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  • Médio Oriente: o destino de milhões decidido pelos mais baixos impulsos humanos

    Médio Oriente: o destino de milhões decidido pelos mais baixos impulsos humanos


    Enquanto políticos, analistas e jornalistas, em estilo desportivo, contam as horas até uma possível grande escalada – uma grande guerra – no Médio Oriente, e enquanto Israel, apesar das indicações de que poderá em breve encontrar-se na maior crise (de segurança) de toda a sua história, continua a cometer assassínios em massa e demolições na Faixa de Gaza, temos de questionar se há algum actor na comunidade internacional, em geral, que esteja a tentar travar o possível curso fatal de eventos. Ou questionar se serão as decisões tomadas pelos líderes apenas um reflexo da natureza humana central e de um estado de espírito completamente despudorado e irreversivelmente desumanizado.

    Depois de o líder político do Hamas, Ismail Haniya, ter sido morto na semana passada em Teerão, onde assistia à tomada de posse do novo presidente do Irão, Masoud Pezeshkian, as autoridades iranianas, lideradas pelo Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei, anunciaram uma vingança feroz. Um ataque a um convidado do Irão em território iraniano foi um passo que foi longe demais para o gosto das autoridades iranianas – um passo israelita que foi longe demais. Dado que o exército israelita também matou o número um operacional do movimento xiita libanês Hezbollah, Fuad Shukr, em Beirute, poucas horas antes da liquidação da Haniya, prevaleceu imediatamente a narrativa de que uma grande guerra regional com efeitos globais seria praticamente inevitável.

    Todos os passos subsequentes – por todas as partes envolvidas – foram passos para a guerra. Algumas tentativas diplomáticas – lideradas pela dissonância cognitiva e moral dos Estados Unidos, que aumentaram consideravelmente a sua presença militar na região, e pela União Europeia, completamente impotente, que aparentemente desconhece a grande ameaça de guerra à sua porta – revelaram-se patéticas. A sensação de que outra grande guerra já é aceite como um  facto irreversível soa como uma profecia autorrealizável da boca dos principais actores regionais e globais. Uma história pré-contada.

    O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, Nasser Kanani, fez recentemente uma declaração que deverá ficar nos anais da dissonância cognitiva e moral. “O Irão não quer uma escalada na região, mas Israel precisa ser punido pelo assassinato de Ismail Haniya na capital iraniana e evitar mais instabilidade na região.” Sim, é compreensível que o Irão queira vingança. Mas por que razão – da mesma forma, sabendo absoluta e antecipadamente as consequências da sua acção para a sua própria população civil, a liderança do Hamas fez ao atacar o Sul de Israel em 7 de outubro do ano passado – o Irão, com ataques retaliatórios contra Israel, directamente ou através dos seus representantes regionais, faria alguma coisa que certamente afectaria mais a população civil iraniana?

    Tem o regime iraniano conhecimento de que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tem tentado arrastar o Irão para uma grande guerra há muitos anos – e a um ritmo acentuadamente crescente nos últimos meses – e está pronto a fazê-lo (o mesmo se aplica à propagação dos confrontos com o Hezbollah, à brutalização do apartheid na Cisjordânia ocupada,  o bombardeamento do Iémen, os crimes de guerra em série em Gaza, os ataques a alvos iranianos na Síria e o conflito interno israelita em curso) para ameaçar existencialmente até o seu próprio Estado judeu?

    Os tambores de guerra já ressoam no Irão. A propaganda está em plena forma. Mas o país não é como é por acaso. E os militares também não. Por que – uma vez, para variar – não se fazer o que um homem (líder, país…) é forçado a fazer pela sua natureza?

    brown camel

    O destino de centenas de milhares, o destino de milhões é decidido pelos mais baixos impulsos humanos. As convenções internacionais, o direito internacional humanitário e as principais instituições internacionais, lideradas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, são apenas ecos de ilusões ouvidas há muito tempo. O que nunca foi mais nem menos do que uma ilusão. Talvez… um fantasma.

    Outro motivo para preocupações fortes de que uma grande guerra é inevitável foi a visita “não anunciada” do ex-ministro da Defesa russo e agora o número um do Conselho de Segurança Nacional, Sergei Shoigu, a Teerão: Shoigu e o seu superior são quase os últimos a querer a paz. O último que estaria pronto para pisar no travão. Muito pelo contrário.

    Uma situação muito semelhante – igual – é o apoio inabalável dos Estados Unidos a Israel e a Netanyahu, que há duas semanas no Congresso previu muito claramente o desenvolvimento de acontecimentos que controla remotamente com o seu maquiavelismo e assassínios em massa. Até agora, apenas em Gaza, onde o número de mortos da punição coletiva de Israel aos palestinos está inexoravelmente a aproximar-se de 40.000. Este número não inclui pelo menos 10.000 pessoas desaparecidas e presas entre as ruínas dos terrenos em chamas do enclave palestiniano.

    Boštjan Videmšek é jornalista


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  • Os Jogos do nosso desencanto

    Os Jogos do nosso desencanto


    Se há alguma evidência a retirar da prestação dos portugueses nos Jogos Olímpicos de Paris é a confirmação do total desprezo dos nossos governantes, desde sempre, para com o desporto.

    A frase “mente sã em corpo são” nunca foi tida em conta pelos nossos políticos.

    O desporto escolar é uma mentira e o apoio aos jovens é inexistente.

    Claro que não será a única causa, mas com toda a certeza que essa falha indesculpável é uma das razões que leva a que haja cada vez mais jovens obesos, mal preparados fisicamente, mais sujeitos a doenças.

    A outro nível impede o aproveitamento de talentos para algumas modalidades pela falta de apoio, de estruturas, de equipamento e de técnicos.

    O resultado vê-se quando no confronto com outros países.

    E não se diga que a diferença nos triunfos alcançados, que nos Jogos Olímpicos são provados pelo número de medalhas conquistadas, tem a ver, unicamente, com a dimensão e riqueza dos países.

    Obviamente que poder seleccionar atletas entre milhões de praticantes permite vantagens diferentes em relação a quem os escolhe entre centenas.

    De igual modo os países ricos têm outras possibilidades de investimento também nesta área.

    Mas nada pode justificar os resultados sempre inglórios de Portugal, em relação a países de dimensão e riqueza semelhante.  

    Um exemplo:

    A Hungria obteve, nos Jogos de 2020 (que tiveram lugar em 2021 por causa da Covid), 19 medalhas: 6 de ouro, 7 de prata e 6 de bronze.

    Portugal conseguiu 4: 1 de ouro, 1 de prata e 2 de bronze.

    Ficámos em 56º lugar atrás de países como o Uganda e ao lado da Etiópia.

    Este ano vamos pelo mesmo caminho tendo, até ao momento em que escrevo a Crónica, 1 medalha de bronze contra as 4 da Hungria, sendo 1 de ouro, 2 de prata e 1 de bronze.

    Os Governantes que se apresentam nesses palcos, com o objectivo de retirarem alguns dividendos de eventuais medalhas, deveriam ter vergonha já que nenhuma, repito nenhuma, se deve ao Poder político.

    Se analisarmos os percursos dos nossos campeões (que os temos) concluiremos que nada, mas nada, devem àqueles.

    As nossas primeiras medalhas foram atribuídas a praticantes de vela e de tiro que treinavam, a expensas suas, desportos só praticados por meia dúzia de atletas com poder económico que lhes permitia esse “passatempo”.

    Mais tarde surgiram os atletas que levaram longe o nome de Portugal unicamente porque não precisavam de grandes estruturas e equipamentos para as modalidades escolhidas.

    Refiro-me, por exemplo, aos praticantes de corta-mato e corridas de estrada como as maratonas.

    Nada de original porque o mesmo sucedia, por esse mundo fora, nos países de terceiro mundo como era o caso dos nossos grandes adversários de então, o Quénia e a Etiópia.

    Felizmente, alguns Clubes Desportivos de maior dimensão substituíram o Estado no apoio a alguns atletas e permitiram que no remo, no atletismo, na natação, no judo, houvesse medalhados.

    Carlos Lopes nunca conseguiria os seus sucessos sem o apoio do Sporting e do seu treinador, o grande Moniz Pereira.

    Clube a quem também se deve, em muito, o sucesso de Nelson Évora e Patrícia Mamona, no atletismo, e Jorge Fonseca no judo,

    O mesmo com Fernando Pimenta, no remo, Telma Monteiro, no judo, Pedro Pichardo, no atletismo e Vanessa Fernandes, no triatlo, que beneficiaram do apoio do Benfica.   

    As grandes atletas Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, atingiram o estatuto de campeãs graças ao Futebol Clube do Porto.

    O caso mais flagrante será o do ciclista Joaquim Agostinho que se tornou conhecido por, saído da sua aldeia, montado numa “pasteleira” (bicicleta normal), ter participado numa prova, que venceu, contra os melhores portugueses de então, todos apetrechados com bicicletas de competição.

    Mais tarde fez furor nas Voltas a França unicamente pela sua força e determinação já que, por falta de treinadores, tinha um modo “original” de pedalar, desengonçado e perigoso, o que levou a que tivesse várias quedas, uma delas fatal, ao ponto de lhe chamarem “Quim Cambalhota”.

    O grande Eddie Merckx, que o admirava e de quem foi amigo, confessava:
    “Se Joaquim Agostinho soubesse andar de bicicleta seria imbatível”.

    E os exemplos podiam multiplicar-se com Campeões noutras competições importantes, como Campeonatos do Mundo, com vários outros atletas que fizeram içar a bandeira portuguesa e ouvir o Hino Nacional sem que a Pátria os tivesse apoiado por desleixo dos seus governantes.

    Para estes, o desporto serve para se autopromoverem nos momentos das vitórias, onde estão sempre presentes em grande plano, e na cobrança de impostos aos clubes que fazem muito do trabalho que competiria ao Estado.

    man in blue jacket and gray pants running on track field during daytime

    Os atletas portugueses, presentes nestas competições, merecerão sempre a minha admiração e o meu agradecimento.

    Porque todos competem, pelas razões que mencionei, com enorme desvantagem em relação aos adversários.

    O que não invalida que, no fim da Festa, fique uma enorme tristeza e um doloroso desapontamento.

    A verdade é que não merecemos o esforço dos que vestem, orgulhosamente, a camisola de Portugal.

    Entre muitas outras razões por que somos péssimos nos momentos de votar para eleger quem nos governa.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • O Eixo do Mal

    O Eixo do Mal

    Estava na rua e vi um amigo. Parei para o cumprimentar.

    Ao fim de um minuto, e depois de umas banalidades sobre se a vida corre bem ou mal, e uma ou outra sobre o tempo, passando pelo badminton, perguntou-me por que não fazia eu um texto sobre O Eixo do Mal, o programa da SIC Notícias que se arrasta há anos. 

    Disse-lhe que não estava interessado, que não via o programa há muito e que só a ideia de o voltar a ver me deixava mal-disposto. É claro que, às vezes, ainda ouço ou vejo ao longe, num café ou numa sala de espera, os comentadores a dispararem balas secas para algum lado, e até sinto a velha cumplicidade amiga entre eles, o que até podia ter piada. Mas depois, só de ouvir uns minutos, vem logo ao de cima a energia má onda da Clara Ferreira Alves, em que parece que as veias do pescoço vão rebentar para cima da mesa; as banalidades assertivas do Pedro Marques Lopes, com a sua voz tremendamente irritante; as lições de moral em ponto de ebulição do Daniel Oliveira, com o seu ar de sabichão marxista; e as mexidelas neuróticas na cadeira, com alguma verve à mistura, do jovem cinquentão Luís Pedro Nunes. Não mudaram muito desde a última vez que vi um programa completo para aí em 2010. Continuam exaltados a fingir que são cool

    Na verdade, as fisionomias não mudaram muito.

    Acrescentei ainda que o apresentador não era o mesmo, sobre o qual nada tinha a dizer por desconhecimento da personagem. Mas tinha bom ar, e lembro-me vagamente dele numas entrevistas aparentemente bem conduzidas no Canal Q e já agora, Aurélio é um nome com alguma piada fonética. Este programa não era certamente como os bons vinhos que ficam melhores com a idade. Fiz notar.

    Ilustração de Alex Farac

    Ele voltou a insistir para que escrevesse um texto, ainda que curto, só para dizer mais ou menos aquilo que acabara de ouvir como resposta. Nem era preciso desenvolver muito, era só para ficar a nota, palavra aliás muito usada no programa, fez-me saber.

    Este amigo nunca me levava a sério. Enquanto lhe ia dizendo estas coisas, ele só se ria, mas estranhamente via o programa como um acto masoquista, dizia ele com um flácido sorriso nos lábios. Era o hábito.

    Gostava da música do genérico e tinha um especial prazer em tentar adivinhar as roupas que iria ostentar a Clara Ferreira Alves em cada novo episódio, já que tinha alguma irreverência para a idade e até surpreendia nas cores e nas lãs. Disse-me até que já tinha adivinhado umas quantas vezes, num jogo absurdo de adivinhas fashion que mantinha com a namorada.

    Também jogava noutros canais e acertava com alguma frequência no prognóstico que fazia aos penteados da Raquel Varela, noutro programa similar na RTP3.

    A historiadora do trabalho, garantiu-me o meu amigo, mudava de penteado a cada semana e já lá iam mais de dez anos de programa. Portanto mais de 200 penteados pelo menos, deduzi. Garantiu-me que sim. Mas o que andava eu a perder… Não há cabeça que aguente tanto secador.

    Ilustração de Alex Farac

    Primeiro, eu não sou critico de televisão, disse-lhe aumentando o tom da minha voz só de pensar nos actores do programa com nome de Bush, ainda não aprendi a moderar-me. As coisas continuam a enervar-me como se ainda fosse um adolescente, embora, tenha já escrito alguns artigos sobre situações televisivas, já que ser critico da televisão é uma redundância, uma obrigação porque toda a gente devia ser critica de televisão por natureza. A televisão nasceu para ser criticada mesmo antes de a ligar. Quem inventou a caixa negra foi um génio, pertencia certamente ao Eixo do Mal. Inventou o melhor sonífero de sempre para que se sonhe acordado. Depois quem desenvolveu os programas de comentário devia ter muita raiva ao mundo.

    É verdade que exerce algum fascínio catódico sobre mim claro, a caixa idiota está feita para isso e vejo mais rapidamente os programas cor-de-rosa da Maya que os noticiários e programas de debate. É que nos eixos-do-bem somos obrigados a ouvir, por muito que não queiramos.

    O Rui Santos de blazer a falar de futebol consegue ser menos previsível que os do Expresso da Meia-Noite, de camisa e mangas arregaçadas na descontra, mas também calma, não vejo o jornalista desportivo a pregar moral futebolística todas as semanas, era o que mais faltava.

    Pareço aquela personagem do Caro Diário do Nanni Moretti que não conhecia as ilhas que deviam visitar, mas sabia tudo acerca delas, inclusivamente onde ficavam as melhores pastelarias, acrescentou o meu amigo em tom de gozo. Nunca via os programas, mas sabia tudo, género síndrome Big Brother em que no fundo toda a gente passa por lá, mas ninguém assume. A coscuvilhice funciona. É universal e a Endemol estudou em Tavistock.

    Lembrei-me dessa personagem do filme italiano e ri-me. Aliás, esse filme antigo ataca bem a televisão. Mas em 1994 ainda não havia Internet e redes sociais eram discotecas controladas por profissionais de relações publicas. O mundo mudou.

    O Eixo do Mal não.

    Ilustração de Alex Farac

    Escrever sobre um programa é estar a dar importância ao programa, embora ache que ninguém leia as minhas crónicas-ou-lá-o-que-isso-é, não o posso saber, não estou nas redes, não existo, o que para mim é igual ao litro.

    Escrevo porque gosto de escrever e assim posso mudar de estilo quando quiser. Até posso mentir que ninguém me chateia. Posso dizer mal, bem, mais ou menos mal, mais ou menos bem, posso até exagerar que ninguém me censura, muito menos o director do PÁGINA UM, que é um herói contemporâneo. Um Clint Eastwood do Macintosh sem os excessos musculados do americano. Um justiceiro que é preciso levar a sério mesmo que não tenha as paisagens do Texas atrás em planos heróicos e comprometedores como só o cinema sabe fazer. Precisamente uma coisa que me irrita nesses programas é nunca pegarem em nada que saia daqui do jornal online, como se os jornalistas do P1 andassem a brincar aos jornalismo. E por saber disso por dentro ainda me afasto mais. As Lusas e Reuters produzem, os Ricardos realizam, e os Oliveiras actuam. E amanhã será igual.

    Mas por outro lado, a verdade é que percebo bem qual o papel atribuído àquela gente no Matrix. Esquecemo-nos muitas vezes, mas todos eles recebem um cheque no fim do mês, ainda que vá ficando cada vez mais magro. O próprio “papel” começa a escassear. Há muitas alterações não só climáticas no horizonte e os comentadores têm de comer, o que torna a compreensão mais compreensível para ser redundante sem ninguém me chatear com o redundamento. Para regras, basta ver o Eixo do Mal semanalmente. Quem nos dera que não as seguissem.

    Já ninguém é punk? Charles Bukowski era.

