Categoria: Sociedade

  • Mosquito em frasco de vacina e correspondência da Agência Europeia dos Medicamentos são “segredo comercial”. Conheça a “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa

    Mosquito em frasco de vacina e correspondência da Agência Europeia dos Medicamentos são “segredo comercial”. Conheça a “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa

    O caso sobe agora para o Tribunal Central Administrativo Sul. Terminou a primeira fase do processo de intimação contra o Infarmed para obrigar o regulador a fornecer informações detalhadas sobre as causas para a recolha de um lote de 765 mil frascos de vacinas da Moderna contra a covid-19 e a correspondência com a Agência Europeia dos Medicamentos desde 2020. A “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa que julgou o caso é muito sui generis. Conheça-a e saiba que o PÁGINA UM não desiste de lutar a favor da transparência e da defesa dos interesses dos cidadãos à informação, através do seu FUNDO JURÍDICO.


    Em sentença conhecida ontem, o juiz João Cristóvão, do Tribunal Administrativo de Lisboa, considera que, apesar dos direitos consagrados na Constituição da República e da Lei da Imprensa, o “pedido de informação apresentado” pelo PÁGINA UM ao Infarmed para aceder aos documentos relacionados com a recolha de um lote de vacinas da Moderna contra a covid-19 “foi configurado de tal forma ampla que o torna susceptível de aceder a um universo quantitativo e qualitativo de documentos impossível de prever, mas sobre os quais impende uma presunção legal de confidencialidade.”

    Nesta medida, este juiz concede direitos de confidencialidade a documentos que protegem as farmacêuticas, e desobrigam o Infarmed como regulador a revelar dados potencialmente comprometedores, impedindo assim os consumidores de aceder a informação relevante para a sua saúde.

    De igual forma, o juiz considerou que o Infarmed não tem de revelar as comunicações desde 2020 provenientes da Agência Europeia dos Medicamentos (EMA), conforme foi solicitado pelo PÁGINA UM, por estar, presumidamente, em causa “segredo comercial, industrial ou profissional ou um segredo relativo a um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

    Esta decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa – ainda passível de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que será apresentado pelo PÁGINA UM através do FUNDO JURÍDICO com o apoio dos seus leitores – decorre de um pedido recusado em Abril pelo Infarmed, presidido actualmente por Rui Santos Ivo, que já esteve ligado ao Ministério da Saúde e foi ainda director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) entre 2008 e 2011.

    Apesar da comunicação social no estrangeiro ter revelado que a recolha de 765 mil frascos de um lote de vacinas da Moderna tenha sido devido à detecção de vestígios de mosquito, o Infarmed recusou-se a confirmar essa informação, tendo apenas publicado no seu site que tinha sido encontrado “um corpo estranho“.

    O Infarmed alega que o regime jurídico dos medicamentos de uso humano (Decreto-Lei n.º 176/2006) “prevê um dever de confidencialidade que se traduz num regime especial em matéria de acesso a documentos administrativos”, incluindo dados “transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado Membro.”

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    O regulador português aponta sobretudo para o disposto no n.º 2 do artigo 188º desse regime que diz serem “confidenciais os elementos apresentados ao Infarmed ou a estes transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado membro, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.”

    Ora, entre aquilo que está no “disposto” neste diploma legal está um aspecto essencial, ignorado tanto pelo Infarmed como sobretudo pelo juiz João Cristóvão: a protecção da saúde pública. Na verdade, o diploma – conhecido por Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano – destina-se, em primeira análise, e presume-se, a defender os consumidores e não necessariamente as farmacêuticas.

    Com efeito, no artigo 4º desse diploma salienta-se que “as disposições do presente decreto-lei [e, nessa medida, a questão da confidencialidade] devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com o princípio do primado da protecção da saúde pública.”

    Esse mesmo primado leva à necessidade do Infarmed publicitar as informações “na página electrónica”, conforme previsto no artigo 198º, casos como os de detecção de anomalias em medicamentos, mas não lhe deveria conceder o direito de sonegar elementos relevantes como seja a identificação do “corpo estranho” apenas com o objectivo de proteger uma farmacêutica.

    Na verdade, no limite, o Infarmed pode esconder, se vingar a tese estranhamente defendida pelo juiz João Cristóvão, qualquer escândalo com medicamentos, não libertando documentos, alegando que, por absurdo, está em causa um “segredo comercial” ou então “um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

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    O juiz também defende que o estatuto de jornalista e a sua função primordial de informar e aceder à informação, mesmo se investido de direitos consagrados na Constituição e no Estatuto do Jornalista, não é suficiente para se “demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”

    Em suma, se a tese deste juiz de primeira instância “vingar” no Tribunal Central Administrativo do Sul , significa que o papel de intervenção da imprensa fica profundamente limitado, algo pouco consentâneo num país que se apresta para comemorar os seus 50 anos em democracia.


    Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores.

  • Cascais gasta mais de um milhão de euros no apoio a refugiados ucranianos, mas sempre por ajuste directo e em contratos nebulosos

    Cascais gasta mais de um milhão de euros no apoio a refugiados ucranianos, mas sempre por ajuste directo e em contratos nebulosos

    Não houve político que não tivesse querido ficar bem na fotografia da solidariedade internacional com o povo ucraniano. Mas no município de Cascais, a edilidade afanou-se e não tem deixado “secar a caneta”, despachando contratos atrás de contratos, tudo por ajuste directo, em prol dos refugiados. Mais de um milhão de euros já foram gastos, mas grande parte em contratos pouco claros, que a autarquia liderada por Carlos Carreiras não está muito disposta a divulgar na sua plenitude. Para a Câmara de Cascais parece que basta dizer que o dinheiro público serve “uma boa causa” para se colocar uma pedra sobre o assunto .


    Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, nenhum outro município se equipara ao de Cascais, que tem gasto sem parança para alegadamente apoiar os refugiados daquele país de Leste. Numa consulta detalhada ao Portal Base sobre contratos públicos relacionados com a Ucrânia, confirma-se que a autarquia liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras já investiu, sempre em contratos por ajuste directo, e na esmagadora maioria dos casos sem se conhecerem grandes detalhes, quase 930 mil euros, excluindo IVA. Incluindo este imposto – variável em função do contrato – já se ultrapassou um milhão de euros.

    Este montante representa cerca de 85% do total dos gastos em contratação pública pelos municípios portugueses no apoio à Ucrânia – ou seja, para prestações de serviços externos com vista a suprir necessidades sem resposta imediata pelos serviços da Administração Pública.

    Cascais destaca-se dos municípios portugueses no apoio aos refugiados ucranianos, mas na hora de analisar as contas há contratos pouco claros.

    À cabeça dos gastos do município de Cascais surgem duas empreitadas extraordinárias para a execução de obras de alojamento – algo que mais nenhuma outra autarquia portuguesa que acolheu ucranianos fez.

    O primeiro contrato foi celebrado em 11 de Abril passado com a Ediperfil, para adaptação da antiga creche de São José, entretanto alocada à Santa Casa da Misericórdia de Cascais, tendo um valor de 157.274,84 euros (IVA incluído).

    Uma dezena de dias mais tarde foi assinado outro contrato, desta vez, com a empresa Valente & Carreira para remodelação urgente de habitações num antigo bairro operário perto da creche, na Avenida de Sintra. O custo deste contrato: 321.052,80 euros, com o fito de criar 40 quartos, segundo informações do gabinete de imprensa da autarquia.

    Porém, informações detalhadas sobre as obras destes dois contratos são escassas. O PÁGINA UM procurou, desde 6 de Maio, obter junto da autarquia cascalense os dois cadernos de encargos relativos a estas empreitadas, que deveriam constar do Portal Base. No entanto, a autarquia nunca os disponibilizou, optando apenas por elencar referências meramente descritivas das obras realizadas sem qualquer custo associado. Uma situação que se repetiu em relação a similares pedidos de outros contratos.

    Sobre o facto de ambas as empresas terem sido contratadas por ajuste directo e também ambas serem do concelho da Batalha, o gabinete de imprensa de Carlos Carreiras foi lacónico; “Não havendo motivo, não há nada a acrescentar”.

    Fachada da antiga creche de São José, na Avenida de Sintra, em Cascais, entretanto reabilitada para receber refugiados ucranianos. Foto: Google Street.

    Certo é que as duas empresas da Batalha têm estado particularmente activas nos últimos anos no concelho de Cascais, somando contratos atrás de contratos. Desde 2018, a Ediperfil conta cinco, no valor total de cerca de 800 mil euros. Já a Valente & Carreira acumula quatro contratos desde 2020 e com valores substancialmente superiores: um pouco mais de 4,6 milhões de euros, dos quais se destacam duas empreitadas em edifícios da Cruz Vermelha, no âmbito da pandemia, também por ajuste directo, no valor de quase três milhões de euros.  

    Entretanto, e apesar de todos estes elevadíssimos encargos supostamente para acomodar refugiados ucranianos, a Câmara Municipal de Cascais ter-se-á visto ainda na necessidade de fazer mais dois contratos com uma empresa de alojamento local, a Juicycategory. Custo total, para já: 108.120 euros. Nos contratos com esta empresa – sobre os quais a autarquia nada quis relevar ao PÁGINA UM –, presentes no Portal Base, ignora-se até o objecto em concreto.

    Com efeito, no primeiro contrato, assinado em 11 de Maio e no valor de 36.040 euros, surge referência a “uma proposta apresentada em 29 de março de 2022, que aqui se dá como reproduzida e que fica a fazer parte integrante deste contrato”, mas depois nada é incluído no Portal Base. Apenas se sabe, pela descrição nesta plataforma de suposta transparência relativa à contratação pública, que este contrato tem um prazo de execução de 61 dias.

    Carlos Carreiras é presidente da autarquia de Cascais desde 2011.

    Similar situação ocorre no segundo contrato com a Juicycategory, assinado no dia 17 deste mês e por um prazo de 122 dias. Com um valor de 72.080 euros, o contrato faz também menção à existência de “uma proposta apresentada”, esta em 8 de Junho, mas depois não surge absolutamente nada mais no Portal Base. Não se sabe assim quantos ucranianos estarão a ser alojados no âmbito deste contrato, onde pernoitam, se dormem no chão ou em lençóis de cetim. A primeira vez que o PÁGINA UM questionou a autarquia de Cascais sobre estes contratos foi em 30 de Maio e reiterou o pedido no passado dia 22 de Junho.

    Embora estes sejam os montantes mais elevados dos gastos da autarquia de Cascais no apoio ao povo ucraniano, esta edilidade também se salientou por ter alugado 10 camiões TIR, com um custo de cerca de 50 mil euros, para transportar 223 toneladas de “vestuário, alimentação (incluindo comida e leite para bebé), produtos farmacêuticos, produtos de higiene e alimentação para animais”, de acordo com o gabinete de imprensa de Carlos Carreiras.

    O PÁGINA UM pediu, contudo, as guias de transporte ao município, mas obteve apenas como resposta que “a esmagadora parte dos produtos recolhidos (…) foram doados por cascalenses e empresas sedeadas em Cascais e noutros pontos do país”. O gabinete de imprensa do município preferiu destacar que o movimento inusitado de solidariedade se deveu ao facto de este município possuir “um grande centro de recolha que é uma referência para vários pontos do país e que possibilita o armazenamento de várias toneladas em simultâneo, para além de uma equipa muito competente no envio de ajuda humanitária à Ucrânia.”

