Nascida em Luanda há 47 anos, Ossanda Liber lidera a mais jovem força partidária em Portugal. O partido Nova Direita foi inscrito junto do Tribunal Constitucional em Janeiro deste ano, ainda a tempo das legislativas do passado mês de Março. Nesta entrevista, a cabeça-de-lista do Nova Direita ao Parlamento Europeu defende um modelo de defesa comum na União Europeia e uma independência face ao poder dos Estados Unidos. Também alerta para a tentativa de erosão da soberania dos países europeus. Pelo meio, deixa fortes críticas aos maiores órgãos de comunicação social, acusando-os de estarem a boicotar os partidos de direita de modo “propositado”. Esta é a primeira entrevista da HORA POLÍTICA que pretende conceder voz aos cabeças-de-lista dos 17 partidos e coligações que concorrem às Europeias, em eleições marcadas para 9 de Junho. As entrevistas são divulgadas, seguindo a ordem crescente de antiguidade, na íntegra em áudio, através de podcast, no jornal e na plataforma Spotify.
Sem ‘papas na língua’, Ossanda Liber é directa nas críticas ao actual panorama político em Portugal e na União Europeu, e deixa um alerta sobre uma “tentativa de erosão da soberania dos países europeus”.
Para a cabeça-de-lista do partido Nova Direita às eleições europeias, há uma ideia de se criar “uma espécie de Estados Unidos na Europa”, uma visão federalista da União Europeia que o seu partido rejeita.
Nesta entrevista ao PÁGINA UM, para a secção da HORA POLÍTICA, Ossanda Liber elege a defesa da soberania como a primeira bandeira do Nova Direita. A segunda bandeira é a criação de uma política comum de defesa a nível comunitário, e a terceira é a defesa da liberdade de expressão.
“As pessoas não se dão conta da transferência de poder [para a União Europeia] que fizemos ao longo dos anos em troca de dinheiro. No fundo, estamos a ser pagos para nos calarmos e para não fazermos nada”, afirmou.
Em matéria de defesa, a líder do Nova Direita quer uma “NATO Europeia” complementada com acordos bilaterais, nomeadamente com os Estados Unidos. Ossanda Liber destacou que a “NATO é financiada e dominada pelos Estados Unidos” e que “serve os interesses estratégicos e orçamentais” daquele país. Por isso, defende que, na Europa, “temos de ter a nossa própria defesa e fazer acordos bilaterais”. Por outro lado, rejeita que a União Europeia “seja arrastada para guerras”.
Ossanda Liber (Foto: PÁGINA UM)
Destacou que a sua “terceira grande preocupação é a liberdade de expressão”, apontando que “a supressão do debate de ideias é algo que se sente diariamente”. Contudo, acredita que a cultura de censura e cancelamento tem os dias contados: “o ciclo da loucura e da irracionalidade, está a acabar, com a emergência de movimentos conservadores”.
Aliás, para a líder do Nova Direita, “há pânico na Europa de que o equilíbrio do poder mude”, com os votos a penderem para a direita conservadora, o que pode levar a que comece a emergir informação sobre mais casos de opacidade. Neste ponto, alertou que está a haver uma normalização da corrupção e da falta de transparência na política em Portugal e na União Europeia que “está a ser vítima de grandes movimentos de corrupção”, incluindo Qatargate, além da investigação que tem como alvo a própria presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Sobre o cenário político nacional, Ossanda Liber defende que Portugal ficou dominado nos últimos anos por uma ideologia de esquerda radical que tomou conta de instituições e dos maiores órgãos de comunicação social. E foi particularmente dura nas suas críticas à imprensa mainstream, acusando-a debloquear as visões e ideias de partidos da direita: “a imprensa não está a prestar um bom serviço à democracia”.
Outras prioridades do Nova Direita passam por uma mudança na política energética, já que o partido defende a opção do uso da energia nuclear, e também porque considera que as metas propostas no âmbito de políticas de sustentabilidade ambientais são impossíveis de alcançar, como o fim dos carros a gasolina e gasóleo.
(Foto: PÁGINA UM)
Nesta entrevista, Ossanda Liber comenta ainda alguns episódios mediáticos em que se viu envolvida, incluindo o mais recente nas redes sociais, após ter feito uma publicação com uma foto sua empunhando uma arma, tirada nas comemorações do Dia da Marinha, em que sugeria que a sua missão é “fuzilar a esquerda”.
Esta é a primeira entrevista do HORA POLÍTICA, que visa entrevistar os 17 cabeças-de-lista dos partidos que concorrem às eleições europeias que, em Portugal, têm data marcada para o dia 9 de Junho. A publicação obedece a uma ordem cronológica, do partido mais jovem ao mais antigo.
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Há três anos, no início da fase de vacinação contra a covid-19, e quando escasseavam doses, o então bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD, Miguel Guimarães, conseguiu que a task force, liderada por Gouveia e Melo, aceitasse disponibilizar doses a cerca de quatro mil médicos que não estariam nas prioridades de uma norma da Direcção-Geral da Saúde (DGS). A revelação, feita pelo PÁGINA UM numa investigação publicada em Dezembro de 2021, deu origem a um processo de esclarecimento da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS). Mais de um ano depois, e no decurso de mais uma intimação do PÁGINA UM, a IGAS diz que afnal tudo foi legal, embora tenha ‘manipulado’ a data da actualização da norma que definia as prioridades, nunca quis ver nem conferir a lista de alegados médicos, e nem sequer se preocupou com um e-mail (que se encontra no processo) de Miguel Guimarães a Gouveia e Melo, então líder da task force, a confessar que houve uma “personalidade política” que beneficou deste esquema. Apesar de se estar perante uma evidente inspecção de ‘faz-de-conta’, a IGAS decidiu mesmo assim remeter ao Ministério Público os estranhos expedientes que levaram ao pagamento de uma contrapartida financeira ao Hospital das Forças Armadas, e que saiu de uma conta solidária pejada de irregularidades e ilegalidades, gerida por Miguel Guimarães, Eurico Castro Alves e Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde.
Tudo se passou em 2021, e agora, em 2024, há quem esteja muito interessado em esfregar uma borracha para apagar tropelias. Mais de um ano de diligências, apenas dois pedidos de esclarecimento, uma lista de quatro mil médicos vacinados contra a covid-19 que ninguém assume ter visto e analisado, e ainda uma desconhecida “personalidade política” à boleia para apanhar uma dose por uma “questão de necessidade e oportunidade” – e eis o ‘saldo’ de um estranho processo de esclarecimento conduzido pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) no decurso de uma investigação do PÁGINA UM publicada em Dezembro de 2022, e que ficou concluído apenas no final do mês passado, no decurso de uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Em causa estavam fortes suspeitas de ‘conluio’ entre o então coordenador da task force, Gouveia e Melo, e o então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, que, contrariando normas da Direcção-Geral da Saúde, tinham conseguido vacinar médicos não-prioritários numa altura em que escasseavam doses que estavam então a ser direccionadas para os mais vulneráveis. O caso envolvia também o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida, sendo que quem pagou a verba foram os gestores da campanha ‘Todos por quem cuida’, apesar da factura ter sido emitida em nome da Ordem dos Médicos, que depois passou falsas declarações de donativos a quatro farmacêuticas.
Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD.
No seguimento de um conjunto de investigações do PÁGINA UM à gestão da campanha de solidariedade ‘Todos por uma causa’, cheia de irregularidades e ilegalidades – incluindo facturas falsas e fuga aos impostos –, que recebeu sobretudo das farmacêuticas cerca de 1,4 milhões de euros, a IGAS decidiu abrir um processo formal de esclarecimentos. O objectivo seria, numa fase inicial, apurar se existiam indícios de irregularidades ou ilegalidades por parte de médicos e da própria Ordem dos Médicos.
Ainda em Janeiro de 2023, na sua primeira intervenção, a IGAS decidiu pedir apenas “esclarecimentos sobre o teor da notícia” do PÁGINA UM ao núcleo de coordenação do processo de vacinação, então já coordenado por Carlos Penha Gonçalves, e à Ordem dos Médicos, ainda liderado por Miguel Guimarães. Nem sequer é solicitada qualquer documentação. E logo numa primeira informação de uma inspectora surge um primeiro erro: diz-se que Gouveia e Melo era o coordenador da task force desde o primeiro despacho governamental de Novembro de 2020. Não era: apenas assumiu essa função depois da demissão de Francisco Ramos no início de Fevereiro de 2021, exactamente por irregularidades no processo de vacinação contra a covid-19 no Hospital da Cruz Vermelha, onde era administrador.
Porém, os ofícios da IGAS enviados tanto para a task force como para a Ordem dos Médicos são ’meigos’, porque solicitam apenas esclarecimentos, não sendo sequer pedido a listagem dos supostos médicos vacinados que, conforme destacado pela notícia do PÁGINA UM, não integrariam a Fase 1 de uma norma então em vigor da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Ou seja, somente conferindo as listas se poderia aferir que tipo de médicos tinham sido vacinados, e se à ‘boleia’ tinha havido outras pessoas vacinadas que nem sequer eram profissionais de saúde.
Carlos Penha Gonçalves, que substituiu Gouveia e Melo, respondeu à IGAS num simples e curto e-mail em Março do ano passado. E garantiu, obviamente, que estava tudo perfeito, destacando que o “processo de vacinação primária contra a covid-19 de profissionais de saúde decorreu em acordo com a Norma nr. 002/2021, que determinava que os profissionais de saúde diretamente envolvidos em prestação de cuidados a doentes, constituíam um grupo de [sic] prioritário para vacinação dentro da fase 1 da campanha”. Dessa forma, acrescentava estre responsável, tornavam-se assim imediatamente elegíveis aqueles que tivessem registo nas diversas instituições tuteladas pelo Ministério da Saúde, acrescentando ainda que essas “pessoas eram vacinadas pelas unidades prestadoras de saúde, sob compromisso de que as vacinas eram administradas aos profissionais abrangidos” pela norma da DGS.
Quanto aos outros, Penha Gonçalves descartou responsabilidades, dizendo que a “vacinação de profissionais de saúde não enquadradas nestas instituições” foi feito em articulação com as ordens de profissionais de saúde, que “se responsabilizaram por identificar os profissionais elegíveis para vacinação, sob compromisso da adesão” às normas da DGS. A seguir, acrescenta, “após o processo de identificação dos profissionais a vacinar, a sua vacinação foi organizada quer por recurso a unidades prestadoras de cuidados de saúde” ou ainda “por convocação para centros de vacinação covid-19”. Ou seja, entraram também no sistema de vacinação convencional.
Mas isso, acaba por admitir Penha Gonçalves, não sucedeu com a Ordem dos Médicos. Aqui houve um regime de excepção. Os médicos que Miguel Guimarães haveria então de enviar a Gouveia e Melo não passou pelo circuito oficial, nem a vacinação decorreu em unidades do sistema oficial, tendo-se optado por vacinar cerca de quatro mil pessoas em instalações militares contra o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas, que haveria de ser suportada pelo fundo “Todos por uma causa”, gerida por uma conta pessoal de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. A actual ministra deu em concreto, com Castro Alves, a ordem de pagamento às Forças Armadas. A factura, porém, seria enviada pelo Hospital das Forças Armadas à Ordem dos Médicos, que passaria depois declarações falsas a quatro farmacêuticas, como se fossem estas a fazer donativos directos.
Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force.
Penha Gonçalves reitera no seu e-mail que “todos os médicos vacinados neste processo específico foram elegíveis pela Ordem dos Médicos”, não tendo sido permitida a “vacinação de médicos à margem das normas”. Mas a task force não enviou absolutamente nenhuma lista com nomes para comprovar a legalidade – que, aliás, não foi pedida nem antes nem depois da resposta de Penha Gonçalves.
Mas é com a resposta de Miguel Guimarães que, de forma talvez inadvertida, se revela um aspecto insólito – e até ilegal, para além de eticamente reprovável, sobretudo por ter ocorrido num período de escassez de vacinas.
