Categoria: Sociedade

  • Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Uma coisa é saber, em teoria, que as actividades humanas causam prejuízos nos ecossistemas aquáticos; outra é quantificar os prejuízos. Além disso, nem tudo o que vem do Homem é mau, ou pode sempre ser mau. Uma recente meta-análise internacional quantificou esses impactes negativos, mas também, paradoxalmente, alguns positivos. O estudo tem um “dedo” de uma instituição portuguesa: a Universidade de Coimbra.


    Já se sabia que a descarga de esgotos, a agricultura e a urbanização estavam entre os factores de degradação das funções dos ecossistemas ribeirinhos – como a capacidade de autodepuração, a decomposição de matéria vegetal e o desenvolvimento de organismos aquáticos, muitos dos quais utéis ou relevantes para as actividades humanas.

    Mas um recente estudo internacional veio agora relevar quais são os “factores de stress” mais importantes para a degradação dos ecossistemas aquáticos de água doce, e que os estão a tornar “cadeias alimentares simplificadas e menos produtivas”.

    Com base numa meta-análise sustentada em 125 artigos científicos, o estudo foi publicado em meados do mês passado na revista cientifica Global Change Biology – e que conta com a participação da investigadora Verónica Ferreira, da Universidade de Coimbra –, tendo hierarquizado, de forma quantitativa, os três principais factores de degradação: efluentes de águas residuais, agricultura e uso do solo urbano.

    bridge between islands

    Para a bióloga Verónica Ferreira, que é investigadora do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), a redução na capacidade de autodepuração dos rios e ribeiros mostra-se “especialmente preocupante”, apontando as “altas concentrações de nutrientes na água [causadas pela poluição orgânica e química, sobretudo por nitratos], que são muitas vezes responsáveis por blooms de algas nocivos”.

    Atendendo à importância dos rios e dos ribeiros na biodiversidade mundial, designadamente no fornecimento de água potável, na proteção contra cheias e na irrigação de áreas agrícolas, os autores do estudo alertaram para a necessidade de “medidas urgentes” nos principais “factores de stress”. Apelam também à realização de “mais estudos sobre os efeitos de múltiplos ‘factores de stress’ na multifuncionalidade dos ecossistemas, de modo a compreender-se melhor o peso do impacto humano”.

    Apesar dos efeitos nocivos da acção humana no funcionamento dos rios e ribeiros, Verónica Ferreira salienta que “é importante considerar o contexto regional dos rios e ribeiros”, exemplificando com “os efeitos de efluentes de estações de tratamento de águas residuais [ETAR] na produção primária que são mais fortes a latitudes mais baixas do que a latitudes mais elevadas, considerando o intervalo 35ºN – 53ºN.”

    water droplets on gray concrete surface

    A investigadora acrescenta ser “também necessário considerar várias funções ecossistémicas na avaliação do funcionamento de rios e ribeiros, já que um dado impacte humano pode ter efeitos em algumas funções, mas não em outras”.

    Com efeito, o estudo identificou, em simultâneo, alguns efeitos positivos das actividades humanas. A decomposição de matéria vegetal é um exemplo: embora inibida pela descarga de águas residuais, esta funcionalidade foi, por outro lado, estimulada em 57% pelas elevadas concentrações de nutrientes na água, um efeito supostamente negativo da acção humana.

    A revista Global Change Biology tem como editor-chefe e fundador o fisiologista Stephen P. Long, que desde 2012 lidera o projecto Realizing Increased Photosynthetic Efficiency (R.I.P.E), um projecto de investigação financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates que tem como objectivo maximizar a produção alimentar mundial, potencializando a fotossíntese das plantas através da sua modificação genética.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • De joelhos perante Deus, de pé para a Cultura

    De joelhos perante Deus, de pé para a Cultura


    A necessidade de apresentar o longo percurso académico, profissional e pessoal de alguém, seguindo fórmulas exaustivas (muitas vezes maçadoras) sugere o desconhecimento completo da pessoa apresentada. Por isso comecemos com o essencial.

    Carlos Moreira Azevedo tem 69 anos, nasceu em Milheirós de Poiares. Foi ordenado padre pelas mãos de Dom António Ferreira Gomes. Tem por hábito levantar-se cedo. Antes de sair de casa, gosta de deixar o almoço temperado – à carne (ou ao peixe) adiciona vinho branco, alho, sal, especiarias. É pontual. Rigoroso. Ao longo da manhã lê, estuda, escreve. Também reza.

    Fala com muita gente; telefone, e-mail, redes sociais. Orgulha-se da vida de campo que viveu, das suas raízes. Herdou o jeito e o gosto de cozinhar e de servir os seus convidados. Não guarda para si o segredo escondido em cada receita. É bem-humorado e discreto. Exigente e austero. Durante a última década tem atravessado quase todos os dias a Praça de São Pedro, no Vaticano, para chegar ao gabinete onde trabalha.

    Trabalha e dá trabalho aos outros. Organiza, dirige, exige, comanda. É acarinhado por todos. Quando lhe surge uma dúvida, esclarece-a ao procurar nos livros da sua biblioteca particular. Tem orgulho nela. Sabe e gosta de história, de arte, de cultura. É afectuoso.

    Parte dos livros que adquire serve para investigar sobre temas que mais tarde apresenta. Aparentemente não gosta de estar parado e, por isso, as ideias obrigam-no a passar para o concreto da vida sob forma de texto, conferência, cultura.

    Por culpa das restrições impostas durante os últimos dois anos, ficou limitado à sua casa. Mesmo assim, reuniu, ao longo desse tempo, as obras de Irene Vilar numa publicação que conseguiu concluir com a ajuda de muitos amigos. Ligou-lhes, um a um, pedindo fotografias das obras, de catálogos, de tudo… Manifestou gratidão referindo, no final do livro, cada um dos nomes em causa.