    A edilidade de Cascais acrescentou ainda, a este respeito, que “quatro TIR destinaram-se especificamente a Bucha [onde alegadamente terão sido cometidos crimes de guerra pelas tropas russas], cujo presidente da Câmara pediu ajuda directamente ao presidente da Câmara de Cascais em vídeo conferência no dia 25 de Abril.”

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    Além destas despesas, a autarquia de Cascais também pagou cerca de 28 mil euros para fretar um voo da TAP que transportou 226 ucranianos para Portugal. Este contrato não consta no Portal Base.

    Saliente-se que, também no transporte de mercadorias e refugiados, a autarquia de Cascais se destacou dos demais municípios. De acordo com o Portal Base, apenas os municípios de Portimão (5.800 euros), de Gouveia (5.919 euros), de Gondomar (29.250 euro) e de Olhão (20.283 euros), para além da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (29.425 euros), registaram gastos no transporte de mantimentos e/ ou de refugiados ucranianos.

    Por fim, nos contratos assinados pela autarquia de Cascais ainda se incluem fornecimentos de alimentação para os refugiados, incluindo um de 250 mil euros com a empresa ICA – Indústria e Comércio Alimentar, mas a autarquia diz que aquele montante constitui o valor máximo. Até 30 de Maio, segundo o gabinete de Carlos Carreiras, tinham sido gastos 37 mil euros.

    Num outro contrato, com a Panisol, destinado ao fornecimento diário de pão aos refugiados, foi assinado um contrato de até 10 mil euros. Contudo, a autarquia diz que, até ao final de Maio, tinham sido gastos apenas 350 euros, o que significa menos de 2.500 carcaças, se for essa a referência, indicando assim que a procura alimentar por parte dos refugiados tem ficado muito aquém das expectativas iniciais.

    De acordo com a autarquia de Cascais, pelos centros de acolhimento daquele município tinham passado, até finais de Maio, 1.714 ucranianos, integrando 658 famílias, na sua maioria mulheres e crianças. Nessa altura estariam então a ser apoiadas, segundos os números da autarquia, 253 famílias e a taxa de ocupação média das unidades de alojamento situava-se nos 75%. O PÁGINA UM não obteve resposta na passada semana para uma actualização destes números.

  • PÁGINA UM vai ter acesso a processos da IGAS contra Filipe Froes e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    PÁGINA UM vai ter acesso a processos da IGAS contra Filipe Froes e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    São 34 os processos instaurados pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) contra médicos desde 2018, cujas diligências e conclusões se mantêm no “segredo dos deuses”. O PÁGINA UM pediu a consulta e a IGAS não respondeu. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de haver permissão. Será este mais um caso a seguir para Tribunal Administrativo?


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) vai ter de conceder ao PÁGINA UM o acesso a 34 processos instaurados a médicos desde 2018, que englobam 26 de fiscalização, quatro de esclarecimento e quatro de contraordenação.

    Esta é a decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), divulgada num parecer de 15 de Junho passado, após uma solicitação do PÁGINA UM para consulta não respondida pelo inspector-geral da IGAS, Carlos Caeiro Carapeto. A CADA determinou ainda que deverá também ser permitido o acesso à ordem emitida para a abertura de um processo de esclarecimento contra o actual presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, depois desta ser concluída. 

    António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

    Recorde-se que o processo da IGAS contra o presidente da SPP surgiu no decurso de um artigo de investigação do PÁGINA UM que apontou para as incompatibilidades de António Morais por estar a presidir, desde 2019, a uma sociedade médica que no quinquénio 2017-2021 recebeu do sector farmacêutico mais de 870 mil euros por ano.

    Para António Morais continuar, como está, a ser consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde (DGS), a SPP não poderia receber mais de 50 mil euros por ano. Com o primeiro semestre de 2022 quase concluído, o “mealheiro” da SPP já engordou desde Janeiro com mais 537.128 euros. A título pessoal, o presidente da SPP – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – já arrecadou este ano 11.361 euros de diversas farmacêuticas.

    Um dos processos da IGAS que, desta forma, passará a ser do conhecimento público é o do pneumologista Filipe Froes, instaurado em Novembro passado, mas cujas diligências e conclusões nunca foram divulgadas.

    Filipe Froes continua a ser consultor da DGS e membro destacado da equipa que elabora as terapêuticas contra a covid-19, embora mantenha uma promíscua relação com a indústria farmacêutica. Só este ano recebeu já 28.531 euros, integrando o quadro de consultores (advisory board) da Sanofi, AstraZeneca e Gilead. Para esta última empresa, Froes é especificamente consultor para o remdesivir, um antiviral que ele, como consultor da DGS, continua a recomendar como terapêutica, apesar dos efeitos adversos causados e da fraca eficácia.

    Filipe Froes mantém excelentes relações com a imprensa mainstream, o Ministério da Saúde e as farmacêuticas.

    O mediático pneumologista também se destacou, no mês passado, em promover em diversos órgãos de comunicação social a compra de novos antivirais contra a covid-19, entre os quais o Paxlovid, e que viria a culminar numa compra de 21 milhões de euros, conforme divulgou o PÁGINA UM em primeira-mão.

    Com a deliberação da CADA, a IGAS terá de permitir a consulta aos processos num prazo de 10 dias, caso contrário somente o recurso ao Tribunal Administrativo, através de um processo de intimação, poderá obrigar esta entidade pública a ser transparente.

    Se tiver de suceder, a IGAS será a quinta entidade do sector da Saúde a ser colocada no “banco dos réus” pelo PÁGINA UM, sempre por recusa no acesso a documentos públicos, depois do Infarmed, Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos e Ministério da Saúde, neste caso por a DGS não possuir personalidade jurídica neste tipo de processos.

  • Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Quatro em cada 10 entidades da Administração Pública sujeitas a queixas por ‘obscurantismo’ no acesso aos seus arquivos nem sequer colaboram com o ‘regulador’

    Desde 1993 há uma lei, cheia de boas intenções, para promover a abertura dos arquivos da Administração Pública aos cidadãos, mas na prática, três décadas depois da sua criação, a cultura de secretismo e de obscurantismo continua bem enraizada. As queixas à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sucedem-se, mas muitas caem em “saco roto”, até porque cada vez mais entidades públicas nem se dão ao trabalho de justificarem os seus actos. A lei até diz que os funcionários públicos têm o dever de colaboração com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar, mas ninguém se importa. Eis o obscurantismo em todo o seu esplendor no Portugal democrático do século XXI.


    Quatro em cada 10 entidades que não satisfizeram pedido de consulta de documentos públicos nem sequer colaboram com a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) quando esta entidade elaborou os seus pareceres após a recepção de queixas. Esta situação é bem reveladora de uma postura de obscurantismo da Administração Pública, que se tem vindo a agravar, como o PÁGINA UM tem revelado.

    De acordo com um levantamento exaustivo aos 304 pareceres resultantes de queixas decididas em 2021 pela CADA – a entidade responsável pela regulação do direito dos cidadãos a acederem a documentos da Administração Pública e outras entidades com funções similares –, houve 121 que ficaram sem resposta à solicitação para serem apresentadas justificações para a recusa.

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    Saliente-se que a legislação, criada em 1993, estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”.

    A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e o Instituto da Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), tuteladas pelo Ministério do Ambiente e da Acção Climática, encabeçam a lista das entidades públicas ou equiparadas que mais ignoraram a CADA, que é presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira.

    A APA, presidida por Nuno Lacasta, esteve envolvida em nove queixas, por recusa de acesso a documentos, e apenas respondeu a três ofícios da CADA. Já Nuno Banza, presidente do ICNF, teve pior desempenho: em sete queixas, deu zero respostas à CADA.

    Na lista compilada pelo PÁGINA UM destacam-se ainda o Instituto da Segurança Social (com cinco queixas não respondidas), a Câmara Municipal de Grândola e o Agrupamento de Escolas dos Templários de Tomar (ambas com quatro queixas, respectivamente), e a Câmara Municipal do Porto (com três queixas). Nestes processos, a vasta maioria dos requerentes são cidadãos.

    Nuno Banza (primeiro à direita), presidente do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Esta entidade teve sete queixas por recusar o acesso a documentos públicos em 2021. Em nenhum caso apresentou sequer justificação à CADA.

    Uma parte substancial destas queixas foi intentada por organizações não-governamentais, sobretudo associações ambientalistas, como é o caso da Zero. No ano passado, esta associação solicitou informação por três vezes à APA e por sete vezes ao ICNF, mas só com a intervenção da CADA conseguiu a informação pretendida.

    Francisco Ferreira, presidente da Zero, lamenta esta situação: “Compreendemos que possa existir dificuldades em responder com celeridade em alguns casos, mas não é aceitável que não haja sequer uma resposta onde se proponha uma data para satisfação pedidos”. Para este ambientalista,“tem de ser implementada uma cultura na Administração Pública que permita uma maior transparência na divulgação da informação”.

    Questionado o Ministério do Ambiente sobre a postura dos seus dirigentes, o gabinete de Duarte Cordeiro diz que, no futuro, “tudo fará para obstar a que estas situações se repitam com entidades que tutela e com elas procurará estabelecer mecanismos para ultrapassar essas dificuldades”, acrescentando que o ministro é “um defensor do acesso à informação por parte dos cidadãos e de uma administração transparente”.

    Quanto à CADA – cujos pareceres são não-vinculativos, ou seja, mesmo se favorável aos queixosos a entidade requerida pode continuar a recusa, obrigando a um processo de intimação no Tribunal Administrativo –, não aparenta grande incomodidade por ser ignorada por muitas entidades da Administração Pública, dizendo que “corresponder ao convite é uma opção da entidade demandada”.

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    Sobre a possibilidade de tornar vinculativos os pareceres, Alberto Oliveira refere que “a opção legislativa, desde a primeira Lei [em 1993] (…) tem sido a de contemplar a CADA como uma figura próxima da do Ombudsman, também sem poderes vinculativos.” E acrescenta ainda que “uma característica específica da CADA, face à figura genérica do provedor de justiça, é a de que, diferentemente do que com este acontece, a apresentação tempestiva de queixa à CADA interrompe o prazo para propositura de intimação contenciosa”.

    Uma vantagem que, diga-se, constitui uma vantagem irrelevante ou até contraproducente, porque se as entidades públicas recusarem o pedido do requerente e depois não cumprirem o parecer não-vinculativo da CADA, resta apenas então o recurso ao Tribunal Administrativo. Ou seja, na prática, mesmo que a Justiça dê razão ao requerente, perde-se apenas meses de forma inglória e gasta-se dinheiro, não havendo qualquer punição do dirigente da Administração Pública que recusou indevidamente um direito dos cidadãos.

    Aliás, tem sido para acelerar o processo de acesso que o PÁGINA UM decidiu, em alguns casos, nem sequer recorrer à CADA: opta antes por fazer logo entrar no Tribunal Administrativo um processo de intimação, como aliás sucederá com a recusa da ministra Marta Temido em abrir os arquivos do Ministério da Saúde desde 2020.

    Sobre a norma que estipula que “todos os dirigentes, funcionários e agentes dos órgãos e entidades a quem (…) têm o dever de cooperação com a CADA, sob pena de responsabilidade disciplinar ou de outra natureza”, o presidente daquela instituição nada refere. A impunidade é absoluta.

  • Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Esgotos, agricultura e pressão urbana são os factores que maiores danos causam aos rios

    Uma coisa é saber, em teoria, que as actividades humanas causam prejuízos nos ecossistemas aquáticos; outra é quantificar os prejuízos. Além disso, nem tudo o que vem do Homem é mau, ou pode sempre ser mau. Uma recente meta-análise internacional quantificou esses impactes negativos, mas também, paradoxalmente, alguns positivos. O estudo tem um “dedo” de uma instituição portuguesa: a Universidade de Coimbra.


