Categoria: Sociedade

  • 29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    29 meses após um arrogante ‘não’, presidente do IST vai ter de mostrar 51 ‘esboços embrionários que consubstanciam meros ensaios para eventuais relatórios’ sobre a pandemia

    Num país onde há cientistas que, por ocuparem uma cátedra, ‘falam de cátedra’ sem humildade científica, um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul veio dar este mês uma lição ao presidente do Instituto Superior Técnico (IST). Após Rogério Colaço ter recusado divulgar, de forma arrogante, relatórios sobre a situação epidemiológica da covid-19 no Verão de 2022, uma luta judicial do PÁGINA UM ao longo de quase 30 meses teve finalmente um desfecho: o IST vai ter o mesmo de revelar o conteúdo integral de 52 relatórios, elaborados em parceria com a Ordem dos Médicos, que ‘ajudaram’ a prolongar o estado de pânico durante a segunda metade da pandemia. O PÁGINA UM já conseguira em primeira instância que o IST cedesse o último relatório (nº 52) que, com base em estimativas enviesadas e especulações de escasso rigor e transparência, atribuíra centenas de mortes às festas populares e aos festivais de música no Verão de 2022. Com episódios caricatos e pouco edificantes para a academia, o IST chegou a dizer que não elaborara qualquer relatório mas sim “um esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório’. Agora, tem de mostrar mais 51, mesmo se mantiver a espúria tese dos “esboço embrionário”.


    Senhor Pedro Vieira,

    O sr André Pires [do gabinete de comunicação] respondeu exatamente de acordo com as instruções dadas por mim. O pedido formal ao presidente do IST está respondido e a resposta é negativa.

    Rogerio Colaço

    Presidente do IST

    Foi desta forma, seca e arrogante, enviado pelo Galaxy pessoal às 12 horas e 19 minutos do dia 30 de Julho de 2022, que o catedrático Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico (IST), recusou ceder ao PÁGINA UM a cópia de um relatório de investigadores desta (suposta) prestigiada instituição universitária pública de Portugal sobre a situação epidemiológica da pandemia. Em pleno Verão do terceiro ano da pandemia causada pelo SARS-CoV-2, estando um curso um alívio significativo das medidas restritivas, incluindo a ‘retoma’ de festividades, mas havendo muitos ‘especialistas’ a desejarem manter níveis de pânico elevado, o IST fizera divulgar, através da agência Lusa, um relatório ‘bombástico’ que concluíra que as festas populares e festivais de música em Lisboa tinham estado “na origem de 340 mil casos de covid-19” que teriam causado “a morte de 790 pessoas”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os relatórios em 2022. Vai ter de ceder por ordem do tribunal.

    Mas quando o PÁGINA UM pediu a um dos autores desse estudo, Henrique Oliveira, que mostrasse o relatório escrito e o ficheiro de dados que o suportava, as portas fecharam-se. Este relatório inseria-se num parceria entre o IST e a Ordem dos Médicos que se terá iniciado em Julho de 2021, com pompa e circunstância: Rogério Colaço e Henrique Oliveira, por parte da instituição universitária, e Miguel Guimarães e Filipe Froes, por parte da associação profissional de clínicos, tinham até promovido uma conferência de imprensa, apresentando um novo indicador de avaliação do estado da pandemia, supostamente melhor do que as da Direcção-Geral da Saúde, por ser “uma ferramenta que resulta de um trabalho colaborativo”, desenvolvida através da “agregação de competências”. Nesse momento, Filipe Froes orgulhava-se por ter participado numa “equipa coordenada pelo Dr. Miguel Guimarães”, então bastonário da Ordem dos Médicos, cuja associação com o IST “abrir[a] as portas do futuro para parcerias e sinergias (…) em que todos somos vencedores”.

    Porém, na hora da verdade, “as portas do futuro”, e do suposto conhecimento científico – que deve ser confrontado – fecharam-se. E começaram a surgir as mais estapafúrdias desculpas numa triste novela pouco edificante para uma universidade pública.

    Quando o PÁGINA UM apresentou uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa para obrigar o IST a fazer aquilo que deveria ter sido feito de forma natural, a instituição liderada por Rogério Colaço ‘inovou’ pelo absurdo: considerou, em finais de Setembro de 2022, que aquilo que fora divulgado seria “um esboço embrionário, que consubstancia[va] um mero ensaio para um eventual relatório”. A intenção era clara: querer convencer o tribunal a não se aplicar a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Pouco mais tarde, ainda em sede de processo de intimação, o IST diria que nunca negara “ter elaborado um ensaio, apenas afirm[ara] que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E acrescentava que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas.”

    A Lusa noticiou, em 28 de Julho de 2022, as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o suposto impacte das festividades em Junho desse ano na transmissão e mortes por covid-19. A instituição universitária, que faz Ciência, quis convencer o Tribunal Administrativo de que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”.

    Em resposta, neste jogo do gato e do rato, a juíza de primeira instância exigiu, em Novembro desse ano, que o IST lhe enviasse o documento em envelope lacrado que considerava “um esboço embrionário” para apurar se era um “esboço” ou uma desculpa esfarrapada. Mesmo perante esta suprema humilhação – uma instituição universitária a ver-se forçada a mostrar se andava a mentir ao tribunal –, o IST continuou perseverou: em vez de enviar o original, remeteu uma cópia com “anotações manuscritas a lápis”, em mais uma vã tentativa de ver o relatório considerado um “esboço”. Somente com uma nova entrega revelou então que se estava perante 52 relatórios, com o último a ser aquele que se referia às festividades.  

    Finalmente, em Janeiro de 2023, o Tribunal Administrativo de Lisboa tomou uma decisão, mas para grande surpresa, apesar de ter concedido o direito de o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório 52, a sentença não se pronunciou sobre os outros 51 relatórios nem sobre os ficheiros de dados. O IST acabou por enviar o Relatório 52, que seria ‘esmiuçado’ pelo PÁGINA UM em Fevereiro do ano passado. Esta semana, aproveitando as evoluções tecnológicas, o PÁGINA UM usou o ChatGPT para uma análise ao Relatório 52 com base em critérios de “rigor académico, transparência, clareza e impacte científico”, elaborada “de forma isenta e detalhada”.

    Numa análise de três páginas, o ChatGPT atribuiu uma avaliação de 12 (em 20) à equipa de investigadores do IST, coordenada pelo catedrático Rogério Colaço, e salienta que “o Relatório Rápido nº 52 […] é um documento tecnicamente competente, mas apresenta falhas significativas que comprometem a sua utilidade como ferramenta de apoio à decisão”, acrescentando que “a falta de transparência nos dados e metodologias, combinada com mensagens contraditórias, reduz a sua credibilidade e impacto académico”. E sugere recomendações como seja “detalhar as metodologias utilizadas, especialmente para estimativas contrafactuais; publicar os dados brutos e aumentar a transparência das fontes; incluir variáveis adicionais e explorar contextos sociais e económicos mais amplos; [e] garantir maior consistência na comunicação para evitar mensagens ambíguas”.

    Rogério Colaço, cidadão português nascido em Soure em Junho de 1968, conjunturalmente presidente do Instituto Superior Técnico, vai ter de entregar 51 relatórios elaborados por uma instituição universitária pública, ao cidadão Pedro Almeida Vieira, nascido em Coimbra em Novembro de 1969, conjunturalmente director do jornal PÁGINA UM.

    Tanto o PÁGINA UM como o IST – que ainda tentou ‘sacar’ do tribunal a cópia que enviara em envelope selada – recorreram da sentença, por razões diferentes. Apesar de ter entregado o último relatório, o IST argumentou junto do Tribunal Central Administrativo do Sul que a sentença estava errada, enquanto o PÁGINA UM alegava que a juíza Telma Nogueira erradamente não se pronunciara sobre os outros 51 relatórios – que também deveriam ser disponibilizados – nem sobre os ficheiros com os dados.

    E é sobre este recurso que o Tribunal Central Administrativo do Sul veio agora pronunciar-se, mais de dois anos e cinco meses depois do pedido inicial do PÁGINA UM, através de um histórico acórdão.

    Apesar de o IST, em sede de contra-alegação, ter chegado a defender que ficara “apenas provada [na primeira sentença] a existência do relatório intitulado Relatório Rápido n.º 52, não se provando a existência de outros elementos”, e que “cabia ao recorrido [PÁGINA UM] fazer prova da existência dos restantes relatórios, assim como, dos alegados ficheiros informáticos com dados numéricos”, os desembargadores Marcelo Mendonça, Ilda Côco e Ana Lameira consideraram o óbvio. “Não é difícil perceber que, tendo sido elaborado pelo Recorrido público [IST] o relatório n.º 52 sobre a avaliação epidemiológica da covid-19, a ordem numérica, cronológica e lógica das coisas impele-nos a concluir que terão de existir 51 relatórios antecedentes vindos da safra do Recorrido público”, salientam.

    Os desembargadores consideraram também que “um relatório sobre a avaliação epidemiológica da covid-19 que surge depois de um trabalho prévio de análise, estudo ou tratamento de dados coligidos segundo uma determinada metodologia, a partir de um sítio da internet de acesso público (da Direcção Geral da Saúde), em que se utilizou um determinado programa de análise matemática, nada tem de esboço ou de rudimentar, pois que, atentas tais características, o conteúdo ou a informação escrita que daí emerja já não pode ser encarada como um mero rascunho”.

    O Relatório Rápido nº 52 do IST assegurava que que houvera um aumento das infecções com as festividades populares no Verão de 2022, mas tal não sucedeu. O relatório divulgado pela Lusa em finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, o IST recusou essa validação externa. As festas populares em Lisboa no Verão de 2022 tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de SARs-CoV-2 regrediram face a Maio.

    E acrescentam ainda os desembargadores que mesmo que esses documentos contenham “ainda estimativas, cujas respectivas conclusões e resultados extraídos ainda carecem de análise e confirmação”, são sempre documentos administrativo, pois “se de um relatório se trata, algum conteúdo útil há de abordar e relatar, ainda que preliminarmente, não se admitindo que essa eventual provisoriedade seja motivo para negar o acesso ao conteúdo ou informação escrita já existente”. E concluem ainda que, mesmo se se estivesse perante direitos de propriedade intelectual ou segredo relativo à propriedade intelectual, “o princípio vigente é o da acessibilidade”.

    Em todo o caso, o acórdão considerou que o IST não está obrigado a facultar os ficheiros informáticos usados para a elaboração dos relatórios – e necessários para efeitos de replicação dos resultados, como se mostra necessário em Ciência –, uma vez que os desembargadores consideraram que o PÁGINA UM fez um pedido “vago, genérico e indeterminável, porque desprovido de informação concreta que melhor especifique, por exemplo, a origem, a índole, o hiato temporal, a autoria ou o local específico de arquivo electrónico donde possam ser extraídos tais elementos”.