    Esta rede, da qual se orgulha, é o reflexo da força mobilizadora que o caracteriza.

    Enquanto passeia por Roma, dispensa a cruz peitoral, a batina e o solidéu. Troca-os por um chapéu de palha e por uma camisa de manga curta (na Primavera/Verão). Usa o cabeção.

    Entusiasma-se quando leva os amigos a passear pela cidade. Noutros tempos, mostrava-lhes todas as igrejas, ruas e museus. Falava-lhes e ensinava-lhes História, Arte, Religião. Passou a fazê-lo num ritmo diferente.

    Guarda saudades de Portugal, da família e dos amigos. Mas, em Roma, sente-se em casa. A sua presença é assídua nos arquivos Pontifício e do Santo Ofício. Gosta de olhar o passado para depois o tornar presente.

    O sentido crítico – que também o define – faz com que considere que se tenha perdido uma grande oportunidade de mudar alguma linguagem litúrgica, por exemplo, a propósito do novo Missal. Lamenta que as palavras continuem a ser exclusivas. Por ele, em vez de se dizer durante a missa “…fruto da videira e do trabalho do homem…” – expressão litúrgica que se mantém – deveria dizer-se “…fruto da videira e do trabalho da Humanidade…” – já que as “mulheres também trabalham”, conclui.

    Perante a turbulência e a adversidade mostra-se sereno, confiante, directo. Diante dos homens permanece de pé. Diante de Deus, ajoelha.

    Perdoem-me, enfim, se me alonguei em demasia.

    Devia ter dito apenas que Dom Carlos Azevedo é um Bispo Católico, nomeado pelo Papa para assumir o cargo de Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, que foi diretor de revistas científicas, autor dezenas de livros e artigos, diretor de fundações e comissário de exposições, que apresentou inúmeras comunicações internacionais, e que, por tudo isso, além de ser conhecido por muitos homens e muitas mulheres, viu-se reconhecido  pelo país, que lhe concedeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique…

  • Mais dois processos de intimação no Tribunal Administrativo colocam, desta vez, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos como réus por recusarem transparência

    Mais dois processos de intimação no Tribunal Administrativo colocam, desta vez, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos como réus por recusarem transparência

    No âmbito da sua campanha em prol de um jornalismo independente e de uma Administração Pública mais transparente e aberta, o PÁGINA UM apresentou ontem mais dois processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. São já cinco os processos intentados desde Abril.


    Mais dois processos de intimação por iniciativa do PÁGINA UM deram ontem entrada no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar entidades com funções públicas a disponibilizarem documentos administrativos. Desde 12 de Abril passado, este é o quinto processo que visa concretizar, em pleno, os direitos de acesso a documentos por parte dos cidadãos em geral, e em particular dos jornalistas.

    O primeiro processo por iniciativa do PÁGINA UM foi intentado contra o Conselho Superior da Magistratura em 12 de Abril passado, por recusa de acesso a um inquérito no âmbito da Operação Marquês. Os outros dois processos incidiram sobre o Infarmed: no primeiro processo, entrado ainda em Abril, está em causa a denegação do acesso a dados sobre reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir; no segundo processo, que deu entrada na passada semana no Tribunal, deveu-se ao facto de o regulador português alegar “confidencialidade” para recusar o acesso à correspondência entre esta entidade e a Agência Europeia dos Medicamentos.

    Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (que trabalha agora para a Gilead), e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária.

    Agora, nestes dois processos mais recentes – que já foram distribuídos aos juízes Pedro de Almeida Moreira e Maria Carolina Duarte –, a Ordem dos Médicos é visada em ambos, tendo num deles a companhia da Ordem dos Farmacêuticos como co-réu.

    No processo que envolve as duas ordens profissionais – que, por deterem funções públicas concedidas pelo Estado, estão abrangidas pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos –, está em causa a denegação do acesso ao PÁGINA UM dos documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Nesta campanha de angariação de fundos no âmbito da pandemia terão sido recolhidos mais de 1,4 milhões de euros em 2020 e 2021, sendo que as verbas foram prometidas a profissionais de saúde e unidades do Serviço Nacional de Saúde. Entre os doadores contaram-se as farmacêuticas Merck – que alegadamente doou 380.000 euros em máscaras FFP2 – e a A. Menarini Portugal (donativo de 20.000 euros), que se encontram mencionadas no Portal da Transparência do Infarmed, além da Associação Portuguesa de Indústrias Farmacêuticas (Apifarma), que terá entregado 665.000 euros.

    No entanto, nunca foi disponibilizado pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticos um relatório detalhado sobre o destino destes donativos, em dinheiro ou em géneros, nem sequer existindo provas de os donativos se terem concretizado e/ou direccionados para o fim em vista.

    O PÁGINA UM já tinha obtido, em 20 de Abril passado, um parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos sobre a legitimidade do pedido de acesso ao PÁGINA UM, mas tanto a Ordem dos Médicos como a Ordem dos Farmacêuticos não acataram a decisão – por não ser vinculativa. No caso de uma decisão favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa, o PÁGINA UM terá mesmo acesso aos documentos, tanto mais que o juiz poderá, como solicitado, aplicar uma multa diária por cada dia de atraso.

    Recorde-se que, no âmbito do processo que levou ao parecer da CADA, o PÁGINA UM e o seu director foram acusados de adoptarem “um comportamento suscetível de integrar a prática de crimes [não especificados] para com a Ordem dos Médicos, o Bastonário (…) e alguns dos médicos seus membros, que, no tempo e lugar próprio, serão objecto da respectiva avaliação”.

    Ordem dos Médicos quer decidir na “secretaria” quais os pareces que podem ou não ser disponibilizados ao PÁGINA UM.

