Categoria: Política

  • Manuel Pizarro fez “desaparecer” quase 50 mil euros em dois anos para poupar nos impostos

    Manuel Pizarro fez “desaparecer” quase 50 mil euros em dois anos para poupar nos impostos

    Não se sabe sequer quais foram os clientes que pagaram 148 mil euros (entre os anos de 2018 e 2020) à empresa que Manuel Pizarro teve de dissolver no final do ano passado, após assumir o cargo de ministro da Saúde. Mas sabe-se agora que, em 2021 e 2022, a sua empresa de consultadoria não teve qualquer rendimento e serviu apenas para “fazer” mais de 24 mil euros de despesa. Somando a isto uma estranha operação de alienação de um escritório em Ramalde – que não se sabe como chegou à empresa do ministro, que tinha um capital social de apenas 500 euros –, Manuel Pizarro reúne assim as condições ideiais para ser alvo de uma fiscalização pela Autoridade Tributária e Aduaneira.


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, utilizou diversos expedientes contabilísticos para descapitalizar a sua empresa de consultadoria, que dissolveu no final do ano passado para cumprir a lei das incompatibilidades, por aquela ter um objecto social em área por si tutelada. Nessas operações existem fortes indícios de se ter furtado ao pagamento dos impostos devidos ao longo dos últimos dois anos.

    De entre as operações para liquidar a empresa Manuel Pizarro Consultadoria – criada em 15 de Fevereiro de 2018, detida em 70% por si e tendo como sócio Artur Rocha Viana – encontra-se o estranho processo de alienação de um escritório na freguesia portuense de Ramalde, na mesma rua onde o actual ministro possui um apartamento.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde e gerente da dissolvida Manuel Pizarro Consultadoria, Lda., da qual detinha 70% do capital social.

    Saliente-se que não são conhecidos nem clientes nem trabalhos desta empresa de consultadoria na área da saúde que registou apenas três anos com rendimentos: em 2018 – ano da fundação – foram exactos 58.000 euros; no ano seguinte – em que Manuel Pizarro foi para Bruxelas como eurodeputado – contabilizou um rendimento de exactos 64.000 euros e em 2021 mais exactos 26.000 euros.

    Manuel Pizarro – que assumira em Outubro passado ao PÁGINA UM que seria o comprador daquele escritório – não fez afinal uma compra directa à própria empresa, que veio a ser dissolvida em 26 de Novembro do ano passado. As demonstrações financeiras, com vista à dissolução da empresa, foram apresentadas em 12 de Janeiro deste ano, tendo sido analisadas entretanto pelo PÁGINA UM.

    Numa situação normal, a alienação resultaria numa entrada de dinheiro, por troca do activo fixo (escritório), pelo que, aquando da dissolução da empresa, haveria lugar à aplicação de uma taxa liberatória sobre a verba recebida nessa venda por parte dos dois sócios (Manuel Pizarro e Artur Rocha Viana) na ordem dos 28%. Isto mesmo se o comprador fosse – como era o caso – um dos sócios.  Contudo, não foi essa a solução seguida.

    Prédio onde se localiza o escritório comprado pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020, e passou agora para as mãos do ministro muito abaixo do preço de mercado.

    Pela análise do relatório e contas de 2022 da Manuel Pizarro Consultadoria, o escritório de Ramalde – comprado em 2020 por montante nunca esclarecido – tinha o valor escriturado final de 33.950 euros, após deduzidas depreciações acumuladas de 1.050 euros. Mas em vez de uma alienação directa, o ministro da Saúde e o seu sócio optaram antes por usar as reservas livres – ou seja, os lucros não distribuídos dos anos anteriores –, abatendo esse valor nos capitais próprios e, consequentemente, o escritório alienado na parte do activo.

    Embora tal não seja irregular, esse expediente carece de autorização escrita expressa de ambos os sócios – algo que Manuel Pizarro não quis informar o PÁGINA UM –, porque, em termos práticos, Artur Rocha Viana teria de ser compensado, uma vez que formalmente, como sócio, detinha 30% do escritório.

