Os primeiros sinais de magia dos homens (ouves os sinais?) aconteceram com uma fogueira (claro, o fogo, sempre o fogo) na praia, muitos mil anos antes de nós (eu hoje sou eu) sermos nós próprios, quando porventura éramos até outras pessoas noutros sítios ou, simplesmente, éter ou átomos à deriva noutra galáxia (o que é a alma?).
Acendendo uma fogueira na areia, com conchas que o mar nos trouxe (ouviste o mar dentro delas?), com o calor enorme e exactamente necessário a exercer a pressão desejada, nasceu a transparência. Nasceu o vidro (que magia!)
Não está lá mas está. Deixa ver mas impede de passar. Que fortuna! (Será?)
Com o tempo as nossas cavernas, construídas, puderam abrir os olhos (são o espelho da tua alma?), arregalar o horizonte, sem risco de tanto frio gélido, ou que a tempestade nos engolisse as coisas (somos as nossas coisas?). Janelas nasceram com o vidro, onde antes apenas existiam vigias. O rosto fortificado das pedras que envolviam os nossos abrigos deixaram de ser esquimós e puderam engolir o mundo (mas quem está a ver também pode ser visto…)
– Isto não tem luz nenhuma! Eu quero mais janelas! E maiores! Quero muitas janelas! Era assim que eu faria a minha casa!
Mulheres e crianças, presas dentro de casas gaiola, querem muitas janelas. E muito grandes (podes ver mas não podes passar). As paredes escancararam-se ao longo do tempo. Em vez de olhos, passaram a ter bocarras abertas, penduradas entre vomitar a privacidade de quem as habita e o engolir um mundo de luzes que as rodeia.
(Miquido…)
Montras. E janelas (e postigos). Passamos de pássaros em gaiolas a peixes em aquários.
A minha casa é o Porto e tem ombros de granito, as janelas vão do chão ao tecto à medida da minha anca com a tua, para eu poder passar por elas e fugir sem ter de abrir a porta. Que estais a fazer à minha casa? O fogo vem aí?
Os vidros estilhaçaram assim as nossas vidas. Deram-nos vãos com película de água do mar cristalizada. Deram-nos lentes de óculos, binóculos, telescópios, máquinas fotográficas. Deram-nos ecrãs. Todos os ecrãs deste mundo para onde fomos agora viver, a habitar o reino de vidro frio onde encosto a cabeça para respirar melhor se o pânico me avassalar (deixa ver mas não deixa passar).
Deram-nos copos, garrafas (um resguardo de chuveiro que desliza). Faróis. Lâmpadas (para encontrar o caminho e espantar os demónios). A luz! A luz! (Lusitânia.)
Já viste tudo onde encontras vidro? Mas cuidado com a repetida dor crónica: do plástico que finge ser vidro como finge ser metal, também anda por aí!
(Miquida…)
Podemos escrever mensagens no vidro. Ou pelo menos enrolar pergaminhos numa garrafa que baloiça nas ondas do mar, meu querido, minha querida, roubar palavras aqui e ali, transparentes a borbulhar na água.
E, se eu me quiser enroscar ao teu lado e sentir aquele arrepio que une o pescoço ao ombro, quando se sente lá a respiração, prometo que o bafo vai ficar na janela para te deixar mensagens de amor que se apaguem num segundo.
Um do lado de fora, outro do lado de dentro, o vidro deixa ver mas não deixa passar.
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A jornalista do Público, Bárbara Reis, levantou a suspeita de que não sou um jornalista independente porque tive participação na vida política. Vamos lá então ver isso. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.
A mensagem chegou-me como uma provocação. Os meus amigos gostam de me provocar e este dizia assim: “Então afinal é contigo que a Bárbara Reis se mete hoje”? E lá vinha uma cópia do texto da newsletter de 19 de Julho da jornalista do Público, com o título “Tal&Qual e accionistas na política”.
A newsletter, que se chama genericamente “Livre de Estilo” e versa “sobre o outro lado do jornalismo e dos media”, resolveu ir ver o nome dos accionistas do semanário “Tal&Qual” e fez uma relação entre eles e a vida política. Estou lá, como proprietário de 2,5%, mas também como tendo sido candidato, filiado e dirigente de partidos como PPM e MPT.
Bárbara Reis é actual redactora principal do Público e foi directora entre 2009 e 2016.
Devido a isso, fui comparado a ilustres figuras que têm o mesmo percurso de vida, como os magnatas Francisco Pinto Balsemão e Silvio Berlusconi, tendo sido lançada a suspeita de que, tal como eles, também tenho a minha independência jornalística comprometida pelo facto de ter assumido uma posição pública que vai para lá do compromisso profissional como jornalista.
Tive de sorrir quando reparei como é que a Bárbara fez a sua investigação jornalística aprofundada para descobrir esse segredo sobre a minha pessoa: bastou-lhe googlar o meu nome completo (Frederico Duarte Cavacas Teixeira de Carvalho) para ficar a saber que, por exemplo, fui candidato do PPM à Câmara de Lisboa nas eleições autárquicas de 2007.
Já nem me lembrava disso. Mas que nostalgia me trouxe essa referência da jornalista do Público. Lembram-se da eleição intercalar para a presidência da câmara de Lisboa, quando Carmona Rodrigues foi afastado e o PSD apresentou Fernando Negrão como candidato, mas quem ganhou foi António Costa, o actual primeiro-ministro, que assim aproveitou para se afastar do governo do José Sócrates?
A Bárbara acrescenta, entre parentesis, que fui candidato suplente, mas não diz que era o último suplente da lista e ela, como jornalista, poderia ainda ter acrescentado aos seus leitores que o PPM foi o partido menos votado (era só ler). Lembro-me de brincar então com os companheiros no PPM que o meu futuro político estava garantido, pois nas eleições intercalares para a câmara de Lisboa de 2007, o nome mais votado (com 56.751 votos) era o de António Costa, enquanto o último nome da lista do último partido (com 726 votos) era o meu! E, como sabem, os extremos, tocam-se!
Bárbara descobriu ainda que fui o cabeça-de-lista do PPM ao Parlamento Europeu, dois anos mais tarde, em 2009. Mas isso era apenas o que o Google lhe disse através dos resultados que mostravam a lista do meu nome completo. Um nome que, no início da minha vida profissional, em 1992, como estagiário de “O Primeiro de Janeiro”, no Porto, tive de analisar em detalhe quando me disseram que não podia assinar apenas Frederico Carvalho, pois havia um outro jornalista com a mesma assinatura profissional (no Expresso).
Pensei num curto e eficaz Frederico Cavacas, em homenagem ao nome materno e ao meu avô, o senhor Cavacas, barbeiro da Rua António Enes. Considerei o Teixeira de Carvalho, da família do meu pai, mas ficaria demasiado comprido na assinatura dos textos. Acabei por usar os nomes próprios, escolhidos pela minha mãe e pelo meu pai, acrescentado pelo Carvalho da família. E as iniciais seriam FDC – ditas com a pronúncia do Norte.
Se a Bárbara tivesse feito uma pesquisa dentro do arquivo do seu próprio jornal, encontraria uma notícia do Público de 4 de Junho de 2009, onde, na sequência da visita que fiz à Mesquita de Lisboa, como candidato do PPM ao Parlamento Europeu, ficaram registadas coisas politicamente irresponsáveis como: “Ser português é respeitar e integrar as diferentes culturas religiosas” e “o desconhecimento é que leva ao medo”. Devo dizer que isto não é propriamente meu, mas vem no livro “A Utopia”, de Thomas Moore.
A candidatura do PPM, por mim encabeçada, obteve 14.414 votos, o que correspondeu a 0,40 por cento. O partido perdeu votos, pois alcançara 15.466 em 2004, correspondendo a 0,46 por cento. O actual cronista do diário onde Bárbara trabalha, Miguel Esteves Cardoso, quando também foi candidato ao Parlamento Europeu pelo mesmo PPM, conseguiu muitos mais votos – 155.990, em 1987 (2,77 %) e 84.272 (2,03%) em 1989.
Está visto que a minha carreira política em partidos como PPM e MPT não seria de sucesso – já agora, Bárbara, não conseguiste descobrir que, em 2013, fui um dos fundadores do Livre, juntamente com o ex-cronista do Público, Rui Tavares? Isso até provocou depois uma polémica interna no partido e há uma notícia sobre o caso no arquivo do teu jornal, quando tive de deixar de ser livre por ter “assumido posições anti-imigração” no tempo do PPM. Sim, quando a minha posição sempre fora por uma imigração com qualidade e direitos. É um texto assinado pela Rita Brandão Guerra, pessoa que nunca falou comigo para fazer aquele artigo, mas que, mais tarde, saiu do Público e foi trabalhar como assessora da ministra da Cultura.
Enfim, sou eu este perigoso jornalista, que vende a sua independência à porca da política. Na realidade, quem me conhece, sabe que eu já era jornalista e político antes de o ser. A leitura das aventuras do Tintin foram a minha escola cívica. Decidi entrar na política activa por saber que havia demasiada política encapotada no jornalismo e pouca missão jornalística na política.