    Se não houvesse uma Clara haveria outra obscura qualquer, vinda das universidades a fazer o que é preciso. 

    Os agentes de casting não param para comer uma sandes mista. O relógio chega a ter mais de 24h. O incrível aqui é o programa durar há tanto tempo. Ser um dinossauro em 16 por 9, catapultado ainda do 4 por 3, há-de ter algum segredo. E não deve ter grandes audiências como aliás muito poucos programas fora dos big brothers, têm. Já para não falar das dividas acumuladas pelos grupos mediáticos que sobrevivem sabe Deus como.

    Deus… E o PÁGINA UM.

    Todo um mistério… Para quem não leia o PÁGINA UM.

    A minha dúvida é se eles sabem do seu papel, se têm consciência do que representam, alguém tem de o fazer, é certo.

    Chego à conclusão que se trata de teatro, o problema é que já está toda a gente cansada da dramaturgia e não é fácil mudarem paulatinamente de peça. Os actores vão mudando de vez em quando, parece a série Neighbours. E o Shakespeare aqui não manda nada. Se há coisa que estes programas não têm é elegância. Às vezes é uma gritaria desenfreada, ouve-se na rua.

    Lembra mais Marquês de Sade representado pela Comuna.

    A Realidade também não é assim tão profícua, pelo menos da forma como a estratégia está montada. Já adivinhamos no futuro próximo as alterações climáticas ainda mais alteradas a ser debatidas com a culpa do Trump e da ganância capitalista, as fake news, as eleições dos EUA, as observações em falsete do Pedro, as indignações do Daniel, as irritações nervosas com olhares fugidios para o tecto da Clara, e o ar blasé como se nada tivesse a ver com aquilo do Luís.

    Uma seca expectável descomunal.

    Ilustração de Alex Farac

    E os cães ladram, mas qualquer dia as caravanas passam-se.

    Se é para jogar a sério ao Matrix mais vale ver uns putos conspirativos da terra plana no YouTube, é bem mais divertido, ao menos tem semelhanças com um filme de acção americano, com ritmo, suspense e finais inesperados. Se é para seguir a telenovela informativa do costume, aconselho os velhos e passarem pela plataforma e deixarem-se ir pelo algoritmo, que hão-de aprender alguma coisa, nem que seja que os répteis andam aí, tomam café connosco, os extraterrestres têm a cabeça na Lua e que os pássaros assim como a morte não existem, já que para mim quem não “existe” são estes 4.

    Não, definitivamente não vou escrever, disse eu ao meu amigo que se despediu a rir, sem mais uma vez me levar a sério.

    Ruy Otero é artista media


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  • Marinha portuguesa: o Polígrafo engana

    Marinha portuguesa: o Polígrafo engana


    O Polígrafo afirmou que a Marinha portuguesa é a mais antiga do Mundo. Informei-o que não é verdade. O Polígrafo não reconheceu o erro, e o texto continua ativo. Este caso prova que os factos e o rigor metodológico são alheios ao Polígrafo e à sua editora-executiva, Salomé Leal, em concreto. O Polígrafo não tem credibilidade como fonte de informação.

    Vejamos toda a sequência de factos, pois é ainda mais eloquente do que o resumo.

    Em 9 de Setembro de 2022, Salomé Leal fez um “fact-check” (dizer “verificou uma afirmação” é popularucho…) sobre a afirmação, que circula na Internet, de que a nossa Marinha é a mais antiga do Mundo: “Marinha mais antiga do mundo tem 705 anos e é portuguesa”, destaca-se nas redes sociais – Poligrafo (sapo.pt).

    brown wooden ship on sea shore during daytime

    Foi a Armada (designação mais rigorosa do que “Marinha”) que, em 2017, pela primeira vez, o proclamou, sem ter nem apresentar qualquer fundamento sólido: Cerimónia de encerramento das Comemorações dos 700 anos da Marinha (youtube.com). A Armada tem continuado a fazer esta afirmação, e continua sem ter nem apresentar qualquer fundamento sólido: 707 anos de Marinha Portuguesa.

    Esta matéria atravessou-se na investigação que venho fazendo desde 2007 sobre as origens do órgão administrativo de capitão de porto e das autoridades marítimas em geral. Deste alargamento da minha investigação resultou um artigo, submetido em Setembro de 2023, à crítica de especialistas e ao processo de revisão por pares. Nesse artigo mostro que há várias marinhas de guerra na Europa mais antigas do que a portuguesa; e noto que em 1317 foi feito um contrato com um almirante genovês, Manuel Peçanha, e que esse contrato não criou um serviço público, só se estendia aos seus herdeiros, cuja linhagem acabou um século e meio mais tarde. Assim, desmenti e desminto as afirmações da Armada, e o “fact-check” do Polígrafo, da autoria de Salomé Leal.

    Em 03-Jul-2024, contactei o Polígrafo e Salomé Leal, notando que a Marinha não tinha sequer 700 anos, nem era a mais antiga do Mundo. Por isso, o “fact-check” estava errado, e devia ser removido, porque estava a enganar os leitores.

    Salomé Leal respondeu-me em 8 de Julho de 2024. Destaco quatro aspetos dessa resposta:

    • “[…] O seu argumento menciona marinhas como as de Génova e Castela, que já não existem como entidades em serviço contínuo, o que é fundamental para a narrativa que está a contestar. […]

    A condição “em serviço contínuo” não consta da afirmação verificada, nem da verificação. Foi adicionada na resposta para validar o “fact-check”. Não o valida, mas isso é irrelevante neste contexto: adicionar condições depois do texto publicado revela falta de seriedade intelectual (pelo menos). Acrescento que, por exemplo, a marinha de Castela foi a base estruturante da marinha de Espanha, pelo que mesmo a condição adicionada não desfazia o erro substantivo e formal de Salomé Leal.

    • “[…] A nossa posição baseia-se em fontes amplamente reconhecidas, como o US Naval Institute e o Civil Services Examination (CSE) do Union Public Service Commission (UPSC), entre outras. Estas fontes, consideradas oficiais e respeitáveis, apoiam a tese de que a Marinha Portuguesa é a mais antiga em serviço contínuo. […]”

    As fontes que podem infirmar ou confirmar eventos históricos são os historiadores, através dos seus trabalhos publicados e sujeitos a revisão pelos pares. As organizações que Salomé Leal refere (no “fact-check” refere mais duas) não produziram investigação própria (e não deixam de ser responsáveis por isso; só não são referências na matéria); cingem-se a ecoar o que a Armada portuguesa afirmou e difundiu em 2017. Um evento histórico não se verifica por alguém, ou alguma organização, apoiar teses. Mais: uma investigação intelectualmente honesta busca divergências; e se há várias versões sobre um evento histórico, ele não se pode considerar um facto provado.

    • “[…] Repare que a sua abordagem é tão válida como qualquer outra. […]” Salomé Leal não percebe que um trabalho académico, sujeito a revisão por pares, não é uma abordagem equivalente a encontrar quem ecoa uma posição, não procurar quem a contrarie, e daí concluir que ela é verdadeira. A única coisa que Salomé Leal fez foi encontrar eco a uma posição; não apurou os factos nem se a afirmação era verdadeira. Isso dá mais trabalho, a que a senhora obviamente se quis poupar; mas sem a humildade que deve nortear quem busca os factos com rigor e seriedade.
    • “[…] assume que não há estudos amplamente aceites que possam desacreditar a narrativa de que a Marinha Portuguesa é, efetivamente, a mais antiga em serviço contínuo. […]” Esta afirmação é falsa: eu afirmei exatamente o contrário no meu estudo. A falta de rigor e de seriedade intelectual de Salomé Leal é chocante; mas mentir, voluntariamente ou por leitura enviesada, é repugnante.

    O Polígrafo anuncia que consulta “fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem”, conforme se pode let em O nosso método – Poligrafo. Admitamos que o texto quer dizer o que parece, embora esteja longe de ser claro e rigoroso. Este método é inadequado para avaliar eventos históricos. Para tratar deste tipo de eventos, não basta uma consulta; é necessário estudar e comparar, porque só é adequado o fundamento em fontes documentais acreditadas por especialistas (em geral, historiadores) através de estudos em publicações especializadas e com revisão por pares. E para fazer uma afirmação definitiva, como “a mais antiga”, não pode haver posições divergentes, ou dúvidas fundamentadas. Portanto, o método do Polígrafo é inadequado para o “fact-check” em causa; e por isso, errou a conclusão. Expliquei isto mesmo a Salomé Leal.

    Pior do que um método inadequado é que Salomé Leal e o Polígrafo não foram capazes de reconhecer o erro, e atuar em conformidade, como resulta de o texto em causa (ainda) estar ativo no mural do Polígrafo.

    E, como se fosse pouco, Salomé Leal recorreu a desculpas infantis para evitar reconhecer o seu erro, e que nada mais fizeram do que exibir com arrogância a sua ignorância sobre apuramento de factos. Este ponto é especialmente grave, pois informa-nos que se licenciou em Comunicação. Se erra os factos, não reconhece o erro, e ainda se desculpa infantilmente, não está a informar.

    Uma vez que Salomé Leal é a autora de vários “fact-checks”, e é editora-executiva do Polígrafo, está demonstrada a total falta de credibilidade do Polígrafo: não sei o que visa ou faz; mas sei que não informa e até engana, e nem reconhece os erros.

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


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  • Filantropia, lucro e sede de nomeada

    Filantropia, lucro e sede de nomeada

    Correio Mercantil foi um periódico brasileiro do século XIX (1848-1868), onde o grande Machado de Assis deu os seus primeiros passos. Pareceu assim oportuno ao PÁGINA UM, no contexto da actual mercantilização da imprensa portuguesa, ‘contratar’ o protagonista do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas para umas epístolas semanais. Hoje, o piparote de Brás Cubas vai para as benfeitorias dos laboratórios clínicos em 2021 que se transmutaram em malfeitorias em 2024.


    Quem sabe, sabe; quem não sabe, fica a saber agora, porque eu digo, ou escrevo: morri de pneumonia. Não será, daí, que me advém o interesse por assunto de farmacologia, de terapêuticas e de diagnósticos, nem é por aí que lamento não me terem dado um Paxlovid, ou, vá lá, uma Ivermectina nos idos de 1880, para me salvar daquela febre pulmonar. Se não fosse daquilo, seria daqueloutra.

    Lamentei sim, e lamento de novo, ter o meu acabamento frustrado, por incompetência ou impotência, o alcance prático e concreto de uma ideia, uma ideia fixa, saída da minha cabeça antes da entrada nos meus pulmões da bactéria ou do vírus (coisa nunca ouvida em minha vida), que nada menos era que a invenção de um medicamento sublime, um emplastro anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. Como alguns sabem – e quem não sabe, eu digo outra vez, ou escreverei –, na petição de privilégio que então redigi, chamei a atenção do Governo para esse resultado, verdadeiramente cristão. Todavia, não neguei antes, e continuo a não negar, e confidenciei aos amigos, as vantagens pecuniárias que deviam resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos efeitos.

    white paper on persons lap

    Há 144 anos já confessara, e agora confesso de novo, que, continuando cá do outro lado da vida, aquilo que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplastro Brás Cubas.

    Para que negá-lo? Eu tinha, e tenho, a paixão do arruído, do cartaz, do foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio, porém, que esse talento me hão-de reconhecer os hábeis. Assim, a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro lado, sede de nomeada. Digamos: – amor da glória.

    Compreendo, por isso, muito bem a indisposição, a “indignação” da vossa Associação Nacional de Laboratórios Clínicos depois de verem a vossa Autoridade da Concorrência aplicar às empresas dos seus dirigentes umas coimas de uns quantos mil-réis, vertidos em euros. Deve valer muitos ouros dos meus tempos. Ainda andei a tentar saber quanto valeriam 57,5 milhões de euros nos meus réis do século XIX, mas perdi-me em contas, considerando que depois do meu fenecimento, no Brasil se trocou os réis pelo cruzeiro, depois este cruzeiro pelo cruzeiro novo, e depois este cruzeiro novo passou novamente a ser cruzeiro, depois este se mudou para cruzado, e depois este cruzado se transmutou para cruzado novo, e depois este cruzado novo se alterou (de novo) para cruzeiro, e depois este cruzeiro se renovou em cruzeiro real, e depois este cruzeiro real saltou, por fim, corria o ano de 1994, para o real – que, depois dos ciclópicos desvarios da minha nação, e mais a inflação, do meu real só tem a nominata.

    Enfim, adiante. Compreendo, pois, e me solidarizo com a manifestação de “total desacordo e indignação” dos benfeitores laboratórios clínicos acusados de malfeitorias, porque, em abono dos factos, acho mesmo que houve “falta de compreensão crítica” da Autoridade da Concorrência sobre a resposta dos desditosos ditos, pobrezinhos, “aos apelos do Estado português” para “responder às necessidades impostas pela pandemia”.

    E eu acrescentarei, para dramatizar, sete adjectivos aos apelos do Estado português, embora inaudíveis por inexistirem registos, mesmo se manipulados: lancinantes, pungentes, excruciantes, torturantes, aflitivos, mortificantes e esmagantes. E escolho sete por terem sido sete os dirigentes da Associação Nacional de Laboratórios Clínicos que, correndo para os apelos do Estado, representam as sete empresas que, sem darem por isso – por estarem preocupadas só em responder “às necessidades impostas pela pandemia” –, se viram a lucrar muitos milhões em ajustes directos depois de combinarem preços entre si. Aliás, admira-me que os comentaristas da vossa imprensa, que andaram a aplaudir cada um dos 46 milhões de testes realizados em Portugal que apanharam 12 infectados (não necessariamente doentes) em cada 100 zaragatoadas, não se insurjam por uma benfeitoria praticada em 2021 se transmutar em malfeitoria em 2024.

    Na verdade, sinto na alma – por as minhas frias carnes já há muito terem sido roídas pelos vermes –, aquilo que as empresas agora sentem na carteira: uma desalmada frustração. A ideia dos empresários dos laboratórios clínicos com os testes nas escolas era a mesma que eu tinha para o meu emplastro: uma medalha, com uma das faces virada para o público, reflectindo-os como ‘salvadores da Pátria’ na pandemia; e a outra virada para eles, com o ouro dos cofres da Pátria. Saíram-se mal. Ou não.

    Até para a semana, e um piparote.

    Brás Cubas


    N.D. O título Correio Mercantil é uma marca nacional do PÁGINA UM em processo de aprovação de registo no Instituto Nacional de Propriedade Industrial. Quanto ao nome do autor (Brás Cubas), será o pseudónimo usado em exclusivo por Pedro Almeida Vieira nestas crónicas, constituindo apenas uma humilde homenagem a Machado de Assis e ao seu personagem. Tal não deve ser interpretado como sinal de menor rigor na análise crítica que aqui se apresenta, independentemente do carácter jocoso, irónico ou sarcástico.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

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  • Marrar na parede? Não: é mesmo cair no abismo

    Marrar na parede? Não: é mesmo cair no abismo



    SEMANA 30/2024

    Marrar na parede? Não: é mesmo cair no abismo

    O Francisco Balsemão, não o José (pai) nem o Maria (meio-irmão), mas o Pedro, é o CEO da Impresa, outrora grupo de media que trabalhava para o (e tinha foco no) bem dos leitores e telespectadores. Com esse antigo serviço, credível e atraente, vinha o brinde: as empresas punham-se em fila para publicitar nas ‘plataformas’ da Impresa os seus produtos para serem comprados e usufruídos pelos consumidores que eram atraídos pela informação credível e pelos conteúdos comunicacionais de qualidade. E como era filão apetecível, e não havia espaço para todos, pagava-se bem para anunciar. Ganhavam então todos: leitores / telespectadores, os anunciantes e a própria Impresa.

    Mas isso é coisa do passado. Os produtos (notícias e conteúdos comunicacionais) descredibilizaram-se, e já nem se consegue distinguir o jornalismo da promoção e do marketing empresarial – ao ponto de o próprio CEO da Impresa andar a fazer ‘entrevistas’ numa mixórdia de funções – e como as audiências por tudo isto descambaram, abriu-se a possibilidade às maiores promiscuidades numa fuga para a frente, para onde não há sequer uma parede para marrar mas somente um abismo para cair.

    Post no LinkedIn do CEO da Impresa

    Assim sendo, nem sequer deveria surpreender muito que na apresentação de mais um resultados semestrais desastrosos – 4 milhões de euros de prejuízo, sobretudo pelo agravamento do serviço da dívida por via do endividamento completamente absurdo -, o Pedro (para que se consiga distinguir dos outros dois Francisco Balsemão) continue alegremente a dizer que “vamos continuar a trazer mais valor para anunciantes e agências, reforçando a nossa posição enquanto grupo de media português com mais investimento publicitário”.

    Nem uma palavra para os leitores e telespectadores. Nem uma palavra para o jornalismo. Nada. A Impresa hoje só quer dar “mais valor” aos anunciantes, apresentando cada vez menor qualidade nas ‘plataformas’, e às agências (deduzo que também de comunicação), que querem passar comunicação empresarial como se fosse notícias.