    O segundo processo de intimação, ontem apresentado, visa apenas a Ordem dos Médicos e refere-se à recusa pelo bastonário Miguel Guimarães em disponibilizar ao PÁGINA UM a totalidade dos pareceres técnicos emitidos desde 2020 pelos Colégios, Secções dos Colégios e demais órgãos técnicos e consultivos desta associação profissional.

    Apesar de também, neste caso, a CADA ter concedido, em Janeiro passado, um parecer favorável ao PÁGINA UM, a Ordem dos Médicos apenas disponibilizou no início do presente mês, após nova insistência, um conjunto de 168 pareceres dos diversos Colégios de Especialidade – que constam no site desta entidade –, mas confessando que existiram outros sujeitos a reserva por alegadamente estarem em causa “documentos nominativos”.

    No entanto, a Ordem dos Médicos nem sequer os identifica, ademais sabendo-se que os dados nominativos podem, se entrarem na esfera da intimidade, ser expurgados. Aliás, pretensão que o PÁGINA UM destacou aquando do pedido.

    Tendo em consideração que a mera alegação da existência de supostos dados nominativos pode ser um subterfúgio para esconder pareceres sensíveis para a actuação da Ordem dos Médicos e do seu bastonário, o PÁGINA UM tomou a decisão de encaminhar o processo de intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa com vista a que todos os pareceres sejam mesmo disponibilizados ou, pelo menos, conhecido os seus teores e/ou conclusões.

    Estes processos de intimação – formalmente denominados “intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões” – é um processo urgente, regulado pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, servindo para garantir judicialmente os exercícios de dois direitos: o direito de acesso à informação procedimental e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

    Considerados processos urgentes, os prazos são bastante curtos: o pedido de intimação deve ser apresentado no prazo de 20 dias a contar da não satisfação integral do pedido no prazo devido, tendo a entidade pública responsável visada (como réu) de responder ao juiz num prazo de 10 dias, devendo a decisão, se outras diligências não forem necessárias, ser proferida em cinco dias.

    Caso a entidade pública continue sem satisfazer o pedido, após ser intimada pelo tribunal para o fazer, o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, podendo ainda haver lugar a responsabilidade civil, disciplinar ou mesmo criminal.

    Recorde-se que os processos de intimação do PÁGINA UM têm tido o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Na próxima semana serão entregues outros processos, em prol da transparência da Administração Pública, a anunciar.


    Para apoios exclusivamente dos custos processuais e de defesa em tribunais, apoie o PÁGINA UM na plataforma do FUNDO JURÍDICO ou contacte através do e-mail geral@paginaum.pt.

  • Correspondência com Agência Europeia de Medicamentos: pela segunda vez em dois meses, Infarmed senta-se no banco dos réus

    Correspondência com Agência Europeia de Medicamentos: pela segunda vez em dois meses, Infarmed senta-se no banco dos réus

    Pela segunda vez em dois meses, o PÁGINA UM coloca um processo de intimação no Tribunal Administrativo contra o Infarmed por recusa na disponibilização de documentos administrativos. Agora está em causa o acesso à correspondência trocada pelo regulador português, criado para defender os interesses dos cidadãos, e a Agência Europeia de Medicamentos. O Infarmed defende que é tudo “confidencial”.


    O PÁGINA UM intentou ontem um novo processo de intimação contra o Infarmed junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Esta é a segunda vez que o regulador do medicamento terá de se justificar perante a Justiça sobre as razões para não ceder o acesso à consulta de documentos administrativos relevantes na esfera da saúde individual e pública.

    No mês passado, o PÁGINA UM intentou um processo similar porque o regulador recusou o acesso à base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir. Esta decisão do Tribunal Administrativo está prevista para breve, por se tratar de um caso urgente.

    Desta vez, o PÁGINA UM teve de recorrer novamente ao Tribunal porque o Conselho Directivo do Infarmed – liderado por Rui Santos Ivo, que já ocupou o cargo de director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) – se recusou a facultar qualquer tipo de correspondência, desde 2020, entre esta entidade reguladora nacional e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

    No âmbito deste pedido, o PÁGINA UM também desejava, em concreto, que o Infarmed identificasse, através de cópia da comunicação da EMA, qual o defeito de qualidade detectado no lote 000190A da vacina COVID-19 Spikevax, que foi retirada do mercado em Abril passado, uma vez que o comunicado público transmitido pela entidade chefiada por Rui Santos Ivo referiu apenas que se tratava de um “corpo estranho no frasco da vacina”.

    Este lote continha 746.900 doses e os frascos tinham sido distribuídos pela Noruega, Polónia, Suécia e Espanha a partir de uma fábrica de Málaga. O Infarmed nem sequer quis confirmar se era verdade que fora encontrado um mosquito dentro de um dos frascos, ou se afinal o problema era mais vasto.

    brown wooden chess piece on brown book

    Apesar do evidente interesse público, ademais tendo o pedido sido feito por um órgão de comunicação social – cujo acesso à informação surge consagrado na Constituição, com um estatuto jurídico muito superior a qualquer decreto-lei –, o regulador declarou ao PÁGINA UM, em final de Abril passado, que o diploma que regula os medicamentos “prevê um dever de confidencialidade que se traduz num regime especial em matéria de acesso a documentos administrativos apresentados ao Infarmed ou a este transmitidos pela Agência ou pela autoridade competente de outro Estado Membro”.

    Saliente-se que o diploma em causa – o Decreto-Lei nº 176/2006 – tem como objectivo, segundo o preâmbulo, “permitir uma maior oferta e concorrência, no mercado nacional”, mas “sem prejuízo da necessidade de assegurar o respeito pela saúde pública e pelos interesses dos consumidores”.