P.S. A Bárbara não sabe (porque não falou comigo), mas o documento que consultou sobre os accionistas do “Tal&Qual” está algo desactualizado: deixei de ter os 2,5 por cento do “Tal&Qual” desde Outubro do ano passado. Actualmente, não sou proprietário de nada e não estou filiado em qualquer partido. Fora isso, continuo a ser o que sempre fui: jornalista e cidadão.
Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor
N.D. Como habitualmente, os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das minhas análises, pensamentos e avaliações. Em todo o caso, e longe de pretender defender o nosso colaborador Frederico Duarte Carvalho (não desejo nem devo) e muito menos o (estilo do) Tal & Qual, e até concordando em algumas linhas com um primeiro texto de Bárbara Reis (excepto na parte sobre a reduzida ficha técnica, porque nem todos os jornais têm sócios-mecenas que injectam para aí uns dois milhões de euros por ano para aparar contínuos prejuízos, como faz a Sonae no Público), estou particularmente interessados em ler, em próxima oportunidade, a sua opinião sobre um certo jornal em que o director editorial é casado com uma deputada socialista e onde os contratos comerciais envolvendo jornalista são o pão-nosso-de-cada-dia.PAV
Quanto mais leio sobre Armando Pereira, o co-fundador da Altice, mais aprecio este magnífico enredo. Começo pelo fim, pelo extraordinário Bugatti Centodieci. Um carro de luxo, raríssimo, avaliado em oito milhões de euros e com apenas 10 exemplares produzidos. Três deles pertencentes a portugueses. Um pertence ao Cristiano Ronaldo, um rapaz que ganha anualmente o suficiente para comprar a produção inteira; e os outros dois estão à guarda de Armando Pereira e do seu braço direito, Hernâni Vaz Antunes. Estão não – estavam. Agora foram fazer a rodagem para a garagem da Polícia Judiciária.
Qual é a probabilidade de num dos países mais pobres da Europa se encontrarem 30% dos proprietários de um dos carros mais exclusivos do Mundo? Pequena, obviamente. A não ser que esse país seja Portugal, claro.
Se o país for Portugal, nesse caso chamaremos de “herói nacional” a alguém que compra uma empresa pública, reduz salários dos trabalhadores e aumenta a própria fortuna. Armando Pereira e o sócio fundador da Altice francesa, o franco-israelita Patrick Drahi, ficaram conhecidos por comprar empresas e de imediato reduzirem custos. Numa conferência de imprensa em 2015, disse Drahi: “Eu não gosto de pagar salários. Pago o mínimo que puder“.
Drahi é, portanto, um empresário que tem, pelo menos, a virtude de assumir ao que vem: maximizar o lucro explorando os trabalhadores. Ou, como lhe chamariam os liberais, um visionário. Já Armando Pereira era conhecido como cost killer (mata-custos) e entrou na antiga PT a ceifar tudo o que conseguiu.
Em 2015, António Pires de Lima, então ministro da Economia, apelidou Armando Pereira de “herói de Vieira do Minho e até nacional” durante o discurso de inauguração de um call center da Altice naquela vila nortenha. Um herói naqueles sítios onde pagaria pouco mais do que o salário mínimo nacional a cada um dos desgraçados que ali passaria, horas, a responder às queixas dos clientes.
Armando Pereira garantia então, também em 2015, que não iria mexer nos salários, mas que renegociaria os contratos com os fornecedores. Sabe-se hoje que parte do esquema que resultou no desvio de mais de 250 milhões da Altice passava exactamente pelos fornecedores que, alegadamente, alinhavam em pagar luvas ao empresário e à rede de comparsas, ou então saltavam fora do negócio. Sabe-se hoje que também aos funcionários foram cortadas regalias deixando-os apenas com o salário-base.
Armando Pereira, co-fundador da Altice.
Eis mais uma história de um self-made man lusitano, que foi trilhando o caminho do sucesso à custa da exploração alheia e do crime financeiro. Segundo suspeita o Ministério Público, o plano de desvio de dinheiro tinha duas áreas de actuação: a primeira seria comprar imóveis da antiga Portugal Telecom (PT) em Lisboa, nas zonas nobres, e revender com lucros fabulosos, deixando a especulação fazer a maior parte do trabalho; a segunda, seria a chantagem sobre fornecedores para continuarem a fazer parte do negócio.
Um esquema simples, dir-se-ia, tendo uma rede de pessoas certas nos locais certos, como era o caso.
Há uma parte comum em todas as novelas dos self-made man à qual Armando Pereira também não foge. A circulação de dinheiro sem deixar rasto pelas famosas offshores. Era aqui que entrava o empresário e amigo de Braga, Hernâni Vaz Antunes, que criava empresas fictícias na Zona Franca da Madeira e no Dubai, que depois faziam as transferências do dinheiro desviado.
O crime financeiro existe porque os governos permitem – é bom que nos vamos lembrando disto. As Zonas Francas, as offshores, o que lhes quiserem chamar, não aparecem por auto-determinacão de meia-dúzia de malucos como o Reino do Pineal (também é uma história boa para outro dia). Aparecem de forma legal e autorizada por praticamente todos os países do planeta.
A Suíça, por exemplo, faz vida a guardar dinheiro sujo desde que existe, e ninguém se parece preocupar com isso. Os Panama Papers mostraram esquemas gigantescos com lavagens de dinheiro nas Caraíbas e, no essencial, nada mudou. Vivemos num mundo onde os mais ricos criam leis que os protegem. É factual.
Patrick Drahi, co-fundador e presidente do Grupo Altice.
O duo Armando e Hernâni formaram assim uma dupla de respeito na arte de roubar. O primeiro criava as condições e o segundo executava, Um exemplo disso foi a empresa de mobiliário criada por Hernâni Antunes, em Braga, que viria a ser a fornecedora escolhida para a remodelação das lojas MEO. O dinheiro depois, como já adivinhou o caro leitor, ia dar aquela voltinha pelo Dubai até ser transformado num Bugatti, num heliporto ou num campo de ténis de uma moradia qualquer em Vieira do Minho. Certo, certo, é que jamais apareceu no recibo de vencimento dos trabalhadores da MEO.
Desconfia-se que os amigos de Braga tenham ficado com uma comissão do que a Altice pagou a Cristiano Ronaldo pelos contratos de publicidade e que outros 20 milhões de euros tenham sido desviados do pagamento de direitos televisivos ao Futebol Clube do Porto, e a verba posteriormente dividida por homens da confiança de Hernâni Vaz Antunes e de Pinto da Costa.
Por esta altura do enredo imagino o que andará pela cabeça de Patrick Drahi. O CEO do Grupo Altice, que detesta pagar salários, mas que é roubado dentro de portas por altos quadros. Justiça poética meus amigos, daquela que nos faz sorrir.
Pergunto-me o que moverá alguém, que já é milionário, a optar por crimes desta magnitude correndo o risco de perder tudo? Alguém que se desloca de avião privado ou de helicóptero, que abre a garagem e vê 50 carros, que tem casas em Nova Iorque, Paris e Ilhas Caimão e… não consegue segurar a ganância? Sente que precisa de mais e que tem de meter todos em risco? Sim, todos. Trabalhadores incluídos.
As aquisições da Altice são, por norma, feitas a crédito, e portanto, escândalos destes podem criar incumprimento e instabilidade na banca. Como todos sabemos, a cada derrocada empresarial são os trabalhadores que ficam sem sustento. Os Armandos Pereiras têm as fortunas escondidas algures, num sítio onde o Fisco não chega, e por isso, entre fugas, advogados de elite e recursos em tribunal, vão sempre seguir a sua vida.
É aliás curioso que o Estado português, sempre aflito por receitas, ande atrás de simples emigrantes para lhes taxar o salário, quando já pagam impostos no país de acolhimento, mas veja sinais evidentes de extrema riqueza em pessoas com fortunas escondidas e nada faça. Hernâni Antunes é, na verdade, um fantasma para o Fisco lusitano, uma vez que há muitos anos é residente oficial no Dubai e Armando Pereira, com boa parte da fortuna gerida por uma offshore no mesmo sítio (pela mão do pai do genro), nem permite que se saiba a totalidade do seu património.
Ninguém se muda de armas e bagagens para uma offshore se não tiver algo para esconder. Essa é uma lição que todos já aprendemos e é exactamente para isso que esses instrumentos financeiros existem. Legais e consentidos pelo poder, relembremos.
Finalmente, e antes que se chegue a qualquer lado na investigação (se é que alguma vez chegaremos), pergunto: o que ganhou o país com a venda da PT pública para uma entidade privada? Nada. Absolutamente nada. Reduzimos a massa salarial dos trabalhadores, colocámos em risco os seus postos de trabalho, aumentámos a fortuna de vários milionários e ainda corremos o risco de ter nova corrida aos fundos de desemprego. Já nem falo no detalhe de o Estado Português deixar de controlar uma área vital como as telecomunicações…
Este escândalo, mais um, serve também para acabar com um dos dogmas liberais a propósito da gestão pública (em teoria despesista e má) e a gestão privada (em teoria mais rigorosa e eficaz). Não é o ser público ou privado que decide se a gestão de uma empresa é boa. Espero que pelo menos essa parte do assunto fique hoje fechada. No fim, tudo se resume a competência e honestidade, e aqui, como em tantos outros casos portugueses, estamos perante mais um self-made man que veio de baixo e “subiu a pulso”: só que foi a roubar, estão a ver?