    Deve ser giro um CEO de uma empresa fazer um podcast para o jornal como se fosse mesmo um jornalista…

    Presumo que a estratégia para o desastre vai continuar quando o nosso Pedro acrescenta que “adicionalmente, vamos manter a nossa estratégia de expansão digital e diversificação de fontes de receitas, nomeadamente através da concretização de apostas já anunciadas como a realização do Tribeca Festival em Lisboa e a nossa nova parceria na área da bilhética online com a BOL”. Diversificar significa aqui, presumo, arranjar mais umas ideias para fazer de conta que na Impresa ainda se faz jornalismo e comunicação social.



    SEMANA 29/2024

    Paxlovid!, dizem os democratas. Ivermectina!, dizem os republicanos

    Se considerarmos que o primeiro ano de vida de um gato é aproximadamente igual a 15 anos humanos, que o segundo é igual a 9 anos humanos e que cada ano adicional é igual a 4 anos humanos, então o Biden é um ano mais velho do que eu, sabendo-se – e se não souberem, sabem agora – ter eu nascido no dia 13 de Junho de 2008. Estamos ambos idosos, mas ainda me lembro do que sucedeu há dois anos, talvez porque, nessa altura, contava 72 e não 80 anos.

    Posto isto, mesmo sabendo que Joe Biden está mesmo desmemoriado, e já nem saiba o que lhe dão, acho que, a existir uma cabala nos Estados Unidos, esta não é contra o Trump, mas sim contra o actual Presidente. Não é que logo no dia em que ele coloca a hipótese de sair da corrida eleitoral se houvesse decisão médica, surge com um teste positivo à covid-19? E que lhe fazem? Dão-lhe o mesmíssimo medicamento – o Paxlovid, da Pfizer – que ficou conhecido por ser como o Melhoral (não faz bem, nem faz mal) com a agravante de causar recaídas, como lhe sucedeu em 2022. Lembram-se? Ele, se calhar, não.

    Notícia de Julho de 2022: Biden teve uma recaída depois de lhe ser administrado Paxlovid. Dois anos depois, dão-lhe novamente Paxlovid.

    Enfim, já estou a imaginar nos próximos tempos uma titânica luta ideológica, que nada tem a ver com simpatias terapêuticas: os democratas a quererem à força que Biden tome Paxlovid, para ter recaídas até abandonar a candidatura (e se não resultar, às tantas ainda lhe darão lixívia…), enquanto os republicanos a querem se ele recupere rápido, dando-lhe vitamina D e ivermectina, de sorte a ele se manter na corrida a colecionar gaffes até Novembro. Tempos interessantes, sem dúvida.


    SEMANA 28/2024

    Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz e o seu súbdito Marcelo

    A sinistra (é canhota) Alteza Real Leonor de Todos los Santos de Borbón y Ortiz, Princesa de Asturias, Princesa de Gerona, Princesa de Viana, Duquesa de Montblanch, Condessa de Cervera e Señora de Balaguer, visitou aos 18 anos um rectângulo na Península Ibérica que, para mal dos pecados do Senhor do Morgado de Fonte Boa (um tal Miguel, de Brito, da parte do pai, e Vasconcelos, da parte da mãe), continua a falar a língua de Camões, e não a língua de Cervantes.

    E muito bem fez a jovem herdeira do trono de Espanha em, pisada esta terra, se pôr a discursar em castelhano na sua visita a Belém, onde muito bem teceu, e se entendeu, uns belíssimos considerandos sobre Portugal, apenas usando, para dar mais ‘salero’, uma palavra na língua de Pessoa – ‘saudade’ – para destacar os nobres sentimentos de seus pais sobre o país vizinho.

    Já Marcelo Rebelo de Sousa – ou será Marcelo Revelo de Sosa? – fez o que um súbdito deve fazer perante a (sua futura) rainha: brindou em castelhano, embora com tão terrível pronúncia que, vos garanto, o Cervantes, lá no sepulcro do Convento de las Trinitarias Descalzas de San Ildefonso, deu ‘erizado’ umas quantas acrobacias, apenas não uns saltos mortais, porque defunto já ele está. Em todo o caso, em resposta ao brinde de Marcelo (ou Marcelo, em castelhano), o Rocinante relinchou ‘iiirrrrí‘ e o Rucio zurrou ‘inhóóó inhóóó‘.


    SEMANA 28/2024

    Salomé e a cabeça da Verdade numa bandeja

    Há agora um novo desporto nos media mainstream: malhar em Lucília Gago e zurzir na Procuradoria-Geral da República, esse malévolo ente que ia dando cabo da vida do nosso querido Costa, o nosso ai Jesus que agora dará mais alegrias ao povo português do que o Ronaldo, já anda a pensar em pousar chuteiras, tornando-se o mais mais inteligente presidente do Conselho Europeu, PNS dixit.

    Ora, na recente entrevista à RTP, Lucília Gago disse que não se sentia responsável pela queda do Governo em Novembro passado, que fora uma decisão pessoal de António Costa, que “poderia continuar a exercer as suas funções” como, exemplificou, aconteceu com Ursula von der Leyen e com Pedro Sánchez. “Não é automático que a instauração de uma investigação tenha como consequência uma demissão”, defendeu.

    Que foi ela dizer, caramba! Caiu logo nas malhas do Polígrafo, o arguto fact-checker com uma impressionante densidade de under-30 na sua redacção, e que agora até já ‘contrata’ under-20, o que, convenhamos, poupa dinheiro em salários, mas mostra-se arriscado porque, geralmente, a memória destas gentes, tal como a idade, é curta.

    Portanto, assentando nisto, lá tivemos o Polígrafo com a jornalista Salomé Leal a pôr a Dona Lucília Gago em ordem, dando-lhe um raspanete, porque, segundo esta veneranda (nada veterana) fact checker, não é comparável a situação de Ursula von der Leyen com a de António Costa, porque, havendo um caso de alegada “interferência em funções públicas, destruição de SMS, corrupção e conflito de interesses” nas negociações de vacinas entre a presidente da Comissão Europeia e o CEO da Pfizer, a senhora alemã “não ponderou em momento algum abandonar o cargo apesar da investigação, mas também não foi, ainda, acusada da prática de qualquer crime”.

    Pintura exposta no Museu Nacional de Arte Antiga da autoria de Lucas Cranach, o Velho.

    Isto é uma chatice quando se anda a fazer fact-checking como se fosse gente grande, e depois, vai-se a ver, e entrou-se no jornalismo em 2020. E, portanto, que interessa a Salomé Leal tudo o que sucedeu antes desse prodigioso ano, incluindo, portanto, as acusações (e investigações) que ainda pendiam sobre von der Leyen em 2019 como ministra alemã da Defesa, quando então foi escolhida para a presidência da Comissão Europeia? E não seriam essas situações passadas sobre as quais Lucília Gago se estaria a referir?

    Nanja! Nada!

    brown tabby cat lying on white textile

    Para Salomé Leal, só se deve ver, com antolhos, para a frente de 2020. Para Salomé Leal, só há Político a partir de 2020 (e em particular, para apanhar o ‘erro’ de Lucília Gago, através da notícia do Político de 1 de Abril de 2024, que ela refere como ‘prova’); não há Político antes de 2020, nem existência, nem mundo, nem memória, somente o vazio a.S.L. (ante Salomé Leal).

    Dona Lucília Gago, para a próxima se precaveja: não queira, matusamelicamente, confundir as mentes juvenis, invocando o passada da nossa Ursula von de Leyen antes do Pfizergate; não queira relembrar casos, ‘casinhos’ e ‘casões’ que teve como ministra alemã da Defesa entre 2013 e 2019, como, hélas, se pode ver no período pré-histórico do Político (aqui, aqui, aqui e aqui).

    Enfim, a ignorância é muito atrevida, diz-se – mas numa fact checker armada em paladina da verdade, a ignorância torna-se apenas lamentável. A culpa, parece-me, nem é da Salomé, mas certo é que, com estes fact checkings, a Verdade nos surge assim decepada numa bandeja.


    SEMANA 26/2024

    Gouveia e Melo apanha Putin no cimo do ‘caralho’ (calma: é termo náutico)

    Na Teoria do Caos diz-se que pequenas alterações nas condições iniciais de um sistema complexo podem resultar em grandes e imprevisíveis eventos futuros. Conhecido por Efeito Borboleta, este conceito foi popularizado pelo meteorologista Edward Lorenz nos anos 1960, e é frequentemente ilustrada com a metáfora de que o bater de asas de uma borboleta na Amazónia poderia desencadear uma tempestade no Pacífico.

    Em Portugal, desde que o submarinista Gouveia e Melo se meteu na ‘cesta de gávea’ (também conhecida, em tempos antigos, por ‘caralho‘), a mandar postas de pescada como Chefe do Estado-Maior da Armada, sabemos por isso que, quando uma qualquer embarcação da Rússia levanta âncora de um qualquer porto e cruza águas portuguesas, nos arriscamos a ter a III Guerra Mundial. E por isso, temos de combater o ‘Efeito Borboleta’ com o ‘Efeito Gouveia e Melo’.

    Não tenham dúvidas sobre o ‘Efeito Gouveia e Melo’ para a paz mundial. A III Guerra não sucedeu ainda porque, claro, a Marinha Portuguesa ‘almirantada’ pelo mestre-da-logística-vacineira, putativo candidato a Presidente da República, coloca sempre toda a ‘infantaria náutica’, que ainda flutua, a postos para controlar os malvados espiões russo. Apenas por causa de Gouveia e Melo os russos não sabem ainda como podem sair vitoriosos de um conflito global, porque jamais conseguem vasculhar em descanso o fundo do mar português. São corridos.

    Que o Putin deixe de se armar em carapau de corrida, e tire as mãos da sardinha – com Gouveia e Melo não há cá caldeiradas. Que o Putin se entretenha com o esturjão, que se contente com o caviar. Se não se portar bem, às tantas, leva é uma solha do nosso Almirante… ou uns douraditos da Iglo (passe a publicidade).

    Por tudo isto, celebremos Gouveia e Melo. Celebremos a Marinha Portuguesa que bem viu que o ‘General Skobelev’ não era um banal petroleiro russo com destino a Kalinenegrado, nem que o ‘Akademik Ioffe’ não era um corriqueiro navio russo de passageiros com destino à Libéria, nem o ‘Nikolav Chiker’ um singelo quebra-gelo saído do porto de Mariel em Cuba, onde sabemos que nem há neve. Eram sim uns malvados “navios-espiões russos”, como noticia o Correio da Manhã depois de um comunicado do gabinete de imprensa do nosso Almirante, que só não deram início à III Guerra Mundial porque a nossa bendita Marinha cometeu uma heróica “missão de 90 horas”.

    Imagens retiradas hoje do Marine Traffic com a localização de embarcações, bem como a localização actual do Akademik Ioffe que segue para a Libéria. Cada triângulo representa a localização de uma embarcação de grande porte.

    Feito isto – e que grande feito de Gouveia e Melo comparado com os vulgares ‘passeios’ de Diogo Cão, de Bartolomeu Dias, de Vasco da Gama, de Afonso de Albuquerque e do ‘traidor’ Fernão de Magalhães –, somente se me coloca uma dúvida: será que o Putin não deveria mudar de estratégia, e em vez de mandar navios-espiões com bandeira russa, não deveria antes alugar um embarcação de outro qualquer país para espiolharem as nossas águas territoriais ou a nossa Zona Económica e Exclusiva (ZEE)?

    É que assim isto não tem muita piada! São sempre apanhados pelo olho do Gouveia e Melo, que no cima do ‘caralho’ nada deixa escapar. Dá-lhe, camarada Putin, pelo menos algum trabalho, enquanto ele não segue para Belém: há centenas de navios a cruzarem os mares portugueses, como podes ver ali em cima nas imagens retiradas do Marine Traffic. Escolhe um, para que Gouveia e Melo apanhe todos. Se o homem até já venceu um vírus


    SEMANA 25/2024

    Força Aérea: um zero à esquerda a meter dois zeros à direita

    Na aviação, um número conta muito. Por exemplo, em 1989, um voo da Varig, caiu sem combustível na floresta amazónica, só por por causa de o piloto ter inserido a direcção 027 graus, em vez de 270 graus. Um zero mal metido. Mas esse lamentável caso foi na aviação civil; na Força Aérea, como se viu desde pelo menos o Top Gun, não se brinca em serviço. Um número é um número. Rigor absoluto.

    E daí que se começou a salivar aqui no PÁGINA UM, que muito já viu em contratação pública, quando se detectou, no início desta semana, um ajuste directo celebrado há quase dois anos, mas somente agora publicitado no Portal Base, pelo Estado-Maior da Força Aérea para aquisição de apoio de engenharia relativo a um sistema de comunicações. Valor da ‘coisa’: 7.326.000 euros, ou seja, um ajuste directo de mais de 7,3 milhões de euros, montante que, com IVA, ultrapassaria os 9 milhões de euros. Ainda por cima, sem sequer existir contrato escrito, invocando uma norma inadequada para estes casos.

    man driving helicopter

    Já se imaginava as parangonas – mas vieram as relações públicas estragar a ‘cacha’, confessando um erro, corrigido depois do contacto do PÁGINA UM. Afinal, o contabilista da Força Aérea, talvez um zero à esquerda, tinha inserido dois zeros à direita, a mais. Ou seja, onde antes se lia 7.326.000 euros, passou a ler-se 73.260 euros. E lá se foi a ‘cacha’.

    O director do PÁGINA UM ainda anda a matutar se não deveria ter perguntado por comprovativos que demonstrem que nunca erros deste quilate quando se digitam números nas ordens de transferência. Às tantas, ainda se descobria, no contrato de 2021 (que só foi publicitado este ano) para fornecimento de combustíveis, que o Estado-Maior da Força Aérea em vez de ter pagado 57.276.950,99 euros à Petrogal, afinal enviou-lhe, vá lá, apenas 57,27 euros – ou, para arredondar, 57,27 euros. Erros acontecem: quem não…


    SEMANA 24/2024

    Carlos, o Papa Moedas

    Carlos Moedas já nos habituou a falar na primeira pessoa do plural sempre que, em bicos de pés, quer falar da obra que julga ser só sua: “entregámos chaves de casa”; “homenageámos fulano de tal”; “visitámos a estrada da Beira e a beira da estrada”; “distribuímos isto e aquilo”, “condecorámos sicrano e beltrano”, e hoje [sic, neste caso] “Casámos os noivos de Santo António”.

    Mas, calma, não se pense que nesta função casamenteira, o presidente da Câmara de Lisboa tenha exercido o ministério de sacristão ou de diaconato – que ofensa seria! E, para quem é, nunca aceitável seria o múnus do presbiterado, que isto de ser pároco, cónego, vigário-geral ou monsenhor é coisa de pobre. Merecia Carlos Moedas não menos do que a função, ou título, de bispo, de arcebispo, de cardeal ou de patriarca. Mas como isto seria sempre pouco, acho mesmo que este, hélas, nosso edil deveria estar mesmo no topo da hierarquia, até para fazer jus à função que melhor desempenha com o dinheiro dos contribuintes para se promover: Papa – o nosso Papa Moedas.


    SEMANA 22/2024

    Costa, o Ricardo, sem tempo para ler sobre prémio das estantes IKEA

    O jornalista Ricardo Costa tem quatro relevantes pecularidades biográficas: é cumulativamente director de informação da SIC e director-geral de informação do Grupo Impresa (dona do Expresso); é primo em segundo grau de José Alberto Castelo Branco da Silva Vieira; é irmão de António Luís Santos da Costa; e tem raízes orientais, o que, garantidamente, na douta e constitucionalíssima tese do nosso actual Presidente da República, o tornará “lento”. Só a segunda é irrelevante para a minha ‘arranhadela’.

    Sendo “lento”, ‘marceloscamente’ falando, e tendo tão elevadas funções na direcção de tantos órgãos de comunicação social, compreende-se que Ricardo Costa só leia as ‘gordas’ e que os seus olhos não comam mais do que o primeiro ‘linguado‘, porquanto, como sabe, a partir daí tudo é palha para encher chouriços.

    Por esse motivo, compreende-se que Ricardo Costa tenha vindo a correr dar uma alfinetada no Governo Montenegro por ter eliminado um rectângulo verde, um círculo amarelo e um quadrado vermelho como logótipo da Nação, uma vez que a ‘obra’ acabou de ganhar um prémio de design.

    Confirma-se, assim que Costa, o Ricardo, nem sequer leu a curta notícia da SIC, televisão do qual é director de informação, a qual destaca no seu tweet no X, para criticar “as guerras culturais [quando] chegam ao design”. Se assim não fosse, teria visto que o Grande Prémio CCP 2024, e que deveria ter merecido o máximo destaque, foi entregue à não menos famosa publicidade da estante IKEA: “Boa para guardar livros. Ou 75.800€“, alusiva ao dinheiro encontrado no gabinete de Vítor Escária, chefe de gabinete do Costa, o seu António, e que tanto frisson causou às sensibilidades políticas do PS.

    Já agora, bem vistas as coisas, às tantas os 75.800 euros do Escária eram legais: serviriam para pagar ao designer os 74.000 euros do logótipo, e o resto seria para cerveja e tremoços, que para gambas já não daria.