O actual deputado do PSD começa, na sua resposta ao IGAS, por atacar o PÁGINA UM, salientando que a notícia em causa “deturpa a realidade dos factos, como de resto [alegadamente] sucede com as notícias que aquele jornalista publica”. E depois tenta justificar a razão de não terem sido incluídos como prioritários alguns milhares de médicos – entre os quais, acrescente-se, deveria estar então o próprio Miguel Guimarães, por ocupar a função de bastonário, e portanto, nem ter actividade directa em doentes. Mas, na verdade, o bastonário pôs-se logo na ‘primeira fila’, conseguindo ser vacinado em finais de Dezembro de 2020 como médico do Hospital de São João, embora estivesse então em exclusivo na Ordem dos Médicos, não tendo assim contacto com doentes.
Miguel Guimarães refere ainda que desde Janeiro de 2021 remetera à então ministra da Saúde, Marta Temido, uma reclamação por causa da existência de médicos não integrados no grupo prioritário, que, na verdade, seria um parecer do Conselho Nacional da Política do Medicamento da Ordem dos Médicos. O conteúdo desse parecer não foi sequer enviado à IGAS nem a IGAS o solicitou posteriormente.
Ana Paula Martins, actual ministra da Saúde, ao lado de Miguel Guimarães. Geriram em conjunto uma conta solidária, titulada por eles juntamente com Eurico Castro Alves, de onde saiu o dinheiro para pagar cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas como contrapartida da vacinação de médicos não-prioritários.
Nos documentos enviados por Miguel Guimarães constam ainda missivas do primeiro coordenador da task force, Francisco Ramos, em papel timbrado da Secretaria de Estado da Saúde, onde informa que, na “sequência de reuniões realizadas”, solicita à Ordem dos Médicos uma lista de médicos que “exerçam a sua actividade de prestação directa de cuidados, de forma não integrada em hospitais públicos, privados ou sociais ou em outras entidades prestadoras de saúde já mobilizadas parta a execução do plano de vacinação”. Mas essa lista nunca se viu, nem Miguel Guimarães a enviou à IGAS; e nem a IGAS a quis ver.
Com a chegada de Gouveia e Melo à task force em Fevereiro de 2021, de acordo com a documentação a que o PÁGINA UM teve acesso, a informalidade espraia-se. Já não há papel timbrado nem ofícios. Faz-se tudo por correio electrónico, embora com uma inusitada reverência. Miguel Guimarães trata Gouveia e Melo com um “Distinto Senhor Coordenador da Task-Force Mui Ilustre Vice-Almirante”.
Em 19 de Fevereiro de 2021, poucas semanas depois do actual Chefe do Estado-Maior da Armada ter tomado posse como coordenador da task force, Miguel Guimarães envia-lhe por e-mail “uma base de dados com médicos que querem ser vacinados, e cumprem os critérios definidos pela DGS”. Essa lista não é conhecida, não foi fornecida pela task force nem pela Ordem dos Médicos à IGAS. E a IGAS não a quis sequer ver, sendo que essa era a questão óbvia num decente e idóneo processo de esclarecimento.
Mas, de acordo com esse e-mail de Miguel Guimarães, nessa altura a lista nem estava ainda concluída, dizendo ele que “continuamos a receber mais inscrições de médicos que ainda não foram vacinados e continuam no activo”, prometendo enviar mais tarde “uma nova base de dados de forma a evitar sobreposições”. Embora estranhamente não haja qualquer resposta de Gouveia e Melo às missivas de Miguel Guimarães, tudo evoluiu rapidamente para a vacinação de cerca de quatro mil alegados médicos – e reitera-se alegados médicos porque não se conhece a lista final de nomes –, cujas vacinas foram administradas em unidade militares. Pelos e-mails de Miguel Guimarães sabe-se o número daqueles que tinham menos de 65 anos, porque receberam a vacina da AstraZeneca, e aqueles que tinham mais de 65 anos, pois receberam a da Pfizer.
Além de se vacinarem médicos não-prioritários numa altura de escassez, Miguel Guimarães ainda permitiu que uma “personalidade política” recebesse uma dose por uma “questão de necessidade e oportunidade”.
Em finais de Fevereiro de 2021, além das pessoas indicadas pela Ordem dos Médicos a viverem no Continente, Miguel Guimarães ainda indicaria 27 médicos da Madeira e 42 dos Açores para serem vacinados, mas no processo fica-se sem saber também quem eram e se houve mesmo inoculação das doses. A IGAS não teve curiosidade em saber.
Mas essa informação até existirá, eventualmente, num “relatório final da primeira fase” desta operação de vacinação que Miguel Guimarães prometeu, em mensagem de correio electrónico de 17 de Março de 2021, enviar “brevemente” a Gouveia e Melo. Também a IGAS não quis saber deste relatório nem quis saber se houve outros relatórios.
E também não quis a IGAS aprofundar uma surpreendente informação transmitida nesse e-mail pelo antigo bastonário. Miguel Guimarães congratula-se, nessa missiva a Gouveia e Melo, que a administração da primeira dose “decorreu de forma organizada e serena, tendo todas as vacinas sido administradas a médicos, sem desperdícios”. Mas, na verdade, houve uma excepção, como o actual deputado do PSD convidado por Luís Montenegro para ser cabeça-de-lista no Porto acaba por informar o actual Chefe do Estado-Maior da Armada: houve uma dose “administrada em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade” – mas, presume-se, profundamente ilegal.
No e-mail, Miguel Guimarães não indica o nome dessa “personalidade política” nem existe nos documentos enviados pela Ordem dos Médicos qualquer reacção de Gouveia e Melo. E também não explicita qual foi a questão de necessidade e a questão de oportunidade, e quais as eventuais contrapartidas por essa liberalidade. A IGAS também aqui não pediu mais quaisquer esclarecimentos. Contudo, o PÁGINA UM perguntou a Miguel Guimarães, por e-mail, o nome do político que foi à boleia deste método organizado pela Ordem dos Médicos à margem do circuito oficial. Silêncio absoluto.
Extracto do e-mail de 17 de Março de 2021 enviado por Miguel Guimarães a Gouveia, admitindo a administração de uma dose “em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade”.
Apesar dos “esclarecimentos” à IGAS feitos pela Ordem dos Médicos e pela task force terem sido enviados em Março de 2023, o processo de esclarecimento esteve completamente parado, não havendo qualquer movimento do processo durante longos meses, mesmo apesar de diversas solicitações de informação do PÁGINA UM. A IGAS somente avançaria com a conclusão do processo no decurso de (mais) uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em Abril passado – a terceira do PÁGINA UM que visa em concreto esta entidade dirigida por Carlos Carapeto.
O relatório final do processo de esclarecimento, da autoria da inspectora Aida Sequeira, chegou assim a conclusões que nem sequer se encontram plasmadas em qualquer documento. Com efeito, o relatório destaca que “a ponderação e preparação do processo de vacinação foi do conhecimento da DGS e do responsável máximo pela tutela da saúde, a então Ministra da Saúde”, mas, na verdade, não existe qualquer documento que comprove esse conhecimento por parte da DGS, que é a Autoridade de Saúde Nacional e a única entidade responsável pela norma eventualmente violada.
Acresce também que a IGAS omite na sua análise a impossibilidade legal da então task force dirigida por Gouveia e Melo negociar procedimentos com a Ordem dos Médicos ou outra qualquer entidade. Somente em Abril desse ano, Gouveia e Melo obteve poderes reforçados através de um despacho governamental.
Mas o relatório final da IGAS faz ainda pior, numa tentativa de ‘legalizar’ os médicos não-prioritários. Com efeito, a inspectora Aida Sequeira diz que a norma 002/2021 tinha tido uma “actualização a 17 de fevereiro de 2021”, que passava a incluir na Fase 1 os “profissionais envolvidos na resiliência do sistema de saúde e de resposta à pandemia e do Estado”, bem como “outros profissionais e cidadãos, definidos pelo órgão do governo, sobre [sic] proposta da Tak-Force”. Porém, isso é falso. Na verdade, a actualização de 17 de Fevereiro não é de 2021, mas sim de 2022, conforme se pode constatar na consulta dessa norma. E, de facto, essa inclusão alargada dos profissionais envolvidos na resiliência do sistema de saúde até se verificou em 31 de Agosto de 2021, numa fase de maior oferta de vacinas pelas farmacêuticas. Ou seja, a introdução de uma referência completamente falsa a uma alteração da norma da DGS no dia 17 de Fevereiro de 2021 não aparenta nada ser um mero lapso.
Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde. Mais de um ano num processo de esclarecimento de ‘faz-de-conta’, com erros, omissões e até manipulações de datas.
Não existe também no processo qualquer documento que comprove a afirmação da inspectora Aida Sequeira de que “em Janeiro de 2021, o Secretário de Estado da Saúde, com conhecimento à DGS, oficiou a Ordem dos Médicos no sentido de que fosse disponibilizada ‘(…) uma base de dados de contactos de médicos com actividade de prestação de cuidados, de forma não integrada em hospitais públicos, provados ou sociais ou em outras entidades prestadoras de cuidados de saúde já mobilizados”. A inspectora da IGAS diz que essa informação proveio de “diligências adicionais promovidas por esta Inspecção-Geral”, embora não haja qualquer nota sobre a fonte nem sequer o documento que confirme o necessário conhecimento, verificação e aprovação da lista enviada pela Ordem dos Médicos.
Assim, e apesar de se ficar sem saber quem afinal eram as cerca de quatro milhares de pessoas vacinadas sob a batuta de Miguel Guimarães – e se eram todos médicos, e se todos cumpriam os critérios da norma da DGS, porque a IGAS nada pediu –,a inspectora concluiu “pela conformidade legal da inoculação da vacina contra a covid-19 aos profissionais de saúde, circunscrita a Fevereiro de 2021”, determinando o arquivamento. Ficou assim também ‘apagado’ o pecadilho da “personalidade política” vacinada à margem da lei por uma “questão de necessidade e oportunidade”.
Em todo o caso, sobre as suspeitas de irregularidades na contabilidade financeira da Ordem dos Médicos no processo de ‘contratação’ do Hospital das Forças Armadas, a IGASA decidiu enviar o processo para o Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) de Lisboa.
O PÁGINA UM pediu esclarecimentos ao inspector-geral da IGAS, Carlos Carapeto, sobre a ausência de análise da lista dos alegados médicos vacinados, bem como a razão pela qual não se quis identificar a “personalidade política” que beneficou de uma dose à margem da lei. Não se obteve resposta às perguntas.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Eis o resultado de uma investigação do PÁGINA UM que foi ‘até ao osso’, para servir de exemplo, sobre um caso que não será único no pouco escrutinado mundo autárquico. Perante a recusa da Câmara Municipal de Cascais em dar esclarecimentos sobre um estranho contrato de fornecimento de refeições a refugiados ucranianos – quando os seus centros de acolhimento já estariam ‘às moscas’ –, o PÁGINA UM recorreu ao Tribunal Administrativo, que acabou por obrigar a autarquia liderada pelo social-demicrata Carlos Carreiras a libertar as provas do cumprimento de um contrato de quase 233 mil euros. E as provas são.. uma ‘planilha de Excel’ (ou folha de cálculo) e um conjunto de supostas requisições manuscrias pela mesma ignota pessoa, sem qualquer timbre nem assinatura de um qualquer responsável autárquico, cheias de discrepâncias de números e sinais de manipulação. Estas ‘provas’ não são válidas, garante Paulo de Morais, líder da Frente Cívica e antigo vice-presidente da autarquia do Porto, que compara esta forma de contabilidade da Câmara de Cascais à de “uma tasca no meio do monte”.
Adensam-se as suspeitas sobre o efectivo fornecimento de refeições destinadas aos centros de refugiados ucranianos através de um contrato celebrado pela Câmara de Cascais e a empresa ICA – Indústria e Comércio Alimentar, que acabou por custar 232.799,69 euros ao erário público.
Em causa, recorde-se, estão os moldes de execução de um contrato por ajuste directo no valor de 250 mil euros – o terceiro em dois anos para o mesmo fim – que a autarquia de Cascais assinou com a ICA, uma empresa de refeições, em 26 de Setembro do ano passado, para fornecimento de refeições aos refugiados ucranianos durante um prazo previsto de 91 dias, ou seja, até final de 2023. Ou então “até se esgotar o valor contratual máximo”, de acordo com o contrato, que com IVA seria de 307.500 euros.