    Ou seja, para assegurar o respeito pela saúde pública e o interesse dos consumidores mostra-se fundamental o acesso às comunicações integrais, sem qualquer censura, entre as entidades nacionais e externas, sobretudo quando estão em causa defeitos em medicamentos que levam mesmo à sua retirada do mercado.

    man in red crew neck t-shirt wearing white sunglasses sitting on black chair

    O PÁGINA UM poderia ter optado, como habitualmente, por recorrer à Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), mas como o parecer desta entidade não é vinculativo – e o Infarmed já negou uma vez cumprir as determinações daquela entidade –, foi então tomada a decisão de proceder de imediato ao processo de intimação, que é considerado urgente e alvo de uma sentença.

    Este segundo processo no Tribunal Administrativo (Processo 1335/22.7BELSB) foi já distribuído ao juiz João Cristóvão que deverá agora, no início da próxima semana, conceder um prazo de 10 dias para o Infarmed, como réu, se justificar factualmente.

    Recorde-se que os processos de intimação do PÁGINA UM têm tido o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Na próxima semana serão entregues outros processos, em prol da transparência da Administração Pública, a anunciar.


    Para apoios exclusivamente dos custos processuais e de defesa em tribunais, apoie o PÁGINA UM na plataforma do FUNDO JURÍDICO ou contacte através do e-mail geral@paginaum.pt.

  • Bastonário urologista ‘não perdoa’ a pediatra por opinar sobre Pediatria

    Bastonário urologista ‘não perdoa’ a pediatra por opinar sobre Pediatria

    A Ordem dos Médicos abriu mesmo um processo disciplinar a Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, por delito de opinião, através de uma queixa de médicos com ligações à indústria farmacêutica. Amil Dias está obrigado a responder até ao final deste mês. Este é já o segundo processo disciplinar intentado contra este especialista pela Ordem dos Médicos durante o mandato de Miguel Guimarães. Sempre por delito de opinião.


    A Ordem dos Médicos, dirigida pelo urologista Miguel Guimarães, decidiu mesmo dar provimento à queixa de 16 médicos – alguns dos quais com fortes ligações à indústria farmacêutica, como Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas – contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria.

    A queixa já foi “processada” pelo Conselho de Disciplina da Regional Sul da Ordem dos Médicos, presidida por Maria do Céu Machado, ex-presidente do Infarmed, e o PÁGINA UM teve conhecimento que a acusação foi já formulada com vista à aplicação de uma sanção. O pediatra Amil Dias tem até ao final deste mês para apresentar defesa.

    O “crime” deste renomado especialista em gastroenterologia pediátrica é simples de explicar: durante a pandemia da covid-19, tomou posição pública, a título pessoal, ao considerar a vacinação de crianças “desproporcionada” e “desnecessária”, além de advogar a relevância da imunidade natural. Além disso, foi um dos subscritores de um abaixo-assinado que integrou quase uma centena de médicos e outros profissionais de saúde, alertando também para os riscos da vacinação num grupo etário de baixíssimo risco.

    O processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria – que não é escolhido, assim como nos outros colégios, nas mesmas eleições do bastonário, e beneficia de independência – resultou de uma carta-denúncia no início de Fevereiro, assinada por médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêuticas.

    Neste grupo estão incluídos todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 que solicitaram “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Amil Dias.

    Miguel Guimarães, que se manifestou incomodado por pediatras contrariarem as suas posições de médico urologista a falar de assuntos de pediatria, anunciou mesmo que levaria o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo. O PÁGINA UM sabe, contudo, que nenhum efeito teria: aquele órgão da Ordem dos Médicos não tem poder para destituir membros de um Colégio da Especialidade.

    Mais do que qualquer castigo relevante que possa atingir Jorge Amil Dias, este processo da Ordem dos Médicos revela o “clima de guerra” que alimenta as relações entre estes profissionais de saúde no mandato de Miguel Guimarães, que escancarou portas a procedimentos inquisitoriais por meros delitos de opinião, sobretudo com o advento da pandemia.

    Miguel Guimarães tem sido, além disso, criticado internamente por não acatar os pareceres técnicos dos Colégios de Especialidade – e até de os esconder publicamente, razão pela qual o PÁGINA UM está a preparar um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo –, optando antes por criar órgãos de consulta não-estatutários.

    Um exemplo paradigmático foi o Gabinete de Crise contra a Covid-19, dirigido por Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais relações promíscuas com a indústria farmacêutica. Só este ano, Filipe Froes vai já em 18 mil euros recebidos deste sector, aproximando-se assim dos 400 mil euros declarados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed desde 2013.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista e bastonário da Ordem dos Médicos, ao lado de Carlos Robalo Cordeiro, um dos subscritores da queixa contra Jorge Amil Dias.

    Embora Miguel Guimarães continue sem impor um código de conduta, optando por rodear-se de médicos com ligações à indústria farmacêutica – e a própria Ordem dos Médicos recebeu, no ano passado, cerca de 430 mil euros deste sector –, a sua veia punitiva não tem deixado de latejar contra quem não segue a sua opinião.

    Além deste processo contra Amil Dias, a Ordem dos Médicos intentou, durante a pandemia, diversos processos a membros do denominado grupo Médicos pela Verdade. Até mesmo Fernando Nobre, fundador da AMI e ex-candidato à Presidência da República, foi alvo de um processo disciplinar com proposta de sanção, estando actualmente em fase de recurso.

    Mas mesmo antes da pandemia, durante o “reinado” de Miguel Guimarães, a Ordem dos Médicos começou a querer punir profissionais que simplesmente davam a sua opinião. Um exemplo, apurou o PÁGINA UM, é a carta-aberta, publicada no jornal Público em Outubro de 2019, de um conjunto de 10 pediatras, entre os quais também Jorge Amil Dias, que criticava a então situação problemática das urgências pediátricas.

