Categoria: Sociedade

  • Ordem judicial obriga desbloqueio de ponte mas manifestantes ganham alento com 9 milhões de dólares

    Ordem judicial obriga desbloqueio de ponte mas manifestantes ganham alento com 9 milhões de dólares

    O terceiro fim-de-semana do Comboio da Liberdade aproxima-se e as posições de ambos os lados continuam irredutíveis, mas civilizadas. Trudeau não aceita negociar; os manifestantes não arredam pé de Ottawa, apesar de se sucederem ordens judiciais. Entretanto, a GoFundMe já é passado; em uma semana, os organizadores conseguiram arrecadar mais do que aquilo que perderam com a decisão da semana passada daquela plataforma de crowdfunding.


    O Tribunal Superior de Justiça de Ontário ordenou o fim do bloqueio da Ambassador Bridge, que liga Windsor a Detroit, e que constitui uma das principais ligações comerciais entre o Canadá e os Estados Unidos.

    A ponte tem estado bloqueada há cinco dias por camionistas integrados no Freedom Convoy, e abre assim mais uma frente de conflito com a aproximação do terceiro fim-de-semana de protestos na capital Ottawa contra as restrições e mandatos impostos pelo Governo de Justin Trudeau.

    A decisão foi tomada em audiência nesta sexta-feira e as especificidades ainda estão a ser finalizadas, de acordo com a CBC News. Com esta medida, a polícia passa a ter uma base legal mais forte para uma intervenção mais musculada, uma vez que os incumprimentos passam a ser crime.

    Contudo, ao longo desta semana, apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy) mantém-se forte. E nenhuma das partes parece desejar ceder.

    Porém, nos últimos dias, outras províncias canadianas têm mostrado sinais de cedência. Na terça-feira passada, foram levantadas várias restrições na província de Saskatchewan, entre as quais o uso de máscara e a proibição de entrada em restaurantes dos não-vacinados. As províncias de Alberta e Quebec também estabeleceram um plano programado de levantamento das restrições até Março.

    Mas na capital as autoridades provinciais e federais têm tido uma postura diferente, tentando eliminar simplesmente os protestos. Na última semana têm procurado “sabotar” o fornecimento de bens aos manifestantes, e sobretudo o financiamento. Recorde-se que, há uma semana, a plataforma de crowdfunding GoFundMe cedeu às pressões do Governo de Justin Trudeau, e bloqueou nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros), provocando uma fúria dos internautas que colocaram a credibilidade daquele empresa em nível muito baixo.

    Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá.

    No entanto, para os manifestantes esse revés transformou-se num novo alento: através de uma plataforma similar, a GiveSendGo, foi atingida em apenas uma semana a fasquia dos 9 milhões de dólares americanos, equivalente a quase 8 milhões de euros.

    Esta verba é já superior ao montante “congelado” pelo GoFundMe, que entretanto foi pressionado a devolver integral e automaticamente todas as verbas doadas.

    Porém, as autoridades têm tentado a via judicial para que essas verbas não cheguem ao destino. Se essa é uma possibilidade, o mesmo não sucederá com as bitcoins arrecadadas numa outra campanha de apoio aos manifestantes.

    Na Tallycoin foram já angariadas criptomoedas no valor de mais de 800 mil euros. Por se basear num sistema monetário descentralizado e completamente anonimizado está imune a qualquer interferência judicial e política.

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • Carta aberta de médicos acusa bastonário Miguel Guimarães de violação deontológica

    Carta aberta de médicos acusa bastonário Miguel Guimarães de violação deontológica

    Uma carta aberta de destacados médicos acusa Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, de querer deter “poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta”. O PÁGINA UM revela em primeira-mão, em exclusivo, o teor integral de uma dura missiva enviada a todos os órgãos da Ordem dos Médicos, pedindo-lhes que “avaliem os factos recentes e incentivem a que todos os médicos sejam devidamente respeitados”.


    Um conjunto de 23 médicos – entre os quais o catedrático Jorge Torgal (antigo presidente do Infarmed) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia) –, e mais dois médicos dentistas, escreveram esta tarde a todos os membros dos vários órgãos da Ordem dos Médicos (OM) acusando o bastonário Miguel Guimarães de “grave violação da dignidade que se espera” do máximo representante desta classe profissional.

    Os signatários da carta, a que o PÁGINA UM teve acesso em primeira-mão – que integram parte do grupo de 91 profissionais de saúde que apelaram ao Governo para suspender a vacinação universal de crianças saudáveis –, acusam Miguel Guimarães de desrespeito e mesmo de violação do Código Deontológico, e recordam ainda que o bastonário é apenas “o representante oficial da OM, mas isso não lhe confere poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta”.

    woman in black shirt wearing black sunglasses

    Em causa está sobretudo a abertura de um processo disciplinar a Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da OM, por declarações contra a vacinação contra a covid-19 de crianças saudáveis. Esta decisão da OM surge após uma queixa de 16 médicos, encabeçados por Filipe Froes – um pneumologista com ligações financeiras à Pfizer e outras farmacêuticas. Quase todos são muito próximos ou homens de confiança de Miguel Guimarães.

    Embora seja urologista, nem sequer da área da pediatria, o bastonário tem vindo a menorizar o papel do presidente do Colégio de Pediatria – que sempre falou sobre a vacinação de crianças a título pessoal – e depreciado os médicos signatários daquele abaixo-assinado. E tem argumentado ser apenas ele que deve falar “Não são duas vozes [que há na OM], é só uma, pois o doutor Jorge Amil não fala em nome da Ordem”, esclareceu já Miguel Guimarães em declarações à CNN Portugal.

    Jorge Amil foi alvo de queixa de médicos próximos do bastonário Miguel Guimarães.

    Considerando que esta situação “tem de acabar”, o bastonário anunciou já a convocação de um Conselho Nacional Executivo para discutir o assunto. Em cima da mesa, sabe o PÁGINA UM, está a destituição imediata de Jorge Amil Dias da presidência do Colégio de Pediatria, antes mesmo da conclusão do processo disciplinar, que demorará sempre meses.

    A postura de Miguel Guimarães é duramente criticada agora pelos 25 médicos que entendem que “o conhecimento científico é dinâmico”, tanto assim que, salientam, “alguns países europeus, nomeadamente os nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) e até o Reino Unido ou a Alemanha, decidiram reapreciar o benefício da vacinação contra a covid-19 em crianças, e não estão a recomendá-la de forma universal na população infantil.”

    E, lembrando ainda que as afirmações ou convicções científicas de Miguel Guimarães “não reflectem, nem vinculam, toda a população médica”, os subscritores desta carta aberta salientam que “são conhecidos contornos de documentos técnicos de grupos especializados e estatutariamente legitimados dentro da Ordem dos Médicos [como são os casos dos Colégios de Especialidade e de Competência], que devem ser devidamente ponderados nas decisões ou recomendações oficiais da Ordem, e tendo em exclusiva consideração a bondade das recomendações do ponto de vista do interesse dos doentes.”

    Saliente-se que o PÁGINA UM solicitou, no final do ano passado, o acesso a todos os pareceres dos Colégios da Especialidade da Ordem dos Médicos. No entanto, Miguel Guimarães não acedeu ao pedido, tendo a Comissão de Acesso ao Documentos Administrativos dado razão ao PÁGINA UM, mas em moldes dúbios, e para os quais foi pedido uma clarificação que ainda não foi concluída.