A necessidade do fornecimento de refeições para cidadãos ucranianos nessa altura era já mais do que duvidosa. Numa reportagem do Diário de Notícias em Fevereiro do ano passado, Carlos Carreiras dizia que nos dois centros de acolhimento em Cascais, então existentes, estavam “apenas 132 cidadãos” ucranianos, acrescentando que se esperava que até ao final de Março esse número fosse “cerca de metade e que até Maio/ Junho já todos [tivessem] encontrado soluções”.
O PÁGINA UM também teve conhecimento de que, no último trimestre de 2023 – ou seja, mais de ano e meio após a chegada de refugiados provenientes da Ucrânia por causa da invasão russa à região do Donbass -, era diminuto o número de utentes dos dois centros de acolhimento do município de Cascais.
Uma das ‘provas’ do fornecimento de quase 233 mil euros em refeições que ninguém viu é uma ‘planilha de Excel’ (ou folha de cálculo) que nem sequer bate certo com supostas requisições manuscritas sem qualquer assinatura.
Para adensar a estranheza neste processo, acresceu a celeridade com que foi passada a factura pela ICA pelos alegados serviços de fornecimento de alimentação e também o rápido pagamento pelos serviços da Câmara Municipal de Cascais, ainda no decurso do prazo inicialmente previsto da execução do contrato. Com efeito. apenas dois dias depois da assinatura do contrato, ou seja, no passado dia 28 de Setembro, a ICA passou uma factura no valor total de 232.799,69 euros, desconhecendo-se, porque não foram apresentados quaisquer documentos oficiais, as razões para este novo valor. Nem tão-pouco se sabe a razão para o contrato ter decorrido durante 41 dias – e não 91 dias -, pois o contrato estabelecia um ‘tecto máximo’ de 307.500 euros. Além disso, no caderno de encargos nem sequer eram definidos os preços por unidade de refeição, ou seja, não se sabia sequer a quantidade total de pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares.
A factura da ICA, aceite pelos serviços municipais, possui também outras particularidades. Primeiro, porque indica apenas um unidade (1 UN) para “Serviço Refeição – Almoços Refugiados” – onde surge o tal valor de 232.799,69 euros com IVA, sendo que o valor antes deste imposto era de 189.268,75 euros -, quando foram servidos pequenos-almoços, almoços, lanches e jantares, em números distintos ao longo dos dias e em cada refeição. Segunda particularidade da factura: a ICA conseguiu adivinhar em 28 de Setembro do ano passado, com um ‘erro’ de apenas 0,71 cêntimos, o valor total das refeições que supostamente acabou por fornecer até ao dia 30 de Outubro, uma segunda-feira, dando assim por terminado ao fim de 41 dias um contrato que deveria durar mais 50 dias.
E não se diga que essa previsão – ou ‘adivinhação’ – era fácil de fazer, porque, de acordo com a tal planilha de Excel’, fornecida pela Câmara Municipal de Cascais após a intervenção do Tribunal Administrativo, constata-se que existem variações entre refeições ao longo do mesmo dia e variações ao longo dos dias. Por exemplo, foram fornecidos pequenos almoços entre 270 e 315 utentes ao longo do período. Já almoços tiveram ‘saídas’ entre os 285 e os 300 utentes, com a particularidade de, com excepção de dois dias, serem sempre em unidade redondas terminadas em zero. Quanto aos lanches e aos jantares, foram servidos, em cada caso, refeições a entre 270 e 320 utentes. Além disso, ainda se contabilizaram diariamente o formeciumento de mais de seis centenas de unidades de água, além de descartáveis e ainda despesas com pessoal de cozinha aos fins-de-semana.
Autarquia de Cascais apresentou requisições mauscritas de refeições supostamente fornecidas pela ICA, sem qualquer assinatura, acompanhada por uma ‘planilha de Excel’. Além do arcaismo, e não ser uma prova válida, nem sempre existe coincidência nos números, e as suspeitas de manipulação são flagrantes.
Sendo certo que os preços unitários das refeições eram bastante distintos – pequeno-almoço (1,95 por unidade sem IVA), lanche (2,25 euros por unidade), almoço e jantar (4,55 euros por unidade, em ambas as refeições), água (40 cêntimos por unidade), além dos descartáveis (55 cêntimos por unidade) -, e em função das quantidades fornecidas, certo é que se esgotou mintante da factura em 30 de Outubro. Ainda terá dado, miraculosamente para as refeições habituais, mas não deu sequer para o dia seguinte. Acabou ao 41º dia aquilo que se esperaria durar 91 dias.
Mas aí então coloca-se uma questão humanitária: se, com efeito, terá havido 300 pessoas a comer o pequeno almoço ainda fornecido pela ICA no dia 30 de Outubro do ano passado – e pago pela autarquia de Cascais – e ainda 290 pessoas a almoçarem nas mesmas circunatâncias, e mais 282 pessoas a lancharem, e mais 290 a jantarem, e mais 630 águas a serem fornecidas e 580 descartáveis a serem ‘consumidos’, que sucedeu no dia seguinte, no 31 de Outubro? E nos dias seguintes, tendo em conta que o contrato previa uma duração de 91 dias? As cerca de três centenas de ucranianos que supostamente existiam nos centros, e que foram alimentados entre 20 de Setembro e 30 de Outubro, passaram a nada comer? Havia mesmo cerca de três centenas de ucranianos nessa altura? Alguma prova fotográfica? Nada mais foi enviado pela autarquia em cumprimento da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
Além disto, os documentos enviados pela autarquia de Cascais – repita-se, sem estarem sequerem papel timbrado nem terem assinaturas – sofrem de ‘desconformidades’ quando se confrontam os números de refeições que surgem na ‘planilha do Excel’ e os supostos registos das requisições. Por exemplo, logo no primeiro dia de fornecimento de refeições são indicados 300 almoços na ‘planilha’, mas na suposta requisição surgem 290.
Por ser análise fastidiosa, o PÁGINA UM somente analisou em detalhe os 10 primeiros dias de fornecimento, constando uma dezena de discrepâncias, que envolvem mais de uma centena de refeições, entre os números que constam na planilha e nas requisições. Mais do que o valor em causa, estas discrepâncias suscitam legístimas suspeitas de uma manipulação malfeita.
Para uma análise independente aos documentos do contratos entre a autarquia de Cascais e a ICA, o PÁGINA UM enviou-os a Paulo de Morais, docente universitário e presidente da Frente Cívica, que ocupou o cargo de vice-presidente da Câmara Municipal do Porto entre 2002 e 2006. Manifestando a sua estupefacção pela ausência de assinaturas e registos formais, Paulo de Morais diz ser “patético que os serviços jurídicos da autarquia de Cascais apresentem este tipo de provas sobre um contrato de valor tão elevado”.
O líder da Frente Cívica deefnde que, em circunstâncias especiais – que já não se aplicariam, no último trimestre do ano passado, a refugiados ucranianos que tinham chgado nos primeiros meses de 2022 – “até seria aceitável que houvesse registos mais informais em momentos de crise ou urgência, mas que fossem depois formalizados em documentos oficiais. A Câmara de Cascais não é uma tasca no meio do monte”, diz. Salientando que este caso suscita “legítimas suspeitas” por estar assente em documentos que não têm qualquer validade legal, Paulo de Morais defende que, atendendo ter este modus operandi sido detectado pelo PÁGINA UM apenas por intervenção do Tribunal Administrativo, as autarquias devem mostar disponibilidade para “serem escrutinadas”.
Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais: somente mostrou documentos ao PÁGINA UM após ser obrigado pelo TrIbunal Administrativo e Fiscal de Sintra.
O PÁGINA UM vai remeter todos os elementos deste contrato entre a autarquia de Cascais e a ICA – possível com uma intimação no Tribunal Administrativo, bem sucedida através do FUNDO JURÍDICO apoiado pelos leitores – ao Tribunal de Contas, uma vez que, por norma, esta entidade não faz comentários sobre casos que não abordou formalmente. Ou seja, só se pronuncia em consequência de actos de fiscalização ordinária ou após tomar conhecimento de suspeitas de irregularidades ou ilegalidades.
Note-se que, no âmbito desta intimação, o PÁGINA UM também pedira elementos sobre um contrato entre a Câmara de Cascais e o Modelo Continente também para o fornecimento de alimentos e de bens de higiene para os centros de refugiados, cujos preços no caderno de encargos estavam hiperinflacionados, ou seja, o contrato previa a compra de produtos no valor de 180 mil euros mas que custavam, de facto, apenas 14 mil. Neste caso, e na sequência de uma notícia do PÁGINA UM em Outubro do ano passado, a autarquia admitiu no Tribunal Administrativo de Sintra que afinal nunca houve qualquer compra.
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A Leitek Unipessoal é apenas uma das 12 empresas portuguesas que, desde 2023, obteve licenças do Ministério da Defesa para comercializar tecnologias militares, onde está também a sociedade de um cidadão francês com sede na Zona Franca da Madeira, que desencadeou forte polémica política no mês passado por ter sido concedida já depois das eleições legislativas. Mas o caso da Leitek Unipessoal tem contornos ainda mais surpreendentes: o seu dono é Clélio Ferreira Leite, um antigo capitão de fragata condenado a sete anos de prisão por corrupção passiva no exercício de funções num processo que decorreu no final da primeira década do presente século. Apesar de alegadamente ter já o registo criminal ‘limpo’, o ex-militar – que desde 2014 recebe uma pensão de quase 1.500 euros após se reformar da Marinha aos 49 anos – não reúne as condições de idoneidade impostas pela lei que regula as actividade de comércio e indústria de tecnologias militares. O Governo socialista ‘esqueceu-se’ de ponderar esse ‘pormenor’ sobre um empresário que tem ligações estreitas com uma associação do sector sedeada na China.
Um antigo capitão de fragata, condenado em 2008 por corrupção passiva, recebeu uma autorização do Ministério da Defesa em Setembro passado para exercer actividades de comércio e tecnologias militares, apesar de uma lei de 2009 proibir expressamente, por razões de idoneidade, a obtenção de uma licença a quem tenha sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, por diversos crimes graves.
Em Setembro de 2006, Clélio Ferreira Leite, que chegou a estar indigitado para director-geral de Armamento e Equipamentos de Defesa – um organismo responsável pela execução financeira dos contratos de reequipamento das Forças Armadas –, foi detido numa megaoperação da Polícia Judiciária, constituída por 70 inspectores, nove procuradores do Ministério Público e um juiz de instrução criminal, juntamente com outro oficial superior e um sargento da Marinha, por suspeita de corrupção em contratos celebrados com uma empresa privada para a manutenção dos mísseis que equipam as três fragatas da classe ‘Vasco da Gama’.
No final de 2006, a investigação foi alargada ao Exército: buscas em escritórios de advogados e empresas permitiram apreender documentos que indiciam favorecimento na compra de equipamentos para as 260 viaturas blindadas adquiridas aos austríacos da Magna-Steyr. Ferreira Leite eram então responsável pela Divisão de Armamento da Direcção de Navios da Marinha, tendo sido o único preso preventivo. No julgamento, este oficial seria condenado a sete anos de prisão efectiva por corrupção passiva.
Anos mais tarde, refez a vida, saindo da Marinha aos 49 anos com uma reforma de quase 1.500 euros, criando então, em Abril de 2016, uma empresa unipessoal (ou seja, apenas por si detida) denominada Leitek Innovative Solutions, com sede em Cascais, tendo como objecto social o comércio internacional de produtos de software, de tecnologias na área de sistemas eletrónicos, optrónicos, radar, biometria, sistemas de navegação e comunicações, bem como actividades de investigação e desenvolvimento, de engenharia naval e engenharia aeroespacial, consultadoria de projetos de investimento e de engenharia, segurança marítima e aérea. Desde 2017, a empresa de Clélio Ferreira Leite foi comercializando diversos equipamentos a entidades públicas, incluindo drones. O contrato mais elevado foi estabelecido, em agrupamento com a Wavecom, no valor de 557 mil euros, com a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira em finais de 2020 para fornecimento de sistemas de detecção precoce de incêndios rurais.