Foi, de novo, a roubar. Colocando em risco os trabalhadores e usando bens (imóveis) que tinham sido adquiridos ao património público português. Foi uma coisa à oligarca russo nos tempos de Yeltsin. Armando Pereira não é um herói nacional. Nem de Vieira do Minho. Nem sequer da sua aldeia natal onde levou o Tony Carreira para alegrar uma festa, oferecida por ele, aos habitantes. Armando Pereira é apenas mais um milionário que roubou, e muito, para ali chegar. E que piorou a vida de quem para ele trabalhou para que o seu lucro fosse maior. Num país decente não voltaria a sair da prisão; em Portugal, provavelmente, vai “repor a honra” nos tribunais.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Carta enviada hoje à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com conhecimento ao Sindicato dos Jornalistas e ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas a pretexto de um parecer desta última entidade contra o director do PÁGINA UM em consequência de uma queixa da presidente da própria Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e simultaneamente conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas.
Lisboa, 23 de Julho de 2023
Exmos. Senhores Membros do Plenário da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista:
O Aviso nº 23504/2008, publicado no Diário da República, 2º série, de 17 de Setembro de 2008, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.
De acordo com o nº 2 do artigo 1º do referido diploma, “sempre que da prática da actividade de jornalismo resulte a violação de normas de natureza deontológica, é reconhecida à CCPJ a possibilidade de instaurar inquérito ou processo disciplinar ao abrigo do presente Estatuto”, estabelecendo-se também, no nº 2, que “comete infracção disciplinar profissional o jornalista e os restantes indicados no nº 1 do artigo 1º que, por acção ou omissão, violarem dolosa ou negligentemente algum dos deveres mencionados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista.”
Ora, como V. Exas. terão conhecimento, a Dra. Licínia Girão, presidente da CCPJ, apresentou queixa contra mim junto do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Ignoro os motivos para, tendo ela suspeitas de eu ter violado dolosa ou negligentemente os deveres mencionados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista, não ter como queixosa e presidente da CCPJ (e simultaneamente membro do Secretariado da CCPJ) proposto a abertura imediata de um procedimento disciplinar contra mim, atendível o artigo 12º do referido diploma.
Aliás, deveria tê-lo feito logo em Agosto de 2022, e não em Maio de 2023.
Ademais, eu nem consideraria esse acto desapropriado, desde que houvesse o decoro de explorar as alternativas colocadas no nº 4 do artigo 12º do referido Estatuto Disciplinar dos Jornalistas, ou seja, em vez de o processo ser distribuído a um dos três elementos da Secção Disciplinar (Anabela Natário, Miguel Alexandre Ganhão ou Isabel Magalhães), “ser delegada em pessoa com habilitação idónea ao desempenho da função, preferencialmente jornalista com um mínimo de dez anos de exercício da profissão de jornalista ou licenciado em Direito, devidamente mandatado pela Comissão [CCPJ]”.
Tudo seria mais adequado e justo para todas as partes – e teríamos evitado o lamentável espectáculo de um Conselho Deontológico que, interpretando e criando normas regulamentares ad hoc, nem sequer considerou a minha defesa. Convenhamos que a Dra. Licínia Girão gostaria de “vencer” uma queixa sem ser por falta de comparência do denunciado por imposição na “secretaria” por parte do “árbitro”, isto é, do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, entidade onde ela integra o Conselho Geral.
Portanto, deduzo que teria sido melhor para a queixosa (Dra. Licínia Girão) ter optado por usar a CCPJ para a abertura de um procedimento disciplinar, porquanto, ao invés de ela conseguir apenas um “parecer” sem consequência formal, poderia ver ser-me aplicada uma das sanções disciplinares previstas no artigo 8º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.
E para mim também seria melhor, porquanto, além de assim evitar assistir ao triste espectáculo de um organismo que já integrei (Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas), através do parecer relativo à Queixa nº 16/Q/2023, teria os meus direitos efectivamente defendidos.
Isto é, obrigatoria e escrupulosamente, num procedimento disciplinar ao abrigo do já referido Estatuto, serão seguidos os procedimentos legais, designadamente a fase de instrução, o eventual despacho de acusação, a notificação da acusação, o prazo para defesa, a apresentação da defesa, a indicação de testemunhas, o eventual pedido de realização de novas diligências, as alegações e mesmo o recurso ao Tribunal Administrativo de uma decisão desfavorável. Algo que esteve muito longe de suceder no decurso do “processo” absurdo instaurado pelo Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, que nos deve envergonhar a todos, porquanto nem sequer foram consideradas as minhas respostas escritas, mesmo após um parecer jurídico solicitado pelo próprio Conselho Deontológico ao gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas.
Em todo o caso, se alguma utilidade tem aquela peça, parida por quatro jornalistas conjunturalmente membros do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, é a de apontar, até pelas “certezas” que aparentemente dali derivam, que eu cometi um sem-número de infracções graves aos deveres mencionados no nº 2 do artigo 14º do Estatuto do Jornalista em relação às notícias que publiquei sobre a Dra. Licínia Girão e sobre a própria CCPJ.
Obviamente, discordo dessa visão.
Portanto, posto isto, considero que a CCPJ tem a obrigação, legal e moral, de me instaurar um procedimento disciplinar sobre estas matérias, sem o qual se poderá, legitimamente, interpretar que o recurso ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas por parte da Dra. Licínia Girão serviu apenas para obter uma “condenação” num determinado “ambiente amigo”, desconfiando que tal “condenação” dificilmente seria conseguida se, ao invés de se andar a “brincar aos pareceres” ao arrepio da Lei e da Ética – como se mostra evidente pela acção do Conselho Deontológico – se recorresse ao Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.
Nessa medida, serve esta Carta Aberta, para instar V. Exas. para que, considerando o previsto na alínea a) do n º 2 do artigo 12º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas, seja decidida a abertura de procedimento disciplinar contra mim relativamente às matérias sobre as quais a Dra. Licínia Girão se queixa.
Isto, claro, se a Dra. Licínia Girão, como pessoa “devidamente identificada” e “directamente afectada pelo facto susceptível de consubstanciar uma infracção disciplinar” não se tenha já antecipado – ou, enfim, se venha, cronologicamente, a antecipar, com o devido carimbo comprovativo desse justo acto de antecipação –, pedindo a instauração deste procedimento disciplinar, de acordo com a alínea b) do artigo 12º do Estatuto Disciplinar dos Jornalistas.
O efeito, em qualquer dos dois casos, resultará em colocar-me à mercê de um julgamento com Leis. Somente assim, como sói dizer-se, se fará Justiça. E somente assim poderá haver respeito pela classe dos Jornalistas, que devem constituir um bastião da Democracia, e não um grupo corporativista que a corrói.
Nos últimos meses, uma pletora de políticos e jornalistas económicos tem-se insurgido contra as recentes subidas das taxas de juro na Zona Euro. No início de Julho de 2022, as taxas de juro situavam-se em 0%; a partir daí, foi sempre a subir. A mais recente subida, no último dia 21 de Junho, fixou os juros em 4%. Assim, um qualquer empréstimo ao Banco Central Europeu (BCE) por um banco comercial da Zona Euro implica encargos financeiros de 4% ao ano.
Mas parece que as subidas não terminam por aqui. Talvez por isso, recentemente, um grupo de eurodeputados portugueses reuniu-se com Christine Lagarde, a presidente do BCE, para lhe dar conta de um grandiloquente alerta: após o Verão, o BCE deveria parar as subidas de juros por forma a que a Zona Euro não “morra por causa da cura”. É curioso, durante os anos a fio com juros 0%, ou até mesmo negativos – tal aconteceu durante a putativa pandemia–, nunca escutámos sublimes súplicas!
Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu.
Como sempre, as classes médias são as que mais sofrem com estas devastadoras políticas, atendendo que as taxas Euribor, os indexantes dos empréstimos à habitação e altamente condicionadas pelas taxas de financiamento do BCE ao sistema bancário, já superam os 4%, como é o caso do prazo a 12 meses.
Assim, no início de 2022, um empréstimo de 200 mil Euros, com um spread de 1,5% aplicado à Euribor a 12 meses (-0,45%) e com um prazo de 40 anos, implicava um pagamento mensal de 510 Euros; agora, com a Euribor a 12 meses nos 4,134%, significa um encargo mensal de 1.045 Euros. A duplicação do valor da renda em apenas um ano!
Como ficou evidente pelo colapso das tiranias comunistas nos finais dos anos 80 do século transacto, o planeamento central é um completo falhanço. No entanto, e apesar de tudo, continuamos a acreditar que seis iluminados ao leme de um Banco Central são capazes de determinar o preço do dinheiro!
