Etiqueta: Editorial

  • Processo Especial de Revitalização da dona da revista Visão: o crime vai compensar?

    Processo Especial de Revitalização da dona da revista Visão: o crime vai compensar?


    Em 26 de Julho do ano passado, no seguimento de uma (de várias notícias), sobre a deplorável situação financeira da Trust in News, recebi um e-mail da então directora da revista Visão, a inefável Mafalda Anjos (que entretanto saltou, ‘murideamente’ falando, do barco, para se acomodar na mais confortável CNN Portugal), a dizer que não se pronunciava “.

    Naquele mês, o PÁGINA UM publicou, pelo menos, quatro artigos (aquiaquiaqui e aqui) sobre a empresa de media criada em finais de 2017 pelo antigo jornalista Luís Delgado para adquirir o portefólio de revistas da Impresa, do grupo liderado por Francisco Pinto Balsemão. Em menos de seis anos, a Trust in News entra, finalmente, em suposto colapso, como ontem anunciado pelo jornal digital Eco, que informa ter dado entrada no Tribunal do Comércio de Sintra um pedido de Processo Especial de Revitalização (PER).

    Em teoria, um PER visa evitar a falência, com a renegociação de dívidas com os credores, de modo a permitir a sua viabilização futura. Na prática, o que vai acontecer no caso da Trust in News é os contribuintes serem ‘chamados’, directa ou indirectamente, a pagar as tropelias de um negócio obscuro que se manteve perene durante anos com a criminosa conivência política e da própria imprensa.

    Quando no ano passado, comecei a investigar para o PÁGINA UM a situação financeira dos grupos de media, o caso da Tust in News chocou-me particularmente. Como era possível uma empresa unipessoal (Luís Delgado é o único sócio) com um capital social de apenas 10 mil euros (similar ao do Página Um) ‘conseguir’, sem ninguém se incomodar, sobreviver com um passivo (proveniente de empréstimos concedidos) de 5 milhões de euros provenientes de instituições bancárias, ainda dever 4 milhões de euros à Impresa (a quem comprara as revistas em 2018 em negócios nunca explicados) e, mesmo assim, somar calotes públicos, sob a forma de dívidas fiscais, que atingiam em 2022 cerca de 10,4 milhões de euros?

    Como era possível uma empresa de 10 mil euros atingir um passivo de mais de 27 milhões de euros ao fim de meia dúzia de anos, enquanto acenava como principal património cerca de 11 milhões de activos intangíveis, que valem, na verdade, zero?

    Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros a ser concrtizado em dois anos e meio. Nunca se soube aquilo que foi pago, e em quatroi ano as dívidas fiscais chegaram aos 11,4 milhões de euros.

    O progressivo calote fiscal ao Estado perpetrado pela Trust in News desde 2018 seria impossível sem a cumplicidade criminosa do Governo socialista e do Ministério das Finanças liderado por Fernando Medina. Veja-se. Em 2018, logo no primeiro ano com as ex-revistas da Impresa, a Trust in News tinha dívidas ao Estado de quase 943 mil euros. No ano seguinte subiu para cerca de 1,6 milhões, para depois mais que triplicar em 2020 situando-se em 5,1 milhões de euros. E continuou: em 2021 estava já em 8,2 milhões de euros e em 2022 – último ano com contas aprovadas – encontrava-se já nos 11,4 milhões de euros.

    No ano passado, tentei por diversas vezes que o Ministério das Finanças, liderado Fernando Medina, explicasse como permitiu que se chegasse a este ‘estado de coisas’. Nunca obtive resposta. De igual modo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ‘fechou os olhos’ permitindo que a Trust in News alegre e alarvemente mentisse sobre as suas contas.

    Perante todo este histórico, fácil será de crer qual o objectivo principal deste PER solicitado por Luís Delgado para a sua Trust in News: um perdão da dívida por parte do Estado. Serão 10 milhões de euros que ele não pagou porque sabia que havia de arranjar forma de não os pagar, tal como sabia que a compra das revistas ao grupo Impresa pelos valores anunciados também era fictícia.

    Fernando Medina tinha conhecimento das progressivas dívidas fiscais da Trust in News. Foto: © Ministério das Finanças

    Se politicamente não for possível perdoar a dívida fiscal, então a Trust in News abre simplesmente falência, por insolvência, sem qualquer responsabilidade patrimonial contra o videirinho Luís Delgado, e surgirá então um ‘mecenas’ a salvar as revistas, como a Visão, a troco de um ‘cadastro fiscal’ limpo. No limite, as revistas, às tantas, até regressam ao universo da Impresa, que ainda há pouco assumiu, nas suas contas, como o PÁGINA UM revelou há duas semanas, um perdão de dívida no valor de 2,5 milhões de euros pela compras de Luís Delgado em 2018. Na imprensa portuguesa, a ética está bem enterrada.

    Enfim, mais do que correr um Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal do Comércio de Sintra, devia estar a correr um processo de investigação no Departamento Central de Investigação e Ação Penal em Lisboa. Isto nada tem para se salvar, mas sim para responsabilizar. Isto não é um caso de comércio; é um caso de polícia.


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  • Camaradas jornalistas, vamos acabar com esta palhaçada?

    Camaradas jornalistas, vamos acabar com esta palhaçada?


    Sei o que é uma notícia. E sobretudo uma ‘cacha’, em gíria jornalística. E uma ‘cacha’ é uma ‘cacha’ independentemente do ‘nível’ do jornal ou do jornalista que a produz, sendo certo que é mais difícil sacar uma se se for bom jornalista de um jornal de pequena dimensão, e é mais fácil sacar uma para um jornal de grande dimensão, mesmo que se seja um jornalista medíocre. Mas um bom jornalista consegue sempre sacar ‘cachas’, sendo essa a essência do bom jornalismo, que costumava ser elogiada e reconhecida inter pares.

    Manda assim a ética – cada vez mais escassa nos meios de comunicação social – que os camaradas (jargão jornalístico que nada tem de ideológico) ao se aperceberem de uma ‘cacha’ da concorrência, mesmo se de um pequeno jornal digital independente, a possam difundir – ou, pelo menos, não a devem ignorar para ‘memória futura’ para eventuais enquadramentos.

    a silhouette of a lion sitting on a rock

    Sei bem a irritação que eu, e particularmente o PÁGINA UM, tem causado no sector dos media nos últimos dois anos e meio. Temos revelado muitas promiscuidades, desvelado os negócios escabrosos e a aflita situação financeira dos principais grupos. Somos, bem sei, uma espécie de ‘lembrete’ de consciência daquilo que deve ser o jornalismo. E isso mostra-se, tem-se mostrado fatal, na hora de repercutir algumas evidentes ‘cachas’ do PÁGINA UM.

    Não tenho, assumidamente, uma qualquer mania das grandezas, mas só nos últimos dois meses conto, sem qualquer dúvida, uma dezena de notícias exclusivas do PÁGINA UM que seriam ‘cachas’ se fossem feitas por qualquer jornalista num qualquer órgão de comunicação social.

    Uma dessas ‘cachas’ do PÁGINA UM foi publicada no passado dia 13, revelando que, através da sua empresa Leitek, um antigo capitão de fragata, condenado em 2008 por corrupção passiva, recebeu uma autorização do Ministério da Defesa em Setembro passado para exercer actividades de comércio e tecnologias militares, apesar de uma lei de 2009 proibir expressamente, por razões de idoneidade, a obtenção de uma licença a quem tenha sido condenado, em Portugal ou no estrangeiro, por diversos crimes graves.

    Notícia do PÁGINA UM de 13 de Maio sobre uma licença concedida a uma empresa cujo único sócio fora condenado por corrupção passiva.

    Este caso, nada tinha a ver com uma notícia do Correio da Manhã de 5 de Março, que revelara que uma empresa da Zona Franca da Madeira recebera similar licença. No entanto, nesse caso, estava apenas em causa a ‘singularidade’ de uma licença após as eleições legislativas a uma empresa que tinha, no seu objecto social, a venda de imóveis. Contudo, nesse aspecto, a menos que houvesse cadastro do francês detentor da Softbox, nada existe de grande admiração, porquanto o gerente francês possui a patente de uma mira de arma, convenientemente registada desde 2020.

    O caso da Leitek era, assim, um caso completamente à parte. Muito grave. Muitíssimo grave, tanto mais as ligações do seu único sócio, um ex-militar condenado por corrupção, com a China. Tudo estava na notícia.

    Porém, a notícia do PÁGINA UM foi ignorada pela generalidade da comunicação social. E dos diversos partidos políticos. Silêncio absoluto.

    Algo que, assim permitiu, ao Ministério da Defesa fazer uma ‘brincadeira’ aproveitando a inefável agência noticiosa Lusa, que difundiu anunciando uma auditoria após uma “averiguação preliminar” ter detectado numa alegada “amostragem restrita de processos considerados” o licenciamento “de uma empresa cujo sócio foi condenado em pena de prisão por crime” considerado incompatível com uma lei de 2009.

    Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional: alegou uma “averiguação preliminar” que, com base numa suposta “amostragem restrita de processos considerados” detectou um caso, sem o identificar, que encaixa na perfeição na Leitek, uma empresa denunciada pelo PÁGINA UM há 12 dias.

    Por indesculpável ignorância ou má-fé, tanto a Lusa (a primeira a divulgar a auditoria) como a generalidade da imprensa não se incomodaram sequer a questionar o Ministério da Defesa Nacional sobre qual o caso concreto detectado, tanto mais que os despachos são públicos. Mas nem valeria a pena: a “averiguação preliminar” que levou a uma “averiguação preliminar” que, por sua vez, apura o caso da “empresa cujo sócio foi condenado em pena de prisão” encaixa-se, na perfeição, na ‘cacha’ do PÁGINA UM de 13 de Maio passado.

    Na generalidade dos casos, a imprensa mainstream ignorou olimpicamente a ‘cacha’ do PÁGINA UM, e fez pior. Como sucede com as notícias do Público, do Jornal de Notícias, da SIC Notícias, do Diário de Notícias, do Observador ou da própria CMTV, ainda sugerem que esta “averiguação preliminar” está relacionada com a notícia do Correio da Manhã (que nada diz sobre um sócio condenado por corrupção) relacionada com a Softbox.

    Um caso destes é pouco dignificante para os envolvidos. Para o Ministério da Defesa, que não quis assumir a ligação da auditoria à notícia do PÁGINA UM, e para os órgãos de comunicação social que ‘ostracizam’ o PÁGINA UM, transmitindo informação manipulada, errónea e deturpada para o seu público.

    Concedo que este ‘modus operandi’ pode continuar a colher bons resultados a prazo. Por mais uma semana, um mês, um ano, ou até para sempre.

    man in red and black robe

    Na verdade, a falta de ética profissional pode ser bem-sucedida, porque, na vida real, o mal pode vencer o bem. Mas também na vida real, às vezes os maus procedimentos da imprensa são castigados pelos leitores – e a crise do jornalismo nos grandes grupos de media mostra uma tendência de perda de credibilidade.

    Por isso, camaradas jornalistas: vamos acabar com esta palhaçada? Vamos passar, pelo menos, a assumir que, quando o PÁGINA UM fizer uma ‘cacha’, esta é uma notícia que, se tiver consequências políticas, não é ignorada?


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  • Hora Política: assim se defende (e pratica) a igualdade de oportunidades em democracia

    Hora Política: assim se defende (e pratica) a igualdade de oportunidades em democracia


    Na HORA POLÍTICA, o PÁGINA UM inicia hoje, e pela segunda vez este ano, um périplo democrático, propondo-se entrevistar todas os cabeças-de-lista às eleições para o Parlamento Europeu marcadas para o dia 9 de Junho. Começamos hoje, com a entrevista com Ossanda Liber, primeira candidata da Nova Direita, e seguimos diariamente m função da antiguidade, do mais ‘jovem’ partido até ao mais antigo (PCP, como representante principal da CDU).

    Neste momento, além de Ossanda Liber, temos já gravadas as entrevistas a Duarte Costa (Volt Portugal), Márcia Henriques (RIR), António Tânger Corrêa (Chega), João Cotrim de Figueiredo (Iniciativa Liberal), Pedro Ladeira (Nós, Cidadãos), Joana Amaral Dias (ADN), Francisco Paupério (Livre), Gil Garcia (MAS) e José Manuel Coelho (PTP), estando agendadas já as de Rui Fonseca e Castro (Ergue-te) e Manuel Carreira (MPT).

    blue and white flags on pole

    Esperando agendamento, estão ainda preparadas entrevistas a Pedro Marques (PAN), Catarina Martins (Bloco de Esquerda), Marta Temido (PS), Sebastião Bugalho (AD) e João Oliveira (CDU).

    Seremos, mais uma vez, o único órgão de comunicação a defender princípios democráticos básicos. Tal como hoje não se questiona o princípio “um adulto, um voto”, independentemente do estatuto e condição da pessoa, também se deve pugnar pelo princípio da igualdade de oportunidade, em que qualquer candidato detenha oportunidades similares aos demais para transmitir as suas ideias e propostas.

    Seremos o único órgão de comunicação social a não achar aceitável que a imprensa – que tem uma dívida de agradecimento à democracia, pela liberdade de expressão que nos concede – promova activamente a discriminação de forças partidárias. E isso faz-se também, ou sobretudo, “eliminando” intencionalmente, do combate político e do conhecimento público, as ideias de alguns partidos reconhecidos pelo Tribunal Constitucional, por mais estapafúrdias que algumas sejam, apenas com base num falacioso e inconstitucional critério derepresentatividade social. Uma democracia assim não se rejuvenesce.

    Pelo contrário, cabe à comunicação social (e aos jornalistas) lutar contra quaisquer actos ou medidas que cerceiem – ou censurem –, à priori, a igualdade de oportunidades. Em campanhas eleitorais, a imprensa tem responsabilidades acrescidas. Não deve olhar apenas para as audiências, para a comodidade ou para as preferências, ou para os interesses em manter o status quo. Durante uma campanha eleitoral, não ficaria mal que a comunicação social fosse sobretudo um “prestador de serviços” isento e independente sem olhar a credos nem grandezas – seria uma prestação de serviços ao público, mas esta legítima e necessária, por ser um penhor à democracia.

    Lamentavelmente, na presente campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, em confronto com as recentes eleições legislativas, a hipocrisia da imprensa mainstream – e o péssimo serviço que assim concedem à democracia – ainda mais se evidenciou.

    view of stadium interior

    Nas legislativas de 10 de Março, o critério da representatividade parlamentar foi usado genericamente pela comunicação social generalista para “eliminar” as oportunidades de uma dezena de partidos. Por serem pequenos, pequenos serão – parece ser essa a ‘lógica’ democrática. Ao não lhes dar sequer voz, a imprensa manipula desde logo a opinião pública, transmitindo que não têm qualquer credibilidade.

    O mais caricato é que se o critério da representatividade para as legislativas fosse seguido para o Parlamento Europeu, então ter-se-ia de “eliminar” a candidatura do Chega, da Iniciativa Liberal e do Livre. E se o critério fosse as expectactivas de eleições para o Parlamento Europeu – onde é necessário um mínimo de 4,7%) face aos resultados eleitorais das recentes legislativas, então só se deveria ‘ouvir’ a AD, o PS, o Chega, a Iniciativa Liberal e, no limite, o Bloco de Esquerda.  

    Quebrar as amarras de uma democracia já coxa num dos seus fundamentos – a igualdade de oportunidades numa eleição – mostra-se assim fundamental, sobretudo porque está enraizado nas direcções editorais, a começar por aquelas que são de serviço público, como as do universo da RTP. E está enraizado sobretudo numa hipócrita Lei da Assembleia da República de 2015 sobre a cobertura jornalística em período eleitoral que até tem um lindo artigo intitulado “Igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas”, mas que funciona mais como justificação para manter fora do jogo democrático todos aqueles que não estejam no ‘sistema’.

    Por esse motivo, a HORA POLÍTICA do PÁGINA UM não serve apenas para revelar o pensamento político e as propostas de todos os cabeças-de-lista ao Parlamento Europeu, tem também a clara intenção de ‘mostrar’ à outra comunicação social – dirigida por mui ciosos e escrúpulos jornalistas, muitos julgando-se paladinos da democracia – que, em período eleitoral, há mais do que notícias a dar; há princípios democráticos a defender e a transmitir. Mesmo quando existem mil e uma justificações a preceito para não defender nem transmitir esses princípios democráticos.

    white red and green map

    Se no PÁGINA UM, com um orçamento anual de poucas dezenas de milhares de euros, consegue destacar uma jornalista – a Elisabete Tavares – para fazer e publicar 17 entrevistas a 17 cabeças-de-lista, será que órgãos de comunicação social com milhões de euros de orçamento não conseguem também cumprir uma condição básica em democracia (igualdade de oportunidades)?

    Claro que conseguem – a questão é não quererem.

    Estão no seu direito, porque a liberdade editorial é sagrada, mas tornam-se jornalistas menores numa democracia que eles ‘empurram’ a ser menor.


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  • Um irresponsável populista chamado Gouveia e Melo

    Um irresponsável populista chamado Gouveia e Melo


    Gouveia e Melo andou em ‘conspirações de maledicência nos corredores militares‘ – irrelevantes e inúteis para a sociedade nacional e internacional – até lhe cair no colo a tarefa logística de vacinar contra a covid-19 até o periquito, incluindo, claro, crianças e jovens que jamais integravam grupos de risco.

    A ‘medalha’ foi a sua ascensão, primeiro ao posto mais elevado do Almirantado da Marinha e depois ao cargo, para nosso encargo, de Chefe do Estado-Maior da Armada. E à boleia veio a peregrina ideia de ser ele um putativo candidato a Presidente da República, sustentada e promovida por jornais como o Diário de Notícias, que se transformou no seu órgão oficial, tanto é o palco que lhe concedem.

    Desde aí, Gouveia e Melo, um especialista em submarinos, aproveita qualquer oportunidade para vir à tona mostrar a sua existência – e, hélas, tentar-nos convencer da suposta necessidade de o termos por perto, mesmo se ele tem vontade de mandar alguns de nós – presumo, os mais novos – morrer longe.

