham a obrigação de declarar os montantes doados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando os beneficiários, que os deveriam validar. Esta obrigação manter-se-ia mesmo se tivessem sido as Ordens a receber os donativos.
A gestão financeira do fundo esteve também pejada de irregularidades e mesmo de facturação falsa, para se encaixar num esquema que beneficiaria fiscalmente as farmacêuticas doadoras e criando condições para um ‘saco azul’ na Ordem dos Médicos de quase 980 mil euros, porque houve facturas da campanha a entrar na contabilidade desta entidade sem correspondente saída de dinheiro, uma vez que as despesas eram pagas através da conta pessoal titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.
Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, então consultada no final de 2022, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram assim na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Ou seja, sem saída de dinheiro de qualquer conta pertencente à Ordem dos Médicos.
As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.
O actual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes (segundo a contar da direita), garantiu no processo de intimação no tribunal que ainda há dinheiro do fundo “Todos por Quem Cuidar” a ser gasto, mas não diz se os titulares originais se mantêm (Foto: D.R./ Ordem dos Médicos)
Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Guimarães, Martins e Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, não foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.
Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul, ou mesmo um desvio de verbas. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.
Vejamos um exemplo. A factura nº 551 passada pela Clotheup em 2 de Outubro de 2020 pela aquisição de batas descartáveis no valor de 110.700 euros foi emitida à Ordem dos Médicos. Tendo sido uma aquisição a pronto de pagamento, não houve saída de dinheiro da Ordem dos Médicos, porque quem a pagou foi a conta solidária de Miguel Guimarães e dos outros dois co-titulares. Ora, nesse dia, poderia ter sido “desviada” a verba de 110.700 euros da conta bancária oficial da Ordem dos Médicos, não havendo assim o mínimo sinal de qualquer desfalque, uma vez que existia uma factura a suportar essa saída. Esse expediente pode aplicar-se a qualquer outra das 31 aquisições identificadas pelo PÁGINA UM.
Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.
Pagamentos das compras da campanha “Todos por Quem Cuida” não foram feitos por contas bancárias da Ordem dos Médicos, mas as facturas entraram como despesas “passíveis de saque” à margem da lei, e sem deixar rasto.
Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.
Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da “sua campanha”, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.
Logo, a título de exemplo – e é mesmo um só exemplo, porque existem largas centenas de casos, reportados e fotografados pelo PÁGINA UM durante a consulta dos dossiers contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida” –, é falsa a declaração de 23 de Março de 2021 da Liga dos Bombeiros Portugueses, bem como a competente carta de agradecimento do então presidente Jaime Marta Soares, de que foi a farmacêutica Gilead que lhes entregou 4.984 batas cirúrgicas, 1.661 litros de álcool gel, 831 máscaras cirúrgicas, 2.492 óculos reutilizáveis, 664 fatos integrais tamanho M e 664 tamanho L, e ainda 4.153 viseiras, tudo no valor de 103.400,60 euros.
Miguel Guimarães foi bastonário da Ordem dos Médicos entre 2017 e Março de 2023. Saltou agora para a política, encabeçando a lista do PSD no círculo do Porto nas próximas eleições legislativas.
Neste caso particular – que é extensível a todas as outras farmacêuticas envolvidas nesta campanha –, a Gilead terá sim apenas entregado, através da Apifarma, um donativo de valor desconhecido, para uma campanha solidária, titulada por três pessoas. Formalmente, teriam de ser as três titulares da conta (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves), e não as entidades beneficiadas com os géneros doados, a passar uma declaração de recepção desse donativo à Gilead (e às outras farmacêuticas). Porém, se assim fosse, as farmacêuticas não teriam hipóteses de usufruir de qualquer benefício fiscal, uma vez que o Estatuto do Mecenato não abrange donativos a pessoas singulares – e nem a Ordens profissionais, acrescente-se.
Ora, a emissão de centenas de declarações falsas pelas entidades beneficiadas – que assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que estas não conseguirão comprovar através de facturas porque não foram elas que compraram os géneros – configura uma gigantesca fraude fiscal envolvendo centenas de entidades. De facto, considerando que, com este estratagema, os donativos à campanha “Todos por Quem Cuida” passaram a ser enquadráveis no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado –, as farmacêuticas puderam levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue.
Assim, sabendo que, globalmente, as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, acabaram por assumir, em termos contabilísticos, custos da ordem dos 1,82 milhões de euros, algo que não seria possível se assumissem, como efectivamente sucedeu, que os donativos seguiram para uma conta solidária de três pessoas. Este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros.
Este esquema, profundamente à margem da lei, envolveria mesmo hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.
A investigação do PÁGINA UM também revelou então um estranho esquema de doação de máscaras pela Merck, intermediado por Miguel Guimarães, ao qual foi atribuído um preço de 380 mil euros, bastante inflacionado, que permitiu à farmacêutica alemã transformar fiscalmente um donativo em lucro.
A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades, que Miguel Guimarães “brilhasse”. Quem pagou foi a conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, mas depois surgem recibos de donativos (para efeitos de benefícios fiscais) de quatro farmacêuticas à Ordem dos Médicos, apesar desse dinheiro nunca ter por aí entrado.