Até nos asseguram que possuem poderes especiais, sendo até capazes de conhecer a preferência temporal de cada um dos milhões de particulares e dirigentes de órgãos sociais de empresas que interagem no mercado de poupança todos os dias. Aquilo que deveria resultar da oferta e procura por poupança num mercado livre, é substituído pela “opinião” de um grupo restrito de burocratas não eleitos – claro está, suportado “na leitura e análise” de enormes quantidades de informação enviada pelos bancos supervisionados.
Foto oficial dos seis membros do Conselho Executivo do Banco Central Europeu, liderado por Christine Lagarde.
Segundo a sua cartilha, o seu Santo Graal é nada mais nada menos que uma inflação-alvo de 2%! Não conhecemos as razões associadas a tal perfeição, mas fica sempre a pergunta no ar: por que não 1%, ou 0,5%, ou mesmo 0%; ninguém sabe, mas aparentemente ninguém os questiona!
Uma coisa repudiam sempre: a deflação, esse terrível fenómeno que incrementa o poder aquisitivo das classes com rendimentos fixos. Aparentemente, algo que agora custa 100 Euros e que irá custar 98 Euros ou 97 Euros daqui a um ano é funestíssimo, dado que os consumidores diferem o seu consumo, “prejudicando” o consumo agregado! Ora, se eu necessito de comer ou vestir-me agora, por que razão irei adiar a minha compra?! Parece que ninguém tem a resposta.
Apesar do seu enorme poder, estas instituições possuem um único produto: dívida, nada mais! Quanto mais dívida, maior o seu poder. Além disso, esta é criada a partir da contrafacção de moeda: para tal, basta um banco comercial solicitar um crédito ao Banco Central, com este último a creditar informaticamente a conta do primeiro; assim, do “nada”, desta forma simples, é criada nova moeda!
Como chegamos até aqui? Como foi possível o aparecimento de tais instituições sem qualquer contestação?
Christina Lagarde com Pierre Gramegna, director executivo do Mecanismo Europeu de Estabilidade.
Importa recordar as razões da sua origem: o Banco Central é a criatura criada pelos bancos, semelhante ao romance de terror gótico de Mary Shelley, publicado pela primeira vez em 1818. Conta-nos a história do jovem cientista Victor Frankenstein, um estudante de ciências naturais que vive na Suíça no século XVIII, que criou um monstro.
No caso dos bancos, este monstro foi criado para coordenar a prática de reservas fraccionadas entre bancos; a existência de um dissidente no saque à população – se o fizermos está-nos reservado o cárcere – era um perigo que importava eliminar. Assim, nada como um “monstro” a dirigir um cartel bancário para impor o roubo via inflação da população.
No romance de Mary Shelley, no princípio, a criatura é rejeitada pelo seu criador, pelo que tenta integrar-se na sociedade humana, mas é constantemente repudiado e maltratado devido à sua aparência assustadora. Desesperado por amor e aceitação, a criatura começa a sentir uma profunda raiva e ressentimento em relação ao seu criador, Victor Frankenstein, e à Humanidade em geral.
Em busca de vingança, a criatura confronta Victor Frankenstein e exige que ele lhe crie uma companheira, uma criatura semelhante, com a promessa de que irá desaparecer para sempre da sua vida. No princípio, Victor Frankenstein concorda, mas depois muda de ideias por medo das consequências de criar uma nova criatura, ainda mais horripilante que a primeira.
Participantes do Forum do Banco Central Europeu que se realizou em Sintra no final de Junho.
A criatura, enfurecida e sentindo-se traída novamente, passa a perseguir Victor Frankenstein e a ameaçar a sua família. A história culmina numa série de eventos trágicos e violentos, que levam a um confronto final entre Victor Frankenstein e a sua criação, levando à morte do primeiro.
Tal como no romance de Mary Shelley, por forma a vingar-se, o monstro decide assassinar os seus criadores: será através do Euro Digital, onde cada carteira digital indicará o número de tokens existentes, impossibilitando a contrafacção de dinheiro pelos bancos.
Será a sua morte às mãos do monstro. Com o seu fim, o monstro tornar-se-á a super criatura que controlará a vida de todos os cidadãos, ocupando o lugar cimeiro de uma tirania sobre a humanidade: o que consumimos, quanto consumimos, a que horas consumimos, com quem transaccionamos, o que podemos consumir, se temos direito a um rendimento mínimo, quanto nos retiram em impostos, em que zona geográfica podemos consumir no caso de confinamento…no fundo, o epicentro de um crédito social chinês.
No romance de Mary Shelley, o monstro acaba a chorar a morte do seu criador; na nossa história, será ao contrário: o monstro rejubilará com todo o poder que alcançou com o desaparecimento dos seus criadores.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Recebi ontem uma coisa chamada, pomposamente, “deliberação” do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Tenho alguma aversão em usar a denominação completa, por incluir o Sindicato dos Jornalistas, que é estrutura ainda com alguma decência e com eleição autónoma de membros – e ainda mais o termo Conselho Deontológico, que remete para Ética. Na verdade, nos tempos que correm, de podridão na imprensa, chamar Conselho Deontológico àquilo que hoje ali temos na Rua dos Duques de Bragança para tratar de ética no jornalismo é tão bizarro como a denominação República Popular Democrática da Coreia para a Coreia do Norte.
A dita senhora, Licínia Girão de sua nominata, recentemente licenciada e com mestrados igualmente recentes, encabeça desde Maio do ano passado a CCPJ, uma entidade pública para a qual, se exige por lei, o ser-se “jurista de reconhecido mérito e experiência na área da comunicação social”.
Porém, em artigos que comecei a escrever a partir de Agosto do ano passado, conclui-se, com factos, que afinal estamos perante alguém que nem sequer conseguiu concluir o estágio de advocacia e cancelou a sua inscrição na Ordem dos Advogados. Ou seja, uma “jurista de mérito reconhecido” que tentou mas, hélas, não conseguiu obter o título de advogado. Se alguém que tenta mas não consegue terminar o estágio de advocacia é mesmo assim um “jurista de reconhecido mérito”, que diremos então dos 35.432 advogados reconhecidos pela Ordem dos Advogados? Podem usar o atributo de “jurista de reconhecido super-mérito”, por ser justo considerar que os seus méritos são superiores ao mérito da Dra. Licínia Girão?
Estamos também perante alguém que luta abnegadamente para que eu lhe reconheça o mérito, em notícias, mas que tem das piores notas na candidatura para o 39º curso de magistratura do Centro de Estudos Judiciários. Terá sido um chumbo de mérito?
Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas, ostentando o diploma da Menção Honrosa na categoria Ensaio/ Prosa no âmbito dos 13º Jogos Florais da Junta de Freguesia de São Domingos de Rana, obtido m Junho de 2021.
Mas, enfim, passando à margem da recusa da senhora presidente da CCPJ e Conselheira do Sindicato dos Jornalistas, de ela própria me poder instaurar um processo disciplinar na CCPJ – mas aí estaria ela obrigada a cumprir preceitos legais e de transparência, que não se exige entre camaradas –, vejamos então como os seus queixumes foram tratados pelo diligente Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (a partir de agora CD-SJ).
Em 18 de Maio passado, o CD-SJ informou-me da queixa de Licínia Girão, mas em vez de me pedir que me pronunciasse abertamente sobre esta matéria, colocou-me, desde logo, 22 quesitos, que consubstanciavam já uma acusação com pré-conclusões ou mesmo conclusões. Por exemplo, o último quesito era o seguinte:
“Por fim, e de forma mais geral, pedimos-lhe uma última resposta sobre este tema: o Código Deontológico é claro na necessidade de separar factos e opiniões, o que nem sempre acontece nos seus textos. Como o justifica?”
Isto sem sequer explicitar casos concretos onde eu alegadamente não separava factos e opiniões.
No próprio dia 18 de Maio, respondi ao CD-SJ com alguma informação (transmitida informalmente), lamentando o tom inquisitorial e já acusatório, e manifestava a minha disponibilidade de “responder formalmente mais tarde, e em audiência presencial gravada (sem o que não me predisporei a colaborar neste processo)”.
No dia 22 de Maio remeti também ao CD-SJ cópia de um e-mail que enviara à Presidente da CCPJ e Conselheira do Conselho Geral do Sindicato dos Jornalistas em 14 de Agosto do ano passado, aquando da preparação do primeiro artigo, e que não tivera resposta ao essencial das questões formuladas.
Em 23 de Maio, o CD-SJ reiterou que apenas aceitava “respostas que sejam dadas por escrito, às perguntas enviadas”, acrescentando que “com ou sem respostas, analisaremos a queixa em causa”.
No próprio dia 23 de Maio, respondi ao CD-SJ estranhando que todas as suas comunicações não eram assinadas, pedindo para ser formalmente notificado da queixa. Reiterava que o regulamento interno do CD-SJ não limitava nem condicionava a forma de resposta do denunciado.
Em 4 de Junho reiterei o meu pedido de esclarecimento ao CD-SJ sobre o formalismo de me notificarem e de conhecer a identidade do relator que estaria com a responsabilidade de análise da queixa.
