Categoria: Política

  • Governo quer que todos os documentos feitos e trocados entre os seus membros sejam secretos

    Governo quer que todos os documentos feitos e trocados entre os seus membros sejam secretos

    O secretismo da actividade do actual Governo, que festejará no próximo ano, o cinquentenário da Democracia, está a intensificar-se. Numa contra-alegação de um processo de intimação do PÁGINA UM, através do seu FUNDO JURÍDICO, intentado no Tribunal Central Administrativo Sul, a Presidência do Conselho de Ministros defende que todos os documentos elaborados pelos seus serviços e a troca de documentação entre membros do Governo, e também com o Presidente da República, devem ser considerados documentos de natureza política. Desse modo, pretendem que fiquem excluídos das obrigações da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.


    O Centro de Competências Jurídicas do Estado – um “gabinete jurídico de luxo” da Presidência do Conselho de Ministros – considera que “os ofícios, cartas e outros documentos trocados e elaborados no seio do Governo ou entre o Primeiro-Ministro e o Presidente da República e os respetivos Gabinete e Casa Civil não são passíveis de acesso ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos”.

    Esta interpretação – que pode significar dificuldades acrescidas de acesso a documentos governamentais – consta das contra-alegações do Governo apresentadas no Tribunal Central Administrativo Sul no decurso de uma intimação do PÁGINA UM para aceder ao inquérito preenchido por Gonçalo Rodrigues. O PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social que estranhou que um inquérito apresentado como um sinal de “transparência do Governo” sobre os seus membros, após um conjunto de escândalos, fosse classificado como “secreto”.

    Este professor do Instituto Superior de Agronomia foi a primeira (e até agora única) pessoa a ser abrangida por uma Resolução de Conselho de Ministros de Janeiro deste ano, que passou a exigir a entrega de resposta a um conjunto de 36 quesitos. Sem essa entrega, a pessoa convidada não poderá ser aceite como membro de Governo, mas o diploma legal – que vincula um particular, que tem assim de cumprir uma norma – considera que a informação é classificada como “Nacional Secreto”, invocando legislação que se aplica a casos de segurança de Estado ou de aliados.

    Ironicamente, o inquérito que o Governo não quer ceder ao PÁGINA UM resulta de uma Resolução do Conselho de Ministros que, logo no preâmbulo, relembra que “o Programa do XXIII Governo Constitucional realça a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático“. E acrescenta, a seguir que “tal aconselha que o escrutínio a que aqueles titulares devem ser sujeitos para integrarem o Governo, no âmbito do processo de avaliação política que precede a respetiva nomeação, seja reforçado.” Só que o reforço é falacioso. Não só o Governo esconde os inquéritos como garante a sua destruição se o governante foi destituído ou se não tomar posse.

    Trecho da contra-alegação do Governo em defesa do obscurantismo. Tribunal Central Administrativo Sul determinará se esta tese, em vésperas do 50º aniversário da democracia, vence.

    Em sede de primeira instância, o Governo conseguiu que uma juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa considerasse que os documentos associados, mesmo se indirectamente, à constituição do Governo eram apenas documentos políticos, e não documentos administrativos contendo decisões políticas, concluindo que assim o Governo não teria de ceder o acesso ao documento por este não estar abrangido pela Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. O PÁGINA UM contestou essa interpretação por considerar que um acto político, que é conceito muito abrangente, assume também um acto administrativo se efectivado em documento físico ou suporte análogo em cumprimento de uma norma legislativa.

    Mas agora, em sede de recurso, o Governo aparenta querer ir ainda mais longe – e até porventura criar jurisprudência –, ao defender que todos os documentos elaborados no seio do Governo, incluindo correspondência entre ministros, secretários de Estado e até Presidente da República fiquem no segredo dos deuses. No limite, o acesso a qualquer relatório técnico, contendo matérias politicamente sensíveis, poderia passar a ser negado pelo Governo invocando que se trataria de um documento político.

    Recorde-se que a lei considera que um documento administrativo é “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades” públicas, incluindo Governo, “seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”, não fazendo referência ao tipo de decisão ou matérias que contenha.

    Existe apenas um artigo que exclui determinados documentos da esfera públicas, em concreto “as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte” – daí que, por exemplo, as famosas notas de Frederico Pinheiro não são documentos administrativos, pelo que o acesso público pode ser vedado –, “os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente aqueles referentes à reunião do Conselho de Ministros e ou à reunião de Secretários de Estado, bem como à sua preparação” e ainda “os documentos produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português.”

    Não parece ser esse o caso de um inquérito preenchido por Gonçalo Rodrigues, ainda mais sabendo-se que, no momento em que o actual secretário de Estado o entregou, era ainda um simples cidadão sem cargo político, e que estava apenas a cumprir o estatuído num diploma legal, criado por… uma decisão política em prol da transparência.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 19 processos de intimação intentados desde Abril do ano passado, além de outras diligências, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Quem dá a cara pelo Reignite Freedom, o movimento contra o Clube de Bilderberg?

    Quem dá a cara pelo Reignite Freedom, o movimento contra o Clube de Bilderberg?

    As manifestações globais começam a viralizar, mas também são alvo de ataques na imprensa mainstream, que acusa os seus promotores de serem o “braço” popular de grupos de direita conservadora e mesmo de extrema-direita, congregando também anti-vacinas e teóricos da conspiração. Será assim? O PÁGINA UM apresenta os perfis dos 11 principais promotores do Reignite Freedom, um dos movimentos mais dinâmicos, e que organizou este sábado uma manifestação em Lisboa por causa da reunião do Clube de Bilderberg.


    “We are many, we are united, we are ready” [nós somos muitos, nós estamos unidos; nós estamos prontos] – este é o lema da manifestação de protesto do movimento Reignite Freedom que hoje se realiza em Lisboa, integrado num movimento mais alargado, o Global Walkout, nascido no ano passado protagonizado pela activista australiana Monica Smit.

    Não é um acaso o momento e local desta manifestação na capital portuguesa por parte daqueles que alertam para os perigos da globalização e da concentração de poder em elites políticas e financeiras, e que considerando mesmo que o The Great Reset, defendido em 2020 pelo World Economic Forum, tem propósitos malévolos.

    Hotel Pestana, em Lisboa, onde se reúne este fim-de-semana o Clube de Bildeberg.

    Nos próximos três dias, o Hotel Pestana Palace, em Lisboa, será o palco da reunião anual do Clube de Bilderberg, uma espécie de fórum (mais ou menos) secreto e agendas de similar calibre, e que constitui um alvo sempre apetecível dos movimentos anti-globalização.  

    Embora os objectivos formais do Reignite Freedom sejam apenas ideologicamente anti-globalização – no sentido de considerarem a sua missão como de “reacção global unificada e estratégica contra a agenda globalista, garantindo que mantém a liberdade individual e colectiva”, conforme consta no seu site –, a imprensa mainstream não tem sido favorável às manifestações antiglobalização.

    Na generalidade, surgem coladas às ideologias de extrema-direita, de negacionistas da pandemia e mesmo a teóricos da conspiração. E isto quando não simplesmente ignoradas, com a completa ausência de cobertura.

    Por isso, sobre o movimento Reignite Freedom, o PÁGINA UM decidiu traçar o perfil das 11 personalidades que constituem a sua “equipa de lançamento”, onde desponta como figura maior o advogado John F. Kennedy, durante anos um destacado e reconhecido activista ambiental, e agora candidato nas primárias do Partido Democrata às eleições norte-americanas, mas que caiu em desgraça na imprensa mainstream durante a pandemia.


    ROBERT F. KENNEDY JR

    Sobrinho do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy, o agora candidato pelo Partido Democrata às presidenciais norte-americanas de 2024 tem um longo historial como activista ambiental, destacando-se como advogado do poderoso National Resources Defense Council, uma organização não-governamenal ecologista com cerca de 2,5 milhões de membros.

    Defensor da “liberdade de escolha médica”, Robert F. Kennedy fundou a Children’s Health Defense (CHD), uma organização sem fins-lucrativos que se destacou pela contestação ao uso de timesoral (contendo mercúrio) em vacinas por alegadamente estar associado a autismo, doença de Alzheimer e esclerose múltipla, entre outras doenças. Apesar de garantir a segurança dessa substância, as autoridades norte-americanas retiraram o seu uso na generalidade das vacinas. No entanto, estas posições justificaram-lhe o rótulo de anti-vacinas, sobretudo quando colocou questões sobre a segurança das vacinas contra a covid-19.

    Aliás, no passado dia 24 de Março, Kennedy, juntamente com a Children’s Health Defense, avançou com uma “acção legal colectiva” contra o presidente norte-americano Joe Biden, o virologista Anthony Fauci e outros responsáveis de topo da actual Administração, acusando-os de encetar uma “campanha concertada para que as três principais redes sociais nacionais censurassem discurso protegido constitucionalmente”.

    Candidato às primárias do Partido Democrata para as eleições para a Presidência dos Estados Unidos em 2024, Robert Kennedy Jr não tem tido a vida facilitada nas redes sociais: em Agosto do ano passado as suas contas de Instagram e de Facebook foram eliminadas por ter alegadas violações às regras “da política de desinformação” sobre a covid-19.

    Porém, mantém-se bastante activo no Twitter, rede onde conta mais de 1,3 milhões de seguidores.

    Quando o movimento organizador do protesto de sábado foi lançado, o sobrinho do antigo presidente norte-americano John F. Kennedy foi, desde logo, uma das principais figuras a dar a cara pelo projecto, e está prevista a leitura de uma sua mensagem.


    MONICA SMIT

    Líder do movimento “Reignite Freedom”, a activista australiana de 34 anos surge como o rosto mais activo e está presente na manifestação em Lisboa.

    Durante a pandemia de covid-19, perante as duras restrições impostas pelo Governo australiano, Smit fundou a Reignite Democracy Australia (RDA), uma organização que, segundo consta na página oficial, “visa a manutenção da liberdade individual e colectiva”. Entre as suas reivindicações, está a “abolição da censura” e da “tirania médica”.

    A cobertura mediática de Smit não lhe tem sido nada favorável: a propósito de um vídeo que a activista publicou esta semana nas redes sociais, no qual pedia donativos financeiros para a sua associação por estar alegadamente à beira da falência, foi ridicularizada por vários jornais, incluindo o britânico Daily Mail.

    Apelidada habitual e insistentemente como “anti-vacinas”, Monica Smit está já habituada a um tratamento hostil. No Verão de 2021 foi alvo de acusações criminais – que lhe seriam retiradas em Julho do ano passado – por ter promovido manifestações contra o confinamento, e chegou mesmo a ser detida durante 22 dias.

    A activista foi novamente acusada por incumprimento das ordens da autoridade de saúde de Melbourne em 2021, motivo que a levou novamente ao tribunal em Dezembro do ano passado. Smit contra-atacou, dizendo ser sua intenção processar as autoridades pela sua detenção.

    De acordo com a sua página de LinkedIn, e antes de ter fundado a sua organização, Smit trabalhava como jornalista independente, desde Fevereiro de 2018, tendo viajado durante esse período para os Estados Unidos, Canadá, Equador, Honduras e Guatemala.