E também foi então revelado pelo PÁGINA UM o acordo ad hoc entre Miguel Guimarães e o então líder da task force Gouveia e Melo para ‘furar’ as normas da Direcção-Geral da Saúde e vacinarem-se médicos não-prioritários contra a covid-19, que ainda está, há mais de um ano, a ser investigado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, estando já em risco de prescrição.
Este esquema incluiu mesmo um pagamento de 27.365 euros ao Hospital das Forças Armadas, cuja prestação de serviços nunca foi publicada no Portal Base, e também a emissão de recibos falsos por parte da Ordem dos Médicos a quatro farmacêuticas (não declarados no Portal da Transparência do Infarmed) relativos a supostos donativos. Na verdade, os donativos entraram sim na conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, bastando duas assinaturas para a movimentar.
N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.
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Pedro Nuno Santos vangloriou-se de ter deixado a CP com lucro em 2022, a primeira vez em meio século. Mas é mesmo isso: vã glória, porque para esse ‘sucesso’ houve necessidade de ‘injectar’ mais de 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos, que nem sequer serviram para tirar a empresa pública da falência técnica, que ainda está com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros. Numa primeira fase, entre 2015 e 2018, a opção do Estado foi fazer aumentos de capital para diminuir a dívida e reduzir lentamente os juros pagos, mas com a tutela de Pedro Nuno Santos a opção do Governo mudou. Assim, passou a atribuir subsídios à exploração, que funcionam como rendimentos, e influenciam directamente os resultados líquidos. Entre 2019 e 2022 foram enviados para a CP, só por essa via, 334 milhões de euros, que se somam aos 1,96 mil milhões de euros em aumentos de capital desde 2015. Deu para fazer uma festa: um lucro de 9,2 milhões em 2022.
Foi preciso injectar quase 2,3 mil milhões de euros de dinheiros públicos entre 2015 e 2022 para que a CP – Comboios de Portugal conseguisse finalmente, neste último ano, apresentar um lucro de 9 milhões de euros neste último ano. Aumentos de capital – sobretudo nos anos de 2015, 2016 e 2017 – e subsídios à exploração, em especial no período sob tutela governamental de Pedro Nuno Santos, acabaram por ser determinantes para mascarar uma situação que, sem engenharia financeira, manter-se-ia calamitosa.
Uma análise detalhada do PÁGINA UM aos relatórios e contas entre 2015 e 2022 conseguem explicar o aparente ‘milagre’ de uma empresa pública que, há um ano, ainda se encontrava em falência técnica (com capitais próprios negativos de quase 1,9 mil milhões de euros) e um passivo de financiamento de cerca de 2,2 mil milhões de euros, e vendas que ainda não tinham recuperado os níveis pré-pandemia.
Com efeito, numa primeira fase, a partir de 2015, perante resultados negativos de mais de 161 milhões de euros, a opção do Governo (ainda de Passos Coelho até Novembro) foi de ‘tapar o buraco financeiro’ da CP com aumentos de capital. Foram, só em 2015, quase 683,5 milhões de euros. Este extraordinário esforço dos contribuintes teve resultados pífios: esse dinheiro esfumou-se em redução de dívidas de financiamento sobretudo de longo prazo, mas os resultados líquidos de 2015 mostraram-se catastróficos: prejuízos próximos de 279 milhões de euros.
A receita para 2016 e 2017 foi a mesma: novos aumentos de capital, respectivamente de 655 milhões e 516 milhões de euros. E sempre com similar reflexo: prejuízos de 144 milhões e 111 milhões, respectivamente. Assim, em três anos (2015 a 2017), apesar da injecção estatal de mais de 1,8 mil milhões de euros, a CP apresentou prejuízos acumulados neste triénio de 533,7 milhões de euros.
Mesmo assim, neste período (2015-2017), de entre os indicadores financeiros e de desempenho operacional mais revelantes, houve alguns sinais de ‘desanuviamento’ sobretudo na dívida de financiamento, com repercussões no serviço da dívida, e também nos custos de pessoal, apesar das vendas ficarem aquém dos valores contabilizados em 2014.
Total de fundos públicos injectados na CP por aumento de capital e subsídios à exploração (em mihões de euros) entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas)
Comparando com a situação de 2014, no final de 2017 as dívidas de financiamento de curto e longo prazo da CP tinham descido quase 1,6 mil milhões de euros, o que teve efeitos significativos na redução dos juros e de uma diminuição das taxas cobradas pelas instituições financeiras. Com efeito, se em 2014 a empresa teve de pagar mais de 207 milhões de euros aos bancos – um valor que representava muito mais do que os custos com pessoal (148 milhões de euros) e 71% das vendas desse ano –, três anos depois ‘apenas’ teve de desembolsar um pouco menos de 77 milhões de euros. Se tivesse de pagar os mesmos montantes de juros de 2014, o ano de 2017 teria fechado as contas com um prejuízo de 242 milhões de euros, em vez de um prejuízo de 111 milhões de euros.