    CARTA INTEGRAL – Pode ser descarregada AQUI.

    Dig.mo Bastonário,
    Dig.mo Presidente da Assembleia de Representantes,
    Dig.mos Membros do Conselho Superior,
    Dig.mos Membros do Conselho Nacional,
    da Ordem dos Médicos

    Os signatários fazem parte dum grupo de 90 Médicos, que entenderam subscrever um apelo público para que o programa de vacinação infantil contra a Covid-19 fosse suspenso e reapreciado nas suas vantagens em comparação com os riscos incorridos.

    Esta preocupação decorre do conhecimento de potenciais riscos a curto, médio e longo prazo, da existência de efeitos adversos documentados em registos amplos de farmacovigilância como o VAERS americano, ou a EudraVigilance europeia, para além de centenas de publicações isoladas. Por outro lado, alguns países europeus, nomeadamente os nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega) e até o Reino Unido ou a Alemanha, decidiram reapreciar o benefício da vacinação contra a Covid-19 em crianças, e não estão a recomendá-la de forma universal na população infantil.

    O apelo formulado pelos médicos subscritores desse documento tem, pois, fundamentação genérica, já que o conhecimento científico é dinâmico, particularmente neste domínio, e não ofendeu as recomendações da Autoridade de Saúde, nem convidou à desobediência civil.

    Os subscritores do apelo são médicos com competência e méritos demonstrados nos respectivos domínios de atividade.

    Todavia, a forma como o Dig.mo Bastonário a eles se referiu nas suas intervenções e comunicados públicos foi depreciativa e violou os deveres de representação profissional e de ética no relacionamento e referência pública.

    A Ordem dos Médicos estabelece princípios de deontologia entre Colegas no seu Art.º 128 do Código Deontológico, que não foram devidamente respeitados pelo Dig.mo Bastonário nas suas declarações públicas ao referir-se aos subscritores. O Dig.mo Bastonário é o representante oficial da Ordem dos Médicos, mas isso não lhe confere poderes de autoridade científica suprema ou de verdade absoluta.

    As suas afirmações ou convicções científicas não refletem, nem vinculam, toda a população médica. São conhecidos contornos de documentos técnicos de grupos especializados e estatutariamente legitimados dentro da Ordem dos Médicos, que devem ser devidamente ponderados nas decisões ou recomendações oficiais da Ordem, e tendo em exclusiva consideração a bondade das recomendações do ponto de vista do interesse dos doentes.

    Cabe a outras entidades tomar a responsabilidade de decisões políticas, pelos motivos que bem entendam considerar.

    Se um grupo de Médicos, neste caso perto de uma centena, faz um apelo público à reapreciação científica duma decisão, espera-se que o seu representante máximo aja com a devida compostura, dignidade e respeito, sugerindo que esse escrutínio seja feito.

    Tratar Colegas dignos e competentes com desprimor e acusá-los sumariamente de falta de rigor, é grave violação da dignidade que se espera do Bastonário da Ordem dos Médicos.

    Por todas estas razões, os signatários apelam a todos os órgãos nacionais da Ordem dos Médicos que avaliem os factos recentes e incentivem a que todos os médicos sejam devidamente respeitados em declarações públicas em nome da Ordem que a todos deve orgulhar.

    Jacinto Gonçalves (OM nº 9882), João Gorjão Clara (OM nº 12251), Ramiro Araújo (OM nº 12477), Jorge Torgal (OM nº 14433), Fernando Torrinha (OM nº 17492), Horácio Costa (OM nº 17788), António Neves Silva (OM nº 18873), Pedro Covas (OM nº 21555), Carlos Diogo de Matos (OM nº 24630), Teresa Gomes Mota (OM nº 27477), Cristina Nogueira (OM nº 30347), Pedro Girão (OM nº 31918), Óscar Prim da Costa (OM nº 35019), Marisa Vieira (OM nº 38193), António Caiado (OM nº 38427), Cristina Nunes (OM nº 40275), Carlos Mata (OM nº 41048), Leonor Boto (43033), Tiago Marques (OM nº 44104), Ana Rita Pereira (OM nº 46566), Sofia Almeida (OM nº 51699), Tiago Araújo dos Santos Silveira (OM nº 51992), Nuno Alfaro Simões (OM nº 55243), Eugénia Matos (OM nº 55288) e Pedro Rabaço (OMD 916).

    10 de fevereiro de 2022

  • Mercado de veículos eléctricos de vento em popa

    Mercado de veículos eléctricos de vento em popa

    Apesar da retracção do mercado automóvel em tempos de pandemia, as vendas de veículos eléctricos cresceram em 2021. Só na China, União Europeia e Estados Unidos venderam-se cerca de 6,2 milhões de unidades. Com a “urgência climática” adivinha-se um negócio ainda mais florescente nos próximos anos.


    As vendas de carros eléctricos aumentaram 50 vezes na última década. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), no ano passado venderam-se em todo o Mundo 6,6 milhões destes veículos, número que contrasta com os cerca de 130 mil adquiridos em 2012. Nos últimos três anos, as vendas triplicaram.

    Apesar da queda no consumo de grande parte dos bens e serviços causada pela pandemia, que fez também tremer o sector automóvel, o mercado dos denominados “carros ecológicos” registou um aumento significativo. Em 2019, as vendas de carros eléctricos totalizaram 2,2 milhões de unidades, perfazendo 2,5% do total dos veículos transacionados. No ano seguinte, as vendas subiram para os três milhões. Ao longo de 2021, os 6,6 milhões vendidos representaram 9% do mercado global deste sector.

    Os veículos eléctricos, porém, não circulam de igual forma nos quatro cantos do Mundo. Nove em cada 10 destes automóveis estão na China, países europeus e Estados Unidos. Significa que, nas restantes regiões, as vendas são ainda pouco expressivas.

    black and silver car on parking lot

    As vendas do ano passado reforçam este padrão: cerca de metade (3,4 milhões de unidades) dos novos carros eléctricos circulam agora nas estradas chinesas. O Governo da China ambiciona chegar a uma participação de 20% no mercado global até 2025.

    O bom desempenho das vendas na China estará associado também a razões fiscais. Com efeitos a partir de 2022, o governo de Xi Jinping decidi reduzir em 30% os subsídios para a compra destes veículos, já depois de uma descida de 10% no ano passado. Estes subsídios serão mantidos, pelo menos, por mais dois anos.

    Também na Europa as vendas dispararam, com um crescimento no ano passado de quase 70%, totalizando 2,3 milhões de unidades. Metade eram híbridos.

    Pela primeira vez no Velho Continente, as vendas dos carros eléctricos bateram as dos veículos a gasóleo, atingindo uma fatia do mercado da ordem dos 21% em Dezembro passado. Os países europeus com maiores quotas no mercado eléctrico são agora a Alemanha (com 25%), a França e o Reino Unido (ambos com cerca de 15%), a Itália (com quase 9%) e Espanha (com 6,5%).

    silver car parked near brown building during daytime

    Num cenário em que as vendas do sector automóvel na Europa registaram uma descida de 25% entre 2019 e o ano passado, este aumento em contra-ciclo no sector dos eléctricos acentua a tendência de preferência dos consumidores em detrimento dos carros a diesel ou a gasolina. Mas há outras razões.