    Mas esse está longe de ser o único eventual problema. Além de outros aspectos que necessitariam de esclarecimentos adicionais, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem condições para colocar em causa os valores envolvidos no negócio. Com efeito, os preços de mercado dos escritórios naquela freguesia no Porto situam-se bem acima dos 1.200 euros por metro quadrado, pelo que, assumindo que o escritório agora integralmente nas mãos do ministro tem 38 metros quadrados – algo que não se consegue confirmar pela declaração no Tribunal Constitucional, pois esses elementos foram rasurados completamente (a “bem” da transparência) –, o valor escriturado contabilisticamente estaria assim já bastante baixo. Ou seja, o escritório alienado valeria pelo menos 45.600 euros.

    Declaração no Tribunal Constitucional de Manuel Pizarro já contém indicação de ser proprietário do escritório de Ramalde, anteriormente detido pela empresa, mas com rasuras nas suas características, incluindo valor patrimonial e/ou preço de aquisição.

    Contudo, segundo os dados do relatório e contas de 2022, a alienação terá sido feita pelo valor escriturado líquido (33.950 euros) – ou seja, pelo menos 11 mil euros mais baixo do que o mercado –, mas foi ainda colocado na demonstração de resultados um gasto de mais de 6.611 euros, que estará próximo do valor dos impostos sobre a transacção deste imóvel, que acabaram assumidos pela empresa através de endividamento.

    Além de tudo isto, Manuel Pizarro terá activamente descapitalizado a empresa ao longo dos últimos dois anos, através da sucessiva introdução de despesas sem que estas tivessem respaldo na obtenção de rendimentos.

    Com efeito, o ano de 2020 foi o último em que a Manuel Pizarro Consultadoria teve rendimentos (26.000 euros), tendo apresentado um lucro de 5.710 euros, conforme se confirma nas demonstrações financeiras. Note-se que o actual ministro – que como sócio-gerente não era remunerado – nunca revelou quais foram os clientes da sua empresa de consultadoria criada em 2018, nem sequer é conhecido qualquer relatório ou actividade. As únicas despesas reportadas foram sempre de fornecimentos e serviços externos.

    Em 2021 e 2022, a Manuel Pizarro Consultadoria serviu assim para o actual ministro meter despesas que podem muito bem vir a ser consideradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira como exclusivamente pessoais. No primeiro destes dois anos, a empresa apresentou um prejuízo de 11.860 euros, e em 2022 – ano da dissolução – mais um prejuízo de 12.422 euros, como o PÁGINA UM constatou nas demonstrações financeiras. Ou seja, em dois anos, houve zero euros de rendimento e mais de 24 mil euros em despesas. Manuel Pizarro serviu-se, aparentemente, da empresa para escoar despesa pessoal.

    Deste modo, e com a operação de alienação do escritório, e conjugando com despesas de duvidosa justificação empresarial, a Manuel Pizarro Consultadoria passou de uma situação de capitais próprios de 54.391 euros no final de 2020 para apenas 1.382 euros no final de 2022, tendo pagado ao Estado, em impostos, menos de sete mil euros pelas estimativas do PÁGINA UM, analisando as demonstrações financeiras do último triénio.

    Caso a empresa tivesse sido liquidada logo em 2021 – e sem considerar sequer mais-valias do escritório de Ramalde –, Manuel Pizarro e o seu sócio teriam de desembolsar para o Estado mais de 15 mil euros em impostos.

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    Não são conhecidos clientes nem trabalho desenvolvido pela Manuel Pizarro Consultadoria entre 2018 e 2020, que facturou 148.000 euros. Nos dois últimos anos de actividade, a empresa registou zero euros de rendimentos e mais de 24 mil euros de despesas.

    Na passada segunda-feira, o PÁGINA UM enviou as seguintes oito questões ao ministro da Saúde, não tendo tido a mínima reacção:

    a) na alienação do escritório pela empresa à sua pessoa, qual foi o critério de valorização, atendendo que foi inferior ao valor contabilístico deduzido de amortizações? Qual a razão para um valor tão baixo num escritório com as dimensões por si anteriormente indicadas, gerando até uma situação de mesmo menos-valias de 6 mil euros aproximadamente? Sofreu alguma rectificação deste valor pela Autoridade Tributária?

    b) Qual foi o valor da aquisição desse escritório em 2019? Onde foi feita a escritura e quem era o anterior proprietário?

    c) Na sua declaração no Tribunal Constitucional surge a posse de dois escritórios na freguesia de Ramalde, mas sem qualquer identificação da matriz, o que contraria a legislação. Quer-nos indicar a matriz dos referidos escritórios?

    d) Atendendo que, aparentemente, foi remunerado em espécie pela empresa de que era sócio (70%), através do débito de reservas livres e crédito do activo em questão, por que motivo o valor contabilístico líquido e o valor abatido às reservas livres não coincidem?