    Saliente-se que, sem desprimor da decisão do Tribunal Central Administrativo do Sul, o pedido sobre os ficheiros era não apenas exacto como óbvio em ciências exactas: um relatório com resultados de modelos quantitativos avançados tem sempre subjacente um ficheiro de dados numéricos. Ou seja, para cada relatório existirá necessariamente um ficheiro de dados numéricos. Mas o óbvio em ciências exactas não é, aparentemente, o óbvio em ciências jurídicas.

    woman, face mask, covid-19

    Agora, o IST está intimado a facultar, no prazo de 10 dias, que terminará nos primeiros dias de 2025, os 51 relatórios em falta. Se assim desejar pode fazê-los acompanhar, voluntariamente, dos ficheiros numéricos para eventual replicação dos relatórios. Se não incluir esses ficheiros numéricos, então reforçam-se as ‘críticas’ da análise crítica do ChatGPT que sustenta a “falta de transparência” do Relatório nº 52, uma vez que, entre outros aspectos, “Não são apresentados os dados brutos utilizados para calcular os indicadores e fazer previsões, dificultando a replicação dos resultados”.

    Note-se que esta luta judicial do PÁGINA UM implicou, além de desmesurado tempo, o pagamento de taxas de justiça próximo de mil euros, tendo contado com o apoio dos leitores através do FUNDO JURÍDICO. Quando os relatórios do IST forem finalmente entregues, o PÁGINA UM vai divulgá-los na íntegra e pedirá uma análise do seu rigor por parte do Conselho Científico daquela instituição que integra a Universidade de Lisboa.


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  • ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    ‘Comprador misterioso’ de pintura de Paula Rego é a autarquia de Cascais, através da Fundação D. Luís I

    Num mercado de arte bastante competitivo, as pinturas de Paula Rego, mesmo as de menores dimensões, não são nada baratas, até pela raridade com que surgem em leilões. No mês passado, um pequeno quadro em pastel sobre papel, inspirado no conto do Capuchinho Vermelho, foi arrematado por 293 mil euros, incluindo comissões, mas a leiloeira infomou então que o comprador era um “cliente português que pediu para manter o anonimato”. Sabe-se agora que, afinal, a aquisição foi feita pela Fundação D. Luís I, pertencente à autarquia de Cascais. que é o seu principal ‘mecenas’. Mas há agora outro mistério: de acordo com o contrato, o negócio entre a fundação e a leiloeira somente começou a tomar forma cerca de duas semanas após o leilão, e o contrato acabou assinado só na semana passada.


    A Fundação D. Luís I – entidade da autarquia de Cascais responsável pela gestão dos espaços do município – é o ‘comprador misterioso’ de uma obras mais emblemáticas da série ‘Capuchinho Vermelho’, de Paula Rego, que foi vendido em leilão no passado dia 14 de Novembro.

    Intitulada originalmente intitulada “Mother wears the wolf’s pelt” (“A mãe a usar a pele do lobo”), a leiloeira Veritas Art Auctioneers revelara apenas que o quadro de Paulo Rego – um quadro em pastel sobre papel de 84 por 67 centímetros – tinha sido adquirido por um “cliente português que pediu para manter o anonimato“, de acordo com a Lusa. A estimativa de preço situava-se entre os 180 mil e os 250 mil euros, tendo o quadro sido arrematado por 240 mil euros (valor do martelo), o que resultou num preço final de 293.136 euros, atendendo à comissão da leiloeira de 18% e ao IVA sobre esta parcela.

    ‘Mother wears the wolf’s pelt”, pintura executada em 2003 por Paula Rego

    Esta obra integra um conjunto de seis pinturas de Paula Rego, executadas no início deste século, alusivas ao conto do Capuchinho Vermelho escrito o século XVII, a partir de recolhas orais do francês Charles Perrault, e, mais tarde, reescrita pelos germânicos Jacob e Wilhelm Grimm. Antes desta venda tinha estado exposta no Museu de Serralves, em 2004 e 2005, depois em Barcelona, em 2017, e ainda nesse ano e no seguinte num museu de arte em Melbourne, tendo estado depois brevemente numa exposição Casa das Histórias Paula Rego (CHPR) em 2018.

    O desvendar do mistério da identificação do comprador deste importante quadro de Paula Rego por valores elevados – embora modestos para algumas das suas obras maiores, como o painel “Avestruzes Bailarinas do filme ‘Fantasia’ de Walt Disney”, vendido em Londres no ano passado por 3,5 milhões de euros –, não foi ainda assumido pela Fundação D. Luís I, mas está já confirmado por um contrato estabelecido por esta entidade e a leiloeira no passado dia 16 deste mês.

    Neste contrato, assinado pelos administradores da Fundação D. Luís I, Salvato Teles de Menezes e Ana Padrão, omite-se, porém, a aquisição do quadro no leilão, referindo-se que o valor da compra foi definido de acordo com uma proposta de 27 de Novembro – ou seja, já depois da data do leilão – e deliberada mais tarde pelo Conselho Directivo no dia 11 do presente mês de Dezembro.

    a large pyramid shaped building sitting on top of a lush green field
    Pintura adquirida pela fundação da Câmara Municipal de Cascais vai integrar o espólio da Casa das Histórias Paula Rego.

    Esta aquisição pode considerar-se como avultada para a Fundação que tinha, no final do ano passado, um património líquido de pouco mais de três milhões e, apesar de cerca de 206 mil euros, recebeu 438 mil euros de subsídios da própria Câmara Municipal de Cascais.

    A obra deverá ainda este ano integrar o espólio de Paula Rego na ‘sua’ Casa das Histórias, projectado pelo arquitecto Eduardo Souto de Moura. No contrato de compra-e-venda é, aliás, referida a importância deste quadro que colmatará “a inexistência de pinturas deste período na colecção da CHPR”, possibilitando também uma melhor compreensão para a “linha de investigação que a artista definiu quando se propôs, em 1976, com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, a ‘ilustrar mais prolificamente os contos tradicionais portugueses ou integrar esses contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência pessoal através da pintura”.

    Esta pintura, criada em 2003, a última da série que reinterpreta o conto clássico do Capuchinho Vermelho, mostra uma mulher sentada, vestida de veludo vermelho e adornada com uma estola de pele, remetendo para temas como o poder matriarcal e a transformação, mas mantendo, ao mesmo tempo, uma tensão narrativa que é marca distintiva desta artista falecida em Junho de 2022, aos 87 anos.

    O díptico “Dancing Ostriches from Walt Disney’s ‘Fantasia’ (1995), pastel em papel colado sobre alumínio, é a obra mais valorizada de Paula Rego, tendo sido leiloada no ano passado por 3,5 milhões de euros em Londres.

    Recorde-se que no final de Outubro passado, a Câmara de Cascais revelou que comprara a pintura “Rei Canuto”, executada por Paula Rego em 1977, pelo valor de 262.500 euros a uma coleccionadora estrangeira, embora a aquisição tenha sido concluída em 2023.

    Antes, em Setembro de 2022, o município adquiriu também, depois de negociações com a família da pintora, o quadro “The Exile” por 240 mil euros. Poucos meses mais tarde, em Dezembro desse ano, foi a vez da então Direcção-Geral do Património Cultural desembolsar 424 mil euros pelo quadro “O impostor”, pintado em 1964.


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  • Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Crise na habitação: concelhos de Lisboa e Porto perderam seis mil casas numa década

    Novas dinâmicas de construção e factores financeiros e conjunturais estão a causar uma redução líquida do parque habitacional em importantes concelhos do país desde 2012. Apesar do Instituto Nacional de Estatística ter revelado hoje que Portugal superou em 2022 a fasquia dos seis milhões de fogos, o valor mais elevado de sempre, uma análise do PÁGINA UM descobriu que cidades como Lisboa, Porto, Loures e Amadora apresentam reduções relavantes face ao ano de 2012. Na região metropolitana da capital são os municípios da Margem Sul e Mafra que mostram mais dinamismo, enquanto que a ‘atracção urbanística’ no Norte se deslocou para as subregiões do Cávado, Ave e Tãmega e Sousa, que já apresentam mesmo taxas de crescimento superiores ao Algarve. E há concelhos do interior e nas regiões autónomas em curioso contra-ciclo.


    Os municípios de Lisboa e Porto perderam, no conjunto, quase seis mil fogos do seu parque habitacional numa década, de acordo com informação hoje revelada pelo Instituto Nacional de Estatística, que actualizou os números de alojamentos familiares respeitantes ao ano de 2022.

    Uma análise do PÁGINA UM à série histórica desde 2012 revela que, no caso dos dois principais municípios do país, a crise habitacional se explica bastante pela estagnação da construção e remodelação. Ao invés de um crescimento a nível nacional, mesmo se ténue – havia mais 104.750 alojamentos em 2022 em comparação com 2012, ultrapassando-se pela primeira vez na História os seis milhões de fogos habitacionais –, a cidade de Lisboa registou um decréscimo de 0,9%, significando uma redução de 3.020 fogos (de 323.196 para 320.176), enquanto o Porto perdeu 2.834 fogos, passando de 137.793 para 134.959, ou seja, uma redução de 2,1%.

    window, travel, lisbon

    Mesmo se na região administrativa da Grande Lisboa, os fogos habitacionais ainda cresceram (+0,35%, significando mais 3.706), as dinâmicas urbanísticas estão alteradas face ao que sucedeu até à primeira década deste século. As zonas de suburbanas mais antigas estão a perder dinamismo construtivo. Por exemplo, o concelho de Loures registou uma diminuição de 1.216 fogos (-1,22%) neste período, passando de 99.567 para 98.351. Outro caso de perda foi o da Amadora, que diminuiu em 566 fogos (-0,64%), descendo de 88.007 para 87.441.

    Mesmo em concelhos extensos e com um passo de grande dinamismo, e especulação à mistura, estiveram agora mais ‘recatados’ entre 2012 e 2022. Sintra registou um aumento de 1.554 fogos (+0,85%), atingindo 184.580 em 2022. Cascais cresceu 1.608 fogos (+1,47%), alcançando 111.003, enquanto Oeiras apresentou um acréscimo de 789 fogos (+0,91%), totalizando 87.074.

    Entre os concelhos com maior dinamismo na Área Metropolitana de Lisboa destacam-se Montijo (+5,06%), Seixal (+4,93%), Palmela (+4,86%), Mafra (+4,43%), Sesimbra (+4,11%) e Odivelas (+3,23%), reflectindo um crescimento acentuado, impulsionado pela procura de novas habitações em zonas periféricas. Por outro lado, a estagnação ou saturação são evidentes em concelhos como Vila Franca de Xira (+0,56%) e Almada (+0,57%), onde o parque habitacional está praticamente estabilizado nesta última década.

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    Porto foi o 20º concelho do país que mais parque habitacional perdeu em termos relativos

    A descentralização para zonas periféricas, como Mafra e Montijo, reflecte um fenómeno de suburbanização mais afastada do principal pólo de atracção e com ligações menos directas por transportes públicos. A pressão demográfica e a procura por terrenos acessíveis têm assim transferido o foco da construção para fora do centro urbano.