    As políticas da União Europeia para redução das emissões de dióxido de carbono (CO2) – num contexto em que alterações climáticas começam a estar no centro do debate político – também explicam esse alento nos veículos eléctricos.

    Recorde-se que a Comissão Europeia pretende reduzir a zero as emissões de CO2 para carros novos a partir de 2035, o que implica o fim da comercialização de veículos com motores a gasóleo ou a gasolina.

    A acompanhar esta tendência, várias marcas de automóveis, como a Ford e a Volkswagen, garantiram que, até 2030, metade das unidades vendidas serão veículos eléctricos. A Volvo, por sua vez, comprometeu-se a vender exclusivamente este tipo de automóveis a partir do final da presente década, tendo anunciado um investimento de 955 milhões para a produção de novos modelos eléctricos.

    Nos Estados Unidos, as vendas de veículos eléctricos no ano passado superaram a marca do meio milhão. Entre Janeiro e Junho de 2021, de acordo com o Green Car Reports, estes veículos tiveram um crescimento de 117,4% face ao período homólogo do ano anterior, embora continuem a ser ainda muito minoritários nas estradas norte-americanas. Naquele período representaram apenas 2,4% de todos os novos registos automóveis.

    street traffic lights on red and orange

    A Tesla, empresa fundada por Elon Musk, domina o mercado norte-americano, com 66,3%, apesar de ter visto a concorrência crescer, mas ainda a grande distância. As outras duas marcas que ocupam o pódio são a Chevrolet (9,6%) e a Ford (5,2%).

    Também em Portugal, a Tesla manteve-se como a marca de eleição dos condutores na categoria dos veículos 100% eléctricos (BEV), tendo vendido 1.612 unidades no ano passado, segundo a Associação de Utilizadores de Veículos Eléctricos (UVE). Em segundo lugar ficou a Peugeot, seguida da Renault, com 1.545 e 1.182 unidades, respectivamente.

    Saliente-se que, em Novembro do ano passado, as vendas de veículos ligeiros 100% eléctricos representaram uma quota de mercado de 18,1%, ultrapassando, pela primeira vez, os veículos com motor a gasóleo (quota de 17,7%).

    No segmento dos híbridos plug-in (PHEV), as fabricantes de automóveis alemãs lideraram o mercado: Mercedes-Benz, com 3.783 unidades, e a BMW com 3451. A sueca Volvo, a terceira marca mais vendida, contabilizou 2.195 unidades.

    Como em outros países, no nosso país o crescimento do mercado de veículos de baixas emissões de CO2 (híbridos ou 100% eléctricos) tem razões fiscais que o suportam. No caso nacional, porém, os apoios têm sido modestos. Por exemplo, no ano passado o Orçamento de Estado previa um subsídio de 3.000 euros na compra de veículos 100% elétricos, desde que o preço de compra não ultrapasse os 62.500 euros, mas aplicado apenas aos primeiros 700 veículos.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Conheça três dos lobbistas das farmacêuticas que exigem castigo do presidente do Colégio de Pediatria

    Conheça três dos lobbistas das farmacêuticas que exigem castigo do presidente do Colégio de Pediatria

    Três dos médicos, aliados do bastonário Miguel Guimarães e com fortes ligações ao sector farmacêutico, são subscritores de um pedido de sanção disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, Jorge Amil Dias.


    Três dos principais subscritores da denúncia à Ordem dos Médicos contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria daquela associação profissional de direito público, têm fortes ligações à indústria farmacêuticas, incluindo aquelas que mais têm beneficiado economicamente com a pandemia.

    O primeiro subscritor é o pneumologista Filipe Froes, mas uma investigação do PÁGINA UM mostra que, além deste médico, há mais dois com vastos contactos com a indústria farmacêutica: Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro. Todos são muito próximos do bastonário, o urologista Miguel Guimarães.

    Na carta-denúncia, os 16 subscritores – que incluem todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 – solicitam “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Jorge Amil Dias, tentando também que seja destituído da liderança do Colégio de Pediatria. Miguel Guimarães já prometeu levar o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo.

    Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos.

    Em causa estão declarações públicas e a participação num abaixo-assinado deste pediatra contra a vacinação universal de crianças saudáveis, bem como as críticas que teceu a um parecer da Direcção-Geral da Saúde que claramente possui enviesamentos e deturpações de estudos científicos.

    Amil Dias tomou sempre as posições a título pessoal e nunca em nome da Ordem dos Médicos, mas mesmo assim terá irritado o actual bastonário, incondicional apoiante das políticas governamentais. E Miguel Guimarães conseguiu, com a denúncia encabeçada por Filipe Froes, tentar silenciar a voz incómoda de Jorge Amil Dias.

    Médico no Hospital Pulido Valente, o pneumologista Filipe Froes lidera também o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19, e é um dos clínicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica. Desde 2013 amealhou mais de 380 mil euros de diversas empresas deste sector, com destaque para a Pfizer (134,5 mil euros), Merck Sharp & Dohme (85,5 mil euros) e BIAL (47,3 mil euros).

    No seu portefólio constam ainda a Sanofi (maior fornecedora de vacinas anti-gripe), a AstraZeneca (outra produtora de vacinas anti-covid) e a Gilead. Para esta última, Froes foi mesmo consultor para o uso do remdesivir, um fármaco já desaconselhado pela Organização Mundial de Saúde em doentes-covid. No entanto, Filipe Froes, que também é consultor da Direcção-Geral da Saúde e que integra a equipa responsável por indicar as terapêuticas contra a covid-19 nos hospitais portugueses, mantém o remdesivir na lista de fármacos a prescrever.

    Por sua vez, Luís Varandas, infecciologista pediátrico no Hospital Dona Estefânia (Lisboa) e também professor do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, é outro dos subscritores da denúncia contra Jorge Amil Dias, que tem também beneficiado bastante com a pandemia do ponto de vista financeiro.

    Filipe Froes, pneumologista, numa das suas muitas palestras pagas por farmacêuticas.

    Até 2020, as suas relações com a indústria farmacêutica, a título pessoal ou através da sua empresa SISP, Lda., cingiam-se a algumas palestras ou ao financiamento de viagens para congressos internacionais. No total, entre 2013 e 2020 recebeu um total de 18.872 euros, ou seja, apenas 2.359 euros por ano.

    Com o aumento do interesse das farmacêuticas na vacinação de crianças contra a covid-19, Luís Varandas foi contratado pela Pfizer como consultor e palestrante, tendo recebido no ano passado, apenas da Pfizer, 27.148 euros.

    O médico chegou a escrever vários artigos, incluindo no Expresso, e a prestar declarações na imprensa sempre a apoiar a vacinação universal de crianças, mas jamais assumindo a sua posição de consultor da farmacêutica que vendia as vacinas.

    Luís Varandas é também um membro destacado da Ordem dos Médicos, sendo o responsável pela secção de Pediatria do Colégio da Competência da Medicina do Viajante.

    Também bastante lucrativa tem sido a pandemia para Carlos Robalo Cordeiro, antigo presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e actual director da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e Serviço de Pneumologia do Centro Hospitalar desta cidade.