  • Máscaras para que te quero…

    Máscaras para que te quero…

    O fotógrafo André Carvalho percorreu, para o PÁGINA UM, as ruas de Lisboa e Porto à cata de gente. Apanhou céu limpo, azul, e ar limpo; nem tanto assim, porque nas cidades há tráfego e, apesar de preços dos combustíveis de cortar a respiração, gases dos escapes. E gente ainda de máscaras, inspira; muitas máscaras, expira. Ainda. De sentados e de levantados.


    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR
  • Muitos refugiados regressam sem esperar fim da guerra, mas sem apoios

    Muitos refugiados regressam sem esperar fim da guerra, mas sem apoios

    Enquanto a Guerra na Ucrânia aparenta estar ainda longe de terminar, muitos refugiados decidem regressar, sobretudo para regiões onde o conflito nunca chegou ou já ocorreu um retrocesso russo. Mas se para sair houve muito apoio, para retornar cada um faz-se à vida, quase sozinho.


    Em contraponto à intensificação da guerra na região sul e oeste da Ucrânia, engrossa o retorno de refugiados espalhados pela Europa. O fenómeno de “retorno”, que já tinha sido admitido pelas próprias Nações Unidas em meados de Abril – que relatou então que cerca de 30 mil ucranianos por dia estavam a regressar ao seu país –, tem sido pouco falado pela imprensa nas últimas semanas, mas mostra-se uma evidência.

    A partir da Polónia, o “êxodo” é mais intenso, como ontem revelou a plataforma de media NPR, devido à proximidade e também ao desejo de mulheres e crianças se juntarem às famílias que se mantiveram nas regiões ucranianas poupadas à guerra ou que beneficiam agora do retrocesso das tropas russas.

    Família evacuada de Irpin, região de Kiev, Ucrânia. (© UNICEF/Julia Kochetova)

    A instabilidade familiar, a falta de dinheiro, com a agravante da dificuldade em encontrar emprego quando a língua é um obstáculo, e a esperança de as ambições da Rússia se mostrarem agora mais limitadas – concentrando-se sobretudo nos oblasts de Luhansk, Donetsk, Zaporizhia e Kherson –, estarão assim a “repuxar” cada vez mais ucranianos para os lares que abandonaram quando a invasão russa irrompeu.

    Mesmo a partir de outros países da Europa Ocidental, incluindo os latinos mais distantes da Ucrânia, o regresso está a ser equacionado por muitos. Alguns já regressaram. Ontem o PÁGINA UM falou com Lila, uma estudante universitária de Kiev, que se refugiu na região de Roma, com as suas duas amigas, Aila e Hannah. “Resolvemos voltar, porque os militares russos já não estão na nossa cidade e as nossas famílias precisam de nós”, diz Lila, com ar sereno, em conversa por WhatsApp, uma das plataformas mais usadas pelos refugiados ucranianos para manter contacto com parentes.

    “Falávamos todos os dias com os nossos pais. Durante duas semanas, os meus pais estiveram em casa de uns amigos, em Lviv, mas regressaram a Kiev porque os meus avós não quiseram abandonar a casa”, esclarece esta jovem universitária de 24 anos.

    Embora as três amigas estejam gratas à Itália e à família que as acolheram nos arredores da capital italiana, reconhecem que não conseguiram integrar-se socialmente. “Era impossível conseguir emprego. Por isso sentimo-nos um peso para a família que nos acolheu”, diz Lila. Sem dinheiro, estão agora com dificuldades redobradas em regressar a casa, porque se houve muitas instituições que colaboraram na logística da saída, não há apoio para o regresso. Hannah mostra-se mesmo apreensiva sobre como chegar até Kharkiv, cidade onde o namorado e o irmão a esperam.

    Ainda mais problemático é o regresso de famílias numerosas, como a de Igor Sadkova, de 45 anos, que se refugiu em Saragoça. Por ser chefe de uma família com cinco filhos, o mais novo com apenas sete meses, Igor foi autorizado a sair da Ucrânia com a prole e a sua mulher Irina, de 36 anos.

    E sair até foi fácil. Seguiram para Espanha num autocarro pago por “gente generosa” – assim lhes chamam. Não gastaram um cêntimo. Ofereceram-lhes o transporte, alimentação e alojamento. Tudo lhes foi garantido, agradecem a Deus por isso. “Eu e a minha mulher acreditámos que a Rússia ia ocupar o nosso país em pouco tempo. Mesmo com pouco dinheiro aceitámos passar a fronteira e rezámos para que Deus nos protegesse.”

    O regresso está agora a ser uma grande dor de cabeça. Estão agora ainda na Polónia. “Estivemos três dias sem conseguir comprar bilhetes para o comboio, na estação de Varsóvia. Disseram-nos que não havia lugares”, diz Igor ONDE ESTÁ ELE AGORA?, mostrando surpresa: “não esperávamos ver tantos ucranianos a regressar já”.

    De entre os refugiados ucranianos que pediram protecção especial a Portugal – cerca de 33 mil –, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) indicou que 792 acabaram por sair do nosso país em Março e mais 1.495 durante o mês de Abril. Mesmo assim uma percentagem bastante diminuta (cerca de 7%). A distância à terra natal – que contribuiu também para Portugal ser um dos países europeus com menos refugiados – é a principal causa, tanto mais que muitos ucranianos, quando fugiram das suas casas, tinham esperança de regresso. Por esse motivo, grande parte preferiu ficar em países mais próximos da Ucrânia, ou então mais ricos do que Portugal, pelas possibilidades de emprego mais bem pago.

    Secretário-geral das Nações Unidas em visita a Kiev (© UN Photo/Eskinder Debebe)

    Mas nem sempre foi fácil tomar uma decisão quando a Rússia iniciou a invasão. Ana Alexandre, uma das voluntárias portuguesas que auxiliou ucranianos na fronteira polaca durante o mês passado, fala ao PÁGINA UM desses tempos de escolhas difíceis. “Ajudámos a encaminhar centenas e centenas de pessoas para os comboios e autocarros. O nosso papel estava focado na passagem de informação. As pessoas chegavam aos centros de refugiados e não sabiam o que fazer nem para onde ir. Nas duas últimas semanas estava a ser muito difícil encaminhá-las. Já não apareciam autocarros todos os dias, como em Março e também muito pouca gente se disponibilizava já para transportar as famílias nos seus carros.”