    SEMANA 21/2024

    Mais um frete do Polígrafo; mais um prego no caixão do jornalismo

    A vida anda difícil para todos, e até também para o Polígrafo, apesar dos mais de 400 mil euros por ano que encaixa do Facebook para fazer de cão-de-fila pelas redes sociais. E se quando esteve desempregado, o seu director, Fernando Esteves, fez uma perninha em final de 2018 para sacar quase 20 mil euros num centro hospitalar de Lisboa (sem haver sinal de ter feito ‘coisa’ alguma), mais facilmente pode o Polígrafo fazer fretes – desde que, claro, receba dinheiro. Pregar pregois no caixão do jornalismo, isso é um pormenor…

    Como se sabe, o Polígrafo orgulha-se de ser um órgão de comunicação social exclusivamente de fact-checking, que teve o seu período de ouro na pandemia, com uma função mui útil para consolidar ‘narrativas’, metendo no mesmo saco gente destemperada e racional (desde que ambos os grupos não aceitassem as ‘narrativas’, em versão low cost, porquanto metia estagiários geralmente de Comunicação Social a mandar postas de pescadas sobre complexas questões de Epidemiologia e outras ciências, muitas vezes com especialistas em migrações de sardinhas ou peritos em hidrogeografia que andaram a lançar búzios com modelos matemáticos de vão-de-escada.

    Mas estamos em 2024, e embora haja muita mentira a ser desvendada em campanhas eleitorais, a safra deve andar fraca – e, portanto, o que vier à rede é peixe. E esta semana saiu assim no Polígrafo uma notícia ‘normal’, mas nada habitual num ‘fact checker’, sobre um banal “encontro com jornalistas, esta terça-feira, em Lisboa”, onde Elisa Ferreira, a comissária portuguesa ns Comissão von der Leyen, notou que quando existe “um alargamento da União Europeia há normalmente um impulso brutal da economia” dos países que acabam de aderir ao bloco europeu”. Toda a notícia soa a pé de microfone: a comissária diz, a jornalista anota.

    E, acrescenta ainda a jornalista Ema Gil Pires, com um curioso número de carteira profissional – 7999, que, por ser nova, nem sequer deve saber o que é a cláusula de consciência, que a livra de fazer fretes a mando do ‘patrão’ –, que Elisa Ferreira notou, assim, a “grande oportunidade” que tal seria para o “processo de reconstrução da própria Ucrânia”, numa altura em que se perspectiva “uma eventual inclusão de Kiev no leque de Estados-membros”. E blá blá até ao fim.

    E é bem no fim que se vê o seguinte texto, que deve ser lido ao som de violinos, ou de marcha fúnebre em memória do jornalismo: “Este artigo foi desenvolvido pelo Polígrafo no âmbito do projeto ‘EUROPA’. O projeto foi cofinanciado pela União Europeia no âmbito do programa de subvenções do Parlamento Europeu no domínio da comunicação. O Parlamento Europeu não foi associado à sua preparação e não é de modo algum responsável pelos dados, informações ou pontos de vista expressos no contexto do projeto, nem está por eles vinculado, cabendo a responsabilidade dos mesmos, nos termos do direito aplicável, unicamente aos autores, às pessoas entrevistadas, aos editores ou aos difusores do programa. O Parlamento Europeu não pode, além disso, ser considerado responsável pelos prejuízos, diretos ou indiretos, que a realização do projeto possa causar“.


    SEMANA 20/2024

    As reuniões do Grande Líder Moedas

    Carlos Moedas, o Presidente da Câmara de Lisboa – ou, antes disso, como salienta na sua conta do X, é “Mayor of Lisbon” e, além disso, também “Maire de Lisbonne” (e direi eu, de igual modo, que será লিছবন চহৰ পৰিষদৰ সভাপতি, em língua assamesa), é um líder. Perdão: é um Líder. Penitência: um Grande Líder. Misericórdia (não a freguesia onde nasci no longínquo ano de 2008): O GRANDE LÍDER!

    O único! Mas nunca sozinho.

    Moedas surge, feito vedeta, a oferecer casas, a acompanhar obras, a distribuir subsídios, a condecorar o periquito, mas nunca o faz sozinho. Usa sempre o plural: oferecemos, acompanhamos, distribuímos, condecoramos. E nós pagamos.

    São pormenores: afinal, o Grande – metonímia para Grande Líder Moedas – liderará sempre COM as pessoas, como titula a sua ‘magnum opus’, dirão os seus empolgados idólatras. E o Macron, que diz de Moedas o que o Maomé dizia de Meca: que “servirá para encorajar e até formar as próximas gerações de cidadãos que queiram fazer viver os seus ideais”.

    Mas calma. Nem sempre o Grande – o Grande Líder Moedas – lidera com as pessoas. Tem de se ter estatuto para se estar COM o Líder. Até em reuniões que, na verdade, servirão para ele – leia-se, Ele – expor a sua liderança. Por exemplo, Moedas reúne COM o presidente da Câmara Municipal do Porto, mas já reúne OS presidentes das autarquias que integram a Área Metropolitana de Lisboa. Mesmo quando se está na mesma sala do Grande não significa que se esteja ao mesmo nível – que assim conste in saecula saeculorum.


    SEMANA 20/2024

    Das invasões do colonialismo às invasões do doutor Nuno Rebelo de Sousa

    Se os filhos vivos têm de pagar pelas invasões cometidas pelos pais mortos, conforme defende o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, parece-me bastante lógico que os pais vivos possam também pagar por invasões dos filhos vivos. E isso pode ser visto ao nível de uma geração ou de dezenas de gerações.

    Assim, enquanto andarmos então a contabilizar, por invasões desde o século XV pelos nossos antepassados, quanto deveremos pagar ao Brasil, à Angola, a Moçambique e a tantos outros territórios dos quatro cantos do Mundo que os nossos pais (no sentido lato do termo) palmilharam, também não nos devemos esquecer de apurar a quem endereçar as facturas pelas invasões ao nosso território ‘perpetradas’ pelos fenícios, pelos gregos, pelos cartagineses, pelos romanos, pelos visigodos, pelos suevos, pelos mouros, pelos espanhóis (sessenta anos) e até pelos franceses (e até dos ingleses que nos vieram ajudar por causa do Napoleão, e não quiseram ir embora facilmente).

    Já agora, talvez fosse boa ideia incluirmos as invasões das nossas antigas colónias – que tínhamos tomado a outros – pelos espanhóis, pelos ingleses, pelos holandeses, pelos alemães, etc.. Talvez não fosse má ideia pedir-lhes indemnizações agora. Ou, pelo menos, reverter péssimos acordos de paz, como aquele em Haia, no ano de 1661, onde se concordou em compensar com 63 toneladas de ouro a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos pelas mais-valias por eles criadas no Nordeste brasileiro, apesar de os termos derrotado no campo da batalha. Ainda lhe entregámos o Ceilão (Sri Lanka).

    Bem mais fácil, na verdade, será obrigar os pais a pagarem pelas invasões dos filhos. Por exemplo, o Doutor Nuno, vindo do Brasil, invadiu Portugal, dirigiu-se ao Serviço Nacional de Saúde e, com isto, desapareceram perto de quatro milhões de euros. O Doutor Marcelo Rebelo de Sousa deveria indemnizar o país por isto, não acham?


    SEMANA 14/2024

    (Ainda) Rosália Amorim & outras histórias (com acentos graves)

    Se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) demorou quase dois meses a retirar a referência da Rosália Amorim na sua base de dados, depois desta ‘sair do armário’ e se assumir como uma marketeer, também eu posso, atendendo à minha felídea idade, preguiçar e nada escrever. E assim por isso, assim ficou o nome da Rosália Amorim, para escarmento, aqui pespegado nesta rubrica por três semanas.

    Enfim, agora vai ficar mais uns dias, porque não achei suficientemente apelativo para justificar um título em destaque a façanha dos ‘jornalistas do oráculo’ da RTP, que titularam, no rescaldo do Sporting-Benfica das meias-finais da Taça de Portugal, sobre os titulares das equipas mas com acento no I; mesmo tendo sido agudo. E nem foi uma vez – que sempre daria para conceder o benefício da dúvida de se tratar de um ‘corvacho’ – mas logo duas, e se calhar até foram três para ser como a conta que Deus fez.

    Enfim, também poderia brincar – não gozar, porque este é um senhor muito distinto e respeitável – com o Professor Jorge Miranda que no Público, à força de querer defender o estapafúrdio Acordo Ortográfico que mete o Pacto de Varsóvia ao nível do Pato à Pequim, acaba a escrever heróico com acento à moda antiga. Mas já nem vale a pena porque o nosso colunista Manuel Monteiro, também ali na concorrência, já lhe disse das muito boas, além de aproveitar para contar deliciosas histórias em redor das palavras como a do menino italiano que ‘inventou’ o petaloso.

    De resto, podia sempre gozar com a Filomena Martins, a meteorojornalista – não é só James Joyce que funde palavras, ó Manel – de serviço do Observador que, desde a minha última arranhadela, já escreveu sobre “chuva de lama“, sobre a depressão Nélson que diz ser “a primeira do rosário de tempestades até à Páscoa” passada, sobre mais poeiras e calor, e sobre a “tempestade Olívia” que vai trazer mais uma “enorme massa de poeira que pode chegar à Suécia“. Ou não. E isto já sem incluir os dois sismos, porque se é para mostrar que o Mundo literalmente está em convulsões, não há melhor mesmo do que a Filomena Martins.


    SEMANA 11/2024

    Rosália Amorim, uma potencial grevista na Ernst & Young?

    Desde que a minha taça com Royal Canin esteja bem apetrechada, sou solidário com todos, incluindo jornalistas em greve, mesmo nos jornais que pensam que uma greve deve servir “para mostrar à sociedade a importância de uma comunicação social livre, actuante e sustentável” (direcção do Público dixit), como se a sociedade não o soubesse, e não para protestar contra a existência de empresários ‘pato bravo’ como aqueles que orquestram despedimentos canalhas, do qual o último exemplo (mas não derradeiro) sucedeu ainda ontem à direcção editorial e a vários jornalistas do DN, mas este episódio lamentável foi já visto, desta vez, com ‘mais classe’ (e sem alarido), porque uma coisa é um despedimento feito pelo ‘chefe do galinheiro’, outra é se a coisa se congemina por um papalvo fundo das Bahamas.

    Mas, verdadeiramente, mais do que saber qual o grau de adesão à greve dos jornalistas ou os efeitos da dita (que vai ser nenhum, excepção ao alívio das consciências, um alívio semelhante a uma mijadela na caixa de areia), a minha felina curiosidade centra-se apenas no comportamento de uma pessoa: será que a actual directora de marketing e marcas da Ernst & Young (EY), Rosália Amorim – que foi orgulhosamente enterrando o DN, quando directora, com as suas parcerias comerciais e fretes que tais -, também vai hoje fazer greve?

    É certo que ela não consta da lista dos ‘238 magníficos jornalistas’ que decidiram mostrar à História, através de uma carta aberta fechada aos outros cinco mil camaradas, que a profissão está ‘sem papel’, mas a nossa magnífica Rosália Amorim mantém incólumes, por falta de vergonha, todos os seus direitos, isto é, a sua bela carteira profissional de jornalista número 1788, porque ainda está activa na CCPJ. Activíssima ainda hoje (pelo menos até às 12h19), 28 esplêndidos dias após ter assumido que anda agora a vender marcas na EY, contratada que foi pela sua excelsa experiência em funções similares no DN e TSF.


    SEMANA 10/2024

    Meteorologia & eu, o gato de Pavlov

    Um felídeo não costuma ser tão estúpido como um canídeo, mas confesso que perante um qualquer anúncio de banal ‘anomalia meteorológica’, que pode ser só sol ou chuva, funciona em mim como a sineta nos cães do russo Ivan Pavlov.

    Quer dizer, não me ponho a salivar, mas vou a correr ao site do Observador, em busca dos textos da Filomena Martins. Nunca falha!

    Por isso, quando hoje li um texto no Público de uns três mil caracteres da Marta Leite Ferreira – que vem da escola do Observador – a anunciar que o “tempo vai piorar nas próximas horas“, vi-me impelido, por forças que jamais controlarei, a ir em busca das previsões da directora-adjunta do Observador. Nunca desilude! Encontrei aquilo que nunca se esconde: nesta segunda-feira houvera escrito meteorológico.

    Êxtase absoluto. Tudo ali é irresistível. Empolgante. Anteontem, Filomena Martins até evocou (ou invocou, já nem sei) tempos e terras de vikings, fazendo-nos, logo no lead, vislumbrar um “bloqueio na Escandinávia [que] abre um corredor para as tempestades chegarem à Península Ibérica”.

    Calma! – ou melhor, não vai haver calma atmosférica alguma. Isto é só a pele. A ‘carnicha’ encontra-se no meio do artigo, aí se revelando que ficará aberto “um enorme e largo corredor para entrarem várias frentes chuvosas e frias pela Península Ibérica adentro: a maior, que se deve transformar numa tempestade de forte impacto, [e que] chega esta quinta, [e] mantém-se sexta, e arrasta mais uma massa de ar polar frio, cujos efeitos se prolongam até ao fim de semana eleitoral”.

    a long boat with two people in it on a lake

    Vai ser uma semana de montanha russa meteorológica. Perdão: repito, para meter aspas, porque a frase anterior é da autoria de Filomena Martins e não quero ser acusado de plágio: “Vai ser uma semana de montanha russa meteorológica.” Até porque parece que o tal corredor vai ficar aberto – “quer na horizontal (para as frentes vindas do lado da Gronelândia, com massas de ar polar), quer até quase na vertical (para as frentes que se formam já junto às ilhas britânicas)” –, assim “permitindo [a negrito no original] comboios de tempestades que entram de forma contínua na Península, umas vezes muito juntas, outras a espaços“.

    Eu acho que isto é mais um carrossel do que uma montanha russa, mas, enfim, deixemos a Filomena Martins meter mais água.


    SEMANA 09/2024

    O farnel dos lagartos deve ter pouco tabaco

    Foi jogo emocionante, o de ontem, no Estádio de Alvalade, onde se defrontou o Sporting e o Benfica, mas mais interessante, por certo, teria sido assistir à cobertura realizada pelos repórteres do jornal Record, que agora têm o Cristiano Ronaldo como o ‘patrão’ principal, com 30% da Medialivre.

    Oficialmente, houve três golos: ao minuto 9 marcou o sportinguista Pedro Gonçalves, depois ao minuto 54 o sportinguista Viktor Gyökeres e, por fim, ao minuto 68 o benfiquista Fredrik Aursnes. De permeio, houve ainda um golo anulado ao benfiquista Di Maria ao minuto 71 (que daria o 2-2) e outro ao sportinguista Nuno Santos ao terceiro minuto de compensação (que daria o 3-1).

    Porém, talvez embalados pelo farnel que, por certo, o Sporting também ofertará aos jornalistas – tal como sucede na Varanda da Luz –, mas com ingredientes especiais, os jornalistas do Record foram ‘relatando’ um ‘desenrolar do marcador’ muito peculiar.

    Ao minuto 55, estava afinal 4-0 para o Sporting.

    Ao minuto 68, o Record fez com que o o golo do Aursnes valesse por dois, colocando um empate na ‘coisa’, porque, para além do golo do norueguês ter valido por dois, acabou também por ‘sacar’ dois golos aos quatro do Sporting. Portanto, 2-2.

    Mas não satisfeito com um empate, os jornalistas concederam no minuto 74, um terceiro golo ao Benfica, colocando o marcador em 2-3 favorável ao Benfica.

    Pena esta vantagem benfiquista ter sido ‘noite de pouca dura’, porque, ao fim de quatro minutitos, houve alguém, talvez o VAR, que retirou dois golos ao Benfica, estabelecendo o resultado final, coincidente com o real.

    Em todo o caso, atenção: não vai haver, afinal, segundo o Record, é mentira que haja um segundo jogo marcado na Luz no início de Abril. Na verdade, ainda sob a influência do ‘farnel dos lagartos’, os jornalistas do Record indicaram que, depois do 2-1 do Sporting, o resultado agregado (das duas mãos) ficou já estabelecido: 5-0 a favor do Benfica.


    A dorsal anticiclónica do Observador

    Somos, por aqui, adeptos incondicionais da jornalista Filomena Martins que, sendo director-adjunta do Observador, desunha-se em fazer jus ao título: observa meticulosamente o tempo, neste caso não numa perspectiva filosófica, mas somente meteorológica, presenteando-nos sempre um Armagedão à primeira lufada ou ao segundo chovisco.

    Em todo o caso, confessamos a nossa desilusão sobre o texto de hoje em que ela anuncia, para a próxima sexta-feira, a denominada Primavera meteorológica, pois nada nos mostra a jornalista-meteorologista mais famosa do país e os seus terríveis rios atmosféricos, nem as tenebrosas ciclogéneses explosivas nem os temíveis ciclones bomba nem os tétricos comboios de tempestades. Só frio, chuva, três massas de ar polar e uma dorsal anticiclónica. Muito pouco. Assim, nunca mais chega o Fim do Mundo!