    Tanto pessoalmente como através da sua empresa por quotas (Robalo Cordeiro, Lda.), este pneumologista recebeu já um bom pecúlio das farmacêuticas desde o início da pandemia: em 2020 teve direito a 27.441 euros, e em 2021 deram-lhe 26.006 euros, a título de consultor, palestrante e moderador, além de financiamento de viagens ao estrangeiro para congressos.

    No seu portefólio de negócios contam-se 11 farmacêuticas, entre as quais a AstraZeneca (5.907 euros), a Boehringer Ingelheim (16.478 euros), a Merck Sharp & Dohme (5.345 euros), a Roche (7.950 euros), a Sanofi (2.675 euros) e a Pfizer (2.562 euros). Robalo Cordeiro foi recentemente eleito presidente da European Respiratory Society, onde não surge, à data de hoje, ainda qualquer menção a conflitos de interesse, apesar de ele os ter.

    Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, é assim apresentado no júri de um prémio promovido por uma farmacêutica.

    Esta postura é contrária à do presidente cessante, Marc Humbert, que através de uma declaração de interesses elenca todas as relações regulares com 14 farmacêuticas, entre as quais a Janssen, Bayer, AstraZeneca, GSK, Novartis e Sanofi. A revista científica desta poderosa sociedade médica internacional tem como editor-chefe Martin Kolb, que assume ter recebido donativos, honorários pessoais e outros benefícios da Roche, Boehringer Ingelheim, GSK, Gilead, AstraZeneca e Novartis, entre outras farmacêuticas.

    Carlos Robalo Cordeiro é bastante próximo de Miguel Guimarães, tendo sido por ele escolhido para membro do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a COVID-19, e para presidir a comissão científica do último congresso desta associação profissional.

    O processo contra Jorge Amil Dias deve ser conduzido pela também pediatra Maria do Céu Machado, antiga presidente do Infarmed e que preside ao Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Tem sido ela a supervisionar todos os processos instaurados contra aqueles que fogem da opinião oficial da Ordem dos Médicos ao nível da gestão da pandemia, sendo bastante próxima de Miguel Guimarães. Aliás, os dois integraram, no ano passado, o júri do BI Award for Innovation in Healthcare, um prémio promovido pela farmacêutica Boehringer Ingelheim, onde também teve assento Carlos Robalo Cordeiro.

  • Clima de crispação social e política cresce no Canadá

    Clima de crispação social e política cresce no Canadá

    O “estado de emergência” e a proibição judicial de buzinar em Ottawa teve um impacte quase nulo nos manifestantes, que estão a recuperar rapidamente, por outras vias, o financiamento retido pela GoFundMe. Entretanto, o ambiente político no Canadá está a adensar-se.


    Apesar do “estado de emergência” decretado anteontem pelo mayor de Ottawa, Jim Wilson, e da decisão judicial de proibição de buzinadelas dos camionistas, continua inabalável o braço-de-ferro entre o Governo de Justin Trudeau e os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy). Nenhuma das partes parece querer ceder.

    Ontem, o juiz Hugh McLean ordenou que cessasse o barulho das buzinas como forma de protesto, alegando que não é “uma expressão de qualquer grande pensamento”, no seguimento de queixas de moradores incomodados com a presença de entre quatro e cinco centenas de camiões.

    No entanto, essa aparenta ser uma pequena limitação para refrear o dinamismo dos manifestantes, que prometem não arredar pé do centro de Ottawa. Movimentos similares, mas de menores dimensões, surgiram entretanto, durante o fim-de-semana, em outras cidades canadianas, entre as quais Toronto, cidade de Quebec e Winnipeg.

    Justin Trudeau, ontem, na Câmara dos Comuns.

    Desde que, na sexta-feira passada, o Freedom Convoy viu a plataforma de crowdfunding GoFundMe suspender a campanha que já recolhera 10 milhões de dólares canadiano (cerca de 6,3 milhões de euros), os ânimos dos manifestantes têm sido reforçados com uma redobrada solidariedade, tanto no Canadá como em outras partes do Mundo.

    A plataforma da GiveSendGo – que substituiu a da GoFundMe, que se viu, entretanto, obrigada a prometer a devolução incondicional dos montantes retidos aos doadores – conta já com apoios de 6,6 milhões de dólares, o que representa mais de 5,7 milhões de euros. Por outro lado, a comunidade das criptomoedas, através da Tallycoin, já recolheu quase meio milhão de euros em bitcoins.

    O mayor de Ottawa, Jim Watson, tem acentuado, em tom dramático, a presença dos manifestantes, dizendo que os residentes da capital “estão aterrorizados”, e acusando as incessantes buzinadelas de serem uma forma de “guerra psicológica”. Após Watson ter, no domingo, declarado o “estado de emergência”, foi solicitado ainda ao Governo federal o envio urgente de 1.800 operacionais da Real Polícia Montada Canadiana, com o objetivo de “recuperar a cidade”.

    Organizadores do Freedom Convoy, em conferência de imprensa, têm insistido no pacifismo da manifestação e apelam à negociação para acabar com as restrições.

    Poucas horas depois, a polícia de Ottawa terá apreendido milhares de litros de combustível e propano, comprometendo o funcionamento de cerca de mil camiões. No domingo, as autoridades confirmaram a abertura de mais de 60 investigações criminais supostamente associadas aos protestos, alegando danos, roubos, crimes de ódio e danos à propriedade, e chegou mesmo a ameaçar deter quem ajudasse os manifestantes. Terão sido também passadas cerca de 450 multas por excesso de ruído, desde a manhã de sábado.

    No entanto, curiosamente, apesar das insistentes acusações de vandalismo e violência, as autoridades canadianas continuam sem disponibilizar imagens ou outras provas de comportamento ilegal dos manifestantes, para além das buzinadelas e da ocupação de ruas por veículos e pessoas. Os organizadores do Freedom Convoy têm sistematicamente negado quaisquer ilegalidades, falando mesmo em boa relação com as forças policiais, insistindo na necessidade de diálogo com as autoridades.

    Entretanto, o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, reapareceu ontem, num debate de emergência na Câmara dos Comuns, e declarou que os protestos “têm de parar”, acusando os manifestantes de “tentarem bloquear a nossa Economia, a nossa democracia e a vida quotidiana dos nossos concidadãos”.

    Este debate mostrou, contudo, o início de uma divisão política em torno da gestão da pandemia, por via das acções do Freedom Convoy. Enquanto Jagmeet Singh, líder do Novo Partido Democrático (NDP), a quarta força política do país, mostrou apoio ao Goveno, considerando que não se está perante um “protesto pacífico”, já a líder da oposição (Partido Conservador), Candice Bergen, acusou Trudeau de alimentar a divisão e o descontamento do país pela forma de gestão da pandemia.

    Mesmo no partido de Trudeau, o mal-estar começa a eclodir, o que pode complicar ainda mais a gestão deste delicado conflito social, que dificilmente poderá ser feito através de repressão policial, pelas imprevisíveis consequências na opinião pública canadiana.
    Hoje, o deputado liberal Joel Lightbound criticou abertamente a gestão da pandemia pelo Governo federal, considerando ser “hora de pararmos de dividir a população”, acrescentando que “nem todos podem ganhar a vida com um MacBook numa casa de campo”, numa alusão às restrições da actividade económicas ao longo da pandemia.
    O mal-estar desta conferência de imprensa foi de tal dimensão que Lightbound se viu já forçado a pedir, esta noite, a sua demissão de presidente do caucus de Quebec.