    Já se sabia que a descarga de esgotos, a agricultura e a urbanização estavam entre os factores de degradação das funções dos ecossistemas ribeirinhos – como a capacidade de autodepuração, a decomposição de matéria vegetal e o desenvolvimento de organismos aquáticos, muitos dos quais utéis ou relevantes para as actividades humanas.

    Mas um recente estudo internacional veio agora relevar quais são os “factores de stress” mais importantes para a degradação dos ecossistemas aquáticos de água doce, e que os estão a tornar “cadeias alimentares simplificadas e menos produtivas”.

    Com base numa meta-análise sustentada em 125 artigos científicos, o estudo foi publicado em meados do mês passado na revista cientifica Global Change Biology – e que conta com a participação da investigadora Verónica Ferreira, da Universidade de Coimbra –, tendo hierarquizado, de forma quantitativa, os três principais factores de degradação: efluentes de águas residuais, agricultura e uso do solo urbano.

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    Para a bióloga Verónica Ferreira, que é investigadora do Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), a redução na capacidade de autodepuração dos rios e ribeiros mostra-se “especialmente preocupante”, apontando as “altas concentrações de nutrientes na água [causadas pela poluição orgânica e química, sobretudo por nitratos], que são muitas vezes responsáveis por blooms de algas nocivos”.

    Atendendo à importância dos rios e dos ribeiros na biodiversidade mundial, designadamente no fornecimento de água potável, na proteção contra cheias e na irrigação de áreas agrícolas, os autores do estudo alertaram para a necessidade de “medidas urgentes” nos principais “factores de stress”. Apelam também à realização de “mais estudos sobre os efeitos de múltiplos ‘factores de stress’ na multifuncionalidade dos ecossistemas, de modo a compreender-se melhor o peso do impacto humano”.

    Apesar dos efeitos nocivos da acção humana no funcionamento dos rios e ribeiros, Verónica Ferreira salienta que “é importante considerar o contexto regional dos rios e ribeiros”, exemplificando com “os efeitos de efluentes de estações de tratamento de águas residuais [ETAR] na produção primária que são mais fortes a latitudes mais baixas do que a latitudes mais elevadas, considerando o intervalo 35ºN – 53ºN.”

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    A investigadora acrescenta ser “também necessário considerar várias funções ecossistémicas na avaliação do funcionamento de rios e ribeiros, já que um dado impacte humano pode ter efeitos em algumas funções, mas não em outras”.

    Com efeito, o estudo identificou, em simultâneo, alguns efeitos positivos das actividades humanas. A decomposição de matéria vegetal é um exemplo: embora inibida pela descarga de águas residuais, esta funcionalidade foi, por outro lado, estimulada em 57% pelas elevadas concentrações de nutrientes na água, um efeito supostamente negativo da acção humana.

    A revista Global Change Biology tem como editor-chefe e fundador o fisiologista Stephen P. Long, que desde 2012 lidera o projecto Realizing Increased Photosynthetic Efficiency (R.I.P.E), um projecto de investigação financiado pela Fundação Bill & Melinda Gates que tem como objectivo maximizar a produção alimentar mundial, potencializando a fotossíntese das plantas através da sua modificação genética.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • De joelhos perante Deus, de pé para a Cultura

    De joelhos perante Deus, de pé para a Cultura


    A necessidade de apresentar o longo percurso académico, profissional e pessoal de alguém, seguindo fórmulas exaustivas (muitas vezes maçadoras) sugere o desconhecimento completo da pessoa apresentada. Por isso comecemos com o essencial.

    Carlos Moreira Azevedo tem 69 anos, nasceu em Milheirós de Poiares. Foi ordenado padre pelas mãos de Dom António Ferreira Gomes. Tem por hábito levantar-se cedo. Antes de sair de casa, gosta de deixar o almoço temperado – à carne (ou ao peixe) adiciona vinho branco, alho, sal, especiarias. É pontual. Rigoroso. Ao longo da manhã lê, estuda, escreve. Também reza.

    Fala com muita gente; telefone, e-mail, redes sociais. Orgulha-se da vida de campo que viveu, das suas raízes. Herdou o jeito e o gosto de cozinhar e de servir os seus convidados. Não guarda para si o segredo escondido em cada receita. É bem-humorado e discreto. Exigente e austero. Durante a última década tem atravessado quase todos os dias a Praça de São Pedro, no Vaticano, para chegar ao gabinete onde trabalha.

    Trabalha e dá trabalho aos outros. Organiza, dirige, exige, comanda. É acarinhado por todos. Quando lhe surge uma dúvida, esclarece-a ao procurar nos livros da sua biblioteca particular. Tem orgulho nela. Sabe e gosta de história, de arte, de cultura. É afectuoso.

    Parte dos livros que adquire serve para investigar sobre temas que mais tarde apresenta. Aparentemente não gosta de estar parado e, por isso, as ideias obrigam-no a passar para o concreto da vida sob forma de texto, conferência, cultura.

    Por culpa das restrições impostas durante os últimos dois anos, ficou limitado à sua casa. Mesmo assim, reuniu, ao longo desse tempo, as obras de Irene Vilar numa publicação que conseguiu concluir com a ajuda de muitos amigos. Ligou-lhes, um a um, pedindo fotografias das obras, de catálogos, de tudo… Manifestou gratidão referindo, no final do livro, cada um dos nomes em causa.

    Esta rede, da qual se orgulha, é o reflexo da força mobilizadora que o caracteriza.

    Enquanto passeia por Roma, dispensa a cruz peitoral, a batina e o solidéu. Troca-os por um chapéu de palha e por uma camisa de manga curta (na Primavera/Verão). Usa o cabeção.

    Entusiasma-se quando leva os amigos a passear pela cidade. Noutros tempos, mostrava-lhes todas as igrejas, ruas e museus. Falava-lhes e ensinava-lhes História, Arte, Religião. Passou a fazê-lo num ritmo diferente.