Convém, contudo, ter sempre presente que essa ‘melhoria’ (ou situação menos gravosa) resultou da tal injecção, sob a forma de aumentos de capital, de mais de 1,8 mil milhões de euros. Estes montantes serviram sobretudo para reduzir a escandalosa dívida financeira da CP que se situava próximo dos 4,2 mil milhões de euros em 2014, e que diminuiu, quatro anos depois, para os 2,6 mil milhões de euros. Uma redução de quase 1,8 mil milhões de euros. Mas isso mudou a gestão de uma empresa anormalmente deficitária.
Na análise possível, a partir dos relatórios e contas, entre 2015 e 2017, os resultados operacionais nunca apresentaram melhorias relevantes, sobretudo porque as vendas em qualquer dos anos deste triénio nunca superaram o valor de 2014. É certo que houve uma redução dos custos com pessoal – que passou a representar 44% das vendas em 2017, quando em 2015 chegou a 57% –, mas a rubrica de outros rendimentos registou uma significativa redução.
Pedro Nuno Santos foi ministro das Infra-estruras e da Habitação entre Fevereiro de 2019 e início de Janeiro de 2023.
Em 2018, o Governo ainda fez um aumento de capital, mas muito mais moderado: ‘apenas’ 81 milhões de euros, que se ‘esfumou’ em quase nada, uma vez que as dívidas de financiamento praticamente se mantiveram estáveis face ao ano anterior, e os juros pagos apenas diminuíram oito milhões de euros, passando para os 68 milhões. Por esse motivo, sem surpresa, num negócio pouco ‘elástico’, e mesmo com as vendas a aproximarem-se dos 300 milhões de euros, o ano de 2018 fechou com um prejuízo de 106 milhões de euros.
E foi a partir de 2019, e com a entrada em funções em Fevereiro de Pedro Nuno Santos na pasta de ministro das Infraestruturas e das Habitação, a estratégia financeira na CP mudou-se radicalmente, passando para medidas que tivessem um reflexo imediato nos resultados operacionais e, cumulativamente, nos resultados líquidos de cada exercício.
Assim, com Pedro Nuno Santos, o Governo abandonou o financiamento da CP através de aumentos de capital, mas passou a sustentá-la com fortíssimos subsídios de exploração, uma prática praticamente inexistente entre 2015 e 2018. Nesse quadriénio, os subsídios à exploração somente atingiram os 54 mil euros. De acordo com os relatórios e contas da empresa pública, a CP recebeu do Estado, como subsídios à exploração, 40 milhões de euros em 2019, mais 88 milhões em 2020, mais 89 milhões de euros em 2021 e, por fim, mais 116 milhões de euros em 2022.
E foi esta injecção, e apenas por esta via, que a CP passou a ter lucro – que se diria completamente artificial – em 2022, conseguindo o ‘milagre’ aproveitado por Pedro Nuno Santos para relevar o suposto marco históricos dos lucros desta empresa pela primeira vez em 50 anos.
Com efeito, apesar dos montantes dos subsídios à exploração terem sido, entre 2019 e 2022, muito inferiores aos aumentos de capital entre 2015 e 2018 (334 milhões de euros vs. 1.9 mil milhões de euros), o impacte na demonstração de resultados é bastante diferente.
Estes aumentos de capital serviram sobretudo para amenizar a situação deficitária de uma empresa pública em falência técnica e o seu efeito nos resultados de cada ano reflectem-se de forma indirecta e a longo prazo. No caso do aumento de capital se destinar a pagar dívidas a instituições financeiras, o efeito nos resultados líquidos provém apenas na redução dos juros, o que se mostra limitado. Ou seja, basicamente, os aumentos de capital não entram como rendimento e os eventuais efeitos, e de uma forma muito limitada, observam-se a jusante dos resultados operacionais.
Ao contrário, os subsídios à exploração afectam de forma imediata os resultados operacionais, funcionando como se fossem vendas ou serviços prestados. Na verdade, estes subsídios à exploração, enquadrados no Contrato de Serviço Público, funcionam, na prática, como uma prestação de serviços: os contribuintes pagam, através do Estado, a disponibilidade de algo que, não sendo economicamente sustentável com o actual modelo de gestão, precisa de ajuda pública para se manter. No limite, os subsídios à exploração podem ‘entrar’ às 23 horas e 59 minutos de 31 de Dezembro e influenciam, de imediato, as contas do ano no seu exacto montante. Ou seja, servem para ‘mascarar’ os resultados operacionais ‘apagando’ uma eventual má gestão ou um negócio ruinoso.
Evolução da dívida financeira da CP (curto e longo prazo) entre 2014 e 2018, em milhões de euros. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.
Assim, em 2019 – ano que, mesmo assim, ainda contou com um aumento de capital da ordem dos 28 milhões de euros por parte do Estado –, a CP reduziu os seus prejuízos para os 52,5 milhões de euros, mas foi graças a vários factores não-operacionais: por um lado, os 40 milhões de euros em subsídios à exploração concedido por Pedro Nuno Santos, com o dinheiro dos contribuintes, e a um cenário macroeconómico mais favorável, que fez com que os juros descessem oito milhões de euros face ao ano transacto. Sem essa ‘ajuda’ os prejuízos de 2019 teriam sido quase similares aos de 2018.