    Em mais uma entrevista publicada hoje no Diário de Notícias, em parceria com a TSF (do mesmo grupo de media) somos confrontados com tiradas populistas e irresponsáveis, o que não admira porque vem de um irresponsável populista. Gouveia e Melo nada mais faz do que instigar um conflito grave. Fala das habituais passagens de navios russos na nossa gigantesca Zona Económica e Exclusiva (a quinta maior da Europa) – que deve ser fiscalizada com naturalidade – como se estivessem associadas a preparativos de uma invasão ou de um iminente conflito mundial. E, perante um conflito localizado geograficamente nos confins da Europa, face à nossa posição, e que deve ser tratado sobretudo pela via diplomática, e não por militares sedentos de bacoco protagonismo, destapa a sua veia – ou variz – bélica, prometendo insensatamente ‘carne lusa para canhão’.

    Não é minimamente aceitável que em Portugal, em modelo democrático e em pleno século XXI, venha uma alta patente militar, como Gouveia e Melo, dizer estas duas simples frases a pretexto de um conflito armado grave, humanamente lastimável, mas que se circuscreve à mesma região há mais de dois anos: “E podem ter certeza absoluta de que se a Europa for atacada e a NATO nos exigir, vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa, que é a nossa casa comum. Afinal, estamos a defender o nosso modo de vida, a democracia, os nossos sistemas, a nossa economia“.

    “Defender o nosso modo de vida, a democracia, os nossos sistemas, a nossa economia” não se faz, primeiro, através de uma organização militar a EXIGIR o que quer que seja a um povo, ainda mais ao povo de um país soberano com quase 900 anos de existência. A ideia de ‘carne para canhão’ não se conjuga bem como o ‘nosso modo de vida’ no século XXI.

    people gathering on street during nighttime

    Não se defende “o nosso modo de vida, a democracia, os nossos sistemas, a nossa economia” PROMETENDO que “vamos morrer onde tivermos de morrer”, sobretudo quando o senhor que assim promete não é o Mel Gibson a armar-se em romântico William Wallace – que, na realidade, foi enforcado e esquartejado por alta traição aos 35 anos – mas sim um homem de 63 anos, almirante e Chefe do Estado-Maior da Armada de um país da NATO, antevendo-se assim que, ficando tudo torto, ficará ele no recato do lar ou no conforto do seu gabinete a esquadrinhar estratégias e tácticas militares enquanto a gente (jovem) que ele enviou está a morrer onde tiver de morrer – e a matar. Tudo para supostamente se defender a Europa, como se fosse uma angélica pomba da paz.

    Aliás, a ideia de “defender a Europa, que é a nossa casa comum”, colocando a Europa como um modelo, constitui uma pérola do populismo, ainda mais por meter a Rússia como pária. E nem é por a Rússia e a Ucrânia serem nações consideradas europeias, e nem é por ambos os países lamentavelmente não saberem o que é uma democracia, mas sim por o almirante Gouveia e Melo querer fazer-nos de parvos.

    Se há um Continente do Mundo que é belicista, esse é a Europa, com conflitos seculares, mais ou menos duradouros, mais ou menos grotescos nas causas. Antes das chamadas Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), já houvera muitos mais conflitos armados à escala planetária, e se as duas do século XX foram marcantes deve-se sobretudo à capacidade tecnológica de letalidade e de afectar mais vidas de civis. E em todos esses conflitos de grande dimensão, não me parece ter sido a Rússia a má da fita.

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    Se erro histórico houve para que a Europa não tenha evoluído nas últimas décadas em conjunto com os mesmo valores – aproveitando a Queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética – foi o ostracismo a que se botou a Rússia – para agradar aos Estados Unidos –, não promovendo, por outro lado, através de vias diplomáticas, a resolução de evidentes disputas territoriais, como as da Crimeia e do Donbass.

    A forma como se permite que militares se interponham em querelas que devem antes ser diplomáticas é um erro crasso. Ouvir um chefe militar anunciar alegremente que “vamos morrer onde tivermos de morrer para defender a Europa, que é a nossa casa comum” é um ultraje, porque uma guerra é a pior das formas de se atingir a paz.

    Acham que foi melhor, por exemplo, a compra da Louisana aos franceses em 1803 ou seria preferível uma guerra franco-americana?

    Acham que foi melhor, por exemplo, o Tratado de Montevideu em 1828 que consagrou a independência do Uruguai ou seria preferível antes dirimir uma anexação oportunista de Portugal aos territórios da Cisplatina antes ocupados por Espanha através de uma guerra entre o então recém-independente Brasil e os independentistas uruguaios?

    Acham que foi melhor, por exemplo, os milhares de acordos e tratados para se resolverem os milhares de disputas territoriais a nível mundial ou seria preferível que milhares de Gouveias e Melos por este Mundo fora enviassem milhares de inocentes para morrerem (e matarem) em nome de uma suposta “casa comum”?

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    Uma das coisas mais absurdas destes tempos modernos é a desmesurada vontade de muitos responsáveis políticos e militares em levarem toda a Europa para uma guerra fratricida, que é regional, e que assim deve continuar até que surja uma paz moderada pela diplomacia e bom senso.

    E o bom senso inclui permitir que o almirante Gouveia e Melo falar opine sobre o envio de ‘carne para canhão’ contra a Rússia, mas não que o faça como Chefe do Estado-Maior da Armada. Sem funções militares, pode ele mandar as postas de pescadas que assim quiser como comentador de assuntos militares. Ser-me-á indiferente. Mas tê-lo assim, nesta postura, como alta patente militar, assusta-me mais do que os mísseis russos.


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  • Medina, sinónimo de aldrabice

    Medina, sinónimo de aldrabice


    Em Abril do ano passado, escrevi um editorial no PÁGINA UM intitulado “Medina: o pináculo de um governo de aldrabões”.

    Confesso que sempre me senti estupefacto como uma nulidade do ponto de vista do pensamento político e de acção tinha tanta boa imagem nos media, sustentado à sombra de António Costa. Foi o pior presidente da autarquia de Lisboa nem sequer aproveitando o boom financeiro derivado da actualização do valor patrimonial das casas e do crescente fluxo de turismo e das receitas daí advindas.

    Como ministro das Finanças, sem qualquer política pensada, antes aproveitando-se dos milhões do PRR e de uma inflação galopante que encheu os cofres do Estado com as receitas do IVA. E por fim, inventou os maiores malabarismos financeiros para inventar um superávit, como se tem confirmado agora com uma distribuição de dividendos à má fila de empresas públicas ou com o empurrar de compromissos financeiros para o futuro, de sorte a fazer um brilharete pessoal.

    E neste interim, deixou a máquina administrativa fazer as maiores tropelias na gestão dos dinheiros públicos.

    Pior do que isto tudo, que ele nos fez, é a possibilidade de, hélas, o vermos regressar a um cargo político de relevo.


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  • No PÁGINA UM, “todos” não são oito em 17

    No PÁGINA UM, “todos” não são oito em 17


    Hoje, o Correio da Manhã – pertencente à Medialivre, o grupo de media mais sólido e ambicioso de uma imprensa nacional em estado comatoso – anunciou, em parangonas: “CMTV entrevista todos os cabeças de lista” às eleições europeias do próximo dia 9 de Junho.

    Pensei, por momentos, que a Hora Política do PÁGINA UM – que nas últimas legislativas propõe entrevistar todos os líderes dos 24 partidos inscritos no Tribunal Constitucional, falhando apenas cinco – tinha dado frutos. E que, assim, órgãos de comunicação mainstream corrigiriam uma linha editorial claramente discriminatória. Afinal, o jornalismo tem uma obrigação especial na consolidação da democracia, que não passa apenas por garantir o princípio de “uma pessoa, um voto”. A imprensa deve também garantir a liberdade de expressão e a liberdade de oportunidades, pelo menos numa base de equidade.

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    Mas, afinal, desenganei-me rapidamente. A CMTV – e presumo os outros órgãos de comunicação social quer da Medialivre quer dos outros grupos de media – considera que “todos os cabeças de lista” são afinal apenas oito dos 17 que lideram as listas dos partidos e coligações que constam no boletim de voto para o Parlamento Europeu, a saber: Sebastião Bugalho (Aliança Democrática), Marta Temido (PS), Jião Cotrim de Figueiredo (IL), Fidalgo Marques (PAN), Francisco Paupério (Livre), Catarina Martins (BE), João Oliveira (CDU) e António Tânger Corrêa (Chega). São os ‘oito magníficos’; os outros nove não interessam para os media mainstream.