    Guarda saudades de Portugal, da família e dos amigos. Mas, em Roma, sente-se em casa. A sua presença é assídua nos arquivos Pontifício e do Santo Ofício. Gosta de olhar o passado para depois o tornar presente.

    O sentido crítico – que também o define – faz com que considere que se tenha perdido uma grande oportunidade de mudar alguma linguagem litúrgica, por exemplo, a propósito do novo Missal. Lamenta que as palavras continuem a ser exclusivas. Por ele, em vez de se dizer durante a missa “…fruto da videira e do trabalho do homem…” – expressão litúrgica que se mantém – deveria dizer-se “…fruto da videira e do trabalho da Humanidade…” – já que as “mulheres também trabalham”, conclui.

    Perante a turbulência e a adversidade mostra-se sereno, confiante, directo. Diante dos homens permanece de pé. Diante de Deus, ajoelha.

    Perdoem-me, enfim, se me alonguei em demasia.

    Devia ter dito apenas que Dom Carlos Azevedo é um Bispo Católico, nomeado pelo Papa para assumir o cargo de Delegado do Conselho Pontifício para a Cultura, que foi diretor de revistas científicas, autor dezenas de livros e artigos, diretor de fundações e comissário de exposições, que apresentou inúmeras comunicações internacionais, e que, por tudo isso, além de ser conhecido por muitos homens e muitas mulheres, viu-se reconhecido  pelo país, que lhe concedeu a Grã-Cruz da Ordem do Infante Dom Henrique…

  • Mais dois processos de intimação no Tribunal Administrativo colocam, desta vez, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos como réus por recusarem transparência

    Mais dois processos de intimação no Tribunal Administrativo colocam, desta vez, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos como réus por recusarem transparência

    No âmbito da sua campanha em prol de um jornalismo independente e de uma Administração Pública mais transparente e aberta, o PÁGINA UM apresentou ontem mais dois processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. São já cinco os processos intentados desde Abril.


    Mais dois processos de intimação por iniciativa do PÁGINA UM deram ontem entrada no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar entidades com funções públicas a disponibilizarem documentos administrativos. Desde 12 de Abril passado, este é o quinto processo que visa concretizar, em pleno, os direitos de acesso a documentos por parte dos cidadãos em geral, e em particular dos jornalistas.

    O primeiro processo por iniciativa do PÁGINA UM foi intentado contra o Conselho Superior da Magistratura em 12 de Abril passado, por recusa de acesso a um inquérito no âmbito da Operação Marquês. Os outros dois processos incidiram sobre o Infarmed: no primeiro processo, entrado ainda em Abril, está em causa a denegação do acesso a dados sobre reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir; no segundo processo, que deu entrada na passada semana no Tribunal, deveu-se ao facto de o regulador português alegar “confidencialidade” para recusar o acesso à correspondência entre esta entidade e a Agência Europeia dos Medicamentos.

    Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (que trabalha agora para a Gilead), e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária.

    Agora, nestes dois processos mais recentes – que já foram distribuídos aos juízes Pedro de Almeida Moreira e Maria Carolina Duarte –, a Ordem dos Médicos é visada em ambos, tendo num deles a companhia da Ordem dos Farmacêuticos como co-réu.

    No processo que envolve as duas ordens profissionais – que, por deterem funções públicas concedidas pelo Estado, estão abrangidas pela Lei de Acesso aos Documentos Administrativos –, está em causa a denegação do acesso ao PÁGINA UM dos documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Nesta campanha de angariação de fundos no âmbito da pandemia terão sido recolhidos mais de 1,4 milhões de euros em 2020 e 2021, sendo que as verbas foram prometidas a profissionais de saúde e unidades do Serviço Nacional de Saúde. Entre os doadores contaram-se as farmacêuticas Merck – que alegadamente doou 380.000 euros em máscaras FFP2 – e a A. Menarini Portugal (donativo de 20.000 euros), que se encontram mencionadas no Portal da Transparência do Infarmed, além da Associação Portuguesa de Indústrias Farmacêuticas (Apifarma), que terá entregado 665.000 euros.

    No entanto, nunca foi disponibilizado pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Farmacêuticos um relatório detalhado sobre o destino destes donativos, em dinheiro ou em géneros, nem sequer existindo provas de os donativos se terem concretizado e/ou direccionados para o fim em vista.

    O PÁGINA UM já tinha obtido, em 20 de Abril passado, um parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos sobre a legitimidade do pedido de acesso ao PÁGINA UM, mas tanto a Ordem dos Médicos como a Ordem dos Farmacêuticos não acataram a decisão – por não ser vinculativa. No caso de uma decisão favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa, o PÁGINA UM terá mesmo acesso aos documentos, tanto mais que o juiz poderá, como solicitado, aplicar uma multa diária por cada dia de atraso.

    Recorde-se que, no âmbito do processo que levou ao parecer da CADA, o PÁGINA UM e o seu director foram acusados de adoptarem “um comportamento suscetível de integrar a prática de crimes [não especificados] para com a Ordem dos Médicos, o Bastonário (…) e alguns dos médicos seus membros, que, no tempo e lugar próprio, serão objecto da respectiva avaliação”.

    Ordem dos Médicos quer decidir na “secretaria” quais os pareces que podem ou não ser disponibilizados ao PÁGINA UM.

    O segundo processo de intimação, ontem apresentado, visa apenas a Ordem dos Médicos e refere-se à recusa pelo bastonário Miguel Guimarães em disponibilizar ao PÁGINA UM a totalidade dos pareceres técnicos emitidos desde 2020 pelos Colégios, Secções dos Colégios e demais órgãos técnicos e consultivos desta associação profissional.