    No caso da Área Metropolitana do Porto (AMP) também se observa uma dinâmica diversificada, mas tendo como ponto comum a perda do parque habitacional na principal cidade. Entre os concelhos com maior crescimento destacam-se Valongo (+3,26%, +1.321 fogos), Póvoa de Varzim (+3,09%, +1.092 fogos), e Trofa (+2,40%, +377 fogos). Outros concelhos, como Vila do Conde (+2,28%, +869 fogos), Espinho (+1,88%, +298 fogos) e Vila Nova de Gaia (+1,79%, +2.548 fogos), também registaram aumentos, embora com valores médios anuais a rondar os 0,2% ao ano.

    Além do Porto, há sinais de estagnação e de declínio urbanístico em algumas zonas suburbanas. O caso mais evidente é a Maia – que apresentou uma ligeira diminuição de 50 fogos (-0,08%) –, mas o município de Matosinhos (+0,7%) está praticamente com o mesmo número de alojamento de 2012.

    bridge, house, village
    Dinãmicas urbanísticas no Norte estão mais fortes nas subregiões do Ave, Cávado e Tâmega e Sousa.

    Na região Norte, o fraco dinamismo urbanismo Este contraste reflete uma realidade comum às duas principais áreas metropolitanas: o crescimento das periferias em detrimento dos centros. A ‘migração’ da construção na região Norte desviou-se para outras sub-regiões, sobretudo para o Cávado e o Ave.

    Com efeito, a região do Cávado registou um crescimento expressivo de 5,1% (+9.751 fogos), o maior do país, com destaque para quase todos os seus municípios: Amares, Barcelos, Braga, Esposende e Vila Verde. A única exceção foi Terras do Bouro, que não acompanhou esta tendência.

    Já a região do Ave apresentou um crescimento de 4,7%, o segundo maior do país, O destaque vai para o concelho de Vizela, que cresceu 9,2% e se posiciona como o terceiro município mais dinâmico do país em termos urbanísticos, apenas atrás da Madalena, na ilha do Pico, nos Açores (+14,3%), e da Golegã (+12,1%). Estes dois últimos são os únicos municípios do país com uma taxa de crescimento médio anual superior a 1% entre 2012 e 2022.

    A dicotomia litoral-interior agravou-se evidente. De entre os 78 concelhos com perda de parque habitacional entre 2012 e 2022, a esmagadora maioria são do interior, com destaque para Tarouca (-9,8%), Penela (-8,4%), Coruche (-4,7%), Mação (-4,6%), São Vicente (-4,3%), Soure (-4,2%), Sardoal (-4,0%), Nordeste (-3,6%), Chamusca (-3,3%), Avis (-3,1%), embora surjam outros municípios de áreas metropolitanas. Por exemplo, o Porto foi o 20º concelho com maior perda relativa do património habitacional.

    A view of a city from the top of a hill

    Em todo o caso, as dinâmicas urbanísticas dependem muito de circunstancialismos. Mesmo existindo bastantes municípios do litoral com maiores crescimentos no número relativo de alojamentos habitacionais, encontram-se alguns casos curiosos:  Madalena (+14,3%), Golegã (+12,1%), Campo Maior (+8,7%), Corvo (8,4%, embora se refira apenas a mais 16 fogos), Velas (+5,7%), Manteigas (+5,7%), Odemira (+5,7%) e Penedono (+5,5%), Vila Nova de Paiva (5,5%), Calheta (Madeira, +5,2%) e Oliveira de Frades (+5,1%)

    Apesar de ainda ter concelhos com forte dinamismo urbanístico, a região do Algarve está longe do fulgor de outrora, tendo registado um cr5escimento de 3,76% (+12.984 fogos) entre 2012 e 2022, impulsionado pela procura turística e pela atractividade residencial. Concelhos como Loulé (+4,15%, +4.312 fogos) e Portimão (+3,89%, +3.256 fogos) são exemplos desta vitalidade das betoneiras, mas a taxa de crescimento está já abaixo das registadas pela sub-região do Ave, do Cávado e do Tâmega e Sousa.


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  • ‘Segurança Marítima na UNL’: Gouveia e Melo violou Estatuto dos Militares das Forças Armadas

    ‘Segurança Marítima na UNL’: Gouveia e Melo violou Estatuto dos Militares das Forças Armadas

    O caso começou por ser uma situação grave, revelada pelo PÁGINA UM na semana passada, em torno da duvidosa ligação do Almirante Gouveia e Melo à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Mas complicou-se e há novas informações que põem em xeque o Chefe do Estado-Maior da Armada. Para ser regente e professor convidado, Gouveia e Melo teria de requerer, ao abrigo do Estatuto Militar, uma acumulação de funções ao Chefe do Estado-Maior da Armada, ou seja, a ele próprio, um impedimento legal. A alternativa – uma autorização informal – também seria ilegal. Mas de ilegalidades está este processo cheio, porque entretanto a Faculdade de Direito da Universidade Nova admitiu que afinal não há qualquer parceria assinada, apesar da regência de Gouveia e Melo a uma cadeira, onde dá uma palestra anual, durar há mais de dois anos, a convite da ex-líder do CDS Assunção Cristas. Eis mais um episódio de um esquema de ‘melhoria artificial’ do currículo do homem que lidera as sondagens para as Presidenciais de 2026.


    O Almirante Gouveia e Melo terá violado o Estatuto dos Militares das Forças Armadas ao acumular a regência da cadeira de Segurança Marítima na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (UNL) com o seu cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada.

    O diploma de 2015 explicita que “as funções militares são, em regra, em regime de exclusividade”, embora possa haver situações excepcionais, se forem compatíveis “com o seu grau hierárquico ou o decoro militar”. Sendo certo que a regência de uma cadeira de mestrado é uma função digna, Gouveia e Melo tinha um problema legal: o desempenho de funções em regime de acumulação, independentemente de serem exercidas graciosamente – como alegou a Marinha na semana passada –, “depende da autorização prévia do Chefe do Estado-Maior respectivo”.

    Ora, para a situação específica de Gouveia e Melo existe “um impedimento legal por interesse próprio”, como confirmaram ao PÁGINA UM dois professores universitários de Direito. Conforme estipula o Código do Procedimento Administrativo – que rege também actos desta natureza das Forças Armadas –, os titulares de um órgão no exercício de poderes públicos não podem intervir em qualquer processo “quando nele tenham interesse, por si, como representantes ou como gestores de negócios de outra pessoa”. Isto aplica-se mesmo se as funções forem exercidas a título gracioso, subentendendo-se sempre que Gouveia e Melo obteria, para si, o estatuto de professor universitário, melhorando o currículo público.

    Foto: D.R.

    Pela interpretação desta obrigação, Gouveia e Melo poderia conceder autorização a militares que leccionam em acumulação de funções, mas jamais poderia ‘auto-autorizar-se’. Também jamais poderia delegar essa competência para autorizações num subordinado, uma vez que esse expediente, para contornar a norma de impedimento, violaria o princípio da imparcialidade. O impedimento visa precisamente garantir que o acto não seja praticado por quem tenha um interesse no seu resultado, directa ou indirectamente.

    E assim, não havendo qualquer autorização superior – por exemplo, de uma comissão independente ou do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armada, ou do Ministro da Defesa ou mesmo da Presidência da República –, a ilegalidade e gravidade do procedimento mantêm-se numa outra perspectiva: Gouveia e Melo fez tábua rasa do próprio Estatuto dos Militares das Forças Armadas. Até por o conhecer bem: em 2020, como adjunto do Planeamento no Estado-Maior das Forças Armadas teve delegação de competências para conceder ou não autorizações requeridas por militares ao Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas para acumularem funções.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos a Gouveia e Melo sobre esta situação, e também sobre as autorizações que terá supostamente concedido a um número indeterminado de militares que leccionaram a cadeira de Segurança Marítima no mestrado da UNL, por si regida, mas não houve qualquer resposta. Por lei, mesmo que houvesse uma autorização a esses militares, seria obrigatório um requerimento formal prévio de cada um. Ora, na passada semana, a Marinha não quis indicar quais os militares que deram a cadeira regida por Gouveia e Melo, tanto mais que os seus nomes são omissos no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. O Ministério da Defesa também não respondeu sobre se houve alguma autorização governamental, que, se existisse, teria ocorrido na vigência do Governo Costa, quando a titular da pasta da Defesa era Helena Carreiras.

    Campus de Campolide, onde ainda funciona a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. / Foto: D.R.

    Certo é que, além desta nova questão, a revelação feita pelo PÁGINA UM na semana passada sobre a existência de influências políticas, da ala do CDS, na ‘contratação’ de Gouveia e Melo para reger uma cadeira de Segurança Marítima num mestrado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa está a causar um indisfarçável incómodo, bem patente no manto de silêncio. Com efeito, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa não enviou ainda ao PÁGINA UM qualquer acta onde a admissão de Gouveia e Melo tenha sido decidida, antecedida de pareceres de dois professores. Esse acto de transparência e de rigor jurídico não é nenhuma excentricidade ou extravagância – é um acto de normal democraticidade.

    Por exemplo, na sua congénere lisboeta – ou seja, na Faculdade de Direito da Universidade (Clássica) de Lisboa -, todos as actas dos órgãos de gestão e governo, incluindo as referentes às diversas reuniões do Conselho Científico, estão minuciosamente expostas. Algumas destas actas têm mais de 170 páginas, uma vez que são ali expostas questões de relevância académica numa ‘casa’ que forma juristas há mais de um século, bem mais vetusta do que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa apenas fundada em 1996, onde aparentemente o rigor e a transparência ainda não fizeram ‘escola’. Aqui, nada de actas nem outros documentos de gestão.

    A reitoria da Universidade Nova de Lisboa, liderada por João Sàágua, mantém-se à margem de uma situação que revela a permeabilidade desta instituição universitária às influências políticas e ao ‘tráfico de currículos’. Gouveia e Melo foi colocado na regência de uma cadeira de mestrado por empenhos de Assunção Cristas, coordenadora do mestrado em Direito e Economia do Mar, com a conivência de Mariana França Gouveia, antiga directora da Faculdade e actual presidente do seu Conselho Científico. Ambas, além das ligações ao CDS, são advogadas na sociedade Vieira de Almeida.

    Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. / Foto: D.R.

    De facto, o reitor da Universidade Nova de Lisboa não respondeu a qualquer das questões formuladas pelo PÁGINA UM sobre o modus operandi da ‘contratação’ de Gouveia e Melo, designadamente ao nível do rigor administrativo e da conduta ética. Apesar desse silêncio, fica patente que o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada, para além de todos os outros problemas legais, jamais poderia assumir a regência de uma cadeira de mestrado sem sequer dar qualquer aula digna desse nome.

    Um professor com obrigações de regência não está desobrigado a dar aulas, pelo contrário. E o Código de Ética da Universidade Nova de Lisboa, publicado em Diário da República há uma década, é bastante claro sobre os deveres específicos dos docentes, incluindo o de serem “assíduos e pontuais no exercício das suas funções”. Ora, no caso de Gouveia e Melo, a questão da pontualidade nem se coloca porque é critério inaplicável face a uma assiduidade nula. A legalidade de uma regência sem dar qualquer aula é assim muito duvidosa, tanto mais que Gouveia e Melo não era um simples ‘visitante’. Além da regência ser publicitada, no site da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa surge com um endereço oficial da instituição universitária pública: henrique.melo@novalaw.unl.pt.