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    e) como o escritório ficou, atendendo a declarações transmitidas pelo seu gabinete, a ser sua propriedade exclusiva, compensou o seu sócio, uma vez que este tinha direito a 30% do valor alienado? Se sim, qual o valor desta compensação? Pode disponibilizar algum documento que comprove essa situação?

    f) A sua empresa realizou a retenção na fonte do IRS relativo ao rendimento em espécie que ambos sócios receberam (alienação do escritório pela empresa)? Se sim, qual o valor destes pagamentos ao Estado?

    g) Para esta operação, foi a empresa que liquidou o IMT ao Estado ou foi o Sr. Ministro?

    h) Além da colaboração a título pessoal que teve com a Gilead em 2019 e 2021, quer esclarecer se a Manuel Pizarro Consultadoria teve farmacêuticas como clientes, e se sim, quais?

  • “Inquéritos secretos” aos novos governantes são mesmo secretos? Tribunal Administrativo decidirá

    “Inquéritos secretos” aos novos governantes são mesmo secretos? Tribunal Administrativo decidirá

    Em Janeiro, depois de vários escândalos políticos, o primeiro-ministro António Costa quis mostrar publicamente que não aceitaria nenhum governante com problemas na Justiça, mas a Resolução do Conselho de Ministros que instituiu um inquérito prévio aos candidatos a membros do Governo coloca uma “cortina de obscurantismo” sobre todo o processo, porque coloca um selo de “secreto”. Mas há um problema: a classificação de “Secreto Nacional”, escolhido pelo primeiro-ministro, para impedir o acesso público não se encaixa nos pressupostos exigidos por lei. E introduz, além disso, a possibilidade futura de o Governo começar a classificar a eito, como secretos, assuntos politicamente sensíveis por simples reuniões de ministros. O PÁGINA UM tomou a decisão de apresentar uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, após a recusa tácita da Presidência do Conselho de Ministros em ceder o inquérito preenchido no mês passado pelo novo secretário de Estado da Agricultura Caleia Rodrigues. Este é o 16º processo de intimação – uma ferramenta fundamental à liberdade de informação e à defesa da democracia – que o PÁGINA UM apresenta, desde Abril do ano passado, no Tribunal Administrativo de Lisboa, através do seu FUNDO JURÍDICO, com o apoio exclusivo dos seus leitores.


    O Tribunal Administrativo de Lisboa vai decidir, nas próximas semanas, um processo de intimação interposto pelo PÁGINA UM para se saber se os questionários prévios à integração de novos membros no Governo são ou não susceptíveis de consulta pública. A Presidência do Conselho de Ministros foi já hoje notificada para apresentar defesa no prazo de 10 dias.

    Em concreto, está em causa o pedido de consulta requerido pelo PÁGINA UM ao inquérito já preenchido pelo único governante que entrou em funções desde a Resolução do Conselho de Ministros de 13 de Janeiro: o novo secretário de Estado da Agricultura, Gonçalo Caleia Rodrigues, que tomou posse há menos de um mês, em 15 de Fevereiro.

    António Costa cumprimentando Gonçalo Caleia Rodrigues na tomada de posse. O secretário de Estado da Agricultura foi o primeiro, e até agora único, governante a preencher um inquérito que o primeiro-ministro quer secreto, apesar da Resolução do Conselho de Ministros invocar a transparência.

    Logo no dia seguinte, em 16 de Fevereiro, o PÁGINA UM requereu ao primeiro-ministro António Costa um pedido de acesso a esse inquérito prévio, expurgado de eventuais dados nominativos, e não tendo havido resposta em 10 dias úteis, entrou ontem com um processo de intimação.

    Recorde-se que a Resolução do Conselho de Ministros elenca um conjunto de 36 perguntas, incluindo algumas que já são alvo de escrutínio pelo Tribunal Constitucional, mas especificando outras com aspectos politicamente sensíveis, designadamente a ocorrência de processos judiciais ou contraordenacionais, ou de insolvência, e também o passado empresarial ou de ligações familiares com áreas a tutelar.