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • Bloqueio da GoFundMe cria onda de solidariedade sem precedentes

    Bloqueio da GoFundMe cria onda de solidariedade sem precedentes

    Justin Trudeau, primeiro-ministro canadiano, andou uma semana a diabolizar os manifestantes do Freedom Convoy. Na sexta-feira conseguiu aquilo que aparentava ser uma vitória: a plataforma de crowdfunding GoFundMe bloqueou 9 milhões de dólares canadianos, considerando que os organizadores promoviam “violência e assédio”. Como reacção, uma campanha alternativa angariou já, em menos de dois dias, mais de 3 milhões de dólares americanos. E a comunidade de criptomoedas também se está a mobilizar.


    O efeito do bloqueio da GoFundMe ao Freedom Convoy está a ser desastroso para o Governo canadiano. Cedendo a pressões políticas, a decisão da maior plataforma mundial de crowdfunding em bloquear, na noite da passada sexta-feira, nove milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) arrecadados, por donativos de mais de 120 mil pessoas, resultou não só num feroz coro de críticas populares contra a GoFundMe, como incentivou uma onda de solidariedade sem precedentes.

    Em cerca de dois dias completos, quando eram 23:00 horas em Lisboa, os organizadores do Freedom Convoy já tinham conseguido ultrapassar os 3 milhões de euros, correspondentes a mais de 3,4 milhões de dólares, através da plataforma GiveSendGo. E aponta-se agora para uma meta acima daquele prevista com a GoFundMe: 16 milhões de dólares.

    Até às 21 horas de hoje, em Lisboa, a nova campanha de crowdfunding do Freedom Convoy angariou quase 3,3 milhões de dólares.

    Para assegurar a legalidade e transparência do processo de gestão desta verba – para compra de combustíveis, alimentação dos manifestantes e alojamento sobretudo dos motoristas – foi criada a Incorporated Freedom 2022 Human Rights and Freedom Association.

    O facto de a GiveSendGo ser claramente de cariz religioso – assume-se como a principal plataforma cristã mundial de angariação de fundos – retira também espaço a ataques sobre extremismos dos protestos contra as políticas restritivas do Governo Trudeau. Em todo o caso, apesar do sucesso da nova campanha de angariação, a plataforma da GiveSendGo tem estado com alguns problemas de acesso, que se deverão, segundo os seus responsáveis, a “fortes ataques de negação de serviço [DDOS attacks] e com bots maliciosos”.

    Mas a decisão da GoFundMe trouxe também um reforço da onda de solidariedade da comunidade de criptomoedas, um mundo financeiro alternativo, não controlável pelos bancos centrais e, geralmente, imune às pressões ou intimidações políticas e interesses financeiros.

    Por exemplo, uma campanha de angariação na plataforma de crowdfunding Tallycoin – exclusivamente usando criptomoedas e não rastreável – propôs angariar 615 milhões de satoshi (SAT), ou seja, 6,15 bitcoins, que equivale actualmente a quase 250 mil euros, envolvendo cerca de 3.600 contributos.

    Antes do bloqueio da GoFundMe, esta campanha promovida por alguém sob anonimato (usando o pseudónimo Honkhonk Hodl), tinha apenas recebido um pouco menos de 10 mil euros em bitcoins; neste momento, já foram transferidas criptomoedas no valor de 226 mil euros, superando os objectivos iniciais. Ou seja, cresceu quase 23 vezes em menos de dois dias.

    Esta onda de solidariedade coincide com o segundo fim-de-semana de protestos em Ottawa, inicialmente apenas contra a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 dos camionistas que atravessassem a fronteira com os Estados Unidos, ou a realização de testes e quarentena. No entanto, as manifestações já se alargaram para outras restrições, sendo também patente protestos por outras causas, que reflectem um mal-estar popular perante as posturas do Governo liberal de Trudeau.

    Durante a última semana, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou a acusar os protestantes de serem “uma minoria marginal” e de até “roubarem comida de sem-abrigos”, declarando que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.

    Em mensagens no Facebook e Twitter, na terça-feira passada, congratulou-se ainda pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.

    Comunidade das criptomoedas respondeu também com solidariedade ao bloqueio da campanha no GoFundMe.

    Por proposta do deputado Taleeb Noormohamed, do Partido de Liberal liderado por Trudeau, o comité parlamentar deu ênfase a alegados actos criminosos da campanha de angariação, manifestando o interesse em ouvir responsáveis do Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).

    O Governo de Trudeau pretendia, assim, diabolizar os protestos e “secar” o seu financiamento. Aparentemente, julgaria ter conseguido com a suspensão da campanha pela GoFundMe. Os últimos dois dias demonstraram, de forma avassaladora, que a estratégia estava errada. Os protestos intensificaram-se mais, e aparentam manter-se caso não haja um recuo governamental. E o sucesso, até financeiro, desta campanha canadiana pode mesmo servir de rastilho para movimentos similares em outros países.

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • GoFundMe fez sair hoje um tiro pela culatra

    GoFundMe fez sair hoje um tiro pela culatra

    Por pressões do Governo do liberal Justin Trudeau, a principal plataforma de crowdfunding do Mundo bloqueou cerca de 6,3 milhões de euros, provenientes de mais de 120 mil doadores, que deveriam financiar os protestos populares em Ottawa e outras regiões do Canadá contra as restrições no âmbito da pandemia. A GoFundMe acusou o Freedom Convoy de estar a promover acções de violência e assédio. O efeito desta medida está a ser devastador, mas só para a credibilidade da GoFundMe.


    A GoFundMe, a mais conhecida plataforma de crowdfunding do Mundo, está a ser inundada de críticas pela decisão de suspender a libertação de 9 milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) ao Freedom Convoy – o movimento de protesto liderado por camionistas –, por pressão das autoridades canadianas.

    Apesar da ausência de evidências revelantes de extremismo na invasão pacífica do centro de Ottawa durante a última semana, aquela empresa de angariação de fundos decidiu cancelar a campanha de crowdfunding por alegada violação dos termos de serviço, considerando que os organizadores estariam a “promover a violência e assédio”.

    GoFundMe bloqueou a campanha do Freedom Convoy quando já tinham sido angariados mais de 10 milhões de dólares canadianos.

    O efeito desta decisão da GoFundMe – uma empresa de capitais de risco norte-americana – está a ter repercussões fortemente negativas na sua credibilidade, particularmente visível na Internet. Na sua página do Facebook, onde tem mais de 1,9 milhões de seguidores, a GoFundMe nem sequer arriscou fazer referência ao caso Freedom Convoy, mas mesmo assim encontram-se mais de 3.500 comentários de internautas furiosos no seu último post, publicado à meia-noite de anteontem, sobre uma campanha de apoio às crianças de uma escola de Boston.

    A Trustpilot – uma conhecida plataforma dinamarquesa de avaliação de consumidores sobre empresas de todo o Mundo – decidiu esta tarde suspender temporariamente as avaliações feitas pelos internautas à GoFundMe. No seu site, o Trustpilot diz estar agora a investigar “um aumento incomum nas avaliações” devido à atenção dos media. O PÁGINA UM percorreu as 1.000 mais recentes críticas anteriores à suspensão, feitas nas últimas seis horas: todas, sem excepção, dão nota 1/5 à GoFundMe, sempre acompanhadas de fortes críticas sobre a decisão de suspender os recursos financeiros doados ao Freedom Convoy.