    Ana Alexandre também confirmou ao PÁGINA UM que viu “gente, muita gente” a regressar à Ucrânia. “Muitas pessoas começaram a pedir para ficar a dormir nos centros de refugiados, mas com destino inverso. Queriam ficar a dormir nos centros de refugiados até arranjarem alguém para os levar para a Ucrânia, mas não podíamos aceitá-los”, diz. Por razões humanitárias, eram aconselhadas a mentir. “Tinham de dizer que estavam a sair da Ucrânia para lá ficarem”, confessa.

    Comboios lotados, centros de acolhimento agora sem capacidade de resposta para auxiliar regressos, e ausência de voluntários para levar as famílias ucranianas de volta para o seu país são alguns dos novos problemas, não previstos. Novas fragilidades e novos desafios, dependentes dos sempre ansiados voluntários. As respostas políticas e governamentais, essas, são bem mais lentas. Neste momento, para os ucranianos há um novo paradoxo: ter ajuda para regressar é mais difícil e onerosa do que foi para sair.

  • ‘Corpo estranho’ em lote de vacinas da Moderna, o que é? Confidencial, responde Infarmed

    ‘Corpo estranho’ em lote de vacinas da Moderna, o que é? Confidencial, responde Infarmed

    O PÁGINA UM perguntou ao Infarmed que “corpo estranho” foi detectado há três semanas num lote de vacinas contra a covid-19 da Moderna. E quis também aceder a todos os documentos enviados pela Agência Europeia do Medicamento desde 2020. A resposta chegou ontem: confidencial. Tudo no “segredo dos deuses”. Mais um caso para ser resolvido no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM.


    O Infarmed argumenta a existência de “um dever de confidencialidade” para não identificar o “corpo estranho” encontrado num lote da vacina Spikevax, da farmacêutica Moderna, no início deste mês.

    Após ter sido divulgado pelo regulador do medicamento, em 10 de Abril passado, que a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) e a Agência Espanhola do Medicamento e Produtos Sanitários (AEMPS) havia “um defeito de qualidade detetado no lote 000190A da vacina COVID-19 Spikevax, no fabricante situado em Espanha do laboratório Moderna, que era a presença de um corpo estranho no frasco da vacina”, o PÁGINA UM quis saber qual era, afinal, esse “corpo estranho”, de modo a aquilatar da gravidade do caso.

    Em 12 de Abril,o PÁGINA UM solicitou ao Infarmed que disponibilizasse os documentos enviados pela EMA e pela sua congénere espanhola onde “conste a identificação, de forma clara e evidente, do “corpo estranho no frasco da vacina”, ou outra qualquer informação que evidencie que essa informação não foi apurada por qualquer entidade.”

    person holding tube

    Igualmente, foi pedida permissão, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, para “o acesso, para eventual obtenção de cópia (analógica ou digital), de todo e qualquer documento administrativo na posse do Infarmed que tenha sido transmitido por carta normal (em papel), por mensagem de correio electrónico, por outro qualquer sistema digital escrito, sonoro ou audiovisual pela Agência Europeia de Medicamentos (EMA), e outras entidades internacionais homólogas do Infarmed, desde 2020 até à data”. Ou seja, o PÁGINA UM pretende, como constitucionalmente consagrado, investigar as actividades de regulação dos medicamentos em Portugal.

    Em resposta ontem ao PÁGINA UM, o Infarmed alega que o regime jurídico dos medicamentos de uso humano (Decreto-Lei n.º 176/2006) “prevê um dever de confidencialidade que se traduz num regime especial em matéria de acesso a documentos administrativos”, incluindo dados “transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado Membro.”

    O regulador português, presidido por Rui Santos Ivo, aponta mesmo para o disposto no n.º 2 do artigo 188º desse regime que diz serem “confidenciais os elementos apresentados ao Infarmed ou a estes transmitidos pela Agência ou pela autoridade competente de outro Estado membro, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.”

    person holding babys hand

    Ora, entre aquilo que é o “disposto” neste diploma legal está um aspecto essencial: a protecção da saúde pública. No artigo 4º salienta-se que “as disposições do presente decreto-lei [e, nessa medida, a questão da confidencialidade] devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com o princípio do primado da protecção da saúde pública.”

    Esse mesmo primado leva à necessidade do Infarmed publicitar as informações “na página electrónica”, conforme previsto no artigo 198º,  casos como este (detecção de anomalias em medicamentos), mas não se concede o direito de sonegar elementos relevantes como seja a identificação do “corpo estranho” apenas com o objectivo de proteger uma farmacêutica.

    Face à recusa desta informação, e sobretudo por revelar um procedimento anti-democrático e não-transparente, o PÁGINA UM irá apresentar mais um – o segundo – processo de intimação contra o Infarmed junto do Tribunal Administrativo, através do FUNDO JURÍDICO.

  • Câmara de Lisboa ‘esturra’ 214.900 euros em kits para alimentar ‘moscas’

    Câmara de Lisboa ‘esturra’ 214.900 euros em kits para alimentar ‘moscas’

    A autarquia de Lisboa já gastou, desde Julho do ano passado, quase 430 mil euros a comprar kits alimentares para os centros de vacinação contra a covid-19, através de contratos nada transparentes. O primeiro contrato, em vigor até Novembro, serviu para fornecer a cada utente uma maçã, uma embalagem de água e um mini-pacote de bolacha maria. O segundo contrato, assinado por ajuste directo, no mês passado, no valor de 214.900 euros, serve agora para nada: os centros de vacinação estão praticamente vazios.