    Entretanto, esta tarde, a RTP revelou que a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa assumiu que, afinal, ainda nem sequer existe qualquer parceria, sendo que, nesse aspecto, toda a legalidade está em causa, por não existir aplicação retroactiva. Em nota enviada à televisão pública – depois de recusar responder a perguntas do PÁGINA UM –, a instituição universitária diz que “o documento [parceria] está ainda em processo de formalização [ou seja, não existe], pois o acordo entre as duas instituições é mais amplo, abrangendo outras situações além da regência desta disciplina [Segurança Marítima]”, tendo acrescentado que “a assinatura terá lugar muito em breve”.

    Gouveia e Melo. Foto: EMA.

    Na mesma nota, a Faculdade argumenta que o convite a Gouveia e Melo se fundamentou num relatório subscrito por Assunção Cristas e por Vera Eiró para os anos lectivos de 2022/2023 e 2023/2024. Nenhum desses relatórios terá sido apresentado em Conselho Científico nem sequer foram enviados quando solicitados pelo PÁGINA UM. Existe, obviamente, a possibilidade de serem agora forjados, tanto mais que o convite só pode ser formalizado após aprovação pela “maioria absoluta dos membros do Conselho Científico em exercício de funções, aos quais é previamente facultado o currículo da individualidade a contratar”, algo que nunca sucedeu. E aí já será mais complicado forjar uma acta de uma antiga reunião. Na nota à RTP, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa acaba também por assumir que Gouveia e Melo concede apenas uma palestra anual, o que lhe ‘pareceu’ ser bastante para ser considerado professor convidado com direito a e-mail institucional.

    O PÁGINA UM também colocou questões à Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES), que ‘supervisiona’ o mestrado onde Gouveia e Melo é regente, questionando se no processo de acreditação, concluído em 2022, ficou prevista a possibilidade de uma parceria com a Marinha e a docência por militares. Não houve ainda resposta.

    Na verdade, a única pessoa que, nesta semana, respondeu às questões do PÁGINA UM foi o eminente cardiologista e professor jubilado José Fragata, que surge ainda no site da Universidade Nova de Lisboa como presidente da Comissão de Ética, um órgão consultivo da reitoria. José Fragata diz que deixou o cargo em 2022, desconhecendo se a comissão ainda existe “e naturalmente quem a preside”, sugerindo que contactasse a Reitoria. E o PÁGINA UM contactou, mas João Sàágua deverá ter tido mais que fazer para dar uma resposta.


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  • Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Falência iminente: Música no Coração nem dinheiro tem para mandar tocar um requiem

    Sem contas anuais conhecidas de 2022 e de 2023, com a Super Bock a não querer renovar a organização do festival na Praia do Meco, com a falta de patrocínios para o festival da Zambujeira do Mar e com o Fisco à perna, a outrora pujante empresa de espectáculos de Luís Montez está à beira do precipício. O ‘pequeno toque’ para a queda da Música no Coração é já um passo inevitável. Aquilo que mais surpreende é, na verdade, o facto de ainda estar em funcionamento, pois em finais de 2021 encontrava-se em falência técnica, com capitais próprios negativos de mais de 6,2 milhões de euros, e um passivo colossal de 26 milhões, impossível de pagar, sobretudo agora com o impacte da perda dos festivais Super Bock Super Rock e Sudoeste.


    A caminho do fim. Será apenas uma questão de dias, de semanas ou de meses, mas o fim é irreversível: a Música no Coração, a outrora pujante empresa de espectáculos e de festivas, detentora de uma rede de rádios, está em colapso financeiro, e já nem sequer entregou, como era obrigatório, a Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa aos anos de 2022 e 2023.

    A situação agravou-se no último mês com a decisão da  cervejeira Super Bock de não renovar o contrato com a empresa de Luís Montez, conhecido também por ser genro de Cavaco Silva, para a organização do festival Super Bock Super Rock, que se realiza anualmente na Praia do Meco, como noticiou o Observador no passado dia 21 de Novembro.

    Luís Montez

    Este desfecho era esperado, não apenas pela já débil situação financeira da Música do Coração, mas porque esta até já tinha vendido a rádio associada ao evento à Medialivre – que pretendia comprar frequência para preparar uma rede de rádio própria –, deixando mesmo de emitir em finais do passado mês de Setembro.

    Na mesma linha, o Festival do Sudoeste tem também os dias acabados. Luís Montez anunciou à SIC, há duas semanas, que este festival na Zambujeira do Mar, não tem capacidade de realizar no próximo ano por falta de patrocinadores. Porém, esse é apenas um dos problemas. O PÁGINA UM apurou que, devido a dívidas fiscais, o uso da denominação do Festival Sudoeste foi penhorado pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 16 de Janeiro deste ano, aguardando-se ainda uma decisão do tribunal. Apesar disso, a empresa de Luís Montez mantém-se livre de constar na lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social, embora esteja sujeito a diversos processos de execução intentados por credores.

    Mesmo sem se conhecer as contas de 2022 e de 2023, o PÁGINA UM sabe que a Música do Coração encontra-se ainda em pior situação face às demonstrações financeiras de 2021, reveladas pelo PÁGINA UM em Abril passado. A ‘holding’ de Luís Montez – que é ainda proprietária de algumas rádios com actividade residual – estava já com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros no final daquele ano, registando um pouco mais de um milhão de euros de prejuízos. O passivo, incluindo empréstimos bancários. aproximava-se dos 26 milhões de euros. Saliente-se que as contas da Música no Coração não estavam consolidadas.

    stage light front of audience

    Na verdade, somente por via de alguma engenharia financeira, o colapso da Música no Coração não se mostrava já mais patente de 2021, pois detectavam-se evidentes sinais de exagero na avaliação dos activos financeiros e excedentes de revalorização. Além disso, nesse ano, a ‘holding’ de Luís Montez tinha uma liquidez praticamente nula, inconcebível numa empresa promotora de espectáculos: em caixa apenas se contavam 3.099 euros.

    Grande parte dos activos (cerca de 11,2 milhões de euros) estavam então contabilizados em participações financeiras através do método da equivalência patrimonial, mas, na verdade, esse montante estaria fortemente inflacionado face à actual situação financeiras das subsidiárias, isto é, das rádios.

    Além disso, o endividamento da Música no Coração era, já em 2021, asfixiante, com empréstimos bancários de longa duração de 14,6 milhões de euros, mais quase 2,8 milhões de euros de contas a pagar a fornecedores, mais 1,4 milhões de euros de dívidas ao Estado e mais cerca de 6,3 milhões de euros em outros compromissos.

    Neste caso, não deixa de ser curioso que, apesar de ter uma empresa em falência técnica, com capitais próprios negativos de quase 6,2 milhões de euros, Luís Montez ainda tinha 786 mil euros emprestados a juros. Ou seja, cometia uma ‘sangria’ à sua própria empresa ‘moribunda’.

    O PÁGINA UM tentou contactar Luís Montez para solicitar comentários e saber se havia demonstrações financeiras de 2022 e 2023, mas não obteve resposta.


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  • Nova School of Law: ala do CDS ‘entrega’ regência e categoria universitária ilegal a Gouveia e Melo

    Nova School of Law: ala do CDS ‘entrega’ regência e categoria universitária ilegal a Gouveia e Melo

    ‘Dura lex, sed lex’ é uma das máximas jurídicas mais relevantes. Mas a lei pode ser, na verdade, amaciada para os amigos. No início de 2023, a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – ou pomposamente rebaptizada com o anglicismo Nova School of Law – anunciou a contratação de Gouveia e Melo para a regência de uma cadeira do mestrado em Direito e Economia do Mar, colocando-o com o estatuto de Professor Convidado. Mas, apesar de se estar numa escola de ilustres juristas, fez-se tábua rasa das normas do Estatuto da Carreia Docente Universitária, e nunca houve pareceres para essa nomeação, que terá sido iniciada em 2022 e surge sob a égide de uma parceria não revelada. Além disso, o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada nunca pôs os pés numa sala de aula, mandando subordinados leccionar a cadeira. O incómodo interno fez com que, entretanto, Gouveia e Melo passasse a constar, na lista do corpo docente, na secção das parcerias. Todo este processo foi conduzido por Assunção Cristas, antiga ministra do Ambiente, que é coordenadora do mestrado, e por Mariana França Gouveia, actual presidente do Conselho Científico da faculdade. Nenhum dos intervenientes quis prestar esclarecimentos, remetendo para gabinetes de comunicação breves depoimentos sem focar aspectos fulcrais.


    A Universidade Nova de Lisboa dispõe-se a construir ilegalmente um currículo académico ao Almirante Gouveia e Melo conferindo-lhe a regência de uma cadeira de mestrado e titulando-o de Professor Convidado. O putativo candidato à Presidência da República nem sequer precisou no ano lectivo passado de meter literalmente os pés nas instalações da Faculdade de Direito desta universidade pública – agora denominada, para efeitos de mero marketing institucional, de Nova School of Law –, porque todas as aulas foram ministradas por oficiais não identificados da Marinha.

    Neste processo, o Estatuto da Carreira Docente Universitária foi sistematicamente violado e a validade da acreditação do próprio mestrado em Direito e Economia do Mar, coordenado pela antiga ministra do Ambiente do CDS, Assunção Cristas, arrisca a ser colocada em causa pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) por incumprimento das normas legais.

    Gouveia e Melo ostenta a regência de uma cadeira de mestrado sem nunca ter posto os pés numa aula.

    No auge da sua popularidade na liderança do Estado-Maior da Armada, a Faculdade de Direito da UNL divulgou em Fevereiro do ano passado que “uma das novidades deste ano [lectivo, de 2023/2024]” seria “a lecionação da cadeira Maritime Security a cargo da Marinha Portuguesa, sob a regência do Almirante Gouveia e Melo. E acrescentava ser “com enorme satisfação que recebemos o ex-coordenador da Task Force do Plano de Vacinação contra a covid-19 em Portugal, que se juntou à NOVA School of Law no seguimento do nosso empenho em robustecer o nosso corpo docente com os/as melhores e mais talentosos/as profissionais, contribuindo para a excelência deste Mestrado”.

    O “nosso empenho”, o da Faculdade de Direito da UNL, deve ler-se como empenho da ala do CDS nesta instituição universitária pública, que desde há muito ‘namora’ com o Almirante Gouveia e Melo, como ficou patente no descontraído encontro nocturno no bar Cockpit há duas semanas, revelado pelo PÁGINA UM, com o líder centrista e ministro da Defesa, Nuno Melo. Com efeito, todo o processo de convite foi conduzido pela então directora da Faculdade, Mariana França Gouveia – que actualmente preside ao Conselho Científico – e pela coordenadora do mestrado, Assunção Cristas, que também lidera a Comissão Científica do mestrado. Além das suas ligações umbilicais ao CDS, estas duas advogadas, amigas de longa data, gravitam numa das mais importantes sociedades de advogados com milionários contratos públicos: a Vieira de Almeida.