    Apesar de também, neste caso, a CADA ter concedido, em Janeiro passado, um parecer favorável ao PÁGINA UM, a Ordem dos Médicos apenas disponibilizou no início do presente mês, após nova insistência, um conjunto de 168 pareceres dos diversos Colégios de Especialidade – que constam no site desta entidade –, mas confessando que existiram outros sujeitos a reserva por alegadamente estarem em causa “documentos nominativos”.

    No entanto, a Ordem dos Médicos nem sequer os identifica, ademais sabendo-se que os dados nominativos podem, se entrarem na esfera da intimidade, ser expurgados. Aliás, pretensão que o PÁGINA UM destacou aquando do pedido.

    Tendo em consideração que a mera alegação da existência de supostos dados nominativos pode ser um subterfúgio para esconder pareceres sensíveis para a actuação da Ordem dos Médicos e do seu bastonário, o PÁGINA UM tomou a decisão de encaminhar o processo de intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa com vista a que todos os pareceres sejam mesmo disponibilizados ou, pelo menos, conhecido os seus teores e/ou conclusões.

    Estes processos de intimação – formalmente denominados “intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões” – é um processo urgente, regulado pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos, servindo para garantir judicialmente os exercícios de dois direitos: o direito de acesso à informação procedimental e o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos.

    Considerados processos urgentes, os prazos são bastante curtos: o pedido de intimação deve ser apresentado no prazo de 20 dias a contar da não satisfação integral do pedido no prazo devido, tendo a entidade pública responsável visada (como réu) de responder ao juiz num prazo de 10 dias, devendo a decisão, se outras diligências não forem necessárias, ser proferida em cinco dias.

    Caso a entidade pública continue sem satisfazer o pedido, após ser intimada pelo tribunal para o fazer, o juiz deve determinar a aplicação de sanções pecuniárias compulsórias, podendo ainda haver lugar a responsabilidade civil, disciplinar ou mesmo criminal.

    Recorde-se que os processos de intimação do PÁGINA UM têm tido o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Na próxima semana serão entregues outros processos, em prol da transparência da Administração Pública, a anunciar.


    Para apoios exclusivamente dos custos processuais e de defesa em tribunais, apoie o PÁGINA UM na plataforma do FUNDO JURÍDICO ou contacte através do e-mail geral@paginaum.pt.

  • Correspondência com Agência Europeia de Medicamentos: pela segunda vez em dois meses, Infarmed senta-se no banco dos réus

    Correspondência com Agência Europeia de Medicamentos: pela segunda vez em dois meses, Infarmed senta-se no banco dos réus

    Pela segunda vez em dois meses, o PÁGINA UM coloca um processo de intimação no Tribunal Administrativo contra o Infarmed por recusa na disponibilização de documentos administrativos. Agora está em causa o acesso à correspondência trocada pelo regulador português, criado para defender os interesses dos cidadãos, e a Agência Europeia de Medicamentos. O Infarmed defende que é tudo “confidencial”.


    O PÁGINA UM intentou ontem um novo processo de intimação contra o Infarmed junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Esta é a segunda vez que o regulador do medicamento terá de se justificar perante a Justiça sobre as razões para não ceder o acesso à consulta de documentos administrativos relevantes na esfera da saúde individual e pública.

    No mês passado, o PÁGINA UM intentou um processo similar porque o regulador recusou o acesso à base de dados dos efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir. Esta decisão do Tribunal Administrativo está prevista para breve, por se tratar de um caso urgente.

    Desta vez, o PÁGINA UM teve de recorrer novamente ao Tribunal porque o Conselho Directivo do Infarmed – liderado por Rui Santos Ivo, que já ocupou o cargo de director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) – se recusou a facultar qualquer tipo de correspondência, desde 2020, entre esta entidade reguladora nacional e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA).

    No âmbito deste pedido, o PÁGINA UM também desejava, em concreto, que o Infarmed identificasse, através de cópia da comunicação da EMA, qual o defeito de qualidade detectado no lote 000190A da vacina COVID-19 Spikevax, que foi retirada do mercado em Abril passado, uma vez que o comunicado público transmitido pela entidade chefiada por Rui Santos Ivo referiu apenas que se tratava de um “corpo estranho no frasco da vacina”.

    Este lote continha 746.900 doses e os frascos tinham sido distribuídos pela Noruega, Polónia, Suécia e Espanha a partir de uma fábrica de Málaga. O Infarmed nem sequer quis confirmar se era verdade que fora encontrado um mosquito dentro de um dos frascos, ou se afinal o problema era mais vasto.

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    Apesar do evidente interesse público, ademais tendo o pedido sido feito por um órgão de comunicação social – cujo acesso à informação surge consagrado na Constituição, com um estatuto jurídico muito superior a qualquer decreto-lei –, o regulador declarou ao PÁGINA UM, em final de Abril passado, que o diploma que regula os medicamentos “prevê um dever de confidencialidade que se traduz num regime especial em matéria de acesso a documentos administrativos apresentados ao Infarmed ou a este transmitidos pela Agência ou pela autoridade competente de outro Estado Membro”.

    Saliente-se que o diploma em causa – o Decreto-Lei nº 176/2006 – tem como objectivo, segundo o preâmbulo, “permitir uma maior oferta e concorrência, no mercado nacional”, mas “sem prejuízo da necessidade de assegurar o respeito pela saúde pública e pelos interesses dos consumidores”.

    Ou seja, para assegurar o respeito pela saúde pública e o interesse dos consumidores mostra-se fundamental o acesso às comunicações integrais, sem qualquer censura, entre as entidades nacionais e externas, sobretudo quando estão em causa defeitos em medicamentos que levam mesmo à sua retirada do mercado.

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    O PÁGINA UM poderia ter optado, como habitualmente, por recorrer à Comissão de Acessos aos Documentos Administrativos (CADA), mas como o parecer desta entidade não é vinculativo – e o Infarmed já negou uma vez cumprir as determinações daquela entidade –, foi então tomada a decisão de proceder de imediato ao processo de intimação, que é considerado urgente e alvo de uma sentença.