O cadastro criminal de Clélio Ferreira Leite não era relevante para contratos públicos – nem para assumir cargos, como os de presidente da Associação Portuguesa de Aeronaves não Tripuladas –, mas já era quanto ao pedido de licença para exercícios de actividades de comércio e indústria de bens e tecnologias militares por sociedades comerciais sedeadas em Portugal e por pessoas singulares residentes em Portugal, que é uma condição sine qua non. De acordo com a lei, o pedido de licença é formulado mediante um requerimento dirigido ao Ministro da Defesa, com o objectivo inicial de alterar o objeto social da Leitek, de modo a incluir o comércio e a indústria de bens e tecnologias militares na sua actividade.
Clélio Ferreira Leite, ex-capitão de fragata e actual sócio único e gerente da Leitek, ao lado de Jincai Yang, presidente da World UAV [Unmanned Aerial Vehicle] Federation.
O despacho de 26 de Setembro do ano passado do antigo secretário de Estado da Defesa Nacional, Carlos Pires, concedeu essa autorização à Leitek, da qual Clélio Ferreira Leite é gerente e sócio único, após passar pelo crivo da Autoridade Nacional de Segurança. No despacho governamental diz-se que “a sociedade comercial [Leitek] cumpre os pressupostos cumulativos para a atribuição de licenciamento para o exercício das atividades pretendidas, previstos no nº 1 do artigo 8º da Lei nº 49/2009, mas esquece completamente o artigo referente à idoneidade – usada também como critério de exclusão, por exemplo, para exercício de funções em instituições financeiras.
Com efeito, a lei em causa determina que “sem prejuízo de outras circunstâncias atendíveis, considera-se não possuir idoneidade quem tenha sido condenado, no País ou no estrangeiro, por crimes de falência dolosa, falência por negligência, falsificação, furto, roubo, burla, extorsão, abuso de confiança, infidelidade, usura, corrupção, emissão de cheques sem provisão, apropriação ilegítima de bens do sector público ou cooperativo, falsas declarações, branqueamento de capitais ou infracções à legislação especificamente aplicável às sociedades comerciais, ou ainda por crimes praticados no exercício de actividades de comércio ou de indústria de bens e tecnologias militares”, ou que “tenha comprovadamente tido envolvimento no tráfico ilícito de armas ou de outros bens e tecnologias militares ou de dupla utilização ou, ainda, na violação de embargos de fornecimento de bens e tecnologias militares decretados pela Organização das Nações Unidas, pela União Europeia, pela Organização para a Segurança e Cooperação na Europa ou pelo Estado português”.
O PÁGINA UM contactou Clélio Ferreira Leite que, não negando “problemas passados” com a Justiça garante ter o registo criminal “limpo”, o que sucede, em geral, no crime cometido, sete anos após a data da extinção da pena aplicada. No entanto, de acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM, a limpeza do cadastro criminal não interfere com a premissa da idoneidade em casos de condenação, de contrário não estaria expressamente incluído. Até porque o registo criminal é um documento pedido – e que terá de estar ‘limpo’ – antes da análise da idoneidade dos sócios ou dos gestores das sociedades que solicitam a licença. Ferreira Leite diz também que nunca fez negócios com qualquer ramo das Forças Armadas.
Contudo, de acordo com a consulta do PÁGINA UM ao Portal Base, a Leitek fez um contrato no valor de 61.820 euros com o Estado-Maior do Exército para fornecimento de detector de cabos electrónicos, magnetómetro e detector de circuitos electrónicos em finais de 2018 pelo valor de 61.820 euros. Contabiliza ainda três contratos com a Polícia de Segurança Pública e um com a Guarda Nacional Republicana, embora até agora não surja ainda nenhum em data posterior à nova licença para comércio e indústria de tecnologias militares. No entanto, a licença é também para actividades de exportação.
Carlos Lopes Pires, secretário de Estado da Defesa do Governo de António Costa, que tomou posse em Julho de 2023, não concedeu apenas um despacho polémico a conceder uma licença de comércios de tecnologias militares à empresa de um cidadão da Córsega na Zona Franca da Madeira. Também não conferiu a idoneidade do sócio único da Leitek, já com uma impeditiva condenação por corrupção.
Saliente-se que Clélio Ferreira Leite é também destacado membro da World UAV [Unmanned Aerial Vehicle] Federation, um organismo sedeado em Hong Kong e controlada sobretudo por personalidades e empresas chinesas. Os denominados veículos aéreos não-tripulados, vulgarmente designados por drones, têm vindo a ganhar uma grande preponderância em operações militares, como se tem observado nos conflitos na Ucrânia e Gaza, tendo sido desenvolvido nos anos mais recentes quer novas tecnologias de ataque como de defesa.
Aliás, de entre as 12 licenças concedidas pelo Ministério da Defesa para comercialização de tecnologias militares desde 2023 constam, além da Leitek, pelo menos outras duas que exercem a sua actividade no sector dos drones: a Beyond Vision, sedeada em Aveiro, e a Swatter Company, uma start-up de Lisboa ligada ao ISCTE. No entanto, esta última apresenta uma tecnologia de desactivação de drones, ou seja, constitui um sistema de defesa.
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Os habituais fornecedores de armamento para Israel – Estados Unidos (69%) e a Alemanha (30%) – estão a sofrer cada vez mais pressões para refrear os ímpetos belicistas de Benjamin Netanyahu sobre Gaza. O Governo alemão já só exportou este ano 32.449 euros em armamento para aquele país do Médio Oriente, mas em Portugal, onde aparentemente o negócio das armas se faz com a máxima discrição, os valores estão a subir em flecha. Este ano, até Março, já se exportou mais de meio milhão de euros para Israel, de acordo com uma investigação do PÁGINA UM, ou seja, 16 vezes mais do que a Alemanha. E desde o início do conflito, a partir de Outubro do ano passado, já se ultrapassou um milhão de euros. Embora Portugal seja um player residual no lucrativo ‘negócio da guerra’, o país que colocou literalmente Gaza a ferro e fogo desde Outubro do ano passado está já na terceira posição como destino final. Apesar de as vendas até 2020 de armas para Israel a partir de empresas portuguesas serem praticamente inexistentes, os últimos meses mostram que o negócio apresenta agora uma tendência bastante crescente para ‘prosperar’.
Sobem as pressões para os países ocidentais suspenderem as exportações de armamento para Israel, mas Portugal, através de empresas a operarem em território nacional, está a aumentar os negócios com o governo de Benjamin Netanyahu desde o início do conflito em Gaza.
Apesar de Portugal ser um player diminuto à escala mundial no negócio do armamento, sobretudo por já nem sequer ter produção própria, de acordo com dados de exportações consultados pelo PÁGINA UM, Israel já passou a ser o terceiro destino final de armas provenientes do nosso país. Entre Outubro do ano passado e Março deste ano, foi exportado para Israel material de guerra classificado como “bombas, granadas, torpedos, minas e outras munições e projécteis” no valor total de 1.076.734 euros, um acréscimo de 56% face aos seis meses anteriores (Abril a Setembro de 2023) e quase quatro vezes mais do que o período homólogo anterior (Outubro de 2022 a Março de 2023).
Saliente-se que o negócio de armamento em Portugal é bastante incipiente face aos colossos internacionais do Ocidente, tendo envolvido apenas 91,7 milhões de euros no ano passado, sendo que o destino final é sobretudo os Estados Unidos (69%) e a Bélgica (21%). Porém, mais do que montantes avultados que movimenta não milhões mas sim biliões à escala planetária, o simbolismo conta também. Entre 2010 e 2020, o envio de armamento de Portugal para Israel cifrou-se em insignificantes 7.702 euros – por uma exportação em Novembro de 2012 –, mas tem sido crescente a partir de 2021. Em todo esse ano atingiu 140.329 euros, subindo para 636.888 euros em 2022, ou seja, uma média mensal de cerca de 53 mil euros
No período de 2023 antes dos ataques do Hamas contra Israel – e da violenta contra-ofensiva em Gaza –, já se evidenciava a tendência de aumento. Entre Janeiro e Setembro do ano passado, as exportações nacionais para Israel ultrapassaram os 91 mil euros por mês, mas nos último trimestre de 2023 e no primeiro trimestre deste ano, o valor quase duplicou, com uma média mensal de quase 180 mil euros. Considerando estes valores, Israel ultrapassou Espanha como terceiro destino de armamento proveniente de Portugal. Saliente-se que não houve exportações directas, envolvendo transacções monetárias, de armamento nem para a Ucrânia nem para a Rússia nos últimos anos
Podendo parecer pequeno o valor das exportações para Israel, num contexto mundial e especificamente no conflito que grassa aquela região do Médio Oriente nos últimos seis meses, Portugal apresenta condições para, face ao nulo debate sobre o negócio das armas em território nacional, se tornar uma ‘charneira’ para mais exportações.
Por exemplo, a Alemanha – que tradicionalmente tem sido o segundo maior fornecedor de armamento de Israel (30% do total entre 2019 e 2023), com negócios de 326,5 milhões de euros no ano passado –, refreou drasticamente os envios face às críticas externas e internas. No dia 10 de Abril, o Ministério da Economia alemão revelou que só foi vendido armamento para Israel no valor de 32.449 euros. Ora, Portugal, no período entre Janeiro e Março deste ano, exportou armamento para aquele país do Médio Oriente no valor de 532.395 euros, ou seja, 16 vezes mais.
Nos Estados Unidos – que, com quase 70% do total, é o maior fornecedor de armas a Israel –, as pressões para se cortar o ímpeto belicista de Benjamin Netanyahu estão ao rubro. Anteontem, em entrevista à CNN, Joe Biden ameaçou congelar o fornecimento de armas se as forças israelitas atacarem a cidade de Rafah, em Gaza. E já esta semana foi suspenso o envio de um carregamento de bombas pesadas e anti-bunker, armas que têm sido usadas pelas forças israelitas na sua ofensiva contra o Hamas, que já causou a morte a perto de 35.000 palestinianos na Faixa de Gaza.
Também a Itália – que é o terceiro maior fornecedor de armas a Israel, com um pouco menos de cerca de 1% – suspendeu novas autorizações de exportação de armamento para aquele país desde o início da guerra em Gaza.
Valores (em euros) das exportações por mês, desde 2020, de armamento de Portugal para Israel. Fonte: INE.
Também o Canadá e a Holanda – países exportadores de armamento para Israel em pequena escala, como Portugal – já suspenderam qualquer envio por se temer que pudessem ser usadas em Gaza, provocando vítimas civis.
Saliente-se que o negócio legal de armamento requer licenciamentos especiais e autorizações por parte dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.
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Foi um tabu imposto quase a ‘ferro e fogo’, com obscurantismo e manipulação, com censura política e nas redes sociais, incluindo perseguição ou ostracismocomo de quem apontava que a estratégia de vacinação massiva contra a covid-19 não estava a defender o primado da prudência nem o princípio do consentimento (bem) informado sobre os benefícios e riscos. Mas depois de um negócios de mutos milhares de milhões, e com o tempo a revelar as verdades, como historicamente sempre sucede, fica-se agora a saber que a AstraZeneca, enquanto saiu de «mansinho’ do mercado das vacinas contra a covid-19, alegando apenas razões financeiras, vai entretanto assumindo cada vez mais efeitos adversos. No sistema de vigilância da Agência Europeia do Medicamento, a AstraZeneca já assumiu este ano em 29 casos que a sua vacina foi a causa inequívica de mortes, mas sob suspeita estão 217 óbitos. Desde 2021, foram administradas no Espaço Económico Europeu cerca de 130 milhões de doses da vacina desta farmacêutica anglo-sueca, baseada num adenovírus modificado, havendo suspeita de terem causado, até agora, 3.010 mortes. No Reino Unido estão 51 processos judiciais que exigem indemnizações de 100 milhões de libras.
