Categoria: Sociedade

  • “Favorzinho” de Miguel Guimarães transforma donativo em esquema lucrativo da farmacêutica Merck

    “Favorzinho” de Miguel Guimarães transforma donativo em esquema lucrativo da farmacêutica Merck

    Custam agora, cada uma, menos de 8 cêntimos. Já chegaram a ultrapassar mais de 1 euro no auge especulativo da pandemia, ao longo de 2020. Mas em Março de 2021, as máscaras FFP2 custavam, no mercado grossista, menos de 30 cêntimos. Contudo, para garantir um donativo para a campanha “Todos por Quem Cuida”, o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, consentiu em valorizar um donativo em género da farmacêutica Merck em mais de seis vezes o seu valor real. O esquema fez com que a empresa alemã tivesse artes de transformar um donativo (que é, por princípio, uma despesa para o doador) numa operação financeiramente lucrativa. Com estes esquemas até admira não haver mais beneméritos.


    No dia 17 de Março do ano passado, a autarquia de Vila Nova de Gaia comprou à empresa Elastron 500.000 máscaras descartáveis FFP2, no âmbito da política municipal de combate à pandemia, pelo valor de 138.300 euros. Com prazo de entrega de dois meses, o preço deste equipamento de protecção individual, que se usara aos milhões, já então não atingia os preços astronómicos de 2020, quando qualquer empresa literalmente de vão-de-escada vendia máscaras como se fosse ouro. Contas feitas, mesmo assim a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia pagou quase 0,276 euros por cada máscara FFP2.

    Se se comparar com os preços actualmente praticados, convenhamos que estavam ainda bem “carotas”. Praticamente um ano depois, consegue-se encontrar no Portal Base valores muito mais baixos: por um exemplo, num contrato assinado de 18 de Março deste ano pelo hospital de Ponta Delgada – já com a pandemia “normalizada” (e com a descontinuidade no uso generalizado de máscaras no quotidiano) –, o preço de cada FFP2 foi de apenas 0,077 euros.

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    A unidade de saúde pagou assim por 700.000 máscaras apenas 53.900 euros. Se fosse ao preço unitário (0,276 euros) pago pela autarquia de Vila Nova de Gaia há um ano, o hospital açoriano desembolsaria 193.200 euros. Um absurdo?!

    Não tanto. Porque, na verdade, em tempos de pandemia, valeu tudo. Até um “favorzinho” da Ordem dos Médicos para que um donativo da farmacêutica Merck se transformasse afinal num esquema fiscal lucrativo para aquela empresa alemã.

    Com efeito, no mesmíssimo dia em que, a Norte, em Vila Nova de Gaia, o município comprava máscaras FFP2 a 0,276 euros – pagando assim 138.300 euros por 500.000 máscaras –, a Sul, na lisboeta Avenida Gago Coutinho, o bastonário Miguel Guimarães apunha a sua assinatura num contrato para selar um donativo da farmacêutica alemã, de modo a receber de “borla” 190.000 unidades do mesmo equipamento para a campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Carta de Miguel Guimarães à Merck, que acompanhou o contrato assinado em Março de 2021 entre a Ordem dos Médicos e a Merck. Nunca antes a Ordem dos Médicos aceitara acordo similar.

    Dir-se-ia, um excelente negócio para a Ordem dos Médicos, um bater de palmas pela capacidade negocial e diplomática de Miguel Guimarães, que assim conseguiu, a expensas das lucrativas farmacêuticas, poupar (aos preços então de mercado) qualquer coisa como 52.440 euros…

    Só que não foi bem assim…

    Na verdade, apesar de aparentar uma transparência imaculada – com a assinatura de um contrato bilingue e o registo do portal do Infarmed –, o acordo entre Miguel Guimarães e a farmacêutica alemã não foi mais do que um esquema fiscal que, em última linha, trouxe um lucro líquido à Merck, e um prejuízo ao fisco português ou alemão.

    Isto porque, de acordo com o contrato, a Ordem dos Médicos aceitou que a Merck, pelo donativo em géneros, atribuísse as máscaras FFP2 um valor unitário hiperinflacionado à época: em vez de um valor a rondar os 30 cêntimos, o acordo entre Miguel Guimarães e dois executivos da farmacêutica alemã (Frank Gotthardt e Petra Wicklandt) estabeleceu um valor unitário de 2 euros, ou seja, quase sete vezes superior ao valor de mercado.

    Deste modo, a farmacêutica alemã – que se tivesse nesse mesmo dia comprado as 190.000 máscaras FFP2, para depois as doar à Ordem dos Médicos, pagaria menos de 55 mil euros, pode assim apresentar uma despesa de 380.000 euros, o valor validado que surge no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.

    A valorização desse custo (hiperinflacionado) das máscaras, aceite e validado por Miguel Guimarães, permitiu assim transformar, do ponto de vista fiscal, uma despesa em lucro líquido. Isto porque, mesmo assumindo a inexistência de qualquer benefício fiscal extra, a farmacêutica alemã pôde sempre, no exercício económico do ano passado, apresentar o donativo supostamente de 380.000 euros como despesa, reduzindo assim os lucros.

    Com efeito, como esse valor de 380.000 euros reduziu os lucros – ou seja, sem esse suposto donativo, o montante em causa seria lucro de 380.000 euros –, a Merck deixou assim de pagar IRC sobre esse montante. Ou seja, assumindo um IRC de 28%, a farmacêutica alemã pagou menos 106.400 euros de impostos apenas por causa deste donativo. Ora, como o valor real do donativo (a preços de Março de 2021) foi de menos de 55 mil euros, conclui-se assim que, graças ao “favor” de Miguel Guimarães, a farmacêutica alemã teve artes de transformar um donativo em negócio lucrativo.

    A Merck declarou um donativo de 380.000 euros à Ordem dos Médicos por máscaras FFP2 que valiam cerca de 55.000 euros. Ganhos fiscais permitiram transformar um donativo numa operação lucrativa para o doador.

    Contactada a Merck Portugal, apenas foi adiantado que “a doação foi realizada pela Merck KGaA à Ordem dos Médicos em Portugal a qual se responsabilizou pela sua distribuição pelas entidades beneficiárias pelo que remetemos para a Ordem dos Médicos a resposta à questão levantada sobre a listagem das entidades beneficiadas”, acrescentando ainda que “relativamente à valorização unitária das máscaras objeto da doação, o valor mencionado no contrato foi aquele que a entidade doadora forneceu.”

    O PÁGINA UM insistiu com a Merck Portugal no sentido de ser remetida factura da compra das máscaras que viriam a ser doadas – para aferir a valorização –, mas já não obteve resposta. Também não se conseguiu confirmar se a operação fiscal foi aplicada na Alemanha ou em Portugal, ou seja, se o prejuízo fiscal se registou no Estado alemão ou português.

    Na consulta do PÁGINA UM aos documentos contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida”, observa-se também a falta de inúmeros comprovativos da efectiva entrega (nota de quitação) daquelas máscaras FFP2, havendo dezenas de situações em que não existe assinatura a comprovar a recepção.

    Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos, foi o “maestro” da campanha “Todos por Quem Cuida”, que, apesar das boas intenções, se encontra enxameada de maus procedimentos.

    A representante legal da Ordem dos Médicos garante que as 190.000 máscaras da Merck foram entregues “nas instalações da empresa Torrestir que, a título gratuito, colaborou na ação solidária promovendo o transporte de todos os bens para as instalações das entidades beneficiárias”, adiantando ainda que “aquelas máscaras foram distribuídas por diversas entidades havendo evidência dessas entregas nas notas de quitação e nas guias de transporte.”

    O PÁGINA UM possui documentos fotografados que mostram o contrário, à data da consulta, após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa.


    N.D. Esta é a segunda parte de um dossier em redor da campanha “Todos por Quem Cuida”, que resultou da consulta, durante três dias ao longo do mês de Novembro passado, de todos os documentos operacionais e contabilísticos na sede da Ordem dos Médicos, em Lisboa. A possibilidade de consulta não foi concedida de forma voluntária: foi uma imposição, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa (através de uma intimação, financiada pelo FUNDO JURÍDICO do PÁGINA UM, ou seja, pelos seus leitores), após sistemáticas recusas tanto da Ordem dos Médicos como da Ordem dos Farmacêuticos, mesmo após a obtenção de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA). Com esta investigação, o intuito do PÁGINA UM não é colocar em causa a bondade de campanhas de angariação de fundos nem acções de solidariedade; é exactamente averiguar se, em acções nobres, os procedimentos são exemplares, incluindo a componente da transparência perante o eventual escrutínio dos jornalistas. Não há nada pior para uma boa causa do que maus procedimentos. Tal como os meios não justificam os fins, também os fins não podem justificar os meios.