    Sou o primeiro a compreender que não se mostra muito apelativo entrevistar determinados candidatos: o próprio PÁGINA UM constatou isso em muitas das entrevistas da HORA POLÍTICA nas legislativas de Março. Os pequenos partidos não ‘dão’ muitos cliques – mas essa não é a condição principal para se definir uma linha editorial. No jornalismo, há obrigações que devem ser assumidas até para agradecer ao tal “25 de Abril Sempre”. A democracia vale sobretudo por aquilo que se transmite, pelas acções concretas – e a comunicação social não deveria transmitir atitudes de discriminação; não é digno para quem herdou a liberdade de expressão e de informação de um punhado de heróis no longínquo 1974. Ou só conta evocá-los, para descansar consciências, quando, uma vez por ano, se desce a Avenida da Liberdade de cravo na mão, sendo-se hipócrita nos restantes 364 dias do ano? Ou 365, em anos bissesxtos.

    Não ouvir todos, ainda mais em eleições europeias, é mesmo discriminação – e, ainda por cima, por falarmos de comunicação social, significa também manipulação da opinião pública com influência eleitoral, porque condiciona a divulgação de ideias distintas dos partidos tradicionais, daqueles que andam a fazer crescer ideologias populistas.

    Com efeito, nestas eleições europeias já nem se pode aplicar os ‘argumentos’ aduzidos pela imprensa mainstream para as eleições legislativas: beneficiar apenas os partidos com representatividade parlamentar, e meter os restantes tudo ao molho com uma cobertura de campanha minimalista. Afinal, actualmente, no Parlamento Europeu tanto a Iniciativa Liberal como o Chega não possuem representantes – e mesmo o Pessoas-Animais-Natureza (PAN) deixou de ter o seu com desvinculação de em Junho de 2020. Aliás, nas eleições europeias de 2019, o Livre teve apenas 1,83%, ficando mesmo atrás da Aliança (1,86%), e a Iniciativa Liberal teve somente 0,88%, atrás ainda do PPM.PPV/CDC (1,49%) e do Nós, Cidadãos (1,05%).

    Se considerarmos os resultados das últimas eleições legislativas, e sabendo-se que a eleição de um eurodeputado exige em redor de 4,7% dos votos nacionais, apenas parece certo que sejam eleitos representantes no Parlamento Europeu da Aliança Democrática, do Partido Socialista, do Chega, da Iniciativa Liberal e do Bloco de Esquerda, como o PÁGINA UM mostrou em Março passado. Para conseguirem eurodeputados, a CDU, o Livre e o PAN terão de conseguir muito melhor do que nas legislativas. Ou seja, há muitos partidos que, do ponto de vista de uma potencial representatividade no Parlamento Europeu, estão ao mesmo nível da generalidade dos chamados pequenos partidos, onde até se destaca o ADN que se apresenta com a mediática Joana Amaral Dias.

     Ora, numa situação destas, e mesmo que essa tarefa seja hercúlea para o PÁGINA UM – com uma estrutura financeira e de recursos humanos reduzidíssima, com apenas dois jornalistas seniores –, não podemos deixar de encetar a segunda edição da HORA POLÍTICA, propondo apresentar entrevistas a todos – e este “todos” não é a versão do Correio da Manhã – os cabeças de listra dos 17 partidos e coligações a votos em 10 de Março.

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    Os convites estão a ser já endereçados – e contamos divulgar a primeira no dia 21 deste mês, com a derradeira a ser publicada no dia 6 de Junho.

    Este é, confessamos, um esforço em prol da democracia que poderá afectar a nossa produção habitual, mas há coisa que têm de ser feitas pelo PÁGINA UM, quando outros, com mais recursos, as poderiam e deveriam fazer, mas não fazem. Foi essa também uma das razões fundamentais para o nascimento deste projecto jornalístico independente, que depende dos leitores.


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    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

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  • Das forças e das fraquezas da imprensa mastodôntica

    Das forças e das fraquezas da imprensa mastodôntica


    A grande força da imprensa sempre esteve nas pessoas que alcança, e com a credibilidade da informação que lhes transmite e as induz a reagir perante um evento. Pode esse evento ser político, e daí que tenha surgido, no século XIX, por Thomas Carlyle, o conceito de Quarto Poder, ou seja, o Jornalismo como entidade próxima do povo, que por ele vigia e controla os outros três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário.

    Em teoria, a grande virtude e vantagem do Quarto Poder – um poder de facto – é a sua independência perante os outros três poderes, que são de jure. Nestas circunstâncias, o Jornalismo só se justifica se for independente – e, por isso, um dos lemas do PÁGINA UM teria de soar a uma lapalissada ridícula se, efectivamente, não vivêssemos tempos de crise de valores na imprensa nacional e internacional.

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    Numa contínua fuga para o abismo, onde o próprio regulador se mostra complacente com as maiores tropelias das direcções editoriais e de marketing, o modelo de negócio da endividada e desnorteada imprensa portuguesa transformou meios de comunicação social tradicionalmente assente em jornalismo credível em máquinas de fabricação de branded contents – conteúdos para promoção de marcas, que podem ir até ao marketing político e pessoal. E, nessa linha, mais do que dar notícias favoráveis ou fofinhas – ou incisivas contra os ‘inimigos’ –, o Jornalismo de hoje também se ‘mede’ pelas notícias de que não dá.

    Hoje, com honrosas excepções, não há quase nenhum jornalismo de investigação em Portugal, porque, por inerência, a investigação causa rupturas – e a pouca que há encontra-se enviesadamente direccionada para a dita extrema-direita, eleita em Portugal como o principal perigo para a democracia. Na verdade,se a extrema-direira cresce, mais pela via do populismo, deve-se ao fracasso das políticas dos partidos ditos democráticos. E sobretudo à esquerda.

    Em resultado da pouquíssima investigação rareiam as notícias sobre casos de corrupção. E quando falo de corrupção não estou aqui a referir-me a ‘malas de dinheiro’ – isso já não se faz assim, ou quem faz assim é por ser tolo. Hoje, a corrupção é do jaez da que se revelou no caso das gémeas luso-brasileiras – que, hélas, surgiu de uma das poucas jornalistas de investigação em Portugal com ‘alguma’ liberdade, a Sandra Felgueiras. Quem diz que não há corrupção em Portugal é como garantir que não haveria transgressões do Código da Estrada se não houvesse fiscalização policial. E se não há mais ‘casos’ de corrupção detectados é exactamente por a Imprensa mainstream em Portugal, completamente dependente dos humores financeiros do Estado e do mundo dos negócios, achar agora por bem não inquietar o status quo. E o mal de uma sociedade democrático começa a ruir pelo Quarto Poder.

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    Nos últimos anos, apesar das evidências de corrupção na sociedade política e empresarial, a Imprensa mainstream aceitou os mais deboches antidemocráticos, a começar com as negociatas em redor da pandemia. Os acordos secretos da Comissão Europeia – que se transformou numa entidade antidemocrática e que nos está a impor uma Economia de Guerra – são um ultraje aos princípios que que herdámos dos pais da Comunidade Económica Europeia. A perda de valores em Portugal veio por arrasto: em duas décadas, a Administração Pública ficou completamente obscura, e hoje um jornalista pedir informação ou requerer documentos é visto como uma ofensa.

    Recordem que é na perda de princípios éticos que reside a corrupção e aí cresce – e vejam como o bispo de Leiria veio ‘benzer’ os envolvidos no caso das gémeas luso-brasileiras, argumentando que “cunhas que salvam crianças não fazem mal a ninguém”, como se os quatro milhões de euros que se gastaram num caso absurdo (as crianças estavam em tratamento no Brasil com outro fármaco) não viessem a salvar outras vidas.

    A corrupção de valores é a antecâmara de todas as corrupções. Da simpatia se passa para o favorzinho, do favorzinho se passa para o favorecimento, do favorecimento se passa para a camaradagem, da camaradagem se passa para o compadrio, do compadrio se passa para a compensação, sob a forma de prebendas, sinecuras ou vil metal, sempre a receber a prazo. Quem dá hoje, por estar no poder, recebe amanhã, de quem beneficiou. A Imprensa deve estar atenta para, algures, evitar que os elos para a corrupção se liguem. É essa uma das suas funções primordiais do Jornalismo – a mais nobre. O resto é Comunicação, função nobre, mas que pode ser feita por meros comunicadores.

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    A perda de valores éticos não grassa nem desgraça somente os três Poderes tradicionais – tem vindo a desgraçar o Quarto Poder. Hoje, a corrupção medra, ou tem condições de medrar, quase sem ‘policiamento’ jornalístico. Basta verificar como, com pouquíssimos meios, o PÁGINA UM já revelou um sem-número de casos  suspeitos em contratos públicos. Não há mais jornalistas com capacidade de fazer o mesmo, ou até muito melhor, nem que seja por mais meios e potenciais fontes? Claro que há. E então como é possível que a pouca-vergonha da campanha solidária ‘Todos por Quem Cuida’, sobre os quais ontem recuperámos apresentando mais evidências, tenham um eco nulo na Imprensa mainstream.

    Sou jornalista desde 1995, passei pelo Expresso e pela Grande Reportagem, e por outros periódicos sobretudo até ao final da primeira década deste século. Sei o que é jornalismo de investigação, sei o que são casos suficientemente graves para fazer cair um governante. Aliás, em dois ou três meses, na transição de 2022 para 2023, tendo querido, o Correio da Manhã causou uma ‘razia’ no Governo de António Costa.