    Sem qualquer indicação de formação académica nessa rede social, Monica Smit refere experiências profissionais anteriores no ramo imobiliário e de publicidade.


    ROBERT MALONE

    Conhecido virologista e imunologista norte-americano, devido ao seu papel pioneiro no desenvolvimento da tecnologia de mRNA, Robert Malone, agora com 63 anos, foi um dos nomes mais credíveis no mundo da Ciência a criticar a vacinação contra a covid-19.

    A sua posição crítica valeu-lhe, por um lado, o respeito pelos grupos que contestavam aquelas vacinas, mas por outro uma imprensa hostil que se apressou a desvalorizar as suas investigações e a desmentir a ideia, que o próprio proclamava, de ser ele o “inventor das vacinas de mRNA”.

    Em Portugal, jornais como a Visão, o Polígrafo e o Observador publicaram artigos que contradiziam as afirmações de Malone e negavam a suposição de que ele teria sido uma figura central na criação desta nova espécie de vacinas.

    Robert Malone

    Se houve ou não paternidade, certo é que os trabalhos de Robert Malone foram indesmentivelmente uma das primeiras peças do “puzzle” da tecnologia mRNA aplicada nas vacinas contra a covid-19 da Pfizer e da Moderna. Na década de 1990, em conjunto com outros colegas, publicou um artigo que demonstrava como a injecção de RNA nos músculos produzia proteínas.

    No entanto, como reportou o jornal New York Times no ano passado, Malone não foi o único, nem o principal autor do artigo científico. Na verdade, como o PÁGINA UM confirmou, o artigo em causa publicado na Science em 23 de Março de 1990, tem sete autores, sendo que Malone é o segundo, atrás de Jon A. Wolff, um geneticista falecido em Abril de 2020.

    Além disso, embora a descoberta tenha sido cabal para o desenvolvimento das actuais vacinas de mRNA mensageiro, foram ainda necessários “aprimoramentos” ao longo de vários anos, nos quais Robert Malone já não participou.

    Em todo o caso, durante a pandemia, as suas afirmações mais contundentes incidiram sobre os possíveis efeitos secundários da vacinação e à “toxicidade” da proteína spike, à relativização da gravidade da doença e à defesa do uso de ivermectina e hidroxicloroquina como formas de tratamento contra a covid-19.

    Robert Malone, em Lisboa, numa tertúlia em Setembro de 2021, dinamizada pela Cidadania XXI.

    No entanto, embora Malone tenha colaborado, ao longo da vida profissional, com a indústria farmacêutica, e estado até envolvido na pesquisa para a vacina do vírus Ébola e na terapêutica para o Zika, tem sido apelidado pela imprensa mainstream como anti-vacinas. Isto mesmo depois de Malone se ter vacinado em 2021, como assumiu num evento em Lisboa.

    À boleia da covid-19, Robert Malone – que sempre garantiu não pertencer a nenhum partido político – começou a dar entrevistas em canais conservadores, sendo a sua aparição mais polémica ocorrido no conhecido podcast The Joe Rogan Experience, em Dezembro de 2021, episódio que acabaria por ser censurado pelo Youtube.

    Tendo-se tornado num ‘activista’ assumido, soma mais de 300 mil seguidores na plataforma Substack, enquanto no Twitter está próximo de 1,1 milhões de seguidores.


    MIKE YEADON

    Em Março de 2021, a Reuters escreveu um artigo sobre Mike Yeadon intitulado “O ex-cientista da Pfizer que se tornou um herói anti-vacinas”. De facto, quando pesquisamos o seu nome no motor de busca do Google, a primeira página que aparece diz-nos que se trata de um “activista anti-vacinas britânico” e “farmacologista reformado”. Mas será mesmo assim?

    Quando Michael Yeadon se pronunciou publicamente contra as medidas de contenção da pandemia, as suas declarações – na altura extremamente controversas – circularam na internet, dizendo-se que seriam do “vice-presidente da Pfizer”. No entanto, apesar de Yeadon ter, efectivamente, trabalhado durante vários anos naquela farmacêutica alemã, o cargo que alguns internautas lhe atribuíram nunca foi seu. Este cientista foi, na realidade, vice-presidente do departamento de investigação de alergias e doenças respiratórias daquela empresa entre 2006 e 2011.

    Mike Yeadon

    Fora da Pfizer, Michael Yeadon co-fundou e foi presidente da Ziarco, uma empresa de biotecnologia entretanto adquirida em 2017 pela farmacêutica suíça Novartis, num contrato inicialmente fechado por 325 milhões de dólares (cerca de 300 milhões de euros), mas que previa pagamentos suplementares em função de objectivos. O negócio acabou por ser um fiasco para a farmacêutica suíça, com um prejuízo de 485 milhões de dólares assumido em 2020, porque o fármaco desenvolvido pela Ziarco para o tratamento de eczema nunca obteve autorização de comercialização.

    O prestígio de Yeadon foi também diminuindo, nos últimos três anos, por força da “classificação” pela imprensa mainstream de ser ele um “activista anti-vacinas”, após as suas críticas contra as medidas de combate à covid-19.

    Em Outubro de 2020, este cientista chegou a defender que a pandemia no Reino Unido “tinha terminado” e que “não haveria uma segunda vaga de infecções”, pelo que as vacinas seriam desnecessárias. Estas declarações chegaram a ser alvo de uma análise do jornal português Polígrafo em Fevereiro de 2021, que lhe atribuiu a classificação de “pimenta na língua”.

    Além de se pronunciar contra as máscaras e confinamentos, Yeadon pôs também em causa a segurança das vacinas contra a covid-19, alegando que poderiam provocar infertilidade nas mulheres.


    PETER McCULLOUGH

    Cardiologista norte-americano, aos 60 anos Peter McCullough tem um currículo extenso. Formado em 1984 em Ciência pela Universidade de Baylor, uma década depois completou um mestrado em Saúde Pública na Universidade do Michigan, onde estudou Epidemiologia.

    Entre 2010 e 2013, McCullough ocupou cargos executivos no hospital St. John Providence, no Estado do Michigan, e, posteriormente, na especialidade de Medicina Interna do Centro Médico da Universidade de Baylor, no Texas, onde permaneceu até Fevereiro de 2021.

    Depois, exerceu como cardiologista clínico na Heart Place, o maior grupo em prestação de cuidados cardiovasculares no norte do Texas. Desde Agosto passado, ocupa o cargo de director científico da The Wellness Company, sediada em Miami.

    Peter McCullough

    Tal como sucedeu com Robert Malone, devido às suas posições contrárias à gestão da pandemia, o cardiologista teve a sua conta do Twitter suspensa antes da compra por Elon Musk. Com a nova administração da rede social, a sua conta foi reactivada e McCullough tem já mais de 800 mil seguidores.

    McCullough, que tem no seu perfil uma imagem onde se lê “Corageous Discourse [Discurso Corajoso]” não se tem, de facto, coibido, seja em entrevistas, conferências ou nas redes sociais, de manifestar as suas opiniões controversas em relação à vacinação contra a covid-19.

    No início deste ano, esteve no programa (recentemente suspenso) de Tucker Carlson, no canal conservador Fox News, para falar do misterioso aumento de problemas do foro cardíaco entre jovens atletas. Foi, também entrevistado por Joe Rogan para o seu podcast, em Dezembro de 2021, e até pelo polémico Steve Bannon em Julho do ano passado.

    O médico já esteve em Portugal, onde participou no Congresso Internacional sobre Gestão de Pandemias que ocorreu em Fátima em Outubro passado.

    CHRISTINE ANDERSON

    Com 54 anos, a alemã Christine Anderson é eurodeputada desde 2 de Julho de 2019 pela “Alternativa para a Alemanha” (AfD, na sigla em alemão).

    Conotado com o “populismo de extrema-direita”, o partido, do qual Anderson faz parte desde a sua fundação, há 10 anos, segue a linha habitualmente associada a este espectro ideológico: tendencialmente nacionalista, crítico da União Europeia, e apologista de restrições mais apertadas à imigração.

    Em Dezembro de 2021, Anderson foi uma entre seis eurodeputados a sofrerem sanções do Parlamento Europeu (PE), por se ter recusado mostrar o certificado de vacinação contra a covid-19 para entrar na sede desta instituição. A penalização de Anderson não foi, contudo, das mais pesadas: apenas perdeu as regalias de parlamentar por dois dias.

    Christine Anderson

    Outro momento em que a conduta da eurodeputada destoou ocorreu em Novembro do ano passado, quando se recusou a denominar o regime de Vladimir Putin como “terrorista”. A resolução, considerada sobretudo um gesto simbólico, teve a aprovação da esmagadora maioria (um total 494), mas Anderson, ao lado de 57 outros eurodeputados, rejeitou atribuir aquela designação à Rússia, e votou contra. A eurodeputada e mais seis membros do seu partido foram os únicos políticos alemães a assumir esta posição.

    No seu país, Anderson é figura polémica, somando controvérsias e sendo acusada de ser simpatizante do PEGIDA – sigla para “Patriotic Europeans Against the Islamization of the West” –, um movimento político conhecido pela sua hostilidade ao islamismo e à forte rejeição de refugiados e imigrantes.

    Em Fevereiro deste ano, Christine Anderson chegou a ser, de forma indirecta, alvo de um comentário condenatório do primeiro-ministro canadiano Justin Trudeau, que considerou que o Partido Conservador do Canadá “devia explicações” depois de três dos seus membros terem aparecido ao lado da eurodeputada alemã numa fotografia, que se tornaria viral.


    JIMMY LEVY

    Cantor norte-americano, inicialmente de gospel, agora com 25 anos, Jimmy Levy já era um influencer antes da sua participação na 18ª edição do programa American Idol, estreado em Fevereiro de 2020, lhe conferir maior visibilidade.

    Depois da sua breve passagem pelo concurso televisivo, Jimmy Levy lançou duas músicas com uma forte mensagem de contestação, em parceria com o rapper Hi-Rez, intituladas “This is a War” e “Welcome to the Revolution”, esta última com uma evidente mensagem de alerta para a segurança das vacinas contra a covid-19. Juntas, as duas músicas somam mais de seis milhões de visualizações no Youtube.

    Contudo, o Instagram é a rede social onde Levy tem um maior número de seguidores, totalizando mais de um milhão.

    Jimmy Levy

    Nas suas plataformas digitais, o jovem artista partilha frequentemente opiniões de cariz político, tendo já criticado, em várias ocasiões, a vacinação contra a covid-19, bem como outras medidas “progressistas”, como a sexualização das crianças.

    Durante as eleições presidenciais do Brasil no início deste ano, Levy declarou-se um devoto apoiante de Jair Bolsonaro e condenou o tratamento que os manifestantes contra Lula da Silva receberam em Brasília. Na internet, circula uma fotografia sua com um chapéu em que se lê “Lula Ladrão seu lugar é na prisão”.

    O músico chegou a encontrar-se com Bolsonaro, junto do qual tem fotografias e vídeos que partilhou nas redes sociais. A sua voz activa em defesa do antigo presidente brasileiro colocou-o na mira de alguns órgãos de comunicação brasileiros.