    O impacte desta decisão já atravessou fronteiras. E a nível político. Ron DeSantis, governador da Florida – um dos estados norte-americanos sem restrições no âmbito da pandemia –, considerou esta tarde, nas suas contas do Twitter e do Facebook, estar-se perante “uma fraude”. DeSantis afirmou estar a trabalhar com a procuradora-geral do seu Estado, Ashley Mood, para investigar as “práticas enganosas” da GoFundMe, exigindo que fossem devolvidos imediatamente aos doadores os fundos que tinham dado ao Freedom Convoy.

    Esta pressão política – a par de inúmeras críticas nas redes sociais – levou já a GoFundMe a recuar na sua pretensão inicial, divulgada no final da noite de ontem, de encaminhar as verbas recolhidas pelo Freedom Convoy para instituições de caridade, sobre as quais teria um papel de decisão, excepto se os doadores fizessem um pedido de retorno até 19 de Fevereiro. Esta tarde, a empresa já declarou que, afinal, “devido ao feedback dos doadores, estamos simplificando o processo” de devolução, prometendo que será já automático e no prazo de “sete a 10 dias úteis”.

    Ao invés de enfraquecer o Freedom Convoy, a pressão do Governo Trudeau e mesmo da Câmara dos Comuns do Canadá – que até desejam ouvir a entidade responsável pelo controlo da “lavagem de dinheiro” – acabou por ter assim um devastador efeito boomerang do ponto de vista da credibilidade e mesmo em termos políticos. E, em vez de esvaziar a contestação, pela perda financeira, até deu um inesperado alento aos organizadores num fim-de-semana com uma redobrada participação popular nos protestos.

    Plataforma da GiveSendGo está com dificuldades em aguentar fluxos de visitantes para apoiarem os protestos do Freedom Convoy.

    Ainda esta madrugada, foi aberta uma nova campanha em outra plataforma – a GiveSendGo, apresentada como o site cristão líder em crowdfunding. Em 15 horas foram já angariados quase 1,2 milhões de dólares americanos (um pouco mais de um milhão de euros).

    O site da GiveSendGo tem, aliás, tido alguns problemas de acesso por via do tráfego elevado. Será expectável que uma grande parte dos doadores da campanha da GoFundMe desloquem as verbas entretanto devolvidas para a campanha no GiveSendGo.

    Uma das promotoras da Freedom Convoy, Tamara Lich, aponta agora para os 16 milhões de dólares americanos como meta, o que perspectiva uma “maratona” de protestos contra as políticas de Trudeau. A atitude quase belicista do primeiro-ministro canadiano contra os manifestantes começa a ser criticada, por hostilizar uma contestação nascida nas redes sociais.

    Ainda hoje, uma cronista do Toronto Star, Heather Scofield, a pretexto da força dos media sociais e da liberdade de expressão, destacava que os protestos do Freedom Convoy deixaram “claro que, como sociedade, estamos cansados ​​da pandemia, estamos fartos das restrições e estamos perdendo a paciência uns com os outros”, acrescentando que “as redes sociais pegaram esses sentimentos, os exageraram e os incendiaram num momento em que precisamos de nos acalmar.”

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • Governo usa medo do extremismo para cortar apoio financeiro e popular aos protestos

    Governo usa medo do extremismo para cortar apoio financeiro e popular aos protestos

    Aumentam as pressões políticas sobre a plataforma de crowdfunding GoFundMe para não serem desbloqueados sete milhões de euros doados para apoio dos manifestantes que bloqueiam Ottawa. Governo de Trudeau insiste em associar os manifestantes do Freedom Convoy ao extremismo e mesmo ao terrorismo. A Câmara dos Comuns até já diz querer ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá, porque desconfia dos intentos de uma campanha que, na verdade, conta com mais de 120 mil doadores. Este fim-de-semana espera-se um reforço nos protestos.


    As autoridades canadianas estão a fazer tudo para “secar” os protestos em Ottawa, insistindo na sua tese de os manifestantes do Freedom Convoy – que exigem o fim das restrições devidas à pandemia, entre as quais a obrigatoriedade de vacinação de camionistas – estarem associados a grupos extremistas e violentos. Neste momento, o Governo de Justin Trudeau aposta na suspensão definitiva da campanha de financiamento através do GoFundMe, alegando que os manifestantes são extremistas.

    Anteontem, a plataforma de crowdfunding GoFundMe decidiu suspender temporariamente a libertação dos donativos de nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros) já arrecadados, provenientes de mais de 120 mil pessoas – a segunda mais lucrativa de sempre no Canadá –, informando apenas que esta estaria a ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.

    Governo canadiano tenta demover apoio popular acusando manifestantes de defenderem causas extremistas

    Os organizadores do Convoy Freedom já contrataram Keith Wilson, advogado do Justice Centre for Constitutional Freedom, para os defender, garantindo que foram cumpridos todos os formalismos legais para a execução da campanha, incluindo o destino e gestão dos donativos.

    De acordo com a declaração da campanha no GoFundMe, as verbas serão exclusivamente para alimentação, combustível e eventual alojamento dos camionistas. As verbas remanescentes “serão doadas a uma organização de veteranos credível escolhida pelos doadores”.

    As pressões políticas para boicotar os protestos em Ottawa e outras regiões do Canadá têm-se intensificado nos últimos dias, usando sempre mensagens e linguagens que colocam os manifestantes como perigosos extremistas, sobretudo para retirar apoio popular, e evitar a adopção do modelo do Freedom Convoy em outros países.

    As autoridades canadianas mostram-se preocupadas com um maior apoio popular durante o fim-de-semana, mas Trudeau já garantiu que não haverá intervenção de forças militares para controlar os manifestantes ou desobstruir a capital dos camiões.

    Ontem, o Comité de Segurança Pública e Segurança Nacional da Câmara dos Comuns do Canadá votou por unanimidade uma audição dos representantes do GoFundMe. Os parlamentares querem saber como a empresa de angariação de fundos – que receberá uma comissão de cerca de 10% dos 10 milhões de dólares recebidos – garante que as verbas doadas “não sejam usadas para promover extremismo, supremacia branca, antissemitismo e outras formas de ódio, que foram expressas entre os proeminentes organizadores” do Freedom Convoy.

    Manifestantes e polícias no centro de Ottawa, durantes os protestos contra as restrições impostas pelo Governo de Trudeau

    Saliente-se que o PÁGINA UM – que consultou dezenas de notícias e analisou as redes sociais, incluindo vídeos – nunca detectou, até agora, quaisquer declarações, frases ou slogans de cariz racial, étnico ou actos promotores de violência, apesar das insistentes tentativas de as autoridades apresentarem os manifestantes do Freedom Convoy como extremistas.

    O primeiro-ministro Justin Trudeau chegou mesmo a acusar manifestantes de “roubarem comida a sem-abrigos”.

    O parlamento canadiano mostra-se também preocupado com os donativos anónimos. Segundo um levantamento da Canadian Broadcasting Corporation, pelo menos um terço dos donativos da campanha do GoFundMe serão donativos sem identificação, incluindo seis dos 10 maiores, todos individualmente superiores a 10.000 dólares canadianos.