    Apesar do mais recente processo de acreditação pela A3ES ser completamente omisso sobre a entrada de militares de carreira sem currículo académico na regência de uma cadeira e a prestar aulas, não foi cumprida qualquer das regras previstas no rigoroso Estatuto da Carreira Docente Universitária, que não permite, por razões óbvias, a contratação de qualquer pessoa mesmo sob convite e mesmo se tivesse um currículo académico invejável, o que não é o caso de Gouveia e Melo.

    Assunção Cristas, antiga líder do CDS e ministra do Ambiente, é coordenadora do mestrado. Com a sua amiga de longa data e ligada também aos centristas, Mariana França Gouveia, antiga directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa e actual presidente do Conselho Científico, tratou de contratar Gouveia e Melo, concedendo-lhe um título ilegal à luz do Estatuto da Carreira Docente Universitária.

    A colaboração de Gouveia e Melo no mestrado coordenado por Assunção Cristas até terá começado antes de ser formalmente apresentado, como se uma graduação universitária fosse algo caseira. Com efeito, em 19 de Novembro de 2022, Assunção Cristas colocou na sua página do Facebook uma fotografia com uma das filhas ao lado de Gouveia e Melo com a seguinte mensagem: “Foi um gosto começar o dia na Base Naval do Alfeite com os alunos do Mestrado em Direito e Economia do Mar da NOVA School of Law. Fomos extraordinariamente bem recebidos pelo Almirante Gouveia e Melo e pela sua equipa, responsáveis pela cadeira de Maritime Security”. Ora, nessa altura, nem sequer havia qualquer anúncio de formalização da ligação entre a Marinha e a Faculdade de Direito da UNL.

    Saliente-se que para o recrutamento de professores, ainda mais para exercerem regência, a lei determina que os convites somente podem ser endereçados a “individualidades, nacionais ou estrangeiras, cuja reconhecida competência científica, pedagógica e ou profissional na área ou áreas disciplinares em causa esteja comprovada curricularmente”, sendo necessário que esse convite se fundamente “em relatório subscrito por, pelo menos, dois professores da especialidade, que tem de ser aprovado pela maioria absoluta dos membros do Conselho Científico em exercício efectivo de funções, aos quais é previamente facultado o currículo da individualidade a contratar”. Ora, nada disso foi cumprido pela Faculdade de Direito da UNL, como confirmou o PÁGINA UM junto de professores catedráticos desta instituição. Como um regente de uma cadeira de mestrado tem de ser obrigatoriamente, independentemente de estar no quadro ou ser convidado, um professor catedrático, associado ou auxiliar – até por praticar actos administrativos –, a irregularidade da nomeação de Gouveia e Melo reveste-se de grande gravidade. No limite, as notas atribuídas podem ficar sem efeito por terem sido concedidas por alguém sem competências legais.

    A regência da cadeira de Segurança Marítima atribuída a Gouveia e Melo está ainda patente no próprio site da instituição universitária para o próximo semestre, que começa em Fevereiro, o que indicia que continuará nestas funções, mesmo em situação ilegal, quando sair da chefia do Estado-Maior da Armada no final do presente mês. Porém, estranhamente, o seu nome foi ‘desviado’ nos últimos dias da lista de “Professores/as Convidados/as” para a ambígua lista de parcerias sem contrato directo com a Faculdade de Direito da UNL. Uma alteração no corpo docente terá sido uma tentativa de ‘apagar’ o rastro de ilegalidades, mas os registos históricos da Internet não deixam margem para dúvidas de que a universidade pública concedeu a Gouveia e Melo um estatuto que nunca poderia ostentar.

    Ligação à Marinha estabelecida de forma informal por Assunção Cristas começou ainda antes do anúncio em Fevereiro de 2023.

    De facto, em registos consultados pelo PÁGINA UM, a primeira vez que Gouveia e Melo surge como Professor Convidado na lista do corpo docente da Faculdade de Direito da UNL é de 28 de Fevereiro de 2023, imediatamente a seguir ao anúncio da sua ‘contratação’. Ao longo de 2023, o mesmo registo encontrou-se em 29 de Março, em 5 de Abril e em 30 de Setembro. E continuou este ano, já com a segunda regência de Gouveia e Melo à cadeira de Segurança Marítima (ano lectivo de 2023/2024), encontrando-se registos em 24 de Fevereiro, em 13 de Abril e em 20 de Julho, último registo que consta no Archive.org.

    Em consulta do PÁGINA UM, não gravada, no início do passado mês de Novembro, Gouveia e Melo mantinha-se ainda na lista de “Professores Convidados”, o que indicia que a sua inclusão não foi um mero lapso administrativo, mas sim que a sua ‘transferência’ terá sido fruto de diligências superiores de ocultar a situação ilegal. Mantém-se, porém, para Gouveia e Melo uma particularidade: tem uma página própria com um endereço de correio electrónico da Faculdade de Direito da UNL, mas omitindo as suas funções de regência da cadeira de Segurança Marítima.

    O PÁGINA UM colocou perguntas concretas a Gouveia e Melo sobre esta sua ‘contratação’ por uma universidade pública à margem da lei. Procurou saber-se se a regência da cadeira de Segurança Marítima foi feita ao abrigo de alguma parceria com a Marinha ou ele fora contratado exclusivamente para a regência e docência, sendo que, no caso de uma parceria (por duas entidades públicas), se solicitou o documento. Pediu-se também a confirmação, no sentido de aferir informações recolhidas junto de antigos alunos do mestrado, se Gouveia e Melo nunca deu qualquer aula, mandando oficiais da Marinha prestar indevidamente funções de docência. Também se procurou averiguar se o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada recebera algum título académico e se continuará a regência depois de abandonar o cargo.  

    Campus de Campolide, onde ainda funciona a Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Em resposta, transmitida pelo gabinete de relações públicas do Estado-Maior da Armada, e não assinada nem assumida por Gouveia e Melo, apenas se refere, sem enviar qualquer comprovativo, que a “lecionação da cadeira de Segurança Marítima insere-se numa parceria entre a Marinha Portuguesa e a Nova School of Law”, acrescentando somente que ”as aulas são ministradas por oficiais da Marinha, tendo o Almirante Gouveia e Melo contribuído, como regente dessa cadeira, de forma gratuita e no quadro da [ignota] parceria”.

    O PÁGINA UM também colocou diversas questões, em concreto, tanto à actual directora da Faculdade de Direito da UNL, Margarida Lima Rego – que tomou posse em Outubro de 2022 – como a Assunção Cristas e a Mariana França Gouveia. Apesar de todas terem recebido a mensagem do PÁGINA UM, todas optaram por não responder, remetendo para a LPM – uma agência de comunicação, actualmente sem qualquer contrato válido com a instituição universitária, segundo registos do Portal Base –, que emitiu uma breve declaração: “A Nova School of Law conta com a colaboração da Marinha Portuguesa no Mestrado em Direito e Economia do Mar. No âmbito dessa colaboração, o Almirante Gouveia e Melo, na sua qualidade de Chefe de Estado Maior da Armada, e a sua equipa são responsáveis por leccionar a unidade curricular de Segurança Marítima”. Nada é dito sobre os procedimentos de atribuição do cargo de Professor Convidado a Gouveia e Melo, nem sobre a ausência de deliberação do conselho científico, nem sobre como a regência e a lecionação de uma cadeira de um mestrado ser feita por pessoas não qualificadas nem sobre se o ainda Chefe do Estado-Maior da Armada vai continuar em funções universitárias em situação ilegal.

    O fundador e antigo coordenador do mestrado em Direito e Economia do Mar, o catedrático Jorge Bacelar Gouveia mostra-se atónito com esta situação. “A contratação de docentes convidados é excepcional e deve basear-se num currículo adequado e com bibliografia na área, o que não acontece” no caso de Gouveia e Melo, diz. E acrescenta ser “até caricato que, no programa apresentado, estejam elementos bibliográficos do regente anterior [Armando Marques Guedes], que podia ter continuado a lecionar, mas que foi afastado”.

    Assunção Cristas (esquerda) e Margarida Lima Rego, actual directora da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Catedrático decano da Faculdade de Direito da UNL, Bacelar Gouveia diz não ser do seu conhecimento nem consta que “o Conselho Científico alguma vez tenha aprovado um relatório assinado por dois docentes a propor a contratação de Gouveia e Melo como docente convidado, como manda a lei”, reforçando que, “pelo menos, esses relatórios nunca constaram da ordem de trabalhos nem a questão foi discutida em Conselho Científico, como estabelece o Estatuto da Carreira Docente Universitária”.

    O PÁGINA UM vai requerer formalmente tanto à Marinha como à Faculdade de Direito da UNL diversos documentos, incluindo a alegada parceria e actos da regência de Gouveia e Melo, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, seguindo uma intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa caso um dos ‘bastiões’ do ensino público universitário da área jurídica se mantenha irresoluto em esclarecer este caso.


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  • Bebés de mães com naturalidade estrangeira já são maioria em Sintra, Amadora e Odivelas

    Bebés de mães com naturalidade estrangeira já são maioria em Sintra, Amadora e Odivelas

    Quase três em cada 10 partos de nados-vivos no ano passado foram de mães com naturalidade estrangeira, mas um ‘olhar’ mais fino, realizado pelo PÁGINA UM a partir dos dados do Instituto Nacional de Estatística, revela que já há concelhos de grande dimensão onde esse peso é maioritário. Nos municípios de Sintra, Amadora e Odivelas, a maioria dos nascimentos registados em 2023 teve, como mães, mulheres naturais de países estrangeiros. É a primeira vez que tal sucede em concelhos que estão no top 10 dos mais fecundos. Este fenómeno tem vindo reforçar-se sobretudo nos últimos três anos, e com especial prevalência na Grande Lisboa e no Algarve. Na região Norte, no Alentejo interior e nas regiões autónomas o peso de nascimentos provenientes de mães ‘estrangeiras’ mantém-se ainda bastante baixo.


    Uma realidade inédita em Portugal. No ano passado, os municípios de Sintra, Amadora e Odivelas – três dos concelhos que se encontram no top 10 dos mais fecundos do país – contabilizaram mais recém-nascidos cujas mães são de naturalidade estrangeira do que de naturalidade portuguesa. Além destes três municípios, também em Odemira, no Alentejo Litoral, e nos concelhos algarvios de Aljezur e Albufeira se registaram mais bebés de ‘mães estrangeiras’ (no sentido estrito de naturalidade, uma vez que podem ter adquirido a nacionalidade portuguesa). Esta é uma análise do PÁGINA UM aos dados históricos, desde 2011, divulgados pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), sendo que a informação por município relativa ao ano de 2023 foi disponibilizada no final da passada semana.