    Judeu, diz ter sido salvo pela fé, depois de “múltiplas tentativas de suicídio” desde a sua adolescência. Nos últimos meses, começou a promover encontros de culto para “adorar Yeshua”, nos quais canta. Num recente episódio, chegou até a ser retido e expulso pela polícia.


    MORGAN C. JONAS

    No seio do movimento Global Walkout, o australiano Morgan C. Jonas, de 38 anos, é a personalidade mais próxima da líder Monica Smit. Na verdade, os dois activistas estão noivos.

    No seu site oficial, Jonas revela que a desconfiança sobre o poder político começou a brotar durante a campanha presidencial de Donald Trump, em 2016. Na altura, era dono de uma empresa de equipamentos para desportos de combate, e os discursos de Trump fizeram-no repensar o seu modelo de negócio, sustentado sobretudo em importações, outsourcing e produção no estrangeiro, algo que contribuiria para o progressivo enfraquecimento do sector industrial.

    Morgan C. Jonas

    Para si, esse foi o ponto de viragem. A partir daí, cresceu em Jonas a vontade de empreender uma mudança, expondo “políticos corruptos” e “as suas más acções”.

    Esse desejo culminou na organização de um comício em 2019, cujo alvo era Daniel Andrews – o primeiro-ministro do Estado australiano de Victoria, onde Jonas reside, na cidade de Melbourne. Na altura, o principal objectivo era denunciar os “perigosos” acordos comerciais com o Partido Comunista Chinês.

    Com a pandemia de covid-19, Morgan C. Jonas lançou o “MCJ Report”, um programa com conteúdos noticiosos da sua autoria, somando conflitos com as autoridades. Em Setembro do ano passado fundou o Freedom Party of Victoria, com resultados modestos nas eleições para a Assembleia legislativa (1,71%).


    ALEXANDER TSCHUGGUEL

    O austríaco Alexander Tschugguel, que completa 30 anos em Junho, é um dos mais jovens propulsores do Global Walkout, sendo conhecido por protagonizar actos de protesto impetuosos e suis generis.

    Por exemplo, em 2019, para combater o “paganismo”, liderou um grupo de manifestantes que roubou estátuas indígenas em madeira, de mulheres nuas e grávidas, expostas dentro da Igreja de Santa Maria em Traspontina, perto do Vaticano, e atirou-as ao Rio Tibre. E assumiu o acto no YouTube, na página do Instituto São Bonifácio, que se assume como “plataforma para apoiar a luta pela fé católica e defender essa fé quando e onde for necessário”.

    Alexander Tschugguel

    Descendente de uma família austríaca abrasonada da região de Bolzano, em Itália, Tschugguel é o arquétipo do conservador. Baptizado na doutrina protestante de Lutero, converteu-se ao catolicismo, aos 15 anos, regressando a uma tradição que tinha atravessado todos os seus antepassados, mas “quebrada” pelo seu bisavô.

    Um ano depois, juntou-se uma organização política de carácter católico e conservador originária do Brasil, a “Tradição, Família e Propriedade” e, desde então, tem sido um fervoroso defensor dos valores católicos e tradicionais: opõe-se ao aborto, ao casamento homossexual, à União Europeia, e é avesso às políticas climáticas.

    Em 2013, foi também um dos fundadores do partido conservador e eurocéptico Die Reformkonservativen, que cessou a actividade em 2016.

    Em 2019, Alexander Tschugguel organizou também um protesto que consistia em orar, junto à catedral de Santo Estêvão, em Viena, que estava naquele momento a ser palco de um evento anual de angariação de fundos para campanhas de sensibilização para o HIV.


    MICHAEL J. MATT

    Jornalista norte-americano, Michael J. Matt combate, nas suas próprias palavras, “lunáticos e hereges” desde 1996. Após o falecimento do seu pai, Walter Matt, em 2002, assumiu o seu lugar como editor do The Remnant, um jornal norte-americano católico tradicionalista fundado em 1967.

    Matt é, também, produtor da Remnant TV, uma plataforma que pretende ser “rival” do Youtube e onde apresenta o seu próprio programa.

    Extremamente crítico do pontificado do Papa Francisco, opõe-se às mudanças na Igreja Católica, sobretudo daquelas tomadas a partir do chamado Concílio Vaticano II, em 1962. Na versão digital do seu jornal, defende que “tem lutado contra esta revolução na Igreja há mais de quarenta anos, tal como tem lutado contra os erros que infectam o Estado moderno – o liberalismo, socialismo, comunismo, a Nova Ordem Mundial, uma cultura de juventude degenerada, a epidemia de abortos, eutanásia, educação sexual”.

    Michael J. Matt

    O legado do “jornalismo católico”, herdado por Michael J. Matt através da sua família, remonta a várias gerações atrás. Foi o seu pai que criou The Remnant, depois de uma contenda com o seu irmão (o tio de Michael J. Matt), Alphonse Matt, com quem conduzia, até então, o The Wanderer, o jornal católico mais antigo do país, fundado em 1867 no Estado do Minnesota.

    O The Remnant tem sido apelidado por alguns grupos – católicos ou de direitos civis, como o Southern Poverty Law Center, uma organização sem fins lucrativos  – como “radical” e “reaccionário”, e acusado de “antisemitismo”.

    No Twitter, Michael J. Matt tem mais de 32 mil seguidores, e o canal de Youtube do jornal conta com 262 mil subscritores.

    AMANDA FORBES

    Embora seja um dos principais rostos do Global Walkout, a canadiana Amanda Forbes é pouco conhecida publicamente. As causas que abraça dizem respeito sobretudo à “liberdade médica”, e à liberdade de escolha e consentimento informado nas políticas de vacinação.

    Amanda Forbes

    Integrou ainda a organização sem fins lucrativos Vaccine Choice Canada, fundada em 2014.

    Amanda Forbes é também presidente da Children’s Health Defense Canadá e co-fundadora da Freedom Organization, que promove conferências sobre saúde.

  • Bate-bocas no Parlamento: “Pateta é o senhor!”, disse Costa, e mais nove deliciosos insultos

    Bate-bocas no Parlamento: “Pateta é o senhor!”, disse Costa, e mais nove deliciosos insultos

    Não têm sido nada pacíficos os bate-bocas entre os deputados do Chega e os das demais forças partidárias. Anteontem, o caldo entornou com uma acesa discussão entre a deputada socialista Edite Estrela, a ocupar a liderança dos trabalhos na Assembleia da República, e o deputado do Chega Pedro Frazão, que envolveu também a sua colega Rita Matias. O PÁGINA UM foi em busca de palavras ofensivas que já se ouviram no Parlamento desde 1974, e fez um best of.


    O presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, fez já saber, entretanto, que vai levar à conferência de líderes, para discussão, estes sucessivos episódios de aparentes insultos por parte dos deputados do Chega.

    Mas será que estes comportamentos mais acesos, que raiam a ofensa e a malcriadez, jamais passaram pelo Parlamento português? Claro que não. Num par de horas, seleccionámos um best of com 10 curtos mas sumarentos episódios, que envolvem desde Francisco Sousa Tavares e Jerónimo de Sousa até António Costa, actual primeiro-ministro, passando por Narana Coissoró, Mário Tomé e Vicente Jorge Silva, fundador do jornal Público. Vale tudo, acreditem: pelas paredes da Assembleia da República já ecoaram palavras como merda, pateta, alarve, idiota, calaceiro, parvalhão, maluco, mandrião, palerma e parvo.

    6 de Janeiro de 1982

    Jerónimo de Sousa (PCP) – Sr. Deputado Sousa Tavares, a sua voz grossa não me impressiona e, para o acalmar, devo dizer-lhe que sou capaz de falar mais grosso do que o senhor.

    Aplausos do PCP.

    Sousa Tavares (PSD) – Idiota!

    Jerónimo de Sousa (PCP) – Sr. Deputado, o que eu disse foi que o senhor não tinha falado da Turquia. Quanto à afirmação de ignorante, devolvo-a. A situação da Turquia já lá vai há mais de um ano e eu nunca o ouvi falar dela. Já o tenho ouvido falar de tudo sem perceber de nada, diga-se de passagem, menos da Turquia. Por isso, escusa de falar tão grosso. Ignorante é o senhor.

    Vozes do PCP – Muito bem!

    Jerónimo de Sousa (PCP) – Não se admite que me chame aquilo que me chamou, porque, se for necessário, mais grosso falo eu. Enquanto o senhor tem experiência que referiu, eu tenho a experiência de 15 anos de empresa, de fábrica, de experiência, 5 anos de Parlamento e nunca admiti que nenhum deputado, seja ele quem for, esteja a mandar “bocas” como o senhor. Fale mais vezes, se for necessário, e cale-se, porque não tem o direito de falar como o fez e ofender esta Assembleia.

    Francisco Sousa Tavares (1920-1993), chegou a ocupar o cargo de ministro da Qualidade de Vida. Conhecido advogado, esteve casado com a poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen e foi pai do jornalista e escritor Miguel Sousa Tavares.

    Aplausos do PCP.

    Sousa Tavares (PSD) – Olhe, vá à merda! Idiota! Mandrião! Vá trabalhar, que foi aquilo que nunca fez na vida! Calaceiro!

    18 de Fevereiro de 1982

    Sousa Tavares (PSD) – Sr. Presidente, Srs. Deputados. Pretendo usar do direito de defesa, uma vez que fui atacado pessoalmente, aliás como é costume. Faço notar à Mesa, até porque ontem se levantou aqui um incidente, que os Sr. Deputados do PCP usam permanentemente uma linguagem de ofensa e de ataque pessoal inadmissível nesta Câmara.

    Vozes do PCP – Olha quem fala!

    Sousa Tavares (PSD) – É muito mais ofensivo as expressões que usam e as indirectas do que mandar à merda uma pessoa. Isso não ofende ninguém, pois é uma expressão à antiga portuguesa de uma pessoa que está aborrecida.

    Jerónimo de Sousa, aos 35 anos, teve aceso confronto verbal com Francisco Sousa Tavares, conhecido pela sua truculenta verve.

    7 de Julho de 1982

    Borges de Carvalho (PPM) – Dá-me licença, Sr. Presidente?

    Sr. Presidente – Faça favor, Sr. Deputado.

    Borges de Carvalho (PPM) – Sr. Presidente, queria inscrever-me para uma intervenção, mas de momento pretendia interpelar a Mesa. Acontece que perante algumas manifestações, legítimas, das bancadas da maioria, um Sr. Deputado do PCP teve os seguintes apartes: Chuta cão e parvalhão. Assim, agradecia à Mesa que chamasse à atenção do Sr. Deputado do Partido Comunista.

    Presidente – A Mesa não tinha ouvido. Deploramos que se usem termos desse género, mas não vamos…

    Jerónimo de Sousa (PCP) – Fui eu, e para vocês ainda era pouco.

    Presidente – Vamos ser se sossegam os ânimos para se poder continuar o debate…

    7 de Janeiro de 1983

    Lemos Damião (PSD) – O meu protesto é no sentido de, em primeiro lugar, pedir ao Sr. Deputado Manuel Alegre para que, com o seu talento, se possível, nos seus momentos de ócio, de boa disposição, faça uns versinhos ao Sr. Deputado Tomé, porque ele, simbolizando , ao fim e ao cabo, o povo, requer uns versos que todos nós, com certo gáudio, poderíamos aceitar de V. Exa. É pena que o Sr. Deputado Mário Tomé, em vez de se chamar Tomé, não tenha outro nome. Se se chamasse Lacerda, eu, que não tenho jeito, certamente teria facilidade em lhe fazer uns versos…

    Mário Tomé (UDP) – Se é para o mandar à merda, eu mando-o!