Nos dois primeiros anos de pandemia, os prejuízos da CP foram ainda mais amenizados pela via dos subsídios à exploração atribuídos por Pedro Nuno Santos. Em 2020, com as restrições, as vendas reduziram-se em 43% face ao ano anterior, mantendo-se os custos com pessoal, pelo que se não fossem os 88 milhões de euros em subsídios à exploração, o ano teria sido catastrófico. Foi de prejuízos (quase 96 milhões de euros), mas sem o ‘truque’ dos subsídios teria ultrapassado os 180 milhões de euros.
No ano de 2021, apesar de um ligeiro aumento nas vendas, estas ainda se situaram a 64% do nível de 2019, pelo que foi, mais uma vez, a ‘injecção’ de dinheiros públicos chamada subsídios à exploração que amenizaram os prejuízos. Foram de 65,5 milhões de euros, mas teriam ficado acima dos 150 milhões de euros se não fosse o subsídio à exploração. Ou mais ainda se a taxas de juro não tivessem baixado significativamente, resultando numa remuneração média do passivo de apenas 1,1% em 2021, quando estava acima dos 2% antes da pandemia.
Esta variação pode parecer pequena, mas com dívidas de financiamento, como as da CP, acima dos 4 mil milhões de euros, isso reflecte-se em muitos milhões de euros a mais ou a menos. Por exemplo, em 2019, com uma remuneração média do passivo de 2,2%, a CP pagou 56 milhões de euros em juros, enquanto em 2021, com uma dívida de longo prazo quase inalterada, desembolsou 23 milhões de euros.
Por fim, em 2022 – o tal ano do ‘milagre’ dos lucros da CP de 9,2 milhões de euros –, sendo certo que as vendas aumentaram face aos dois anos anteriores, ainda ficaram aquém dos melhores anos pré-pandemia. Com efeito, as vendas de 2022 totalizaram 277 milhões de euros, ainda bem abaixo dos 304 milhões de euros em 2019.
Com os custos de pessoal em 2022 a ultrapassarem até qualquer um dos anos do período 2016-2021, o ‘milagre’ do lucro da CP explica-se de uma forma muito simples: nesse ano, Pedro Nuno Santos autorizou uma transferência total, a título de subsídios à exploração, de 116,2 milhões de euros, ou seja, mais 27 milhões de euros do que o valor injectado em 2021.
Resultados líquidos consolidados (à esquerda) e resultados expurgados dos subsídios à exploração e dos juros pagos (à direita), em milhões de euros, entre 2015 e 2022. Fonte: CP (relatórios e contas consolidadas). Análise: PÁGINA UM.
Sem este subsídio à exploração, em vez de lucro de 9,2 milhões de euros haveria prejuízos de 107 milhões de euros. Se o subsídio de 2022 tivesse sido similar aos de 2020 e 2021 (próximo dos 90 milhões de euros em cada ano), o lucro esfumava-se e transformava-se num prejuízo em redor dos 17 milhões de euros. E isto mesmo com um aumento considerável das vendas, que passaram de 195 milhões de euros em 2021 para 277 milhões em 2022.
Fácil se mostra assim concluir que, em anos seguintes, incluindo o exercício de 2023, está encontrada a fórmula para a CP apresentar lucros: fazer variar os subsídios à exploração, aumentando artificialmente os rendimentos, e com isso se apresentarão, voilà, sempre resultados positivos, lucros e até, se calhar um dia, distribuição de umas migalhas de dividendos. E os contribuintes, assim, até batem palmas aos gestores, esquecendo que, enfim, tudo isto se faz por um ‘passe de mágica’ do Governo, que ‘desvia’ dinheiro dos impostos transformando-os em subsídios à exploração.
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O Tribunal de Contas ainda está a avaliar a legalidade de dois ajustes directos integrados no plano de mudança dos Ministérios para o edifício-sede da Caixa Geral de Depósitos (CGD), mas, pelos antecedentes, a probabilidade de ‘chumbo’ do contrato de arquitectura celebrado com o atelier de Diogo Lima Mayer é extremamente elevado. Num passado recente, mesmo quando foram apresentados nomes sonantes da arquitectura mundial, como Souto Moura e Siza Vieira, o Tribunal de Contas considerou ilegal e lesivo do interesse público a celebração de ajustes directos. Um (muito) previsível ‘chumbo’ deste ajuste directo de cerca de 940 mil euros acarretará um atraso no avanço das obras de reabilitação, uma vez que a intenção seria que Diogo Lima Mayer apresentasse, entre outros planos, um projecto de arquitectura de interiores para nove pisos.
O Tribunal de Contas ainda não terminou a análise dos dois polémicos contratos por ajuste directo integrados no programa de remodelação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) para receber gabinetes ministeriais, mas a recusa de visto será a decisão mais provável, sobretudo no caso do projecto de arquitectura entregue de ‘mão beijada’, e com o valor de 760.885 euros (cerca de 940 mil euros com IVA), ao atelier de Diogo Lima Mayer, também proprietário da Coudelaria do Monte Velho. O outro contrato, como o PÁGINA UM revelou na sexta-feira passada, beneficiou a Siemens, escolhida sem concurso público para, por cerca de 1,2 milhões de euros (com IVA), renovar o sistema de climatização do sétimo piso, aquele que onde se prevê instalar os primeiros ministérios, já na próxima legislatura.