    Em todo o caso, saliente-se que, apesar do melindre das questões, exceptuando endereços, as respostas ao inquérito não configuram matérias secretas ou pessoais. Por exemplo, se uma empresa detida por um candidato a governante tiver ficado insolvente, ou se a mulher de um secretário de Estado for sócio de uma empresa, essa informação consta em documentos públicos, embora necessitando de pesquisas nem sempre fáceis. O passado criminal (ou mesmo de simples arguido) acaba também por não ser matéria propriamente secreta.

    Governo já foi notificado para responder à intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Apesar da Resolução do Conselho de Ministros – que surgiu depois de várias demissões no seio do Governo – ter instituído um inquérito prévio como “ferramenta de avaliação política”, de modo a “realça[r] a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, António Costa tratou, porém, de tornar todo o processo secreto e obscuro.

    Com efeito, o diploma em causa – uma simples Resolução de Conselho de Ministros – estipula que “uma vez preenchido, o questionário [preenchido pelos candidatos a membros do Governo] tem a classificação de Nacional Secreto”, e que haverá lugar à sua destruição “caso a personalidade que o preencheu não seja nomeado membro do Governo ou no momento em que cesse funções.”

    A classificação especial de documentos administrativos – que são todos aqueles que caem na esfera da Administração Pública – carece, na maioria dos casos, de leis da Assembleia da República, além de que a restrição de acesso a estes inquéritos, colocando-os como “Nacional Secreto”, se mostra completamente abusiva, porque os equipara a “segredo de Estado”.

    Ora, de acordo com a Lei Orgânica nº 2/2014, o regime do segredo de Estado abrange somente “os documentos e as informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é suscetível de pôr em risco interesses fundamentais do Estado”, sendo que esses se encontram explicitamente explanados, a saber: “interesses fundamentais do Estado os relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna ou externa, à preservação das instituições constitucionais, bem como os recursos afetos à defesa e à diplomacia, à salvaguarda da população em território nacional, à preservação e segurança dos recursos económicos e energéticos estratégicos e à preservação do potencial científico nacional.”

    Na mesma linha seguem também até as instruções para a segurança nacional, a salvaguarda e a defesa das matérias classificadas, designadamente as credenciações do Gabinete Nacional de Segurança, onde melhor se explicita que a classificação de Nacional Secreto abrange apenas “as informações, documentos e materiais cuja divulgação ou conhecimento por pessoas não autorizadas possa ter consequências graves para a Nação ou nações aliadas ou para qualquer organização de que Portugal faça parte”.

    Em concreto, diz-se que essa classificação de Nacional Secreto – que implica fortes restrições de acesso – só se verificam se fizerem “perigar a concretização de empreendimentos importantes para a Nação ou nações aliadas ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “comprometerem a segurança de planos civis e militares e de melhoramentos científicos ou técnicos de importância para o País ou seus aliados ou para organizações de que Portugal faça parte”, ou ainda se “revelarem procedimentos em curso relacionados com assuntos civis e militares de alta importância.”

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    O preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros diz, logo na primeira frase que ” O Programa do XXIII Governo Constitucional realça a importância de assegurar a transparência e o controlo da integridade do sistema democrático”, acrescentando depois que “tal aconselha que o escrutínio a que aqueles titulares devem ser sujeitos para integrarem o Governo, no âmbito do processo de avaliação política que precede a respetiva nomeação, seja reforçado.” Mas classifica o inquérito como “Nacional Secreto” sem enquadramento legal.

    Em suma, a menos que o Governo consiga convencer as instâncias judiciais de que o conhecimento público do inquérito preenchido pelo secretário de Estado Gonçalo Caleia Rodrigues faça perigar “interesses fundamentais do Estado”, designadamente a própria independência de Portugal ou de outros Estados, não parece que o conhecimento do conteúdo das respostas ao inquérito preenchido por Gonçalo Caleia Rodrigues – que era professor do Instituto Superior de Agronomia antes de entrar em funções governativas – possa vir a ter tamanhas consequências, atendível o teor das questões e informações aí expostas.

    Além disto, a Resolução do Conselho de Ministros – que, repita-se, invoca o reforço da transparência e o controlo da integridade do sistema democrático – introduz um risco no regime: a possibilidade de uma classificação de documentos administrativos, incluindo a sua destruição, poder ser feita de forma completamente arbitrária e casuística por um Governo.