    Mas sei sobretudo, porque também já não caminho para novo, que o grau de exigência da Imprensa mainstream se modificou. Os timings, neste momento, são tudo. Há políticos que podem estar nas graças, porque sim; outros ficaram sempre nas desgraças, porque sim. Perdeu-se, repito, em muitos jornalistas a noção daquilo que são os seus deveres. E um deles, como watchdog, é estar atentento aos poderosos; nunca ser amigo, ou cultivar uma amizade, de alguém que está no Poder.

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    Por isso, como jornalista, sei quais deveriam ser, em circunstâncias normais, as implicações de pessoas como Ana Paula Martins, ministra da Saúde, e o agora deputado social-democrata Miguel Guimarães depois das evidências sobre o atropelamento de tantas normas éticas e legais a pretexto de uma suposta campanha de ‘bondade’ numa pandemia onde algo que nunca faltou foi dinheiro.

    Nem quero aqui reflectior sobre a postura de líderes de duas ordens profissionais, como a dos Médicos e dos Farmacêuticos, que se predispuseram a receber mais de 1,3 milhões de euros da indústria farmacêutica para se promoverem como pessoas de bem durante uma desgraça. Mas, por tutatis, eles não receberam apenas dinheiro de farmacêuticas – um dos sectores que, com o beneplácito do Infarmed, mais tem financiado a Imprensa mainstream. A camoanha que eles orquestraram registou casos de evasão fiscal, de contabilidade paralela, de facturas falsas de quase um milhão de euros (entrada de facturas sem saída de dinheiro da Ordem dos Médicos) e ainda centenas de declarações falsas de IPSS, associações e até hospitais públicos para que as farmacêuticas tivessem indevidos benefícios fiscais. Porém, ninguém do Quarto Poder reagiu às notícias do PÁGINA UM. Porquê?

    Bem sei que os directores (e muitos jornalistas) encontrarão argumentos, para descanso das suas consciências, que justifiquem ignorar a investigação do PÁGINA UM – uma investigação que já me obrigou a apresentar (e ganhar) duas intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, mas recebendo em troca ‘censuras’ absurdas de um ‘regulador fantoche’ (ERC), um processo disciplinar da CCPJ (cujos membros já deveriam ter-se demitido por ‘triste figura’) e processos judiciais (em curso), um dos quais do almirante Gouveia e Melo, cujo julgamento anseio para que se revele a verdade.

    Grayscale of a Horse Lying on the Field

    Mas também bem sei que, apesar dos incómodos que estas notícias do PÁGINA UM lhes causam, Ana Paula Martins e Miguel Guimarães estarão confiantes de que a Imprensa mainstream os continuará a proteger, não fazendo eco das suas tropelias passadas. Pedra no assunto. E tudo assim lhes parecerá bem, porque, neste momento, o Quarto Poder em Portugal mostra-se mais pelo que não escreve, pelo que não revela, do que pelo que escreve, pelo que denuncia.

    Os tempos, contudo, são de mudança, mas não muito favoráveis para quem atraiçoou os princípios do Jornalismo. Já nas recentes eleições se confirmou a tendência de perda de influência da Imprensa mainstream; e se esta continuar a ignorar intencionalmente casos de patente corrupção e/ ou perda de valores éticos – e foi sobretudo isso que sucedeu na queda do Governo de António Costa, de má memória (oito anos de estagnação e compadrio) –, se esta continuar a intencionalmente desinvestir na investigação; e se esta continuar a ostracizar projectos de jornalismo independente, bem podem almejar pouco mais do que sobreviver à conta de branded contents e de endividamentos, incluindo ao Estado.

    Continuando assim, como até agora, e pior ainda com soberba, o seu modelo de negócio se finará, porque até os promotores de branded contents se cansarão de dar dinheiro a quem nem sequer lhes dará retorno. E quanto ao Poder, sobre o qual a Imprensa mainstream deixou ser o watchdog ao serviço do povo, também fraco préstimo lhes dará à medida que constarem a perda de influência.

    Por isso, talvez para consolo do PÁGINA UM – e meu também, que cada vez mais desiludido estou com a Imprensa mainstream, que eu julgava ter tido apenas uma ‘má fase’ durante a pandemia –, cada vez mais os canais alternativa de difusão de informação estão a dominar. A Imprensa mainstream está a tornar-se irrelevante. Aliás, nesta medida, basta verificar, por exemplo, o eco que a notícia do PÁGINA UM sobre o caso da ministra da Saúde, ignorada pela totalidade da imprensa nacional, teve na rede social X. Em apenas 24 horas contabiliza mais de 54 mil visualizações. Por exemplo, Expresso – que é o Expresso, que conta com 643.86 seguidores (o PÁGINA UM tem um pouco menos de 10 mil) – não conseguiu em qualquer uma das dezenas de notícias e artigos de opinião de hoje ultrapassar essa fasquia.

    A fraqueza da Imprensa mastodôntica é pensar que a sua força será eterna, faça o que fizer. Não é. E já agora, por favor, quando as falências estiverem iminentes, não sigam o caminho mais fácil: não peçam dinheiro ao Estado, porque esse dinheiro é dos contribuintes, esses que, como leitores, vos abandonaram por fraca qualidade.


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  • Chega, ou quem tem medo de saber a verdade sobre a pandemia?

    Chega, ou quem tem medo de saber a verdade sobre a pandemia?


    Não sei quantas vezes já confessei – começo a concluir ser um lamento – que sou ideologicamente de esquerda, por acreditar na bondade do Estado Social e no papel de um Estado solidário com os desfavorecidos e promotor da igualdade de oportunidades numa lógica distributiva e equitativa. O mercado tem falhas, e aceito a existência de uma entidade ‘suprema’ que nos preste esse serviço a troco de impostos ou da produção de bens.

    Mas também já me vejo, vezes de mais, em demasia, frustrado com uma certa Esquerda que, tendo tido oportunidade de aplicar esses princípios do Estado Social, criou uma rede clientelar, promíscua e corrupta (moral e material), e acha agora, com um despudorado desplante, que os cidadãos são obrigados, agradecidos por cinco décadas de ’25 de Abril’, a continuar a gritar loas à Democracia que se deixou apodrecer, e ameaça que nos tornaremos todos fascistas, xenófobos, estúpidos e burros se olharmos para os apelos e acenos de partidos populistas.

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    Saibamos que o crescimento dos partidos populistas – mais do que um sinal de uma direita verdadeiramente xenófoba (que a há, e deve ser atacada por via legal) – pode advir de uma falsa, ou fátua, luz de esperança que surge perante mentes influenciáveis. Porventura, e permitam o dichote, políticos como Ventura e partidos como o Chega serão uma desilusão, mas hoje tornam-se, em muitos aspectos da vida em sociedade, a nossa única esperança (em castelhano, esperança diz-se ilusión), porque antes deles, tivemos todos os partidos ‘tradicionais’ que nos foram iludindo, e nos acabaram por meter num país de desilusões, e de desiludidos deprimidos.

    No âmbito da pandemia, como cidadão e jornalista, através do PÁGINA UM, tenho procurado, não sozinho mas com pouquíssimo meios – porque a independência em Portugal não granjeia mecenas com milhões para apostar numa imprensa verdadeiramente livre –, confrontar os poderes instalados, o status quo, e abrir brechas em instituições públicas e privadas, denunciando irregularidades, ilegalidades e promiscuidades. Não com escritos populistas, nem com manipulações nem com as famigeradas fake news. Mas com artigos baseados em dados científicos, e sobretudo em pedidos incessantes que, em diversos casos, foi até onde se pode quando a Administração Pública é obscura e defende interesses não-públicos: os tribunais administrativos.

    Valeu-me isso, além de uma corja de haters – que agora até já gastam minutos a usar o ChatGPT para compor supostos enredos de minhas caricaturas –, já três processos em tribunal a aguardar julgamento, dois processos disciplinares na amoral Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e umas quatro abjectas deliberações censórias da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Ossos do ofício. Até porque apesar de isto se fazer, ao velho e conhecido método SLAPP, tudo está bem para a a imprensa mainstream, que nada diz – até acho que acha bem, porque não morre de amores pelo PÁGINA UM, por mor das denúncias das suas promiscuidades e comprometimentos bem aceites pela ERC e pela CCPJ, apesar das aparências.

    André Ventura, líder do Chega, anunciou que, com a nova bancada reforçada na Assembleia da República, irá forçar a criação de uma comissão de inquérito à gestão da pandemia em Portugal.

    Este Editorial vem, assim, a propósito de uma minha derradeira esperança (ou ilusão) que deposito – e custa-me imenso admitir – no anúncio de André Ventura e do Chega em lançar, na próxima legislatura, um inquérito parlamentar à gestão da pandemia, tanto do ponto de vista da Saúde Pública como da Economia (um pleonasmo, porque não há Saúde sem meios financeiros). É bom recordar que o Chega já tentara a formação dessa comissão parlamentar no final do ano passado, mas ‘chumbada’ pela generalidade dos partidos (excepção à Iniciativa Liberal, porque, segundo a então maioritária bancada socialista “a sua aprovação apenas contribuirá para minar a credibilidade das instituições parlamentares”, defendendo que o Governo gastou “o dinheiro que foi preciso para salvar vidas”. Também convém recordar – e também não esquecer a ideia obtusa e racista de Ventura em criar uma ‘cerca sanitária’ às comunidades ciganas em Maio de 2020, no início da pandemia – que o Chega assumiu a intenção de criar uma comissão de inquérito, agora reforçada, em Janeiro passado, em plena campanha eleitoral.