    Os centros de vacinação contra a covid-19 em Lisboa estão “às moscas”, mas no mês passado, por ajuste directo e sem contrato escrito, a Câmara de Lisboa comprou 214.900 euros de kits alimentares à Albisabores – uma empresa de importação e exportação de Castelo Branco – para os distribuir pelos utentes.

    O contrato, que durará até 12 de Julho – o que implica um custo diário de 1.760 euros – estará a abastecer os três únicos centros de vacinação ainda abertos, agora com uma procura residual, para não dizer praticamente nula, conforme constatou in loco o PÁGINA UM.

    Centro de vacinação no pavilhão da Ajuda. Apenas cadeiras vazias na passada quinta-feira à tarde.

    Ignora-se também que tipo de alimentos foram agora adquiridos, porque nem a Câmara Municipal de Lisboa nem a Albisabores quiseram fornecer informações sobre esta matéria. O gabinete de Carlos Moedas não respondeu ao e-mail do PÁGINA UM. A Albisabores, após um contacto telefónico, pediu perguntas por escrito, mas depois não respondeu.

    O contrato em causa nem sequer foi reduzido a escrito, usando uma norma do Código dos Contratos Público, abusivamente invocada durante a pandemia, que permite esse expediente sempre que “a segurança pública interna ou externa justifica-o”. Ignora-se em que aspecto a segurança pública esteve em causa para a autarquia liderada por Carlos Moedas fazer ajustes directos para a compra de kits alimentares para um centro de vacinação – uma situação raramente feita em outros municípios. Não existe nenhuma sugestão nem recomendação de índole médica que justifique a necessidade de ingerir qualquer alimento ou bebida após a toma da vacina.

    Entrada do centro de vacinação das Olaias, na sexta-feira passada.

    Em Lisboa encontram-se, actualmente, apenas três centros de vacinação contra a covid-19 em funcionamento, devido à já baixíssima procura. E mesmo esses estão praticamente sem fluxo de pessoas.

    O PÁGINA UM fez, na tarde da passada quinta-feira e sexta-feira, uma visita “encoberta” (sem pré-aviso e identificação) aos centros de vacinação no pavilhão desportivo da Ajuda, no Templo Hindu (em Telheiras) e nos Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa nas Olaias, e todos estavam com mais pessoal de enfermagem e de logística do que de utentes.

    Por exemplo, no pavilhão da Ajuda, aquando da visita do PÁGINA UM, quatro funcionários conversavam, ao computador, de frente para cerca de 40 cadeiras vazias. Uma diligente funcionária, de pé, e com os braços atrás das costas, aguardava uma eventual, mas nunca anunciada chegada de pessoas para a inoculação.

    Nas Olaias, o cenário era similar. A sala de espera, de dimensão bem mais reduzida e com menos de metade das cadeiras, poderia ainda ser mais pequena. Mesmo que houvesse apenas uma cadeira disponível seria, mesmo assim, mais do que suficiente, porque durante o tempo da visita do PÁGINA UM foi evidente a ausência de interessados na vacina. Os três funcionários da Câmara que lá estavam, de coletes cor-de-laranja, tinham pouco mais que fazer do que contar o tempo. Pessoas para vacinar não havia.

    À entrada do centro do Templo Hindu Radha Krishna, a recepção aos potenciais utentes era feita por sapadores da própria autarquia. O PÁGINA UM observou aí dois longos corredores com dezenas de cadeiras. Todas vazias. Nos guichés, ninguém levantado: apenas funcionários sentados. O “circuito” terminava num enorme auditório para a denominada “zona de recobro”, onde se observaram um pouco mais de uma dezena de pessoas. Não se vislumbrava ninguém a comer ou com qualquer coisa parecida com um kit alimentar.

    Templo Hindu Radha Krishna, na quinta-feira passada. À entrada, sapadores da autarquia controlavam entrada, mas fluxo era quase inexistente.

    Mesmo sem informação disponibilizada pela autarquia de Lisboa e pela Albisabores, este contrato de 214.900 euros poderá, em princípio, não ser muito diferente daquele que foi também assinado em 19 de Julho do ano passado por estas mesmas entidades.

    Nesse contrato, cujos detalhes também não constam no Portal Base, a Albisabores já teve de se sujeitar a um concurso público e “vencer” uma proposta da Sogenave. Mas também aqui se recorreu a um novo expediente: na sua base esteve um concurso público limitado por prévia qualificação, sem publicação de anúncio no Jornal Oficial da União Europeia, porque não ultrapassava o limite de 221.000 euros. Não ultrapassava, diga-se, por apenas 6.100 euros. Note-se que se tivesse sido o Estado a adjudicar, esse limite seria de 144.000 euros.

    Este primeiro contrato do Verão passado, assinado ainda no tempo de Fernando Medina como presidente da autarquia de Lisboa, esteve também em vigor durante 123 dias – entre 19 de Julho e 18 de Novembro de 2021 –, e o PÁGINA UM apurou que consistiu, em geral, no fornecimento de uma simples maçã, um pacote de água em cartão complexo e, por vezes, um mini-pacote de bolachas maria, acondicionado num saco de papel kraft.

    Kit alimentar do primeiro contrato integrava uma embalagem de água comprada em Espanha, uma maçã e um mini-pacote de bolacha maria.

    Note-se que, neste período, a afluência de utentes para vacinação foi incomensuravelmente superior, mas como se ignora o teor de ambos os contratos, não se sabe quantos kits alimentares foram fornecidos em 2021. E muito menos se sabe quantos kits se prevêem distribuir agora que quase não há pessoas a vacinarem-se em Lisboa. E nem se sabe se haverá, para atrair mais visitantes, uma melhoria nos acepipes a oferecer.