    Este segundo processo no Tribunal Administrativo (Processo 1335/22.7BELSB) foi já distribuído ao juiz João Cristóvão que deverá agora, no início da próxima semana, conceder um prazo de 10 dias para o Infarmed, como réu, se justificar factualmente.

    Recorde-se que os processos de intimação do PÁGINA UM têm tido o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Na próxima semana serão entregues outros processos, em prol da transparência da Administração Pública, a anunciar.


    Para apoios exclusivamente dos custos processuais e de defesa em tribunais, apoie o PÁGINA UM na plataforma do FUNDO JURÍDICO ou contacte através do e-mail geral@paginaum.pt.

  • Bastonário urologista ‘não perdoa’ a pediatra por opinar sobre Pediatria

    Bastonário urologista ‘não perdoa’ a pediatra por opinar sobre Pediatria

    A Ordem dos Médicos abriu mesmo um processo disciplinar a Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria, por delito de opinião, através de uma queixa de médicos com ligações à indústria farmacêutica. Amil Dias está obrigado a responder até ao final deste mês. Este é já o segundo processo disciplinar intentado contra este especialista pela Ordem dos Médicos durante o mandato de Miguel Guimarães. Sempre por delito de opinião.


    A Ordem dos Médicos, dirigida pelo urologista Miguel Guimarães, decidiu mesmo dar provimento à queixa de 16 médicos – alguns dos quais com fortes ligações à indústria farmacêutica, como Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas – contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio da Especialidade de Pediatria.

    A queixa já foi “processada” pelo Conselho de Disciplina da Regional Sul da Ordem dos Médicos, presidida por Maria do Céu Machado, ex-presidente do Infarmed, e o PÁGINA UM teve conhecimento que a acusação foi já formulada com vista à aplicação de uma sanção. O pediatra Amil Dias tem até ao final deste mês para apresentar defesa.

    O “crime” deste renomado especialista em gastroenterologia pediátrica é simples de explicar: durante a pandemia da covid-19, tomou posição pública, a título pessoal, ao considerar a vacinação de crianças “desproporcionada” e “desnecessária”, além de advogar a relevância da imunidade natural. Além disso, foi um dos subscritores de um abaixo-assinado que integrou quase uma centena de médicos e outros profissionais de saúde, alertando também para os riscos da vacinação num grupo etário de baixíssimo risco.

    O processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria – que não é escolhido, assim como nos outros colégios, nas mesmas eleições do bastonário, e beneficia de independência – resultou de uma carta-denúncia no início de Fevereiro, assinada por médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêuticas.

    Neste grupo estão incluídos todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 que solicitaram “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Amil Dias.

    Miguel Guimarães, que se manifestou incomodado por pediatras contrariarem as suas posições de médico urologista a falar de assuntos de pediatria, anunciou mesmo que levaria o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo. O PÁGINA UM sabe, contudo, que nenhum efeito teria: aquele órgão da Ordem dos Médicos não tem poder para destituir membros de um Colégio da Especialidade.

    Mais do que qualquer castigo relevante que possa atingir Jorge Amil Dias, este processo da Ordem dos Médicos revela o “clima de guerra” que alimenta as relações entre estes profissionais de saúde no mandato de Miguel Guimarães, que escancarou portas a procedimentos inquisitoriais por meros delitos de opinião, sobretudo com o advento da pandemia.

    Miguel Guimarães tem sido, além disso, criticado internamente por não acatar os pareceres técnicos dos Colégios de Especialidade – e até de os esconder publicamente, razão pela qual o PÁGINA UM está a preparar um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo –, optando antes por criar órgãos de consulta não-estatutários.

    Um exemplo paradigmático foi o Gabinete de Crise contra a Covid-19, dirigido por Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais relações promíscuas com a indústria farmacêutica. Só este ano, Filipe Froes vai já em 18 mil euros recebidos deste sector, aproximando-se assim dos 400 mil euros declarados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed desde 2013.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista e bastonário da Ordem dos Médicos, ao lado de Carlos Robalo Cordeiro, um dos subscritores da queixa contra Jorge Amil Dias.

    Embora Miguel Guimarães continue sem impor um código de conduta, optando por rodear-se de médicos com ligações à indústria farmacêutica – e a própria Ordem dos Médicos recebeu, no ano passado, cerca de 430 mil euros deste sector –, a sua veia punitiva não tem deixado de latejar contra quem não segue a sua opinião.

    Além deste processo contra Amil Dias, a Ordem dos Médicos intentou, durante a pandemia, diversos processos a membros do denominado grupo Médicos pela Verdade. Até mesmo Fernando Nobre, fundador da AMI e ex-candidato à Presidência da República, foi alvo de um processo disciplinar com proposta de sanção, estando actualmente em fase de recurso.

    Mas mesmo antes da pandemia, durante o “reinado” de Miguel Guimarães, a Ordem dos Médicos começou a querer punir profissionais que simplesmente davam a sua opinião. Um exemplo, apurou o PÁGINA UM, é a carta-aberta, publicada no jornal Público em Outubro de 2019, de um conjunto de 10 pediatras, entre os quais também Jorge Amil Dias, que criticava a então situação problemática das urgências pediátricas.

  • Máscaras para que te quero…

    Máscaras para que te quero…

    O fotógrafo André Carvalho percorreu, para o PÁGINA UM, as ruas de Lisboa e Porto à cata de gente. Apanhou céu limpo, azul, e ar limpo; nem tanto assim, porque nas cidades há tráfego e, apesar de preços dos combustíveis de cortar a respiração, gases dos escapes. E gente ainda de máscaras, inspira; muitas máscaras, expira. Ainda. De sentados e de levantados.


    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

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    LEVANTAR… INSPIRAR

    SENTAR… EXPIRAR

    LEVANTAR… INSPIRAR