    7 de Fevereiro de 1990

    João Salgado (PSD) – Sr. Presidente, sucintamente vou responder às perguntas que me foram feitas, começando pelo Sr. Deputado João Amaral respondo-lhe muito calmamente. Primeiro, Sr. Deputado João Amaral, o senhor não referiu qualquer dos problemas que aqui levantei e apenas me perguntou se eu, João Salgado, tenho ou não saudades da gestão do anterior presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Nuno Abecassis. Com certeza que, Sr. Deputado João Amaral, não tenho quaisquer saudades da anterior gestão, mas tenho saudades, isso sim – e já começo a tê-las –, da democracia, porque o que está a acontecer…

    O Sr. João Amaral (PCP) – Isto não pode ser! Você é maluco!

    João Salgado (PSD) – … em termos de juntas de freguesia, é altamente grave! O Sr. Deputado não referiu nem as ocupações que foram feitas…

    João Amaral (PCP) – O senhor “baixe a bolinha” que está a exagerar.

    Mário Tomé, nascido em 1940, participou como militar na Revolução dos Cravos e foi deputado da UDP, estando ligado ao Bloco de Esquerda.

    7 de Junho de 1991

    Narana Coissoró (CDS-PP) – (…) Assim, não podemos deixar de protestar vivamente contra o insulto feito a um órgão de soberania, um tribunal, um órgão fiscalizador do Governo e, acima de tudo, a um cidadão exemplar que cumpre actualmente funções de presidente do Tribunal de Contas.

    Risos do PSD.

    Narana Coissoró (CDS-PP) – O riso alarve que vejo na primeira fila da bancada do PSD…

    Vozes do PSD – Alarve é você!…

    Narana Coissoró CDS-PP) – De facto, quando se fala no cidadão exemplar, o Prof. Doutor Sousa Franco, que foi presidente da comissão política do PSD, os deputados actuais do PSD riem-se…

    Vozes do PSD – Alarve é o senhor. Esteja calado!

    Narana Coissoró CDS-PP) – Com certeza que a bancada do PSD não pode subscrever este riso alarve de deputados da primeira fila.

    Joaquim Marques Fernandes (PSD) – Você é um mal-educado! Que falta de educação! Veja lá se as pessoas não se podem rir?!

    Narana Coissoró foi um dos mais carismáticos deputados do CDS-PP. Nasceu em 1931.

    22 de Março de 1996

    Fernando Jesus (PS) – Sr. Presidente, Sr. Deputado Manuel Moreira, como já foi dito por alguns colegas de bancada, ao ouvi-lo, julgámos que alguma coisa se passava na sua cabeça e que, porventura, precisaria de recorrer a algum centro de saúde, porque, de facto, não está bem da cabeça

    Manuel Moreira (PSD) – Isso não tem nível!

    14 de Novembro de 2002

    Joel Hasse Ferreira (PS) – Sr. Presidente, vou ser ainda mais rápido, se o Deputado Guilherme Silva me permitir. Sra. Presidente, Sr. Deputado Diogo Feio, em primeiro lugar, de “impostos sobre o pecado”, o Sr. Deputado sabe, certamente, mais do que eu, por isso não me vou pronunciar…!

    Telmo Correia (CDS-PP) – Olhe que não, olhe que não!

    Joel Hasse Ferreira (PS) – Quanto à questão da ligação entre o IVA e os impostos especiais sobre o consumo, o Sr. Deputado Jorge Neto enganou-se e aplicou aqui, ao tabaco, um modelo que se aplica a alguns produtos tributados em IVA, mas não exactamente aqui. Neste contexto, a pergunta que faço é esta: o Sr. Deputado entendeu que a proposta do Governo, de que V. Exa. é um dos principais e mais destacados apoiantes…

    António Costa (PS) – Explique devagar, porque ele é lento!

    Lino de Carvalho (PCP) – Isso não, Sr. Deputado António Costa!

    Nuno Teixeira de Melo (CDS-PP) – Ah! Continuamos na senda dos “palermas”?! Isso não se diz, Sr. Deputado António Costa.

    António Costa, actual primeiro-ministro de Portugal. Como deputado, nunca se furtou a uns acessos bate-bocas.

    14 de Fevereiro de 2003

    Vicente Jorge Silva (PS) – Devia começar por pedir desculpas.

    Guilherme Silva (PSD) – Sr. Deputado António Costa, quero dizer-lhe que lhe competia ter evitado esta cena patética…

    Vozes do PS – Oh!…

    Guilherme Silva (PSD) – … em que não esteve apenas envolvido o Sr. Deputado Vicente Jorge Silva, mas toda a sua bancada.

    Aplausos do PSD e do CDS-PP.

    António Costa (PS) – Pateta é o senhor!…

    18 de Janeiro de 2023

    Bruno Nunes (Chega) – Mas, entretanto, temos também o novo amigo da coligação, que tem dito constantemente que nada quer com o Chega e que quer linhas vermelhas com o Chega. É quase como aquele amigo que, à quarta-feira, diz “eu, no sábado, não vou jantar a tua casa”, mas que ninguém convidou.

    Risos do Chega.

    Bruno Nunes (Chega) – É a Iniciativa Liberal. Não os convidámos para nada e vêm aqui preocupadíssimos com o liberalismo progressista que defendem.

    Aplausos do Chega.

    Bruno Nunes (Chega) – Têm agora, como líder da claque, João Cotrim Figueiredo, que, entretanto, já perdeu o protagonismo da primeira fila.

    Risos do Deputado da Iniciativa Liberal João Cotrim Figueiredo.

    Patrícia Gilvaz (IL) – Não sejas parvo!

    Bruno Nunes (Chega) – Sr. Presidente, não percebi a parte do “não sejas parvo”.  A Sra. Deputada Patrícia Gilvaz tem alguma dificuldade com as suas interpretações neste Parlamento.

    Patrícia Gilvaz (IL) – Não sejas mais!

    Bruno Nunes (CH) – A si, Sra. Deputada, não lhe vou responder.  Basta ver como envergonha as mulheres ali de cima, daquele púlpito.

  • Em França, o obscurantismo do Governo também se derrota nos tribunais administrativos

    Em França, o obscurantismo do Governo também se derrota nos tribunais administrativos

    Em Portugal, o PÁGINA UM é o único jornal português que luta para a obtenção de informação sobre a pandemia. Mas não é o único na Europa nem no Mundo. Esta semana, o histórico jornal Le Parisien, numa luta em todo idêntica às encetadas pelo PÁGINA UM, obteve uma vitória contra o obscurantismo das entidades governamentais: o Tribunal Administrativo de Paris obrigou o Ministério da Saúde a revelar publicamente uma auditoria à gestão da covid-19 feita há mais de dois anos.


    O Governo francês foi obrigado pelo Tribunal Administrativo de Paris a revelar ao jornal Le Parisien – Aujourd’hui en France um relatório mantido secreto de avaliação da primeira fase de gestão da pandemia da covid-19. E também a pagar 2.000 euros de custas do processo ao jornal parisiense, que conta, na capital francesa, com uma tiragem média diária de 184 mil exemplares, bem superior a qualquer periódico português.

    A sentença, revelada esta semana pelo jornal regional francês – criado no tempo da Resistência Francesa na II Guerra Mundial –, anula uma decisão do Ministério da Saúde do Governo Macron de não transmitir um relatório da Inspeção-Geral de Assuntos Sociais (IGAS) extremamente crítico à gestão política nos primeiros meses da epidemia.

    O obscurantismo e o show off em França durante a pandemia foi muito similar à verificada em Portugal. Em França, tal como em Portugal, poucos foram os jornais que não aceitaram a recusa de informação. Em França, o Le Parisien; em Portugal, o PÁGINA UM.

    O percurso do jornal francês até à obtenção desta vitória da transparência apenas em tribunal tem contornos muito similares aos diversos intentados pelo PÁGINA UM – o único jornal português que recorreu aos tribunais para aceder a informação escondida pelo Governo de António Costa sobre a pandemia. Até pelas entidades a que recorreu e à duração de todo o processo.

    Segundo o relato do jornal francês, em Junho 2020, o então ministro francês da Saúde, Olivier Véran, solicitou à Inspecção-Geral dos Assuntos Sociais um relatório sobre a resposta à primeira fase da pandemia. Essa auditoria, intitulada “Feedback da gestão da resposta à epidemia de covid-19 pelo Ministério da Solidariedade e Saúde”, foi-lhe entregue cinco meses depois, em Novembro de 2020.

    Mas apenas um número muito pequeno de pessoas no executivo conseguiu vê-lo. O Le Parisien solicitaria o acesso em Fevereiro de 2021, e recorreu depois à francesa Comissão de Acesso a Documentos Administrativos, em Abril, mas sempre em vão.

    Notícia do Le Parisien de quinta-feira, actualizada hoje, revelando a vitória nos tribunais para acesso a uma auditoria escondida pelo Ministério da Saúde de França sobre a gestão da primeira fase da pandemia.

    O recurso ao tribunal – tal como tem feito o PÁGINA UM – foi a derradeira solução para quebrar o obscurantismo. A petição ao Tribunal Administrativo de Paris, com a ajuda de um escritório de advocacia, foi apresentada em meados de 2021, passando ainda por audiência no Conselho de Estado, e depois regressou ao Tribunal Administrativo de Paris.

    O Ministério da Saúde francês alegava – aliás, como já fez o Ministério da Saúde português num processo ainda em recurso – que esse relatório fazia parte de decisões ainda em curso.

    Contudo, o Tribunal Administrativo de Paris acabou por considerar que “na ausência de qualquer precisão quanto à natureza e ao momento das decisões que recomendaria adoptar, o ministro da Saúde não demonstra que qualquer decisão foi tomada com base no relatório, ou que as decisões estariam sendo preparadas e que seria inseparável de um processo de tomada de decisão”.

    Capa do relatório de 205 páginas que foi escondido pelo Ministério da Saúde de França durante dois anos, e apenas libertado oficialmente por sentença do Tribunal Administrativo de Paris.

    Os juízes franceses concluíram assim que “não tem [a auditoria], ao contrário do que se sustenta, o carácter de documento preparatório para uma ou mais decisões administrativas”, ordenando que o Ministro da Saúde transmitisse “este relatório no prazo de 14 dias a contar da notificação da sentença”.

    Apesar da auditoria da Inspecção-Geral dos Assuntos Sociais ter sido já divulgada esta semana no seu site – e que o PÁGINA UM colocou já também no seu servidor –, o Le Parisien conseguira acesso por uma “fuga de informação” no início deste ano.  

    De acordo com o relatório, que abrangeu entrevistas a mais de três centenas de pessoas, para avaliar a resposta nas primeiras fases da pandemia, concluiu-se que a organização de centros de crise de saúde era “muito fluida” e o processo decisório “fragmentado”, onde ninguém pareceu ter “uma visão clara e exaustiva, independentemente de seu nível hierárquico”.