    Embora entre 2011 e 2019 se tenha observado esporadicamente concelhos pequenos com uma percentagem superior a 50% de bebés nascidos de mães naturais do estrangeiro – como em Porto Moniz, em 2015 e 2019, e no Corvo, em 2017 –, somente em 2020 surgiram mais casos em municípios de média dimensão. Por exemplo, em 2020 os municípios de Albufeira, Odemira e Aljezur tiveram mais bebés de mães ‘estrangeiras’ do que de mães ‘portuguesas’. Os dois últimos concelhos repetiriam a partir desse ano essa característica, que confirma os efeitos da imigração de população em idade fecunda, e em 2022 até tiveram a companhia novamente de Albufeira e também de Pedrógão Grande e também dos ‘pequenos’ Porto Moniz e Corvo.

    person wearing gray shirt putting baby on scale

    Contudo, no ano passado, juntaram-se a este ‘clube’ concelhos de grande dimensão: Sintra (52,1% de nascimentos de ‘mães estrangeiras’), o segundo do país com mais nascimentos em termos absolutos (apenas atrás de Lisboa); Amadora (56,2%), que está na quinta posição, e ainda Odivelas (50,6%), que é o oitavo. No entanto, em termos percentuais, Aljezur foi em 2023 o município de Portugal com o maior fluxo de nascimentos de mães naturais de país estrangeiros com 64,6% do total, seguindo-se Odemira (63,3%) e Albufeira (63,0%).

    Em concreto, no concelho da Amadora nasceram mais 249 crianças de mãe não-autóctone em comparação com bebés de mães naturais de Portugal (1.135 vs. 886), enquanto em Sintra a diferença foi de 186 (2.267 vs. 2.081) e em Albufeira foi de 139 (337 vs. 198). Nos outros três concelhos, a diferença absoluta foi mais pequena: em Odemira de 73 (174 vs. 101), em Odivelas apenas de 20 (921 vs. 901) e em Aljezur de 19 (42 vs. 23).

    O surgimento de mais nascimentos de crianças de mães ‘estrangeiras’ decorre do aumento da imigração, que tem registado crescimentos significativos nos últimos anos, sobretudo na Área Metropolitana de Lisboa. Entre 2011 e 2018, a percentagem de nascimentos provenientes de mães de naturalidade estrangeiras variou entre 16% e 19%, tendo atingido os 20% em 2019, ou seja, um em cada cinco nascimentos. Mas em 2022 e 2023 houve saltos significativos, que justificam que o saldo natural em Portugal seja agora positivo. Os municípios da Grande Lisboa e Península de Setúbal concentraram, em 2023, 51,6% dos nascimentos de bebés cujas mães tinham naturalidade de países estrangeiros.

    Nascimentos (números absolutos no topo das colunas) nos 10 municípios mais fecundos em 2023 e repartição em função da naturalidade da mãe. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Em 2022, no território nacional, contabilizaram-se 20.464 bebés nascidos de mães com naturalidade estrangeira, representando já 24,5%, e no ano passado subiu para 25.034 nascimentos, significando 29,2% do total. Em apenas dois anos, entre 2021 e 2023, o número de recém-nascidos de mães não-autóctones aumentou quase em oito mil, com o peso relativo a crescer 7,7 pontos percentuais. Se se considerar o ano base de 2014, ou seja, a última década, os partos de nados-vivos com mães de naturalidade estrangeira cresceram 85%. passando de 13.549 para 25.034.

    A Grande Lisboa, englobando a Área Metropolitana de Lisboa e a Península de Setúbal, foi, sem dúvida, o grande contribuidor. Se bem que o peso relativo de nascimentos de mães ‘estrangeiras’ tenha sido, entre 2011 e 2017, sempre bem acima da média nacional, somente em 2018 ultrapassou os 30%, mas em 2022 já atingiu os 37,5%, ultrapassando mesmo dos 44% no ano passado. Por exemplo, no município de Lisboa, em 2023 contabilizaram-se 2.270 nascimentos de mães ‘estrangeiras’ e 3.776 de mães de naturalidade portuguesa, ou seja, 40,2% do total dos recém-nascidos vieram ao mundo de mães não-autóctones.

    Mas além de Lisboa e dos seis municípios já destacados (Aljezur, Odemira, Albufeira, Amadora, Sintra e Odivelas), encontra-se mais 18 concelhos que ultrapassam a fasquia dos 40%: Lagos (49,6%), Barreiro (48,8%), Vila do Bispo (48,1%), Seixal (46,9%), Monção (46,2%), Loulé (45,7%), Moita (45,0%), Loures (44,8%), Portimão (44,0%), Almada (43,7%), Valença (42,9%), Entroncamento (42,9%), Cascais (42,8%), Montijo (42,1%), Penela (41,7%), Vila Velha de Ródão (41,2%), Tavira (40,6%), Rio Maior (40,3%).

    O fenómeno do aumento da prevalência dos nascimentos provenientes de mães não-autóctones não tem sido homogéneo, subsistindo ainda grandes diferenças regionais, e espelhando distintas dinâmicas económicas, sociais e demográficas. Enquanto a Área Metropolitana de Lisboa, a Península de Setúbal e o Algarve registam percentagens elevadas de mães de naturalidade ‘estrangeira’, outras regiões, sobretudo, a Norte e nas regiões autónomas apresentam um peso muito mais baixo.

    Número de nascimento de bebés em 2023 por região provenientes de mãe com naturalidade portuguesa (barras azuis) e com naturalidade estrangeira (barras verdes), marcando a proporção percentual. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, na região Norte, nenhuma das sub-regiões ultrapassa os 25% de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, sendo esta percentagem particularmente baixa no Tâmega e Sousa (7,1%) e no Ave (13,7%). No entanto, como acima referido, destacam-se os valores elevados de Monção e Valença, devido à vizinhança com a Galiza. Estes valores heterogéneos reforçam o perfil mais homogéneo destas áreas, onde predominam mães de naturalidade portuguesa. Outras sub-regiões do Norte, como o Cávado (20,6%) e a Área Metropolitana do Porto (18,3%), situam-se ligeiramente acima dos valores mais baixos da região, mas ainda distantes de outras partes do país com maior diversidade.

    Aliás, de entre os 10 concelhos portugueses com mais nascimentos em 2023, os dois da região Norte (Vila Nova de Gaia e Porto), estão abaixo da média nacional no que diz repito à mães não-autóctones, com 21,1% e 28,7%, respectivamente, ou seja, abaixo média nacional. Os restantes oito concelhos, todos da Grande Lisboa, tiveram valores acima dos 40%, com Sintra, Amadora e Odivelas acima dos 50%, como já salientado.

    No Centro, a percentagem de bebés nascidos de mães de naturalidade ‘estrangeira’ foi já mais elevada no ano passado em comparação ao Norte, embora permaneça ainda moderada. Com exceção das Beiras e Serra da Estrela (17,9%), todas as sub-regiões apresentaram valores entre 20% e 30%. O destaque vai para a Região de Leiria, que regista o maior valor da região Centro, com 29,8%, um pouco acima da média nacional.

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    As regiões que concentram os valores mais elevados de nascimentos provenientes de mães estrangeiras são a Área Metropolitana de Lisboa (44,5%), a Península de Setúbal (41,4%) e o Algarve (42,2%). Estas três áreas, que lideram a tabela nacional, são destinos preferenciais para comunidades migrantes, quer pelo dinamismo económico, quer pela oferta de emprego em sectores como turismo, construção civil e serviços. Estes números confirmam o papel fundamental da imigração para a renovação populacional nestas regiões.

    No Alentejo, os valores são, em geral, bastante baixos, com três das quatro sub-regiões a registarem percentagens inferiores a 20%. No Alto Alentejo, apenas 13,3% dos bebés nasceram de mães estrangeiras, enquanto no Alentejo Central o valor é de 18,5%. O Baixo Alentejo também se situa em patamares modestos, com 16,3%.

    A excepção notável é o Alentejo Litoral, onde a percentagem sobe para 25,9%, fruto da relevância crescente da imigração laboral, sobretudo em atividades agrícolas, ao longo da última década. O concelho de Odemira é o principal responsável: no ano passado, apenas 101 dos 275 bebés naturais daquele concelho nasceram de mães de naturalidade portuguesa.

    As regiões autónomas ilustram um cenário demográfico peculiar. Os Açores são, aliás, a região com menor peso de bebés nascidos de mães ‘estrangeiras’, registando apenas 5,1% do total, enquanto na Madeira se cifrou nos 19,2%, um valor significativamente abaixo da média nacional.

    Evolução do número de recém-nascidos em Portugal desde 2011 cujas mães tinham naturalidade estrangeira e percentagem em relação ao total. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Estes dados reforçam que as disparidades na naturalidade das mães são uma manifestação clara das dinâmicas económicas e sociais de cada região. Se os municípios dos distritos de Lisboa, Setúbal (sobretudo a norte do Sado) e Faro evidenciam o impacto direto da imigração na estrutura demográfica, observa-se noutras, como o Norte interior e os Açores, perfis populacionais mais tradicionais, com menor diversidade nas origens das mães.

    Esta geografia da maternidade, saliente-se, não permite aferir a nacionalidade das mães nem a naturalidade ou a nacionalidade dos pais, pelo que não se mostra possível retirar quaisquer conclusões sobre graus de miscigenação ou sobre a composição multicultural das famílias. Além disso, a ausência de dados sobre a origem dos pais limita a compreensão das dinâmicas familiares em termos de mobilidade e integração social, restringindo a análise a uma perspectiva exclusivamente centrada nas mães.


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  • Limpeza no Fisco: Governo Montenegro também já entrega contratos de ‘mão-beijada’ a empresa francesa

    Limpeza no Fisco: Governo Montenegro também já entrega contratos de ‘mão-beijada’ a empresa francesa

    Mudou o Governo, mas os negócios entre a empresa francesa Samsic e a Autoridade Tributária e Aduaneira continuam de pedra e cal. Este mês entrou em vigor mais um ajuste directo, o 21º desde 2017, para limpeza das instalações da ‘máquina fiscal’, sempre com o argumento da “urgência imperiosa resultantes de acontecimentos imprevisíveis”, que já dura há sete anos. Durante o Governo Costa, os contratos de ‘mão-beijadas’ eram suportados por despachos do Ministério das Finanças, mas o último justificava a escolha sem concorrência da Samsic, só até ao final do primeiro semestre deste ano. Aparentemente, a limpeza continuou mesmo sem contrato entre os meses de Julho e Outubro. E surgiu agora, caído do céu, mais um ajuste directo por mais um mês. O Ministério de Miranda Sarmento não dá explicações sobre um negócio que desde 2021 deu 11,4 milhões de euros à empresa francesa, ‘sem espinhas’, ou seja, sem concorrência.


    Desde 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) anda a contratar sempre a mesma empresa de limpeza, a Samsic, através de ajustes directos justificados por alegada “urgência imperiosa” e ‘escoltados’ em despachos do Ministério das Finanças. Já são 21 ajutes directos sucessivos, usando um subterfúgio legal no Código dos Contratos Públicos, mas que se torna ilegal quando usado de forma abusiva.