Até à passada sexta-feira, o sistema de vigilância às reacçõea adversas da Agência Europeia do Medicamento contabilizava 3.010 registos de ocorrência de mortes sob forte suspeita de estarem associadas à administração da vacina contra a covid-19 da AstraZeneca, de acordo com uma pesquisa do PÁGINA UM. Tal como sucedeu com a vacina desenvolvida pela Jannsen, a Astrazeneca não optou pela tecnologia mRNA, desenvolvendo a sua vacina baptizada Vaxzevria a partir de um adenovírus que foi modificado para conter o gene que produz a proteína S (Spike) do SARS-CoV-2.
Apesar de anteontem ter retirado voluntariamente do mercado a sua vacina, alegando somente razões financeiras – foi reportado em finais de Abril um prejuízo de 17 milhões de dólares no primeiro trimestre deste ano –, o rastro de efeitos adversos não está a diminuir. Pelo contrário, evidenciam-se, com maior gravidade, os problemas que surgiram logo em 2021.
Só nos registos deste ano da base de dados EudraVigilance, consultada em detalhe pelo PÁGINA UM, a vacina da farmacêutica anglo-sueca, mesmo não tendo sido já usada nos últimos dois anos – em Portugal acabou por ser a ‘escolha imposta’ em oito em cada 100 doses administradas – contabiliza 1.392 reacções adversas graves, estando associadas a 217 mortes.
Embora os reguladores e diversos peritos, muitos dos quais associados á indústria farmacêutica, tentem sempre relativizar estes registos – alegando que a inclusão de casos no sistema da EMA não é uma certeza de causalidade –, na lista de reacções adversas associadas à Vaxzevria surgem com grande preponderância gravíssimos problemas associados ao sistema circulatórios, entre os quais tromboses, em muitos casos ligadas a trombocitopenia imune, embolias, ataques cardíacos ou mesmo mortes súbitas.
Actualmente, já se assume mesmo a existência de uma nova doença: a VITT, acrónimo de trombocitopenia imune induzida por vacina, um uma síndrome de trombose agressiva com risco de vida. De início, a incidência foi estimada em um caso por 26.500 a 127.300 doses, consoante os estudos, sendo menores nos reforços. Na base de dados da EMA está reportado por agora, apenas para esta afecção, 823 casos, sendo 31 fatais e 281 referidos como não recuperados. Se os números não aumentarem, e tendo em consideração que o European Centre for Disease Prevention Control aponta a administração de quase 130 milhões de doses da AstraZeneca, a incidência é de um caso por cada 159 mil doses.
Nesta linha, apenas para esta afecção específica, estima-se assim cerca de 15 casos. Porém, para a globalidade das afecções do sistema circulatório e linfático, a EMA registou já, para a Vaxzevria, mais de 26 reacções adversas, na esmagadora maioria na população dos 18 aos 64 anos – ou seja, se estarem nos grupos etários mais vulneráveis à covid-19 –, estando indicadas 411 mortes e 5.701 situações sem recuperação. Quanto às afecções cardíacas, para a vacina da AstraZeneca estão reportados na EudraVigilance 25.818 reacções adversas de diversas gravidade, estando indicado que 1.079 resultaram em morte e em 6.173 não houve recuperação. Refira-se que as reacções adversas podem, no mesmo indivíduo, resultar em diversas reacções adversas.
No entanto, para a Vaxzevria ressalta este ano, nos registos na EudraVigilance para os países do Espaço Económico Europeu, os registos onde se assume, de forma já clara, a existência de mortes inequivocamente associadas à reacção imunológica. Com efeito, de acordo com a consulta detalhada feita pelo PÁGINA UM à base de dados da EMA – que regista as reacções adversas analisadas previamente pelos reguladores antes do seu envio –, só entre Janeiro e 3 de Maio deste ano foram reportadas 36 mortes com indicação expressa de “reacção adversa à vacinação” (vaccination adverse reaction, no original), havendo ainda mais seis casos graves que não resultaram em morte. Destes 36 desfechos fatais, 29 foram reportados pela próproa AstraZeneca, e em dois casos foi a Moderna, uma vez que estava em causa a existência de boosters (reforços). Para reforçar a veracidade desta assumpção, o PÁGINA UM disponibiliza, em anexo, todos os registos destes casos, alguns envolvendo a inoculação com outras marcas, uma vez que houve reforços em certas ocasiões.
Em anos anteriores, desde a aprovação da vacina da AstraZeneca, somente se encontra a assumpção na base de dados da EMA de se estar perante casos mortais de reacção à vacina da AstraZeneca em quatro registos com desfechos fatais, dos quais três em 2021 e um em 2022. Este suposto agravamento dever-se-á sobretudo a razões de política de regulação, pois durante a pandemia tanto as farmacêuticas como os reguladores e autoridades políticas e de saúde pública procuraram minimizar a existência de efeitos adversos graves, buscando sempre destacar as vantagens da vacinação, mesmo em grupos etários pouco vulneráveis à covid-19, ‘instigados’ a serem inoculados.
Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed: o PÁGINA UM anda há mais de dois anos a tentar obter acesso aos dados anonimizados do Portal RAM. O caso está em recurso no Tribunal Central Administrativo Sul há mais de um ano.
O número elevado de mortes reportados à EMA onde a Vaxzevria se mostra bastante suspeita durante os primeiros meses deste ano – num total de 217 – não significa que os eventos são recentes, antes sim que só agora passaram ‘no crivo’ dos especialistas e dos próprios reguladores nacionais.
Aliás, ao contrário da ideia que por vezes se pretende transmitir para atenuar politicamente estes casos, os registos que constam na EudraVigilance não resultam de meras comunicações sem validação científica. Em grande parte dos casos, são as próprias farmacêuticas que os comunicam, por obrigação legal, de contrário podem ver agravadas as penas de responsabilidade; noutros casos, são ocorrências que resultam de investigação e validação científica quer por médicos quer pelos reguladores nacionais; noutros resultam da detectação dos chamados “estudos de caso” que resultam em artigos publicados em revistas científicas. Ora, esse processo pode demorar vários meses ou anos desde a primeira suspeita.
Em todo o caso, por agora, o ano de 2022 é aquele com mais registos de mortes onde a Vaxzveria surge como forte suspeita de ser a causa, contabilizando-se 1.837 registos. Em seguida aparece o ano de 2021, com 631 óbitos associados. No ano passado encontram-se 325 registos de casos fatais. No entanto, se se considerar que os 217 casos mortais reportados até ao início de 2024, este ano está com mais relatos do que em 2021 e 2023.
Um dos registos na EudraVigilance, transmitida pela própria AstraZeneca este ano, onde assume um caso fatal por reacção adversa á vacinação.
Recorde-se que, no âmbito de julgamentos no Reino Unido, a AstraZeneca acabou por admitir pela primeira vez num tribunal, no mês passado, que a sua vacina pode causar efeitos adversos graves, embora raros. A farmacêutica enfrenta já várias dezenas de processos que exigem indeminizações de 80 milhões de libras esterlinas.
No entanto, nos países da União Europeia este tipo de ‘reivindicações’ será muito difícil, porque os contratos com cláusulas secretas celebrados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas concederam-lhes isenção de responsabilidades. Por exemplo, os eventuais pedidos de indeminização em Portugal terão de ser exigidos ao Estado que, através do Infarmed, controla toda a informação e sempre relativizou, escondeu e manipulou informação sobre os efeitos adversos das vacinas.
N.D. Por várias vezes, o PÁGINA UM abordou o tema das reacções adversas das vacinas da covid-19, sendo que em duas resultaram em queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) por parte do Doutor Filipe Froes. Como desde 2020, este pneumologista – que não tem conflitos com nenhuma farmacêutica porque a todas tem sempre interesse em mercadejar – já recebeu, oficialmente, 26.467 euros em vários serviços prestados à AstraZeneca, mostra-se provável que venha a apresentar uma terceira queixa. Aliás, o PÁGINA UM instiga o Doutor Filipe Froes a novo booster, apresentando terceira queixa. Espera-se, contudo, que, desta vez, a ERC não seja tão facciosa na sua análise, opinando sobre rigor informativo quando claramente se mostra, nestas matérias, como sapateiro a tocar rabecão. E sobretudo que não minta, como o fez gravemente numa deliberação, a dizer que eu não respondi sequer à queixa, quando, na realidade, não recebi a carta. E a ERC sabia e tinha provas disso. Mas à ERC mostra não lhe interessar ser rigorosa quando recebe uma queixa sobre notícias relacionadas com Saúde escritas pelo PÁGINA UM. Interessa mais tentar descredibilizar o PÁGINA UM.
Registo de mortes registadas este ano na EudraVigilance expressamente indicadas como reacções adversas (vaccination adverse reaction) após inoculação da Vaxxevria (em sete casos fora administrada também de outra marca)
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A oportunidade faz o ‘ladrão’, mas também a região. O PÁGINA UM analisou em detalhe os dados de 2023 da Direcção-Geral da Política de Justiça a nível municipal e nas diversas tipologias em função da população respectiva. E avisa-se já: quem pensa que o país é todo igual, ou que a incidência da criminalidade se distingue apenas entre zonas urbanas e zonas rurais, desengane-se. É certo que os municípios com menores taxas de crime se localizam todos em zonas rurais, mas encontram-se casos muito problemáticos em certas regiões do interior, sobretudo no Alentejo, no Algarve e também nos Açores. As cidades de Lisboa e Porto estão no top 10 da insegurança, mas nem sequer é por causa dos crimes contra a integridade física. O problema está sobretudo nos crimes contra o património, incluindo furtos e roubos, embora os valores oficiais das respectivas taxas de criminalidade pequem, na realidade, por excesso, tal como sucede no Algarve, uma vez que não têm em conta o aumento populacional derivado do fluxo turístico.
No epicentro de um mediático caso de violência sobre imigrantes, o Porto está, na verdade, longe do topo da criminalidade contra a integridade física, mas mesmo assim encontra-se no top-10 dos municípios com maior criminalidade em geral do país, de acordo com dados Direcção-Geral da Política de Justiça, tratados pelo Instituto Nacional de Estatística.
Com 7,1 crimes contra a integridade física por 1.000 habitantes (por mil), o concelho do Porto está apenas na posição 50 nesta tipologia, entre 308 municípios, numa tabela liderada pelo concelho açoriano de Ribeira Grande (13,9 crimes deste género por mil), ao qual se seguem três municípios alentejanos: Avis (11,9 por mil), Barrancos (11,7 por mil) e Vidigueira (11,1 por mil). Aliás, o mito da violência nos centros urbanos mostra-se isso mesmo: um mito, que se esvanece quando se analisam não os números absolutos dos crimes contra a integridade física, mas a taxa, ou seja, o número em função da população.
Com efeito, se se olhar a taxa também como uma medida de risco, as regiões mais propensas aos crimes contra a integridade física são os Açores, com 8,9 por mil, seguindo-se o Algarve (8,0 por mil) e o Alto Alentejo (7,1 por mil). As duas regiões mais populosas – Grande Lisboa e Área Metropolitana do Porto – registam valores substancialmente mais baixos, com 5,9 e 5,1 crimes desta tipologia por mil habitantes. Mesmo assim estão muito acima do município mais calmo em matéria de violência física: Mértola tem uma taxa de apenas 1,9 por mil, havendo ainda 17 com valores abaixo de 3 por mil.
Convém, no entanto, salientar que os crimes contra a integridade física constituíram no ano passado, em Portugal, apenas cerca de 15% da criminalidade total, sendo que um pouco mais de metade (51%) se referiu a crimes contra o património, que incluem o furto ou o roubo (sem violência), a apropriação indevida, o abuso de confiança e a fraude.
E neste indicador, o município do Porto não está, de facto, em ‘bons lençóis’ no contexto nacional: é o terceiro com a maior taxa (38,5 crimes por mil habitantes), apenas atrás do concelho de Albufeira (44,7 por mil) e Vila do Bispo (41,7 por mil). O concelho de Lisboa está na quinta posição (36,9 por mil), sendo que o Algarve é a região do país com maior taxa (29,8 por mil). Convém, no entanto, destacar que como este indicador é calculado em função da população residente (e não sobre a população presente), pelo que os valores estarão algo ‘inflacionados’ em zonas turísticas, como o Algarve, Lisboa e Porto.