    Além disso, ficou patente que os serviços do Ministério da Saúde francês rapidamente se viram “sobrecarregados” e que “não conseguiu organizar-se de forma estruturada e sustentável”, pelo que, em resultado desta atmosfera caótica, vários fracassos surgiram.

    O Le Parisien revela, por exemplo, que nas primeiras semanas da crise sanitária cerca de 611 mil idosos residentes em lares acabaram completamente esquecidos.

    Saliente-se que em Portugal, apesar dos pedidos do PÁGINA UM, o Governo sempre se recusou a revelar dados estatísticos sobre a mortalidade exacta nos lares de idosos (ERPI) e nunca deu a conhecer a realização de um qualquer relatório de avaliação à resposta dos diversos serviços do Ministério da Saúde.

    Muitos destes pedidos podem ainda vir a ser satisfeitos, alguns já em fase de recurso, se os magistrados dos tribunais portugueses decidirem tomar uma linha similar às dos seus congéneres franceses.


    N.D. Os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos no decurso das intimações para a obtenção de informações escondidas pelo Ministério da Saúde, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 17 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Conhecer questionário de governantes tem “consequências graves para a Nação ou nações aliadas”, diz Governo

    Conhecer questionário de governantes tem “consequências graves para a Nação ou nações aliadas”, diz Governo

    O Governo considera que basta considerar que um determinado acto, mesmo se escrito, é político para que deixe de ser administrativo. No decurso de um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa intentado pelo PÁGINA UM, devido à recusa de acesso ao questionário prévio à sua indigitação pelo novo secretário de Estado da Agricultura, a assessoria jurídica de António Costa defende também a legalidade da classificação de “Nacional Secreto” para este tipo de documento, mesmo se a legislação invocada se aplica exclusivamente a informação cujo conhecimento (público ou privado) possa ter “consequências graves para a Nação [Portugal] ou nações aliadas”. Esta intimação do PÁGINA UM visa também evitar que o Governo possa vir a usar o estratagema do “Nacional Secreto” para obstaculizar o acesso a informação apenas por ser politicamente sensível.


    O Governo quer convencer o Tribunal Administrativo de que os questionários escritos que passaram a ser exigidos pelo primeiro-ministro António Costa aos convidados a integrarem o Executivo não são “documentos administrativos” por supostamente terem natureza política.

    Este é o primeiro argumento usado nas alegações do gabinete de António Costa à intimação do PÁGINA UM junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, depois da recusa em disponibilizar o acesso ao inquérito já preenchido pelo secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Caleia Rodrigues, o único governante que entrou em funções desde a Resolução do Conselho de Ministros que, no passado dia 13 de Janeiro, elencou um conjunto de 36 perguntas, incluindo algumas que já são alvo de escrutínio pelo Tribunal Constitucional.

    António Costa cumprimentando Gonçalo Caleia Rodrigues na tomada de posse. O secretário de Estado da Agricultura foi o primeiro, e até agora único, governante a preencher um inquérito que o primeiro-ministro quer secreto, apesar da Resolução do Conselho de Ministros invocar a transparência.

    O dito diploma determinou que estes questionários são classificados como “Nacional Secreto”, numa tentativa de não os tornar públicos, mas baseando-se numa Resolução do Conselho de Ministros, que por ser diploma hierarquicamente inferior, como sucede perante a Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), não a pode contrariar nem sobrepor.

    Adiantando que o questionário está a ser aplicado “tendo em vista a melhoria do processo de avaliação política para a designação de um indivíduo para funções governativas”, a defesa do gabinete do primeiro-ministro – assinada pelos assessores Gonçalo Carrilho e Mariana Melo Egídio, ambos também assistentes convidados da Faculdade de Direito de Lisboa –, alega, contudo, estar-se perante “um processo de nomeação subsumível [integrado] na função política”, defendendo que como são “atos políticos, envolvendo uma partilha de competência de direção política do Presidente com o Governo”, não dizem assim respeito à actividade administrativa. Daí que, defendem, não se aplica a LADA.

    Esta tese do gabinete de António Costa não deixa de ser temerária. Além de querer assumir que uma simples Resolução do Conselho de Ministros – mesmo num Governo de maioria parlamentar – tem mais força do que uma Lei da Assembleia da República –, o argumento do acto político não ser um acto administrativo conflitua até com a Constituição da República.

    Primeira página (de sete) das alegações do gabinete de António Costa, assinadas por dois assessores que são também assistentes convidados da Faculdade de Direito de Lisboa.

    Com efeito, no artigo 182º do texto constitucional taxativamente explicita-se que “o Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública” – em simultâneo, portanto.

    Depreendendo-se que não pode um Governo ser uma coisa em certo momento e outra noutro, dever-se-ia deduzir que todos os actos de um Governo sejam vistos sempre como actos administrativos, mesmo se políticos ou de política – que, na verdade, são conceitos algo distintos.

    Porém, o actual Governo aparenta considerar que lhe basta considerar que um determinado acto é político para que deixe de ser administrativo. Algo que, certamente, virá a ser analisado pelo Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Saliente-se, aliás, que a LADA estabelece o conceito de “documento administrativo” para “qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detida em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo seguinte [que inclui o Governo]”, seja o suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, eletrónica ou outra forma material”.

    E apenas salienta três excepções: “as notas pessoais, esboços, apontamentos, comunicações eletrónicas pessoais e outros registos de natureza semelhante, qualquer que seja o seu suporte”, bem como “os documentos cuja elaboração não releve da atividade administrativa, designadamente aqueles referentes à reunião do Conselho de Ministros e ou à reunião de Secretários de Estado, bem como à sua preparação” e ainda “os documentos produzidos no âmbito das relações diplomáticas do Estado português”.

    Mas o Governo diz ainda, nas suas alegações que, mesmo se os questionários aos governantes venham a ser considerados documentos administrativos pelo Tribunal Administrativo de Lisboa, estes devem manter-se secretos, defendendo a legalidade dessa classificação.

    Embora a Resolução do Conselho de Ministros de Janeiro passado não explicite qual a norma usada para a classificação de “Nacional Secreto”, nas alegações para o Tribunal Administrativo de Lisboa o gabinete de António Costa explicita que se baseia nas instruções de segurança nacional, salvaguarda e defesa das matérias classificadas (SEGNAC), remetendo para uma Resolução do Conselho de Ministros com quase 25 anos, do primeiro governo de Cavaco Silva.

    O Governo diz agora que “resulta clara a motivação para esta classificação [Nacional Secreto]: a informação em causa diz respeito ao processo de nomeação de membros do Governo, assunto da mais elevada importância para o Estado, nos termos e para os efeitos do nº 3.2.2 da referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 50/88, de 3 de dezembro.”

    Cavaco Silva em 1988 na Sala Oval, com o então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan. Foi nesse ano que uma outra Resolução do Conselho de Ministros estabeleceu a classificação “Nacional Secreto” agora usada por António Costa para esconder os inquéritos aos novos governantes. Mas esse diploma de 1988 estipulava o secretismo apenas para questões que pudessem vir a ter “consequências graves para a Nação [Portugal] ou nações aliadas”.

    Mas apesar de explicitar o enquadramento [o ponto nº 3.2.2 da dita Resolução do Conselho de Ministros dos tempos de Cavaco Silva), os assessores não a expõem nas alegações. O ponto nº 3.2.2 diz o seguinte: “Este grau de classificação [Nacional Secreto] abrange as informações, documentos e materiais cuja divulgação ou conhecimento por pessoas não autorizadas possa ter consequências graves para a Nação ou nações aliadas ou para qualquer organização de que Portugal faça parte, em resultado de: Fazerem perigar a concretização de empreendimentos importantes para a Nação ou nações aliadas ou para organizações de que Portugal faça parte; Comprometerem a segurança de planos civis e militares e de melhoramentos científicos ou técnicos de importância para o País ou seus aliados ou para organizações de que Portugal faça parte; Revelarem procedimentos em curso relacionados com assuntos civis e militares de alta importância.”

    Em suma, o Governo está assim a tentar convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que a revelação pública de informações sobre os governantes – quase toda pública, embora complexa de recolher por existir em várias fontes públicas, como cartórios e registos civis, comerciais e prediais – pode ter consequências graves para a Nação ou nações aliadas ou para qualquer organização de que Portugal faça parte por afectar projectos nacionais importantes, comprometerem a segurança pública e militar ou revelarem assuntos civis e militares de alta importância.

    woman in black dress illustration

    Por fim, nas alegações, a assessoria jurídica de António Costa ainda acrescenta que nos inquéritos constam dados nominativos – que, aliás, o PÁGINA UM destaca, no seu requerimento, que devem ser expurgados, de acordo com a lei – e que por esse simples motivo não devem ser acessíveis.

    E, apesar de o requerimento do PÁGINA UM dirigido directamente a António Costa ter sido assinado por um jornalista – cuja função é reconhecida e protegida constitucionalmente, havendo sempre um interesse direto, pessoal, legítimo na obtenção de informação –, o gabinete do primeiro-ministro argumenta que “o Requerente [director do PÁGINA UM] não demonstrou qualquer interesse direto, pessoal, legítimo, muito menos constitucionalmente protegido, que o habilite ao acesso ao documento nominativo em causa constitucionalmente protegido”.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 16 processos de intimação intentados desde Abril do ano passado, além de outras diligências, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Google e YouTube no tribunal por censurarem candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

    Google e YouTube no tribunal por censurarem candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr.

    De respeitável e temido (pelas corporações) advogado de causas ambientais, Robert F. Kennedy Jr. não tem tido agora vida fácil nos Estados Unidos a defender os seus princípios, sobretudo desde que, durante a pandemia, começou a tecer críticas à narrativa oficial sobre a origem do SARS-CoV-2 e a segurança das vacinas contra a covid-19. Oriundo de uma das famílias com mais história na política norte-americana, Kennedy propôs-se enfrentar o actual presidente Joe Biden nas primárias democratas a iniciar em Fevereiro do próximo ano. E acusa agora o Google e o Youtube de o censurarem numa parceria com o Governo Federal. O caso está agora nos tribunais, num processo que promete: ali se determinará se é lícito que empresas tecnológicas definam o que é ou não desinformação e penalizem sem apelo quem foge da “linha”.


    O candidato presidencial Robert F. Kennedy Jr. apresentou ontem uma queixa no Tribunal do Distrito Norte da Califórnia contra o Google e a sua subsidiária YouTube. Em causa está, segundo político democrata, uma alegada colaboração entre o Google e o Governo Federal para desenvolver e aplicar regras sobre “desinformação” com o objectivo de censurar oponentes políticos da Administração Biden.

    Robert F. Kennedy Jr. – um advogado conceituado que se destacou, desde os anos 90, pela seu activismo em questões ambientais, muitas vezes contra corporações – tem sido, nos últimos anos, particularmente crítico sobre o uso de determinados produtos químicos tóxicos, questionando também a origem do SARS-CoV-2 e manifestando preocupações sobre a segurança das vacinas contra a covid-19.