    SEMANA 08/2024

    Testículos & pénis

    O Correio da Manhã (CM) perde, com este nosso texto, o monopólio de meter genitálias em títulos, mas não poderíamos perder a oportunidade de felicitar a sorte danada dos editores deste jornal de referência (e o mais lido do país) por o método de coacção de um auxiliar de acção médica do Hospital Garcia de Orta consistir em meter a mão numa componente da genitália masculina da vítima de dimensão mais curta – mais curta no sentido do número de letras.

    De facto, por agora, sabíamos, através do nosso CM, que ataques às genitálias masculinas se faziam, por regra, segurando o saco escrotal e apertando as gónadas. Além da dor, já deu títulos bombásticos em cenários nada agradáveis só de imaginar.

    Por exemplo, em 29 de Junho de 2017, “Morre depois da nora lhe esmagar os testículos com as mãos”.

    Também em 28 de Abril de 2016, “Evita morte ao apertar testículos de agressor”.

    Ou, mais recentemente, em 26 de Abril de 2023, “Mulher arranca testículos de vizinho que atacou filha em Angola

    Na verdade, testículos em títulos é um must, garantia de voyeurismo baboso. Como não ler a notícia “Doente internado no Hospital Amadora-Sintra arranca o próprio testículo”? Ou esta: “Homem atira-se à mulher errada e cortam-lhe os testículos com faca enferrujada”? Ou mais esta ainda: “Arranca testículo do ‘ex’ com os dentes por ter negado sexo a três”?

    Mas não há bela sem senão. Jornalisticamente falando, os testículos têm um problema: são grandes demais, ocupam um grande volume num título. São 10 letrinhas monstruosas, não dá jeito nenhum em determinadas situações.

    Por exemplo, imaginem se o tal auxiliar do Hospital Garcia de Orta tivesse apertado os testículos a um idoso para lhe “sacar o código do cartão multibanco”, e comprar depois “bens de elevado valor, como relógios, TV, perfumes, e outros como azeite”. Não cabia. Por sorte, apertou-lhe o pénis, que tem apenas cinco letrinhas, fica pela metade. Cabe na perfeição no desenho da página. Concluindo, apertar um pénis em vez dos testículos é não apenas menos doloroso como muito mais cómodo para a difícil arte de titular um jornal. É um dois em um.


    Ribeiro de bocas, em enxurrada

    Dia 19 de Fevereiro

    Descobrimos ontem para que serve meter uma dezena de candidatos de pequenos partidos numa ‘linha’ a fazer de conta que a televisão pública é muito democrática e dá voz a todos.

    Aquilo serve para, como nas feiras, se mandar uns tirinhos nos bonecos. Sobretudo se se é jornalista. E sobretudo se se é um jornalista do quilate do Luís Ribeiro, que já foi apontado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social de ser um ‘jornalista comercial’ por fazer trabalhos de prestação de serviços a empresas externas (parceiros) numa revista (Visão) que integra uma empresa unipessoal de 10 mil euros que tem 10 milhões de euros de dívida ao Estado. Divertiu-se muito ontem, o Ribeiro, em enxurrada de bocas no X. Hoje, divirto-me.


    ‘todOs’ é menor que ‘todEs’

    Afinal, para o jornal Público, o ‘todes’ não é um símbolo de linguagem inclusiva, mas sim um termo para unir, colocando em pé de igualdade, os partidos com representação parlamentar com aqueles que, coitados, ainda não têm (e alguns nunca terão, pelo andar democrático da carruagem) assento parlamentar.

    Assim, está a jornalista Sofia Neves, hoje no Público, a ser rigorosíssima quando nos garante que “todOs os partidos defendem não existir uma só solução para a crise da habitação”, e depois acaba a listar somente as propostas da Aliança Democrática (PSD, CDS e PPM), Bloco de Esquerda, Chega, Iniciativa Liberal, Livre, PAN, Partido Comunista Português (sem PEV, apesar de coligados) e Partido Socialista.

    Já se tivesse escrito que “todEs os partidos defendem não existir uma só solução para a crise da habitação”, então aí teria mais trabalho, porque se fossem mesmo ‘todEs’ (e não apenas ‘todos’) teria ela que listar as propostas não apenas do grupo do ‘todOs’ mas também as propostas do PCTP/MRPP, do Alternativa Democrática Nacional (ADN), do Volt Portugal, do Juntos pelo Povo (JPP), do Partido Ecologista Os Verdes (esquecido na CDU), do Ergue-te, do Nós, Cidadãos, do Reagir Incluir Reciclar (RIR), da Nova Direita, do Alternativa 21 (Partido da Terra e Aliança) e do Partido Trabalhista Português (PTP).

    Donde se conclui que se mostra muito conveniente, a partir de agora, usar o ‘todOs’ mesmo quando não se trata da ‘totalidade’ (e vejam que termina com E) sem se ser acusado de falta de rigor, porque ‘todOs’ é, assim nos mostra o Público, inferior a ‘todES’. Pode sempre dizer-se que há uma discriminação, mas isso, em campanha para eleições democráticas, e quando são os órgãos de comunicação social a fazer, não conta.


    SEMANA 07/2024

    Dia 17 de Fevereiro

    Abrunhosa, o Senhor da Palavra, e o triste fim de um plagiador

    Esqueçam D. Dinis, o Rei Poeta.

    Reneguem Fernão de Oliveira, João de Barros, Pêro Magalhães de Gândavo e Duarte Nunes de Leão, Príncipes da Gramática.

    Olvidem Luís Vaz de Camões, o Vate de ‘Os Lusiédas’ (versão Porto Canal).

    Omitam Rafael Bluteau, na pena, e Padre António Vieira, na oratória, Imperadores da Língua.

    Menoscambem Camilo, Eça, Saramago e toda a catrefa de Escribas da Lusitânia.

    Posterguem Pedro José da Fonseca, Antonio de Moraes e Antonio Houaiss, Imperadores dos nossos dicionários.

    Não! Nanja. Nenhum destes merece o panteão nem sequer sob a forma de cenotáfio. Todas e quaisquer palavras e fonemas a um só Ente as devemos. Por exemplo:

    “Vamos” – foi ele que inventou.

    “Fazer” – também.

    “O” – com e sem som de U, idem.

    “Que” – de igual modo.

    “Ainda” – claro.

    ”Não” – sim, foi ele.

    ”Foi” – obviamente, foi ele.

    ”Feito” – por ele, e com grande precisão.

    Claro está que este Singular Ser só se deu em ajuntar estas palavras (quer dizer, as que coloquei entre aspas), nesta concreta e sábia sequência, no ano da graça de 2010 (que, no futuro, será conhecido, por bula Inter gravíssimas, como 50 Anno Abrunhosi), através da letra de uma música cantada à cana rachada, pelo que faz todo o sentido o Bloco de Esquerda ser agora condenado por blasfémia não apenas por usar algumas (que digo!, todas) mas sobretudo por deturpar as Palavras do Senhor.

    O filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire atreveu-se a usar em 1982 as palavras do título de uma música de Pedro Abrunhosa de 2010. Sabem o que lhe sucedeu?

    ”Fazer o que nunca foi feito”? Ó Mariana Mortágua! Que foste tu e o teu partido fazer. Atiçaste as Fúrias! Ainda por cima uma blasfémia em que, com a mudança no tempo verbal, especificamente do pretérito perfeito composto do indicativo para o pretérito perfeito simples do indicativo, alteras o foco temporal da frase, indicas que o Senhor (Pedro Abrunhosa) foi impreciso na temporalidade do acto jamais feito.

    Tu já viste no que te meteste? Sabes as consequências?

    Olha, Mariana Mortágua, o filósofo e pedagogo brasileiro Paulo Freire atreveu-se em 1982, num texto sobre política educativa, a usar as exactas palavras que o Pedro Abrunhosa deu ao título da sua música em 2010 (“Fazer o que ainda não foi feito”), e sabes o que lhe aconteceu? Está morto! E desde 1997, uns 13 anos antes da música do Pedro Abrunhosa. Assim, incréus, se alcança o poder do Senhor.

    E consta que outros intentaram, nos anos 80 do século passado, escrever também “fazer o que ainda não foi feito” no número 10 da revista Educação em Debate, sem autorização do Senhor Pedro Abrunhosa, e hoje, 17 de Fevereiro de 2024, se mortos não estão, de muito boa saúde não estarão.


    Dia 13 de Fevereiro de 2024

    Ruir ou não roer, that is the question

    Tem mais de quatro séculos o famoso solilóquio de Hamlet, reflectindo sobre a natureza da existência e os dilemas perante o sofrimento da vida e o seu fim no vazio da morte. “To be, or not to be, that is the question“.

    De facto, os ingleses (ou anglófonos) devem ser mais dados do que nós, latinos, às perplexidades, porquanto nunca sabem bem quando são ou quando estão. Mas não pensem que os portugueses não têm também suas dubiedades, nem que seja no acto da escrita.

    Por exemplo, no Correio da Manhã, ou pelo menos o jornalista Rui Pando Gomes, quando se decidiu escrever sobre a final do Super Bowl, teve um dilema: “ruir, ou não roer, that is the question“. De facto, o que poderia acontecer às unhas da Taylor Swift enquanto via o seu namorado, Travis Kelce, tight end do Kansas City Chiefs, bater os San Francisco 49ers? Serem roídas ou ruírem-se?

    Obviamente, o resultado literal de roer unhas – julgo que tal acto implica necessariamente o uso de dentes, pelo que será redundante acrescentar “com os dentes” – é ficar-se com as “unhas roídas”, mas não menos verdade sucede, por extensão de sentido, que roídas em demasia, as unhas podem ficar em perigo de ruir, o que, com algum esforço e vontade, pode dar origem a “unhas ruídas”.

    Portanto, perante o dilema “unhas ruídas, ou unhas roídas, that’s the question“, o jornalista e os editores do Correio da Manhã acharam por bem decidir a favor das “unhas ruídas”. Opção legítima, claro.


    SEMANA 06/2024

    Dia 10 de Fevereiro de 2024

    Isso não se faz! Então não é que hoje, bem no topo da primeira página, logo abaixo do seu nome, e no lado esquerdo de uma menina de lingerie vermelha, o Correio da Manhã (CM) titula: “Comboio Alfa da CP usado em filme pornográfico“, levando, imagino, uma percentagem superior a 0% dos leitores (reparem no nosso extremo rigor, jamais nos podem chamar de exagerados) a correr à página 29, nem sequer reparando, à primeira vista, que a cabeça do Ricardo Salgado (que dizem não estar já ‘bom’ da cabeça) quase tapa o ‘porn’ do pornográfico.

    E depois, olhem: ‘ejaculação precoce’. Afinal, não foi nada daquilo que, naquelas fracções de segundo pela busca sôfrega da página 29, pensariam as pecaminosas e babosas mentes perversas. Na verdade, aquilo que sucedeu foi que “um filme pornográfico com cerca de uma hora tem partes da sua ação filmada dentro da carruagem de comboios da CP”, mas, desgraça, “as cenas mais ‘hardcore’ não se passam dentro da carruagem”. Só temos “a protagonista da película filmada a percorrer [a] composição de um Alfa Pendular”.

    Ora bolas! Pólvora seca. Nadinha mais! Apenas uma senhora vestida de vermelho a passear-se na carruagem, e ao contrário da outra menina que surge na capa do CM (já agora, é a Lusinha Oliveira) nem sequer mostra qualquer lingerie vermelha. Ou de outra cor. Está sempre completamente vestida.

    Em todo o caso, o autor desta ‘linda peça’ de non sense noticioso, o jornalista Miguel Alexandre Ganhão – editor do CM e membro da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista – ainda escreve que “não deixa de ser curioso que a empresa pública apareça associada a este tipo de obra cinematográfica”.

    Aqui, já estamos a imaginar a ilimitada possibilidade de títulos ‘bombásticos’ que este estilo de jornalismo proporciona, se surgirem imagens (não autorizadas, presume-se) de protagonistas de “obra cinematográfica” do estilo hardcore a passearem por locais ou zonas públicas ou privadas antes de, em local mais recatado, mostrarem ‘acção mais concreta’. Eis alguns exemplos:

    Torre Eiffel usada em filme pornográfico

    Mercado da Ribeira usado em filme pornográfico

    Marquês de Pombal usado em filme pornográfico

    Correio da Manhã usado em filme pornográfico

    Bom, se calhar estamos a exagerar. No Correio da Manhã seria impossível. No Correio da Manhã, jamais: é um ‘santificado’ jornal, onde nunca nos passaria pela cabeça associar a ‘badalhoquices’, mesmo se de forma involuntária, não é? Claro que não, caramba! Mesmo que haja por aí imagens que metem classificados com a marca CM, onde surge a divulgar os seus atributos uma “mulata meiga”, uma “bomboca sensual”, uma “loura fogosa” ou uma “gostosa quentinha”. Tudo isto só pode ser uma montagem! E o site no canto superior direito destes classificados (que se calhar o Polígrafo até concluirá ser falso) nem sequer, às tantas, funciona! Tudo fake.


    Dia 6 de Fevereiro de 2024

    Ontem, foi um dia feliz para a imprensa portuguesa com o justo e desejado anúncio da promoção de Rosália Amorim para directora de marketing e comunicação da Ernst & Young (EY), uma consultora que muito trabalhinho tem feito para entidades públicas: contamos no Portal Base 356 contratos de 19,7 milhões de euros.

    Somos apreciadores das qualidades, inatas, de Rosália Amorim na promoção de marcas. Viu-se isso enquanto esteve como directora do Dinheiro Vivo, do Diário de Notícias e na TSF, e também na sua breve passagem na administração da Global Media.

    Na verdade, promover marcas foi o que ela melhor fez nestes cargos de direcção editorial, sobretudo através da sua presença na concretização de parcerias comerciais, mas também na subtileza de algumas notícias ou entrevistas, de tal sorte que nem sempre se conseguia perceber quais eram as que tinham sido pagas ou não. Só não conseguiu promover bem uma marca – ou melhor, conseguiu promovê-la, mas mal: os órgãos de comunicação social da Global Media, e por acrescento o Jornalismo. Aliás, não sou eu, Serafim, que o diz: ainda em Setembro passado, o Conselho de Redacção da TSF se opôs à sua nomeação para a direcção editorial desta rádio, dizendo, preto no branco (como as cores do meu pêlo), que “levanta[va] legítimas dúvidas quanto à sua real capacidade de manutenção de uma política editorial independente”. E ela, mesmo assim, aceitou.

    Por isso, embora haja sempre o ‘risco’ de um qualquer canal televisivo a contratar como ‘comentarista isentíssima’, a sua ida para a EY como directora de marketing e comunicação de uma consultora, além de um justo prémio para uma verdadeira marketeer que vivia no sufoco de ter de parecer jornalista, acaba por ser uma ‘clarificação’ de funções, e sobretudo ‘areja’ o ambiente.

    Ah, e já agora, até para que a notícia do Jornal Económico fique correcta (identifica Rosália Amorim como “ex-jornalista), convém que ela suspenda mesmo a carteira na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista: às 16h18 de hoje ainda estava activa. Não se esqueça, que já vai tarde.


    Dia 5 de Fevereiro de 2024

    De repente, todos estão preocupados com o estado da imprensa, sobre a crise da imprensa, os males da imprensa, e mais não sei o quê da imprensa. E assim sendo, por que não haveria o Centro de Arbitragem Administrativa de encaixar numa sua conferência – dedicada à política da Justiça e ao mediatismo dos casos judiciais – um tempinho para contribuir para uma reposta à magna questão: “Para onde vai o jornalismo?

    Ora, poupem o vosso tempo. Não é preciso ir assistir, porque o programa dá já a resposta, quer no formato, quer nos intervenientes: em meia hora, “Para onde vai o jornalismo” é, basicamente, uma entrevista (como é apresentado) feita por André Macedo a Nuno Santos.

    Sucede que André Macedo – que andou a cirandar, não se sabe por que méritos, pelas direcções do Diário de Notícias e da própria RTP, entre outros lugares de topo em redacções – já nem sequer é jornalista, sendo consultor de empresas de comunicação (sobretudo de apetecíveis farmacêuticas que se fartam de fazer parcerias comerciais), apesar de quando em vez surgir a comentar assuntos na imprensa (de certeza absoluta de forma isentíssima). Eis o futuro do jornalismo: alguém que fez pela vida aproveitando-se do jornalismo, acaba numa empresa de consultadoria de imprensa a entrevistar um jornalista, neste caso Nuno Santos, director da CNN Portugal.

    André Macedo, no canto inferior direito de um painel de comentadores da CNN Portugal, onde Nuno Santos é director editorial.

    Quer dizer: Nuno Santos é, na verdade, um jornalista, mas desde 2011 só ‘de vez em quando’. Na última década, tem sido mais executivo e produtor de conteúdos do que propriamente jornalista – e isso também mostra “para onde vai o jornalismo”.

    Esteve na África do Sul entre 2013 e 2016 como director de conteúdos de um conglomerado de media – onde “a sua paixão e os seus conhecimentos sobre o mundo das telenovelas e do futebol” foram muito elogiados –  e depois seguiu para Espanha para fazer as mesmas tarefas por mais uns anos. Está agora, depois de ter ido montar o Canal 11 da Federação Portuguesa de Futebol e de ser director-geral da TVI (um cargo não-jornalístico), como director editorial da CNN Portugal. Tanto é assim que só muito recentemente Nuno Santos recuperou a sua carteira profissional de jornalista, tendo agora uma numeração (7185) próxima dos ex-estagiários.