Albufeira é o concelho com pior taxa de criminalidade em 2023, registando 92,6 crimes por mil habitantes. A média nacional é de 35,5.
Em todo o caso, pelos dados oficiais, o concelho onde menos se deve temer crimes contra o património é Sernancelhe, no distrito de Viseu: apenas registou ao longo do ano passado 3,8 crimes contra o património por mil habitantes.
Curiosamente, as regiões nortenhas, mais de base rural, são aquelas que manifestam uma menor propensão para esta tipologia de crimes, nomeadamente Tâmega e Sousa (7,9 por mil), Douro (9,0 por mil) e Ave (9,0 por mil). A Madeira 10,7 por mil) tem também valores substancialmente abaixo da média nacional (18,1 por mil).
No caso da criminalidade genericamente cometida em espaço público – furto / roubo por esticão, furto de veículo e em veículo motorizado, condução sem habilitação legal ou condução com taxa de alcoolemia igual ou superior a 1,2 gramas por litro –, apenas em 26 municípios tais crimes ultrapassam os 10% do total. Nestes, destacam-se três municípios algarvios de Vila do Bispo, Albufeira e Loulé, seguindo-se o município madeirense de Porto Santo, seguindo-se o Porto. O município de Lisboa ocupa a 12ª posição.
No entanto, desagregando estas quatro tipologias, quase em todos os municípios o furto de veículo e em veículo motorizado destaca-se dos restantes. Neste caso, os concelhos mais problemáticos são Vila do Bispo (17,9 crimes por mil), Porto (12,1 por mil) e Aljezur (10,1 por mil). Dos 10 menos seguros municípios para este tipo de crime, cinco são algarvios e três são da Área Metropolitana do Porto (além da Cidade Invicta, Vila do Conde e Matosinhos).
Já o crime de condução sob efeito do álcool em taxa considerada crime, os dados oficiais mostram que são sobretudo os concelhos mais rurais que ‘sofrem’ estes efeitos. À cabeça, surge o município madeirense de Porto Santo, com estonteantes 17,8 crimes deste tipo por mil, um rácio quase oito vezes superior à média nacional (2,3 por mil). Bastante distantes de Porto Santo estão os restantes concelhos do top 10, mesmo se com valores elevados: Loulé (9,7 por mil), Albufeira (7,9 por mil), Mourão (7,5 por mil), Oliveira do Bairro (7,4 por mil), Câmara de Lobos (7,0 por mil), Santa Cruz das Flores (6,8 por mil), Vila Nova de Paiva (6,8 por mil), Alter do Chão (6,6 por mil), Óbidos (6,5 por mil).
Os crimes de condução sem ‘carta’ são bastante raros à escala nacional: 1,5 por mil, o que significa aproximadamente 15 mil crimes no ano passado. Em todo o caso, há 10 municípios onde este indicador é duas ou mais vezes superior, a saber: Loulé (5,5 por mil), Barreiro (5,2 por mil), Mourão 4,9 por mil), Reguengos de Monsaraz (4,6 por mil), Odemira (4,2 por mil), Nazaré (3,9 por mil), Vila Nova de Cerveira (3,5 por mil), Óbidos (3,4 por mil), Montijo (3,1 por mil) e Campo Maior (3,0 por mil).
Situação em 2023 nos 25 concelhos com maiores taxas de criminalidade total. Fonte: INE / DGPJ.
Quanto aos roubos ou furtos por esticão ou não via pública, apesar de serem raros – 0,7 por mil a nível nacional –, mas com impacte na percepção da segurança pública, os dados oficiais mostram que, no ano passado, Lisboa (3,4 crimes por mil), Porto (2,8 por mil) e Albufeira (2,4 por mil) se destacam de forma marcante. Por exemplo, o segundo município da Grande Lisboa com maior incidência deste crime é Sintra, mas apenas com um rácio de 1,1 por mil, ou seja, menos de um terço do registado na capital.
Agregando todos estas tipologias, e outras que não são discriminadas pela Direcção-Geral da Política de Justiça, o concelho mais ‘inseguro’ – ou com a maior probabilidade dos seus residentes sofrerem um crime – é Albufeira, com um rácio no ano passado de 92,6 crimes por mil habitantes, mais de duas vezes e meia acima da média nacional (35,5 por mil).
No top-5 surge mais dois municípios algarvios – e Loulé (em terceiro, com 70,3 crimes por mil) e Vila do Bispo (em quarto, com 68,5 por mil) e ainda dois concelhos alentejanos – Mourão (em segundo, com 74,3 por mil) e Avis (em quinto, com 63,7 por mil). No top 10 encontram-se inseridos os município das duas principais cidades portuguesas: Lisboa ocupa a sexta posição nacional na taxa de criminalidade (61,3 por mil, tanto como a açoriano município da Ribeira Grande), enquanto o Porto está em oitavo, com 60,5 crimes por mil habitantes.
Situação em 2023 nos 25 concelhos com menores taxas de criminalidade total. Fonte: INE / DGPJ.
Curiosamente, ou talvez não, no top 25 não constam mais nenhum município de grande dimensão em termos populacionais, destacando-se, ao invés, concelhos rurais e, alguns do interior, como Avis, Idanha-a-Nova, Campo Maior, Barrancos, Cuba e Vidigueira. Em termos regionais, o Algarve apresenta-se como a região com piores indicadores, ressalvando, mais uma vez, que se está perante uma taxa de crimes por habitantes, que não inclui o fluxo de turistas, nem a abundância de muitas casas de segunda habitação mais susceptíveis à criminalidade.
No lado oposto, como concelhos com menor taxa de criminalidade total estão Sernancelhe (11,7 crimes por mil), Lajes das Flores (12,6 por mil), Santana (12,7 por mil), Soure (12,8 por mil) e Lajes do Pico (13,0 por mil), sendo que a região do Ave é aquela com melhor indicador (20,9 por mil)
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As recentes alterações propostas ao plano de preparação para pandemias da Organização Mundial de Saúde (OMS) foram insuficientes para tranquilizar os maiores receios em torno do que está a ser planeado. Além de haver apelos para que seja adiado o prazo para a aprovação do polémico plano, um novo revés surgiu nos Estados Unidos. Todos os senadores do Partido Republicano estão contra a adesão do país ao plano que poderá dar mais poderes à OMS em caso de pandemia ou crise sanitária. Os 49 senadores Republicanos enviaram uma carta a Biden e avisam que qualquer acordo ou convenção sobre preparação para pandemias será considerado um tratado e terá de ter dois terços de votos a favor para passar no Senado. Os senadores pedem também que sejam feitas reformas na OMS antes de ser criado qualquer tratado. O plano da OMS envolve a criação de um acordo ou tratado e também alterações ao Regulamento Sanitário Internacional. Ambos estão em discussão e podem ser aprovados já no final de Maio. Entre os principais receios existentes está o alargamento dos poderes da OMS, o desrespeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, bem como ameaças à liberdade de expressão.
O que nasce torto será que se endireita? O plano da Organização Mundial da Saúde (OMS) para preparar o Mundo para novas pandemias enfrenta um novo obstáculo. Apesar de ter sofrido profundas alterações recentemente, as dúvidas em torno do plano persistem, incluindo nos Estados Unidos, onde todos os senadores do Partido Republicano mostraram estar contra a adesão do país ao plano da OMS.
Esta semana, os 49 senadores Republicanos enviaram uma missiva ao presidente norte-americano pressionando Joe Biden a rejeitar o plano que poderá dar mais poderes à OMS em futuras e pandemias crises sanitárias.
Na carta, os senadores deixam um apelo a Biden: “Pedimos fortemente que não adira a nenhum tratado, acordo ou convenção relacionados com pandemias que estejam a ser considerados”. Os países irão adoptar ou rejeitar o novo plano da OMS na 77ª Assembleia Mundial de Saúde, que tem início a 27 de Maio.
(Foto: D.R.)
O plano da OMS consiste na criação de um acordo ou convenção – o chamado Tratado Pandémico – e também envolve alterações ao Regulamento Sanitário Internacional (RSI). A oitava reunião do grupo de trabalho que está a negociar as alterações ao Regulamento, que decorreu na semana passada, ficou em standby e será concluída numa última sessão de dois dias, a 16 e 17 de Maio, anunciou a OMS. No total, o RSI envolve 196 países – os 194 países membro da OMS, o Liechtenstein e o Vaticano.
No caso do Tratado Pandémico, a nona reunião foi suspensa a 28 de Março e os países acordaram retomar os trabalhos para concluir as negociações do texto entre 29 de Abril e 10 de Maio.
Na carta datada de 1 de Maio, os senadores Republicanos recordaram que qualquer acordo do género seria considerado um tratado, pelo que exige “a concordância de dois terços do Senado nos termos do artigo I, secção 2, da Constituição”.
Os senadores sublinham que “o fracasso da OMS durante a pandemia de covid-19 foi tão total quanto previsível e causou danos duradouros ao nosso país”. Por isso, frisam que o país “não se pode dar ao luxo de ignorar esta última incapacidade da OMS para desempenhar a sua função mais básica e deve insistir em reformas abrangentes da OMS antes mesmo de considerar alterações ao Regulamento Sanitário Internacional ou qualquer novo tratado relacionado com a pandemia que aumente a autoridade da OMS”.
O Senator Republicano Ron Johnson liderou a iniciativa de pedir a Biden a não adesão ao plano pandémico da OMS. (Foto: D.R.)
“Em vez de abordar as deficiências bem documentadas da OMS, o tratado concentra-se em transferências obrigatórias de recursos e tecnologia, destruindo direitos de propriedade intelectual, infringindo a liberdade de expressão e reforçando a OMS”, alertam os senadores na carta enviada a Biden.
Mas os senadores também elencam uma série de falhas formais: “O artigo 55.º do RSI exige que o texto de qualquer alteração ao RSI seja comunicado aos Estados-Membros pelo menos quatro meses antes da WHA [World Health Assembly] em que devem ser considerados”. Frisam que, “uma vez que a OMS ainda não forneceu o texto final de alteração aos Estados-Membros, consideramos que as alterações relativas ao RSI podem não ser consideradas na WHA do próximo mês”.
Na carta, é também destacado que “algumas das mais de 300 propostas de alterações feitas pelos Estados-membros aumentariam substancialmente os poderes de emergência sanitária da OMS e constituiriam violações intoleráveis à soberania dos EUA”. Assim, consideram que “era essencial que a OMS respeitasse o período de pré-aviso de quatro meses para dar tempo aos Estados-Membros para garantir que nenhum vestígio de tais propostas fosse incluído num pacote final de alterações para apreciação pela WHA”, contudo, “não o tendo feito, as alterações não são corretas”.
“À luz dos elevados riscos para o nosso país e do nosso dever constitucional, apelamos a que (1) retire o apoio da sua Administração às atuais alterações do RSI e às negociações do tratado sobre a pandemia, (2) mude o foco da sua Administração para reformas abrangentes da OMS que resolvam os seus fracassos persistentes sem expandir a sua autoridade, e (3) caso ignore estes apelos, submeta qualquer acordo relacionado com a pandemia ao Senado para parecer e aprovação”, refere a carta.
Sob a liderança de Joe Biden, os Estados Unidos estiveram no grupo de países que aplicou medidas radicais na pandemia de covid-19, muitas das quais sem fundamento na evidência científica. Além de impor confinamentos e fecho de escolas, foi imposta vacinação obrigatória contra a covid-19, mesmo sabendo-se que as vacinas não impedem nem a infecção nem o contágio. (Foto: D.R.)
Outra preocupação dos senadores Republicanos é de que “avançar com um novo tratado de preparação e resposta à pandemia ignora o facto de que ainda não temos certeza das origens da covid-19 porque Pequim continua a bloquear uma investigação independente legítima”.