    O comité parlamentar quer também que o GoFundMe explique como impede donativos provenientes do estrangeiro que possam financiar grupos extremistas.

    Estas alegações, refira-se, fazem pouco sentido, porque o GoFundMe – que é uma das plataformas de financiamento usadas pelo PÁGINA UM – permite apenas que os doadores se mantenham no anonimato perante terceiros, ou seja, os promotores têm acesso à sua identidade.

    Além disso, os donativos, tanto no Canadá como em Portugal e em outras partes do Mundo, são feitos exclusivamente através de um cartão de crédito válido, como se pode confirmar em qualquer uma das milhares de campanhas em curso nesta plataforma de crowdfunding. Como se pode confirmar noutras campanhas activas no Canadá, ou mesmo na do PÁGINA UM.

    Em todo o caso, por proposta do deputado liberal Taleeb Noormohamed, do partido de Justin Trudeau, o comité parlamentar quer também ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).

    Tamara Lych, à esquerda, em conversa no centro de Ottawa.

    Este é órgão fiscalizador das operações de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, o que demonstra uma clara estratégia de ligação do Convoy Freedom a actos extremistas.

    Ontem, em conferência de imprensa, Tamara Lich – uma das principais organizadoras do protesto, e que pertence a uma das etnias autóctones canadianas, a métis – garantiu que os protestos continuarão até que o Governo apresente um plano claro para a eliminação de todos os mandatos e restrições à covid-19, tal como tem sucedido nas últimas semanas com países europeus.

    Congratulando-se pelo crescimento do movimento anti-restrições “no Canadá e em todo o Mundo, porque as pessoas comuns estão cansadas dos mandatos e restrições”, Lich lamentou que os governos federal, provincial ou municipal estejam a usar a comunicação social “para nos retratar como racistas, misóginos e até terroristas”. “Como mulher com herança métis, mãe e avó, sinto-me ofendida por isso”, concluiu.

    No Canadá, de acordo com o Worldometers, 34.366 pessoas tiveram a covid-19 como causa de morte desde o início da pandemia. Este valor equivale, numa população de 38 milhões de habitantes, a menos de metade dos óbitos registados em Portugal.

    Actualmente, com um Inverno bastante gélido – às 13 horas de hoje estavam 11 graus negativos em Ottawa –, a mortalidade diária (média móvel de sete dias) por covid-19 é de 142, ou seja, equivalente a cerca de 37. Segundo a Statistics Canada – a agência oficial de estatísticas deste país –, a média de óbitos diários no período 2016-2020, foi de 834 no mês de Fevereiro. Ou seja, a covid-19 estará agora a representar 4,4% de todas as mortes.

    Apesar destes valores, o Canadá mantém-se como um dos países do Hemisfério Norte com maiores restrições para controlar a pandemia, o que tem causado uma “fadiga pandémica”. De acordo com um estudo do Angus Reid Institute, divulgado no final do mês passado, um em cada três canadianos relatam problemas com a sua saúde mental e 23% confessam que estão deprimidos.

    Hoje mesmo este instituto de estudos sociológicos revelou também, no contexto do Freedom Convoy, que 37% dos canadianos acham que o Governo não concede espaço para compromissos políticos, sendo esta proporção ainda mais alta no núcleo mais conservador do país, em Alberta, Saskatchewan e Manitoba. E menos da metade (42%) diz que o Canadá tem um “bom sistema de governo”.

  • Justin Trudeau diaboliza manifestantes para os enfraquecer

    Justin Trudeau diaboliza manifestantes para os enfraquecer

    O primeiro-ministro canadiano não tem poupado palavras para enfraquecer a imagem dos protestantes, acusando-os de racismo, antissemitismo e até transfobia. Mas os protestos não cedem à luta de palavras, e não se restringem a camionistas, nem apenas ao bloqueio na capital. Num fim-de-semana que se prevê gélido no Canadá, o cenário político está a aquecer. Para já, no Quebec caiu o anunciado imposto adicional de saúde para os não-vacinados.


    Ao quinto dia de protestos em Ottawa, sob um frio glaciar – com as previsões meteorológicas a apontarem para os 20 graus negativos no final desta semana –, o Freedom Convoy ameaça transformar-se mais do que numa mera arrelia ou dor de cabeça para as autoridades canadianas.

    Os bloqueios não se circunscrevem à capital do Canadá, e consolidam-se em outras regiões. Na província de Alberta, uma das principais auto-estradas de acesso aos Estados Unidos continua bloqueada, e em Cagliary anuncia-se um congestionamento de camiões similar ao da capital. Segundo a BBC, a fila de camiões na província de Alberta prolonga-se por vários quilómetros, na pequena vila de Coutts, bloqueando uma das principais portas de entrada para os Estados Unidos.

    Os organizadores do denominado Comboio da Liberdade, embora garantindo uma postura pacifista, prometeram já não dar tréguas ao Governo canadiano, ameaçando com um “pesadelo logístico”.

    Contudo, esforçam-se também, cada vez mais, em dar uma imagem contrária àquela que as autoridades canadianas se esforçam por transmitir à opinião pública.

    Por agora, mais do que nas estradas, o “combate” tem-se intensificado nas palavras, com palco central na comunicação social, incluindo redes sociais.

    Em declarações à imprensa antes de se refugiar em parte incerta, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou até a acusar os protestantes de “roubarem comida de sem-abrigos”, além de outros actos desrespeitoso e ilegais, declarando também que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.

    Anteontem, Trudeau aumentou o tom crítico, congratulando-se no Facebook e Twitter pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.

    Em resposta, os organizadores do Freedom Convoy têm multiplicado os vídeos de convívio multiétnico – o Canadá é um dos países mundiais mais inclusivos do Mundo –, bem como participantes limpando grafittis e mesmo a estátua de corredor Terry Fox, que no fim-de -semana passado fora ornada com um chapéu, cachecol e uma placa de protesto, causando críticas por desrespeito aos heróis nacionais.

    Além disso, o cunho patriota dos manifestantes tem sido muito explorado e é um dos principais trunfos: as bandeiras canadianas são abundantes em todos os camiões e em outros veículos, e nas reportagens da imprensa local cada vez mais se mostra evidente que os protestos não se circunscrevem a camionistas. Em declarações à Fox News, um dos participantes no bloqueio disse que os manifestantes, neste protesto, são “todos irmãos , e estamos aqui por uma causa, que é lutar pelas liberdades dos canadianos e pelo Canadá”.

    Apesar da forte cobertura noticiosa nunca ter fotografado ou gravado em imagem qualquer acto violento, as autoridades policiais apontam alegadas ilegalidades e equacionam tomar medidas mais repressivas.

    A polícia de Ottawa terá já detido três pessoas, mas teme-se que a situação possa complicar-se no próximo fim-de-semana. “Pode não haver uma solução de policiamento” para resolver o impasse, declarou à BBC Peter Sloly, chefe da polícia da capital canadiana.

    Por seu turno, o primeiro-ministro da província de Alberta, Jason Kenney, assegurou que o bloqueio viola a Lei de Segurança no Trânsito, e que os protestos são um “inconveniente significativo para os motoristas que estão dentro da legalidade”. Kenney tem, contudo, apelado para os governos do Canadá e dos Estados Unidos desistam da obrigação de aplicar uma quarentena aos camionistas não-vacinados, esperando que “os protestos cessem imediatamente”.