    Portanto, sem dúvida, muito oportuno e esclarecedor este evento do Centro de Arbitragem Administrativa: André Macedo e Nuno Santos foram bem escolhidos, embora provavelmente fosse mais adequado que a ‘rubrica’ se intitulasse: “Olhem para onde levámos o jornalismo”.


    SEMANA 05/2024

    Dia 3 de Fevereiro de 2024

    Dizem-me que em antanho, quer dizer em tempos passados, havia a chuva, o sol, o Anthímio de Azevedo, as nuvens, mais as altas e baixas pressões, mais o Costa Alves, mais o anticiclone dos Açores, mais as tempestades e furacões, mais o Costa Malheiro, mais os aguaceiros e as geadas, mais a Sofia Cerveira para algegrar as vistas nos anos 90, e antes a Teresa Abrantes, mais ondulações e mar alterado, mais o José Figueiras, e mais relâmpagos e trovoadas, e mais um sem número de simples fenómenos meteorológicos, que, no passado, nos orientavam, com muita probabilidade de erro, sobre se se deveria levar ou não chapéu de chuva, ou mais ou menos agasalho, também consoante os doutos conselhos das mãezinhas.

    Mas agora, que há todos os satélite e computadores, potentíssimos, já não temos apenas chuva ou sol, vento ou acalmia. Agora temos também a Filomena Martins, directora-adjunta do Observador que é, sem dúvida, a grande jornalista especializada em assuntos meteorológicos, na variante “rio atmosférico”.

    silhouette of trees and purple lightning

    De facto, não sei como ainda sobrevivemos a este ‘novi-clima’ com tanto “rio atmosférico” anunciado pela ‘meteojornalista’ Filomena Martins. Ou, na verdade, não sei como sobreviver à própria Filomena Martins.

    No seu currículo noticioso mais recente, encontro seis notícias a titular o famigerado “rio atmosférico”, sempre num estilo mui peculiar: “Portugal vai ser regado por um rio atmosférico. Vem aí muita chuva já esta terça-feira e deve ficar até meio da próxima semana” (17/10/2022); “Oscar: vem aí uma tempestade rara para esta altura do ano. E pode trazer um ‘rio atmosférico’ na quarta-feira” (4/6/2023); “Uma frente Atlântica, duas tempestades e a hipótese de um rio atmosférico. A chuva volta esta sexta-feira, 13” (11/10/2023); “Rio atmosférico atravessa centro do país. Avisos da proteção civil para chuva e vento: sete distritos sob aviso laranja” (25/10/2023); “Quinta-feira chega um rio atmosférico. E a partir de sexta-feira, dezembro entra gelado” (29/10/2023); “Vem aí mais um rio atmosférico esta quinta (há três distritos sob aviso laranja e cinco a amarelo). Mas o frio vai embora” (5/12/2023); “Um rio atmosférico no final da semana. E um Carnaval molhado e já com frio” (2/2/2024).

    E não são apenas os “rios atmosféricos” que a ‘nossa’ Filomena Martins nos concede para nos assustar.Há tudo, menos uns aguaceiros, ou um frio de rachar; já nem temos direito a um calor de ananases, nem tão-pouco a uma saraivada de partir janelas. Nos textos da Filomena Martins, temos sim, além dos rios atmosféricos, as ciclogéneses explosivas, os ciclones bomba e até os comboios de tempestades. Tudo pavoroso. Um Armagedom.

    painting of man walking down a road holding umbrella

    Mudemos, portanto, a protectora do mau tempo, a Santa Bárbara, certamente incapaz de nos precaver contras os malefícios de tamanhas mudanças meteorológicas. Elejamos, em segura alternativa, a Santa Filomena, e oremos a preceito:

    Ó Santa Filomena, que sois mais forte que as torres das fortalezas e a violência dos rios atmosféricos, fazei com que as ciclogéneses explosivas não me atinjam, os ciclones bomba não me assustem e o comboio de tempestades não me abalem a coragem e a bravura“.


    Dia 1 de Fevereiro de 2024

    Os números! Ai os números, esses malvados que interagem com uma coisa chamada Matemática que serve apenas para infernizar a vida de muitos jovens que, fugindo deles (números) e dela (Matemática), escolhem Letras, e em seguida, em estudos superiores (upa! upa!), acabam por se sentar em Comunicação Social, e daí a nada estão a escrever em jornais onde o 8 e o 80, para eles, são iguais. E quem diz 8 e 80, também pode dizer um e mil.

    Ora, é exactamente um erro de 1.000 que, em catadupa, a nossa imprensa cometeu quando ontem quis falar das exportações de canábis medicinal. Ainda no passado mês de Outubro, o Jornal de Notícias tinha falado sobre o tema, com dados do Infarmed, onde se destacou “os 9271 quilos exportados no ano passado [2022]”, acrescentando-se ainda que os números mostravam não haver “sinais de abrandamento”.

    Ora, a nossa Agência Lusa decidiu actualizar a notícia, com dados finais de 2023, e vai daí, pimba: escolheu alguém que mete pouco tabaco na ‘coisa’, e saiu-lhe porcaria, transformando Portugal numa espécie de Afeganistão de outros tempos. Com efeito, o jornalista da Lusa, certamente por uma névoa nos seus neurónios, não achou estranho que, de repente, se andasse a produzir em Portugal 26.000 toneladas de canábis medicinal. Atenção: notem: 26.000 toneladas. Aqui por casa não se fuma, mas 26.000 toneladas são 26.000.000 quilogramas (26 milhões de quilos) ou 26.000.000.000 gramas (26 mil milhões de gramas). Isto dava para muitas trips, presumo.

    Presumo, não: vamos a contas, mas sem a ajuda do jornalista da Lusa. Como um douto acórdão ensina, um ‘cigarrinho’ feito a preceito leva 0,5 gramas; assim, a produção cá do burgo daria para 52 mil milhões de ganzas, mais de seis ganzas por cada alminha desta Terra. E ainda dá para meia, compartilhada com um parceiro, para se ser preciso. E isto, hélas, incluindo crianças e velhos.

    Nenhuma alminha – leia-se, editor da Lusa – reparou neste disparate, e pior: ao belo estilo do churnalism vai daí e acaba tudo publicado, sem ninguém mais reparar, em tudo o que é jornal da praça (Diário de Notícias, Observador, Expresso, Eco, etc.) como se fosse verdade que Portugal exportou 26.000 toneladas, quando, na verdade, foram apenas 26 toneladas (ou seja, 26.000 quilogramas). Mais tabaco, por favor!


    Dia 31 de Janeiro de 2024

    Se achavam que a Nelma Serpa Pinto, a ‘cara bonita’ da SIC Notícias, atingira o zénite na famosa entrevista em que encalacrou Pedro Nuno Santos, desenganem-se. Muitos e elevados voos se lhe auguram. Ou agoiram, acho eu.

    Um deles foi ontem, como moderadora de um ‘estranho’ debate, em prime time da SIC Notícias, sobre longevidade, que é tema agora mui querido da estação e do jornal (Expresso) da família Balsemão. Nelma brilhou como sempre, colocando em discussão a situação dos pobres velhos sem médico de família, daqueles que caíram que nem tordos no início deste Inverno, os lares inumanos e tantos outros temas candentes da Terceira Idade… Nah! Nanja. Foi um debate fofinho. Tinha de ser um debate fofinho. Até porque àquela hora ainda havia crianças levantadas.

    Avise-se. Aquele debate em tom fofinho de prime time na SIC Notícias (com uma jornalista em espaço informativo), ou ainda as dezenas de artigos sobre longevidade no Expresso nos últimos tempos, nada tem a ver com a existência de uns desinteressados ‘parceiros de projecto’ que dão pelo nome de Novartis (farmacêutica) e Fidelidade (seguradora).

    Certamente, que sem este ‘apoiozito’ (misturado com uns cobres) teríamos visto à mesma a Nelma a moderar aquele debate fofinho com aquelas sumidades, onde se destacavam a ex-ministra da Saúde e candidata a deputada pelo PS, mais um coordenador de um projecto governamental, mais uma demógrafa com ligações à DGS.

    Acho que daqui a umas semanitas, a Nelma sobe ainda mais alto, e irá moderar mais um debate na SIC Notícias, sempre em prime time, e em espaço informativo, com a bênção do ‘mano’ Costa (distinto jornalista), desta vez sobre a pesca do bacalhau… com o apoio da Riberalves, da Oliveira da Serra, do Zêzerovo, da Cooperativa Agrícola de Alhos Vedros e da Casa Ermelinda Freitas…


    Dia 30 de Janeiro de 2024

    Dizem-me que o presidente do Sindicato dos Jornalistas escreve n’A Bola, mas não consegui apurar se se dedica mais a desportos de pés ou de mãos. Pouco interessa. O mais relevante é dizer que está em crise. Neste caso, “o mais relevante é dizer que está em crise” tem três leituras possíveis: pode-se aplicar ao presidente do Sindicato dos Jornalistas, ao próprio Sindicato (por metonímia) e ao jornal A Bola. E todas são verdadeiras.

    Já quanto ao sentido de um comunicado de imprensa do Sindicato dos Jornalistas sobre a violência contra estes profissionais, hoje divulgado, onde se fala de um deles que foi “agarrado pelas pernas e pelos braços”, para se ser claro, será obrigatório dizer que tamanha falta de clareza (se involuntária) se deveu ao facto de ter sido escrito com os pés. Senão, atendamos à seguinte frase desta ‘peça’:

    A agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços, de uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura, e a agressão a uma equipa de reportagem do Porto Canal, à porta de uma fábrica em São João da Madeira, são os dois exemplos mais recentes das ameaças físicas à segurança dos profissionais da Comunicação Social, comunicadas no âmbito do programa sobre a segurança dos jornalistas da OSCE.

    De facto, há aqui duas hipóteses sobre a participação de André Ventura, a saber:

    1) “A agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços, de uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura […]”

    2) ou simplesmente “[n]uma conferência na Universidade Católica, em Lisboa, com a participação de André Ventura […]”, onde, causado por outras pessoas, entre as quais um militante da Iniciativa Liberal, ocorreu “a agressão a um jornalista do ‘Expresso’, que foi retirado à força, agarrado pelas pernas e pelos braços […]”

    No primeiro caso, o André Ventura é um cúmplice.

    No segundo caso, o André Ventura é um azarado.

    E o jornalismo, assim escrito, é um desastre, independentemente de o visado ser o dono da malograda Acácia, ainda mais quando sai da pena do Sindicato dos Jornalistas, que deveria dar o exemplo de rigor, de clareza, de objectividade e de isenção. O jornalista que escreveu este comunicado merecia, metaforicamente falando, ser “agarrado pelas pernas e pelos braços” e arrastado para longe. Com doçura, claro.


    Dia 29 de Janeiro de 2024

    Uma simpatia, a Cristina Freitas. Empática também. Parece que esteve para ser obstetra e depois veterinária. Acabou jornalista, na SIC Porto, com a carteira profissional 5393, predicados suficientes para hoje estar a ser mestre-de-cerimónias do Encontro Fora da Caixa, um evento que serve para a Caixa Geral de Depósitos também ‘financiar’ de forma completamente descomprometida a nossa independente imprensa. Bem esteve, por isso, a nossa empática e simpática Cristina Freitas quando, ao chamar Paulo Moita de Macedo, o CEO da benemérita CGD, vislumbrou uma plateia indiferente e lhe deu, pois bem, um raspanete a preceito: “uma salva de palmas, por favor!” É assim mesmo. A Imprensa e o Jornalismo nasceram para isto: para bater palmas a quem merece!


    Serafim é o Mascot do PÁGINA UM, conveniente e legalmente identificado na Ficha Técnica e na parte da Direcção Editorial, possível pela douta interpretação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social. Qualquer semelhança entre os assuntos relatados e a realidade é pura factualidade.


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  • Discriminação & Kamala & Jogos Olímpicos

    Discriminação & Kamala & Jogos Olímpicos


    Alterações Mediáticas, o podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No terceiro episódio, analisa-se a discriminação de algumas nacionalidades na identificação de autores de crimes, uma prática que viola os princípios do Jornalismo e que alimenta a especulação e as informações falsas. Também, em análise, a promoção de Kamala Harris pelos media e a cobertura da polémica em torno da abertura dos Jogos Olímpicos.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • Justiça ou vingança

    Justiça ou vingança


    Segui a cerimónia de Benjamin Netanyahu no Congresso dos Estados Unidos e não me surpreendi com o resultado: Congressistas aplaudindo, euforicamente, em pé, Congressistas pateando e garantindo, posteriormente, que tinha sido “o pior discurso de sempre de um líder estrangeiro no Congresso”, Famílias das vítimas do Hamas agradecendo a sua acção, Famílias dos ainda reféns criticando as suas palavras.

    Netanyahu sabia que este seria o resultado.

    Tentou justificar toda a contestação dizendo que esta tinha como base o ódio.

    Afirmou, taxativamente, que “o antissemitismo é o ódio mais antigo do mundo”.

    Talvez tenha exagerado, mas não deixa de ter alguma razão.

    Para um cidadão normal, ou que se pretende assim qualificar, como é o meu caso, a questão resume-se a tentar saber qual o caminho que deveria ser seguido pelo responsável de um País vítima de mais um ataque ignóbil dos seus ancestrais inimigos.

    Recordemos o acto que levou Israel a uma guerra sem tréguas contra o Hamas.

    Todos vimos, todos nos arrepiámos, todos nos revoltámos com as imagens de um grupo de bárbaros assassinos a disparar, indiscriminadamente, contra um grupo de homens, mulheres, jovens, crianças, todos desarmados porque se divertiam num Festival de Música.

    Para os assassinos eles cometiam o terrível crime de não seguirem as suas práticas religiosas, ou políticas, ou por serem oriundas de países que consideram inimigos.

    Deixaram, para trás, 260 mortos, mas não contentes com isso arrastaram centenas de sobreviventes que fizeram reféns em masmorras, onde muitos ainda se encontram desde Outubro de 2023.

    A questão que se punha aos políticos de Israel passou a ser a seguinte: Como responder a mais este crime?

    A pergunta não tem resposta fácil para ninguém. Muito menos para uma pessoa com as minhas capacidades.

    blue and white flag on pole

    Sei que os familiares das vítimas exigem, no mínimo, que os agressores tenham um fim pelo menos tão violento como o que deram os seus entes queridos.

    Em suma, exigem vingança. No meu conceito, legitimamente.

    Outros querem, dos responsáveis de um País que se quer democrático e respeitador dos Direitos Humanos, que tentem castigar os agressores, mas sem descer ao nível destes.

    Em suma, pedem Justiça. No meu conceito, com razão.

    Perante isto o que poderia Benjamin Netanyahu fazer?

    Como prender os assassinos que invadiram o seu país, massacraram quase três centenas de pessoas inocentes e raptaram outras centenas, se aqueles regressaram para as suas terras onde têm o apoio de milhares de habitantes dispostos, muitos deles, a defendê-los com armas na mão?

    Os familiares das vítimas exigiam que houvesse uma retaliação sem paralelo, não só contra os que tinham cometido “este” crime mas contra todos os que seguem, há anos, a mesma linha, não só porque ou já tinham cometido outros idênticos ou estavam a ser treinados para cometer novos atentados.

    A justificação que usam, é simples: se não querem seguir as regras internacionais, não ligando à Justiça, então só restará a Vingança.

    Alguns, mais comedidos, chamavam a atenção para o facto destes terroristas (porque é esse o nome que lhes corresponde) não respeitarem, sequer, o seu Povo e o usarem como escudo.

    a wall with a mural on it

    O que levaria a que as forças de Israel acabassem por matar, nos seus ataques, muitos inocentes.

    Ou seja, a cometer os mesmos crimes pelos quais pretendiam castigar os seus adversários e, por consequência, poderem passar a ser rotulados, também eles, de terroristas.

    Não havia uma terceira hipótese.

    A Justiça, como a conhecemos, dificilmente seria conseguida neste caso. Até porque, ainda que se prendessem todos os que entraram em Israel naquele dia fatídico, os grandes responsáveis ficariam livres e a treinar novos atacantes.

    Por sua vez, a Vingança criaria, como acabou por criar, novos adversários, novos inimigos, perante a imagem de ataques indiscriminados com milhares de civis de todas as idades, assassinados pelas forças de Israel que vão deixando, atrás de si, cidades arrasadas e criando um caos absoluto.

    Sabemos de alguns heróis (Gandhi, Mandela, etc.) que souberam responder a todas as violências com atitudes que ficaram como marcas na História Mundial.

    Netanyahu optou por outra via.

    Deixo-lhe as sábias palavras do nosso grande Mestre Agostinho da Silva:

    Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com vingança.

    A justiça há-de ser, para nós, amparo criador, consolação e aproveitamento de forças que andam transviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do Amor.”

    Não queria estar no lugar do líder de Israel.

    Custa-me que ele mantenha a intenção de prosseguir nesta linha de vingança.

    Com alguma dificuldade entendo que ele considere a vingança como única alternativa, principalmente enquanto recordar as imagens de Outubro de 2023.