O PÁGINA UM apurou que, ao contrário das informações que foram sendo transmitidas a partir de Novembro, o Tribunal de Contas não validou a totalidade das obras previstas para aproveitar parte do edifício sede da CGD, com um orçamento previsto de 40 milhões de euros. Na verdade, segundo fonte da instituição de controlo financeiro do Estado liderado por José Tavares, apenas foi concedido visto “em 9 de Novembro de 2023, [a]o contrato relativo à reabilitação do sétimo piso [do edifício-sede da CGD], no valor de 2.922.883,20 euros”, estando “neste momento, […] em análise dois processos sobre o mesmo processo de transferência”, ou seja, o da Siemens e os da Intergaup.
António Costa, primeiro-ministro de Portugal. A Presidência do Conselho de Ministros achou por bem ‘passar um atestado de incompetência’ aos gabinetes de arquitectura e às empresas de climatização.
Mas se o visto para o contrato com visto em Novembro foi pacífico – tratou-se de uma empreitada ganha pela empresa Ecociaf, antecedido de anúncio público, tendo concorrido quatro empresas –, o mesmo não sucede com os contratos da Siemens e da Intergaup, onde o Governo, apesar da existência de concorrência, tanto na climatização de edifício como em projectos de arquitectura, decidiu-se pelo ajuste directo, ou seja, arredando eventuais interessados.
Esta opção, sobretudo no caso do projecto de arquitectura entregue ao atelier de Diogo Lima Mayer, tem ‘condições’ para não conseguir um visto favorável por parte do Tribunal de Contas. Apesar de não adiantar quaisquer indicações sobre este caso em concreto, certo é que já houve pelo menos dois contratos de projectos de arquitectura ‘chumbados’ pelo Tribunal, mesmo quando os arquitectos escolhidos eram nomes sonantes.
Em Abril de 2017, o Tribunal de Contas recusou o visto a um contrato celebrado pela autarquia de Matosinhos, considerando ilegal o ajuste directo para a elaboração do projecto de arquitectura do Núcleo Museológico Cais da Língua e das Migrações, que beneficiara o atelier do arquitecto Souto Moura valor de 412.992,00 euros, acrescido de IVA. O acórdão determinou que “a adjudicação por ajuste directo não era legalmente possível, impondo-se que o contrato tivesse sido precedido da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação”.
Segundo a interpretação dos juízes, “o ajuste directo só pode ser utilizado para contratações de valor inferior a 75 mil euros”, e que a alegação de se tratar de “domínio artístico” não colhe, por ser algo do “domínio da arquitectura”. O Tribunal de Contas concluiu que a adjudicação por ajuste direto só seria possível se antecidida da realização de um concurso público ou limitado por prévia qualificação, eventualmente na modalidade de concurso de concepção. Ou seja, teria de haver primeiro a escolha de uma ‘ideia’ ou ‘plano’ aberta a outros candidatos.
O segundo caso de ‘chumbo’ atingiu também outro nome conceituado da arquitectura portuguesa. (CCP): Siza Vieira. Em 2019, a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim celebrou um contrato por ajuste directo com a empresa Álvaro Siza 1 – Arquitecto para a elaboração do projecto de arquitetura do Fórum Cultural Eça de Queirós. O preço contratual era de 550.000 euros, e o visto também foi recusado pelos mesmos motivos. O acórdão diz mesmo que “a intenção de adjudicação do projeto de arquitetura com natureza intuitus personae a arquiteto de elevado prestígio nacional e internacional não encontra fundamento legal, pois não são válidos os argumentos utilizados pelo Município para justificar que a elaboração do projeto de conceção apenas pode ser confiada àquele arquiteto”.
E os juízes salientaram também que “a escolha de uma única entidade a convidar – para além do impacto direto na (restrição da) concorrência – produziu ainda um outro efeito na fixação do preço base do procedimento, uma vez que este foi determinado tout court pelo único concorrente convidado, o que é censurável por representar a total ausência de espírito crítico por parte da entidade adjudicante”. Ou seja, o preço foi determinado pelo arquitecto e não regido pelo interesse público.
No caso do contrato com o atelier de Diogo Lima Mayer, a Presidência do Conselho de Ministros, embora invocando critérios materiais similares, não invocou a via artística – até por se tratar sobretudo de projecto de arquitectura de interiores –, mas seguiu uma outra via ainda mais temerária: considera que não existe concorrência “por motivos técnicos”, embora não haja qualquer análise ou documento que prove tal, até por ser uma intervenção acessível à generalidade dos ateliers.
No contrato com o atelier de Lima Mayer que consta no Portal Base, celebrado em 21 de Dezembro do ano passado, com um prazo de execução de três anos, o Governo é extremamente omisso, como geralmente sucede, na definição em concreto do objecto, remetendo para um caderno de encargos, que não se encontra naquela plataforma da contratação públicas.
O PÁGINA UM pediu, contudo, esse caderno de encargos à Presidência do Conselho de Ministros que acabou por enviar alguns elementos, mas não todos, alegando necessidade de “expurgo dos dados pessoais” e retirar “alguns aspectos relacionados com as especificações técnicas que possa, de alguma forma pôr em causa alguns requisitos de segurança”.