    Sinceramente, sobre a verdade na pandemia, não me interessam ideologias – pelo contrário, causam viés –, mas sim as intenções. Quero recordar que a pandemia da covid-19 foi a maior crise sanitária – e não apenas por causa do vírus – e a maior crise social das últimas décadas, que desencadeou uma galopante inflação (se bem que ‘detonando’ a partir sobretudo de 2022). E não pode ser esquecida para que volte tudo a repetir-se, e em pior grau se avançarem as regras do novo Tratado Pandémico, que pretende transferir soberanias para uma obscura Organização Mundial de Saúde (sequestrada por interesses farmacêuticos e fundações ‘cheias de boas intenções’) num sistema similar ao modelo chinês, onde o bem do formigueiro, ditado por uma elite, se sobrepõe sem pestanejar ao direito da formiga.

    Mais do que uma gestão de uma crise sanitária, a pandemia abriu um mundo de oportunidades de dinheiro fácil e sem controlo. A alegada urgência e a especulação alimentada por ‘peritos’ comprometidos permitiu negociatas e promiscuidades – de que, aliás, o PÁGINA UM tem tratado -, um sem-número de atropelos constitucionais às liberdades e garantias, e pior do que tudo isto, criou-se um manto de silêncio, promovido por uma vergonhosa imprensa – prostituída (é esse o termo) aos dinheiros das farmacêuticas (as provas são tantas, porque se faz sem pudor) -, por uma Administração Pública de gestores sem ética (que escondem e manipulam informação, de forma hipócrita) e por uma Justiça com problemas de independência. Depois de se andar a contar ao minuto as mortes supostamente causadas pelo SARS-CoV-2 – nem sequer causando espanto que em Janeiro de 2021 se tivesse atribuído cerca de 40% das mortes totais à covid-19, um evidente exagero face ao histórico da doença –, a ausência de respostas sobre um excesso de mortalidade pós-covid, e a ausência de perguntas da imprensa, é uma vergonha para uma Democracia. Faz lembrar as cheias de 1967 durante o Estado Novo, quando nem se soube ao certo o número de vítimas.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde durante os anos da pandemia, foi o maior obstáculo ao acesso à informação.

    Confesso, e isto depois de dois anos de trabalho com sete intimações nos tribunais administrativos: sinto-me, como cidadão e jornalista sedento de informação e de verdade, cansado de remar, não contra a maré, mas contra uma parede quase inquebrantável – e, por isso, o inquérito parlamentar anunciado pelo Chega parece-me um bálsamo, uma esperança – a minha ilusión.

    Faço esta declaração com um grande pesar (até ideológico), porque, ao longo dos últimos dois anos, eu e o PÁGINA UM – contra ataques soezes e a passividade absoluta e comprometida da generalidade da imprensa mainstream – procurámos exercer, dentro dos direitos e instrumentos de cidadania que uma Democracia nos fornece, uma das funções elementares do Jornalismo: obter informação em bruto sobre a pandemia para a analisar e fazer notícias. Não é para isto que serve a Imprensa?

    Batemos às portas de instituições, sempre fechadas, e mesmo da Justiça – e, até agora, em sete processos de intimação associados directa ou indirectamente com a pandemia, mesmo com supostas vitórias em tribunal, tudo englobado temos apenas uma ‘mão-cheia de (quase) nada’.

    Uma ‘mão-cheia de (quase) nada’ no meio de processos supostamente urgentes, mas que se prolongam por dois anos nos tribunais administrativos, fruto de subterfúgios e mentiras da Administração e perante, em alguns casos, juízes que aparentam estar tecnicamente impreparados sobre o que são bases de dados e sobre a própria aplicação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que hoje constituiu o mais apetecível álibi da Administração Pública para se esconder informações sensíveis.

    Vejam, em baixo, uma pequena resenha daquilo que o PÁGINA UM tem feito – e o muito pouco que tem conseguido, mesmo se gastámos – com o advogado Rui Amores, que tem intervindo em dezenas de requerimentos – e do que tem conseguido. Por isso, o inquérito parlamentar do Chega é, na verdade, de uma importância vital, até para obrigar os restantes partidos a esclarecerem-nos se a verdade, e a sua busca, é coisa de somenos importância numa Democracia plena.

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    Portugal foi um dos poucos países europeus que intencionalmente escondeu informação sobre a efectiva situação dos lares de idosos, ignorando-se quantas pessoas aí morreram de covid-19 e de outras doenças.

    1 – Em 20 de Abril de 2022, o PÁGINA UM intentou uma intimação para acesso ao Portal RAM, uma base de dados sobre reacções adversas de medicamentos gerida pelo Infarmed para aceder à informação sobre as vacinas contra a covid-19 e o antiviral remdesivir. Num rocambolesco processo no Tribunal Administrativo, onde a juíza chegou a recusar aceitar documentos que provavam as mentiras do Infarmed e a anonimização dos dados, o recuso à sentença (saída no dia 8 de Março de 2023), anda a marinar no Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) há mais de um ano. De acordo com o registo da distribuição dos processos, apenas em 26 de Fevereiro passado, o recurso foi distribuído à desembargadora Joana Matos Lopes Costa e Nora. Os processos de intimação são considerados urgentes, mas este caso percorre tribunais administrativos há 23 meses.

    2 – Em 27 de Maio de 2022, o PÁGINA UM interpôs uma intimação contra a Direcção-Geral da Saúde para acesso a duas bases de dados – o Sistema de Informação de Certificados de Óbito (SICO) e o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) –, e a diversa informação epidemiológica associada à pandemia, entre as quais incidência e mortalidade nos lares de idosos, taxas de letalidades em função das variantes, infecções nosocomiais em unidades hospitalares, pareceres e actas das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19. Num processo rocambolesco, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa indeferiu a generalidade dos pedidos, considerando em alguns casos que a informação tinha sido dada (quando claramente não foi), noutros que a informação detinha demasiados dados nominativos (sem explicar o que é demasiado, quando os dados até são anonimizados), noutros assumiu que os processos estavam ainda em curso. O único pedido deferido foi o acesso às actas da CTVC, mas a DGS assumiu que estas, afinal, não existiam, o que constitui uma ilegalidade de funcionamento. O PÁGINA UM apresentou um recurso da sentença saída em 30 de Setembro de 2022, mas este apenas foi distribuído no TCAS à desembargadora Marta Cação Rodrigues Cavaleira este ano, no passado dia 17 de Janeiro. Se descontarmos o tempo do primeiro pedido do PÁGINA UM, ainda antes do seu nascimento formal em Dezembro de 2021 e mesmo o período de emissão de pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, decorreram quase 22 meses a decidir um processo considerado urgente.

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    Portugal possui uma das melhores bases de dados mundiais (o SICO) para apurar as causas de morte, em tempo real, que permitiria identificar rapidamente os desvios e situações anómalas. Apesar de possibilitar a anonimização, o Ministério da Saúde nunca disponibilizou os dados em bruto a entidades independentes para se investigar o excesso de mortalidade em algumas faixas etárias.

    3 – Em 4 de Junho de 2022, o PÁGINA UM solicitou ao Ministério da Saúde acesso a documentos relacionados com a pandemia trocados entre esta entidade e diversas entidades nacionais e internacionais, listadas no requerimento, nomeadamente a Direcção-geral da Saúde, o Infarmed, as Administrações Regionais de Saúde, a Presidência da República, empresas farmacêuticas, a Comissão Europeia e a Agência Europeia do Medicamento. Em suma, pretendia-se analisar os arquivos da pandemia. A intimação foi indeferida, considerando que o pedido era manifestamente excessivo, abusivo e inexequível.

    4 – O processo de intimação sobre a Administração Central do Sistema de Saúde é o caso mais absurdo. Começou após esta entidade ter retirado do Portal da Transparência do SNS a base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar em Agosto de 2022, logo após o PÁGINA UM ter escrito um conjunto de artigos de investigação sobre os internamentos e a gestão das unidades de saúde durante a pandemia. O PÁGINA UM requereu não apenas a reposição dessa base de dados como também o acesso a uma base de dados fundamental para a aferir os internamentos hospitalares: a base de dados dos Grupos de Diagnóstico Homogéneos (GDH) – e teve de recorrer a uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa em 19 de Agosto de 2022. Em 24 de Novembro desse ano, uma sentença deste tribunal deu razão ao PÁGINA UM. A ACSS recorreu e perdeu no TCAS em acórdão de 4 de Janeiro de 2023. A ACSS voltou a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, que manteve a decisão favorável ao PÁGINA UM em acórdão de 1 de Junho de 2023. Mesmo assim a ACSS foi procrastinando o acesso alegando a necessidade de anonimizar uma base de dados que não contém, per si, dados nominativos por estarem anonimizados. E tem procurado todos os subterfúgios em sede de execução de sentença (intentada pelo PÁGINA UM em 20 de Julho do ano passado) para evitar o cumprimento de uma sentença e dois acórdãos, suscitando uma infindável argumentário para levar a crer ao tribunal administrativo que pode manipular e mutilar uma base de dados de sorte a torná-la inútil. O mais recente episódio desta ‘novela’ surgiu em finais de Fevereiro deste ano, quando o novo juiz do processo, em substituição da anterior – que subiu para o TCAS – solicitou que o PÁGINA UM o informasse, apesar de estar tudo no processo, se a ACSS tinha cumprido a sentença e os dois acórdãos. Este caso é exemplar da atitude da Administração Pública: uma sentença e dois acórdãos depois, e transcorridos 19 meses, não se cumpre o determinado pelos tribunais, esperando-se uma desistência (por cansaço) ou a decisão de um juiz mais ‘simpático’.