    Todavia, e sabendo que tal não teria, para ele, a mais pequena importância, nunca lhe apertaria a mão.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • Inapa: uma intrigante insolvência que cheira a esturro

    Inapa: uma intrigante insolvência que cheira a esturro


    Segundo o Governo, acudir a uma dívida de curto prazo da Inapa, que necessitava de uma injecção de 12 milhões de euros, “não reunia condições sólidas, nem demonstrava a viabilidade económica e financeira que garantisse o ressarcimento do Estado”. E daí parte-se para uma insolvência. Atenção: não é para um plano especial de revitalização (PER), que permitiria até uma protecção de credores e uma renegociação da dívida. Não: é a pura e simples liquidação com vista ao encerramento por incapacidade de cumprir pagamentos.

    Não deixa de ser surpreendente que a Inapa – que nas últimas duas décadas viveu tempos complexos, daí que no início do ano 2000 chegou a cotar perto dos 5 euros e agora era transaccionada a 3 cêntimos –, uma empresa dominada pelo Estado, ainda que sem maioria no capital, caía agora com estrondo… num domingo à noite. Estamos a falar de uma empresa portuguesa de 55 anos, uma das mais internacionalizadas, com negócios em 10 países, e que andou às compras, adquirindo empresas na França e na Alemanha, nos últimos sete anos.

    pile of papers

    Cair uma empresa destas num domingo à noite – mesmo que não seja uma empresa ‘mediática’ – é apenas um dos sinais, talvez simbólico (ou não), de que algo não encaixa bem nesta história. Uma decisão de insolvência assumida pelo Governo, que lava as mãos como Pilatos, assim sem mais nem menos, cheira a esturro, e do grande. Que haja dificuldades de liquidez, assume-se que sim, mas, ‘vamos lá ver’ várias coisas.

    A Inapa adquiriu em 2018 (operação concretizada no ano seguinte) a compra da Papyrus Deutschland GmbH & KG ao grupo sueco OptiGroup, que tinha como condição a entrega de 35 milhões de euros de imediato e mais 15 milhões de euros em obrigações convertíveis (em acções). A empresa – então com 33,33% dos direitos de voto detidos pelo Estado, sendo que o Millenium BCP tinha 29,77%, o Novo Banco 6,11% e a Nova Expressão 4,69% – apresentou sempre, desde 2015 a 2018, resultados operacionais (EBIT) positivos: 17,0 milhões de euros em 2015; 21,3 milhões de euros em 2016; 13,7 milhões de euros em 2017; e 10,6 milhões de euros em 2018.

    O “problema” sempre foi a dívida: os encargos financeiros da INAPA causavam invariavelmente um rombo nas contas, ‘comendo’ por ano entre 13,2 milhões e 15,3 milhões de euros. Em 2019, o passivo da Inapa rondava então os 176 milhões de euros. Em Maio de 1999, o então presidente da Inapa, Diogo Rezende, no decurso da aquisição da empresa alemã (que passou a representar mais de 60% dos recursos humanos), declarou que a dívida descera em 2018 em termos brutos cerca de 26 milhões euros, e que nos últimos 10 anos a dívida decaíra 200 milhões de euros.

    Vista agora à distância de cerca de cinco anos, a compra da Papyrus Deutschland terá sido o harakirir da Inapa, embora do ponto de vista de alguns indicadores económicos e financeiros a empresa até estivesse a apresentar uma evolução francamente positiva. É certo que o presidente da Inapa – que abandonou a empresa no ano passado – previa que a facturação subiria, com a aquisição da empesa alemã, dos 860 milhões de euros em 2018 para valores entre 1.300 e 1.400 milhões de euros, tornando-se “o player número 1 nos dois maiores mercados europeus”.

    Mas isso nunca sucedeu. A Inapa, mesmo com o fluxo da empresa alemã, nunca chegou ao limite mínimo proposto, e entre 2020 e 2023 somente por dois anos (2020 e 2022) suplantou a fasquia de 1.000 milhões de euros em receitas. Em 2023, por exemplo, ficou-se nos 968,7 milhões. Ou seja, se tivesse facturado o mínimo previsto em quatro anos (5.200 milhões de euros), os resultados operacionais teriam sido francamente melhores. Aliás, no ano de 2022, quando as vendas atingiram os 1,2 mil milhões de euros, a Inapa até apresentou lucros interessantes (17,8 milhões de euros), depois de pagar 19,1 milhões de euros de IRC ao Estado, o mesmo que agora acha demasiado injectar 12 milhões de euros.

    Em todo o caso, não deixa de ser extremamente intrigante que o Governo social-democrata tenha puxado agora o ‘tapete’ à Inapa quando a dívida líquida, embora extremamente elevada, estava em finais de 2023 em níveis substancialmente mais baixos do que em 2020, logo após a aquisição da Papyrus Deutschland. Nesse ano, a Inapa encerrou as conta com uma dívida líquida de 315 milhões de euros, que resultou num encargo financeiro de 15,5 milhões de euros. Apenas três anos depois, em 2023, a dívida líquida tinha descido para cerca de 207 milhões de euros (reduziu, assim, 108 milhões de euros), embora resultando, por via do aumento das taxas de juro, em encargos financeiros de 20 milhões de euros.

    Joaquim Miranda Sarmento, ao centro: ministro das Finanças decidiu que a melhor solução para uma empresa que com uma dívida líquida de 207 milhões de euros, mas que conseguira reduzi-la em 108 milhões em três anos, era ‘liquidá-la’ de imediato.

    Obviamente, seria sempre incerto, ainda mais não detendo todos os elementos financeiros (e nem tempo para os analisar em detalhe), prever o futuro da Inapa, mas parece absurdo, para já, que com uma surpreendente facilidade o Governo queira deitar fora a ‘água suja’ (descartando uma falta de liquidez de 12 milhões de euros), sujeitando-se a deitar o ‘menino fora’, isto é, uma empresa do sector do papel bem posicionada no mercado internacional, independentemente dos erros de gestão cometidos.

    Uma solução pela via da simples e rápida insolvência – para “proteger o dinheiro dos contribuintes”, Pedro Reis, ministro da Economia, dixit – aparenta ser, na verdade, a pior solução para os contribuintes, trabalhadores e para o próprio Estado, além de ir contra a posição da certificação legal das contas de 2023 feitas pela PricewaterhouseCoopers (a não ser que esta auditora tenha andado a ‘apanhar bonés’), que não traçou qualquer quadro de incumprimento financeiro para este ano.

    Uma insolvência, pura e dura, pode colocar em causa, de forma drástica, todos os valores de goodwill e dos activos intangíveis da Inapa, no valor de 229 milhões e 103 milhões de euros, respectivamente, o que não sucederia se a empresa de mantivesse ou, no limite, fosse vendida.

    Por outro lado, com a insolvência, além do emprego perdido, haverá trabalhadores da Inapa a verem esfumar-se os complementos de pensões. No passivo estão contabilizados quase 17 milhões de euros em “benefícios concebidos a empregados”. Isto passar a ser assumido pelos contribuintes não parece ser uma impossibilidade.

    Além disso, há quem não vá ficar, mesmo fora do país, muito contente com esta decisão intempestiva do Governo português. Por exemplo, o Estado francês deu uma garantia de mais de 4,7 milhões de euros por um empréstimo obtido pela Inapa no âmbito da covid-19.

    O grupo sueco, anterior dono da Papyrus Deutschland, também não ficará satisfeita porque apostava em ser reembolsada das obrigações de 15 milhões de euros até Junho de 2026, com juros trimestrais à taxa fixa de 5%, e que assim ficará a ‘ver navios’ sem sequer poder converter a dívida em acções porque a Inapa será ‘desfeita’. Cheira-me que isto vai parar a tribunal e quem pagará, se o Estado perder, serão os contribuintes.

    Além disso, mais de 13 milhões de euros em obrigações com maturidade em Setembro de 2025 resultarão em prejuízos para muitos investidores, agravando a confiança dos mercados, ainda mais por suceder numa empresa que dava como garantias ter o Estado como accionista principal.

    No meio disto tudo, e para terminar estas incredulidades, uma última nota – ou duas interligadas. A Inapa, como penny stock, praticamente não transaccionava na Euronext. No período de 2018 a 2021 mudaram de mãos, por ano, um número de acções entre apenas 23 mil e 56 mil. Em 2022 subiu para quase 150 mil acções transaccionadas, e em 2023 subiram para 314.346 acções, quase superando o longínquo ano de 2009, quando as cotações chegaram aos 0,68 euros (cerca de 20 vezes mais do que agora).

    grayscale photo of dried leaves

    Esta ‘actividade’ foi acompanhada, por um lado, pela depreciação das cotações, mas também pelo ‘desaparecimento’ da exposição do Millenium BCP. Em 2019, o banco detinha 17,77% das acções da Inapa e o seu fundo de pensões mais 9,45%, totalizando assim 27,22%. Neste momento, o Millenium BCP não tem qualquer posição qualificada, ou seja, se ainda for accionista detém já menos de 5%. Parece que adivinhou…

    P.S. Se se confirmar a abordagem do grupo nipónico Japan Pulp & Paper Co. para a aquisição da Inapa, esta estratégia do Governo apenas se mostra possível num quadro intencional de desvalorização de activos. Mais uma vez quem ficará a perder é o contribuinte. Sempre. Em todo, o caso, será interessante ver como os Ministérios das Finanças e da Economia tratarão, em breve, os casos da Trust in News e da Global Notícias, que aliás têm dívidas fiscais e à Segurança Social, ‘coisa’ que não sucede com a Inapa.


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  • Trio de ataque no campo da Justiça

    Trio de ataque no campo da Justiça


    Na sua última entrevista concedida ao jornal Observador – para corrigir um artigo de opinião anteriormente publicado no Expresso – o ex-Presidente Cavaco Silva, quando perguntado sobre a reforma da justiça, respondeu da seguinte forma aos seus entrevistadores: “A justiça não é a minha área. Essa é uma área em que eu não estou em condições de dar a minha opinião.”

    Ainda que seja de estranhar a estreiteza da resposta (diante do facto de o entrevistado ter forçosamente convivido, nas altas funções políticas que desempenhou ao longo de muitos anos, com as mais diversas questões da Justiça), a mesma tem no entanto o condão de servir às mil maravilhas como ponto de partida para o confronto com as intervenções das personalidades que venho hoje chamar a terreiro, todas elas também ex-titulares de altos cargos políticos.

    Para obviar o corrente pecado (trazido pelo menos do começo do século XIX) do “roubo do tempo”, por parte dos meios de comunicação social, deixaremos a outros a espuma, passando ao lado, para dar um exemplo, da (primeira e última) entrevista concedida há dias pela Procuradora-Geral da República em funções à televisão pública, para nos fixarmos em aspectos deveras curiosos da presente discussão nacional sobre a (dita) reforma da Justiça.

    1. PRIMEIRA CURIOSIDADE

    Não sendo esta a primeira vez que escrevo nos últimos meses sobre as “reformas da Justiça”, lembrança que deixarei propositadamente para o final, nem sobre o método mais “asado” (no suave dizer de há uns séculos) para conduzir reformas num país tão especial como o nosso – tendo sugerido então o remédio recomendado em 2018 por Vasco Pulido Valente (de fazer muitas pequenas reformas bem feitas) – , não poderia, tão-pouco, deixar de reafirmar: (i) que o funcionamento da Justiça é há muito tempo um dos maiores e mais prementes problemas do nosso país[1]; (ii) que o “Manifesto dos 50” cumpriu um papel relevante[2] (ainda que as suas funções primárias tenham sido mais de reacção e de denúncia de certas práticas do que as de diagnóstico ou de definição de uma estratégia ou de um programa de reforma); (iii) que, em matéria de práticas, é antes de mais às pessoas (que lideram, que corporizam e que supervisionam as instituições em causa) que a responsabilidade pelos abusos deve ser imputada; (iv) que problemas complexos como os da Justiça não podem ter respostas simples, reactivas ou isoladas, nem respostas que desconsiderem o que já foi[3] (ou está a ser)[4] estudado ou proposto, nem respostas incapazes de olhar ao horizonte dos problemas e das vias praticáveis de solução.

    Sendo estes, como não podiam deixar de ser, os pressupostos de partida, a primeira grande curiosidade da presente discussão é a de que nenhuma das pessoas que esteve na génese, nem as que na esfera política mais tem dinamizado o “Manifesto dos 50”, é jurista, nenhuma delas realizou ou publicou qualquer estudo sobre a matéria[5] e nenhuma delas deu provas de dispor de uma visão estruturada sobre o problema[6].

    Causa Pública – debate sobre a reforma da Justiça (17 de Julho de 2024)

    Como essas pessoas são conhecidas e, além disso, tudo têm feito para que as suas opiniões[7] sejam levadas aos mais diversos palácios, instituições e órgãos – incluindo aí, valha-nos Deus, o Conselho de Estado![8] –, são estes os seus nomes: Rui Rio, Eduardo Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva.

    Eis o nosso trio.

    Algumas palavras então sobre o perfil e o estilo de jogo de cada um desses nomes (cuja média de idades os situa na faixa senatorial dos 69 anos), agora portanto ao serviço do “Manifesto pela Reforma da Justiça e pela Defesa do Estado de Direito Democrático”.

    a) Rui Rio, personalidade cujo “retrato político” Vasco Pulido Valente executou repetidas vezes (sem necessidade de lhe acrescentar ou retirar seja o que for), destacou-se[9] por quase ter conseguido destruir o PSD como grande partido nacional e, de caminho, abalroar o estatuto da Oposição (designadamente com os acordos que estabeleceu com António Costa em matérias como a dos debates quinzenais).

    Antigo secretário-geral do PSD, autarca reconhecido, desde logo pela forma como conquistou o município do Porto, uma vez chegado à liderança do PSD, na matéria que agora tratamos, Rui Rio notabilizou-se particularmente: (i) por ter sensibilizado[10], logo em Julho de 2018, o Presidente da República no sentido de que os partidos se deveriam juntar «em torno do projeto de reforma da Justiça, no qual os sociais-democratas têm estado a trabalhar»[11]; (ii) por ter, ao que parece[12], realmente apresentado aos partidos, um documento confidencial de 51 páginas, intitulado “Compromisso com a Justiça – Um Compromisso por Portugal!”, texto (para nós desconhecido)[13] a que, segundo a generalidade da imprensa da época, nenhum partido ou órgão do Estado quis dar atenção ou seguimento; (iii) por ter apresentado, segundo o site do PSD[14], em 30 de Agosto de 2019, as “medidas do Partido para a área da Justiça” (documento que, desta vez, não é possível localizar no referido site); (iv) por nos remeter por tudo isso apenas para as páginas do Programa Eleitoral para as Eleições Legislativas de 2019[15] [16].

    Rui Rio – pessoa que há muito tem ideias fixas e bem assinaladas neste domínio[17] –, pelo que têm revelado diversos dos primeiros subscritores do Manifesto, é desde a origem[18] o maior dinamizador e arauto do documento em causa, fazendo agora da matéria repetido objecto de discurso semanal.

    Rui Rio

    b) Eduardo Ferro Rodrigues, ex-secretário-geral do Partido Socialista, Ministro em diversas pastas em três Governos, representante de Portugal na OCDE, foi também o Presidente da Assembleia da República com o pior desempenho de todos, entre 1976 e 2022. É verdade que a sorte lhe foi adversa, no exercício deste último cargo: por um lado, calhou-lhe a simultânea presidência de Bruno de Carvalho no seu clube[19]; calhou-lhe também o aparecimento de novos partidos no Parlamento; mas sobretudo calhou-lhe igualmente a pandemia da COVID 19, problema para a liderança parlamentar do qual não estava manifestamente preparado (como o Tribunal Constitucional veio a atestar em 2022).

    Não se lhe conhecendo pensamento, experiência ou trabalho relevantes na área da Justiça, é realmente com alguma surpresa que, depois de décadas de exercício dos mais diversos cargos públicos, nele tenha despertado um tão forte empenho argumentativo contra as práticas abusivas do Ministério Público e pela defesa do Estado de Direito democrático, quando foi ao seu desempenho como Presidente da Assembleia da República que se ficou a dever uma boa quota-parte dos mais graves, numerosos e massivos atropelos aos direitos fundamentais das pessoas e ao Estado de Direito democrático, em todas as suas dimensões[20], cometidos em Portugal nos últimos cinquena anos. Muitos desses atropelos e muitas dessas ofensas constituem mesmo crimes (como o da privação ilícita da liberdade), alguns ainda em investigação e maior parte deles de todo por investigar.

    Para quem está empenhado na defesa do Estado de Direito democrático, lógico seria que tivesse mandado apurar, logo na sede parlamentar, os abusos cometidos pelas instituições e pelos órgãos do Estado durante os últimos dois anos do exercício do cargo, para que agora lhe pudesse sobrar alguma autoridade – ou que revelasse agora um não menor desvelo cívico relativamente à identificação e responsabilização por atropelos muitíssimo mais graves.

    Eduardo Ferro Rodrigues, à esquerda

    c) Augusto Santos Silva é, diversamente das duas personalidades anteriores, um académico que também foi Ministro, com créditos reconhecidos, em cinco diferentes pastas de vários Governos Constitucionais, tendo no final desempenhado por quase dois anos o cargo de Presidente da Assembleia da República.