Mas mesmo perante a falta de alguns elementos essenciais, nada no caderno de encargos e sobretudo na memória descritiva e justificativa, parece, passe o pleonasmo, justificar a escolha da Intergraup através de um contrato de mão-beijada, afastando a concorrência – que haveria se fosse lançado um concurso público.
De facto, em causa estão apenas intervenções, sem elevada complexidade ou necessidade de ‘criação artística’ ao nível de design de interiores, incluindo instalações sanitárias, reparação de tectos, execução de paredes divisórias para salas de trabalho e de videochamada, reformulações na circulação, e definição de gabinetes em nove pisos, um dos quais, o oitavo, com 197 postos de trabalho e 25 gabinetes afectos ao Primeiro-Ministro. Contabilizado, para já, está a integração de mais de 4400 trabalhadores ligados ao Governo e Administração Pública.
Na listagem das tarefas a executar pelo gabinete de arquitectura encontra-se também a elaboração de um plano de manutenção e intervenção em fachadas e coberturas, a mudança da identidade exterior do edifício após a saída da CGD e um projecto de reformulação dos espaços exteriores e das áreas desportivas. Nada que centenas de gabinetes de arquitectura não podem almejar conseguir apresentar, mas que não será já possível porque a Presidência do Conselho de Ministro garante que o arquitecto dono da Coudelaria do Monte Velho é o único capaz, não existindo concorrência por motivos técnicos. Aliás, a somar a isto não fica absolutamente nada claro como foi definido o preço do contrato.
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O ainda ministro das Finanças, Fernando Medina decidiu contratar por quase 2,8 milhões de euros a sociedade de advogados Cuatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, sem abrir qualquer concurso público, com vista a representar o Estado português num diferendo em tribunal arbitral com três fundos das ilhas Maurícias que terão perdido 260 milhões de euros durante o processo de resolução do Banco Espírito Santo.
A Suffolk, a Mansfield e a Silver Point Mauritius reclamam ter perdido 260 milhões no processo de liquidação do BES, por os seus créditos terem sido classificados pela comissão liquidatária como “subordinados”, o que implicou a perda total do investimento. Os três fundos sedados neste paraíso fiscal no Oceano Índico intentaram uma acção há cerca de um ano, alegando que esta decisão viola um acordo entre as Maurícias e Portugal, assinado no final de 1997, para promoção e protecção recíproca de investimentos.
A escolha a dedo da Cuatrecasas foi apenas ontem revelada no Portal Base, mas concretizada no passado dia 17 de Novembro, com a assinatura de um contrato por ajuste directo no valor de 2,25 milhões de euros (quase 2,8 milhões, incluindo IVA). Contudo, desde pelo menos desde Fevereiro do ano passado, era do conhecimento público que a Cuatrecasas estaria a trabalhar com o Ministério das Finanças neste processo, o que implica que já terá sido executadas tarefas sem suporte contratual, o que constitui uma irregularidade grave à luz do Código dos Contratos Públicos. O contrato refere apenas que as diligências serão tomadas ao longo de 2024.
Porém, mais grave ainda é a justificação para a opção pelo ajuste directo, com a qual a Cuetrecasas vai ‘sacar’ ao erário público quase 2,8 milhões de euros sem sequer necessitar provar ser a melhor ou apresentar a mais favorável relação qualidade-preço em concurso público. De acordo com o contrato escrito, para a aquisição sem concurso público do patrocínio judiciário à Cuatrecasas no âmbito do diferendo arbitral, a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças invocou uma excepção que permite ajustes directos em caso em que “não exista concorrência por motivos técnicos”.
Ou seja, ignorando-se o método do Ministério das Finanças para apurar a inexistência de concorrência por motivos técnicos – o PÁGINA UM não obteve quaisquer resposta aos pedidos de esclarecimentos feitos pelo gabinete de Fernando Medina –, a invocação desta norma significa que, de entre as 1252 sociedades inscritas na Ordem dos Advogados, das quais 749 no Conselho Regional de Lisboa e 371 no Porto, não havia mais nenhuma, a não ser a Cuatrecasas, com capacidade técnica e jurídica para defender o Estado português. Na verdade, talvez houvesse mais outra: a PLMLJ, mas essa terá sido a escolhida pelos fundos das Maurícias para o dirimir o diferendo que surge ao abrigo de um acordo bilateral sobre promoção e protecção recíproca de investimentos. E portanto, não poderia ser uma escolha.
Acordo bilateral de protecção de investimentos assinado em 1997 entre Portugal e as Ilhas Maurícias é a derradeira oportunidade de três fundos daquele paraíso fiscal recuperarem investimentos perdidos no BES. Quem ganhará sempre são as sociedades de advogados.
Além de ser temerário passar ‘atestados de incompetência’ a 1250 sociedades de advogados a trabalharem em território português (excluindo-se, assim, a escolhida, a Cuatrecasas, e a que defende os fundos, a PLMJ), o contrato celebrado pelo Ministério das Finanças acaba por cometer uma incongruência, que faz ruir toda a tese da alegada inexistência de concorrência por motivos técnicos.