    Ou seja, se diplomas desta natureza vingarem, como forma expedita de governar, um qualquer Governo pode passar a classificar qualquer decisão, plano, projecto ou até mesmo empreitada como “Nacional Secreto”. E, a partir daí, o público, em geral, e os jornalistas, em particular, ficam impedidos de aceder a informação relevante ou politicamente sensível. No limite, podem “decretar” a destruição de todos os documentos quando saírem de funções.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 16 processos de intimação intentados desde Abril do ano passado, além de outras diligências, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Manuel Pizarro já está na fase de se “borrifar” para ordens do Tribunal Administrativo

    Manuel Pizarro já está na fase de se “borrifar” para ordens do Tribunal Administrativo

    Depois de apagar literalmente contratos públicos no Portal Base, o Ministério da Saúde ignora agora um despacho da juíza do processo de intimação do PÁGINA UM para o acesso aos contratos de compra das vacinas contra a covid-19 e às comunicações com as farmacêuticas. Em causa estão compras públicas que ascendem a quase 700 milhões de euros, mas que Manuel Pizarro tudo anda a fazer para esconder os contratos. O PÁGINA UM pediu, na sexta-feira, a condenação do Ministério da Saúde por litigância de má-fé. O gabinete jurídico do ministro foi logo a “correr” requerer à juíza a retirada da queixa, mas continua sem responder ao despacho da magistrada para mais esclarecimentos sobre a (evidente) existência dos contratos.


    O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, elevou este mês ao absurdo os padrões de obscurantismo deste Governo no acesso à informação de documentos administrativos públicos: depois de ter “apagado” contratos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) no Portal Base, agora já nem sequer cumpre determinações dos tribunais, chegando até a exigir que sejam retiradas acusações de litigância de má-fé por falta de cooperação para o apuramento da verdade.

    Num processo de intimação do PÁGINA UM – que deu entrada no último dia do ano passado – face à recusa de disponibilizar os contratos assinados entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde, já nem ordens do Tribunal Administrativo de Lisboa respeita.

    Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como num requerimento de defesa do Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

    Mas isso não é verdade, como comprovou o PÁGINA UM. Durante cerca de dois anos, constaram quatro contratos no Portal Base assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se no servidor do PÁGINA UM.

    Porém, estes quatro contratos abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo, razão pela qual o PÁGINA UM requereu o acesso aos outros contratos, bem como às guias de transporte e às comunicações entre farmacêuticas e Ministério da Saúde. O objectivo também é de saber se existem indicações sobre compras obrigatórias futuras e cláusulas sobre responsabilidades futuras em caso de reacções adversas graves.

    Ministério da Saúde já nem responde às solicitações da juíza do processo, mas foi a “correr” pedir que retirasse a queixa por litigância de má-fé. Mas continua sem responder ao pedido inicial da juíza.

    Recorde-se que Portugal terá já gastado mais de 675 milhões de euros com vacinas contra a covid-19, mas está em risco de deitar para o lixo mais de oito milhões de doses, no valor estimado de 120 milhões de euros, face ao desinteresse manifestado nos últimos meses pelos portugueses na toma dos denominados boosters. Além disso, os acordos assumidos pela Comissão von der Leyen – e que tanto polémica já suscitam – poderão obrigar o Estado a assumir compras obrigatórias de mais 500 milhões de euros de vacinas mesmo que não as administre.

    Face às manifestas mentiras do Ministério da Saúde, o PÁGINA UM remeteu ao Tribunal Administrativo de Lisboa um conjunto de provas documentais sobre a existência dos quatro contratos do início de 2021, bem como do “apagão” desses documentos no Portal Base ordenado pelo Ministério da Saúde. Em consequência, a juíza do processo, Telma Nogueira, exarou um despacho no passado dia 20 de Fevereiro com o seguinte conteúdo: “Notifique a Entidade demandada [Ministério da Saúde] para, em cinco dias se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”

    Mas o Ministério da Saúde decidiu agora simplesmente ignorar uma ordem do Tribunal, nem sequer respondendo à juíza Telma Nogueira, consubstanciando assim a prática de litigância de má-fé. De facto, de acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.

    Ora, considerando o PÁGINA UM que o Ministério da Saúde pretendeu, com intencionalidade, alterar a verdade dos factos – “apagando” quatro contratos (de entre um número desconhecido) do Portal Base – e não está a cooperar para se fazer justiça – nem sequer cumprindo um despacho da juíza do processo de intimação –, o recurso a este procedimento tem como objectivo uma penalização deste tipo de actos.

    Certo é que, tendo o PÁGINA UM apresentado este requerimento à juíza Telma Nogueira na sexta-feira passada – solicitando a condenação do Ministério de Manuel Pizarro por litigância de má-fé e o correspondente pagamento de uma indemnização –, a defesa do Ministério da Saúde reagiu já ontem. Mas não para cumprir a ordem da juíza emanada no dia 20 de Fevereiro, mas sim somente para pedir que não seja admitido, “nos presentes autos”, o requerimento do PÁGINA UM pedindo a condenação do Ministério da Saúde por litigância de má-fé.

    No processo de intimação constam já, enviados pelo PÁGINA UM, tantos os primeiros contratos integrais assinados em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 entre a DGS e as farmacêuticas Pfizer e Moderna, como também os mesmos documentos entretanto rasurados (“apagados”) por ordem política. O PÁGINA UM exige acesso a estes contratos e aos seguintes, que já terão totalizado quase 700 milhões de euros, bem como guias de transportes e comunicações entre as partes.

    A defesa de Manuel Pizarro diz que o requerimento do PÁGINA UM deve simplesmente “ser desentranhado e devolvido ao apresentante”, considerando que o Tribunal Administrativo de Lisboa tem já todos os elementos para decidir em favor do Governo. No breve requerimento, o Ministério da Saúde reitera que o argumento de “impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”, um jargão jurídico que significa que o pedido é impossível de cumprir ou já foi cumprido.

    Em suma, o Ministério da Saúde quer simplesmente que a juíza Telma Nogueira, e o Tribunal Administrativo de Lisboa, encerrem o assunto, colocando uma “cortina negra” sobre contratos públicos assinados por entidades públicas no valor de várias centenas de milhões de euros.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de cerca de uma dezena e meia de processos em curso (amanhã serão revelados mais dois intentados recentemente), o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Será que os ministros podem contribuir (com as suas casas) para o Programa Mais Habitação?

    Será que os ministros podem contribuir (com as suas casas) para o Programa Mais Habitação?

    Aviso: todos os ministros são proprietários imobiliários, embora alguns detenham apenas um mais ou menos “modesto” apartamento. Outros andam a pagar empréstimos bancários. Mas há um punhado de governantes que, além do próprio António Costa, possuem um património susceptível de vir a ser “cobiçado” pela ministra da Habitação, caso avance a peregrina ideia do arrendamento coercivo.

    Confira em baixo uma síntese da “busca” do PÁGINA UM ao património imobiliário dos principais governantes em funções, de acordo com as últimas declarações entregues no Tribunal Constitucional, e que escondem mais do que revelam, tantas são as rasuras justapostas para os jornalistas não verem e o público não saber.


    Marina Gonçalves, ministra da Habitação

    A responsável pelo pacote legislativo é apenas proprietária de uma fracção autónoma em Cristelo, no concelho de Caminha, de onde é natural, que pelo valor patrimonial (96.144,61 euros), deverá ser uma moradia.

    Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência

    A ministra da Presidência apenas detém um apartamento para habitação com três divisões e 67 metros quadrados. Frugal, portanto.

    Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.

    João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros

    Proprietário de duas fracções urbanas em Lisboa – uma na freguesia de Santa Maria Maior e outra em Arroios –, o ministro João Gomes Cravinho, não declarou rendimentos prediais. Assumindo que vive num dos dois apartamentos, o segundo pode vir a ser “cassado” pela colega Marina Gonçalves para avolumar a oferta no mercado de arrendamento.

    Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional

    Sem indicação sequer da freguesia, a ministra da Defesa Nacional é proprietária de um único prédio urbano na cidade de Lisboa, com o valor patrimonial de 128.138 euros, o que indicia ser um apartamento.

    Mariana Vieira da Silva é o membro do Governo com propriedade mais “exígua”.

    José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna

    O ministro da Administração Interna consegue que o Tribunal Constitucional lhe conceda direito a completo segredo sobre a sua propriedade predial. Apenas se sabe que tem um prédio urbano, mas não se sabe onde nem o seu valor patrimonial.