Desde cedo que os textos do novo Tratado e as alterações ao RSI levantaram dúvidas e desconfiança por mutilarem o conceito de direitos humanos e liberdades fundamentais do Regulamento e por reforçarem os poderes da OMS em caso de novas pandemias, entre outros temas controversos, incluindo em torno do tema de financiamento de projectos de saúde em países mais pobres. Além disso, teme-se que o plano pandémico represente uma forte ameaça à liberdade de imprensa e liberdade de expressão, com medidas que podem ser adoptadas com a justificação do combate à ‘desinformação’.
Mas o director-geral da OMS, Tedros Adhanom, tem tentado, em diversas declarações públicas, pressionar os países a rubricar o plano, tentando afastar os receios em torno do reforço dos poderes da OMS em futuras pandemias face à soberania dos diversos países.
Imagem da primeira página da carta enviada a Biden assinada por todos os senadores Republicanos.
Recentemente, os textos sofreram alterações de fundo, tendo sido reposto o conceito de defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em saúde, como o PÁGINA UM noticiou, mas as mudanças foram insuficientes e crescem os apelos para que a votação do plano seja adiada para que os países tenham mais tempo para preparar textos mais sólidos e que respeitem a autonomia dos países e a defesa dos direitos humanos e civis em futuras pandemias.
Existem receios de que, com o plano pandémico que está a ser desenhado na OMS, acabe por ser criada uma indústria de pandemias focada na venda de produtos e medicamentos à custa de dinheiros públicos. Recorde-se que na covid-19, os países da União Europeia, incluindo Portugal, tiveram de pagar vacinas que vão para o lixo, entre outros desperdícios e gastos com equipamento e medicamentos que eram desnecessários ou até contraproducentes.
Também se teme que se repita o desastre que foi a gestão da pandemia de covid-19 na maioria dos países. A estratégia seguida pela maior parte dos países foi um fracasso o que é comprovado, nomeadamente, pelo enorme excesso de mortalidade registado em países que seguiram indicações da OMS e aplicaram medidas radicais e, muitas vezes, sem fundamentação na evidência científica. Além dos danos causados na economia, o que levou a um aumento do nível de pobreza, os mais vulneráveis foram muito prejudicados, incluindo crianças e jovens, devido ao fecho de escolas, mas também os mais idosos e doentes que ficaram sem acesso a tratamentos.
A maioria dos países seguiu as recomendações da OMS na pandemia de covid-19 com resultados desastrosos, incluindo um grande excesso de mortalidade, além dos danos causados nos mais vulneráveis, incluindo crianças e jovens, os mais idosos e os mais pobres. (Foto: D.R.)
Tal como aconteceu durante a pandemia de covid-19, no caso do Tratado Pandémico, em vez de estar a ser debatido publicamente, tem estado envolto numa polarização política, o que tem impedido um debate e análise profundos e sérios do tema, incluindo nos media. A imprensa, em geral, tem ignorado as negociações em curso na OMS e também tem abafado a polémica em torno de algumas propostas controversas que estão na mesa.
O tema do Tratado Pandémico não tem sido alvo de debate público, incluindo em Portugal, e os mass media também têm ignorado o tema, apesar da sua relevância. A polémica e as propostas controversas em torno do plano têm sido abafados pelos media mainstream, chegando pouca ou nenhuma informação ao público em geral. Por exemplo, em Portugal, as poucas notícias sobre o tema – incluindo uma recente da agência Lusa que foi amplamente difundida pela generalidade dos media – escondem o facto de terem caído as propostas mais controversas e não mencionam as dúvidas e críticas existentes face ao plano.
Em Portugal, o plano pandémico foi alvo de debate no Parlamento, como o PÁGINA UM noticiou, por força de uma petição que obrigou os deputados a discutir o tema, mas acabou por ser debatido de forma superficial, com deputados a fugir completamente à discussão em concreto das propostas que estão na mesa para os textos do plano da OMS. Uma proposta do partido Chega para recomendar ao governo que Portugal não adira ao Tratado Pandémico foi rejeitada, tendo tido apenas o apoio da Iniciativa Liberal.
Agora, com a oposição do Partido Republicano, resta saber se os Estados Unidos vão acabar por ser a pedra final no sapato de Tedros Adhanom e fica no ar a dúvida sobre como a OMS vai agora conseguir descalçar esta bota em que se tornou o controverso plano para preparar o mundo para futuras pandemias.
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Mostrando um cenário ‘orwelliano’, o Comité Judiciário da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos revelou dezenas de milhar de e-mails e documentos oficiais que provam que a Casa Branca pressionou com coacção as grandes tecnológicas para censurarem livros, informação verdadeira e até sátira no auge da pandemia da covid-19. Num relatório de 881 páginas, tornado público esta semana, entre os documentos divulgados estão mensagens entre responsáveis do Governo Biden e executivos de grandes tecnológicas. Segundo o relatório, houve pressão para censurar conteúdos que não violavam as regras das plataformas online. Em consequência, a Casa Branca impediu que houvesse debate sobre temas de relevo, impondo políticas desastrosas adoptadas na pandemia, diz o relatório que acusa a Administração Biden de violação da Primeira Emenda “em conluio com terceiros”, ao condicionar a liberdade de expressão. A investigação daquele Comité vai prosseguir, até porque ainda faltam documentos pedidos e ainda não entregues pelo Governo Federal norte-americano.
A Casa Branca coagiu grandes tecnológicas, incluindo a Meta – dona do Facebook – , a Alphabet – dona do Google e YouTube – e a Amazon para censurarem informação verdadeira, livros, vídeos e até sátira, em 2021, durante a pandemia de covid-19.
As provas de censura constam de um extenso e detalhado relatório de 881 páginas, publicado na passada quarta-feira nos Estados Unido pelo Comité Judiciário da Câmara de Representantes, em conjunto com o Subcomité sobre a instrumentalização do Governo Federal. Tanto o comité como o subcomité tem maioria republicana. O título do relatório não poderia ser mais expressivo: “The censorship-industrial complex: how top Biden White House officials coerced Big Tech to censor Americans, true information, and critics of the Biden Administration”, ou seja, em tradução livre para português, “Complexo industrial de censura: como os funcionários de topo da Casa Branca coagiram as grandes tecnológicas a censurarem os norte-americanos, a informação verdadeira e os críticos da Administração Biden”.
O relatório vem confirmar, para já, que a pressão da Casa Branca visou a censura de informação e conteúdos que nem sequer violavam os termos de utilização das plataformas tecnológicas, e acabou por ter um efeito duradouro, uma vez que “no final de 2021 o Facebook, o YouTube e a Amazon tinham alterado as suas políticas de moderação (de conteúdos) de forma a responder directamente a críticas feitas pela Administração Biden”.
Segundo o relatório, “a campanha de censura da Casa Branca de Biden teve como alvo a informação verdadeira, sátira, e outros conteúdos que não violaram as políticas das plataformas”. “Ao contrário das seus alegações de querer combater a suposta desinformação, a Administração Biden pressionou as empresas a censurar informações verdadeiras, sátiras, memes, opiniões e experiências pessoais dos americanos”, acusa o relatório do Comité.
Saliente-se que este Comité da Câmara de Representantes dos Estados Unidos tem vastos poderes, sendo responsável pela supervisão da administração da Justiça nos tribunais federais, mas também no acompanhamento de temas como liberdades e direitos civis. A maioria dos actuais membros do Comité (24 contra 18) são do Partido Republicano, adversário do Partido Democrata e da presidência de Biden. Na sequência de intimações, o Comité obteve dezenas de milhar de e-mails e documentos oficiais que se serviram de base para este relatório detalhado.
O Facebook começou a censurar informação sobre a possível origem do SARS-CoV-2 ser uma fuga de um laboratório em Wuhan, onde era conduzida investigação com coronavírus. Uma entidade financiada pelos Estados Unidos, a polémica EcoHealth Alliance, tem estado no centro das atenções desde 2020, por estar ligada a investigação naquele laboratório na China. (Foto: Solen Feyissa/ D.R.)
No documento agora divulgado fica claro que, “embora a campanha de pressão da Casa Branca de Biden tenha sido amplamente bem-sucedida, os seus efeitos foram devastadores”, pois “ao suprimir a liberdade de expressão e distorcer intencionalmente o debate público, ideias e políticas, deixaram de ser razoavelmente testadas e debatidas pelos seus méritos”. O relatório adianta ainda que, “em vez disso, os decisores políticos implementaram uma série de medidas de saúde pública que se revelaram desastrosas para o país”.
O relatório é, aliás, taxativo em expor medidas erradas: “De encerramentos prolongados desnecessários de escolas a mandatos inconstitucionais de vacinação que obrigaram os trabalhadores a tomar uma recém-desenvolvida vacina ou corriam o risco de perder os seus empregos, a Administração Biden e outros funcionários impuseram desnecessariamente danos e sofrimento aos americanos em todo o país”.
Para o seu trabalho, o Comité da Câmara dos Representantes viu-se obrigado a emitir dezenas de intimações às Big Tech, ao Governo, às agências e a diversas entidades de relevo para obter dezenas de milhares de documentos para assim apurar “os detalhes da campanha de pressão da Casa Branca de Biden”. Contudo, o relatório considera que “os documentos mais importantes para entender os esforços de censura da Casa Branca de Biden são e-mails internos das empresas que receberam ameaças e coacção”. E estas visavam a censura em concreto de “informações verdadeiras, sátiras e outros conteúdos que não violavam as políticas das plataformas” tecnológicas. Além disso, salienta-se que a Casa Branca também “promoveu a censura de livros”, nomeadamente os vendidos pela Amazon.
O relatório de 881 páginas revela o conteúdo de e-mails e documentos oficiais que provam a coacção e exigências feitas pela Casa Branca em 2021.
Mas, segundo o relatório, o governo norte-americano “também travou a sua campanha de pressão contra as livrarias online”. Ou seja, como mostram “documentos obtidos pelo Comité, a Casa Branca de Biden tentou censurar o discurso de uma das formas mais antigas de comunicação: os livros”.
Com efeito, em Março de 2021, funcionários da Casa Branca chegaram a criticar a Amazon, a maior livraria online mundial, por vender livros que questionavam a segurança ou eficácia das vacinas, incluindo das vacinas covid-19 recentemente desenvolvidas. “Pressionada pela Casa Branca, a Amazon reagiu rapidamente, implementando uma nova política, no prazo de uma semana, para adicionar restrições” a livros sobre vacinas.
Como exemplo, é relatado no relatório que, em Março de 2021, um funcionário da Amazon enviou um e-mail a outras pessoas dentro da empresa sobre o motivo da nova mudança na política de moderação de conteúdos da livraria Amazon: “[O] impulso para este pedido é a crítica da Administração Biden sobre a sensibilidade de livros aos quais estamos a dar uma posição de destaque”.
Um e-mail enviado por um assessor da Casa Branca à Amazon a pedir a censura de livros sobre vacinas. (Foto: Captura a partir do Relatório do Comité)
Numa secção do relatório com o título ‘Amazon Files’, é relatado que, em Março de 2021, a Casa Branca enviou um e-mail ao vice-presidente de Políticas Públicas da Amazon, pedindo para haver uma discussão sobre os “altos níveis de propaganda e desinformação” na empresa de venda de produtos online. O Governo de Biden alegava então que vários membros da Casa Branca tinham feito pesquisas na Amazon com a palavra-chave “vacinas” e enviou capturas de ecrã por e-mail da página de resultados de pesquisa para a Amazon, observando que se se adicionasse um aviso do Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) seria insuficiente para censurar adequadamente os livros.
Imediatamente, a Amazon começou a acelerar internamente a análise de implementar uma nova política que desfavoreceria os livros considerados anti-vacina ou críticos de vacinas. No dia 9 de Março, apenas uma semana após o contacto inicial por parte de Andy Slavitt, um alto funcionário da Casa Branca, e após um encontro entre responsáveis da Amazon e da Administração Biden, a empresa implementou uma nova política e adicionou o rótulo “Não promover” aos livros considerados ‘anti-vacina’.