Com efeito, na cláusula 10ª do contrato – onde não sequer é possível apurar a formação do preço contratual, incluindo os honorários por hora – coloca-se a possibilidade de a Cuatrecasas poder “recorrer à subcontratação de serviços a prestar por terceiro, desde que obtenha para tal autorização prévia” do Ministério das Finanças.
E indica-se depois, na cláusula 11º, uma longa lista de critérios de orientação das subcontratações a serem feitas, denunciando assim que as partes (Cuatrecasas e Ministério das Finanças) assumiam a incapacidade daquela sociedade de advogados em desenvolver sozinha todas as tarefas contratuais, necessitando de ajuda especializada de outras sociedades ou de outros advogados. Portanto, o próprio contrato mostra que, na verdade, haverá outras sociedades de advogados com mais experiência (isoladas ou em consórcio), de contrário não ficaria expressa a possibilidade de subcontratação. Em suma, o próprio contrato denuncia que a Cuatrecasas é uma espécie de ‘empreiteiro’ que só consegue construir um ‘edifício’ para o qual receberá quase 2,8 milhões de euros, se subcontratar ‘pedreiros’ a outras empresas – mas, no entanto, receberá os 2,8 milhões de euros de ajuste directo por alegadamente ser a única capaz de construir o tal ‘edifício’.
A Cuatrecasas é uma das 1252 sociedades de advogados inscritas na respectiva Ordem. Todas as outras, com excepção da PLMJ (que defende a outra parte), foram consideradas ‘incompetentes’ pelo Ministério das Finanças para defender o Estado num tribunal arbitral.
Saliente-se que tem sido interpretação do Tribunal de Contas que a opção pelo ajuste direto, por razões técnicas, só é admitida quando no mercado apenas exista ou se mostre habilitada uma empresa ou entidade capaz de executar o contrato, o que não aparenta nada ser o caso do contrato de ‘mão beijada’ ganho pela Cuatrecasas por intercessão do ministro Fernando Medina.
Não tendo sido ainda possível apurar qual será a decisão do Tribunal de Contas sobre este caso em concreto, certo é que já ocorreram várias situações de recusa de visto quando se invoca indevidamente a ausência de concorrência por motivos técnicos.
Por exemplo, um contrato de seguros da Infraestruturas de Portugal celebrado em Abril de 2021 por ajuste directo à Fidelidade, no valor de quase 3,3 milhões de euros, foi considerado nulo pelo Tribunal de Contas, uma vez que o argumento “carec[ia] de fundamento legal”. O Tribunal de Contas concluiu que a Infraestruturas de Portugal – a entidade pública que mais ajustes directos celebra –, deveria […] ter lançado mão de um procedimento de concurso público, com publicidade internacional, que desse plena aplicação aos princípios gerais da contratação pública, designadamente ao princípio da concorrência”.
Ricardo Salgado, líder do BES, continua indirectamente a dar dinheiro a ganhar a sociedade de advogados.
Recorde-se que a contratação de sociedades de advogados por ajuste directo, alegando ausência de concorrência, tem sido uma prática sistemática por diversas entidades, com o Banco de Portugal à cabeça, mesmo quando os montantes ultrapassam a fasquia de um milhão de euros. As sociedades de advogados Cuatrecasas e a Vieira de Almeida são as principais beneficiadas num clima de completo desrespeito pela transparência, pelas leis da concorrência e pela gestão adequada dos dinheiros públicos.
O contrato entre a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e a Cuatrecasas integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no 5 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.
PAV
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Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 14 contratos, dos quais 11 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro e um por ajuste directo.
Em 2005, os donativos pessoais para as campanhas eleitorais ainda pesavam nas contas dos partidos políticos. No primeiro acto eleitoral em que as contas partidárias começaram a tornar-se públicas, o Partido Socialista e o Partido Social Democrata ainda angariaram, em conjunto, 800 mil euros. Mas, a partir dessas eleições, os montante estranhamente começaram a minguar, e actualmente são quase irrelevantes. Para as eleições do próximo 10 de Março, os diversos partidos estimam receber, em conjunto, um total de 273.300 euros em donativos, mas esse valor dificilmente será atingido. Por exemplo, em 2022 só houve cinco partidos a declararem donativos, que atingiram apenas 37.745 euros.
Os partidos políticos já quase não recebem donativos para as campanhas eleitorais – ou, pelo menos, é aquilo que consta dos orçamentos e das suas contas. De acordo com as expectativas de receitas dos 15 partidos e coligações, entregues na semana passada na Entidades das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP), os donativos apenas representam 3,3% do total dovalor total orçamentado para gastos da próxima campanha para as Legislativas de 10 de Março, representando apenas 273.300 euros.
Embora seja muito previsível que estes valores sejam substancialmente rectificados após as eleições, sobretudo por uma das receitas (subvenções do Estado) dependerem dos resultados dos votos recoilhdos, os partidos que entregaram o seu orçamento apontam para um gasto total de um pouco mais de 8,3 milhões de euros. Deste montante, 85,5% virá das subvenções estatais – que em alguns partidos poderá ficar aquém do que estimam – e 11,2% de outras proveniências, em especial de fundos próprios.