  • Processo disciplinar: Manuel Pizarro segura Filipe Froes

    Processo disciplinar: Manuel Pizarro segura Filipe Froes

    Apesar de estar sob suspeita desde Setembro do ano passado, por causa das suas promíscuas ligações à indústria farmacêutica, Filipe Froes mantém, para já, a confiança do ministro da Saúde, mesmo com um processo disciplinar da Inspecção-Geral das Actividades de Saúde que se arrasta, de forma secreta, há 10 meses. Este ano, o pneumologista mantém os valores “habituais”: recebeu já cerca de 4.000 euros por mês do sector farmacêutico, com destaque para a norte-americana Merck Sharp & Dohme.


    Apesar de estar com um processo disciplinar, instaurado há 10 meses pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, devido a alegadas ligações promíscuas com a indústria farmacêutica, Filipe Froes pode manter-se confiante nas suas funções de consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS). O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, não lhe vai tirar o tapete, pelo menos até à conclusão de um longo processo disciplinar, sem fim à vista.

    Esta posição governamental permitirá assim ao pneumologista manter uma perna nos corredores da autoridade de saúde nacional (DGS), onde se decidem terapêuticas, enquanto mantém a outra perna, bem aberta, para satisfazer solicitações da indústria farmacêutica entre consultadorias, palestras e lobby.

    De acordo com nota do Ministério da Saúde enviada ao PÁGINA UM, Manuel Pizarro aguardará a conclusão do processo disciplinar “para se pronunciar”. Ou seja, uma carta branca para Froes manter a sua posição de consultor da DGS e as suas relações comerciais com as farmacêuticas. O pneumologista destacou-se também, durante a pandemia, por ser o líder do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos, um órgão não-estatutário que inclusive serviu para perseguir médicos com opiniões distintas do bastonário Miguel Guimarães, como sucedeu com Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    Conforme noticiou o PÁGINA UM há uma semana, Filipe Froes está a ser alvo de um processo disciplinar, em consequência de um processo de averiguação aberto em Setembro de 2021, mas como está em fase de instrução, as razões da acusação estão inacessíveis pela “natureza secreta do inquérito”.

    A IGAS não adianta quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, mas informa que este deriva das averiguações iniciadas em Setembro do ano passado a que foi sujeito este conhecido consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), presença assídua na imprensa como alegado perito independente durante os anos da pandemia.

    Em 4 de Janeiro passado, o PÁGINA UM tinha já escalpelizado as declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e cruzado com os relatórios e contas dos últimos anos da sua empresa – a Terras & Froes –, detectando sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.

    A Merck Sharpe & Dohme “perdeu” a corrida das vacinas, optando pelo desenvolvimento de anticorpos monoclonais. Froes elogiou o seu uso e integrou a sua introdução nas terapêuticas anti-covid.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. Este ano, em 11 meses, vai com uma média mensal de 4.327 euros.

    Este ano, Filipe Froes tem dado especial atenção às solicitações da farmacêutica norte-americana Merck Sharp & Dohme (MSD) , contando já com oito colaborações que lhe renderam 21.083 euros. Mas teve relações com mais nove, entre as quais a AstraZeneca, Gilead e Sanofi. Estas relações não o coíbem, contudo, de integrar, por exemplo, a equipa de consultores da DGS que define as terapêuticas anti-covid, onde passaram a constar este ano os anticorpos monoclonais da MSD, o molnupiravir, comercializado sob a marca Lagevrio.

    Em diversas ocasiões, Froes tem promovido, de forma entusiástica, o uso dos anticorpos monoclonais (produzidos pela Pfizer e pela MSD) e a integração da vacina da covid e da gripe numa só dose (comercializada pela Sanofi).

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    Saliente-se, contudo, que estes rendimentos podem pecar por defeito, uma vez que cada vez se torna mais patente que o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed apresenta falhas enormes, porque as farmacêuticas se “esquecem” de registar donativos e patrocínios a médicos e outras entidades, entre as quais os media mainstream, incumprindo o Estatuto do Medicamento.

    Recorde-se que, em Novembro passado, Filipe Froes lançou um pequeno livro com as crónicas que foi publicando no Diário de Notícias, em co-autoria com Patrícia Akester, e o patrocínio da Bial. A farmacêutica portuguesa – que tem como chairman António Horta Osório, que é simultaneamente administrador da Impresa (dona do Expresso e SIC) ainda não colocou o valor do apoio no portal do Infarmed nem sequer respondeu a questões colocadas pelo PÁGINA UM.

  • Melhor município para viver? Pague primeiro, ganhe (de certeza) depois

    Melhor município para viver? Pague primeiro, ganhe (de certeza) depois

    O PÁGINA UM descobriu um prémio para distinguir autarquias, que garantiu, a quem pagou 12.500 euros, que, na pior das hipóteses, levava uma menção honrosa, e, na melhor, uma mão-cheia de “taças” para currículo político. O promotor foi a INTEC, que apesar de se apresentar como Instituto de Tecnologia Comportamental, é apenas uma associação criada em 2007 por um casal de professores do ISCSP. Para a organização de uma gala, no passado dia 3 de Novembro, para distribuição dos galardões, que teve como media partner o Jornal de Notícias e a Universidade de Coimbra como parceira, o INTEC conseguiu convencer 11 autarquias “mecenas” a desembolsarem 12.500 euros, cada, com a garantia de não saírem de mãos a abanar. O estudo, que terá supostamente redundado nos rankings, não foi ainda divulgado. No INTEC, que se apresenta como um centro tecnológico, ninguém atendeu telefone fixo nem telemóvel nem respondeu ao e-mail do PÁGINA UM. Talvez venha a reagir por pombo-correio.


    Na aparência, foi um prémio para dignificar as melhores políticas públicas desenvolvidas pelos autarcas portugueses. Organizado pelo INTEC – Instituto de Tecnologia Comportamental, intitula-se, muito apropriadamente, “Prémios – Melhores Municípios para Viver”, e há exactamente um mês, no dia 3 de Novembro, teve a merecida gala de luxo na Universidade de Coimbra para destacar, pois então, apenas os melhores entre os melhores, sendo abrilhantada com a presença de muitos sorridentes autarcas. A iniciativa contou também com a participação activa da Faculdade de Direito de Coimbra e, como já se torna habitual em eventos deste género, um media partner: neste caso, o Jornal de Notícias.

    Houve prémios para todos os gostos, por serem 10 as categorias avaliadas, com os três primeiros classificados a merecem distinção, e ainda um ranking global elencando os cinco melhores municípios (não houve últimos), ponderados os vários indicadores. Contudo, tendo em conta que Portugal tem 308 municípios, esperar-se-iam muitos premiados, uma vez que, contas feitas, contabilizaram-se 38 galardões, incluindo três menções honrosas excepcionalmente atribuídas pelo INTEC.

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    Mas não assim. Na verdade, somente 14 municípios, de entre um universo potencial de 308, foram distinguidos (três dos quais com menções honrosas), porque houve imensas repetições na subida ao palco.

    O primeiro classificado no ranking global – Lagoa – foi também o primeiro nas categorias do Bem Estar, do Turismo e da Segurança, Diversidade e Tolerância. O segundo do ranking global – Caminha – ficou em primeiro na categoria do Ensino e Formação, em segundo no Bem Estar, no Urbanismo e Habitação e na Segurança, Diversidade e Tolerância, e ainda em terceiro no Ambiente. E Bragança, o terceiro classificado no ranking global, também amealhou o primeiro lugar no Ensino e Formação, o segundo lugar na Mobilidade e Segurança Rodoviária, e ainda o terceiro lugar no Bem Estar, no Urbanismo e Habitação e na Segurança, Diversidade e Tolerância.

    Em suma, o município de Lagoa sacou quatro galardões, o de Caminha seis, e o de Bragança outros tantos. Além destes, Boticas recebeu três primeiros lugares em diversas categorias; Lisboa dois primeiros e um segundo; Porto, um segundo e dois terceiros; Maia um segundo e um terceiro; e Vila Nova de Famalicão dois terceiros. Parecia os jogos olímpicos. Os municípios de Olhão, Coimbra, Santarém e Montalegre subiram uma vez ao palco, tal como Cascais e Pombal – estes para receberem o quarto e quinto lugar do ranking global. Também Santa Maria da Feira, Vila Nova de Gaia e Paredes tiveram direito a prémio, mas de consolação: menções honrosas.

    Lagoa amealhou o primeiro lugar global e mais três primeiros lugares em várias categorias (Bem Estar; Turismo; e Segurança, Diversidade e Tolerância). O município não perdeu tempo a mostrar o “feito” nas redes sociais e imprensa regional.

    Porém, esta concentração de prémios acaba por ser bastante suspeita, porque grande parte dos premiados foi, talvez por coincidência, “mecenas” dos próprios galardões que recebeu.

    Numa consulta detalhada no Portal Base, o INTEC celebrou, entre Maio e Novembro deste ano, pelo menos 11 contratos com municípios para a elaboração de estudos e para a candidatura dos prémios “Melhores Municípios para Viver”.

    Embora até possam ser mais – uma vez que, por vezes, existe um desfasamento de vários meses entre a assinatura e a publicitação no Portal Base –, o PÁGINA UM detectou a celebração de contratos com os municípios de Lagoa, Caminha, Bragança e Pombal – que ocuparam o top 5, sendo que, neste lote, apenas Cascais não regista contrato –, Boticas, Coimbra, Vila Nova de Famalicão, Montalegre, Santa Maria da Feira, Vila Nova de Gaia e Paredes. No total, o INTEC encaixou 137.500 euros, a que acresceu IVA. Nesta lista de 11 municípios, todos receberam galardões. Isto é, ninguém que pagou à INTEC ficou a “chuchar no dedo”.

    No caso do município de Caminha – que, repita-se, ficou em segundo no ranking global e foi distinguida em cinco categorias –, o contrato entre o presidente da autarquia, Rui Lages – que substituiu o ex-secretário de Estado-adjunto do primeiro-ministro, Miguel Alves – e a presidente do INTEC, Patrícia Palma, foi assinado no próprio dia da gala, 3 de Novembro. E o contrato especifica que se destina à candidatura ao prémio. No contrato do município de Lagoa, por sua vez, não surge a garantia de que ganhará prémios, mas nas fases do contrato ficou expresso que os resultados seriam divulgados num órgão de comunicação social nacional de grande tiragem, que acabou por ser o Jornal de Notícias.

    Em todo o caso, em comum em todos os contratos entre INTEC e municípios no Portal Base, está a ausência dos cadernos de encargos, ignorando-se assim as contrapartidas fixadas pelos pagamentos.

    Independentemente da estranheza que causa um prémio nacional bastante enviesado nos critérios de selecção – porquanto beneficiou, de forma evidente, quem pagou –, ignora-se também quaisquer detalhes das classificações, uma vez que, de acordo com o site do INTEC, os relatórios apenas serão conhecidos posteriormente. Porém, se forem como as edições anteriores – que remontam aos anos de 2007 a 2009, neste caso com o apoio do jornal Sol –, bem se pode procurar, porque nada se encontra. Sabem-se as primeiras posições; jamais se sabe quem foram os últimos, até porque, efectivamente, se ignora quantos municípios estiveram em jogo.

    Rui Lages (à direita), presidente da Câmara de Caminha, a receber em Coimbra, no dia 3 de Novembro, um dos galardões, em frente de Patrícia Jardim da Palma, presidente do INTEC. Os dois assinaram, nesse mesmo dia, um contrato no valor de 12.500 euros para pagar a candidatura ao prémio. Foto: página do FB do INTEC.

    Mas ainda mais estranho é a própria confiança dos municípios numa entidade organizadora que, embora possua a denominação pomposa de INTEC – Instituto de Tecnologia Comportamental, não se encontra associada a qualquer entidade de ensino ou de investigação, mesmo se celebrou, em Setembro passado, um protocolo com a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra “com o objetivo de desenvolvimento de projetos conjuntos de interesse comum nos domínios da investigação e das saídas profissionais”.

    Na verdade, o INTEC é uma associação privada criada em 2007 por Patrícia Jardim da Palma – que preside desde a fundação – e pelo seu marido, Miguel Pereira Lopes, que ocupa o cargo de presidente da Assembleia Geral. Ambos são professores no ISCSP, que nunca teve qualquer parceria com o INTEC. O terceiro membro fundador da associação é José Luís Soares Ferreira, gestor de negócios da empresa Central Business, com sede no Pólo Tecnológico de Lisboa. O próprio INTEC teve também sede nesse espaço, mas foi saltitando por outros hubs tecnológicos, estando agora localizado na Azambuja.

    Antes desta edição lucrativa dos prémios comprados pelos municípios em 2022, a INTEC esteve longos anos quase sem actividade, sobretudo a partir de 2015, pois entre esse ano e 2021 apenas se encontra um serviço prestado ao município de Vila do Bispo com vista à obtenção de uma certificação de desenvolvimento sustentável (ISO 37120). Mas entre o ano da fundação e 2014, o INTEC conseguiu convencer outros municípios a financiarem similares prémios durante três anos, mas não foi actividade tão lucrativa.

    Patrícia Jardim da Palma e Miguel Pereira Lopes, ambos professores do ISCP, sacaram 137.500 euros a autarquias, através de contratos com o INTEC (que fundaram em 2007), para conceder prémios e fazer um estudo (ainda não divulgado).

    Entre 2009 e 2014, consta no Portal Base um total de 10 contratos da INTEC com municípios no valor global de 173.250 euros – ou seja, uma média anual de 28.875 euros, valor substancialmente inferior ao alcançado no presente ano (137.500 euros). Nas edições anteriores, pelos escassos elementos encontrados, a metodologia usada consistia na mera recolha de dados de diversos indicadores no Instituto Nacional de Estatísticas e da realização de inquéritos telefónicos em concelhos específicos, mas não em todos os 308 existentes em território nacional.

    Saliente-se também que os resultados da edição revelada na gala de 2022, que ocorreu há um mês, nem sequer se encontram ainda no site do INTEC. A única fonte de informação acaba assim por ser o Jornal de Notícias. No seu site encontra-se, porém, um documento onde se refere que o passo seguinte à publicação dos vencedores pelo jornal da Global Media seria o “envio de relatório final pormenorizado a cada um dos dez municípios vencedores, com análise específica de cada indicador, com a proposta de planos de melhoria”: Contudo, isso deveria acontecer com a “realização de gala para entrega de prémio”, algo que já ocorreu.

    O PÁGINA UM contactou o INTEC – que se apresenta como um centro de desenvolvimento tecnológico – através dos contactos que surgem no seu site: telefone fixo, telemóvel e e-mail para pedir esclarecimentos sobre estas matérias – e sobretudo se era mesmo obrigatório o pagamento de uma taxa para “entrar em jogo”, e também para aceder aos relatórios finais. Contudo, até à hora de fecho desta notícia, ainda não obteve qualquer resposta.

  • Relatório Rápido 52: Original do “esboço embrionário” do Instituto Superior Técnico só há em versão digital

    Relatório Rápido 52: Original do “esboço embrionário” do Instituto Superior Técnico só há em versão digital

    Mais um episódio no processo de intimação do Instituto Superior Técnico (IST) que luta para não ceder o relatório supostamente científico que causou alarme no Verão passado: afinal, não há uma versão em papel do Relatório Rápido 52, mas apenas uma versão “digital”. Fica-se na dúvida se a ausência de versão original em papel se deve à falta de recursos (papel, impressora e/ou toner) no IST ou à falta de conhecimentos técnicos dos investigadores do IST para ordenar a impressão em papel timbrado de um ficheiro informático.


    Novos desenvolvimentos sobre o último relatório do Instituto Superior Técnico (IST), o número 52, considerado por esta instituição universitária como “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, uma denominação esdrúxula para evitar que o Tribunal Administrativo de Lisboa autorize, por sentença, o seu acesso pelo PÁGINA UM.

    De acordo com os autos do processo de intimação, o IST já terá entregado anteontem, em mão, a versão digital daquele que será o “original” exigido pela juíza Telma Nogueira. Recorde-se que a magistrada responsável pelo processo exigiu ter acesso ao documento original sem quaisquer “anotações manuscritas a lápis” em que o IST estimou, de forma surpreendentemente alarmista, o impacte das festividades populares de Junho passado na incidência e mortalidade da covid-19.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, enviou cópia manipulada ao Tribunal Administrativo. Foi agora obrigado a enviar original sem qualquer anotação, mas resolveu dizer que só há original em versão digital..

    Tendo em consideração as dúvidas científicas que se colocam em função da evolução epidemiológica naquele mês, o PÁGINA UM pretende conhecer em detalhe se houve rigor ou uma fraude científica por parte dos investigadores, coordenados pelo próprio presidente do IST, o catedrático Rogério Colaço. Como o PÁGINA UM já destacou, naquele período observou uma tendência de redução significativa de casos positivos, pelo que surgiam assim dúvidas sobre o rigor científico daquele relatório feito por uma das mais prestigiadas faculdades públicas portuguesas em articulação com a Ordem dos Médicos.

    Em finais de Julho, a Lusa divulgou as conclusões daquilo que disse ser um “estudo” do IST, ao qual garantiu ao PÁGINA UM existir mermo, tanto mais que coloca sete citações, e que viria a “viralizar” na imprensa mainstream.

    A entrega desta versão digital do original – que, na verdade, se transformará numa versão original em papel se houver uma ordem de computador ligado a uma impressora com toner para imprimir – será, em princípio, o último passo para a decisão de um inaudito processo de intimação que decorre naquele tribunal, por iniciativa do PÁGINA UM.

    Ofício do IST que acompanhou a versão original do “esboço do documento”.

    A decisão de levar este casos para tribunal surgiu após a recusa do presidente do IST, Rogério Colaço, em disponibilizar os dados estatísticos e o relatório escrito que serviram para a Lusa divulgar, em 28 de Julho passado, a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Em todo o caso, existindo agora, e de forma assumida pelo IST, uma versão original, a juíza sempre poderá tomar diligências suplementares, do ponto de vista informático, para apurar se houve, e quando houve, alterações no ficheiro informático, e se estas foram posteriores à data da divulgação da notícia da Lusa.

    Saliente-se também que ao longo dos últimos quatro meses o IST tem mantido uma inquietante postura obscurantista, nada habitual em instituições universitárias públicas, recusando divulgar os dados em bruto e um relatório com impacte relevante. Além disso, mesmo se se estivesse em finais de Julho em face de um alegado “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, quatro meses já deveria ter sido tempo suficiente para o transformar um “relatório”, ou então assumir o erro, algo que é aceitável (e recomendável) em Ciência.

    Independentemente da análise do Tribunal Administrativo de Lisboa sobre o enquadramento semântico do Relatório Rápido nº 52 (se é um relatório ou um esboço), saliente-se que o PÁGINA UM requereu ao IST, estando também para decisão do Tribunal Administrativo, os relatórios anteriores, elaborados em colaboração com a Ordem dos Médicos desde Junho de 2021.

    Como o IST não alegou, para nenhum dos outros 51, que se estava perante situações de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, tudo indica que pelo menos 51 relatórios serão disponibilizados, através de sentença, para uma avaliação independente da qualidade e rigor científico do IST durante a pandemia.   


    Citações (entre aspas) do Relatório Rápido nº 52 do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Filipe Froes está mesmo com um processo disciplinar à perna… mas a “marinar” desde Fevereiro

    Filipe Froes está mesmo com um processo disciplinar à perna… mas a “marinar” desde Fevereiro

    Estrela mediática durante a pandemia, Filipe Froes manteve-se como consultor da Direcção-Geral da Saúde, enquanto acumulava funções de consultor e palestrante de farmacêuticas com fortes interesses no negócio da covid-19. Assumia-se sempre como um perito independente sem conflitos de interesses, apesar de mais de uma vintena de farmacêuticas que, desde 2013, se mostraram interessadas nos seus préstimos. A Inspecção-Geral das Actividades de Saúde, depois de um processo de averiguações, abriu-lhe mesmo um processo disciplinar… que marca passo há mais de nove meses. Já nasceram as crianças que foram concebidas no mesmo dia em que o inspector-geral determinou a instauração deste processo.


    A Inspecção-Geral das Actvidades em Saúde confirmou hoje ao PÁGINA UM que o pneumologista Filipe Froes está mesmo a ser alvo de um processo disciplinar devido às suas ligações à indústria farmacêutica, mas o seu processo arrasta-se desde Fevereiro deste ano. A IGAS acrescenta que o processo disciplinar se encontra ainda em fase de instrução e, nessa medida, inacessível pela “natureza secreta do inquérito”.

    A IGAS não adianta quais os motivos de tantos meses para a instrução deste processo disciplinar, mas informa que este deriva das averiguações iniciadas em Setembro do ano passado a que foi sujeito este conhecido consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), presença assídua na imprensa como alegado perito independente durante os anos da pandemia.

    Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

    De acordo com a entidade fiscalizadora, o processo disciplinar a Filipe Froes vem no seguimento da “informação de avaliação n.º 149/2022”, que mereceu um despacho em 19 de Fevereiro passado do inspector-geral das Actividades em Saúde, Carlos Carapeto, que deu instruções para ser iniciado um processo disciplinar, ignorando-se o “castigo” eventualmente a aplicar.

    A decisão de instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes após um processo formal de averiguações – revelado em Novembro do ano passado pelos semanários O Novo e Expresso – mostra já, em todo o caso, a existência de fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades. De facto, o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o que não surpreenderá, tendo em conta o que se foi tornando público.

    Em 4 de Janeiro passado, o PÁGINA UM tinha já escalpelizado as declarações de Filipe Froes no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed e cruzado com os relatórios e contas dos últimos anos da sua empresa – a Terra & Froes –, detectando sinais de alguma “contabilidade criativa” para que não fosse ultrapassada a média anual (no último quinquénio) de 50 mil euros de recebimentos da indústria farmacêutica. Esta é a fasquia monetária a partir da qual Froes ficaria impedido de ser consultor da DGS.

    Antologia de crónicas de Filipe Froes no Diário de Notícias teve o patrocínio (ainda não declarado) da farmacêutica Bial.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia. Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e tem, nos últimos dois anos, como consultor da DGS, participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia.

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já alcançado ultrapassa os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. Este ano, em 11 meses, vai com uma média mensal de 4.327 euros.

    O processo da IGAS pode assim vir a colocar em causa a manutenção de Froes como consultor da DGS e também manchar a sua credibilidade numa fase crucial das eleições para a Ordem dos Médicos. Com efeito, Filipe Froes é mandatário da candidatura de Carlos Cortes a bastonário.

    Filipe Froes (ao centro), entregou como mandatário, no dia 21 de Novembro, a candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda) a bastonário da Ordem dos Médicos.

    Por outro lado, uma eventual “condenação” confirmaria ainda mais o seu papel de lobista, acusação que o tem constantemente perseguido. Por exemplo, Froes tem sido um defensor do uso do polémico remdesivir, dentro da equipa de consultores que define as terapêuticas anti-covid, e é, em simultâneo, consultor da farmacêutica (Gilead) especificamente para aquele medicamento. Froes também é um acérrimo defensor da vacinação contra a covid-19 em crianças e adolescentes – cujas vacinas são exclusivamente da Pfizer, farmacêutica para a qual este pneumologista tem passado muitas facturas para cobrar colaborações.

    Já este ano, em diversas ocasiões, Froes tem promovido, de forma entusiástica, o uso dos anticorpos monoclonais (produzidos pela Pfizer e pela Merck Sharpe & Dohme) e a integração da vacina da covid e da gripe numa só dose (comercializada pela Sanofi). Saliente-se que só este ano a Merck Sharpe & Dohme e a Sanofi já entregaram oficialmente a Froes um total de 22.261 e 13.583 euros, respectivamente. No total, o pneumologista terá já amealhado 47.602 euros ao longo de 2022.

    Saliente-se, contudo, que estes rendimentos podem pecar por defeito, uma vez que cada vez se torna mais patente que o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed apresenta falhas enormes, porque as farmacêuticas se “esquecem” de registar donativos e patrocínios a médicos e outras entidades, entre as quais os media mainstream, incumprindo o Estatuto do Medicamento.

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    Por exemplo, ainda este mês, Filipe Froes lançou um pequeno livro com as crónicas que foi publicando no Diário de Notícias, em co-autoria com Patrícia Akester, e o patrocínio da Bial. A farmacêutica portuguesa – que tem como chairman António Horta Osório, que é simultaneamente administrador da Impresa (dona do Expressso e SIC) ainda não colocou o valor do apoio no portal do Infarmed nem sequer respondeu a questões colocadas pelo PÁGINA UM.

    Recorde-se que o PÁGINA UM teve acesso, este mês, no decurso de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, a cerca de três dezenas de processos levantados pela IGAS, incluindo ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, António Morais, também por incompatibilidades relacionadas com farmacêuticas.

    Por estranhar que não se encontrava no lote o processo de Filipe Froes, o PÁGINA UM insistiu para que este fosse disponibilizado, o que não se mostra legalmente possível por se encontrar em fase de instrução. Contudo, se o processo disciplinar, agora em curso, não estiver concluído até 19 de Fevereiro do próximo ano, a IGAS terá, contudo, de disponibilizar pelo menos o processo de averiguação a Filipe Froes.

  • Nova sentença histórica: Governo esconde, mas Tribunal “desbloqueia” base de dados hospitalar com todos os doentes internados

    Nova sentença histórica: Governo esconde, mas Tribunal “desbloqueia” base de dados hospitalar com todos os doentes internados

    A base de dados dos grupos de diagnósticos homogéneos (BD-GDH) é, porventura, o mais importante sistema de informação sobre saúde em Portugal, com um potencial que permitirá avaliar o impacte real da pandemia a partir de 2020 e, sobretudo, detectar quais as causas do excesso de mortalidade em Portugal nos últimos meses. A análise dessa informação, de forma independente, tem capacidade para reescrever o que se passou nos últimos três anos. Não por acaso, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) andou nos últimos quatro meses a lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa para evitar ceder o acesso dessa base de dados ao PÁGINA UM. Valeu tudo; até mentiras sobre a impossibilidade de anonimização de dados nominativos. Perdeu…


    É a maior vitória em prol da transparência por parte do PÁGINA UM desde o seu nascimento. Uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, da passada sexta-feira, determinou que a Administração Central de Sistema de Saúde (ACSS) – um dos organismos centrais da gestão dos serviços hospitalares – tem de “facultar (…) o acesso ou cópia digital da base de dados do GDH [Grupos de Diagnósticos Homogéneos], expurgada dos dados pessoais que nela constem”.

    Esta base de dados (BD-GDH), gerida sem influência governamental, integra todos os doentes internados nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, identificando o diagnóstico principal (aquele que, após o estudo do doente, revelou ser o responsável pela sua admissão no hospital), os diagnósticos secundários (todos os restantes diagnósticos associados à condição clínica do doente, podendo gerar a existência de complicações ou de comorbilidades), os procedimentos realizados, destino após a alta (transferido, saído contra parecer médico, falecido) e, no caso de recém-nascidos, o peso à nascença. Contém também dados de identificação (nome, idade e sexo), mas como em qualquer base de dados modernas, o expurgo de dados nominativos, neste caso o nome do doente, é uma opção prevista na concepção dos perfis de acesso, tornando assim os dados anonimizados e susceptíveis de todo o tipo de tratamento estatístico.

    Marta Temido (ex-ministra da Saúde) e Victor Herdeiro (presidente da ACSS), terceiro e quarto a contar da esquerda, juntos na sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS no passado dia 7 de Julho. A antiga governante e o dirigente da ACSS foram companheiros durante três mandatos na Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares.

    Além de esclarecer, de forma clara, o efectivo impacte da pandemia e da covid-19 desde 2020, a BD-GDH possibilitará, à falta de outras bases de dados que o Ministério da Saúde continua a recusar disponibilizar – e que ainda se encontram em análise em outros processos no Tribunal Administrativo –, obter indicadores sobre as principais afecções e doenças que poderão estar a contribuir para o contínuo excesso de mortalidade, numa fase em que a covid-19 se encontra já em fase endémica.

    Esta vitória histórica do PÁGINA UM – que se sucede a outras sentenças favoráveis – surge no decurso de um longo processo de obstaculização por parte do presidente da ACSS, Victor Herdeiro – amigo de longa data da ex-ministra Marta Temido –, que começou, em meados de Maio passado, por expurgar do Portal da Transparência do SNS uma base de dados pública sobre morbilidade e mortalidade hospitalar, uma versão manipulada e mais simplista da BD-GDH.

    A decisão de Victor Herdeiro – justificada pela necessidade nunca provada de “análise interna” – foi uma reacção política ao conjunto de artigos de investigação do PÁGINA UM sobre o desempenho hospitalar desde 2020, e não apenas relacionado com a covid-19.

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    Mesmo sendo uma simplificação da BD-GDH, essa base de dados que estava no Portal da Transparência permitira, através de análise estatística feita pelo PÁGINA UM, revelar que, até Janeiro deste ano, houvera menos 51 mil hospitalizações de crianças durante a pandemia por todas as doenças; apurar que a variante Ómicron tinha indicadores de letalidade inferiores aos da gripe; identificar problemas graves (com aumento de taxas de letalidade mesmo em alas não-covid); determinar que a taxa de mortalidade da covid-19 foi evoluindo ao longo da pandemia e em função dos hospitais, sendo 30% superior à das doenças respiratórias; desmistificar a alegada elevada pressão durante a pandemia, até porque houve menos 280 mil doentes por outras causas não-covid; e também identificar estranhas descidas na mortalidade por cancros e outras doenças, bem como colocar dúvidas sobre a mortalidade por covid-19 nos hospitais.

    Após várias tentativas para “convencer” o Ministério da Saúde – que nunca quis rectificar a conduta de Victor Herdeiro –, o PÁGINA UM apresentou em 19 de Agosto passado uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra a ACSS, mas já não apenas para a reposição da versão original da base de dados da mortalidade e morbilidade – que fora entretanto reposta mas completamente “mutilada”. Com efeito, foi também solicitado o acesso à BD-GDH, por se ter considerado ser uma base de dados mais completa e muito mais “imune” a intervenções políticas.

    No dossier “Investigação SNS”, publicado entre 13 de Maio e 1 de Junho, o PÁGINA UM usou uma base de dados que esteve, durante um período, suspensa. A BD-GDH tem um potencial informativo muito superior.

    Desde logo, a ACSS – através do escritório de advogados BAS, que tem vencido uma quantidade significativa de contratos por ajuste directo de entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde – mostrou que não estava interessada em abrir mão à “secreta” BD-GDH. Alegando que já repusera a base de dados original da morbilidade e mortalidade hospitalar – o que, de facto, terá sucedido em meados de Agosto –, a ACSS começou por tentar iludir a juíza do processo, Ilda Maria Côco, fazendo crer ter já satisfeito o pedido integral do PÁGINA UM, e solicitou assim que a intimação fosse “totalmente julgada improcedente e indeferida, tudo com legais consequências”.

    Somente após um requerimento do advogado do PÁGINA UM, Rui Amores, provando que estava sobretudo em causa a continuada recusa do acesso à BD-GDH, a ACSS veio pronunciar-se sobre este assunto – ou seja, foi obrigada a justificar a recusa. Mas recorrendo à mentira.

    Com efeito, através da mesma sociedade de advogados, a ACSS defendeu que a BD-GDH continha “dados pessoais” e que “as funcionalidades dos sistemas de informação nos quais se encontram localizadas não permitem tecnicamente a respetiva consulta sem acesso aos dados pessoais em causa”, acrescentando que “reprodução (digital) da informação da base de dados com expurgo dos dados pessoais implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado que ultrapassa a simples manipulação”. E concluiu que, “associado à extensão dos dados em causa e à própria arquitetura dos sistemas de informação em que se suportam as bases de dados”, obrigar a anonimização “acarretaria para ACSS uma atuação administrativa, com gestão dos recursos disponíveis para a prossecução das respetivas atribuições legais em desvio dos princípios aplicáveis e pelos quais se deve reger a atividade administrativa, nomeadamente, os princípios do interesse público, da boa administração, da proporcionalidade e da razoabilidade”.

    Este arrazoado tinha, porém, apenas um fito: continuar a esconder a BD-GDH do escrutínio público, tentando convencer a juíza do processo de que a anonimização de uma base de dados deste género não é um processo corriqueiro, nem que basta seleccionar as variáveis que se pretenda e, nessa linha, excluir aquelas que não se pretendem. Destaque-se que o PÁGINA UM jamais teve a pretensão de revelar dados pessoais de doentes, sobretudo por não ser ético, mas também por ser de interesse nulo para quaisquer diagnósticos em saúde pública.

    Mas tinha também este arrazoado jurídico uma perna curta. De facto, a anonimização da BD-GDH é um procedimento tão corriqueiro e bem conhecido da ACSS, tanto assim que esse expediente administrativo costuma estar expressamente delegado num dos vice-presidentes para conceder acessos a investigadores. Por exemplo, no presente conselho directivo da ACSS, Victor Herdeiro delegou na sua vice-presidente Sandra Brás a competência “para autorizar o fornecimento de dados anonimizados provenientes da Base de Dados Nacional de Grupos de Diagnósticos Homogéneos (BD-GDH)”, conforme a Deliberação 835/2021 publicado em Diário da República em 9 de Agosto do ano passado.

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    Perante esta evidência, acabou por ser com naturalidade que a juíza Ilda Côco deu razão ao PÁGINA UM. De acordo com a magistrada, como a ACSS apenas se limitou a “alegar, de forma conclusiva, que o expurgo de dados pessoais implicaria a criação ou adaptação da base de dados com um esforço desproporcionado (…), mas sem que alegue quaisquer factos concretos que permitam concluir no sentido por si pretendido”, terá assim 10 dias para facultar o acesso à base de dados… carregando no teclado e/ ou no rato do computador para expurgar os dados nominativos.

    A ACSS poderá ainda recorrer desta sentença, o que a observar-se constituirá mais um sinal de obscurantismo no sentido de evitar uma avaliação independente das políticas de saúde nos últimos anos. O PÁGINA UM enviou a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa ao Ministério da Saúde para saber se o ministro Manuel Pizarro tomará alguma diligência junto da ACSS para libertar a BD-GDH ou para que recorra para o Tribunal Central Administrativo Sul. Sem resposta até agora, o que era uma situação habitual nos tempos de Marta Temido, e que não se modificou com a entrada em funções governamentais do médico Manuel Pizarro.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    Ruas e debates civis tornam-se agora os (únicos) palcos na defesa dos direitos humanos

    No espaço de 10 dias, Lisboa viu três concentrações e manifestações nas ruas em defesa dos direitos humanos, direitos civis e da democracia. Contestação contra as propostas de revisão constitucional levou a plataforma cívica Cidadania XXI a mobilizar-se em duas concentrações na capital, juntando mais de uma centena de pessoas. Já este Sábado, Lisboa juntou-se a muitas outras cidades do mundo numa Manifestação Mundial para os Direitos Humanos e Liberdade, com a presença de cerca de mais de uma centena e meia de pessoas.


    Estamos em plena Europa do século XXI, mais propriamente em 2022, mas não parece. A sociedade civil está a ter necessidade de regressar às ruas dos países ocidentais, em manifestações, para defesa dos direitos cívicos. Na Europa, berço da Democracia, incluindo Portugal. Duas concentrações em Lisboa, nas últimas duas semanas, são disso exemplo: uma contra as propostas de revisão constitucional; a outra, integrada na Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022). Ambas trouxeram às ruas não mais de duas centenas de pessoas; ainda poucas, por agora, mas as duas com muitas palavras de ordem em defesa dos direitos, liberdades e garantias, sempre com a democracia em pano de fundo.

    Mas além da manifestação e das concentrações, a sociedade civil mexe-se por outras vias. A plataforma cívica Cidadania XXI tem estado particularmente activa, tendo já feito chegar aos líderes dos dois maiores partidos políticos portugueses (PS e PSD) um manifesto/ petição intitulado Em Defesa da Liberdade da Constituição.

    Joana Amaral Dias, psicóloga, ex-deputada e activista, a discursar no dia 10 de Novembro numa concentração contra a revisão constitucional.

    Esta plataforma cívica é um movimento de cariz cívico que nasceu em 2020 e se notabilizou por diversas iniciativas de amplitude, sobretudo os debates denonimados Tertúlias da Junqueira, que reuniram notáveis da vida académica, médica, científica, jurídica e dos media para debater a censura e as muitas medidas ilegais e anticientíficas que foram adoptadas durante a pandemia. Além disso, organizaram uma grande manifestação no dia 25 de Abril de 2021 que desceu a Avenida da Liberdade, em plena pandemia.

    Na petição entregue a António Costa e Luís Montenegro, esta plataforma cívica manifesta “preocupação [com] o processo de Revisão Constitucional em curso e em particular a proposta que o Governo enviou à Assembleia da República do dia 9 de Novembro”.

    Salienta-se que, de entre as alterações propostas pelos dois principais partidos (que constituem maioria qualificada, ou seja, mais de dois terços dos deputados), está a possibilidade de detenção de um cidadão sem mandato judicial, algo que a Cidadania XXI considera uma “perigosa intenção” por “ficar aberta a possibilidade de um qualquer Governo prender um cidadão, com base em regras estipuladas por si, retirando a legitimidade e a autonomia fundamental dos Tribunais para decidir sobre os Direitos, Liberdades e Garantias”.

    António Jorge Nogueira, fundador e presidente da Plataforma Cívica – Cidadania XXI (à direita), entregou um manifesto contra a proposta de revisão constitucional ao primeiro-ministro, António Costa.

    Segundo esta plataforma cívica, com uma Constituição nos termos propostos, “estaremos perante um regime constitucional em que o Governo poderá exercer sobre os cidadãos o mesmo tipo de autoritarismo totalitário que actualmente vigora no regime chinês”.

    A possibilidade de detenção de cidadãos sem mandato judicial, apenas por ordem das autoridades sanitárias, surge após ter sido considerado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional os confinamentos forçados de cidadãos, a coberto de alegados riscos, durante a pandemia da covid-19. Visto que as detenções sem mandato judicial violaram a Constituição, o Governo decidiu assim aproveitar para propor uma alteração à Lei Fundamental do país.

    Vários juristas têm vindo, contudo, a alertar para os perigos desta revisão constitucional. O próprio bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão, denunciou que, caso PS e PSD avancem com a aprovação desta revisão, “está em causa a supressão de direitos, de liberdades e de garantias”.

    Uma das concentrações contra a proposta de revisão da Constituição, em que participou a Cidadania XXI, juntou mais de uma centena de pessoas, durante a noite do passado dia 10 de Novembro, junto ao Hotel Epic Sana Marquês, onde decorreu o Conselho Nacional Extraordinário do PSD. A Cidadania XXI entregou a sua petição a alertar para os perigos levantados pelas propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    António Jorge Nogueira, presidente da Cidadania XXI (à esquerda), entregou um manifesto contra as propostas de revisão constitucional ao presidente do PSD, Luís Montenegro.

    A plataforma cívica deslocou-se também à sede do PS, no Largo do Rato, entregando o mesmo documento ao primeiro-ministro e secretário-geral do PS, António Costa, e ao presidente do partido que sustenta o Governo, Carlos César. Este documento também será entregue ao Presidente da Assembleia da República, aos Grupos Parlamentares, ao Presidente da República, à Ordem dos Advogados, ao Conselho Superior da Magistratura “e a diversas outras instituições da sociedade portuguesa”, segundo António Jorge Nogueira.

    “Não nos podemos esquecer que durante dois anos o Presidente da República, o Governo e diversas instituições actuaram conscientemente e sistematicamente contra a Constituição, conforme já declarado 23 vezes por juízes do Tribunal Constitucional”, afirmou António Jorge Nogueira ao PÁGINA UM. Com este projecto de revisão da Constituição, “já não estamos em modo democrático”, lamentou.

    No âmbito destas iniciativas, a Cidadania XXI vai organizar ainda outros eventos públicos, onde se incluirá um novo ciclo de Tertúlias da Junqueira em torno do tema da defesa dos direitos, liberdades e garantias. A plataforma pretende também reunir com os diferentes grupos com assento parlamentar.

    Joana Amaral Dias, antiga deputada, psicóloga e activista, que marcou presença nas concentrações e na manifestação de sábado, tem sido uma acérrima crítica das posições de PS e PSD. “Repare-se que em nenhuma circunstância, mesmo que se reúnam dois terços dos deputados ou a totalidade dos parlamentares, é permitido alterar ou abolir esses mesmos direitos”, escreveu esta psicóloga em artigo de opinião no semanário O Novo. “O artigo 288.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) constitui uma barreira intransponível, bloqueia em absoluto qualquer tentativa de os adulterar”, adiantou, frisando: “a razão é simples: mexer-lhes, alterar o contemplado no artigo 24.º, é atacar o magma da democracia” e que “sem esses direitos não há Estado de direito e, por isso, o tal 288 não o permite em circunstância alguma”.

    Manifestação Mundial levou para as ruas cidadãos em diversas cidades do mundo, no passado Sábado.
    (Fotos em cima: Manifestação em Lisboa. Foto em baixo: Manifestação em Toronto, no Canadá)

    A ex-deputada do Bloco de Esquerda foi, aliás, uma das individualidades que subiu ao palco para discursar no âmbito da Manifestação Mundial pelos Direitos Humanos e a Liberdade (World Freedom Rally 2022) no passado sábado, a par da médica Margarida Oliveira, que foi alvo de processo pela Ordem dos Médicos, por delito de opinião, apesar de defender medidas com base na evidência científica.

    Recorde-se que a Ordem dos Médicos e o seu bastonário, Miguel Guimarães, tiveram, durante a pandemia, um papel de relevo na tentativa de silenciar e punir médicos que se mostraram contra medidas e recomendações do Governo e da Direcção-Geral da Saúde.

    Desde 2020, que cidadãos em diversos países têm participado em manifestações e marchas em defesa dos direitos humanos e civis, perante as medidas drásticas e ilegais que foram adotadas por Governos alegadamente para combater a pandemia de covid-19, incluindo a política de segregação criada com a introdução do chamado “certificado digital” ou “passaporte covid-19” e vacinação obrigatória em diversos setores.

    A Suécia, um país que geriu com sucesso a pandemia, foi a excepção, tendo recusado aderir a confinamentos e máscaras faciais, em geral, nem impôs medidas drásticas como a maioria dos restantes países, registando menos óbitos com covid-19, menores impactos económicos e menos mortes em excesso, comparando com pares na Europa.

    Manifestação em Lisboa no âmbito do World Wide Rally for Freedom

    Hoje, sabe-se, com base em dados e em estudos científicos, que os confinamentos tiveram um impacto devastador na saúde e na economia, tendo sido uma política errada a seguir, como cientistas tinham avisado logo em março de 2020.

    Por outro lado, os dados revelam ainda haver em 2022 milhares de mortes em excesso sem explicação em vários países, como Portugal, faltando investigações independentes ao tema. Enquanto isso, diversos países começam a recuar na vacinação de certas camadas e faixas etárias da população, enquanto mais estudos e dados mostram que riscos de reacções adversas aconselham cautela na vacinação com as novas vacinas, sobretudo em determinados grupos de pessoas, como homens e crianças e jovens.

    Mas, apesar das medidas erradas adoptadas, os direitos humanos e civis que foram amputados desde 2020 não foram repostos na maioria dos países, e teme-se que possam mesmo ser definitivamente abolidos em países como Portugal, com as propostas de revisão constitucional. Por outro lado, também há receios de que a onda de medidas totalitárias seja reforçada agora para gerir a crise ambiental que se anuncia.


    N.D.: A jornalista e cronista do PÁGINA UM Elisabete Tavares é membro fundador da Plataforma Cívica – Cidadania XXI, embora não exerça papel activo nesta associação desde Outubro de 2021.

  • Lobby das farmacêuticas na Ordem dos Médicos perde e presidente do Colégio de Pediatria acaba ilibado

    Lobby das farmacêuticas na Ordem dos Médicos perde e presidente do Colégio de Pediatria acaba ilibado

    Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, foi um dos muitos clínicos que criticou a estratégia da Direcção-Geral da Saúde em recomendar a vacinação universal de crianças contra a covid-19. Por causa da sua opinião, a Ordem dos Médicos instaurou-lhe um processo disciplinar por pressão do bastonário, Miguel Guimarães, através dos membros do seu Gabinete de Crise para a Covid-19, encabeçado por Filipe Froes e outros médicos com ligações comerciais com as farmacêuticas. A campanha de denegrir a imagem pública de Jorge Amil Dias surtiu efeito, mas o procedimento disciplinar caiu esta semana por terra. O presidente do Colégio de Pediatria espera que esta decisão faça “jurisprudência” para que, no futuro, não volte a haver tentativas de silenciamento de médicos pela via da “secretaria”.


    É mais uma derrota para o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães. E é mais uma evidência dos meandros nebulosos que circundaram o “mundo dos médicos” desde 2020, com clínicos a comportarem-se como porta-estandartes da indústria farmacêutica sobretudo desde o surgimento da pandemia da covid-19.

    Esta semana caiu por terra a queixa apresentada na Ordem dos Médicos contra o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias, por um grupo de médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêutica, entre os quais se destacam Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas.

    Jorge Amil Dias, pediatra e presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos.

    A queixa destes médicos e de mais outros 13 levou à abertura de um processo disciplinar contra o reputado pediatra, que está agora a caminho do arquivamento. O relator do processo, João Branco, membro efectivo do Conselho Disciplinar Regional do Sul, conclui , de forma clara e evidente, “não ter havido violação das leges artis ou do Código Deontológico por parte do médico participado”.

    O “crime” que estava em causa por este renomado especialista em gastroenterologia pediátrica é simples de explicar: tomou posição pública, a título pessoal, ao considerar a vacinação de crianças “desproporcionada” e “desnecessária”, além de advogar a relevância da imunidade natural. Além disso, foi um dos subscritores de um abaixo-assinado que integrou quase uma centena de médicos e outros profissionais de saúde, alertando também para os riscos da vacinação num grupo etário de baixíssimo risco.

    O processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Especialidade de Pediatria – que não é escolhido, assim como nos outros colégios, nas mesmas eleições do bastonário, e beneficia de independência – resultou de uma carta-denúncia no início de Fevereiro, assinada por médicos afectos ao bastonário e à indústria farmacêuticas.

    Miguel Guimarães (à direita), urologista e bastonário da Ordem dos Médicos, ao lado de Carlos Robalo Cordeiro, um dos subscritores da queixa contra Jorge Amil Dias.

    Neste grupo estão incluídos todos os membros do Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 que solicitaram “a avaliação da conduta, por eventual infração disciplinar” de Amil Dias.

    Miguel Guimarães, que se manifestou incomodado por pediatras contrariarem as suas posições de médico urologista a falar de assuntos de pediatria, anunciou mesmo que levaria o assunto a reunião do Conselho Nacional Executivo para depor a destituição de Amil Dias como presidente do Colégio de Pediatria, algo que nunca sucedeu.

    Mais do que qualquer castigo relevante que pudesse atingir Jorge Amil Dias, este processo da Ordem dos Médicos revelava então o “clima de guerra” que alimenta as relações entre estes profissionais de saúde no mandato de Miguel Guimarães, que escancarou portas a procedimentos inquisitoriais por meros delitos de opinião, sobretudo com o advento da pandemia.

    Miguel Guimarães tem sido, além disso, criticado internamente por não acatar os pareceres técnicos dos Colégios de Especialidade – e até de os esconder publicamente –, optando antes por criar órgãos de consulta não-estatutários.

    O pediatra Jorge Amil Dias afirmou ao PÁGINA UM que considera que “o parecer do Relator é muito claro e desmonta ponto por ponto as acusações” que lhe eram feitas, não vendo qualquer violação do ponto de vista deontológico nem de ter violado “os bons princípios e as boas práticas”. Para Amil Dias, seria bom se esta decisão “fizesse alguma jurisprudência quanto às tentativas de calar [médicos] na ‘secretaria’, para os silenciar”.

    Extracto do relatório da proposta de arquivamento do processo contra Amil Dias.

    De acordo com a proposta de arquivamento a que o PÁGINA UM teve acesso, o relator do processo disciplinar dá plena razão a Jorge Amil Dias em diversos pontos.

    João Branco começa por lembrar que “à data dos factos em apreciação no presente processo disciplinar, existia, na comunidade médica em geral, e nos médicos pediatras em particular, uma
    divisão sobre o tema da vacinação contra a SARS-Cov-2 em crianças e
    adolescentes, nomeadamente no que respeita à necessidade desta, ao grau de
    proteção conferido e respetivos efeitos adversos”.

    E adiante, em seguida, que “são compreensíveis e aceitáveis” as preocupações transmitidas por Jorge Amil Dias em relação aos possíveis efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 nas crianças, “uma vez que, em 29 de Outubro de 2021, foi emitida uma autorização para o uso de emergência da vacina da Pfizer-BioNtech para a prevenção da covid-19 em crianças entre os 5 e os 11 anos de idade”.

    “Ora, tal significa”, continua o relator, “que o processo de licenciamento da vacina para administração em crianças foi acelerado em relação ao normal processo de licenciamento, pelo que as reações adversas de médio e longo prazo, poderiam ainda não ser, à data, integralmente conhecidas, com os inerentes riscos”, frisou no seu parecer.

    Sobre a queixa de Filipe Froes e demais médicos relativa a declarações prestadas por Amil Dias sobre o Hospital D. Estefânia, o relator considerou que até “poderão ser pertinentes” as questões levantadas pelo pediatra.

    Na opinião de João Branco, “não se deve considerar que o médico participado [Jorge Amil Dias] estava a colocar em causa as competências profissionais dos colegas do Hospital de D. Estefânia, mas somente que aquele terá procurado esclarecer a veracidade dos números de doentes internados com covid-19 revelados numa entrevista e divulgados pela comunicação social, os quais, posteriormente, se terá comprovado não corresponderem aos dados reais”.

    Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos.

    E salienta ainda que os comentários do presidente do Colégio de Pediatria “realizados pelo médico participado “no que respeita à metodologia dos estudos do Centers for Disease Control and Prevention (CDC) são pertinentes, bem como são justificadas as questões clínicas levantadas”.

    Relativamente às Cartas Abertas subscritas por Amil Dias, com data de 25 de Janeiro e de 3 de Fevereiro de 2022, o Relator defende que “os médicos, enquanto médicos e cidadãos, têm o direito de escrever cartas abertas, divulgando a sua posição, ainda que esta seja contrária à orientação da Ordem dos Médicos, do Senhor Bastonário, do Gabinete de Crise para o [sic] covid-19 e da Direção-Geral da Saúde”.

    João Branco salienta também que “a divergência de opiniões sobre a vacinação infantil não se verificou só em Portugal, sendo de realçar que no Reino Unido, após ter sido assumida uma recomendação de vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos de idade, um grupo de 18 médicos também se dirigiu publicamente às autoridades de saúde manifestando preocupação, não tendo tal sido considerado ofensivo ou atentatório da verdade científica”.

    girl covering her face with both hands

    Neste enquadramento, e salvaguardando que é pessoalmente “favorável à vacinação”, João Branco deefnde que “as questões metodológicas e clínicas levantadas pelo médico participado foram pertinentes, entendendo que as mesmas não devem ser consideradas ofensivas para os Colegas, para a Ordem dos Médicos, para o seu Bastonário, ou para o Gabinete de Crise para a Covid-19, apenas traduzindo divergência de opiniões, sendo, no contexto em que foram proferidas, aceitáveis”.

    Apesar de se mostrar satisfeito com a recomendação de arquivamento do processo disciplinar instaurado contra si, Amil Dias condena o facto de os media ajudarem a enxovalhar em público quem é sujeito a este tipo de acusações. E que, depois, nota o pediatra, quando sai uma decisão favorável que deita por terra as acusações, a imprensa em geral, com algumas excepções,”publica uma pequena notícia na página 54″. “Isto é feio”, conclui.

  • Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Assumindo a sua “autoridade científica”, o Instituto Superior Técnico começou, primeiro de forma sobranceira, a recusar ao PÁGINA UM o acesso a um relatório alarmista sobre a covid-19 disponibilizado à Lusa. Intimado através do Tribunal Administrativo de Lisboa, a instituição tem alegado que só fez um “esboço embrionário”. A juíza quer saber se é verdade. E obrigou esta entidade universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço a entregar-lhe o documento, em envelope lacrado, para o analisar.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, exige ver o alegado estudo do Instituto Superior Técnico divulgado pela imprensa em finais de Julho que estimava a ocorrência de centenas de mortes por causa das festas populares e festivais de música em Junho passado, numa altura em que, na verdade, se observou uma tendência de redução significativa de casos positivos.

    Em causa estão as estimativas e análises sobre a pandemia elaboradas pelo Instituto Superior Técnico desde Junho de 2021, em parceria com a Ordem dos Médicos, que inclui aquele que se debruçou sobre os efeitos das festividades de Junho, mas que agora a instituição universitária diz não ser, afinal, um relatório, apesar de a agência Lusa ter garantido ao PÁGINA UM que assim é. As estimativas apontavam para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Durante o processo judicial no Tribunal Administrativo, o Instituto Superior começou por defender que não tem o dever de disponibilizar os documentos ao PÁGINA UM – incluindo os dados em bruto e a metodologia – por se estar perante um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.

    Já na semana passada, o Instituto Superior Técnico veio argumentar, também em sede do processo de intimação instaurado pelo PÁGINA UM, dizendo que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E dizia ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [director do PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    A instituição universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço argumentava, por fim, que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Mas agora a juíza Telma Nogueira quer mesmo saber se o Instituto Superior Técnico está a contar a verdade. No seu despacho, e “com vista a apurar se o documento em causa nos autos constitui um ‘esboço’ conforme alegado”, a juíza ordena que o Instituto Superior Técnico entregue, num prazo de 10 dias, “o referido documento que designa de ‘esboço’, em envelope lacrado” e dentro de outro envelope. A juíza dá a alternativa desse documento chegar ao Tribunal em mão ou via correio postal.

    Se o Instituto Superior Técnico conseguir convencer a juíza de que o documento em causa é um esboço – por exemplo, um guardanapo de papel com meros tópicos rascunhados é considerado um “esboço” –, a lei não o obriga a cedê-lo para consulta, mas ficará assim patente que a imprensa mainstream divulgou informação imprecisa, incompleta e errada, com a agravante de lhe chamar relatório. Se o documento estiver minimamente estruturado, então a equipa liderada pelo matemático Henrique Oliveira, e supervisionada pelo próprio presidente da instituição, poderá ser escrutinada sob o ponto de vista científico.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos.

    O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. O PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente em meios universitários.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Desde Junho de 2021, o Instituto Superior Técnico, investido da sua autoridade científica, elaborou relatórios sobre pandemia em parceria com a Ordem dos Médicos. No último estudo conhecido, divulgado há pouco mais de dois meses pela imprensa, atribuía directamente às festas populares e aos concertos em Junho várias centenas de mortes por covid-19, numa altura em que os casos positivos até apresentavam, afinal, forte tendência decrescente. Perante a recusa em ceder a informação, o PÁGINA UM apresentou um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Independentemente do seu resultado prático – acesso à informação –, este processo acaba por ser revelador de uma certa forma de “fazer” Ciência em Portugal, e da postura dos denominados “peritos”.


    Em processo que corre no Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) – intentado pelo PÁGINA UM para aceder a um alegado estudo (incluindo dados numéricos e metodologia) que associava as festas populares de Junho passado a um incremento directo de mortes por covid-19 –, o Instituto Superior Técnico (IST) veio agora reinterpretar o significado de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, conceito que usara inicialmente para classificar um relatório profusamente divulgado pela imprensa em final de Julho.

    A notícia original foi elaborada pela agência Lusa – que garantiu ao PÁGINA UM que “o relatório (…) existe, naturalmente, caso contrário (…) não teria feito notícia” – e reproduzido então por mais de uma dezena de órgãos de comunicação social de âmbito nacional.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. Saliente-se que o PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Numa alegação entregue na passada quarta-feira no TAL, a advogada mandatada por Rogério Colaço veio agora dizer que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E diz ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    Saliente-se, porém, que o PÁGINA UM apenas recebeu de um dos investigadores do Instituto Superior Técnico uma explicação vaga sobre a suposta metodologia, mas nunca lhe foi remetido qualquer parte do alegado relatório escrito – que chegou mesmo a merecer citações expressas no take da Lusa, difundido pela restante imprensa – nem qualquer ficheiro com dados numéricos que possibilitasse qualquer conclusão.

    De acordo com a notícia da Lusa, de 28 de Julho passado – que continha sete citações expressas (vd. em baixo) do suposto relatório –, os peritos do Instituto Superior Técnico – supervisionados pelo próprio presidente – apontavam, entre outros aspectos, para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Sucede, porém, que na realidade ao longo do mês de Junho se registou uma redução sistemática do número de casos positivos e de mortes atribuídas à covid-19, tornando paradoxal, e pouco sustentável cientificamente, que as festividades tivessem tido um impacte agravante. Ou seja, o levantamento das restrições e a maior proximidade física das pessoas sem máscara não foi acompanhada de um acréscimo de casos nem de óbitos.

    Foi exactamente para averiguar o cumprimento de preceitos de rigor científico que o PÁGINA UM pretendeu aceder ao suposto relatório do Instituto Superior Técnico, que a Lusa diz existir, e que a instituição universitária pública esclarece agora que “não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso (…) era um esboço”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    No entanto, esboço ou qualquer outra coisa que seja, certo é que o Instituto Superior Técnico nunca veio a público negar a validade das notícias da Lusa e dos outros órgãos de comunicação social, mesmo se agora a sua advogada garanta que desconhece como aquele (esboço ou relatório) “chegou à comunicação social”.

    Convém, aliás, notar que, na troca de e-mails no final de Julho passado entre o PÁGINA UM e o investigador Henrique Oliveira – coordenador da equipa de peritos do Instituto Superior Técnico –, aquele matemático não ignorava, pelo contrário, a repercussão mediática daquele esboço ou relatório.

    Com efeito, argumentando que toda a equipa estava de férias – e que ele era “o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise” –, Henrique Oliveira fez mesmo gala de ter recusado “diversos convites” da imprensa, “nomeadamente de três televisões nacionais para falar sobre o assunto”. E a sua recusa para falar às televisões não fora por não reconhecer o relatório – ou por não o considerar válido ou validado –, mas sim porque, adiantava ao PÁGINA UM, “entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas”.

    Resposta de Henrique Oliveira em 29 de Julho ao PÁGINA UM, em que informa ter recusado convites para falar com três televisões nacionais por estar de férias, nunca se demarcando da divulgação de informação não autorizada ou não validada cientificamente pela instituição universitária.

    Acrescente-se também que o PÁGINA UM seguiu o conselho de Henrique Oliveira e pediu o relatório e os dados em bruto ao gabinete de imprensa do Instituto Superior Técnico, mas este não foi satisfeito. Essa recusa seria mesmo reiterada por Rogério Colaço por mensagem enviada do seu telemóvel. Um posterior pedido formal, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, nem mereceu resposta, razão pela qual o PÁGINA UM fez entrar um processo de intimação junto do TAL.

    Mas agora o Instituto Superior Técnico ainda defende que, independentemente da classificação do documento em causa – relatório, ensaio, esboço ou outro qualquer termo –, o PÁGINA UM não deve ter acesso. “Considerando o princípio da proporcionalidade, salvo melhor opinião, não nos parece que o direito à informação do requerente [PÁGINA UM] se revele suficientemente relevante para justificar o acesso a um documento em estado embrionário, um estudo sem estar concluído”, acrescenta a defensora do Instituto Superior Técnico.

    Um relatório anterior do Instituto Superior Técnico alertava que haveria um aumento das infecções com as festividades, mas tal não sucedeu. O suposto relatório de finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, a instituição universitário optou por recusar essa validação externa. As festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de covid-19 regrediram face a Maio.

    E conclui ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Saliente-se que a única pretensão do PÁGINA UM, neste caso, é analisar a qualidade da produção científica do Instituto Superior Técnico que, em articulação com a Ordem dos Médicos, ao longo dos meses apresentou e divulgou estudos sobre a pandemia. E sobretudo perceber se esta instituição científica fez algo para evitar que o seu nome fosse usado mediaticamente para transmitir informação errada ou inexacta, tanto mais que é o próprio Instituto Superior Técnico que admite que o seu (assim classificado) “ensaio de projeção/ estimativa” afinal “pode não conter informações exatas e precisas”.

    Em Março passado, Henrique Oliveira, que é professor do Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, zurziu no relatório semanal da Direcção-Geral da Saúde, dizendo que era pobre. Em declarações à CNN Portugal disse mesmo que tinha “muito pouca qualidade, nebuloso mesmo”, e que, “como matemático, não hesitaria em chumbar um aluno que me apresentasse um relatório destes”. Sobre os relatórios do próprio Henrique Oliveira, em breve o PÁGINA UM saberá da sua qualidade, se a sentença do Tribunal for favorável a esse conhecimento público.


    Citações (entre aspas) do (suposto) relatório do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.