Em conversas com a Casa Branca, a livraria da Amazon criou uma secção para livros sobre vacinas a “não promover” e organizou uma lista de 43 livros para ficarem ‘marcados’. (Foto: D.R.)
Por sua vez, na secção ‘Facebook Files’, é demonstrado que, em Fevereiro de 2021, a maior rede social do Mundo aumentou a censura de conteúdos considerados ‘anti-vacina’, bem como as alegações sobre fuga laboratorial como estando na origem da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, devido a “conversas tensas com a nova Administração [Biden]” e como parte de um esforço para responder a exigências da Casa Branca para “fazer mais” no combate a alegada desinformação.
Contudo, adianta o relatório do comité da Câmara dos Representantes, o Facebook percebeu, um meses mais tarde, que a Casa Branca “preocupava-se mais em censurar conteúdos anti-vacina” e assim foi levantada a censura sobre conteúdos relativos à fuga laboratorial como origem da covid-19. Surge mesmo referido que, em Julho de 2021, um executivo do Facebook, Nick Clegg, perguntou num e-mail a um funcionário do Facebook a razão de se censurar a teoria da criação do vírus SARS-CoV-2 em laboratório, que obteve a seguinte resposta: “Porque estávamos sob pressão do Governo [Biden] e de outros para fazer mais. . . . Não deveríamos ter feito isso”.
E-mail de Mark Zuckerberg em resposta a um outro e-mail, em que o Facebook assumia que, afinal, já não iria classificar como falsa a tese de que o SARS-CoV-2 pode ter tido origem numa fuga de laboratório. Zuckerberg escreveu: “Parece ser um bom lembrete de que, quando comprometemos os nossos padrões devido à pressão de uma administração em qualquer direção, muitas vezes arrependemo-nos mais tarde”. Mas o Facebook continuou a ceder a novas exigências de censura de informação por parte da Casa Branca.
Num outro exemplo, em Agosto de 2021, um e-mail interno do Facebook explicava por que a empresa estava a desenvolver e, em última análise, a implementar novas políticas de moderação de conteúdos: “A liderança [do Facebook] pediu a Misinfo Policy (…) para debater algumas outros alavancas políticas que podemos puxar para sermos mais agressivos contra a desinformação. Isto decorre das críticas contínuas à nossa abordagem por parte da Administração [Biden]”.
Também a Alphabet, dona do Google e do Youtube, não escapou à campanha de censura do Governo norte-americano. Em Setembro de 2021, após receber críticas por não eliminar conteúdo não violador dos termos de uso, o YouTube compartilhou com a Casa Branca uma nova “proposta de política” para censurar mais conteúdos que criticassem a segurança e eficácia das vacinas, e pedia “qualquer feedback” que a Administração Biden pudesse fornecer antes de a política ser finalizada. A Casa Branca respondeu: “À primeira vista, parece um grande passo”.
O relatório frisa que os comportamentos em termos de colaboração das três Big Techs “são impressionantes”. Em cada caso, as empresas identificaram os pedidos de censura da Casa Branca de Biden como “pressão” ou recearam que pudessem entrar numa “espiral e ficar fora de controlo”. Apesar de o Comité ter detectado diferenças temporais de actuação e também na forma como cada empresa sucumbiu à pressão da Casa Branca, basicamente, em Setembro de 2021, tanto o Facebook como o YouTube e a Amazon tinham adoptado novas políticas de moderação de conteúdo que “removeram ou reduziram pontos de vista e conteúdo visto como como desfavorável por Biden”.
A Casa Branca pediu ao Facebook para eliminar um meme com uma imagem de Leonardo DiCaprio onde se lê a frase “Daqui a 10 anos vai estar a ver TV e vai ouvir: Você ou um familiar tomaram a vacina contra a covid? Pode ter direito a uma compensação”.
As investigações deste Comité sobre o crime de violação da Primeira Emenda por parte do Governo norte-americano vão continuar e no relatório sublinha-se que “a Primeira Emenda proíbe o Governo de condicionar a liberdade de expressão” e que “qualquer lei ou política governamental que reduza essa liberdade nas [redes sociais] plataformas viola a Primeira Emenda”.
Este relatório, apesar da sua relevância, tem sido largamente ignorado pelos mass media norte-americanos e também pelos media portugueses, os quais alinharam, em geral, nas mesmas práticas de censura durante a pandemia.
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Ate 2019, o crescimento do número de médicos hospitalares era evidente e compensava o aumento da população mais idosa, aquela que mais necessita de cuidados em urgência e internamento. Mas com a pandemia, entre os anos de 2020 e 2022, com a decisão política de suspender consultas e cirurgias programadas, e com o incentivo a não se usarem os hospitais a não ser para a covid-19, inverteu-se o rejuvenescimento do corpo clínico enquanto a população com mais de 65 anos continuou a aumentar. Através de novos dados, relativos a 2022, divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística, o PÁGINA UM analisou a evolução do corpo clínico dos hospitais e confrontou com o aumento da população mais vulnerável. Resultado: entre 2013 e 2022 – e por via do triénio da pandemia – só se registou um aumento de 3.246 médicos hospitalares (+14,8%) para cuidar de um país que viu a população idosa aumentar 20,1%, isto é, mais 416 mil pessoas. A região Centro teve a pior evolução, e o Alentejo apresentou uma melhoria significativa, mas continua a ser a parte do país onde os idosos dispõem de menos médicos hospitalares.
A estratégia governamental durante a pandemia de incidir as prioridades na covid-19, desinvestindo em todos os outros sectores da Saúde Público, tem mostrado agora efeitos desastrosos. Os dados revelados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) mostram que, durante o triénio da pandemia (2020-2022) houve reduções significativas na ‘procura hospitalar’– leia-se, dias de internamentos por todas as causas, no decurso da decisão de suspender cirurgias programadas –, pelo que se inverteu o crescimento do número de médicos hospitalares e se agravou assim a prestação de cuidados de saúde à população potencialmente vulnerável.
De acordo com os mais recentes dados do INE, divulgados ontem no site desta entidade, apesar de um ligeiro crescimento do número de médicos nos hospitalares entre 2021 e 2022 (passando de 24.648 para 25.163), ainda se está aquém dos valores contabilizados no ano imediatamente anterior à pandemia. Em 2019 estavam contabilizados 25.783 médicos hospitalares em todo o país. Apesar deste número já ser ligeiramente inferior ao de 2018 (26.901 médicos), mantinha-se uma tendência de crescimento desde 2013. No período de 2013 e 2019, o crescimento nacional até tinha sido relevante: 17,7%, atingindo os 37,9% no Algarve (681 para 939), os 21,5% na Madeira (409 pata 497), os 20,3% na região Centro (4.256 para 5.119) e os 19,6% na região Norte (7.871 para 9.412). Nenhuma região registou qualquer decréscimo, embora no Alentejo o crescimento tivesse sido ténue (3,7%).
Com a chegada da pandemia, inverteu-se por completo a tendência. A menor procura hospitalar – em função da suspensão de cirurgias e de consultas, bem como do activo incentivo das autoridades de Saúde para que não se fosse às unidades de saúde excepto por covid-19 – implicou um menor grau substituição dos médicos que se foram reformando.
Assim, entre 2019 e 2022, apanhando o triénio da pandemia, o saldo foi de perda de 630 médicos hospitalares a nível nacional, um decréscimo relativo de 2,4%, apresar de crescimentos na Madeira (14,9%, com mais 74 médicos), nos Açores (14,4%, com mais 64 médicos), no Alentejo (11,2%, com mais 101 médicos) e no Algarve (5,5%, com mais 52 médicos). A região Centro foi, na verdade, a principal responsável pelo decréscimo verificado neste triénio, perdendo 620 médicos (12,1%). A Área Metropolitana de Lisboa perdeu 150 (-1,8%) e a região Norte 151 (-1,6%).
Mesmo nas regiões que registaram ligeiros aumentos na pandemia, a evolução do quadro clínico hospitalar desde 2013 não conseguiu acompanhar, bem pelo contrário, o aumento da população potencialmente mais vulnerável, isto é, dos mais idosos. Com efeito, o envelhecimento populacional – que, numa perspectiva favorável significa que há cada vez mais pessoas a alcançarem e a superarem a idade da reforma – tem estado em crescimento significativo, mesmo com o impacte da covid-19 e da gestão da pandemia. Por exemplo, considerando os números apontados pelo INE, entre 2019 e 2022 a população com mais de 80 anos aumentou 4,2% (mais 29.405 pessoas), enquanto no grupo etário dos 65 aos 79 anos registou-se um crescimento bem superior: 7,9%, que resultou de mais 128.229 pessoas neste intervalo de idade.
Evolução por região do número de médicos hospitalares e da população com mais de 65 anos entre 2013 e 2022. Fonte: INE.
Caso se confronte, no período entre 2013 e 2022, a evolução da população com mais de 65 anos com a evolução do corpo clínico hospitalar, constata-se um evidente agravamento causado pelos anos de gestão pandémica. Se entre 2013 e 2019 o aumento relativo de médicos hospitalares (+17,7%) superava o crescimento relativo da população idosa (+12,5%), sendo assim um sinal bastante positivo, os anos subsequentes (2020, 2021 e 2022) inverteram completamente essa tendência. Assim, de acordo com os dados do INE, entre 2013 e 2022 – e por via do triénio da pandemia – só se registou um aumento de 3.246 médicos hospitalares (+14,8%) para, em certa medida, cuidar de um país que viu a população com mais de 65 anos aumentar 20,1%, tendo passado de 2,07 milhões de pessoas para cerca de 2,48 milhões, isto é, mais 416 mil idosos.
Analisando em detalhe, por região, somente o Alentejo, o Algarve e a Madeira registaram um aumento dos médicos hospitalares superior ao aumento da população idosa. No Alentejo, os médicos nas unidades hospitalares cresceram 15,3% no período de 2013-2022, com a população idosa a aumentar apenas 3,1%, enquanto no Algarve esses aumentos relativos foram, respectivamente, de 45,5% e 26,1%, e na Madeira foram de 39,6% e 27,9%. Convém, contudo, salientar que o Alentejo continua a ser a pior região em termos de rácio de cobertura médica hospitalar: em 2013 havia somente 476 médicos por 100 mil idosos (44,9% da média nacional), e em 2022 subiu para 523 (51,6% da média nacional).
A região Centro foi aquela onde se observa um maior agravamento da cobertura hospitalar face à população idosa, uma vez que o aumento do número de médicos entre 2013 e 2022 foi de apenas 5,7%, o que confronta com um aumento dos maiores de 65 anos de 16,6%. Nesta região, a população idosa cresceu quase 88 mil pessoas, enquanto os médicos aumentaram apenas em 243. Significa isso que o rácio de cobertura médica hospitalar em função da população potencialmente mais vulnerável (mais de 65 anos) se agravou significativamente: em 2013 era de 808 médicos por 100 mil idosos (76,2% da média nacional), e em 2022 cifrava-se em 732 por 100 mil idosos (72,3% da média nacional).
Evolução da cobertura médica hospitalar em função da população potencialmente vulnerável (número por 100 mil idosos). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Nas duas regiões mais populosas – Área Metropolitana de Lisboa e Norte –, o agravamento da cobertura médica hospitalar é inferior, mas também evidente. No caso da região que engloba a capital, o rácio em 2022 situava-se em 1.310 médicos por 100 mil idosos, ligeiramente abaixo dos 1.360 registados em 2013, mas bastante abaixo dos 1.596 por 100 mil idosos em 2018, o que demonstra a fraca aposta em dotar os hospitais com uma realidade previsível: incremento da população potencialmente mais vulnerável. Na Área Metropolitana de Lisboa havia em 2022 mais 91 mil pessoas idosas do que em 2013 (+16,8%), mas somente mais 924 médicos.
No caso da região Norte, o crescimento de 1.389 médicos (+17,6%) entre 2013 e 2022 fica aquém do necessário para um incremento da população idosa, nesse período, de 28,6%, devido a um aumento de 186 mil pessoas na faixa etária acima dos 65 anos. Por isso, o rácio de cobertura hospitalar passou de 1.208 por 100 mil idosos em 2013 para 1.105 em 2022.
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