No dia 7 de Junho reiterei a necessidade de transparência no processo, através de um e-mail enviado ao CD-SJ, ainda mais no contexto de um conjunto de artigos do PÁGINA UM que denunciavam recentes promiscuidades na imprensa, uma delas num órgão de comunicação social onde trabalha um dos membros do CD-SJ.
Nesse mesmo dia, 7 de Junho, o CD-SJ reiterou que “apenas considera respostas que sejam dadas por escrito” e acrescenta: “Embora os prazos definidos pelo Regulamento do Conselho Deontológico para a chegada das eventuais respostas já tenham sido ultrapassados, e consequentemente, a análise da queixa já tenha começado, poderemos ainda receber as suas respostas, caso cheguem nos próximos dias. Queremos acrescentar que os nossos procedimentos relativamente a este caso são iguais aos outros.”
Marcos Borga, fotojornalista da Visão, é um dos membros do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ). A Visão foi uma das revistas onde a ERC detectou “jornalistas comerciais”, que escreveram textos para cumprir contratos comerciais.
No dia 8 de Junho, enviei um e-mail ao Sindicato dos Jornalistas com um pedido de apoio jurídico por causa da queixa do CD-SJ, que é uma estrutura autónoma. Salientei que “não sei quais são os propósitos do CD do SJ – que tem pelo menos três membros a trabalharem em órgãos de comunicação social visados pelo PÁGINA UM de [por] práticas pouco idóneas (…)”. E acrescentava ainda que “servindo esta missiva para V. reflexão, venho também pedir, mais uma vez, aconselhamento jurídico para este processo, de modo a evitar que haja um parecer do CD do SJ sem cumprimento das formalidades legais (estando o CD integrado num sindicato, julgo que existem obrigações legais a cumprir, que estão acima do livre arbítrio dos seus membros ou de interpretações à la carte do regulamento interno) e, se tal não for possível de evitar, a tomar diligências judiciais no caso da minha credibilidade profissional e ética for afectada pelo eventual parecer”.
Sem resposta, no dia 12 de Junho, enviei um novo pedido ao Sindicato dos Jornalistas, com conhecimento do CD-SJ, solicitando a emissão de um parecer jurídico para se saber da legalidade dos procedimentos. E acrescentava que “em todo o caso, mesmo sabendo que são organismos independentes, e até porque esta mensagem também lhe é dirigida, pedia que houvesse a sensatez por parte do Conselho Deontológico do SJ para aguardar pelo parecer do Gabinete Jurídico antes de elaborar o parecer. Se o parecer determinar que tenho de apresentar obrigatoriamente a defesa por escrito, assim farei em menos de três dias. Não estou nem quero fugir ao processo e tenho até todo o prazer de defender os meus princípios, mas numa luta justa e não num processo enviesado.”
No dia 11 de Julho, enviei ao Sindicato dos Jornalistas, com conhecimento do CD-SJ, um e-mail com o seguinte conteúdo:
Catarina Santos, membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e jornalista do Observador, O PÁGINA UM tem relatado diversos casos relacionados com este órgão de comunicação social, o último dos quais relacionado com a compra de podcasts pela Gebalis.
“Vai fazer amanhã um mês que pedi a intervenção do Gabinete Jurídico associado ao SJ para dirimir a questão sobre como deveria o CD-SJ proceder, dentro da lei e do espírito de transparência e de justiça na análise, no “processo” resultante de uma queixa da presidente da CCPJ. Fiz esse pedido não para me furtar de qualquer “julgamento”, mas sobretudo para o ter… mas justo. Verifico, porém, que até agora, formalmente, não tenho conhecimento do resultado dessa análise jurídica e, em consequência, não faço a mais ténue ideia do que anda o CD-SJ a fazer neste interim. Deixo também, formalmente, duas ligações a notícias do Página Um que, talvez, fossem também interessantes de analisar pelo CD-SJ https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/03/erc-poupa-directores-e-decide-so-identificar-14-jornalistas-comerciais/ https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/07/erc-detecta-quatro-grandes-empresas-de-media-com-15-contratos-publicos-forjados/ designadamente sobre a participação de directores de OCS na execução de contratos comerciais e em jornalistas que fazem a cobertura de eventos comerciais envolvendo os seus empregadores. Aguardando o parecer jurídico, aceitem os meus melhores cumprimentos.”
No dia 14 de Julho, recebi a seguinte comunicação de Ana Isabel Costa, vice-presidente do Sindicato dos Jornalistas:
“Foi pedido um parecer ao gabinete jurídico em relação às questões colocadas no teu email de 12 de junho de 2023.
Tendo em conta o melindre da situação, como bem referes, acreditamos que o documento, que enviamos em anexo, reflete uma posição equilibrada e ao alcance de todas as partes.
Note-se que este parecer jurídico – que afinal era, sim, a resposta a um parecer que fora solicitado pelo próprio CD-SJ em 24 de Maio – defendia que o CD-SJ tinha autonomia para definir a forma de resposta e que a notificação poderia ser por e-mail (desde que garantida a sua recepção), mas que deveria identificar o relator.”
O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas integra também uma jornalista da Lusa, Susana Oliveira, detida pelo Estado (50,15%) e pelo universo da Global Media (quase 46%), de Marco Galinha. O PÁGINA UM tem denunciado inúmeros casos deontologicamente reprováveis tanto da Lusa como das diversos órgãos de comunicação social da Global Media, nenhum deles abordados pelo CD-SJ.
No próprio dia 13 de Julho, comuniquei ao Sindicato dos Jornalistas e ao CD-SJ que, embora discordando de aspectos do parecer jurídico, “vou cumprir o que aí consta a partir do momento em que me for indicado o relator do parecer. Quando tal suceder, agradecia que me fosse indicado o prazo para responder. Em todo o caso, como já referi, o CD-SJ está a meter-se num caminho muito perigoso quando está a abrir-me um processo desta natureza. A CCPJ tem, ela própria, os instrumentos legais para me abrir um processo. A presidente da CCPJ sabe, mesmo que omita na queixa, que cumpri todas as diligências para que prestasse declarações e esclarecimentos concretos. Não o fez (e tenho provas disso) nem os seus colegas do Plenário (que foram questionados individualmente).”
No dia 14 de Julho, o CD-SJ respondeu-me com o seguinte e-mail, também não assinado, como habitualmente:
“O CD discorda do entendimento do advogado do Sindicato relativamente à necessidade de identificar o relator, não apenas porque ela não está fundamentada em qualquer argumento mas também porque, ao longo deste mandato, e, já agora, também dos mais recentes, o relator nunca é identificado, não vendo o CD razão para, também aqui, criar aquilo que seria uma exceção.
Apesar da proposta de parecer estar numa fase adiantada, consideraremos as respostas de Pedro Almeida Vieira, se elas nos chegarem nos próximos dias.”
No dia 18 de Julho, enviei um e-mail ao CD-SJ, onde, fazendo várias considerações, escrevo o seguinte:
“O pedido que fiz ao Gabinete Jurídico não esclareceu a questão essencial, não sei porquê: a legalidade, no contexto do Direito português, do V. regulamento interno.
Mas tenho já mais do que fazer do que andar a alimentar algo que pode ser visto como uma tentativa de fuga. Portanto, fiquem, por agora, no secretíssimo inquisitorial bacoco e anacrónico de não revelarem o relator. Para mim, é demonstrativo da V. têmpera para analisar com isenção este processo. Mesmo com uma defesa irrepreensível, bem sei que V. Exas. têm a “obrigação” de me censurar de alguma forma, porque faz parte do jogo corporativo “sancionar” quem anda a dizer que o rei vai nu.
Posto isto, respondi, ponto por ponto, aos vossos quesitos, incluindo também documentos, entre os quais e-mails.
Fiz publicamente, pelo que poderão consultar, tanto o texto das resposta como os documentos e ligações, através do seguinte endereço:
Todo este processo o quero público, daí este e-mail seguir para a Direcção do Sindicato dos Jornalistas.”
Carlos Camponez, professor universitário da Universidade de Coimbra na área da Comunicação Social e jornalista freelancer. Pediu escusa para votar a “deliberação” contra mim, não se conhecendo justificação da sua decisão. O regulamento interno do CD-SJ não prevê escusas.
Note-se que, em matéria de processo administrativo – por exemplo, no seio de processos em Tribunal Administrativo, não existe segredo de justiça, e a norma é a transparência e a publicidade. As minhas respostas ao CD-SJ, constantes no texto publicado no PÁGINA UM, foram feitas quesito a quesito, não me furtando a nenhuma, e estavam acompanhadas de documentos.
Cumpri assim, enfim, a exigência do CD-SJ em 23 de Maio: “respostas (…) dadas por escrito, às perguntas enviadas”.
No dia 21 de Julho, ontem, portanto, recebi do CD-SJ a “deliberação” aprovada no dia anterior, 20 de Julho, onde se explicita o seguinte:
“A 18 de julho, Pedro Almeida Vieira comunicou ao CD que tinha decidido responder aos “quesitos” através de um artigo publicado no “Página Um”, três dias antes, a 15 de julho, que pode ser encontrado através do seguinte link: https://srv700518.hstgr.cloud/2023/07/15/enquanto-tudo-arde-oconselho-deontologico-do-sindicato-dos-jornalistas/.