    Robert F. Kennedy Jr., de respeitado advogado de causas ambientais até à censura pelas redes sociais. Sinal dos tempos modernos.

    O Google e o Youtube têm, sobretudo desde a apresentação da sua candidatura às primárias democratas, removido vídeos de Robert F. Kennedy Jr. por suposta “desinformação médica”, mesmo se,em muitos casos, nem sequer são abordados temas relacionados com a saúde pública. De acordo com um comunicado da campanha de Kennedy – sobrinho do assassinado presidente norte-americano John F. Kennedy –, o Google está a violar a Primeira Emenda, uma vez que a acção da empresa tecnológica, que controla o YouTube, se baseia numa parceria público-privada que depende de fontes governamentais.

    De acordo com um comunicado da campanha de Kennedy – que defrontará Biden nas primárias a partir de Fevereiro de 2024 –, embora o YouTube se tenha tornado “uma plataforma importante para o discurso político nos Estados Unidos, uma praça digital em que os eleitores confiam como um local para obter notícias e opiniões sobre questões do dia”, tem-se constatado que “o Google censurou inúmeros americanos por causa das suas opiniões críticas às narrativas do Governo norte-americano”. E diz ainda que “Kennedy é apenas a vítima mais proeminente dessa campanha de censura”, concluindo que “esse grau de censura de um importante candidato presidencial não tem precedentes na História americana”.

    Um dos exemplos mais paradigmáticos ocorreu em Março passado quando discursou no Instituto de Política de New Hampshire, onde Robert F. Kennedy Jr, salientou que “ uma das razões pelas quais estou pensando em concorrer à Presidência é superar a polarização tóxica que divide republicanos e democratas, permitindo que as elites capturem o nosso Governo e saqueiem o nosso país”. O vídeo foi censurado pelo Youtube, e está agora somente no Substack.

    “O Governo [norte-americano] não pode censurar seus críticos”, defende Scott Street, da JW Howard Attorneys, o advogado que lidera a acção judicial, citado pelo site da campanha de Kennedy. “O Governo não pode fazer isso directamente e não pode fazer isso autorizando entidades privadas como o Google a actuarem como censores. Esse princípio é fundamental para a democracia americana, especialmente quando se trata de discurso político; trata-se de preservar a liberdade dos eleitores para falar, ouvir e pensar por si mesmos.”

    Com esta acção, Robert F. Kennedy busca providência cautelar (injunction, em inglês) para proibir o Google de se basear nas suas políticas de alegado combate à “desinformação” para censurá-lo durante a sua campanha presidencial. O caso já foi atribuído ao juiz Nathanael Cousins.

    Apesar de ainda estar atrás de Joe Biden nas intenções de voto nas primárias do Partido Democrata, Kennedy tem conseguido granjear apoios, embora a maioria da imprensa mainstream lhe esteja a mover uma campanha de ataque reputacional. Esquecendo propositadamente o seu passado respeitável – por exemplo, foi considerado Heroe for the Planet pela Time Magazine e recebeu variadas distinções por lutas ambientais –, apelidando-o constantemente de anti-vaxxer, mesmo se ele nunca se manifestou contra as vacinas, mas sim sobre a sua segurança.

  • Sem gastos com pessoal, Grupo Parlamentar do PS “desviou” 1,4 milhões de euros no último quinquénio para pagar serviços externos

    Sem gastos com pessoal, Grupo Parlamentar do PS “desviou” 1,4 milhões de euros no último quinquénio para pagar serviços externos

    O PÁGINA UM consultou em detalhe as contas dos grupos parlamentares dos últimos cinco anos e detectou que a maioria não regista quaisquer gastos com pessoal, incluindo o do Partido Socialista. No total, as subvenções públicas exclusivas para o regular funcionamento dos trabalhos parlamentares, distintas da subvenção por votos nas eleições, ultrapassaram os 4,5 milhões de euros entre 2018 e 2022, mas quase tudo acabou gasto num enigmático “fornecimentos e serviços externos”. Curiosamente, o grupo parlamentar do PSD até foi aquele que assume ter gasto dinheiro com assessoria própria (cinco mil euros, em média anual). Paulo Morais, uma das mais reconhecidas vozes no combate à corrupção em Portugal, diz que o alegado desvio de verbas dos grupos parlamentares para os respectivos partidos é apenas a “ponta do iceberg”. Já o economista João Duque, presidente do ISEG, condena que a imprensa tenha sido avisada para presenciar as rusgas a Rui Rio.


    Zero euros. É esta a verba registada por quase todos os grupos parlamentares dos diversos partidos na rubrica “Gastos com o pessoal” nos últimos cinco anos, incluindo o do Partido Socialista (PS). De acordo com uma análise detalhada do PÁGINA UM às contas dos grupos parlamentares depositadas na Entidade das Contas e Financiamentos Públicos – um órgão independente que funciona junto do Tribunal Constitucional –, apenas o Partido Social Democrata (PSD), com um total de 25.690 euros, e o Bloco de Esquerda, com 3.500 euros, contabilizaram pagamentos a seus funcionários parlamentares. Os restantes partidos não atribuem gastos com pessoal nas suas contas parlamentares, que têm um regime contabilístico autónomo ao dos próprios partidos.

    A lei do financiamento dos partidos políticos estipula que “a cada grupo parlamentar, ao deputado único representante de um partido e ao deputado não inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento“, que corresponde a quatro vezes o indexante dos apoios sociais (IAS). Ou seja, este ano por cada deputado, o grupo parlamentar recebe cerca de 1.922 euros.

    No caso dos partidos com maior representatividade parlamentar, estas subvenções podem ser significativas. No último quinquénio, onde se apanharam três legislaturas, o PS recebeu quase 1,8 milhões de euros para encargos de assessoria aos deputados, enquanto o PSD arrecadou um pouco mais de 1,5 milhões de euros. Ou seja, as médias anuais estiveram sempre acima dos 300 mil euros, o que possibilitaria o pagamento de salários de assessores parlamentares fixos.

    No caso dos outros partidos, os montantes destas subvenções parlamentares são muito mais reduzidas. Por exemplo, o Bloco de Esquerda recebeu cerca de 422 mil euros no último quinquénio – mas viu a subvenção cair para apenas 58 mil euros em 2022 com a perda de deputados nas eleições do ano passado, enquanto o PCP – rondou os 317 mil euros, estando a receber no último triénio menos de 60 mil euros por ano.

    Os restantes grupos parlamentares têm valores ainda mais baixos, mesmo o Chega, que reforçou a sua presença parlamentar em 2022, mas que mesmo assim só recebeu no ano passado 61.250 euros de subvenção para assessoria na Assembleia da República.

    António Costa, primeiro-ministro e secretário-geral do PS

    Mas se formalmente os grupos parlamentares dos distintos partidos não têm assessores a ser pagos com estas subvenções, o dinheiro acaba por “voar” para outras paragens, uma vez que os partidos não podem fazer transferências de “lucros” no final de cada ano, como sucede nas empresas. E o expediente mais utilizado tem sido, invariavelmente, o “fornecimento e serviços externos”, uma rubrica contabilística onde cai todo o tipo de despesas.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM, no último quinquénio, 86% do total subvenções públicas aos grupos parlamentares serviram afinal para pagar a fornecedores e serviços externos, que podem, nestes casos, incluir os próprios partidos e respectivos funcionários, uma vez que são entidades contabilisticamente independentes. Aparentemente, parece ser esse o caso que levou às 20 buscas da Polícia Judiciária desta semana ao PSD, incluindo à residência do seu ex-presidente, Rui Rio.

    No caso do PSD, os fornecedores e serviços externos “desviaram” 1,34 milhões de euros no último quinquénio, ou seja, 89% da subvenção parlamentar. Por esse motivo, o grupo parlamentar do PSD até apresenta um prejuízo acumulado de 31 mil euros nos últimos cinco anos.

    Rui Rio, antigo deputado e ex-presidente do PSD, está no “olho do furação” por causa de uma prática habitual em todos os grupos parlamentares, mas de duvidosa legalidade e de ética discutível.

    Embora relativamente mais baixo, o uso do expediente dos fornecedores e serviços externos é também bastante usado pelo PS. Entre 2018 e 2022, 80% das verbas da subvenção parlamentar serviram aquele propósito, não havendo assim qualquer gasto com pessoal parlamentar, mesmo se há assessores do partido a trabalharem no Parlamento.

    Nos pequenos partidos, até há casos curiosos, como os do Bloco de Esquerda e do Chega. No último quinquénio, os bloquistas têm estado a suportar, através da subvenção ao grupo parlamentar (421.755 euros), montantes superiores para pagamento a fornecedores e serviços externos (460.680 euros, no total). Daí apresentarem um prejuízo acumulado de 44.803 euros.

    No caso do Chega – que com André Ventura como candidato único até chegou ao fim de 2021 com um lucro de cerca de 48 mil euros –, no ano passado o desvio para alegados pagamentos a fornecedores e serviços externos disparou para os 104 mil euros (tinha sido de apenas 11 mil euros no ano anterior), o que poderá indiciar uma “descapitalização” do fundo destinado à assessoria parlamentar.

    Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e antigo presidente do PSD

    Apesar da contabilidade ser independente – e da existência de inúmeros casos polémicos no Brasil com assessoria-fantasma, envolvendo mesmo Jair Bolsonaro e também um dos seus filhos –, o Presidente da República veio, entretanto, tentar menorizar o assunto, defendendo que os grupos parlamentares também são “órgãos dos partidos”, considerando ser uma prática legal o desvio das subvenções parlamentares para uso partidário. Mas subsistem dúvidas quanto à legalidade do desvio de verbas.

    “Marcelo Rebelo de Sousa fez essas declarações, não para colocar água na fervura, mas para se acautelar, porque sabe como era quando foi presidente do PSD”, diz Paulo Morais, presidente da Frente Cívica e um dos principais rostos do combate à corrupção em Portugal.

    Para Paulo Morais, este alegado uso de verbas dos grupos parlamentares pelos partidos “é apenas a ponta do iceberg” em termos de irregularidades que existem em torno do financiamento dos partidos.

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    Em todo o caso, para o economista João Duque “será difícil provar de onde as verbas foram gastas” porque “o dinheiro não tem cara”. O também presidente do ISEG condena, sobretudo, o facto de ter sido avisada a imprensa para presenciar e noticiar as buscas a Rui Rio. “É algo de inaceitável, seja com Rui Rio ou com quem for”, lamentou.

    Ao que o PÁGINA UM observou, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos nunca fez nenhum alerta ou recomendação aos partidos no sentido de não utilizarem verbas dos seus grupos parlamentares para gastos com pessoal nos próprios partidos, nem nunca estranhou o peso demasiado elevado da rubrica dos fornecedores e serviços externos. Contactada, esta entidade presidida pela juíza conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros não respondeu ainda às questões do PÁGINA UM até à hora da publicação desta notícia.   