    Marta Temido (ex-ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da Administração Central do Sistema de Saúde, ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda. Não foram apenas companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares; também fizeram um dueto em esconder e manipular informação durante a pandemia. A ACSS, mesmo depois de uma sentença e dois acórdãos desfavoráveis, mantém a recusa em fornecer acesso a uma base de dados anonimizada dos internamentos hospitalares.

    5 – Em 1 de Setembro de 2022, após a recusa do presidente do Instituto Superior Técnico (IST) em ceder os relatórios de previsão sobre a evolução epidemiológica, claramente alarmistas e de cientificidade muito duvidosa, o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Por sentença de 27 de Janeiro de 2023, a juíza deu razão ao PÁGINA UM, mas em vez de se debruçar sobre todos os relatórios, conforme solicitado, apenas se pronunciou sobre o último relatório do IST, o que suscitou recurso de ambas as partes. O processo apenas subiu para o TCAS em Maio de 2023, mas depois esteve a marinar mais uns meses: apenas foi distribuído ao desembargador Marcelo da Silva Mendonça no passado dia 26 de Fevereiro. Apesar de ser um processo considerado urgente, esta intimação corre nos tribunais administrativos há já mais de 18 meses.

    6 – No último dia do ano de 2022, o PÁGINA UM apresentou uma intimação contra o Ministério da Saúde para acesso à totalidade dos contratos entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19. Quatro desses contratos encontravam-se inseridos no Portal Base, mas foram retirados depois da intimação do PÁGINA UM por ordens do Ministério da Saúde. No decurso do processo, o Ministério da Saúde, após ter, de forma patente, mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa, acabou por suscitar a eventual incompetência do direito nacional em dirimir esta questão, alegando que os contratos de compra pela DGS se encontram inseridos nos acordos secretos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas. A decisão em primeira instância pela juíza do processo ainda não foi tomada mais de 12 meses depois do início, mesmo se as intimações desta natureza são consideradas urgentes.

    7 – Em 18 de Dezembro de 2023, o PÁGINA UM intentou uma intimação contra a Ordem dos Médicos para, entre outros documentos, o acesso a dois pareceres do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos de Agosto e Outubro de 2021 relacionados com a vacinação contra a covid-19 em menores de idades, que tinham sido ocultados pelo anterior bastonário Miguel Guimarães, eleito agora deputado pelo PSD. Uma sentença de 21 de Fevereiro deste ano determinou que a Ordem dos Médicos teria de facultar o acesso aos pareceres, mas até agora o actual bastonário, Carlos Cortes, não cumpriu a sentença.

    Vejamos se, com o inquérito parlamentar do Chega – e espero que com o apoio da generalidade dos deputados dos diversos quadrantes políticos e ideológicos –, estes impasses informativos se dissolvem, porque será essencial para o apuramento de uma verdade necessária para a Democracia. O silêncio e o encobrimento nunca enobrecem uma Democracia. E se o Chega está mesmo com boas intenções – a intenção de saber a verdade – e não quer ser um mero partido populista (que implode num próximo processo eleitoral), tem aqui um belo teste para a sua renovada bancada. Estejamos atentos, e esperançosos de que não sairemos desiludidos. E atento ao resto das suas políticas, na mesma linha de ‘fiscalização’ que merecem os demais.


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  • Sou jornalista, não fiz greve e não tenho a cara de pau do Luís Delgado

    Sou jornalista, não fiz greve e não tenho a cara de pau do Luís Delgado


    Sou sincero. Não fiz greve nem ponderei fazer. Enquanto em simultâneo – como sócio maioritário e gestor de um pequeno órgão de comunicação social, com um mísero capital social de 10.000 euros, mas sem dívidas – escrevia mais um caso de contratações públicas de duvidosa legalidade e de questionável ética, congeminava argumentos para escrever um editorial sobre a razão para não participar na greve, mesmo sendo sindicalizado.

    Tinha uns quatro ou cinco motivos para explanar, mas eis que me enviam um texto de um outro gestor de uma empresa de comunicação social também com um capital social de 10.000 euros que escreveu este texto na revista Visão:

    Hoje estou em greve! Sou jornalista, não no ativo, mas acompanho todos os que vão parar neste dia. E incentivo essa manifestação de vontade, fortemente.

    Não é só o SNS, a Educação ou a Habitação que estão na Constituição. Também está a Comunicação Social. E para essa Carta Fundamental e fundacional ter existido, foi necessário ter uma Imprensa livre, respeitada e segura.

    people having rally in the middle of road

    Esta nova AR [Assembleia da República] e Governo têm o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social.

    Era o que faltava preocuparem-se apenas com a RTP, RDP e Lusa. Merecem, sem dúvida, mas são a ínfima parte da Imprensa em Portugal.

    Com a Imprensa em greve, está suspenso um dos pilares fundamentais e independentes da Democracia. Assim não pode ser!

    Este texto é – como já exposto no título deste meu editorial – da autoria de Luís Delgado – um ex-jornalista, que é muitíssimo diferente de se ser “um jornalista, não no ativo” –, o detentor único da Trust in News, a empresa de media com um capital social de 10.000 euros (como a empresa do PÁGINA UM) que almejou comprar 17 títulos à Impresa no início de 2018, num nebuloso contrato que incluiu dinheiros do Novo Banco, a ser então intervencionado por um mecanismo de capitalização com fundos estatais.

    Ora, o “jornalista, não no ativo” Luís Delgado, que hoje fez greve, é um dos algozes da imprensa (e personifica todos), que transformaram a nobre função de watchdog do Jornalismo num servil vassalo do poder e dos interesses económicos e financeiros por força de sucessivos endividamentos e falta de ética e vergonha na cara.

    Photograph of a Vintage Typewriter on Table

    Em Economia há duas máximas: sem um produto de qualidade não há procura; e a falta de ética conduz a práticas de concorrência desleal, que a todos afectará.

    Ora, foi o “jornalista, não no ativo” Luís Delgado, que hoje fez greve por um jornalismo credível e independente, que, com os seus ‘produtos’, agora enxameados de parcerias comerciais promíscuas, foi permitindo, com a conivência do Governo socialista (a ‘festa’ começou desde o início de 2018), uma gestão ruinosa que acumulou sem parança dívidas astronómicas ao Estado, que foi escondendo publicamente, porque nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social as queria conhecer (o regulador está mais preocupado com outras minudências).

    Senão vejamos. A Trust in News devia no final de 2018 cerca de 942 mil euros ao Estado. Um ano depois subia para quase 1,6 milhões; em 2020 pulou para 5,1 milhões de euros; a seguir para 8,2 milhões e em 2022 estava já em 11,4 milhões de euros. O PÁGINA UM foi o primeiro e único jornal a falar deste vergonhoso estado de uma empresa de media, em Julho do ano passado.  

    Nada aconteceu. E o “jornalista, não no ativo” Luís Delgado surge agora a fazer greve e a armar-se em arauto do jornalismo credível e independente. Faltou explicar como gere a independência e a credibilidade da informação em 17 títulos da imprensa portuguesa quando a empresa gestora tem um capital social de 10.000 euros e um passivo total de 27,2 milhões de euros.

    PÁGINA UM revelou em Julho de 2023 que a Trust in News tinha um passivo de 27,2 milhões de euros e dívidas ao Estado de 11,4 milhões de euros, Ministério das Finanças sabia e nunca se pronunciou.

    Quem manda – ou quais são os custos para a Imprensa de qualidade – numa empresa onde o tal “jornalista, não no ativo”, único dono de fachada, controla, afinal, menos de 0,04% dos activos?

    Estamos a brincar?  

    Querem que eu faça greve para satisfazer a pedinchice do tal “jornalista, não no ativo”, Luís Delgado, e contribuir assim para que a “nova AR e Governo” concretizem “o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social”? E assim, por tabela, ajudar a falida e vendida Trust in News? Ou a Global Media? Ou grande parte dos ‘mastodontes’ que nunca aceitarão que, em tempos difíceis, auxiliar os maus projectos só prejudicará os bons, porque são eles os maus?