O CD não considera esta publicação uma resposta formal às questões colocadas a Pedro Almeida Vieira. Entende mesmo que admitir esta forma de comunicação com visados e queixosos, através de publicações em órgãos de comunicação social, no decorrer da análise a uma queixa, não contribuiria para o regular funcionamento do processo de análise, que se pretende rigoroso e tão célere quanto possível.”
Ou seja, o CD-SJ – que sistematicamente transmitiu as suas comunicações sem formalismos, por e-mail e sem serem assinadas – decidiu intencionalmente ignorar as minhas respostas, alegando que estas, embora cumprissem o exigido – escritas e com respostas às perguntas colocadas –, foram tornadas públicas.
Note-se, também, a rapidez da decisão.
Com efeito, o CD-SJ conheceu as minhas respostas no dia 18 de Julho – apenas dois dias úteis depois de, comunicado o parecer jurídico sobre os procedimentos a atender; parecer jurídico que tanto o CD-SJ como eu tinham solicitado ao gabinete jurídico do Sindicato dos Jornalistas. Pressupunha isto que o processo com vista à “deliberação” estaria suspenso enquanto não houvesse parecer jurídico (e eu insisti várias vezes para ser conhecido).
Por outro lado, saliente-se que o CD-SJ decidiu não reconhecer as minhas respostas, que lhe foram dadas a conhecer formalmente no dia 18 de Julho, e nem sequer esboçou a mínima reacção, nem me transmitiu antecipadamente as razões pelas quais não as iria considerar no processo. Isto mesmo sabendo que as minhas respostas cumpriam os requisitos e o regulamento interno: foram enviadas por e-mail (com a ligação ao site do PÁGINA UM, que em termos práticos funciona como se fosse um ficheiro em anexo), estavam escritas e respondiam a cada um dos 22 quesitos.
Bem sei que incomodou o CD-SJ que as minhas respostas estivessem na “praça pública”, mas considero legitimamente que a melhor forma de vencer o obscurantismo é a transparência. A divulgação das minhas respostas, ademais perante procedimentos ínvios, era legítima, mesmo que não fosse do agrado dos membros do CD-SJ.
Contudo, apenas dois dias depois das minhas respostas – ignoradas com a desculpa esfarrapada –, o CD estava já a aprovar a sua deliberação. Uma “deliberação” de 19 páginas!!!
Já estava escrita no essencial, não vos parece evidente?
Enfim, mesmo que eu tivesse respondido em papel perfumado, os membros do CD-SJ iriam recusar as respostas, porque os obrigaria a reflecti-las numa “deliberação” que já conclusa desde o início. Mesmo que os quesitos fossem respondidos em papel impresso, porventura recusariam considerá-las por não ter sido em papel selado. Ou alegariam que usara Arial em vez de Times New Roman. Ou dois espaços em vez de espaço e meio. Ou o raio-que-os-parta.
Mas vejam: mesmo assim, o parecer incluiu a “justificação” para a recusa das minhas respostas – pensava eu que o CD-SJ buscava a verdade, não o cumprimento de “formalismos” à la carte –, o que remete para outras questões mais formais.
De facto, o número 1 do artigo 7º do Regulamento Interno do CD-SJ diz que “as reuniões ordinárias do CD realizam-se uma vez por mês nas instalações do Sindicato ou por meio de comunicação à distância, salvo imprevistos imponderáveis”, havendo ainda a possibilidade de reuniões extraordinárias “a requerimento de qualquer membro do CD” que “devem ser realizadas no prazo máximo de três dias e máximo de dez dias após a receção do pedido”.
Mas deveria cair o Carmo e a Trindade se não se apressassem. E era tanta a pressa de publicar uma “deliberação” nesta fase em que o PÁGINA UM está a denunciar quase diariamente os podres da imprensa (e a inacção da CCPJ, da ERC e do próprio CD-SJ) que se deve ter realizado uma reunião extra-extra-extraordinária para aprovar a deliberação. Vejam: dois dias entre a recepção das minhas respostas não consideradas e a aprovação da “deliberação”. Ainda se queixam da produtividade deste país…
Recebida a “deliberação” ontem, e tendo eu também ontem já solicitado que desejava recorrer da dita, conforme prevê o Regulamento Interno do CD-SJ, transmiti que esperava que não fosse divulgada antes dessa análise.
Olha o que eu foi dizer! Sempre que peço uma coisa, o CD-SJ corre a fazer o contrário.
E assim, tendo esse meu pedido sido feito às 20h35 minutos de uma sexta-feira, hoje à tarde já a “deliberação” estava publicada em grande destaque na homepage do Sindicato dos Jornalistas, abusivamente encimada com o logótipo do Sindicato dos Jornalistas.
Posto isto, decidi então escrever este texto, sob o lema “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria”. São quatro crápulas, porque o quinto membro do CD-SJ, Carlos Camponez, diz a “deliberação”, pediu escusa (não sei se por a Dra. Licínia Girão o citar 17 vezes numa tese de mestrado). Curioso não ter havido mais escusas, sabendo eu que outros três membros do CD-SJ trabalham em órgãos de comunicação social onde grassam práticas deontologicamente muito pouco aceitáveis já denunciadas pelo PÁGINA UM e até em deliberações recentes da ERC. Sim, estou a falar da Visão, do Observador e da Lusa.
Em todo o caso, confesso que não fiquei satisfeito com o título. Por issso, pedi ao ChatGPT “se há alguma palavra ainda mais ofensiva do que crápula”.
Respondeu-me que “como IA desenvolvida pela OpenAI, minha programação inclui diretrizes para promover uma comunicação respeitosa e segura. Portanto, não posso fornecer ou encorajar o uso de palavras ofensivas, vulgares ou prejudiciais. Palavras ofensivas são prejudiciais e podem causar danos emocionais ou psicológicos a outras pessoas. É importante lembrar que o respeito e a empatia são fundamentais para uma comunicação saudável e construtiva.”
Insisti, e o ChatGPT elencou-me então outras “palavras que podem ser consideradas sinónimos de ‘crápula’ e têm uma conotação negativa sem serem palavras ofensivas extremas”, tais como canalha, cafajeste, velhaco, patife, vigarista, desprezível, trapaceiro, dissimulado, inescrupuloso e perverso.
Ora, atendendo que o CD-SJ me acusa de não ser rigoroso e exacto, queiram, portanto, atender que os quatro membros que votaram a “deliberação” podem não ser crápulas, que é palavra ofensiva extrema, segundo o rigoroso ChatGPT. Talvez sejam, afinal, apenas canalhas.
Uma vez mais fomos confrontados com o espectáculo de buscas levadas a cabo por elementos do Ministério Público, a casas de suspeitos de actividades criminosas, em directo, pela televisão.
Desta vez, os visitados foram a casa do antigo dirigente do PSD, Rui Rio, e a Sede do seu Partido.
Não vou tecer qualquer consideração sobre o motivo das buscas, porque só conheço o que a imprensa divulgou, mas pretendo analisar o método de trabalho de alguns Magistrados do Ministério Público, em Portugal.
Desde logo porque, finalmente, houve críticas públicas, e da parte do Poder Político, que, como é sabido, só reage quando lhe toca na pele.
Rui Rio, ex-presidente do PSD
A prática da Justiça-Espectáculo, tão do agrado destes Magistrados, que querem aparecer como lutadores intransigentes contra o crime, merece ser analisada e, ela própria, julgada.
O esquema é facilmente explicado: na suspeita de um crime, mesmo que baseada numa queixa anónima, o Ministério Público deve agir analisando todos os factos.
Caso apareçam, entre os denunciados, nomes de figuras públicas, a investigação chega, por vias estranhas, a alguma comunicação social que, a partir daí, os divulga como “suspeitos de crimes”.
“Suspeitos” que passam, de imediato, à categoria de criminosos porque, o Povo ensina, “não há fumo sem fogo”.
Ou seja, se o Ministério Público investiga é mais que certo que há um crime à espera de ser descoberto.
Mas, será assim?
Números provenientes do Ministério da Justiça provam o contrário.
Preto-no-branco esclarecem que 47% das acusações do Ministério Público terminam com a absolvição dos investigados.
Muitos acabam por nem ir a Julgamento, mesmo depois de verem os seus nomes divulgados em jornais, rádios e televisões.
Alguns chegam a passar por prisão preventiva até serem inocentados.
Em sete anos foram mais de 150.000 os portugueses que viveram este drama.
Sessenta e cinco, por dia.
Sendo que nenhum dos Magistrados detentor desses processos sofreu, com essa incompetência, qualquer chamada de atenção.
Esta situação só é possível porque o acordo entre estes e os órgãos de comunicação social termina na fase em que a acusação deixa de parecer credível.
Obviamente não é do interesse de nenhum destes dois “parceiros” a demonstração de falhanço.
Na melhor das hipóteses, às centenas de parangonas em primeiras páginas e aberturas de telejornais, corresponderá, no fim, uma nota de rodapé, ou uma notícia de segundos, sobre o arquivamento do processo.