  • Manuel Pizarro fez “desaparecer” quase 50 mil euros em dois anos para poupar nos impostos

    Manuel Pizarro fez “desaparecer” quase 50 mil euros em dois anos para poupar nos impostos

    Não se sabe sequer quais foram os clientes que pagaram 148 mil euros (entre os anos de 2018 e 2020) à empresa que Manuel Pizarro teve de dissolver no final do ano passado, após assumir o cargo de ministro da Saúde. Mas sabe-se agora que, em 2021 e 2022, a sua empresa de consultadoria não teve qualquer rendimento e serviu apenas para “fazer” mais de 24 mil euros de despesa. Somando a isto uma estranha operação de alienação de um escritório em Ramalde – que não se sabe como chegou à empresa do ministro, que tinha um capital social de apenas 500 euros –, Manuel Pizarro reúne assim as condições ideiais para ser alvo de uma fiscalização pela Autoridade Tributária e Aduaneira.


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, utilizou diversos expedientes contabilísticos para descapitalizar a sua empresa de consultadoria, que dissolveu no final do ano passado para cumprir a lei das incompatibilidades, por aquela ter um objecto social em área por si tutelada. Nessas operações existem fortes indícios de se ter furtado ao pagamento dos impostos devidos ao longo dos últimos dois anos.

    De entre as operações para liquidar a empresa Manuel Pizarro Consultadoria – criada em 15 de Fevereiro de 2018, detida em 70% por si e tendo como sócio Artur Rocha Viana – encontra-se o estranho processo de alienação de um escritório na freguesia portuense de Ramalde, na mesma rua onde o actual ministro possui um apartamento.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde e gerente da dissolvida Manuel Pizarro Consultadoria, Lda., da qual detinha 70% do capital social.

    Saliente-se que não são conhecidos nem clientes nem trabalhos desta empresa de consultadoria na área da saúde que registou apenas três anos com rendimentos: em 2018 – ano da fundação – foram exactos 58.000 euros; no ano seguinte – em que Manuel Pizarro foi para Bruxelas como eurodeputado – contabilizou um rendimento de exactos 64.000 euros e em 2021 mais exactos 26.000 euros.

    Manuel Pizarro – que assumira em Outubro passado ao PÁGINA UM que seria o comprador daquele escritório – não fez afinal uma compra directa à própria empresa, que veio a ser dissolvida em 26 de Novembro do ano passado. As demonstrações financeiras, com vista à dissolução da empresa, foram apresentadas em 12 de Janeiro deste ano, tendo sido analisadas entretanto pelo PÁGINA UM.

    Numa situação normal, a alienação resultaria numa entrada de dinheiro, por troca do activo fixo (escritório), pelo que, aquando da dissolução da empresa, haveria lugar à aplicação de uma taxa liberatória sobre a verba recebida nessa venda por parte dos dois sócios (Manuel Pizarro e Artur Rocha Viana) na ordem dos 28%. Isto mesmo se o comprador fosse – como era o caso – um dos sócios.  Contudo, não foi essa a solução seguida.

    Prédio onde se localiza o escritório comprado pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020, e passou agora para as mãos do ministro muito abaixo do preço de mercado.

    Pela análise do relatório e contas de 2022 da Manuel Pizarro Consultadoria, o escritório de Ramalde – comprado em 2020 por montante nunca esclarecido – tinha o valor escriturado final de 33.950 euros, após deduzidas depreciações acumuladas de 1.050 euros. Mas em vez de uma alienação directa, o ministro da Saúde e o seu sócio optaram antes por usar as reservas livres – ou seja, os lucros não distribuídos dos anos anteriores –, abatendo esse valor nos capitais próprios e, consequentemente, o escritório alienado na parte do activo.

    Embora tal não seja irregular, esse expediente carece de autorização escrita expressa de ambos os sócios – algo que Manuel Pizarro não quis informar o PÁGINA UM –, porque, em termos práticos, Artur Rocha Viana teria de ser compensado, uma vez que formalmente, como sócio, detinha 30% do escritório.

    Mas esse está longe de ser o único eventual problema. Além de outros aspectos que necessitariam de esclarecimentos adicionais, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem condições para colocar em causa os valores envolvidos no negócio. Com efeito, os preços de mercado dos escritórios naquela freguesia no Porto situam-se bem acima dos 1.200 euros por metro quadrado, pelo que, assumindo que o escritório agora integralmente nas mãos do ministro tem 38 metros quadrados – algo que não se consegue confirmar pela declaração no Tribunal Constitucional, pois esses elementos foram rasurados completamente (a “bem” da transparência) –, o valor escriturado contabilisticamente estaria assim já bastante baixo. Ou seja, o escritório alienado valeria pelo menos 45.600 euros.

    Declaração no Tribunal Constitucional de Manuel Pizarro já contém indicação de ser proprietário do escritório de Ramalde, anteriormente detido pela empresa, mas com rasuras nas suas características, incluindo valor patrimonial e/ou preço de aquisição.

    Contudo, segundo os dados do relatório e contas de 2022, a alienação terá sido feita pelo valor escriturado líquido (33.950 euros) – ou seja, pelo menos 11 mil euros mais baixo do que o mercado –, mas foi ainda colocado na demonstração de resultados um gasto de mais de 6.611 euros, que estará próximo do valor dos impostos sobre a transacção deste imóvel, que acabaram assumidos pela empresa através de endividamento.

    Além de tudo isto, Manuel Pizarro terá activamente descapitalizado a empresa ao longo dos últimos dois anos, através da sucessiva introdução de despesas sem que estas tivessem respaldo na obtenção de rendimentos.

    Com efeito, o ano de 2020 foi o último em que a Manuel Pizarro Consultadoria teve rendimentos (26.000 euros), tendo apresentado um lucro de 5.710 euros, conforme se confirma nas demonstrações financeiras. Note-se que o actual ministro – que como sócio-gerente não era remunerado – nunca revelou quais foram os clientes da sua empresa de consultadoria criada em 2018, nem sequer é conhecido qualquer relatório ou actividade. As únicas despesas reportadas foram sempre de fornecimentos e serviços externos.

    Em 2021 e 2022, a Manuel Pizarro Consultadoria serviu assim para o actual ministro meter despesas que podem muito bem vir a ser consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como exclusivamente pessoais. No primeiro destes dois anos, a empresa apresentou um prejuízo de 11.860 euros, e em 2022 – ano da dissolução – mais um prejuízo de 12.422 euros, como o PÁGINA UM constatou nas demonstrações financeiras. Ou seja, em dois anos, houve zero euros de rendimento e mais de 24 mil euros em despesas. Manuel Pizarro serviu-se, aparentemente, da empresa para escoar despesa pessoal.

    Deste modo, e com a operação de alienação do escritório, e conjugando com despesas de duvidosa justificação empresarial, a Manuel Pizarro Consultadoria passou de uma situação de capitais próprios de 54.391 euros no final de 2020 para apenas 1.382 euros no final de 2022, tendo pagado ao Estado, em impostos, menos de sete mil euros pelas estimativas do PÁGINA UM, analisando as demonstrações financeiras do último triénio.

    Caso a empresa tivesse sido liquidada logo em 2021 – e sem considerar sequer mais-valias do escritório de Ramalde –, Manuel Pizarro e o seu sócio teriam de desembolsar para o Estado mais de 15 mil euros em impostos.

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    Não são conhecidos clientes nem trabalho desenvolvido pela Manuel Pizarro Consultadoria entre 2018 e 2020, que facturou 148.000 euros. Nos dois últimos anos de actividade, a empresa registou zero euros de rendimentos e mais de 24 mil euros de despesas.

    Na passada segunda-feira, o PÁGINA UM enviou as seguintes oito questões ao ministro da Saúde, não tendo tido a mínima reacção:

    a) na alienação do escritório pela empresa à sua pessoa, qual foi o critério de valorização, atendendo que foi inferior ao valor contabilístico deduzido de amortizações? Qual a razão para um valor tão baixo num escritório com as dimensões por si anteriormente indicadas, gerando até uma situação de mesmo menos-valias de 6 mil euros aproximadamente? Sofreu alguma rectificação deste valor pela Autoridade Tributária?

    b) Qual foi o valor da aquisição desse escritório em 2019? Onde foi feita a escritura e quem era o anterior proprietário?

    c) Na sua declaração no Tribunal Constitucional surge a posse de dois escritórios na freguesia de Ramalde, mas sem qualquer identificação da matriz, o que contraria a legislação. Quer-nos indicar a matriz dos referidos escritórios?

    d) Atendendo que, aparentemente, foi remunerado em espécie pela empresa de que era sócio (70%), através do débito de reservas livres e crédito do activo em questão, por que motivo o valor contabilístico líquido e o valor abatido às reservas livres não coincidem?

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    e) como o escritório ficou, atendendo a declarações transmitidas pelo seu gabinete, a ser sua propriedade exclusiva, compensou o seu sócio, uma vez que este tinha direito a 30% do valor alienado? Se sim, qual o valor desta compensação? Pode disponibilizar algum documento que comprove essa situação?

    f) A sua empresa realizou a retenção na fonte do IRS relativo ao rendimento em espécie que ambos sócios receberam (alienação do escritório pela empresa)? Se sim, qual o valor destes pagamentos ao Estado?

    g) Para esta operação, foi a empresa que liquidou o IMT ao Estado ou foi o Sr. Ministro?

    h) Além da colaboração a título pessoal que teve com a Gilead em 2019 e 2021, quer esclarecer se a Manuel Pizarro Consultadoria teve farmacêuticas como clientes, e se sim, quais?

  • “Inquéritos secretos” aos novos governantes são mesmo secretos? Tribunal Administrativo decidirá

    “Inquéritos secretos” aos novos governantes são mesmo secretos? Tribunal Administrativo decidirá

    Em Janeiro, depois de vários escândalos políticos, o primeiro-ministro António Costa quis mostrar publicamente que não aceitaria nenhum governante com problemas na Justiça, mas a Resolução do Conselho de Ministros que instituiu um inquérito prévio aos candidatos a membros do Governo coloca uma “cortina de obscurantismo” sobre todo o processo, porque coloca um selo de “secreto”. Mas há um problema: a classificação de “Secreto Nacional”, escolhido pelo primeiro-ministro, para impedir o acesso público não se encaixa nos pressupostos exigidos por lei. E introduz, além disso, a possibilidade futura de o Governo começar a classificar a eito, como secretos, assuntos politicamente sensíveis por simples reuniões de ministros. O PÁGINA UM tomou a decisão de apresentar uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, após a recusa tácita da Presidência do Conselho de Ministros em ceder o inquérito preenchido no mês passado pelo novo secretário de Estado da Agricultura Caleia Rodrigues. Este é o 16º processo de intimação – uma ferramenta fundamental à liberdade de informação e à defesa da democracia – que o PÁGINA UM apresenta, desde Abril do ano passado, no Tribunal Administrativo de Lisboa, através do seu FUNDO JURÍDICO, com o apoio exclusivo dos seus leitores.


    O Tribunal Administrativo de Lisboa vai decidir, nas próximas semanas, um processo de intimação interposto pelo PÁGINA UM para se saber se os questionários prévios à integração de novos membros no Governo são ou não susceptíveis de consulta pública. A Presidência do Conselho de Ministros foi já hoje notificada para apresentar defesa no prazo de 10 dias.

    Em concreto, está em causa o pedido de consulta requerido pelo PÁGINA UM ao inquérito já preenchido pelo único governante que entrou em funções desde a Resolução do Conselho de Ministros de 13 de Janeiro: o novo secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Caleia Rodrigues, que tomou posse há menos de um mês, em 15 de Fevereiro.