    Apenas se sabe uma coisa: a Albisabores vai sacar da autarquia de Carlos Moedas cerca de 1.760 euros por dia. Todos os dias até ao próximo dia 12 de Julho. Ainda são, até lá, mais 78 dias. Sempre a facturar.

  • PÁGINA UM em ‘luta’ pela informação sobre mortes em lares que a DGS quer esconder

    PÁGINA UM em ‘luta’ pela informação sobre mortes em lares que a DGS quer esconder

    A Direcção-Geral da Saúde nunca divulgou um relatório sequer sobre os efeitos da pandemia nos lares, e procurou sempre falar pouco do assunto. O PÁGINA UM quis saber detalhes, e mais uma vez a entidade liderada por Graça Freitas recusou. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) diz agora, em parecer, que a DGS deve disponibilizar esses dados. Se a DGS persistir nesta postura, o PÁGINA UM accionará o seu FUNDO JURÍDICO para (mais) um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo.


    Em Novembro do ano passado, a Amnistia Internacional pediu ao parlamento italiano a realização de um inquérito independente sobre as mortes por covid-19 em lares de idosos e sobre “relatos de retaliação” que denunciaram condições de insegurança, relatou a Euronews.

    Na província canadiana de Ontário, uma comissão de cuidados de longo prazo concluiu que a região “não estava preparada para uma pandemia e que as casas de repouso da província, que foram negligenciadas por décadas por sucessivos governos, eram alvos fáceis para surtos descontrolados”

    No mês passado, um artigo no The Lancet destacava que a taxa de mortalidade nos lares ingleses em Abril de 2020 – quando surgiu a primeira vaga – tinha sido 17 vezes superior à registada nas pessoas com mais de 65 anos que viviam na comunidade, quando nos anteriores essa relação era de 10 vezes.

    person's hand in shallow focus

    Também um artigo recente da Nature veio corroborar as críticas iniciais à gestão da pandemia da Suécia nos lares, embora de uma forma enviesada, porque comparou aquele país escandinavo apenas à vizinha Noruega, o país europeu menos afectado pela pandemia

    Em Portugal, pouco relevo tiveram os efeitos da pandemia nos lares. Não houve estudos divulgados nem relatórios oficiais executados.

    Sendo certo que foram frequentes as notícias de surtos e de mortes nas denominadas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), na verdade nunca houve um relatório oficial sobre o verdadeiro impacte da covid-19 naquela comunidade. As últimas informações oficiais quantitativas, mas nunca discriminadas por ERPI, foram dadas em 8 Fevereiro do ano passado quando a Direcção-Geral da Saúde (DGS) revelou que tinham morrido, até àquela data, 3.750 idosos em lares, das quais 42% entre 4 de Janeiro e 4 de Fevereiro. Esse número representava então 26% do total dos óbitos atribuídos à covid-19, numa altura em que os dados oficiais apontavam para 14.354 vítimas da pandemia.

    Em Janeiro deste ano, o PÁGINA UM decidiu assim solicitar “ o acesso, para eventual obtenção de cópia (analógica ou digital), de todo e qualquer documento administrativo (em documento escrito ou sob a forma de base de dados) elaborado pela DGS, ou por outra entidade por sua iniciativa, ou ainda que esteja na sua posse, e que cont[ivesse] informação desde o início da pandemia, até ao momento da consulta, sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos [tivessem] ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que [tivesse] apresentado sintomas compatíveis com a doença”.

    Em suma, pretendia-se ter acesso às comunicações recebidas pela DGS, ou o suporte digital dessas comunicações após tratamento informático, em cumprimento do ponto 68 da Orientação nº 009/2020 de 11 de Março de 2020, com actualização em 10 de Janeiro deste ano.

    Como habitualmente, a DGS não respondeu ao PÁGINA UM, mas um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), aprovado na quarta-feira passada, considera agora que, apesar dos documentos solicitados respeitarem “a informação nominativa, reveste natureza quantitativa”, pelo que “livremente acessível”. E salienta que se a DGS quiser manter a recusa terá de “proferir decisão fundamentada” no prazo de 10 dias.

    Caso a DGS não reconsidere a sua postura, este será mais um dos elementos a integrar num processo de intimação que o PÁGINA UM está já a preparar para entregar em breve no Tribunal Administrativo, recorrendo ao FUNDO JURÍDICO.

    woman in brown button up shirt holding white smartphone

    Saliente-se que este é um dos oito requerimentos à DGS apresentados pelo PÁGINA UM ao longo dos últimos meses sobre a pandemia – e que mereceram parecer da CADA. Além do pedido relacionado com os surtos e óbitos nas ERPI, o PÁGINA UM solicitou ainda o acesso às bases de dados dos internados e do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE); a documentos sobre a evolução (temporal) da incidência cumulativa (real ou estimada) e as taxas de letalidade em Portugal das diferentes variantes do SARS-CoV-2 classificadas pela OMS como de preocupação (VOC) ou de interesse (VOI); os registos de surtos e mortes por covid-19 (como infecção nosocomial) em unidades hospitalares do SNS; os registos detalhados do conjunto de testes de deteção de SARS-CoV-2 e o número de casos positivos por idade ou faixa etária; os documentos produzidos no âmbito da actividade da Comissão Técnica de Vacinação contra COVID-19 (CTVC); e a consulta presencial do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).

    Apenas no caso dos documentos da CTVC, a DGS satisfez, entretanto, parcialmente o requerimento do PÁGINA UM (cedendo os pareceres), mas ainda não disponibilizou as actas que, por exemplo, permitam identificar os consultores que votaram contra a vacinação dos adolescentes no Verão do ano passado. De entre os oitos pareceres, somente no caso do acesso ao SICO a CADA considerou que esta base de dados se encontra regida por uma legislação especial – negando assim razão ao PÁGINA UM –, questão que virá a ser dirimida nas instâncias judiciais.