    Sem prejuízo das tentativas do Governo canadiano em diabolizar o Freedom Convoy, os protestos já deram frutos para o lado daqueles que contestam medidas discriminatórias. O primeiro-ministro da província do Quebec, François Legault, recuou já no prometido imposto adicional de saúde aos não-vacinados.

    Depois de ter proposto a medida no mês passado, Legault disse esta terça-feira que entendia agora que tal medida “dividiria os quebequenses, e neste momento precisamos de construir pontes”.

    Noutra linha, as pressões sobre o GoFundMe – a plataforma de crowdfunding que, aliás, o PÁGINA UM também utiliza – levaram esta empresa a suspender novamente, pelo menos de forma temporária, a angariação de fundos do Freedom Convoy, após esta ter ultrapassado os 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). O GoFundMe diz que a campanha está ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.

    Caso o GoFundMe considere, também por pressão do Governo canadiano, que a campanha promove e incentiva acções ilegais, pode suspender a transferência dos fundos para os organizadores do protesto. Se tal suceder, os montantes arrecadados retornam aos doadores, e o GoFundMe perde a sua comissão de cerca de 10%.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Governo Trudeau vê “insulto à memória e à verdade” em manifestação pacífica que já angariou 10 milhões de dólares

    Governo Trudeau vê “insulto à memória e à verdade” em manifestação pacífica que já angariou 10 milhões de dólares

    Enquanto nas ruas de Ottawa, os protestos pacíficos contra as restrições para não-vacinados se mantêm, nos bastidores os políticos canadianos acusam os manifestantes de um sem número de tropelias para evitar uma maior adesão popular ao movimento. George Russ, um escritor canadiano, fala já em manipulação política da realidade e de uma “orgia irracional da histeria” em torno do Freedom Convoy.


    O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, insistiu esta segunda-feira que os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy), que ocupam desde sábado o centro de Ottawa, erguem “bandeiras racistas”, numa clara tentativa de incutir a ideia de os protestos na capital terem motivações políticas ou violentas.

    O Freedom Convoy, dinamizado por camionistas que atravessaram o Canadá de costa a costa, assentou arrais desde sábado em plena capital, em protesto contra as medidas consideradas demasiado restritivas de gestão da pandemia. E tem vindo a granjear cada vez maiores apoios público, entre os quais o fundador da Tesla, Elon Musk.

    Por outro lado, a campanha de angariação de fundos no GoFundMe – com o objectivo de pagar custos de combustíveis, alimentação e dormidas – tem superado as expectativas, e deverá atingir esta noite a meta dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). Em comunicado, esta plataforma de crowdfundig revelou que esta é, por agora, a segunda campanha mais lucrativa no Canadá.

    Apesar das acusações de Trudeau para estereotipar os manifestantes, certo é que dois dos principais dinamizadores do movimento, e que dão a cara pela campanha no GoFundMe, até pertencem a minorias: Benjamim Dichter é judeu e Tamara Lich pertence à etnia métis, um dos três grupos nativos canadianos, conforme destaca o National Post.

    O incómodo político tem vindo, aliás, a aumentar. O premier (primeiro-ministro) do governo da província de Ontário, Doug Ford, já exigiu, segundo o canal CTV News, que os manifestantes abandonem as ruas e deixem “o povo de Ottawa viver as suas vidas”.

    Imagem do mural de uma das páginas do Facebook a favor do protesto contra Justin Trudeau.

    Com o receio dos protestos se eternizarem, ainda mais com o sucesso dos apoios já arrecadados, as autoridades têm tentado, por todas as vias, incutir a ideia de os manifestantes estarem a desrespeitar até a memória do povo canadiano. Os incidentes considerados mais graves, porém, são manchas de urina na neve que cobre o Memorial Nacional de Guerra, a dança de uma mulher no túmulo do Soldado Desconhecido e bandeiras colocada na estátua do atleta Terry Fox, um activista da luta contra o cancro, falecido em 1981, e considerado um herói nacional. Trudeau aproveitou estes pequenos casos para argumentar que se cometeu “um insulto à memória e à verdade”, citado pela BBC.

    O escritor canadiano George Russ veio já clamar dos exageros na descrição dos acontecimentos feita pelos políticos, defendendo estar-se perante uma “orgia irracional da histeria”. E exemplifica com o episódio da estátua de Terry Fox. “Ouvindo os políticos e especialistas, poderia pensar-se que ele foi pintado com tinta vermelha, teve seus membros cortados e foi arrancado do seu pedestal, um destino que muitos outros monumentos canadianos encontraram recentemente”, escreveu Russ.

    E acrescenta depois que, na verdade, “uma bandeira canadiana foi enrolada no pescoço da estátua, um chapéu foi colocado na sua cabeça e uma placa que dizia ‘Mandato de Liberdade’ foi colocada entre as suas mãos. A exibição era de mau gosto, mas temporária e inofensiva. A maior consequência da ‘desfiguração’ da estátua de Terry Fox foi uma onda de doações para a Fundação Terry Fox, o que é indiscutivelmente uma coisa boa.”

    Estátua de Terry Foz “paramentada” pelos manifestantes e que chocou o primeiro-ministro Trudeau. Foto: Adrian Wyld.

    O primeiro-ministro canadiano, que está fora de Ottawa, continua a recusar reunir com os manifestantes, e garante não ceder “a quem participa em vandalismo”, criticando também a iconografia usada nos protestos.

    “A liberdade de expressão, reunião e associação são pedras angulares da democracia, mas o simbolismo nazista, imagens racistas e profanação de memoriais de guerra não são”, disse Trudeau, citado pela BBC, em alusão às imagens dos participantes nos protestos que consideram que a actual política de discriminação dos não-vacinados recorda os primórdios da implantação do nazismo.

    Saliente-se que as pessoas geralmente críticas da estratégia em redor da pandemia, ou que não aceitam a vacinação, têm sido repetidamente apelidadas de “negacionistas”, um termo associado geralmente a quem, nega o Holocausto. O Canadá tem, neste momento, 80% da população vacinada, mas é um dos países com maiores restrições contra os não-vacinados.

    Em declarações ao National Post, os organizadores consideraram “hilariante” a ideia de que apoiariam o racismo e renegam eventuais actos de pessoas que se possam ter “colado ao movimento”. Por outro lado, a comunicação social canadiana, com constante cobertura dos protestos, tem destacado sempre o caráter pacíficos dos manifestantes. E a polícia de Ottawa já esclareceu não se ter registado “motins, nem feridos ou mortos”.

    Ontem, numa reportagem do jornalista Rupa Subramanya, do jornal National Post, salientava que “os manifestantes incluíam canadianos, jovens e velhos, de todas as convicções políticas”. E destacava-se ainda que, “embora o objetivo declarado do comboio seja de oposição aos mandatos federais de vacinação e outras restrições, dois dos líderes e alguns dos manifestantes estão vacinados”, embora defendam que a vacinação deveria ser uma escolha individual.

    Este repórter, que aliás deu voz a várias pessoas não relacionadas com os camionistas para justificarem as suas participações nos protestos, sublinhou que, entre os manifestantes, se veêm “indo-canadianos, canadianos com raízes árabes, canadianos de origem chinesa, canadianos negros, e quase todos os outros canadianos étnicos que vivem sob o sol”.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira