Categoria: Sociedade

  • Associação Sara Carreira: sem sequer mostrar contas, Tony Carreira saca estatuto de utilidade pública em três tempos

    Associação Sara Carreira: sem sequer mostrar contas, Tony Carreira saca estatuto de utilidade pública em três tempos

    Por regra, exige-se, no mínimo, três anos de actividade efectiva e a máxima transparência financeira para uma associação obter estatuto de utilidade pública. Não é apenas por reconhecimento que todos o almejam. Na verdade, por detrás, há um vasto leque de isenções fiscais, desde IMT e IMI até IRC, passando pelo não pagamento de diversas taxas. Por isso, a lei exige, entre outros requisitos prévios, que sejam públicas as contas e os relatórios de actividade. Mas com estatutos blindados, a Associação Sara Carreira não precisou disso: conseguiu o ambicionado estatuto em menos de dois anos e sem mostrar contas, contrariando a Lei-Quadro. Assim, no meio de cantorias em prol de uma causa nobre, não se conhece o seu património (e eventuais transferências para benefícios fiscais), nem sequer as receitas nem os gastos nas acções de beneficência. Tudo é feito na base da confiança. E quando o PÁGINA UM pediu contas e esclarecimentos, não houve sequer um acorde.


    A Associação Sara Carreira – criada em Março de 2021, em memória da filha do cantor Tony Carreira, três meses após o seu trágico acidente mortal – viu o Governo conceder-lhe o estatuto de utilidade pública em tempo recorde, mesmo mantendo as suas contas secretas, o que contraria a lei. Além disso, os estatutos, entretanto alterados em Maio do ano passado, estão blindados, condicionando, de forma discricionária, a admissão de associados em função de donativos relevantes que nem sequer são definidos.

    Além do reconhecimento, a obtenção de estatuto de utilidade pública – uma meta que qualquer associação almeja – concede um vasto conjunto de isenções fiscais, designadamente do pagamento de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) e imposto municipal sobre imóveis (IMI), impostos sobre o rendimento de pessoas colectivas (IRC) e, no caso concreto da Associação Sara Carreira – que desenvolve a sua actividade de angariação de fundos da realização de espectáculos –, isenção de taxas associadas a espectáculos e eventos públicos.

    Tony Carreira

    Embora a lei determine que, regra geral, como requisitos para a atribuição daquele estatuto, seja necessário um período mínimo de três anos de actividade efectiva, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas, achou que se poderia dispensar esse prazo por a Associação Sara Carreira “desenvolver actividades de âmbito nacional, e evidenciar, face às razões da sua existência e aos fins que visa prosseguir, manifesta relevância social”. E, assim sendo, fez um despacho em 21 de Dezembro do ano passado concedendo o estatuto – ou seja, quando faltava ainda um ano e três meses para perfazer o período normal.

    A favor desta aceleração do processo estiveram também os pareceres das autarquias de Almada, onde se localiza a sede da associação, e de Pampilhosa da Serra, concelho de onde é natural Tony Carreira, de seu nome verdadeiro António Manuel Mateus Antunes.

    Porém, todos fecharam os olhos a aspectos relevantes que, mais do que constituírem requisitos legais, consubstanciam uma postura de transparência perante a sociedade que concede benefícios fiscais que podem assumir valores consideráveis.

    Tony Carreira, com os seus filhos David e Mickael. Juntamente com a ex-mulher Fernanda Antunes, criaram a Associação Sara Carreira em Março de 2021, com estatutos blindados.

    Com efeito, entre os requisitos prévios, a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública obriga que as associações que o solicitem “tenham uma página pública na Internet, acessível de forma irrestrita, onde sejam disponibilizados os relatórios de atividades e de contas dos últimos cinco anos, a lista atualizada dos titulares dos órgãos sociais e os textos atualizados dos estatutos e dos regulamentos internos”.

    Ora, mas além do facto de a Associação Sara Carreira não ter ainda cinco anos de existência, nunca foi publicado relatório de actividade e de contas, com as demonstrações financeiras, incluindo o balanço e as demonstrações de resultados, mesmo se os estatutos até já determinam expressamente essa tarefa. Nunca houve assim qualquer sinal dos rendimentos nem das despesas, nem se conhece se algumas das actividades empresariais dos sócios fundadores (Tony Carreira e sua ex-mulher, Fernanda Antunes, que preside, e os seus filhos David Carreira e Mickael Carreira) foram ali integradas para beneficiar de isenções fiscais.

    Certo é que, consultando o site da Associação Sara Carreira, observa-se uma forte componente comercial, com uma ligação directa para uma loja de merchandising e para o catálogo de roupa Éssê by Sara Carreira, que a malograda artista lançara em Outubro de 2021.

    No site da Associação Sara Carreira sabe-se quanto custa umas cozy white sweatpants, mas nada se sabe sobre as contas como exige a lei para a atribuição do estatuto de utilidade pública.

    Até as actividades de carácter mais benemérito estão envoltas em grande secretismo quanto à parte económica e financeira, mesmo contando com a Missão Continente, a Altice, a Fundação Santander, a SIC e o Grupo DS, além de apoios de 12 empresas e parcerias com outras seis, entre as quais, ironicamente, a PWC, que presta serviços profissionais de auditoria, fiscalidade e assessoria de gestão. Com efeito, mesmo no projecto mais conhecido publicamente desta associação – as Bolsas de Estudo Sara Carreira – ignora-se os montantes efectivamente distribuídos.

    Embora a associação, no seu site, refira que nas duas primeiras edições houve 35 jovens beneficiados, estando a decorrer a análise das candidaturas à terceira edição, nunca houve a mínima referência sobre os montantes atribuídos. No regulamento apenas se refere que “o valor atribuído a cada jovem bolseiro(a) será definido pela Direção da Associação [Sara Carreira], em função das necessidades do(a) mesmo(a)”, adiantando ainda que “os critérios e entrega dos valores, variam em função das especificidades e necessidades de cada candidato(a)”.

    Por fim, acrescenta-se que “os valores atribuídos serão entregues diretamente às instituições de ensino ou a outras entidades a definir pela Direção, atendendo à especificidade da formação e necessidades.” Em suma, nenhuma menção a valores concretos.

    André Moz Caldas, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, concedeu despacho de atribuição de estatuto de utilidade pública sem exigir transparência à Associação Sara Carreira.

    Além de tudo isto, e atendendo aos benefícios do estatuto de utilidade pública, mas perante o secretismo (ilegal) das contas da Associação, também se desconhece quais são actualmente os activos da associação, incluindo património financeiro e imobiliário eventualmente transferido da família de Tony Carreira. Como existe um controlo absoluto na entrada de associados por parte da família Antunes (que tem esmagadora maioria na direcção), a Associação – que pode vir a evoluir para fundação – pode estar a ser um veículo para benefício de isenções fiscais relevantes, sobretudo se se mantiver o seu estatuto de utilidade pública sem exigência de apresentação pública de relatórios de contas.

    O PÁGINA UM contactou por duas vezes a Associação Sara Carreira, colocando um conjunto de questões relacionadas com estes assuntos, mas não obteve qualquer reacção. O mesmo sucedeu com um pedido de esclarecimento endereçado ao secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, André Moz Caldas. Foi, aliás, pedido ao governante que indicasse outras associações que tivessem conseguido obter o estatuto de utilidade pública em menos de três anos, um feito que Tony Carreira conseguiu para a associação em memória da filha, sacando assim apetecíveis benefícios fiscais.

  • Ordem dos Psicólogos arquiva polémicos processos de delito de opinião

    Ordem dos Psicólogos arquiva polémicos processos de delito de opinião

    Eram dois os processos disciplinares em curso contra a psicóloga Laura Sanches, que durante a pandemia, se destacou como uma voz em defesa das crianças e de medidas baseadas na evidência. O segundo processo baseava-se numa denúncia anónima falsa, ou seja, Laura Sanches nunca afirmara ou escrevera aquilo que constava na acusação. O outro processo foi-lhe aberto porque a Ordem entendeu que a psicóloga não podia integrar um grupo de médicos que contestava a gestão política da pandemia. A comunicação dos arquivamentos surge menos de um mês após uma entrevista de Laura Sanches ao PÁGINA UM, onde este tema esteve em foco. Leia também aqui o editorial de Pedro Almeida Vieira sobre a postura da Ordem dos Psicólogos.


    A Ordem dos Psicólogos arquivou os dois polémicos processos que tinha em curso contra a psicóloga Laura Sanches, tendo a psicóloga já sido notificada da decisão.

    Em causa estavam dois processos que a Ordem abriu contra a psicóloga durante a pandemia. Num deles, a Ordem entendeu que Laura Sanches não podia integrar um grupo de médicos em defesa da Medicina baseada na evidência. O outro processo foi aberto com base numa denúncia anónima falsa, que indicou que a psicóloga fez afirmações nas redes sociais, que Laura Sanches não fez.

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    A psicóloga chegou a ser chamada pela Ordem dos Psicólogos para prestar esclarecimentos numa longa sessão.

    Além de ter abertos os dois processos, na sua convocatória para ouvir Laura Sanches, a Ordem proibiu a psicóloga de falar sobre os mesmos publicamente, sob a ameaça de ser alvo de um terceiro processo.

    A decisão da Ordem de arquivar os polémicos processos surge, por coincidência, depois de o PÁGINA UM ter entrevistado Laura Sanches, a qual detalhou os procedimentos levados a cabo pela Ordem dos Psicólogos.

    A actuação da Ordem dos Psicólogos neste caso esteve envolta em polémica, por aparentar tratar-se de uma eventual perseguição a Laura Sanches e a todos os psicólogos que deram a sua opinião publicamente sobre alguns temas relacionados com a pandemia.

    Laura Sanches, fotografada por André Carvalho, para a entrevista ao PÁGINA UM.

    Laura Sanches foi uma das vozes mais activas durante a pandemia em defesa das crianças e da aplicação de medidas baseadas na evidência. A psicóloga manifestou publicamente que estava contra algumas das restrições impostas na pandemia, nomeadamente o encerramento das escolas e a imposição do uso de máscara a crianças e jovens.

    Até ao momento, ainda não foi possível confirmar se outros processos que a Ordem dos Psicólogios abriu a profissionais do sector, relacionados com a partilha pública das respectivas opiniões, já foram ou não também arquivados.

    Em todo o caso, a Ordem dos Médicos, durante o mandato de Miguel Guimarães, foi muito mais activa na aplicação indiscriminada de processos disciplinares aos profissionais que tivessem uma postura distinta da defendida pelo Governo. Nesse lote encontra-se ainda, por exemplo, o fundador da AMI e ex-candidato à Presidência da República Fernando Nobre.

  • Balcões dos CTT dizem adeus às “raspadinhas” até Junho

    Balcões dos CTT dizem adeus às “raspadinhas” até Junho

    Fonte de receita importante para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – que regressou no ano passado aos lucros, depois de somar prejuízos acumulados de 72 milhões de euros em 2020 e 2021 –, as polémicas “raspadinhas” têm os dias contados aos balcões dos CTT, onde os funcionários tinham instruções para as “impingir” aos clientes. Os impactes sociais para adição a este jogo, sobretudo “praticado” por pessoas em vulnerabilidade económica, são a principal causa para esta medida.


    Nova promessa, desta vez com prazo. Agora, são os próprios CTT que garantem que até finais de Junho as polémicas “raspadinhas” deixarão de ser vendidas nos seus balcões.

    O anúncio, feito ao PÁGINA UM por fonte oficial da empresa, surge mais de dois meses depois de o ministro das Infraestruturas, João Galamba, ter anunciado na Assembleia da República a intenção do Governo em cessar com a comercialização daquele jogo da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que tem vindo a ser acusado de criar adição junto de grupos sociais economicamente vulneráveis.

    Em declarações ao PÁGINA UM, os CTT diz que, “tendo em conta os contratos em curso com o parceiro deste produto [SCML], prevê-se que a venda de Lotaria Instantânea (Raspadinhas) nas Lojas seja descontinuada até ao final do primeiro semestre de 2023”, acrescentando que “o processo está a decorrer com normalidade”.

    Esta informação não foi confirmada ainda pelo Ministério das Infraestruturas nem pela SCML, sendo certo que o corte nos postos de venda terá um impacte significativo nas receitas da mais poderosa instituição de solidariedade social, historicamente controlada pelo Estado, e que continua num clima de instabilidade financeira.

    As contas da SCML de 2021 – com um prejuízo de 20,1 milhões de euros, depois de perdas de 52 milhões de euros no ano anterior – continuam sem ser homologadas pelo Governo. No ano passado, a instituição terá regressado aos lucros (10,9 milhões), estando previsto no próximo mês a entrada em funções, como provedora, da ex-ministra socialista da Saúde, Ana Jorge.

    Segundo dados da própria SCML, divulgados há dois anos, quase 80% das pessoas que jogavam raspadinhas integravam as classes baixa e média-baixa. Em média, ao longo do ano de 2020, os portugueses gastaram uma média diária de 4,7 milhões de euros para riscar os cartões deste jogo que representa um pouco mais de metade da facturação no sector dos jogos da SCML.

    Entretanto, no mês passado, o Jornal de Notícias dava conta que ”os portugueses gastaram 1.515,2 milhões de euros em raspadinhas durante o ano de 2021, o que dá uma média de 4,1 milhões de euros por dia”. Desde Maio do ano passado, promovido pelo Conselho Económico e Social, tem estado em curso um estudo sobre a adição à raspadinha, por força de um protocolo com a Universidade do Minho, responsável pela investigação, a Apifarma, a Fundação Mestre Casais, a Fundação Manuel António da Mota e a Fundação Social Bancária.

    Nos últimos meses, tanto o Bloco de Esquerda como o Livre vinham pressionando o Executivo a proibir os CTT de continuarem o comércio deste jogo.

    O deputado único deste segundo partido apresentou mesmo um projecto-de-lei que visava proibir a “venda de bilhetes de lotarias e de lotaria instantânea nas estações e postos de correio”. Nessa proposta Tavares salientava que “o gasto médio por pessoa nestes jogos é de 160 euros por ano”.

    Em resposta, no passado dia 10 de Fevereiro, João Galamba já anunciara na Assembleia da República que os CTT apenas se iriam “dedicar precisamente àquilo que o senhor deputado Rui Tavares disse que gostava que os CTT fizessem, que o Governo também gostaria que fizessem e a boa notícia é que a actual administração dos CTT tem a mesma visão”.

  • Aeroportos nacionais com cinco meses de procura superior ao período pré-pandemia

    Aeroportos nacionais com cinco meses de procura superior ao período pré-pandemia

    Os dois primeiros meses deste ano confirmam uma tendência do crescimento da procura dos aeroportos portugueses acima dos níveis pré-pandemia. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, que divulgou hoje dados referentes a Fevereiro deste ano, já se contam cinco meses (desde Outubro de 2022) com afluência de passageiros superior aos meses homólogos no período anterior à pandemia. Depois de uma valente queda provocada pelas restrições às viagens aéreas, que causou um descalabro sem precedentes na aviação comercial, o sector está agora com novas “asas”.


    Já não há “vestígios” da pandemia nos aeroportos portugueses, e isso vê-se pelos números de passageiros que passaram pelos aeroportos nacionais no último semestre. De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), a afluência total ao longo de Fevereiro deste ano confirma mais uma vez, pelo sexto mês consecutivo, mais do que uma recuperação: um crescimento sustentado.

    Nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro do ano passado, os números dos passageiros aerotransportados já tinham sido superiores aos dos meses homólogos de 2019. Agora, os dois primeiros meses de 2023 também apresentam valores acima de Janeiro e Fevereiro de 2020, antes do início das fortes restrições politicamente impostas às viagens aéreas por causa da pandemia.

    cars parked in a parking lot at night

    Nos dados divulgados hoje pelo INE ficou-se a saber que em Fevereiro passado passaram pelos aeroportos nacionais 4.042.000 de passageiros, representando um acréscimo de cerca de 8% face ao período homólogo de 2020. Em comparação com Fevereiro de 2022, quando ainda se aplicava a obrigatoriedade de certificado digital e/ ou de testes à covid-19, o crescimento é de 55,6%.

    Recorde-se que, em Fevereiro de 2022, o Governo decretou o fim da exigência de um teste negativo para a entrada em Portugal, mas ainda vigorava a obrigatoriedade de apresentação do certificado digital covid-19, ou seja, que atestasse a vacinação ou a recuperação (por um período de seis meses). Só em Julho de 2022 é que a Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) anunciou o fim da imposição de teste ou certificado nas fronteiras portuguesas.

    O INE revelou ainda que em Fevereiro passado registou-se uma média diária de 73,6 mil viajantes a aterrar em Portugal – um aumento de 54,1% face ao mesmo mês de 2022, e de 13,1% em relação ao período homólogo de 2020. Nessa altura, os efeitos da pandemia, que não tinha sido ainda identificada em Portugal, não se faziam sentir no tráfego aéreo. No entanto, foi precisamente a partir de Fevereiro de 2020 que o movimento de passageiros caiu a pique e “tombou” entre Abril e Junho. Aumentou posteriormente, mas mantendo-se baixo durante os restantes meses do ano.

    Número de passageiros nos aeroportos portugueses entre Janeiro de 2019 e Fevereiro de 2023. Unidade: milhares. Fonte: INE.

    Saliente-se que já desde Abril de 2022 que se verificava uma recuperação significativa no sector da aviação comercial, com o número de voos a aproximar-se bastante do registado em 2019.

    Os dados do INE também revelam que no segundo mês deste ano foram mais os que entraram em solo nacional do que aqueles que o abandonaram. Porém, em ambos os casos, as deslocações tiveram lugar maioritariamente dentro da Europa, perfazendo estas cerca de 68% nos voos internacionais.

    A França foi, em simultâneo, o principal país de chegada e de partida dos voos. Entre os que embarcaram, para além da França, a maioria rumou ao Reino Unido, a Espanha, a Alemanha e a Itália. O ranking foi semelhante para os desembarcados, com apenas uma diferença assinalável: o Brasil foi o quinto país de onde chegaram mais passageiros, e não a Itália.

    A seguir à Europa, o continente americano foi a região mundial mais representada no tráfego internacional, tanto no destino como em origem.

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    O aeroporto de Lisboa manteve a sua primazia como origem e destino dos passageiros no sector da aviação comercial. Nos primeiros dois meses deste ano concentrou 56,3% do total a nível nacional, o que significou um aumento de 4,5% face ao período homólogo de 2020.

    No Porto, o aeroporto Francisco Sá Carneiro, também movimentou mais passageiros do que no primeiro ano da pandemia, com um incremento na ordem dos 3%, tendo ficado em segundo lugar no ranking, com 22,8% do total de passageiros transportados. Entretanto, o aeroporto da Madeira “destronou” do pódio o de Faro, registando a terceira maior afluência, com 636 mil passageiros.

    No transporte aéreo de mercadorias, porém, o cenário contrasta com o de passageiros. O movimento de carga e correio sofreu um decréscimo de 3,5% face a Fevereiro de 2020, e de 2,2% comparativamente com o mesmo mês do de 2022. Tendo registado uma quebra assinalável ao longo de 2020 e nos primeiros meses de 2021, na segunda metade daquele ano este tráfego já denotava um regresso à normalidade, e em 2022 ultrapassava até, em grande medida, os valores de 2019.

    airliner on runway

    No comunicado de divulgação destes dados, o INE destaca que o tráfego aéreo de passageiros é “tipicamente influenciado por flutuações sazonais e de ciclo semanal, e foi significativamente afectado pelo impacto da pandemia”.

    No entanto, os dados dos últimos cinco meses confirmam a tendência de retoma da normalidade com um apreciável crescimento, augurando assim uma época estival até acima da registada no Verão do ano passado, já próxima dos níveis anteriores à pandemia.

  • O negócio das esculturas: traz um amigo também…

    O negócio das esculturas: traz um amigo também…

    A homenagem a António Guterres em Vizela, sob a forma de escultura, é apenas mais um dos casos em que a arte pública está conotada ao mundo dos amiguismos ou do marketing pessoal dos artistas plásticos. O PÁGINA UM foi dar uma “vista de olhos” nas esculturas encomendadas desde 2022 por autarquias, universidades e outras entidades públicas. E se a diversidade de preços é grande, quase todas têm uma característica comum: não houve concorrência; paga-se para ver em definitivo, porque os contratos são por ajuste directo. De entre os mais beneficiados está a nova coqueluche da arte urbana: Bordalo II já facturou, nos últimos cinco anos, mais de 650 mil euros em ajustes directos.


    Há de tudo um pouco no mundo da arte pública. Desde obras que orçam nem seis mil euros até valores que se aproximam dos 200 mil euros, mas todos com um ponto em comum: ajustes directos, o que, em termos práticos, significa que o adjudicante escolheu literalmente a dedo quem, com as mãos, lhe haveria de fazer esculturas.

    Num momento em que ecoam críticas à beleza e ao custo da escultura de António Guterres em Vizela – encomendada pela autarquia por 89.980 euros para homenagear o primeiro-ministro que elevou aquela vila a sede de concelho, em 1998 –, este caso revela apenas os meandros do pequeno mundo da arte escultórica em Portugal, onde mais do que o aprumo no cinzel ou as noções estéticas do escultor jogam mais as suas ligações ou o marketing pessoal.

    Estátua de António Guterres custou quase 90 mil euros.

    Com efeito, de acordo com uma análise do PÁGINA UM, de entre os 49 contratos relacionados com esculturas registados no Portal Base desde Janeiro de 2022, apenas um foi por concurso público, aberto pelo município do Porto e ganho por Gelimar da Silva Trillo, que teve de “derrotar” cinco concorrentes. O valor, porém, é dos mais baixos que se detectam. No total, os 48 contratos por ajuste directo desde 2022 totalizam mais de 1,3 milhões de euros.

    No topo da lista de contratos por ajuste directo está uma escultura em homenagem ao cavaleiro Joaquim Bastinhas, falecido em 2018, que a autarquia de Elvas encomendou ao escultor espanhol José Antonio Navarro Arteaga, conhecido em Portugal por ser o autor do busto de 60 quilogramas de bronze de Cristiano Ronaldo que se encontra no museu do Real Madrid.

    Para a escultura do toureiro português, a Câmara de Elvas, presidido pelo “dinossauro” Rondão Almeida, nem pestanejou em pagar 177 mil euros em Julho do ano passado, sendo, por agora, conhecida uma réplica em pequeno tamanho.

    Escultor espanhol que fez busto de Cristiano Ronaldo para o museu do Real Madrid recebeu 177 mil euros da autarquia de Elvas para homenagear o cavaleiro Joaquim Bastinhas.

    O segundo maior contrato por ajuste directo desde 2022 foi estabelecido pela Fundação Marques da Silva, ligada à Universidade do Porto. Por duas peças escultóricas, a encomenda foi entregue directamente ao arquitecto Álvaro Siza Vieira por 175 mil euros, em Abril do ano passado. A ausência de concurso público ter-se-á devido ao facto de um dos mais famosos arquitectos portugueses ser já o autor do edifício do novo centro de documentação desta instituição.

    Já a Câmara Municipal de Trofa fez o terceiro contrato mais elevado, decidindo, também por ajuste directo, comprar uma escultura e dois conjuntos de desenhos do artista plástico Alberto Carneiro, já falecido, em 2017.

    O contrato, neste caso, beneficiou uma galeria de arte lisboeta (Galeria 3 + 1), que detinha estas obras de arte, tendo a aquisição uma justificação até bastante plausível: Alberto Carneiro, cuja obra premiada está exposta em vários importantes museus, nascera em 1937 naquele concelho, mais precisamente em São Mamede do Coronado.

    Uma parte substancial das esculturas são de preço abaixo dos 10 mil euros (20 contratos), havendo apenas seis acima dos 50 mil.

    Neste segundo grupo conta-se a a escultura promovida por Miguel Guimarães, ex-bastonário da Ordem dos Médicos, que gastou 57 mil euros para que Rogério Abreu fizesse duas cabeças de metal oco mascaradas a glorificar os “heróis da pandemia”. Por ajuste directo, claro.

    Quem, de entre os vivos, também não se pode queixar da concorrência é o escultor Bordalo II, transformado nos últimos anos na nova coqueluche das artes plásticas. Através da sua empresa Mundofrenético, Artur Bordalo arrecadou dois contratos por ajuste directo nas últimas cinco semanas: no dia 15 deste mês a Lipor – a empresa de gestão de lixos do Grande Porto – pagou-lhe 18.860 euros por uma escultura, e o Instituto Superior Técnico encomendou-lhe também uma escultura por 57.500 euros, em 20 de Fevereiro.

    Estas duas esculturas vão juntar-se a mais 23 contratos por ajuste directo que Bordalo II já conseguiu de entidades públicas, tendo facturado, em apenas cinco anos, um total de 652.329 euros. Em todo o caso, Bordalo II nunca facturou mais do que 72 mil euros por uma peça – valor que fica assim aquém da escultura de António Guterres em Vizela.

    Sendo as autarquias um dos principais clientes destes artistas, não surpreende assim que se estabeleçam laços que vão além da arte. Um desses exemplos ocorre no município de Loulé, onde a Origami, pertencente ao artista plástico Filipe Feijão, conseguiu três ajustes directos para a execução de esculturas no valor total de 48 mil euros.

    A Origami foi responsável pelos corsos dos Carnavais daquele concelho algarvio entre 1999 e 2014. Esta empresa – que tem sede nas Caldas da Rainha – tem, aliás, no município de Loulé um extraordinário cliente, sempre por ajustes directos: desde 2017 soma 11 contratos por ajuste directo no valor total de 201.750 euros.

    A influência dos artistas na arte de obtenção de contratos por ajuste directo tem, de facto, em muitas situações, um padrão regional. Será, por exemplo, o caso de Francisco Lucena – que, desde 2020, conseguiu três contratos com autarquias.

    Na verdade, Lucena é um especialista em conseguir contratos para o mais variado tipo de esculturas públicas contratadas por ajuste directo por autarcas. No seu portefólio contam-se 26 contratos para esculturas urbanas, pagas por autarquias, quase todas do interior norte e centro, das quais apenas em dois casos teve consulta prévia.

    Aos 36 anos, Bordalo II acumula cada vez mais contratos por ajuste directo: em cinco anos foram já mais de 650 mil euros facturados.

    Este escultor tem alguns clientes habituais, o que é bem representativo da cultura destes negócios: dos 18 municípios a quem já entregou arte pública, há quatro repetentes: Vila Pouca de Aguiar (quatro contratos), Trancoso e Sernancelhe (três, cada) Vila Pouca de Aguiar (dois). Francisco Lucena amealhou, desde 2010, um total de 700.819 euros apenas de câmaras municipais.

    Apesar destas ligações promíscuas, que impedem a livre concorrência e estímulo criativo para novos artistas, o silêncio é a alma do negócio. De uma forma aberta, não há, na verdade, quem critique abertamente a forma como os contratos por ajuste directo se executam ao longo do país para obras desta natureza.

  • “As crianças querem fugir. Mas não têm para onde ir”

    “As crianças querem fugir. Mas não têm para onde ir”

    Leia em exclusivo em Portugal, esta reportagem do premiado jornalista de guerra Boštjan Videmšek, também publicada esta semana no Boston Globe e no jornal esloveno DELO.

    Antes da invasão pela Rússia, a Ucrânia já era o país da Europa com o maior número de crianças institucionalizadas. Mais de 100.000 crianças viviam em orfanatos. A guerra veio piorar ainda mais a situação. Boštjan Videmšek deslocou-se à Ucrânia para relatar a situação que se vive nos orfanatos. Encontrou instituições sem meios, escassos recursos humanos e crianças sedentas de afecto, num país devastado pela guerra que dura há um ano. Nesta reportagem, o jornalista esloveno, que cobriu todos os grandes conflitos e guerras desde 1998 e se tem dedicado ao tema dos refugiados e do ambiente, mostra as dificuldades e os desafios que enfrentam os orfanatos num país dilacerado.


    Quando Halyna Bondaruk, líder da instituição de caridade Small Wins, entrou no orfanato na periferia sul de Lviv, um grupo de crianças correu imediatamente na sua direção. As crianças agarraram-se a Halyna como enfeites a uma árvore de Natal.

    O pequeno orfanato abriga actualmente 30 crianças, que foram evacuadas das regiões mais ameaçadas da Ucrânia. Nem todas estavam sem pais, uma particularidade do sistema de orfanatos estatal ucraniano. Antes do início da guerra, este sistema oferecia abrigo a 105 mil crianças, aproximadamente 1% da população infantil da Ucrânia – a maior taxa de institucionalização na Europa.

    Antes da invasão russa, uma média de 250 novas crianças entravam no sistema diariamente. De acordo com a UNICEF, cerca de metade de todas as crianças nos orfanatos da Ucrânia antes da guerra eram deficientes.

    Nem todos eram órfãos “clássicos”. Os chamados “órfãos sociais” também estavam massivamente representados. De acordo com a lei ucraniana, as crianças podem ser retiradas de pais com dependências crónicas ou antecedentes criminais, ou de pais cujos filhos não recebem educação adequada. A principal razão para as crianças serem enviadas para lá era a pobreza.

    Em 2021, a Ucrânia tinha cerca de 750 orfanatos, empregando 68 mil pessoas.

    Após o início da guerra, o sistema de orfanatos do país foi lançado no caos. Algumas das instituições enfrentaram uma grave escassez de pessoal. Dezenas de orfanatos das regiões leste e sul foram realocados em áreas mais seguras. Muitas crianças ficaram presas nos territórios ocupados pela Rússia. Segundo a UNICEF, o exército invasor deportou cerca de 26 mil crianças ucranianas para o território russo ou para a Crimeia ocupada.

    Diana, uma menina de 10 anos, foi evacuada do leste da Ucrânia. Junto com seus dois irmãos mais novos, foi levada para Lviv, onde o trio acabou separado. Sem os irmãos, Diana não consegue parar de chorar. A sua mãe alcoólatra não prestava os devidos cuidados a nenhum dos seus três filhos, e o pai simplesmente desapareceu. Mesmo assim, Diana ainda espera que a sua mãe possa um dia aparecer para a reivindicar.

    “Essas crianças são as que mais sofrem, dada a forma como estão a construir falsas esperanças”, disse Andrii Mudrak, 24 anos, psicólogo que trabalha com crianças traumatizadas em Lviv.

    “A chave é ajudar a acalmar e estabilizar as crianças novas que ficam sob a nossa custódia”, explicou Mudrak. “A maior parte chega aqui em mau estado. Na maioria, chegam traumatizadas. Para uma criança, cada mudança pode ser uma grande tragédia. De vez em quando, uma das crianças escapa. Mas o problema é que estas crianças não têm para onde fugir!”

    Mudrak foi trazido para o orfanato de Lviv, severamente subdotado de pessoal e subfinanciado, com a ajuda de uma instituição de caridade local. “A maior parte do meu tempo é gasto a lidar com as consequências causadas por abusos e/ ou perdas profundas”, relatou o futuro psicoterapeuta. “Todas estas crianças precisam desesperadamente de amor e atenção.”

    Num dos quartos do orfanato, Andrii Mudrak e as crianças que acompanha viam um filme. No dormitório, um grupo de meninas disputava agressivamente a atenção dos visitantes. Um menino estava a perseguir um cão velho malhado pelo corredor. As paredes das salas sufocantes estavam cobertas de rabiscos e desenhos. Assim como em outros lugares da Ucrânia, o orfanato foi muito afectado, em termos de electricidade e de aquecimento, dados os constantes ataques russos à infraestrutura energética.

    “Em 1991, após a dissolução da União Soviética, a Ucrânia tinha um milhão de crianças a viver nas ruas. A maioria deles tinha sido abandonada pelos pais alcoólicos e desempregados. As crianças tiveram de recorrer à mendicidade. Alguns viviam nos sistemas de esgotos. As autoridades decidiram abrir várias centenas de instituições como a nossa”, diz Helena Malenchuk, vice-diretora do Abrigo para Crianças de Lviv.

    Malenchuk continuou, explicando como, no último ano, as condições nos orfanatos ucranianos se deterioraram gravemente. Parte do motivo deveu-se ao facto de, no segundo dia da guerra, as autoridades terem optado por suspender todas as adopções.

    “Não havia outra escolha. Era a única forma realista de limitar as manipulações possíveis e proteger as crianças. Hoje em dia, muito mais crianças são colocadas em lares adoptivos”, explicou Halyna Bodnaruk, que lidera a instituição de caridade Small Wins.

    Há 37 anos que Miroslava Lipitska gere um internato para crianças com necessidades especiais no centro de Lviv. A escola, NRC Oberig, também funciona como um orfanato – ainda mais durante o ano passado, quando a situação forçou as autoridades a misturar ainda mais as crianças deficientes com os órfãos. Dada a escassez crónica de pessoal, os cuidados recebidos pelas crianças estão a tornar-se cada vez menos frequentes.

    “Estamos a fazer tudo o que podemos. Estamos realmente a lutar por estas crianças. Precisamos perceber que aqui, na instituição, estamos a ter uma vida muito mais fácil do que as pessoas nos campos de batalha”, comentou Lipitska no antigo palácio aristocrático, agora cedendo lentamente sobre si mesmo.

    Actualmente, 113 crianças estão alojadas no orfanato escolar, que parece um portal para os tempos do império austro-húngaro. Alguns dos residentes são permanentes, alguns estão apenas temporariamente aqui. Muitos deles vieram das regiões de Donetsk e Lugansk. Os voluntários estão a ir buscá-los às ruas e à estação ferroviária local. Algumas das crianças tinham perdido o pai para a linha da frente sem nunca terem conhecido as mães.

    Entre os últimos a chegarem estavam Max, da cidade ocupada de Melitopol, e um menino sombrio com uniforme militar, vindo da cidade de Pokrovskyi, na região de Donetsk, localizada bem ao lado da linha de frente. No dia da nossa visita, Lviv estava sob alarme aéreo constante. O menino sombrio desceu, correndo as escadas para garantir de que estava seguro.

    “Quero ir para casa”, exclamou Karina, de 18 anos, enquanto fazia os trabalhos de Matemática. Em Março passado, foi evacuada da cidade de Enerhodar, na região de Zaporizhzhia, localizada nas imediações da maior central nuclear da Europa. Após meses de intensos combates, a cidade é agora controlada pelas forças russas.

    Karina sofre de várias deficiências. Logo depois de nascer, a sua mãe alcoólatra deixou-a no orfanato. No entanto, a doce menina logo se acostumou à sua nova situação. De vez em quando, ela até era visitada por parentes. Tinha o seu próprio pequeno mundo. Mas, praticamente da noite para o dia, a guerra até isso lhe tirou.

    Agora, está visivelmente a sofrer no orfanato de Lviv. A adolescente abandonada tem muitas saudades do seu antigo orfanato. Os seus cuidadores disseram-nos que ela estava o tempo todo a ligar para os seus parentes, pedindo que a viessem buscar.

    Mas, neste momento, as suas esperanças têm precisamente zero de probabilidade de se tornarem uma realidade…

    N.D. Caso deseje ajudar os órfãos na Ucrânia, pode fazê-lo efectuando o seu donativo para a organização Small Wins Charity Foundation.

  • Em apenas quatro dias, Infraestruturas de Portugal publica seis contratos por ajuste directo e apenas um por concurso público

    Em apenas quatro dias, Infraestruturas de Portugal publica seis contratos por ajuste directo e apenas um por concurso público


    A empresa pública Infraestruturas de Portugal divulgou no Portal Base, nos primeiros quatro dias de Setembro, sete contratos públicos. Destes, apenas um, no valor de 143.597 euros, foi por concurso público. Os restantes seis, no montante global de 1.784.334,41 euros, foram celebrados por ajuste directo, beneficiando as empresas privadas Mota Engil, Indara Sistemas Portugal, Critical Software, ToInovate Consulting, Espaço Mecânico e Carvisouto. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo. O Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos analisa os contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura), com excepção da edição de segunda-feira que inclui os registos colocados entre a sexta-feira e o domingo.


    Ontem, dia 4 de Setembro, no Portal Base foram divulgados 709 contratos públicos, com preços entre os 30,50 euros – para a aquisição de detergentes e desinfetantes para material médico-cirúrgico, pelo Centro Hospitalar de Leiria, através de concurso público – e os 6.300.000 euros – para a requalificação da rede viária regional (Zona Leste), pela Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas do Governo da Madeira, também por concurso público.

    Com preço contratual acima de 500.000 euros, foram publicados 18 contratos, dos quais 10 por concurso público, dois ao abrigo de acordo-quadro, um por consulta prévia e cinco por ajuste directo.

    Por ajuste directo, com preço contratual superior a 100.000 euros, foram publicados 18 contratos, pelas seguintes entidades adjudicantes: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (com a Neogames, no valor de 2.129.325 euros); Infraestruturas de Portugal (três, um com a Mota Engil, no valor de 899.974,00 euros, outro com a Indra Sistemas Portugal, no valor de 420.000 euros; e ainda outro com Critical Software, no valor de 329.000 euros); Hospital Garcia de Orta (com a Strong Charon – Soluções de Segurança, no valor de 787.694,28 euros); Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (com a Vision Box Soluções , no valor de 744.776,20 euros); Município do Seixal (com a Alves Ribeiro, S.A., no valor de 501.732,99 euros); Feira Viva – Cultura e Desporto (com a PlenoEnergia, no valor de 356.246,05 euros); Município de Albufeira (com a Algeco – Construções Pré-Fabricadas, no valor de 276.837 euros); CENTITVC – Centro de Nanotecnologia e Materiais Técnicos, Funcionais e Inteligentes (três com a Fuste: um no valor de 213.705,44 euros; outro no valor de 211.472,75 euros e outro ainda de 171.461,55 euros); Hospital de Braga (com a Cepheid Iberia, no valor de 180.000 euros); Hospital de Loures (dois; um com a DH HPS Portugal, no valor de 168.286,60 euros, e outro com a SNL Ibérica,no valor de 110.298,75 euros); Município de Vale de Cambra (com a Unilself, no valor de 138.815,60 euros); Centro Hospitalar de São João (com a Sanofi, no valor de 117.543,30 euros); Município de Santa Cruz (com a Medidata.Net – Sistemas de Informação para Autarquias, no valor de 113.160,55 euros).


    TOP 5 dos contratos públicos divulgados no dia 4 de Setembro

    (todos os procedimentos)

     1Requalificação da Rede Viária Regional – Zona Leste – Fase II     

    Adjudicante: Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira

    Adjudicatário: Tecnovia Madeira   

    Preço contratual: 6.300.000,00 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    2Fornecimento de energia elétrica

    Adjudicante: Município de Valongo 

    Adjudicatário: EDP Comercial

    Valor: 3.048.540,00 euros

    Tipo de procedimento: Consulta prévia


    3Aquisição de licenciamento de software de jogo para exploração de lotaria instantânea no portal Jogos Santa Casa e integração com a aplicação mobile

    Adjudicante: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

    Adjudicatário: Neogames

    Valor: 2.129.325,00 euros

    Tipo de procedimento: Ajuste directo


    4Empreitada de conclusão da construção da 2ª fase da Residência Universitária do Pólo da Ajuda

    Adjudicante: Universidade de Lisboa

    Adjudicatário: HBT MAIS – Mediação Imobiliária        

    Valor: 1.970.588,63 euros    

    Tipo de procedimento: Concurso público


    5Fornecimento de equipamentos para a criação de Laboratórios de Educação Digital (LED) nos estabelecimentos do 2.º e 3.º ciclos dos ensinos básico e secundário da rede pública  

    Adjudicante: Secretaria-Geral do Ministério da Educação e Ciência

    Adjudicatário: Bravantic Evolving Technology

    Valor: 1.899.066,32 euros

    Tipo de procedimento: Concurso público


    TOP 5 dos contratos públicos por ajuste directo divulgados no dia 4 de Setembro

    1Aquisição de licenciamento de software de jogo para exploração de lotaria instantânea no portal Jogos Santa Casa e integração com a aplicação mobile 

    Adjudicante: Santa Casa da Misericórdia de Lisboa

    Adjudicatário: Neogames

    Preço contratual: 2.129.325,00 euros      


    2Reconstrução de aterro e plataforma rodoviária

    Adjudicante: Infraestruturas de Portugal       

    Adjudicatário: Mota Engil

    Preço contratual: 899.974,00 euros      


    3Prestação de serviços de segurança e vigilância

    Adjudicante: Hospital Garcia de Orta  

    Adjudicatário: Strong Charon – Soluções de Segurança 

    Preço contratual: 787.694,28 euros


    4 Aquisição de serviços de assistência técnica on-side ao sistema de controlo de fronteiras

    Adjudicante: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras     

    Adjudicatário: Vision Box Soluções

    Valor: 744.776,20 euros


    5Empreitada para demolição dos lotes 11 a 15 do loteamento de Vale de Chicharos

    Adjudicante: Município do Seixal

    Adjudicatário: Alves Ribeiro, S.A.

    Preço contratual: 501.732,99 euros  

  • Bolívia: Lítio, a força motriz do século XXI

    Bolívia: Lítio, a força motriz do século XXI

    O PÁGINA UM apresenta, em pré-publicação, o livro da autoria de Boštjan Videmšek, jornalista esloveno (que entrevistámos em Novembro passado), editado pela Perspectiva, pertencente à jornalista Patrícia Fonseca, também directora do jornal Médio Tejo. A obra é constituída por um conjunto de 10 reportagens da Noruega à Bolívia e da Escócia à China, com fotografias de Matjaž Krivic e prefácio de Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional de Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A editora oferece um desconto especial de 20% e portes CTT aos leitores do PÁGINA UM, de forma directa e sem qualquer contrapartida para o jornal. Basta enviar um e-mail para perspectiva.livros@gmail.com com referência ao PÁGINA UM e a indicação da morada de entrega.


    Ao final da manhã, as cores ficam mais bonitas, mais intensas. Até onde a vista alcança, o branco luminoso das maiores salinas do mundo mistura-se com o azul suave dos céus límpidos sobre o deserto alpino dos Andes bolivianos. O silêncio hipnótico, bom para aliviar o peso dos pensamentos, é quebrado a espaços pelo assobio de uma brisa suave, embora decididamente fria. Os picos em redor, alguns deles com quase cinco mil metros, refletem-se nitidamente na fina camada de água da chuva que caiu pela manhã e ainda não evaporou.

    Num dia límpido, e visto de longe, o Salar de Uyuni parece uma miragem. De perto, é a constatação de um milagre. Mas poderá não permanecer assim por muito mais tempo.

    Boštjan Videmšek, na Estufa Fria, em Lisboa, durante a entrevista ao PÁGINA UM em Novembro do ano passado. (Foto: Paulo Alexandrino)

    Ao longo da margem sul do lago salgado, máquinas industriais rugem em intensa atividade. Centenas de camiões andam num vai-vem sobre a crosta salgada, chiando como animais de carga exaustos, alguns deles com trinta ou quarenta anos nas rodas. A fumaça do diesel infesta o ar fresco da montanha. No seu rasto, os camiões deixam marcadas linhas castanhas na brancura virgem do solo, fazendo com que as dezenas de quilómetros quadrados do lago pareçam uma tigela gigante de café com leite.

    Os trabalhadores perfuram o sal com equipamentos gigantes, procurando a salmoura por baixo. Alojados sob quantidades colossais de magnésio e potássio, está seu objetivo: o lítio, a fonte de energia essencial para todos os gadgets do mundo; o componente chave para sustentar todo o século XXI.

    Visualmente, a violação desta paisagem inocente e delicada tem um impacto brutal.

    Os trabalhadores, vestindo as roupas vermelhas da empresa de mineração estatal Comibol, carregam os camiões com escavadoras. A salmoura é transportada para piscinas próximas, esculpidas no meio do lago. Algumas dessas piscinas têm mais de um quilómetro de diâmetro. Vista de cima, parecem campos de arroz alienígenas, ou obras de arte pintadas por cubistas depois de uma noite de absinto.

    Para facilitar os complexos processos químicos necessários, a massa mineral é deixada ao sol durante pelo menos três meses. Quando está pronta, é processada na fábrica de lítio Planta Llipi, no que ainda é um projeto-piloto.

    No seu primeiro ano de operação, em 2016, produziu cerca de vinte toneladas de carbonato de lítio. A quantidade produzida em 2017 foi três vezes maior.

    Embora estas quantidades possam parecer insignificantes num panorama mais amplo, acredita-se que as profundezas das maiores salinas do mundo contenham as maiores reservas de lítio do mundo. Segundo algumas estimativas, os Andes bolivianos contêm 70% do lítio do planeta, e vários estudos têm sido feitos para corroborar essas alegações. De acordo com o mais otimista, 140 milhões de toneladas de lítio podem estar disponíveis no Salar de Uyuni, enquanto o mais pessimista – do Serviço Geológico dos EUA – considera existirem “apenas” nove milhões de toneladas.

    Vastas quantidades de lítio também foram detectadas no fundo dos oceanos do mundo. Por isso o setor da mineração, uma das indústrias mais destrutivas do planeta, já anda a olhar para os mares à procura de novas oportunidades de investimento. Mas os planos de conquista marítima ainda estão longe de poderem concretizar-se.

    Uma impressão semelhante – a de um longo caminho ainda a ser percorrido – pode ser sentida na fábrica piloto de lítio de Llipi. A central está localizada nas margens do Rio Grande, de cor castanho-avermelhada. A sua pedra inaugural foi colocada pelo ex-presidente da Bolívia, Evo Morales, derrubado num golpe de Estado com ligação aos negócios do lítio, em 2019.

    O incendiário socialista lançou a obra com muita pompa e retórica visionária. Em 2010, Morales fez previsões de grande esperança para a Bolívia e o “petróleo do século XXI” inspira a sua visão, considerando haver na exploração do lítio uma oportunidade única para corrigir uma série de erros históricos.

    Logo após a sua ascensão ao poder, Morales nacionalizou todos os recursos naturais – desde o petróleo, passando pelo gás natural, até todos os tipos de minerais existentes. Os recursos naturais, por tanto tempo classificados como uma maldição para o povo boliviano, iram ser finalmente uma grande vantagem, o motor da economia nacional e de todos os programas sociais que Morales prometia implementar.

    No entanto, até agora essa visão idealista não se concretizou. Para começar, porque a Bolívia não tem pessoal suficientemente qualificado para explorar de forma optimizada as suas riquezas naturais. Por outro, a economia mundial tornou-se tão agressivamente globalizada que é impossível prosperar fora do sistema, pelo menos no que diz respeito aos mercados de metais, minerais e combustíveis fósseis.

    “A Bolívia vê o lítio como um dos seus grandes projetos estratégicos. Estamos bem cientes do que uma expansão significativa do mercado nos pode trazer”, diz Miguel Parra, diretor de produção da fábrica de Llipi.

    Parra recebe-nos no seu escritório, nas margens das grandes salinas, informando-nos que o projeto-piloto está prestes a terminar. Em abril de 2018 foi concluída uma nova fábrica de lítio, construída no próprio lago, e o colossal projeto governamental de extração de lítio entrou na sua segunda fase.

    Era óbvio que os gestores da empresa estatal estavam com pressa. O mercado de carbonato de lítio está em crescimento acelerado e as previsões indicavam que poderia facilmente triplicar nos cinco anos seguintes. Compreensivelmente, o preço também continua a aumentar: o lítio ainda é o componente para baterias mais eficiente de todos, de longe. Não só alimenta os nossos telemóveis e laptops, mas também painéis solares, robôs e, claro, veículos elétricos. Especula-se, aliás, que o destino de toda a empreitada boliviana de exploração do lítio depende do sucesso dos carros elétricos.

    Mas voltaremos a este ponto mais tarde.

    “Este é um projeto do Estado”, explica Miguel Parra. “Tudo é dirigido a partir de La Paz. Concordo que estamos a progredir devagar. Mas não há outra forma. Já foi muito trabalho concluído, e ainda há muito mais a fazer. Todo o desenvolvimento da tecnologia mundial pesa sobre os nossos ombros. O processo de extração no Salar de Uyuni é muito mais complicado do que na vizinha Argentina ou Chile. Nesses países, os lagos salgados estão localizados em altitudes mais baixas, com um clima mais seco. E o lítio lá está ‘preso’ sob consideravelmente menos magnésio e potássio do que o nosso aqui”, explica.

    Um observador crítico poderia notar que o processo de produção na central piloto estava a decorrer num ritmo bastante descontraído. Nem um único quilómetro das estradas à volta do Salar de Uyuni está sequer pavimentada. Durante a nossa visita, três jovens soldados e dois cães vadios constituíam a equipa de segurança que guardava o maior projeto estratégico da história daquele país. Com um pouco de coragem, seria possível dirigir um veículo todo-o-terreno pelas salinas e entrar pelas piscinas artificiais e as plataformas de teste. É verdade que seria um pouco mais difícil chegar à recém-construída central 2.0 – mas apenas por causa de toda a água que a circunda.

    A central nova e melhorada é facilmente visível ao longe, em desarmonia com a beleza magnífica do lago. A área de produção pode ser alcançada através de uma longa estrada deserta, sem postos de controle, que se estende pelas pastagens das omnipresentes vicunhas, mamíferos típicos dos Andes. Juntamente com o grão de quinoa, rico em proteínas, estes ruminantes vivazes e sempre inquietos constituem ainda a base da subsistência da população local.

    A fábrica de Llipi empregava 250 pessoas em 2017, a maioria trabalhadores manuais. Há poucos especialistas em processamento de lítio na central – quase não existem no país.

    No entanto, o sentimento de sonho e irrealidade que envolve este projeto não significa que a Bolívia está adormecida. Pelo contrário: o parlamento boliviano criou a Empresa Pública Nacional Estratégica de Recursos Evaporíticos, com a missão especial de gerir a produção de lítio. O seu diretor está autorizado a assinar contratos com empresas privadas, nacionais ou estrangeiras.

    O mercado boliviano de lítio está claramente a abrir-se ao mundo. Os chineses não são os únicos a manifestar interesse; japoneses, alemães, suecos, franceses, suíços, coreanos e canadianos foram rápidos a pôr-se em campo. Segundo as nossas fontes, a gigante elétrica americana Tesla também quer participar no projeto boliviano. A bateria do Model S da Tesla requer cerca de 54 quilos de carbonato de lítio, semelhante ao que é necessário para alimentar cerca de 10.000 baterias de telemóvel.

    No seu relatório de 2017, o fundo de investimentos Goldman Sachs designou o carbonato de lítio como “a nova gasolina”. Também previu que, até 2025, o mercado de lítio irá triplicar, com uma procura anual na ordem das 470.000 toneladas.

    O relatório alerta corajosamente que o simples aumento de 1% na produção de veículos elétricos poderia aumentar a procura de lítio para mais de 40% do que existe disponível com a produção atual. A Bolívia pode entrar no mercado no momento ideal?

    “A FMC, meus antigos empregadores, tentou explorar o Salar de Uyuni no final dos anos 80 e início dos anos 90”, lembra Joe Lowry, diretor da empresa Global Lithium e um dos maiores especialistas mundiais em lítio (apelidado pelos seus seguidores no Twitter como “Mr. Lithium”).

    “O caos governamental e a infraestrutura precária apresentavam demasiados problemas e a empresa optou por criar explorações na Argentina. Trinta anos depois, a Bolívia ainda carece de infraestruturas básicas, bem como do tipo de governo com o qual os investidores possam sentir-se confortáveis.”

    Embora cético em relação à possibilidade de a Bolívia ser uma história de sucesso na exploração do lítio, Lowry não duvida que os mercados de carbonato de lítio e baterias de lítio estão prestes a explodir. O aumento no consumo de baterias está fortemente ligado a um boom nos transportes elétricos, do qual os automóveis são apenas os precursores. “Grande parte da população mundial viaja diariamente em autocarros”, lembra Lowry, e os “bens de compras online também serão cada vez mais entregues por veículos elétricos automatizados”.

    Joe Lowry prevê que o aumento da procura nos mercados de lítio terá sérias consequências geoestratégicas. Os conflitos armados não estão fora de questão. “Argentina e Chile continuarão a ser os dois principais players, com a Bolívia certamente a ter o seu crescimento também, mas o frenesim da produção de lítio vai-se espalhar por África.”

    Até agora, os chineses foram os únicos que os bolivianos deixaram entrar no seu grande projeto nacional. A Bolívia e a China mantêm relações amigáveis há muito tempo e o presidente socialista da Bolívia vê a abertura de uma porta para Pequim como um movimento anti-imperialista.

    salar de uyuni in Bolivia

    Nos últimos quinze anos, a China tem vindo a acumular concessões para a exploração de riquezas naturais por todo o terceiro mundo. A agilidade ideológica da China casou com a ganância descarada de muitos líderes latino-americanos e africanos. O impacto no meio ambiente desta investida chinesa não foi menos ruinoso do que o das corporações americanas e europeias.

    Em setembro de 2016, a China foi destinatária da primeira entrega de exportação de lítio da Bolívia. Uma remessa simbólica, de 15 toneladas de carbonato de lítio que, segundo as nossas fontes, foi vendida por 9.200 dólares por tonelada.

    Miguel Parra, diretor de produção da central de Llipi, diz-nos que cerca de 90% da produção de lítio é vendida para a China. Uma pequena quantidade é enviada para a Suécia, e o restante é entregue numa fábrica chinesa de baterias de lítio, em Potosi. Miguel Parra não prevê que a proporção da distribuição mude muito nos próximos anos.

    A parte central da Alemanha Oriental foi o centro mineiro da antiga República Democrática Alemã. A par do impacto da indústria química, séculos de mineração devastaram o meio ambiente e degradaram centenas de quilómetros quadrados de solo, que deixaram de poder ser utilizados para a produção de alimentos.

    Um bom quarto de século após a reunificação da Alemanha, a área em redor de Sondershausen, onde costumava operar a maior mina de sal do mundo, está quase deserta. Nas cidades e vilarejos da região vivem sobretudo idosos, muitos deles mineiros aposentados. As gerações mais jovens partiram para as grandes cidades ou para a Alemanha Ocidental. As aldeias desta zona, com as suas excursões organizadas às minas fechadas, emanam um bafo de nostalgia comunista.

    O local e o ambiente não poderia ser mais diferente dos Andes bolivianos. No entanto, os dois lugares têm algo em comum: à medida que as pessoas foram embora, a indústria das energias renováveis tomou conta deles, em grande estilo.

    black and white car door

    Intermináveis quilómetros quadrados de prados e lotes de fábricas abandonadas estão agora repletos de painéis solares. As turbinas eólicas tornaram-se um elemento omnipresente na paisagem.

    “Esta região está a viver uma revolução tecnológica, embora isso possa não ser óbvio a olho nu”, explica Heiner Marx na sede da empresa K-UTEC, em Sondershausen. Marx é diretor administrativo e proprietário maioritário da empresa que se considera herdeira do que, antes da queda do Muro de Berlim, era um dos maiores conglomerados de mineração e indústria química da Alemanha Oriental.

    Nesses tempos, empregavam 24.000 pessoas. Hoje – após a sua privatização em 1992, e a sua transformação em empresa pública em 2008 – a empresa tem apenas 100 trabalhadores, a maioria engenheiros e cientistas altamente qualificados. Em comum com o ex-gigante da mineração só mesmo a sua localização, e a tarefa de fechar aquela que chegou a ser a maior mina de potássio do mundo (o processo envolve o enchimento das gigantescas câmaras escavadas e que se estendem por quilómetros intermináveis, num submundo totalmente degradado).

    Atualmente, a K-UTEC é uma empresa que investiu em engenharia e no desenvolvimento de tecnologia de mineração e química, consolidando a sua presença no comércio global de carbonato de lítio.

    É a única empresa europeia a ter participado ativamente na pesquisa para a escavação e extração de carbonato de lítio dos Andes bolivianos. “Em 2012, as autoridades bolivianas iniciaram uma licitação pública para um parceiro de engenharia na área da pesquisa e produção de lítio. Decidimos candidatar-nos e acabámos por vencer”, explica Heiner Marx.

    Cinco anos depois, com o comércio global de lítio a aquecer, os projetos bolivianos estavam ainda muito atrasados. Apesar de todas as projeções otimistas e do crescimento do mercado global, quase não avançaram.

    “Os bolivianos pediram-nos ajuda e demos-lhes alguns conselhos. Em novembro de 2015, apresentámos ao presidente Evo Morales o plano de formação do pessoal-chave de engenharia. A Bolívia tem uma escassez crónica de quadros e, com a nossa proposta, o governo alemão arcaria com todas as despesas de educação. No entanto, até agora não recebemos resposta de La Paz. Acho isso muito difícil de explicar. Enquanto esperamos por uma palavra da Bolívia, estamos a tentar otimizar o processo de evaporação utilizado no Salar de Uyuni”, revela o empresário e cientista alemão.

    Depois de várias visitas aos Andes bolivianos, Heiner Marx acredita que a Bolívia precisaria de pelo menos cinco anos de preparação antes de poder transformar-se num grande player nos mercados globais de lítio.

    “É como se os bolivianos estivessem a tentar chegar à Lua ainda antes de construirem um foguetão”, ironiza o alemão, abanando a cabeça. “Para fazer qualquer coisa, vão precisar de pelo menos 700 a 1.000 pessoas altamente qualificadas no Salar de Uyuni. Concordo que é uma oportunidade maravilhosa para eles e por isso mesmo não deveriam desperdiçá-la! Aquela área não é apenas rica em lítio, não esqueçamos o magnésio e o potássio… O potencial é realmente incrível.”

    Quanto a preocupações ambientais com os avanços da extração de lítio no Salar de Uyuni, considera-as infundadas, no nível em que a Bolívia consegue atualmente trabalhar. “A produção está limitada à parte menor e ao sul do lago salgado e não exigirá grandes quantidades de água de outras indústrias. Pelo menos por enquanto.”

    A K-UTEC pretende continuar a desenvolver a tecnologia para a produção de carbonato de lítio, independentemente do que aconteça na Bolívia. A empresa já está presente em sessenta países diferentes, participando em praticamente todos os grandes projetos de lítio no mundo: incluindo na Austrália, atualmente o maior produtor no planeta, Estados Unidos, China, além da Argentina e Chile – ambos rivais diretos da Bolívia.

    O mundo avançou na direção da mobilidade elétrica e já não há volta atrás. Neste contexto, não pode haver progresso sem lítio. “É claro que também estão a ser desenvolvidas soluções alternativas. Mas vão ser precisos muitos anos até que o lítio venha, porventura, a ser destronado”, garante Marx.

    “O planeta tem lítio de sobra para responder às necessidades, principalmente se for levada em conta a possibilidade de reciclagem. O mais difícil é tirar os projetos do papel. Depois disso, fica tudo muito mais fácil. O processo de extração de carbonato de lítio precisa de ser otimizado e o custo tem de ser reduzido. Existe uma correlação direta com os preços dos carros elétricos, que ainda são proibitivamente altos. A infraestrutura necessária também é um problema – sobretudo no que diz respeito ao carregamento de baterias, que permanecem relativamente pesadas e não são assim tão eficientes. E depois temos também a questão da vontade política… A guerra pela sobrevivência dos ainda lucrativos projetos de combustíveis fósseis está sempre presente. Mas as fontes renováveis de energia vão acabar por prevalecer: na Europa, na China, nos Estados Unidos. Todos vamos ser forçados a aceitá-lo”, prevê o empresário alemão.

    Boštjan Videmšek com o fotógrafo Matjaž Krivic.

    Até porque a economia verde vai ser também um domínio dos gigantes globais da energia que até hoje lucraram com a produção de combustíveis fósseis. Há novos atores no mercado, mas o negócio vai continuar a ser controlado pelos “antigos senhores”. Tal como na indústria automobilística, mesmo em parceria com alguns fabricantes chineses e coreanos, serão as maiores empresas de hoje a dominar o mercado de carros elétricos amanhã.

    A maioria dos habitantes dos pueblos nas vizinhanças do Salar de Uyuni não conhece o projeto nacional que ali está em andamento. Isolados do resto do mundo, vivem num vácuo informativo quase perfeito. Da melhor forma que podem, cuidam das suas vidas humildes e despretensiosas. Cultivam quinoa e levam lamas a pastar, sendo a desumanidade das suas condições de vida apenas aliviada com grande resiliência e espírito positivo.

    “Vivemos a algumas centenas de metros do lago e a poucos quilómetros do local onde o lítio é produzido”, constata Luisa Flores de Laso, uma mulher tradicionalmente vestida, na sua pequena cozinha desarrumada. “Mas ninguém veio alguma vez dizer-nos o que estava a acontecer, nem o que a produção de lítio pode significar para nós. Definitivamente, não estamos ansiosos pelo sucesso da produção. Temos a certeza de que, como sempre, a população local não vai sair realmente beneficiada.”

    Esta alegre e robusta mulher de cinquenta anos costumava administrar um hotel na pobre Villa Candelaria. Agora, com o marido Eustácio, sobrevive com biscates na construção civil. Ambos temem o impacto da nova fábrica na população local, cuja sobrevivência depende quase inteiramente da agricultura.

    “Não vemos chuva há dois anos!”, dizem-me vários aldeões. “Isso custou-nos a safra de quinoa deste ano, cujo preço já está abaixo do que era há quatro anos. Os lamas também sofreram muito. A agricultura é tudo o que temos… Os jovens foram embora. O que será de nós se a produção de lítio poluir os nossos terrenos?”

    Os filhos de Luísa e Eustácio trabalharam algum tempo para a Comibol, no projeto de lítio. Para sermos mais precisos, foram contratados por uma das muitas empresas privadas subcontratadas pela empresa estatal. O mais velho dos irmãos ainda ganha a vida a preparar refeições para os funcionários da fábrica-piloto. O mais novo, soldador das sondas de perfuração, atirou a toalha ao chão há dois anos, desanimado com um ordenado inferior a 400 euros por mais de 12 horas de trabalho diário.

    “Os chineses pagam mais – 1.200 euros por mês”, explica Luisa Flores de Laso. “Mas não têm trabalho para os meus filhos, para mim ou para o meu marido. Só estão interessados em ‘especialistas’.”

    Eustácio, de 51 anos, explica que no início não se opunha à produção de lítio e defendia que os moradores deveriam ser envolvidos no projeto e ter ali trabalho na construção e na manutenção da fábrica.

    “Percebo bem a necessidade de especialistas!”, diz agora, com veemência. “Mas poucos podem ser encontrados neste lugar triste e abandonado por Deus. Há muito trabalho manual para ser feito, e os locais deviam ser os únicos a fazê-lo. Também acho que os representantes da empresa deveriam vir aqui e explicar-nos os riscos ambientais da produção de lítio.”

    Eustácio Laso conta que pessoal da Comibol já esteve em Villa Candelaria – mas com o único objetivo de levar a sua água. “Vieram aqui há seis meses e disseram-nos que precisavam de água para a fábrica. Fizeram alguns testes e informaram-nos que estavam prontos para começar a bombeá-la. Bem dissemos que mal temos água suficiente para nós… Mas não quiseram saber. Responderam que a água não era nossa, mas do Estado.”

    Eustácio cerra os punhos com indignação. “Se perdemos a água, perdemos tudo! Podemos ser forçados a deixar as nossas casas. Não podemos permitir que isso aconteça!”

    A charmosa vila de Colcha-K é a capital da província de Nor Lipez, no sul do Salar de Uyuni. É também a sede local da produção de carbonato de lítio.

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    Se tudo correr como planeado, em poucos anos o dormente pueblo de hoje irá transformar-se numa espécie de Dubai ou Doha, numa versão mais pequena e menos ostensiva. Passeando pelas suas ruas de pedra, cumprimentando estudantes e velhos pacatos, é difícil imaginá-lo. No entanto, “o combustível do futuro” vai deixar marcas indeléveis no desenvolvimento de toda a região.

    Atualmente, destacam-se três lugares na pitoresca vila, localizada perto de uma importante base militar: a igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, o campo de futebol com relvado artificial e a sede do governo regional – o maior e mais brilhante edifício num raio de 100 quilómetros. O gigantesco prédio do governo é encimado pela estátua de um flamingo, celebrando o pássaro místico de pescoço comprido que tradicionalmente passa vários meses por ano no Salar de Uyuni. Mas desde que começaram as grandes obras no lago, a presença das emblemáticas aves cor-de-rosa na região sofreu uma queda alarmante.

    “Até os pássaros perderam a sensação de paz!”, desabafa um dos moradores, revoltado. Mas este é apenas um prenúncio do que está por vir.

    “Olhamos para o lago e ficamos com medo”, diz Grover Baptista Ali, secretário-geral da província de Nor Lipez. “Vemos todas as escavações e perfurações, camiões por todo o lado… e a beleza de Salar a perder-se, a ficar irreconhecível.”

    Como membro do partido da oposição, o escritório de Baptista Ali – diferente de quase todos os outros onde entrei na Bolívia – está totalmente despido da parafernália de Evo Morales. É tão raro que salta à vista. Através de todas as espécies possíveis de bustos, retratos, posters, grafittis e outros subgéneros da arte de rua, o impetuoso presidente socialista está omnipresente em todo o lado. Afinal, é este o homem que vaticinou um novo amanhecer para toda a América Latina. No entanto, doze anos depois, os primeiros raios de sol só alcançaram ainda alguns (poucos) afortunados.

    O partido de oposição de Baptista Ali detém o poder na região de Nor Lipez. “Nem me passa pela cabeça contestar que o lítio representa uma grande oportunidade para toda a economia boliviana. É uma oportunidade que não podemos perder. Mas não devemos deixar que o governo de La Paz roube todos os lucros. As receitas do lítio devem ser distribuídas igualmente, como as receitas geradas pela produção de chumbo e zinco nas proximidades de San Cristobal. De acordo com a lei, a comunidade local tem direito a uma percentagem de quinze por cento. O resto vai para o governo regional de Potosí e, claro, para as autoridades centrais, e dez por cento devem ser reservados para limpeza ambiental. Em 2016, a Bolívia faturou cerca de 1,2 milhão de euros com as vendas de lítio. E nós aqui não vimos nem um único centavo! Nem um centavo!”

    Baptista Ali expressa de forma veemente a sua opinião: em suma, que o projeto de produção de lítio tem sido, até agora, apenas um dreno para a região.

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    É difícil ignorar a sensação de que o jovem político fala de forma muito menos entusiasta sobre as consequências ambientais da exploração de lítio do que sobre todas as receitas ainda não direcionadas para a comunidade de Colcha-K. Mas isso não é imperdoável – a região permanece escandalosamente subdesenvolvida e como poderia, certamente, utilizar essas verbas para construir escolas, hospitais, estradas e outras infraestruturas básicas.

    “Assim não temos motivos para nos entusiasmarmos com o lítio… Estas novas empresas têm pouca necessidade do nosso pessoal, estão interessadas quase exclusivamente em especialistas. Então porque que não investir num instituto especial, onde a população pudesse ser formada para trabalhar nas fábricas de carbonato de lítio? Por que não abrir uma ‘zona industrial’ diferente? Precisamos de dar um passo à frente! Somos totalmente dependentes da agricultura e do turismo. A nossa agricultura precisa de água, e há cada vez menos, a cada ano que passa. A região está a secar rapidamente por causa das alterações climáticas. Produzimos cada vez menos quinoa, e outros fatores também fizeram com que o seu preço caísse. O mesmo vale para os lamas”, explica o secretário-geral.

    Como praticamente todos com quem conversei, Baptista Ali é peremptório: a água é absolutamente chave em tudo.

    “Já deveria ter soado algum tipo de alarme”, diz. “A fábrica de Llipi está a entrar no Rio Grande, que praticamente já secou. A água que resta está completamente poluída. Mal ouso imaginar o que pode acontecer quando o projeto for ampliado.”

    A cada três meses, as autoridades locais recebem um relatório da empresa estatal de produção de lítio. “Informam-nos sobre o que estão a fazer e como isso está a impactar o meio ambiente. Mas é mais ou menos uma formalidade burocrática, desprovida de qualquer significado real. Eu espero que, no final, toda a Bolívia possa lucrar com isto – mas tenho muito medo que a história se repita novamente. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para evitar que isso aconteça. Em breve, os 45 representantes do governo local da região do Salar de Uyuni vão reunir-se. Depois de nos organizarmos, vamos direto para La Paz!”

    Nem todos se sentem deixados para trás pelo governo central. A pouco menos de dez quilómetros da fábrica de Llipi fica a pequena cidade de Rio Grande, que vive um verdadeiro florescimento – se é que esse termo pode ser aplicado ao local frio e basicamente acimentado que serve de posto avançado para camionistas.

    Rio Grande tem aproximadamente 650 moradores e 500 camiões. Muitas das famílias locais possuem dois camiões, que é o limite legal. Praticamente todos os homens adultos da aldeia conduzem pesados. Unidos sob a bandeira da cooperativa local DELTA Rio Grande, estão a colaborar com a Comibol.

    three vehicles during daytime

    Tudo nesta cidade estranhamente monótona e estéril – na verdade, pouco mais que um enorme estacionamento para camiões – é adaptado às necessidades da produção de lítio. O único estabelecimento que oferece hospedagem aos visitantes chama-se “The Lithium Hostel”.

    Juan Carlos Ali, 44 anos, é um dos 250 camionistas que passaram os últimos cinco anos a transportar “ouro branco” para o governo. Até 2015, o seu trabalho consistia basicamente no transporte de material de construção e terra. Depois a Comibol começou a cavar piscinas de evaporação… e o futuro começou a parecer ainda mais brilhante para os condutores.

    “Estou a dar-me bem, muito bem”, diz o robusto e atarracado Juan Carlos, ao lado da sua camioneta azulada e ferrugenta. “Estou a ganhar mais dinheiro do que em qualquer outro lugar. Há muito trabalho para os camionistas aqui. E os turnos são distribuídos de forma justa entre nós. A cooperativa está a cuidar bem das nossas necessidades. Se fosse com uma empresa privada, as coisas seriam diferentes.”

    Perguntei ao homem bem-disposto e falador se percebia o quão importante o lítio poderia tornar-se para a sua terra natal. Mas Juan Carlos apenas balançou a cabeça, sem vontade de responder. “Eu não sei nada sobre isso. Só sei que a fábrica de Rio Grande é uma verdadeira benção. Enquanto os trabalhos continuarem a dar de comer a quem aqui vive, por mim está tudo bem. Só espero que as coisas venham a ser assim nas outras cidades e vilas por todo o Salar.”

    O sol flamejante põe-se lentamente sobre as maiores salinas do mundo. Vastas e negras sombras, de aparência ameaçadora, descem sobre o chão branco resplandecente. Um vento gelado começa a ganhar força, cortando até ao osso.

    “A nossa derrota esteve sempre implícita na vitória dos outros; a nossa riqueza sempre gerou a nossa pobreza ao nutrir a prosperidade de outros impérios. Na alquimia colonial e neocolonial, o ouro transforma-se em sucata e a comida em veneno.”

    As palavras do grande escritor uruguaio Eduardo Galeano, descrevem o que tem acontecido ao seu continente, no livro América Latina: Cinco Séculos de Pilhagem”.

    Como será o Salar de Uyuni daqui a cinco anos? O que irá o “ouro branco” fazer da Bolívia?

  • Indiferente a polémicas, “Sound of Freedom” já facturou mais de 100 milhões de dólares

    Indiferente a polémicas, “Sound of Freedom” já facturou mais de 100 milhões de dólares

    Ainda sem data para estrear em Portugal, nos cinemas nos Estados Unidos o filme independente “Sound of Freedom” ultrapassou, em apenas três semanas, os 100 milhões de dólares de receita nas bilheteiras. Inspirado em acontecimentos reais, sobre o resgate de crianças vítimas de redes de tráfico sexual de menores, o filme foi bem recebido pela crítica e em vendas de bilhetes tem estado sempre no Top 3 dos mais vistos nos cinemas norte-americanos em Julho, rivalizando com filmes como a última sequela de “Indiana Jones”. O sucesso do filme contrasta com notícias negativas publicadas por alguma imprensa mainstream que, ainda assim, não travam este verdadeiro blockbuster de Verão. Sérgio Saruga, da distribuidora Pris Audiovisuais, diz que “há filmes mais polémicos na Netflix” e não exclui que pode vir a conseguir ter o filme em exibição em Portugal. Paulo Trancoso, presidente da Academia Portuguesa de Cinema, apela a que o filme seja visto como um filme, “despido” de polémicas.


    É um caso de sucesso de bilheteira nos Estados Unidos e rapidamente se tornou no filme sensação do Verão no país. Em apenas três semanas, “Sound of Freedom” , um filme baseado em eventos reais e protagonizado pelo actor Jim Caviezel, alcançou os 100 milhões de dólares de receita nas bilheteiras.

    Concluído em 2018, o filme foi colocado na prateleira pela Walt Disney Studios e acabou por ser comprado pela Angel Studios, uma distribuidora de filmes independente e plataforma de streaming que é orientada para conteúdos baseados na fé. Viu a luz do dia no dia 4 de Julho, data em que estreou no grande ecrã nos Estados Unidos.

    Apesar do seu orçamento de 14,5 milhões de dólares, o filme tem estado sempre no Top 3 dos filmes mais vistos nas salas de cinema do país rivalizando com filmes como a mais recente sequela de “Indiana Jones“, dos estúdios Disney.

    Uma cena do filme “Sound of Freedom”, com o actor Jim Caviezel como principal protagonista.

    O filme chegou a 3.285 salas de cinema, menos do que as 4.600 em que é exibido “Indiana Jones e o marcador do destino”. Mas, ao contrário do novo filme da saga “Indiana Jones”, o filme “Sound of Freedom” ainda não pode ser visto no grande ecrã em Portugal.

    A distribuidora Angel Studios adquiriu os direitos mundiais do filme e é provável que vá disponibilizar “Sound of Freedom” na sua plataforma de streaming.

    Em Portugal, a NOS indicou ao PÁGINA UM que não vai ter o filme em exibição nas suas salas. Segundo uma porta-voz da NOS, o filme não consta na sua lista de estreias, “para já até ao final do ano”.  Também a UCI não tem agendada a exibição do filme nas salas em Portugal.

    Cartaz a anunciar o filme que estreou no dia 4 de Julho nos cinemas nos Estados Unidos.

    Mas ainda há esperança para os cinéfilos portugueses que desejam assistir ao filme no grande ecrã. Um dos distribuidores de filmes em Portugal, a Pris Audiovisuais, não desistiu de trazer “Sound of Freedom” para ser exibido no país.

    Segundo Sérgio Saruga, da Pris Audiovisuais, as negociações para trazer o filme para Portugal ainda podem chegar a bom porto. Saruga indicou ao PÁGINA UM que “o filme ainda não tem distribuidor em Portugal mas os seus resultados nos Estados Unidos são bastante bons”, admitindo a possibilidade de vir a distribuir a película no país.

    Realizado e co-escrito por Alejandro Monteverde, “Sound of Freedom” relata a história verídica do agente Tim Ballard, que fundou a organização de combate ao tráfico sexual Operation Underground Railroad.

    O filme pertencia à 20th Century Fox mas esta foi comprada pela Disney, que acabou por colocar o filme na prateleira.

    Monteverde afirmou em entrevista que o adiamento até foi uma benção. “Para mim, este é o timing perfeito”, disse à Bounding Into Comics. “Eu acredito que se este filme saísse mais cedo, eu não acho que o público estava pronto. Neste momento, infelizmente, há publicidade para este filme, mas do lado errado. Todos os dias há estas atrocidades a acontecer nos noticiários por todo o lado. Crianças traficadas. Abusaram sexualmente de crianças por todo o lado.”

    Paulo Trancoso, presidente da Academia Portuguesa de Cinema, realçou que o filme “criou alguma expectativa”. “O filme vem bem classificado pela crítica e no IMDb tem uma classificação de 80%, o que é muitíssima qualidade, thriller bem feito”.

    A actriz Mira Sorvino numa cena do filme.

    Apesar de ter muito boas críticas e do sucesso de bilheteira, “Sound of Freedom” tem sido alvo de notícias negativas em alguma imprensa mainstream, como o The Guardian, que têm tentado colar o filme à direita e aos conservadores norte-americanos e ao fenómeno conspirativo QAnon – ligado a seguidores do ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Entre os argumentos lidos em notícias negativas estão declarações públicas controversas de Caviezel.

    As notícias negativas surgem num contexto crescente da grande divisão que se assiste nos Estados Unidos, a que a imprensa mainstream não escapa, em que a generalidade dos temas são “arrumados” em “esquerda-direita”, “democratas-conservadores”.

    Sérgio Saruga, da Pris Audiovisuais, que assistiu a “Sound of Freedom”, “em Cannes, num circuito paralelo” disse que “há filmes bem mais polémicos na Netflix”. “Vejo que o filme pode ser mais polémico em outros países do que em Portugal”, adiantou.

    Paulo Trancoso destacou que, nos Estados Unidos, “estamos a falar de um país e uma sociedade divididos ao meio, em termos políticos”. Neste caso, disse, essa divisão acaba por “ajudar à notoriedade do filme”. Mas Paulo Trancoso defendeu que “o filme deve ser despido para ser visto como um filme de entretenimento”. “Tem que ser visto como um filme”, frisou.

    Certo é que, o público tem recebido bem o filme e, apesar das notícias negativas de alguma imprensa mainstream, as receitas deste blockbuster de Verão não param de crescer.

    E, numa sociedade norte-americana profundamente dividida ideologicamente, este filme independente arrisca não só acumular mais ganhos financeiros, como também tornar-se um exemplo de quão profunda se tornou a divisão na sociedade norte-americana, quando até um filme anti-tráfico sexual de crianças é visto como apenas mais um alimento para reforçar essa divisão.

  • Promiscuidades com farmacêuticas: Filipe Froes está a um mês de beneficiar de prescrição

    Promiscuidades com farmacêuticas: Filipe Froes está a um mês de beneficiar de prescrição

    Falta apenas um mês para o pneumologista Filipe Froes se livrar de um castigo pelas suas ligações alegadamente à margem da lei com as farmacêuticas. Apesar de todas as evidências e proveitos mensais acima dos 4.000 euros, um dos “rostos da pandemia” está quase a ver o seu processo disciplinar arquivado por prescrição, sob a forma de “veto de gaveta”. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) começou por investigar Froes em Setembro de 2021, e decidiu em Fevereiro do ano passado instaurar-lhe um procedimento disciplinar. Mas, aparentemente, tudo serviu afinal para colocar um manto de esquecimento e segredo. Ao fim de 17 meses, nem sequer se concluiu a fase de instrução, e a prescrição está a caminho. Sem castigo. O inspector-geral da IGAS não dá explicações, mas o PÁGINA UM continua a lutar nos tribunais para conhecer os meandros desta (muito) provável prescrição.


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) não concluiu ainda sequer a fase de instrução do procedimento disciplinar contra o pneumologista Filipe Froes, que se iniciou em 19 de Fevereiro do ano passado, e que, por isso, deverá manter-se secreto, incluindo o relatório de averiguações que o antecedeu. Esta é a decisão de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa à intimação colocada pelo PÁGINA UM para a aceder, pelo menos, ao relatório de averiguações que decorreu entre Setembro de 2021 e Fevereiro de 2022.

    A consequência imediata será a prescrição no próximo dia 19 de Agosto deste processo, e o respectivo arquivamento sem qualquer penalização para um dos “rostos públicos” da luta contra a covid-19, mas também um dos médicos com maiores e mais promíscuas ligações comerciais com as farmacêuticas, muitas das quais com chorudos negócios associados à pandemia.

    Filipe Froes (ao centro) foi mandatário da candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda), actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    Na base da instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes estiveram, e estão, as suas relações com a indústria farmacêutica, que mereceram em Setembro de 2021 um processo formal de averiguações por parte da IGAS, então revelado pelos semanários O Novo e Expresso, por fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades nas parcerias entre farmacêuticas e aquele pneumologista.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia.

    Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e é ainda consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia. Foi também mandatário da lista de Carlos Cortes, o actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    Froes foi também um grande promotor do uso e da compra pelo Estado de antivirais e anticorpos monoclonais, como o molnupiravir, da Merck Sharp & Dohme, recentemente retirado do mercado por se ter confirmado que afinal era completamente ineficaz.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde, instarou um processo disciplinar depois de um relatório que detectou ilegalidades contra Filipe Froes. Mas aparentemente “engavetou” o processo, porque ao fim de 17 meses nem sequer se concluiu a fase de instrução. Tudo prescreve daqui a um mês.

    Este ano, também se soube que Filipe Froes recebeu 750 euros da farmacêutica da AstraZeneca apenas por ter participado na sessão de lançamento do Evusheld, um fármaco constituído por anticorpos monoclonais que até foram suspensos pela Food and Drug Administration (FDA).

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já ultrapassou largamente os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. No ano passado também ultrapassou a fasquia dos 4.000 euros por mês.

    Este ano, Froes continua a facturar. Em consulta ao Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed verifica-se que foram contabilizados 25.194 euros de apoios e honorários na sua conta bancária ou na da sua empresa (Terras & Froes) provenientes de quatro farmacêuticas, com destaque para a Merck Sharp & Dohme (12.341 euros) e a AstraZeneca (10.475 euros). Ou seja, uma média mensal também superior a 4.000 euros.

    Sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, deste mês, considera que processo disciplinar contra Filipe Froes, e o processo de averiguações, são documentos administrativos mas que se mantêm secretos até á conclusão ou arquivamento. Prescrição ocorre daqui a um mês.

    Convém salientar que o Infarmed não faz, por rotina, qualquer tipo de fiscalização destes registos, pelo que se mostra fácil receber dinheiro e outras ofertas de farmacêuticas sem declaração no Portal da Transparência, como aliás fez o antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.

    Sabendo-se que o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o PÁGINA UM requereu à IGAS a consulta de um vasto conjunto de processos disciplinares ainda em 2022, o que foi inicialmente recusado.

    Em finais de Outubro do ano passado, o PÁGINA UM chegou a obter uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a várias dezenas de processos intentados nos últimos anos pelo IGAS, mas, ao contrário do expectável, não estava ainda incluído qualquer documento referente a Filipe Froes.

    Mais tarde, em finais de Novembro, a IGAS acabou por revelar ao PÁGINA UM que o processo de averiguações sobre Filipe Froes, que fora conhecido desde Setembro de 2021, tinha resultado num processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022, por determinação do inspector-geral Carlos Carapeto.

    Quando se concluiu um ano desde a conclusão do processo de averiguações, o PÁGINA UM solicitou uma cópia, mas a IGAS informou que estaria integrado no processo disciplinar, dando-se assim uma aura de secretismo. Mas, a ser verdade, esse secretismo só se manteria, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, até à conclusão da fase de instrução.

    Na sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, conhecida este mês, o juiz Nuno Domingues considera que, embora “a informação em causa tem natureza administrativa, todavia, resulta dos autos que essa mesma informação ocorre em momento prévio à instauração do Proc. N.º 1/2022-INQ e afigura-se ao tribunal que está em conexão com a posterior instauração do procedimento disciplinar, na medida em que a informação reporta-se a processo de esclarecimento que tem clara repercussão e conexão na instauração do procedimento disciplinar”.

    Nessa medida, adianta o magistrado que “não podendo os dois procedimentos ser indissociáveis” e que “ainda não foi proferido despacho de acusação (ou de arquivamento)”, conclui que o PÁGINA UM não tem ainda direito de consulta.

    O juiz, porém, nem sequer estranhou que ao fim de quase 17 meses não houvesse sequer despacho de acusação ou de arquivamento – o que tornaria públicos os documentos –, sabendo-se que o Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas determina a prescrição ao fim de 18 meses.

    Contudo, o juiz que analisou a intimação do PÁGINA UM nem sequer pediu um comprovativo da veracidade das declarações do Ministério da Saúde nem sequer determinou a obrigatoriedade de ser disponibilizada a totalidade da documentação relativa ao processo de Filipe Froes a partir de 19 de Agosto, data em que tudo prescreverá ou terá de estar concluído.

    Defesa da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, que mantém o processo disciplinar contra Filipe Froes até à prescrição, foi assumida pelo Ministério da Saúde.

    Por esse motivo, o PÁGINA UM recorreu hoje mesmo para o Tribunal Central Administrativo Sul para que considere nula a sentença do juiz Nuno Domingues. Independentemente da decisão do recurso, o PÁGINA UM não desistirá de conhecer os contornos de um processo disciplinar que, tudo indica, foi “engavetado” para manter sob segredo – e sem castigo algum – as relações comerciais entre farmacêuticas e Filipe Froes.

    O PÁGINA UM pediu, na semana passada, esclarecimentos a Carlos Carapeto, inspector-geral da IGAS, sobre a iminência da prescrição, e dos motivos para tamanha demora na conclusão da fase de instrução. Foi também perguntado “se houve qualquer pressão governamental, política, empresarial ou de outra natureza (mesmo que válida e legal) para evitar o desenrolar normal do referido procedimento disciplinar até que fosse, como certamente sucederá, arquivado por prescrição” o procedimento disciplinar a Filipe Froes. Não se obteve qualquer reacção.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.