    Saibam que a Lei de Gresham aplica-se também à Imprensa. Por isso, querer salvar empregos a todo o custo na Imprensa será o fim do Jornalismo. A greve dos jornalistas faria todo o sentido, mas apenas se fosse por motivos fundamentais, a começar por expulsar do mercado os lobos que se vestem de cordeiros.


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  • Meio país completamente zangado

    Meio país completamente zangado


    Durante a recente campanha eleitoral, tanto os partidos políticos tradicionais como a legacy media – mais os seus jornalistas e comentadores – tiveram um único objectivo: atacar o Chega anunciando uma suposta ameaça fascizante. O resultado está à vista: André Ventura ‘tripartidarizou’ Portugal, tornando o Chega um partido verdadeiramente nacional, apenas sem representação no círculo de Bragança. Foi aquilo que se costuma dizer, ‘um tiro pela culatra’.

    Era expectável. Na busca insana de diabolizar o Chega, não se avaliaram, portanto, os oito anos de falta de visão política dos sucessivos Governos Costa, que serviram para alimentar uma despudorada rede de gestão de dinheiros públicos, sem controlo nem regras, e que a pandemia apenas ajudou a propagar como um vírus. Hoje, a corrupção, moral e financeira, está encrustada na sociedade, perante um Ministério Público temeroso da sua própria sombra (e de falhar, como falha muitas vezes), perante tribunais vagarosos num ambiente de canceroso corporativismo. Deixar que a denúncia à corrupção (moral e financeira) fosse uma ‘bandeira do Chega’ terá sido um dos maiores erros políticos dos últimos anos dos partidos da oposição. Achar que Costa não se deveria demitir perante a Operação Influencer, porque redundou no crescimento do Chega é defender que o mau cheiro da ‘decomposição’ da democracia se pode resolver com um simples perfume.

    No processo de diabolização do Chega, ao longo da campanha eleitoral, não se avaliaram as perdas de soberania de Portugal como Nação, patente na forma como as políticas e as regras são agora já ditadas por uma União Europeia que foi perdendo os seus princípios, e se transformou num polvo encimado por uma elite não-democrática que distribui entre si as riquezas artificialmente produzidas por um Banco Central. Os portugueses estão hoje como estavam os nossos patrícios na segunda década do século XIX, ou seja, sob um estranho jugo dos ingleses, que, na prática, governavam o país, a pretexto de protecção após as invasões napoleónicas e da ausência do rei D. João VI (então no Brasil). Hoje, não temos um ‘rei’ no outro lado do Atlântico, mas temos burocratas europeus, que nem sequer nos conhecem (nem querem conhecer), conluiados com os nossos governantes num sistema de quase absolutismo.

    Não se avaliaram os sistémicos e duradouros efeitos (económicos, sociais, de saúde, etc.) de uma pandemia – ou melhor dizendo, de uma gestão da pandemia –, onde muitos enriqueceram sem ética nem controlo, e se criou um ambiente de mão-estendida, mesquinha e comezinha, perdendo-se o espírito crítico. Os pequenos escândalos que foram surgindo, uns atrás dos outros, mas ‘apagados’ rapidamente pela imprensa, deu no absurdo de nem sequer termos assistido a uma renovação do PS, e de assistirmos a uma oposição de esquerda fofinha – leia-se Bloco de Esquerda, Livre e PCP – que aparentou sempre estar interessada em não beliscar demasiado o legado desastroso do PS, numa vã esperança de ter sol na eira e chuva no nabal.

    Cada um dos três partidos à esquerda dos socialistas pareceu contrariado em querer mais votos, receosos de retirarem a possibilidade de o PS ser o mais votado, e mais votado do que o PSD (ou AD) e o Chega. Depois de oito anos de Governo PS, secundados por uma ‘esquerda fofinha’, achar que a Esquerda ainda poderia almejar vencer estas eleições é de uma ingenuidade que me surpreende. Livre e Bloco de Esquerda – e menos o PCP – perderam talvez a derradeira hipótese de crescerem para, um dia, serem uma alternativa ao PS. Assumiram em 2024 que somente almejam ser duas muletas (ou mulas) de Governos socialistas.

    Não se avaliaram, enfim, nesta campanha, as políticas de imigração, colocando o tema numa ‘redoma de tabu’, esquecendo que a obrigação de aceitarmos alguém em ‘nossa casa’ desemboca sempre em duas premissas: primeiro, termos os nossos bem tratados (por exemplo, dar médicos de família a TODOS os imigrantes ‘exige’ dar médicos de família a TODOS os portugueses, incluindo os que se vão naturalizando) e tratarmos os que recebemos com dignidade e ajudando-os numa adaptação às nossas regras e costumes. Transformar assuntos sensíveis em dogmas é arranjar lenha para uma fogueira.

    Acredito que a forma como a imprensa tratou a campanha do Chega – que, no seu programa para estas legislativas, de um modo oportunista, ‘eliminou’ quaisquer laivos de xenofobia, tornando-se meramente populista – possa ter refreado um maior crescimento em regiões mais metropolitanas.

    De facto, se analisarmos os resultados eleitorais do Chega – que, na minha opinião, funcionam muito mais como um indicador de insatisfação do que uma opção ideológica –, verificamos que em Lisboa e Porto – e também em Coimbra e Braga –, o partido de André Ventura teve um desempenho abaixo da média nacional. Significa que num ‘ecossistema’ mais urbano, mais dependente do Estado, a insatisfação ainda não atingiu os níveis dos registados no ‘país real’, por via do efeito comunicacional. Mas o Chega tem hoje um horizonte de crescimento impressionante, sobretudo por ser agora um partido de dimensão nacional de forma absoluta, e de não ter ainda ‘conquistado’ a população feminina e os mais idosos.

    E não se duvide: a sua representatividade subirá muito se se continuar nesta absurda diabolização como um perigo para a democracia.

    Não é! Os perigos para a democracia vieram das políticas que nos conduziram a um tal grau de insatisfação que o ‘escape’ se fez sob a forma de voto no Chega. Vieram da contínua insatisfação e desilusão das pessoas, muitas das quais que até votavam na esquerda, quando os ‘amanhãs’ ainda cantavam.

    Estou muito longe de ser eleitor do Chega, e o meu voto neste domingo esteve nos antípodas do partido de André Ventura, embora não tenha votado com convicção, mas mais pela via de ser um ‘mal menor’. Em todo o caso, este resultado mostrou ser – e acrescente, finalmente – um ‘cartão amarelo’ aos partidos tradicionais, sobretudo aos partidos da esquerda ideológica, que de forma incompetente perderam a capacidade de auto-crítica, de renovação de ideias, insistindo e reiterando sempre no ‘perigo do fascismo’ como se não houvesse leis fundamentais e Justiça para aplacar quaisquer derivas.

    Aliás, se coisas próximas do fascismo se viram nos últimos anos foi entre 2020 e 2022 – e não num Governo de André Ventura – com supostas medidas de Saúde Pública, que colidiram (Tribunal Constitucional dixit, embora tarde e a más horas) com direitos, liberdades e garantias.

    Não sou dos que esquecem as multas às pessoas que estavam durante a pandemia a comer sandes no carro.

    Não sou dos que esqueceram os absurdos lockdowns e outras restrições patéticas (até vedaram bancos de jardim!).

    Não sou dos que esqueceram encerramentos de estabelecimentos comerciais ou de actividades por via de nunca justificadas razões de saúde pública.

    Não sou dos que esqueceram como o Estado (leiam-se, pessoas da máquina estatal) lidou com aqueles que apelavam à racionalidade na gestão da pandemia, que se recusavam a vacinar (por, entre outras razões, terem imunidade natural adquirida), apodando-os de negacionistas (isto já não era discriminação?!), vedando-lhes o acesso a locais públicos e impedindo-os até de viajar.

    Não sou daqueles que se esqueceram do obscurantismo de uma Administração Pública (e de um Governo) que manipula informação e esconde documentos, aproveitando-se de um poder judicial complacente.

    Não sou daqueles que se esqueceram das perseguições dos reguladores da imprensa quando um órgão de comunicação social começou a incomodar o status quo de uma imprensa em podridão (ética) e falida, ou a denunciar esquemas (muito) suspeitos.

    Estes anos, sim, pareceram-me muito mais próximos de um regime fascista do que aqueles que poderão vir por um partido como o Chega ser (apenas) o terceiro mais votado.

    Repito: não fui eleitor do Chega – mas compreendo, e mais do que isso: até aceito como justo que mais de 1,1 milhões de portugueses tenham votado no partido de André Ventura. Têm toda a razão para esse voto de protesto, para esse voto de indignação. E, por isso, resta agora saber como evoluiremos a partir daqui: ou os partidos de génese ideológica de esquerda corrigem a sua concepção de Estado Social – exigindo uma gestão criteriosa e transparente dos dinheiros públicos, não ‘sufocando’ a iniciativa privada e as finanças dos cidadãos; ou a insatisfação aumenta e o Chega aumentará, inevitavelmente, a sua influência.

    Mas, se este último for o caminho, nunca se culpe o Chega, nem a sua (quase certa) impreparação para fazer diferente e melhor. Numa derrota, a culpa nunca é do adversário; é nossa.


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