    A prática de contratualizar serviços de limpeza só à Samsic sem qualquer concurso público surgiu durante o Governo de António Costa, mas está a prolongar-se com o Governo de Luís Montenegro, uma vez que foi assinado pelo menos mais um ajuste directo este semestre. Com capitais franceses, a Samsic soma já 25 contratos para limpar as instalações da ‘máquina fiscal’, sendo que os últimos 21 foram por ajuste directo, sem qualquer possibilidade de apresentação de propostas por outros candidatos. Os serviços de limpeza, a par da segurança e do fornecimentos de refeições, é um dos sectores onde a prática abusiva de contratos de ‘mão-beijada’ se tem vindo a generalizar, ano após anos, de uma forma arbitrária e potencialmente ilegal, nas ‘barbas’ do Tribunal de Contas.

    Brown Wooden Floor

    Apesar de ser um serviço programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, apenas dois contratos, desde 2016, não foram realizados por ajuste directo, tendo sido abrangidos por um acordo-quadro. E grande parte dos contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic foram celebrados no decurso do período de vigência, que normalmente são trimestrais, mas podem abranger outras durações sem se perceber os motivos. O mais recente, por exemplo, no valor de cerca de 350 mil euros (sem IVA), é uma excepção: foi assinado em 30 de Outubro e vigora durante o actual mês de Novembro.

    Contudo, o ajuste directo anterior a este, que consta no Portal Base, no valor de um pouco mais de dois milhões de euros, foi assinado apenas em Abril deste ano, apesar da sua vigência se aplicar a todo o primeiro semestre (Janeiro a Junho de 2024). Não existe no Portal Base ainda qualquer referência à prestação de serviços de limpeza referentes aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro – ou seja, quatro meses. O valor deste período ‘esquecido’ deve ascender aos 1,4 milhões de euros.

    Conforme o PÁGINA UM já havia atestado em Outubro do ano passado, quase todos os contratos têm contornos estranhos, havendo mesmo sinais de fraude. Com efeito, em diversos contratos existrem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual em períodos anteriores. Um desses contratos teve uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 de Março de 2019 e expirava no dia 31 desse mês, e envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.

    Helena Borges, directora-geral da AT, e Cláudia Reis Duarte, secretária de Estado dos Assuntos Fiscais. O Ministério das Finanças do actual Governo não diz se manterá prática que ajustes directos sempre com a Samsic.

    Todos os ajustes directos desde 2016 têm sido assinados pelo subdirector Roda Inácio, nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque, actual comissária europeia. Em alguns contratos inseridos no Portal Base, o seu nome está indevidamente rasurado alegadamente por causa do Regulamento Geral da Protecção de Dados.

    O uso de tantos despachos governamentais para justificar a entrega de ‘mão-beijada’ de contratos sempre à mesma empresa, e alegando sempre “urgência imperiosa”, não é uma prática comum e a sua legalidade é bastante questionável. Através destes despachos, o Governo Costa autorizou, entre 2021 e 2024, a aquisição de serviços de limpeza à Samsic no valor total de 9.115.734,10 euros (11,2 milhões de euros com IVA), fundamentados num alegado critério material decorrente de supostos “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” pela AT. Mas isso somente pode servir de argumento se for “na medida do estritamente necessário” e, em simultâneo, “as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”, ou seja, neste caso, à AT.

    O PÁGINA UM consultou advogados especializados em contratação pública que referiram que a urgência imperiosa exige que a situação seja comprovadamente imprevisível, inevitável, e que não permita respeitar os prazos dos procedimentos concorrenciais habituais, pelo que a contratação repetitiva ao longo de vários anos, usando este expediente, contradiz o espírito da lei, que pressupõe que as entidades públicas planeiem os seus procedimentos de forma a evitar ajustes diretos sistemáticos.

    Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.

    Além disso, nos casos em apreço, estamos perante a prestação de serviços de limpeza que constitui uma necessidade contínua e previsível. A renovação anual ou trimestral com o mesmo fornecedor, alegando urgência, demonstra assim ou uma incompreensível falta de planeamento ou uma estratégia deliberada para contornar os procedimentos normais de contratação pública, nomeadamente concursos públicos ou limitados por prévia qualificação. A renovação sucessiva com a mesma empresa cria também um ambiente de favorecimento e reduz a transparência e a concorrência, violando princípios fundamentais do Código dos Contratos Públicos.

    O PÁGINA UM contactou o Ministério das Finanças para obter esclarecimentos adicionais sobre estes sucessivos ajustes directos, incluindo a razão pela qual nem sequer consta ainda no Portal Base a sustentação legal para os serviços de limpeza entre Julho e Outubro deste ano. De igual modo, procurou-se saber se o Ministério agora liderado pelo social-democrata Miranda Sarmento também usou despachos de algum secretário de Estado para ‘abrigar’ a continuação dos ajustes directos. Não houve resposta. Nem se sabe também qual o motivo para um concurso público para serviços de limpeza da AT, promovido pela Unidade Ministerial de Compras do Ministério das Finanças anda a ‘vegetar’ desde 2022.


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  • Museus: Porto ultrapassou Lisboa e Sintra em visitas de estrangeiros

    Museus: Porto ultrapassou Lisboa e Sintra em visitas de estrangeiros

    Os museus do Porto passaram a ser os preferidos dos visitantes estrangeiros, ultrapassando os de Lisboa e de Sintra. Desde 2021, que a ‘capital’ do Norte’ é líder nas visitas de estrangeiros aos museus, mas em 2022 e 2023 a posição de liderança consolidou-se. E, ao contrário de Lisboa e Sintra, o Porto conseguiu nos últimos dois anos ultrapassar o número de visitantes que registava nos anos antes da pandemia. Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que os museus do Porto receberam 2,352 milhões de visitantes em 2023 face aos 2,0 milhões registados em 2019. De resto, a nível nacional, os museus não conseguiram ainda recuperar do tombo observado em 2020 e 2021 devido às políticas radicais e controversas impostas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19. Lisboa não só não recuperou como saltou da primeira para a terceira posição no Top 10 das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, cabendo o segundo lugar a Sintra.


    Goodbye, Lisbon and Sintra! Hello, Oporto! O interesse dos turistas estrangeiros pelos museus da ‘capital’ do Norte catapultaram o Porto para a liderança das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus. Se, em 2019, Lisboa e Sintra eram as cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, o cenário mudou com a crise provocada pela gestão radical da pandemia seguida pelo Governo, que praticamente ‘fechou’ o sector da Cultura e o Turismo. Lisboa não só deixou de ser a favorita como desceu mesmo à terceira posição no ‘top 10’ das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus.

    Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, logo em 2021, o Porto ultrapassou Lisboa e Sintra nas visitas de estrangeiros aos museus, mas foi em 2022 e 2023 que a posição de ‘Rei’ incontestado se consolidou. Em 2019, o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto foi de 2,0 milhões. Em 2020, afundou para 452 mil, mas em 2021 recuperou para 684 mil e, nesse ano, a cidade já superou o número de visitantes estrangeiros nos museus de Lisboa e de Sintra. Em 2022, disparou para 2,27 milhões o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto e voltou a subir para 2,35 milhões em 2023.

    Além de se ter tornado o preferido dos estrangeiros, o Porto – que é a ‘casa’ da Fundação Serralves – conseguiu outra ‘proeza’: ultrapassar o número de visitantes que recebia antes da crise provocada pelas medidas covid-19 do Governo. Já Lisboa e Sintra, ainda estão aquém da performance observada nos antes da pandemia.

    Fundação Serralves, no Porto. / Foto: D.R.

    De notar que o Porto alberga três dos cinco museus nacionais mais visitas em 2022, segundo o INE. Além da Fundação Serralves, existem ainda o Museu dos Clérigos e o Tesouro da Sé Catedral do Porto.

    Já Lisboa, deixou a liderança que ocupava antes da pandemia e afundou para a terceira posição em 2023 e está longe de recuperar ‘a aura’ que tinha entre os visitantes estrangeiros. No ano passado, os museus da capital receberam a visita de 1,69 milhões de estrangeiros, ligeiramente mais do que os 1,66 milhões do ano anterior. Em 2019, o número registado foi de 2,75 milhões de visitantes. Ou seja, no caso dos museus da capital, estão 38,6% abaixo do número de visitantes observado em 2019. Ainda assim, trata-se de uma recuperação, depois de em 2020 as visitas terem descido para 527 mil, uma quebra de 80,8% face a 2019.

    Sintra, onde a ‘estrela é o Palácio Nacional da Pena, que ocupava o segundo lugar do ranking de visitas antes da pandemia, chegou a descer ao terceiro lugar mas ultrapassou Lisboa no ano passado e ocupa actualmente a segunda posição, com 1,73 milhões de visitantes estrangeiros em 2023. Está ainda distante dos 2,53 milhões de visitas de estrangeiros que se observou em 2019.

    Evolução do número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto, Sintra e Lisboa. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Os dados do INE são provenientes do ‘Inquérito aos museus’, o qual é dirigido “aos museus e aos jardins zoológicos, botânicos e aquários que, no ano de referência, estiveram em funcionamento permanente ou sazonal, com pelo menos uma sala ou espaço de exposição e com, pelo menos uma pessoa ao serviço”. É considerado ‘visitante’ cada “pessoa que visita as exposições, utiliza os serviços disponíveis (biblioteca, centro de documentação, reservas, entre outros), e/ou frequenta as atividades realizadas no museu (concertos e conferências, entre outros)”. O INE contabilizou a existência de 644 museus em actividade a nível nacional, dos quais 586 no Continente.

    Segundo o INE, a nível nacional, os museus ainda não conseguiram atingir o número de visitantes estrangeiros que tinham em 2019. Em 2023, o número global de visitantes estrangeiros aos museus atingiu os 8,64 milhões. Se o valor representa uma melhoria de 12,7% face a 2022, ainda está 16,4% abaixo dos 10,34 milhões de visitantes estrangeiros em 2019.

    De facto, o Governo português optou, em 2020 e 2021, por seguir a linha ‘dura’ dos países que optaram por medidas extremas na gestão da pandemia, com imposição de confinamentos e fecho de actividades. As medidas não só levaram ao desastre económico, como deixaram um rasto de excesso de mortalidade recorde nos anos subsequentes, além de ter criado uma onda de problemas diversos de saúde na população que esteve privada de acesso a tratamentos e diagnóstico de outras doenças não-covid. O sector da Cultura esteve entre os mais afectados com as medidas políticas, muitas delas sem base na evidência científica e que hoje estão desacreditadas.

    Visitas totais de estrangeiros aos museus em Portugal. Fonte: INE.

    Em 2020, as visitas de estrangeiros aos museus em Portugal afundou dos 10,34 milhões para os 2,0 milhões. Em 2021, as visitas subiram, mas apenas para 2,89 milhões. Só em 2022, houve uma recuperação mais acentuada, para 7,66 milhões de visitantes estrangeiros. Em 2023, o número de visitas recuperou mas está até abaixo do nível registado em 2018.

    Outra alteração que se pode observar nos últimos anos é a descida observada do peso a nível nacional do ‘top 10’ de cidades favoritas dos estrangeiros que visitam museus. Se em 2014, as 10 cidades com mais visitantes representavam 86,6% do total nacional, em 2019, o peso era de 86,2% e em 2023 já estava nos 81,5%, segundo uma análise feita aos dados do INE.