Como se chegou a este ponto?
Para a notícia essencial ter impacto, as buscas são levadas a cabo por muitas dezenas de polícias e peritos, sob a orientação de um Procurador, ou Juiz, e com transmissão em directo pelas televisões.
Uma operação que tem de ser preparada no maior dos segredos, para evitar que os suspeitos se livrem de documentos, ou equipamentos, que possam ser essenciais para os investigadores, chega, no entanto, e sempre que o caso é considerado mediático, ao conhecimento antecipado de jornalistas que, por vezes, aparecem nos locais das buscas ANTES das autoridades.
O que faria corar de vergonha qualquer Magistrado num país civilizado é, em Portugal, considerado normal.
A falta de pudor que há neste procedimento é assustadora.
Mas de tremenda eficácia para quem pretende acusar.
Qualquer investigação que corra o risco de ter que ilibar os potenciais arguidos, por falta de indícios suficientemente fortes para tornarem credível uma acusação, socorre-se de uma opinião pública, instrumentalizada pela opinião publicada que aceita participar numa troca de favores: eu dou-te uma “cacha”, que te faz aumentar as audiências, e tu dás a entender que as minhas suspeitas são fundamentadas.
Lucília Gago, procuradora-geral da República desde 2018.
Mais cedo ou mais tarde, muitas destas notícias bombásticas acabam por cair no esquecimento só sendo recordadas, em escassos minutos, quando se reparam os erros ilibando os acusados.
Mas, semanas a fio com as fotografias e nome estampados em jornais, ou em programas televisivos, não perdoam e esses acusados, sem critério, ficam, para sempre, com o nome destruído e as suas carreiras destroçadas.
Ao contrário de quem, por absoluta incompetência (não quero acreditar que seja má-fé), continua, serena, segura e impunemente a subir na carreira.
Este país, até que, entre os investigados, comecem a surgir políticos com poder, vai estar muito perigoso!
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Sempre que se abre a boca para falar de Ronaldo é preciso compreender que vamos ofender alguém. Há o grupo de indefectíveis, onde se inclui o meu filho, que me obriga a ver jogos do campeonato saudita; e os outros, que vão lendo a realidade como ela é.
O ponto de partida para mim, quando penso em Cristiano Ronaldo, é no extraordinário atleta, melhor futebolista português de sempre e, provavelmente, a pessoa que mais deu a conhecer o nosso país pelo Globo. Reconheço, sem grandes problemas, que pessoas que não faziam a mínima ideia onde ficava Portugal, foram ao mapa ver por causa de Ronaldo. Portanto, até ao nível dos conhecimentos de Geografia, até de cada adepto escondido na Micronésia, o nosso madeirense colaborou.
Ainda assim, depois de década e meia de glória, começa a ser penoso ver esta transformação de ídolo planetário para o “Gajo de Alfama” (dos tempos em que o Ricardo Araújo Pereira tinha piada). As recentes declarações de Ronaldo, puxando para si o mérito de abrir o caminho das Arábias para mais jogadores de renome, qual Vasco da Gama dos petrodólares, soam um pouco mal.
Fizeram-me lembrar aqueles tempos de terror em que Jorge Jesus, envergando o Manto Sagrado, nos envergonhava a cada conferência de imprensa com as suas bazófias a perder de vista. Certo dia, numa palestra na Faculdade de Motricidade Humana, Jesus, o Poeta da Reboleira, disse que queimara muita pestana para inventar uma Ciência. Assim mesmo, inventar uma Ciência.
Eu aprecio homens da Ciência, convenhamos. Até porque sem as suas descobertas dificilmente eu teria as bases que trazem o pão cá para casa. Mas, como diria o nosso Costa, vamlá a ver, decidir se os laterais fazem o corredor e os extremos vão por dentro ou, em alternativa, jogamos com um meio-campo a três e dois extremos puros, não é a mesma coisa que descobrir a cura para o cancro. Ou sequer, vá lá, desenvolver uma Via Verde que poupa umas horas de fila na segunda ponte do Feijó. Aliás, neste caso, foram portugueses que inventaram aquilo. Homens da verdadeira Ciência.
Bem sei que países pouco desenvolvidos fazem do futebol um desígnio nacional. São programas de debate diários em todos os canais informativos sobre o que aconteceu, o que está a acontecer e o que vai acontecer à vida dos artistas da bola. Quando há jogo debate-se o penalti e quando não há fala-se da transferência e dos rumores. Diariamente. São 12 meses por ano com paragem no Natal para podemos ver as fotos dos jogadores a comer bacalhau.
Também eu sofro com a bola, especialmente quando ela desliza na Catedral, e não me quero por isso excluir da parolice nacional em torno da caixa de Pandora de Ronaldo. Dir-me-ão que a um milionário todo o disparate é permitido. Se Elon Musk, tido por muitos como um génio, pode dizer asneiras em barda, por que não poderá Ronaldo, um milionário com baixa escolaridade, fazer o mesmo? De facto, pode, mas não deixa de ser deprimente.
Ronaldo deixou de jogar futebol, um jogo de equipa, há uns bons anos, provavelmente antes sequer de chegar à Juventus, e começou então a praticar uma modalidade individual chamada “quebrar recordes”.
Pelo caminho, ia reclamando com quem não o ajudava a chegar lá e culpando os restantes 10 em cada insucesso. Continua no seu direito, mas, visto daqui, foi quando comecei a olhar mais para o lado. Saber envelhecer no mundo das estrelas planetárias não deve ser fácil, acredito que não; ainda assim, sempre imaginei Cristiano Ronaldo a sair de cena pela porta grande e sem se arrastar nos relvados, como faz agora.
Cristiano Ronaldo decidiu desafiar o tempo e continuar pela única porta que se abriu: a da ditadura saudita, e da que teimosamente, na seleção nacional, não se fechou.
Note-se que não faço parte do coro de puritanos que acha que um futebolista não deve validar uma ditadura. Era o que mais faltava. Anda o famoso “Ocidente” a fazer da Arábia Saudita um parceiro privilegiado há décadas, a fechar os olhos aos crimes perpetrados no seu território em nome dos barris de petróleo e esperava-se que um atleta, a quem se oferece uma fortuna incalculável, fosse recusar uma mudança para o deserto? Sabe lá o Ronaldo a História da Arábia Saudita…
O Macron, presidente francês, sabe certamente e, mesmo assim, disse alto e bom som, num encontro de líderes a propósito das sanções à Rússia, que tinham que pedir aos sauditas que aumentassem a produção. Portanto, deixemo-nos de moralismos bacocos.
Nós validamos, há muito, todas as ditaduras que são boas para o negócio. E tal como as elites políticas, Ronaldo foi fazer pela vida e entrar num circo a troco de dinheiro. Repito: está no seu direito. Mas tentar convencer toda a gente, um ano depois, que o campeonato saudita é muito bom, ou que abriu o caminho para outras estrelas, é apenas triste. Aquilo que abriu caminho foram as fortunas que os xeques sauditas, que exploram e lucram com os recursos do país, resolveram distribuir um pouco por todo o lado.
Jogadores em fim de carreira ou ainda com muitos anos nas pernas foram aliciados, numa tentativa de trazer o país para a alta roda futebolística. Um pouco como o que chineses tentaram fazer há cerca de 10 anos, com a construção de uma Superliga, que levava alguns dos bons talentos da Europa, mas modelo ao qual se colocou, entretanto, um travão nos gastos por ser insustentável.
Depois do Mundial do Qatar, outra ditadura amiga – os sauditas – tentam, através do futebol, dar uma nova imagem do país. Ronaldo alinhou, e agora são vários os nomes famosos que se juntarão a ilustres desconhecidos.
Entre eles, Ruben Neves, internacional português, foi claro e objectivo nas suas declarações: saiu da Premier League, onde era um ídolo no Wolverhampton, porque o dinheiro ganho na Arábia Saudita permitiria dar à família uma vida diferente e, provavelmente, garantir o conforto da geração seguinte. Tudo bem, tudo certo. Nada de conversas sobre o “projecto” ou a “Liga Saudita vai ultrapassar a Turquia e a Holanda”, como nos informou Ronaldo, o homem que abre caminhos.
Para finalizar a palestra, o nosso descobridor, ainda disse que a Liga Italiana também estava morta quando ele foi para lá e que não voltaria para a Europa onde o futebol se tornara muito fraco. Nem Zlatan Ibrahimovic, dono e senhor da maior arrogância que se conhece neste mercado, produz disparates destes. A Liga “morta” colocou três clubes nas meias-finais da Liga dos Campeões no ano em que Ronaldo saiu de lá. E o futebol fraco europeu brindou, pelas camisolas do Celta de Vigo, um empate de 5-0 ao Al-Nassr, um pouco depois destas declarações.
Não sei se o estimado leitor já viu algum jogo do campeonato saudita, espero que não, mas é mais ou menos como aquelas futeboladas que fazemos aos domingos com o pessoal amigo onde aparece sempre um, que em novo, chegou a jogar nos juniores do Belenenses…
Ronaldo não volta para a Europa, porque não há quem pague o que ele quer, e nenhuma das equipas de topo, onde ele acha que ainda teria lugar, o quer por perto.