No entanto, aquilo que mais se destaca nos orçamentos dos partidos para os gastos eleitorais, além da disparidade dos valores – Partido Socialista e Aliança Democrática estão num patamar de gastos muito superior ao dos outros partidos com assento parlamentar, enquanto os outros partidos têm previsões de gastos ínfimos –, acaba por ser a fraca confiança na angariação de donativos.
Com efeito, para as próximas eleições há mesmo seis partidos que nem sequer aguardam qualquer vintém em donativos para suportar os custos da campanha, incluindo Partido Socialista, Chega, PAN e Livre. Por sua vez, a Aliança Democrática e a Iniciativa Liberal são os mais esperançosos, aguardando apoios financeiros de 75 mil euros, enquanto o Volt e a Nova Direita esperam que os donativos possam suportar a totalidade ou quase das despesas de campanha.
Saliente-se que os donativos só pode ser feitos a título individual, estando vedados a empresas, e com um limite de 12.725 por pessoa (25 vezes o IAS) e por transferência bancária. E devido às limitações decorrentes da lei, será previsível que os valores agora apontados (273.300 euros) ainda fiquem aquém quando se fizer a contabilidade no fim das eleições.
Por exemplo, nas eleições legislativas de 2022, o Partido Socialista aguardava por 100.000 euros de donativos, mas acabou por declarar nas suas contas que não recebeu qualquer verba. Neste acto eleitoral, o partido com maior verba de donativos foi a Iniciativa Liberal, que recebeu por esta via 38.868 euros, embora tivesse orçamentado atingir os 150 mil euros. Neste acto eleitoral só houve cinco partidos (PSD, PCTP-MRPP, Bloco de Esquerda, Iniciativa Liberal e CDU) que indicaram ter recebido donativos, que atingiram, no conjunto, somente os 37.745 euros.
Numa consulta do PÁGINA UM às contas das diversas eleições legislativas desde 2005, mostra-se notório que os partidos estão, de forma oficial, a receber cada vez menos dinheiro através de donativos. Nas eleições de 2019, de entre os partidos com assento parlamentar, o Bloco de Esquerda foi o partido que mais dinheiro recebeu (um pouco menos de 65 mil euros), seguindo-se o PS, com quase 48 mil euros, mesmo se nem sequer colocara qualquer valore expectável no orçamento enviado previamente para a ECFP.
Também o PSD e o CDS não esperavam receber donativos para esta campanha, e acabaram a receber verbas muito baixas: 5.688 e 10.000 euros, respectivamente. Ao invés, o Chega – que nestas eleições entrou para o Parlamento, com André Ventura – garantiu não ter recebido quaisquer donativos, um ‘insucesso’ se considerarmos que ambicionava arrecadar 100 mil euros por esta via.
Orçamentos da campanha eleitoral de 10 de Março por partido. Fonte: ECFP. Análise: PÁGINA UM.
O último acto eleitoral em que houve um partido político a receber mais de 100 mil euros de donativos foi o de 2015, que levou António Costa para o Governo, com a criação da geringonça. Apesar de ter ficado em segundo nas eleições, atrás da coligação PàF, o PS foi aquele que mais recebeu de donativos: 159.068 euros, quando orçamentara 150 mil. Por sua vez, a coligação entre Passos Coelho e Paulo Portas somente recebeu 6.240 euros, tendo ambicionado amealhar 75 mil. O Bloco de Esquerda e a CDU também superaram as expectativas iniciais, recebendo cerca de 41 mil e 61 mil euros em donativos, bem acima dos estimado.
Os dois actos eleitorais anteriores (2011 e 2009) não fugiram à regra do baixo volume de receitas a partir de donativos. Em 2011 nenhum partido ultrapassou os 30 mil euros em donativos, e em 2009 o máximo foi alcançado pelo PS, mas muito abaixo das expectativas: 91.237 euros face aos 600 mil euros orçamentados.
Em todo o caso, há um ‘mistério’ na evolução dos donativos na ajuda aos partidos políticos para as campanhas eleitorais, porque para as de 2005, a primeira em que se tornou obrigatória a divulgação dos orçamentos e das contas finais, o fluxo financeiro mostrou-se incomensuravelmente superior aos dos anos seguintes. Nesta altura, os partidos viam os donativos como um maná importante, embora todos com mais olhos do que barriga.
O mais optimista foi o então Partido Popular, liderado por Paulo Portas, que ambicionou receber quase 2,6 milhões de euros provenientes de donativos. Correu mal: só amealharam 13 mil euros, o partido perdeu dois lugares no Parlamento e o PS obteve a maioria absoluta com José Sócrates. Quanto ao PSm esperava receber 1,55 milhões de euros, mas ficou-se pelos 448.963 euros, enquanto o PSD desejava sacar meio milhão de euros de donativos, e apenas obteve um pouco menos de 353 mil euros.
Mesmo assim, neste acto eleitoral, os dois principais partidos portugueses cerca de 800 mil euros em donativos, o que contrasta com a situação da campanha que se avizinha para as eleições de 10 de Março: o PSD, integrado na Aliança Democrática, já espera receber 75 mil euros e o PS nem sequer está a contar com alguma coisa. Pouco relevante será: as subenção estatal, com o dinheiro dos contribuintes, continuará a compensar a perda de doadores.
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