    Por outro lado, também a composição do ‘top 10’ tem sofrido alterações. Mafra era a quarta favorita em 2014, em 2019 já estava na sétima posição e em 2023 nem consta do ‘top 10’. Já Évora não constava da lista das 10 preferidas em 2014, em 2019 estava na sexta posição e no ano passado ocupava a quinta posição. Também Braga tem vindo a subir na tabela, estando na sexta posição. Guimarães, ‘berço’ de Portugal, mantém a quarta posição que tinha em 2019. Enquanto isso, Coimbra tem vindo a cair na tabela e está oitava posição.

    Top 10 por município do número de visitas de estrangeiros em museus portugueses em 2014, 2019 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Dados do INE relativos a 2022, indicavam que “os cinco museus mais visitados foram o Palácio Nacional da Pena, Museu dos Clérigos, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Museu Coleção Berardo e
    o Tesouro da Sé Catedral do Porto, que em conjunto receberam cerca 4,6 milhões de visitantes (29,5% do total), dos quais 2,9 milhões (37,9%) eram estrangeiros”.

    Dos museus geridos pela empresa pública Museus e Monumentos Nacionais, o mais visitado em 2023 foi o Mosteiro dos Jerónimos, com 965 mil visitas. No total, entre visitantes nacionais e estrangeiros, os museus e monumentos públicos geridos pela MMN geraram um total de 5,15 milhões de visitas em 2023, acima das 4,71 milhões registados no ano anterior.


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  • De peças para navios até farinheiras e presunto: Gouveia e Melo bate recorde de ajustes directos na Marinha

    De peças para navios até farinheiras e presunto: Gouveia e Melo bate recorde de ajustes directos na Marinha

    Sob o comando de Gouveia e Melo, a Marinha bateu este ano o máximo de, pelo menos, seis anos, na adjudicação de contratos sem concurso público. A despesa em compras por ajuste directo, em 2024, já ultrapassou os 18,1 milhões de euros, num total de 703 contratos, dos quais 66 acima de 50 mil euros. Só estes últimos atingem, no total, 13,3 milhões de euros. Os ajustes directos serviram para comprar tudo: desde peças para navios até serviços de limpezas, passando até por chouriços e farinheiras. Nos últimos três anos, sob completa responsabilidade de Gouveia e Melo, os ajustes directos em contratos acima de 50 mil euros rondam os 30 milhões de euros. O recente ‘puxão de orelhas’ à Marinha, seguido de perdão, por parte do Tribunal de Contas, não serviu de nada.


    O recente ‘puxão de orelhas’ que o Tribunal de Contas deu a Gouveia e Melo por causa de contratos por ajuste directo feitos pela Marinha caíram em saco roto. Não só a Marinha prosseguiu com a prática de efectuar contratos sem concurso, como este ano bateu o recorde: até 1 de Novembro foram celebrados, através deste procedimento, um total de 703 contratos, envolvendo 18,1 milhões de euros. Se se excluir os ajustes directos inferiores a 50 mil euros, encontram-se ainda 66 que totalizam quase 13,3 milhões de euros. Trata-se do valor mais alto de pelo menos seis anos.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, ao todo, apenas somando os ajustes directos de maior montante (acima de 50 mil euros), a Marinha gastou nos últimos três anos, sob a liderança de Gouveia e Melo, perto de 30 milhões de euros em compras de bens e aquisição de serviços sem concurso público ou sequer consulta prévia, ou outro qualquer procedimento de transparência pública e de fomento da livre concorrência.

    Foto: D.R.

    O valor total dos ajustes directos da Marinha em particular em 2024 – que ainda não terminou, sendo também habitual que haja atrasos na colocação dos contratos no Portal Base – está bem acima dos montantes globais tanto dos primeiros dois anos de ‘mandato’ de Gouveia e Melo como dois seus dois antecessores. Apenas incluindo os contratos acima de 50 mil euros, no ano passado contabilizam-se 56 ajustes directos no valor de cerca de 7,8 milhões de euros, enquanto em 2022, o primeiro ano completo com liderança de Gouveia e Melo, contam-se 71 ajustes directos envolvendo 8,6 milhões de euros. Em 2021, quase todo sob liderança de Mendes Calado, houve 70 contratos por ajuste directo acima de 50 mil euros, num montante global de 10,6 milhões de euros. Também sob as ordens de Mendes Calado, a Marinha realizou, acima dos 50 mil euros, 71 ajustes directos em 2020 e 60 em 2019, gastando 10,1 milhões e 7,2 milhões de euros, respectivamente.

    Este ano, além de chorudos contratos feitos para aquisição de serviços de limpeza, como o PÁGINA UM já noticiou, em Agosto passado, a Marinha adjudicou outros tantos milhões de euros numa panóplia de compras de bens e serviços. É o ‘vale tudo’. O modelo do ajuste directo serviu tanto para a compra de peças para navios de guerra, como a aquisição de software, serviços de limpeza, de vestuário profissional, de combustíveis, de purificadores do ar, de medicamentos, de serviços de telecomunicações, de máquinas para tratamento de águas residuais e até de enchidos, designadamente chouriço mourão, farinheira, fiambre e presunto.

    O ajuste directo com o valor mais elevado efectuado este ano pela Marinha, no montante de 735.681 euros, consistiu na contratação de serviços à empresa Reparaciones Navales Canarias, S.A., para a reparação urgente do navio patrulha ‘Zaire’. O contrato foi celebrado a 29 de Agosto sendo fundamentado com o já estafado e abusado argumento da “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

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    Já o segundo maior contrato, no valor de 728.670 euros, diz respeito à contratação de serviços de limpeza à empresa Interlimpe – Facility services, SA e foi celebrado a 19 de Julho com a mesma fundamentação. Este contrato consistiu, em concreto, na “aquisição de serviços de Higiene e Limpeza no período de junho a outubro de 2024, com possibilidade de prorrogação para o mês de novembro de 2024, para o Comando Naval, a Escola de Tecnologias Navais, o Centro de Educação Física da Armada, o Centro de Avaliação Psicológica, o Centro de Medicina Naval, o Departamento de Logística Sanitária, a Escola Naval e o Departamento Marítimo do Sul”. De resto, nos ajustes directos acima dos 50 mil euros efectuados este ano, a Marinha conta com 12 contratos feitos com empresas de limpeza, superando os 3,3 milhões de euros.

    Ainda no pódio dos ajustes directos, consta ainda um contrato celebrado a 14 de Julho com a Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Electrónica no montante de 601.972 euros com o argumento de que a adjudicação só podia ser confiada a esta entidade por ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Não é incluído no Portal Base qualquer documento que justifique cabalmente essa decisão.

    Mas na longa lista de compras sem concurso feitas pela Marinha encontra-se mesmo de tudo. Até um contrato no valor de 215.640 euros para a compra de enchidos, designadamente chouriços mourão, farinheiras, fiambre e presunto, à empresa Carnes Loução – Industrial Carnes. Este contrato não está disponível, surgindo uma mensagem de erro na ligação para o documento, mas sabe-se que o ajuste directo foi concretizado a 4 de Abril. A justificação para este expediente remete para uma norma do Código dos Contratos Público que permite ajustes directos quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação para a formação de contratos de valor inferior aos limiares […], consoante o caso, todas as propostas ou todas as candidaturas tenham sido excluídas”. Também não há documentos no Portal Base que indiquem as razões para as exclusões.

    O recurso aos ajustes directos por parte da Marinha tem-se intensificado, apesar do ‘puxão de orelhas’ do Tribunal de Contas em Agosto passado, numa inspecção iniciada em 2022, que perdoou a Gouveia e Melo inúmeras infracções à lei dos contratos públicos, na sequência de dezenas de contratos que foram adjudicados à mesma empresa, a Proskiper, sem concurso e à margem do que a legislação permite, além de outro tipo de irregularidades.

    Evolução do valor dos ajustes directos da Marinha acima de 50 mil euros. Unidade: milhares de euros. Gouveia e Melo assumiu funções em Dezembro de 2021. Valores de 2024 até 1 de Novembro. Fonte: Portal Base.

    Recorde-se que Gouveia e Melo exerce as funções de Chefe do Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional desde 27 de Dezembro de 2021, sendo que entre 2017 e 2020 foi Comandante Naval. Foi nesse período que assinou diversos contratos de ajuste directo à Proskipper. No relatório de auditoria a contratos da Marinha, o Tribunal de Contas entendeu que o então vice-almirante e outros responsáveis não tinham actuado com a intenção de violar a lei e concluiu que as suas acções foram passíveis de “um juízo de censura de falta de cuidado e mera negligência”, pelo que escapou a multas.

    Contactada para explicar este volume de ajustes directos, o Estado-Maior da Armada (ou Marinha) justificou que “está a celebrar estes contratos no estrito cumprimento do normativo em vigor e para satisfação das necessidades decorrentes da especificidade das suas atividades e meios, ressalvando-se a necessidade de celebração de contratos por inexistência de concorrência por motivos técnicos e por proteção de direitos exclusivos nas aquisições decorrentes das ações de manutenção dos meios navais operacionais e seus equipamentos, sistemas e respetivos componentes”. Indicou ainda que “este conjunto de procedimentos representam entre 65% a 70% da despesa por ajuste direto”.

    Instada a explicar a razão para invocar sistematicamente a “urgência imperiosa”, mesmo em casos que poderiam ser programados, para celebrar contratos por ajuste directo, a Marinha apenas se limitou a explicar a situação da aquisição de serviços de limpeza, que já tinha adiantado ao PÁGINA UM numa notícia anterior.

    Questionada sobre se a Marinha pretende, no futuro, optar por fazer mais vezes concursos em vez de ajustes directos, a Marinha respondeu que “tem vindo a introduzir melhorias significativas nos seus procedimentos de contratação pública e está a consolidar as medidas com esse objetivo”. Destacou, por exemplo, “a criação de um gabinete específico de normativo e apoio à contratação pública, que produziu e divulgou internamente diversas diretivas, normas técnicas, modelos padronizados e vários documentos de apoio à contratação pública”.

    Por outro lado, ressalvou “a reestruturação da organização financeira e patrimonial da Marinha tendo resultado na concentração de competências financeiras, concentração das estruturas executivas de compras, recursos e reformulação de processos”. Indicou que “esta restruturação permitiu a criação de centros de competências na área da contratação pública, incrementando as compras planeadas, agregadoras, de que resultou o aumento dos procedimentos concorrenciais e a redução do número geral de processos de despesa”.

    Ainda segundo a Marinha, “a uniformização dos procedimentos e a alteração do modelo organizacional permitiram nos últimos três anos uma redução de 47% no número total de procedimentos aquisitivos, com um aumento de 76% no número de procedimentos concorrenciais”.

    Apesar disso, no Portal Base o cenário é de um aumento no montante despendido através de ajustes directos, pelo que, pelo menos em 2024, as medidas da Marinha aparentam servir para encher chouriços.

    N.D. 18/11/2024; 22h15 – O antecessor imediato de Gouveia e Melo foi Mendes Calado, e não Silva Ribeiro, como inicialmente referido. Ao visado, as nossas desculpas.


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