A continuar por este caminho, sem aceitar o tempo que a todos consome, ainda nos vai fazer esquecer aquele rapaz sem medo que fazia todo o corredor em Old Trafford, e nos encantava, nos tempos de Alex Ferguson.
É uma pena. Para nós, os adeptos, claro.
Na verdade, nada que o afecte, lá na bolha onde vive.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Se em silêncio ouvimos aqueles eucaliptos, pinheiros e acácias, a sacudir gentilmente o cabelo com o vento, a folhagem… muito do sussurro dela se parece com as ondas do mar e quase que sentimos o sal a morder a bochecha junto aos molares.
Como é que este som me lembra metal, se é tão mais fresco e azul?
É porque também é leve, maleável. Mas o metal a ser feito é quente, sem dúvida, muito quente, nascido do fogo. Mas uma vez frio fica gelado, transformado em árvores petrificadas que seguram cabos de electricidade, espadas e adagas que usamos para sermos mais pontiagudos.
Se nos raspamos em metal, mesmo frio, sabemos que vai queimar a pele. Arrancar a derme (a frio), mostrar-nos o inferno da dor que se espalha como mancha. (Até a água há-de enferrujar a chaga.)
O varão de ferro com nervuras a falarem em código. O perfil de alumínio a pedir que se brinque, se construa, se encaixe. A folha de inox a soltar trovões inesperados. O cobre em fiapos, o ouro do estaleiro.
O andaime, o seu som clincante, sempre sujo de cimento, sempre de mil cores (clin clanc), o vento a assobiar nos tubos como quem toca órgão.
As dobradiças, as braçadeiras da caixa aberta da carrinha, o guarda-lamas a querer prevenir a torção do plástico com que decidiram começar a fazer as portas, a carroçaria, o habitáculo (o metal a finar-se porque pesa, é trabalho de músculo e não de laboratório e robot).
Clin clanc
Pensa no sabor do metal e sentes a língua a retrair-se um pouco, um incómodo ligeiro. Pensa no cheiro do metal quando entras na oficina do serralheiro e sentes o azul quente entrar nos pulmões e tirar o ar. O ácido do estômago a trepar por ti acima numa azia (metálica) e sabes que se não vais usar fogo para esculpir, com um enorme escudo em frente ao rosto, mais vale saíres dali, ali não se vive em paz.
Clin clanc
A era do progresso já não sabe a metal. Está escondido, torcido, perdido ou invisível. A era do progresso sabe a plástico. Polímero. Mas isso é outra dor crónica.
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O meu regresso ao jornalismo, depois de um interregno de cerca de uma década, e depois de um passado que não me envergonha (cheguei a escrever em simultâneo na Grande Reportagem e no Expresso, e ainda na Forum Ambiente, numa altura em que não era cool escrever sobre Ambiente), foi desencadeado pelo estupor da cobertura da pandemia pela generalidade dos órgãos de comunicação social.
Estávamos em plena pandemia, e custava-me a crer que os jornalistas se tivessem tornado missionários – como esquecer o “diácono” Rodrigo Guedes de Carvalho com o seu “tenham noção” –, histéricos promotores do pânico, maus investigadores, pés-de-microfones acríticos, censores encartados e paladinos da discriminação.
O PÁGINA UM nasceu muito pelo tratamento noticioso da media mainstream durante essa longa e trágica fase da nossa vida em sociedade.
Cedo me confrontei, porém, com uma realidade mais atroz, à medida que recuperei o ritmo de jornalismo de antanho. Na verdade, não mudei muito de estilo – recuperei, talvez aqui e ali com mais acinte e sarcasmo, o meu estilo na saudosa Grande Reportagem, e o aprofundamento dos temas (sustentado sempre em dados e em documentos) da Forum Ambiente.
Por um lado, deparei-me com uma “cortina de betão” das entidades públicas, o que se poderia dever ao facto de estar a liderar um pequeno órgão de comunicação social (e não a ser um jornalista do Expresso, a quem as notícias, por vezes, caem no colo), mas que, rapidamente, me consciencializei de ser a “cultura do bloqueio” da informação, permitida por anos e anos de jornalismo manso.
Mas, talvez aquilo que mais me chocou foi constatar que, afinal, a pandemia não foi só “um mau dia” para a imprensa. Pelo contrário, agravou o divórcio entre o jornalismo e os leitores, com os primeiros a mancomunarem-se com os departamentos de marketing, desenvolvendo despudorados ménage à trois (públicos e privados) com anunciantes, transformados entretanto em parceiros.
Nada contra os anúncios, nada contra a publicidade, nada contra o marketing, nada contra a promoção de marcas, nada contra as novas formas de comunicação – mas há limites, há linhas vermelhas inultrapassáveis. Ao marketing o que é do marketing; ao jornalismo o que é do jornalismo. O azeite e a água são essenciais, mas se se tentar misturá-los, aquilo que apenas se consegue é estragar os dois.
O jornalismo está ao serviço dos leitores – por muito que as empresas de media se esqueçam. Só ao serviço dos leitores. Óptimo se a sua qualidade e credibilidade do jornalismo servirem para vender o produto onde trabalham – o jornal, a frequência radiofónica ou televisiva, a plataforma digital – às empresas, ao Estado e às autarquias.
Mas esse produto vale mais quanto mais leitores tiverem, quanto mais credibilidade e independência a informação possuir. Se assim for, as empresas de media metam depois os marketeers a trabalhar… mas sem a participação dos jornalistas, que devem estar arredados da execução de “parcerias comerciais”, dedicando-se em exclusivo ao trabalho de jornalismo, para manter a referida credibilidade e independência da informação.
Sem jornalismo independente, a prazo teremos apenas jornalistas mentirosos e péssima informação, e anunciantes e leitores a afastarem-se, e em consequência a falência anunciada. Há, neste momento em Portugal, empresas de media que já deveriam ter declarado falência, e enquanto tal não sucede só mal fazem à imprensa, obrigando outras empresas, por concorrência desleal, a cometerem “atrocidades” éticas.
Porém, nos últimos anos, aquilo que sucedeu foi que muitos dos princípios da ética do jornalismo – a maior será o não mentir, procurando sempre a verdade – se perdeu. Melhor, ou pior, se vendeu.
Desde o início do PÁGINA UM, sofri na pele aquilo em que a imprensa se transformou, quando um ataque sem precedentes, vindo da CNN Portugal – e coadjuvado por outros órgãos de comunicação social como o Expresso, o Público ou o Observador – me quiseram, de um só golpe, ceifar a minha credibilidade e a sobrevivência de um projecto jornalístico que se anunciava verdadeiramente independente, sem publicidade nem parcerias comerciais, apenas com o apoio dos leitores.
Nos meses seguintes, fomos denunciando cada vez mais promiscuidades, sobretudo através de acordos de parceria comercial, incluindo com o Estado, em que jornalistas com responsabilidade editoriais andavam de mão-dada (para ser suave) com farmacêuticas, com Governo, com autarquias, com empresas, com tudo.
Não só tínhamos jornalistas activamente a promover marcas e produtos, como, em paralelo, tínhamos as evidências de haver assuntos tabu na nossa imprensa – curiosamente, assuntos delicados para empresas, autarquias e Governo com os quais os tais jornalistas-comerciais confraternizavam em eventos e conteúdos pagos.
Nos meses mais recentes, o PÁGINA UM foi retomando as denúncias sobre estas matérias e, se verificarem, nas últimas duas, além da decisão (suave) da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em abrir sete processos de contra-ordenação a outros tantos grupos de media por causa de parcerias comerciais com entidades públicas, noticiámos outros casos envolvendo o Público, o Observador, a TVI, o Correio da Manhã e o Expresso.
Tenho um amigo, ligado à Comunicação Social, que, quando lhe conto estes episódios, diz invariavelmente “Extraordinário!”. Engana-se: nada há já aqui de extraordinário, mas apenas de ordinário, no sentido depreciativo do termo.
Ordinário deboche – é isto que está a acontecer aos olhos de todos, sem um pingo de vergonha daqueles que, em tom e postura aprumada, batem hipocritamente no peito clamando independência e credibilidade.
E por isso mesmo, perante este deboche – e “alimentado” pelos ataques da ERC, da Comissão da Carteira do Jornalista e do Conselho Deontológico, a tríade que me “elegeu” como alvo a abater (sabem bem eles as razões…) –, o PÁGINA UM decidiu a partir de hoje abrir uma secção autónoma para assuntos relacionados com a IMPRENSA, incluindo as redes sociais. Deste modo, sempre que houver notícias, daremos com a máxima prioridade. A denúncia do deboche é, a partir de hoje, declaradamente, um dos nossos cavalos de batalha.
Nessa medida, assumimos ser a consciência crítica do jornalismo, contra o rei, que nu sabe estar, mas que prefere continuar a prostituir-se em vez de regressar às suas nobres funções, servindo o povo, isto é, os leitores.