    Todavia, como tive oportunidade de referir, «por razões muito distintas das do seu antecessor, o menos que se pode dizer (num Estado constitucional, onde vigora a regra de que os governantes respondem e têm de prestar contas perante o Povo) é que, em menos de dois anos, se foi acumulando um considerável número de erros» da parte do então novo titular do cargo de Presidente da Assembleia da República[21], tendo, alguns meses mais tarde, resumido o seu desempenho deste modo: foi um Presidente que preferiu tomar partido, um Presidente que preferiu a polarização, um Presidente que abusou dos seus poderes, um Presidente que decidiu questões parlamentares relevantes sem olhar às exigências do Estado de Direito[22].

    No que respeita aos problemas da Justiça, talvez o mais relevante a trazer à luz seja o facto de Augusto Santos Silva ocupar precisamente o cargo de Ministro dos Assuntos Parlamentares quando, a 8 de Setembro de 2006, foi rubricado no Parlamento, pelos Presidentes dos Grupos Parlamentares do PS e do PSD (Alberto Martins e Luís Marques Guedes, respectivamente), o “Acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça celebrado entre o PS e o PSD”[23].

    Ora, olhando ao núcleo das actuais disputas, qual era a primeira medida prevista nesse acordo quanto à revisão do Código de Processo Penal?

    A de restringir o segredo de justiça, «passando, em regra, a valer o princípio da publicidade, só se justificando a aplicação do regime de segredo quando a publicidade prejudique a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais»[24].

    Ou seja, a primeira medida prevista no Pacto da Justiça de 2006 (e como tal também acolhida pela Ministra da Justiça do Governo de Passos Coelho e por muita doutrina especializada[25]) é afinal a mais execrada publicamente por Rui Rio e uma das mais criticadas no “Manifesto dos 50”. É questão para perguntar: em qual dos dois lados da ponte (e do tempo) pretende ficar Augusto Santos Silva?

    E qual era a última proposta do Pacto de Justiça de 2006?

    Era a do reconhecimento da autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura, acrescentando que deviam ser «criadas as adequadas condições que assegurem a presença, em regime de permanência, de membros não magistrados no Conselho»[26].

    Augusto Santos Silva

    Por que razão não constam do “Manifesto dos 50” estas (e muitas outras) propostas? Uma interpelação a dirigir igualmente a Augusto Santos Silva.

    Diga-se, por último, que um dos «erros» imputados a Augusto Santos Silva como Presidente da Assembleia da República respeitou às sucessivas declarações por ele prestadas após o dia 7 de Novembro de 2023, acerca de alegadas interferências da Justiça no normal funcionamento do sistema político[27], entendendo estarem aí em causa as limitações funcionais inerentes ao cargo, bem como o respeito pelo princípio da independência dos tribunais, na medida em que a finalidade deste princípio é a de defender os tribunais de ingerências, pressões ou instruções que possam vir dos demais poderes do Estado[28].

    2. SEGUNDA CURIOSIDADE

    Um outro aspecto que não tem sido devidamente considerado na esfera pública respeita ao facto de Rui Rio estar ‘envolvido’ numa investigação criminal[29] que se prende com a utilização das verbas afectas ao funcionamento dos grupos parlamentares e dos respectivos gabinetes, investigação essa que (pelo tempo que leva e pela matéria sobre que versa) acaba por envolver de alguma forma também os anteriores Presidentes do Parlamento.

    Não vem decerto a propósito transformar um texto de opinião em parecer jurídico, mas tão-pouco sendo esta a primeira vez que escrevo sobre o assunto, posso reunir aqui alguns tópicos de ajuda ao leitor, de modo a facilitar-lhe a revelação do potencial alcance da nova curiosidade:

    • Segundo declarações prestadas pelo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que se ocupou do tema da natureza jurídica dos grupos parlamentares na sua tese de doutoramento, a regulação legal desta matéria carece de clarificações, por haver nela uma “zona cinzenta” [30];
    • O facto de uma prática ser comum não a torna aceitável, como prontamente replicou Susana Peralta à pseudo-alegação de Rui Rio[31], enfatizando que, apesar de os nossos representantes terem podido tornar as regras mais claras, «ao invés, maximizaram a conveniente zona cinzenta»[32];
    • Todavia, o regime do financiamento dos partidos e dos grupos parlamentares em Portugal não tem apenas obscuridades e zonas cinzentas, está ainda envolto em inconstitucionalidades, em práticas abusivas e em mantos de encobrimento.
    • Inconstitucionalidades, a começar pela inconstitucionalidade formal da Lei de organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República (com as suas sucessivas alterações), uma vez que a matéria respeitante aos partidos políticos é da reserva de lei orgânica[33], razão pela qual não deve, nem pode, haver regimes de financiamento dispersos ou avulsos, como aquele sobre o qual versa o processo criminal em causa;
    • Práticas abusivas da parte de alguns (embora não de todos) os partidos políticos, que se aproveitam precisamente das zonas cinzentas da Lei de organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República, para satisfazerem despesas correntes de financiamento dos partidos, quando estas nem sequer deveriam ser financiadas (à luz da jurisprudência constitucional alemã e à luz da natureza jurídica primária desse tipo de organizações);
    • Mantos de encobrimento, resultantes de sucessivas e cavilosas alterações a esse regime jurídico, alegadamente para o clarificar, mas na realidade para garantir a persistência de práticas ilegítimas e iníquas dos partidos, por ofensivas das exigências inerentes ao princípio democrático[34].
    books in glass bookcase

    Por tudo isso[35], não foram surpresa nenhuma as notícias de Julho de 2023, de que havia investigações criminais a decorrer ou de que estavam a ser feitas buscas à casa de um ex-dirigente partidário ou às sedes do partido político que o mesmo liderara; se nessas diligências foram respeitados os princípios e as regras constitucionais e legais é uma questão totalmente diferente – para isso, existem as normas processuais.

    No final, qual é então a grande curiosidade?

    É a de que, ao contrário do que parece, Rui Rio, antes de mais, mas também Eduardo Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva, depois, enquanto principais arautos do “Manifesto dos 50”, não estão apenas a lutar pela defesa do Estado de Direito democrático: estão também a defender um interesse particular, no âmbito de uma matéria politicamente delicada, onde todos eles, podem estar no final, de uma maneira ou de outra, pelo menos politicamente ‘envolvidos’[36].

    Mais não é preciso acrescentar.

    3. DA CAPO

    Para regressar ao ponto inicial, como prometido, recordo então aqui a dezena de propostas concretas de “reformas da Justiça” – no caso, as mais prementes, sem considerar as de revisão constitucional – apresentadas no início do ano (e que divulguei à opinião pública em Maio de 2024)[37]

    REFORMAS DA JUSTIÇA

    Segundo o método de pequenas correcções

    Gerais

    1 – Atribuição de total autonomia administrativa e financeira ao Conselho Superior de Magistratura, com inerente transferência de responsabilidades e poderes até agora confiados ao Ministério da Justiça.

    2 – Imediata aprovação dos decretos-leis de desenvolvimento da autonomia administrativa e financeira dos Tribunais da Relação.

    3 – Revisão da Lei do Tribunal Constitucional, com pelo menos as seguintes duas alterações fundamentais:

    Previsão de que o Tribunal Constitucional possa, no seu Regulamento Interno, prever a existência de audiências públicas, bem como a admissão e configuração do regime do amicus curiae, nos processos de elevada transcendência constitucional, assim considerada por proposta do Presidente, confirmada por maioria absoluta dos Juízes do Tribunal Constitucional;

    – Previsão do efeito meramente devolutivo nos recursos de constitucionalidade previstos no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional[38].

    4 – Aprovação de uma directriz legislativa contra a prolixidade das peças processuais, de todos os actores processuais, magistrados incluídos.

    5 – Proibição legal da greve dos juízes[39] e limitação da greve dos magistrados do Ministério Público.

    6 – Recrutamento de engenheiros de processos para os principais tribunais.

    Justiça Penal

    1 – Limitação dos mega-processos aos casos estritamente necessários, exigindo para o efeito resolução fundamentada do Procurador-Geral da República.

    2 – Fortalecimento e responsabilização da função e do papel da hierarquia do Ministério Público, com exigência designadamente da apresentação de um relatório anual à Assembleia da República por parte da Procuradoria-Geral da República.

    Justiça Administrativa

    1 – Instituição de um mecanismo transitório[40] alternativo[41], de natureza voluntária, para a parte que não seja a entidade pública no processo, com vista ao desembaraço da acumulação e da excessiva duração dos processos na primeira instância dos tribunais administrativos.

    2 – Rápido provimento dos juízes em falta nos tribunais administrativos.

    José Melo Alexandrino é professor universitário

    Parque das Nações – Campus da Justiça

    [1] Sabendo-se à partida como a Justiça é uma deusa difícil de servir (como, em vão, tive oportunidade de dizer na saudação inicial de uma conferência proferida em Luanda, no ano de 2010 (em texto disponível aqui); para corroboração, ao nível das percepções dos portugueses, desse ponto-cego do nosso sistema (Teresa Violante), veja-se o recente estudo de Pedro Magalhães/Nuno Garoupa, Estado da Nação 2024: inquérito sobre a justiça, Lisboa, 2024 (disponível aqui), com ¾ dos inquiridos a responder que o sistema de justiça funciona mal ou muito mal (ibidem, p. 10).

    [2] José Melo Alexandrino, «Justiça: reforma ou reformas?», in Observador, de 11 de Maio de 2024, disponível aqui, para assinantes).

    [3] Nomeadamente os estudos desenvolvidos no âmbito académico ou no de observatórios criados para o efeito, os estudos ou livros preparados no âmbito parlamentar ou governativo, o teor de Pactos de Justiça (como o de 2006) ou de propostas similares apresentadas ao longo dos anos, bem como as investigações, gerais (como as de Nuno Garoupa) ou parcelares aprofundadas (como sucede, quanto ao problema da fiscalização concreta e dos recursos para o Tribunal Constitucional, com o sólido contributo de Jorge Reis Novais) já levadas a cabo.

    [4] Lembro particularmente a discussão formalmente desencadeada em 17 de Julho de 2024 pela associação Causa Pública (num processo que se pretende concluir no final do ano, com a apresentação de uma proposta concreta, informada e discutida).

    [5] Apesar de, em medida diferente, todas elas terem publicado alguma coisa, em diversas outras áreas.

    [6] Muito diversamente, para dois bons exemplos de pessoas que têm esse tipo de visão, veja-se a entrevista concedida por Cunha Rodrigues ao Jornal Público e à Rádio Renascença, em 18 de Julho de 2024 (disponível aqui), ou o texto de opinião de Alberto Costa («Uma trajectória na esfera penal», in Diário de Notícias, de 18 de Julho de 2024, disponível aqui), neste segundo caso, na linha precisamente da excelente intervenção feita pelo Conselheiro Noronha do Nascimento no dia anterior (no debate organizado pela associação Causa Pública).

    [7] Mal não fará a releitura do fragmento (de 1919) de Fernando Pessoa “Em matéria de assuntos sobre que se possam ter opiniões” (disponível aqui); em idêntico sentido, mas em concreto, Cândida Almeida, «Os especialistas em tudo», in Jornal de Notícias, de 14 de Julho de 2024 (disponível aqui).

    [8] Eduardo Ferro Rodrigues, «Sobressalto e sobressaltos», in Diário de Notícias, de 6 de Julho de 2024 (disponível aqui).

    [9] Depois do desaparecimento físico desse nosso saudoso historiador e colunista.

    [10] Depois das críticas feitas ao legado de Passos Coelho nesse sector (veja-se a esse respeito, por exemplo, a notícia do jornal Observador, de 7 de Julho de 2018, disponível aqui).

    [11] Notícia da Agência Lusa, divulgada pelo jornal Observador, em 31 de Julho de 2018 (disponível aqui).

    [12] Segundo notícia do Expresso de 13 de Outubro de 2018 (retomada por outros jornais).

    [13] Apesar dos esforços desenvolvidos nestes dias para o desencantar.

    [14] Cfr. <https://www.psd.pt/pt/noticias/rui-rio-apresentou-medidas-para-justica> (16 Julho 2024).

    [15] Documento disponível aqui, pp. 18-23.

    [16] À luz deste resumo, é perfeitamente natural que 73% dos portugueses concluam que nenhum partido político «tenha melhores respostas [do] que os outros para os problemas da Justiça» (cfr. Pedro Magalhães/Nuno Garoupa, Estado da Nação…, cit., p. 43), tendo por isso inteira razão Nuno Garoupa nas considerações que a esse respeito produziu, por ocasião do lançamento desse estudo.

    [17] E por isso mesmo, com razão, liminarmente rejeitadas por António Costa.

    [18] Na medida em que na lista dos 50 subscritores iniciais do documento, há alguns amigos e pessoas pelas quais tenho grande estima académica e cívica, é inteiramente devida esta anotação sobre a génese do “Manifesto dos 50”: passando ao lado do conteúdo, por conhecer o pensamento, as obras e o estilo dessas pessoas, estou absolutamente seguro de que não foi da pena de nenhuma delas que partiu um texto tão mal estruturado e tão medíocre do ponto de vista estilístico – bastando para o efeito atentar no abuso da adjectivação (com interesse, veja-se o artigo de 14 de Julho de 2024 do Professor Nuno Guimarães, disponível aqui).

    [19] O que viria a “obrigá-lo” a uma (rara) intervenção pública no Parlamento (notícia disponível aqui).

    [20] A que se deve acrescentar a, sempre ignorada, ofensa grosseira e continuada, nesse período, ao princípio do Estado unitário.

    [21] José Melo Alexandrino, Manchas sobre o Speaker, texto inserido a 26 de Março de 2024, p. 1, 1 (texto disponível aqui).

    [22] José Melo Alexandrino, «A liberdade de expressão no Parlamento», in PÁGINA UM,emtexto inserido a 19 de Maio de 2024 (disponível aqui).

    [23] Texto disponível aqui.

    [24] Acordo político-parlamentar…, cit., p. 5.

    [25] Doutrina na qual sempre me revi, tendo imediatamente defendido que a constitucionalização do segredo de justiça (no artigo 21.º, n.º 3), feita pela revisão constitucional de 1997, é «um caso onde uma previsão constitucional favorece a segurança jurídica e a ordem social, mas, em contrapartida, determina limitações na extensão dos direitos fundamentais, requerendo não só uma interpretação restritiva, quanto impondo uma hermenêutica insusceptível de colidir com um adequado sistema de direitos fundamentais, sob pena de resultar inconstitucional» (cfr. José Alberto de Melo Alexandrino, Estatuto constitucional da actividade de televisão, Coimbra, 1998, p. 128, nota 257).

    [26] Acordo político-parlamentar…, cit., p. 14.

    [27] José Melo Alexandrino, Manchas sobre o Speaker, cit., p. 6.

    [28] José Melo Alexandrino, Lições de Direito Constitucional, vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2024, p. 74.

    [29] Notícia do Público on-line, de 12 de Julho de 2023: «PJ fez buscas a casa de Rui Rio e às sedes do PSD em Lisboa e Porto» (disponível aqui, para assinantes).

    [30] Registo da RTP Notícias, de 14 de Julho de 2023 (disponível aqui).

    [31] Susana Peralta, «Rui Rio riu», in Público, de 14 de Julho de 2023, p. 9 (disponível aqui, para assinantes).

    [32] Ibidem.

    [33] Neste sentido, cfr. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 2010, p. 313 [em anotação ao artigo 164.º, alínea h), disposição para que remete o artigo 166.º, n.º 2, da Constituição].

    [34] Sobre a matéria, José Melo Alexandrino, Lições de Direito Constitucional, vol. II, cit., pp. 101-111.

    [35] Para uma avaliação informada do conjunto do problema, Paulo Trigo Pereira, «O dinheiro dos grupos parlamentares deve ser dos partidos?» in Observador, de 23 de Julho de 2023 (disponível aqui, para assinantes).

    [36] Escusado será dizer que é, por conseguinte, perfeitamente natural que o dedo esteja igualmente apontado ao próximo Procurador-Geral da República.

    [37] José Melo Alexandrino, «Justiça: reforma ou reformas», cit.

    [38] Esta medida permite, de uma assentada, realizar os seguintes quatro fins: 1) acelerar os tempos da Justiça; 2) racionalizar o acesso dos particulares e empresas ao Tribunal Constitucional; 3) pôr um travão sério a que haja “uma Justiça para pobres e uma Justiça para ricos”; 4) pôr termo a uma das mais perversas e discriminatórias manobras dilatórias existentes no nosso sistema.

    [39] Sobre o problema, por todos, José de Melo Alexandrino, «A greve dos juízes – segundo a Constituição e a dogmática constitucional», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, no centenário do seu nascimento, vol. I, Lisboa, 2006, pp. 775-777.

    [40] Propondo-se para o efeito um prazo de 5 anos, a contar da entrada em vigor da respectiva lei.

    [41] Como pode ser a opção pelo recurso aos tribunais comuns e às normas do Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações, parametrizadas por lei.


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