    António Costa cumprimentando Gonçalo Caleia Rodrigues na tomada de posse. O secretário de Estado da Agricultura foi o primeiro, e até agora único, governante a preencher um inquérito que o primeiro-ministro quer secreto, apesar da Resolução do Conselho de Ministros invocar a transparência.

    Logo no dia seguinte, em 16 de Fevereiro, o PÁGINA UM requereu ao primeiro-ministro António Costa um pedido de acesso a esse inquérito prévio, expurgado de eventuais dados nominativos, e não tendo havido resposta em 10 dias úteis, entrou ontem com um processo de intimação.

    Recorde-se que a Resolução do Conselho de Ministros elenca um conjunto de 36 perguntas, incluindo algumas que já são alvo de escrutínio pelo Tribunal Constitucional, mas especificando outras com aspectos politicamente sensíveis, designadamente a ocorrência de processos judiciais ou contraordenacionais, ou de insolvência, e também o passado empresarial ou de ligações familiares com áreas a tutelar.

    Em todo o caso, saliente-se que, apesar do melindre das questões, exceptuando endereços, as respostas ao inquérito não configuram matérias secretas ou pessoais. Por exemplo, se uma empresa detida por um candidato a governante tiver ficado insolvente, ou se a mulher de um secretário de Estado for sócio de uma empresa, essa informação consta em documentos públicos, embora necessitando de pesquisas nem sempre fáceis. O passado criminal (ou mesmo de simples arguido) acaba também por não ser matéria propriamente secreta.

    Governo já foi notificado para responder à intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Apesar da Resolução do Conselho de Ministros – que surgiu depois de várias demissões no seio do Governo – ter instituído um inquérito prévio como “ferramenta de avaliação política”, de modo a “realça[r] a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, António Costa tratou, porém, de tornar todo o processo secreto e obscuro.

    Com efeito, o diploma em causa – uma simples Resolução de Conselho de Ministros – estipula que “uma vez preenchido, o questionário [preenchido pelos candidatos a membros do Governo] tem a classificação de Nacional Secreto”, e que haverá lugar à sua destruição “caso a personalidade que o preencheu não seja nomeado membro do Governo ou no momento em que cesse funções.”

    A classificação especial de documentos administrativos – que são todos aqueles que caem na esfera da Administração Pública – carece, na maioria dos casos, de leis da Assembleia da República, além de que a restrição de acesso a estes inquéritos, colocando-os como “Nacional Secreto”, se mostra completamente abusiva, porque os equipara a “segredo de Estado”.

    Ora, de acordo com a Lei Orgânica nº 2/2014, o regime do segredo de Estado abrange somente “os documentos e as informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado”, sendo que esses se encontram explicitamente explanados, a saber: “interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional.”

    Na mesma linha seguem também até as instruções para a segurança nacional, a salvaguarda e a defesa das matérias classificadas, designadamente as credenciações do Gabinete Nacional de Segurança, onde melhor se explicita que a classificação de Nacional Secreto abrange apenas “as informações, documentos e materiais cuja divulgação ou conhecimento por pessoas não autorizadas possa ter consequências graves para a Nação ou nações aliadas ou para qualquer organização de que Portugal faça parte”.

    Em concreto, diz-se que essa classificação de Nacional Secreto – que implica fortes restrições de acesso – só se verificam se fizerem “perigar a concretização de empreendimentos importantes para a Nação ou nações aliadas ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “comprometerem a segurança de planos civis e militares e de melhoramentos científicos ou técnicos de importância para o País ou seus aliados ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “revelarem procedimentos em curso relacionados com assuntos civis e militares de alta importância.”

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    O preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros diz, logo na primeira frase que ” O Programa do XXIII Governo Constitucional realça a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, acrescentando depois que “tal aconselha que o escrutínio a que aqueles titulares devem ser sujeitos para integrarem o Governo, no âmbito do processo de avaliação política que precede a respetiva nomeação, seja reforçado.” Mas classifica o inquérito como “Nacional Secreto” sem enquadramento legal.

    Em suma, a menos que o Governo consiga convencer as instâncias judiciais de que o conhecimento público do inquérito preenchido pelo secretário de Estado Gonçalo Caleia Rodrigues faça perigar “interesses fundamentais do Estado”, designadamente a própria independência de Portugal ou de outros Estados, não parece que o conhecimento do conteúdo das respostas ao inquérito preenchido por Gonçalo Caleia Rodrigues – que era professor do Instituto Superior de Agronomia antes de entrar em funções governativas – possa vir a ter tamanhas consequências, atendível o teor das questões e informações aí expostas.

    Além disto, a Resolução do Conselho de Ministros – que, repita-se, invoca o reforço da transparência e o controlo da integridade do sistema democrático – introduz um risco no regime: a possibilidade de uma classificação de documentos administrativos, incluindo a sua destruição, poder ser feita de forma completamente arbitrária e casuística por um Governo.

    Ou seja, se diplomas desta natureza vingarem, como forma expedita de governar, um qualquer Governo pode passar a classificar qualquer decisão, plano, projecto ou até mesmo empreitada como “Nacional Secreto”. E, a partir daí, o público, em geral, e os jornalistas, em particular, ficam impedidos de aceder a informação relevante ou politicamente sensível. No limite, podem “decretar” a destruição de todos os documentos quando saírem de funções.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 16 processos de intimação intentados desde Abril do ano passado, além de outras diligências, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Manuel Pizarro já está na fase de se “borrifar” para ordens do Tribunal Administrativo

    Manuel Pizarro já está na fase de se “borrifar” para ordens do Tribunal Administrativo

    Depois de apagar literalmente contratos públicos no Portal Base, o Ministério da Saúde ignora agora um despacho da juíza do processo de intimação do PÁGINA UM para o acesso aos contratos de compra das vacinas contra a covid-19 e às comunicações com as farmacêuticas. Em causa estão compras públicas que ascendem a quase 700 milhões de euros, mas que Manuel Pizarro tudo anda a fazer para esconder os contratos. O PÁGINA UM pediu, na sexta-feira, a condenação do Ministério da Saúde por litigância de má-fé. O gabinete jurídico do ministro foi logo a “correr” requerer à juíza a retirada da queixa, mas continua sem responder ao despacho da magistrada para mais esclarecimentos sobre a (evidente) existência dos contratos.


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, elevou este mês ao absurdo os padrões de obscurantismo deste Governo no acesso à informação de documentos administrativos públicos: depois de ter “apagado” contratos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) no Portal Base, agora já nem sequer cumpre determinações dos tribunais, chegando até a exigir que sejam retiradas acusações de litigância de má-fé por falta de cooperação para o apuramento da verdade.

    Num processo de intimação do PÁGINA UM – que deu entrada no último dia do ano passado – face à recusa de disponibilizar os contratos assinados entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, já nem ordens do Tribunal Administrativo de Lisboa respeita.

    Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como num requerimento de defesa do Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

    Mas isso não é verdade, como comprovou o PÁGINA UM. Durante cerca de dois anos, constaram quatro contratos no Portal Base assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se no servidor do PÁGINA UM.

    Porém, estes quatro contratos abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo, razão pela qual o PÁGINA UM requereu o acesso aos outros contratos, bem como às guias de transporte e às comunicações entre farmacêuticas e Ministério da Saúde. O objectivo também é de saber se existem indicações sobre compras obrigatórias futuras e cláusulas sobre responsabilidades futuras em caso de reacções adversas graves.

    Ministério da Saúde já nem responde às solicitações da juíza do processo, mas foi a “correr” pedir que retirasse a queixa por litigância de má-fé. Mas continua sem responder ao pedido inicial da juíza.

    Recorde-se que Portugal terá já gastado mais de 675 milhões de euros com vacinas contra a covid-19, mas está em risco de deitar para o lixo mais de oito milhões de doses, no valor estimado de 120 milhões de euros, face ao desinteresse manifestado nos últimos meses pelos portugueses na toma dos denominados boosters. Além disso, os acordos assumidos pela Comissão von der Leyen – e que tanto polémica já suscitam – poderão obrigar o Estado a assumir compras obrigatórias de mais 500 milhões de euros de vacinas mesmo que não as administre.

    Face às manifestas mentiras do Ministério da Saúde, o PÁGINA UM remeteu ao Tribunal Administrativo de Lisboa um conjunto de provas documentais sobre a existência dos quatro contratos do início de 2021, bem como do “apagão” desses documentos no Portal Base ordenado pelo Ministério da Saúde. Em consequência, a juíza do processo, Telma Nogueira, exarou um despacho no passado dia 20 de Fevereiro com o seguinte conteúdo: “Notifique a Entidade demandada [Ministério da Saúde] para, em cinco dias se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”

    Mas o Ministério da Saúde decidiu agora simplesmente ignorar uma ordem do Tribunal, nem sequer respondendo à juíza Telma Nogueira, consubstanciando assim a prática de litigância de má-fé. De facto, de acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.

    Ora, considerando o PÁGINA UM que o Ministério da Saúde pretendeu, com intencionalidade, alterar a verdade dos factos – “apagando” quatro contratos (de entre um número desconhecido) do Portal Base – e não está a cooperar para se fazer justiça – nem sequer cumprindo um despacho da juíza do processo de intimação –, o recurso a este procedimento tem como objectivo uma penalização deste tipo de actos.

    Certo é que, tendo o PÁGINA UM apresentado este requerimento à juíza Telma Nogueira na sexta-feira passada – solicitando a condenação do Ministério de Manuel Pizarro por litigância de má-fé e o correspondente pagamento de uma indemnização –, a defesa do Ministério da Saúde reagiu já ontem. Mas não para cumprir a ordem da juíza emanada no dia 20 de Fevereiro, mas sim somente para pedir que não seja admitido, “nos presentes autos”, o requerimento do PÁGINA UM pedindo a condenação do Ministério da Saúde por litigância de má-fé.

    No processo de intimação constam já, enviados pelo PÁGINA UM, tantos os primeiros contratos integrais assinados em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 entre a DGS e as farmacêuticas Pfizer e Moderna, como também os mesmos documentos entretanto rasurados (“apagados”) por ordem política. O PÁGINA UM exige acesso a estes contratos e aos seguintes, que já terão totalizado quase 700 milhões de euros, bem como guias de transportes e comunicações entre as partes.

    A defesa de Manuel Pizarro diz que o requerimento do PÁGINA UM deve simplesmente “ser desentranhado e devolvido ao apresentante”, considerando que o Tribunal Administrativo de Lisboa tem já todos os elementos para decidir em favor do Governo. No breve requerimento, o Ministério da Saúde reitera que o argumento de “impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”, um jargão jurídico que significa que o pedido é impossível de cumprir ou já foi cumprido.

    Em suma, o Ministério da Saúde quer simplesmente que a juíza Telma Nogueira, e o Tribunal Administrativo de Lisboa, encerrem o assunto, colocando uma “cortina negra” sobre contratos públicos assinados por entidades públicas no valor de várias centenas de milhões de euros.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de cerca de uma dezena e meia de processos em curso (amanhã serão revelados mais dois intentados recentemente), o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.