    Catarina Sarmento e Castro, ministra da Justiça

    Embora grande parte da informação da última declaração não seja transparente – ou seja, está rasurada –, a ministra da Justiça apresenta uma panóplia patrimonial, distribuída por Lisboa, Peniche e sobretudo Marinha Grande. Neste concelho do distrito de Leiria, Catarina Sarmento e Castro possui uma moradia T4 e mais uma garagem autónoma, enquanto em Peniche tem um T1 e outro apartamento da mesma dimensão em Carnide, na cidade de Lisboa. Além destes imóveis, tem um terço da herança indivisa de um T4 e de um T2 na Marinha Grande, além de um escritório de dimensões desconhecidas e três garagens autónomas. Como não apresenta rendimentos prediais, algumas destas propriedades são candidatas a integrarem a bolsa de arrendamento coercivo da ministra da Habitação.

    Se a peregrina ideia do arrendamento coercivo (sob a aura de inconstitucionalidade) avançar, e então se houver justiça, alguns das propriedades da ministra da Justiça serão as primeiras a entrarem no mercado…

    Fernando Medina, ministro das Finanças

    O antigo presidente da autarquia alfacinha detém um apartamento T4 nas Avenidas Novas, em Lisboa, mantendo uma dívida bancária de 351.855 euros. De resto, tem espalhados pelo Norte do país uma mão-cheia patrimonial que as rasuras do Tribunal Constitucional não permitem conhecer em detalhe: ½ de um prédio urbano em Vila real, ¼ de um prédio (não se sabe se rústico ou urbano) em Ribeira de Pena, mais ½ de três prédios rústicos em Celorico de Basto, e mais ½ de um prédio urbano em Muxões (Celorico de Basto), além de 1/6 de uma herança indivisa herdada do pai que o Tribunal Constitucional não considera merecedor de ser discriminada.

    Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares

    Proprietária de uma fracção – presume-se que apartamento – na freguesia lisboeta da Misericórdia, Ana Catarina Mendes detém ainda 50% de umas outras fracções na capital, ambas na freguesia de Campo de Ourique. Divorciada do ex-ministro Paulo Pedroso, a sua declaração não indica quem é detentor da outra metade destas duas fracções. Certo apenas que na declaração de 2019, Ana Catarina Mendes reportou um rendimento predial de 18.000 euros, mas na declaração de Março de 2022 – já separada de Pedroso – não indica qualquer rendimento deste tipo.

    Com duas casas de férias, António Costa Silva “livra-se” do arrendamento coercivo gizado pela sua colega da Habitação.

    António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar

    Sendo porventura o ministro com maior património financeiro – e com o maior rendimento anual antes de entrar em funções governamentais (384.936 euros), António Costa Silva indica a propriedade de uma fracção em local desconhecido (apenas existe a referência ao artigo matricial 1344 e ao registo número 2099), além de um prédio urbano em Sobral da Lagoa, no concelho de Óbidos. Terá concluído a compra em Novembro de 2022 de uma fracção (não discriminada) na Quarteira, no concelho de Loulé.

    Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura

    Proprietário de um apartamento na zona das Amoreiras, sob a qual tem um empréstimo de 465.656 euros, o ministro da Cultura apresenta-se como titular de uma fracção autónoma em Vila Nova de Milfontes (com valor patrimonial de 85.219 euros), a que acresce outra em Alvor (com valor patrimonial de 49.765 euros) e 1/24 de uma outra fracção na Praia do Alvor (com valor patrimonial de 77.495 euros).

    Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, à esquerda de António Costa, tem um apartamento em Lisboa, e outro em Sintra, que já aluga.

    Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior

    Proprietária de uma fracção na Charneca da Caparica, provavelmente uma moradia, a atender ao valor patrimonial (160.339,55 euros), a ministra da Ciência detém ainda um prédio urbano em Vila Real de Santo António (com valor patrimonial de 7.875 euros) e 1/2 de uma outra parcela na mesma localidade.

    João Costa, ministro da Educação

    O ministro da Educação indica apenas uma moradia na Quinta do Anjo, sem mais qualquer indicação.

    Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

    Proprietária de um apartamento de 148 metros quadrados em Moscavide e de um T4 na Portela com 136 metros quadrados, a ministra do Trabalho é forte “candidata” a incorporar um destes prédios urbanos no pacote do arrendamento coercivo da Habitação, porque não apresenta rendimentos prediais. Tem ainda uma moradia na Silveira, no concelho de Torres Vedras, com 132 metros quadrados, integrado num terreno 750 metros quadrados, além de dois prédios urbanos, aparentemente em más condições, em Vila Nova de Foz Coa.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde

    Proprietário de um apartamento na freguesia portuense de Ramalde, bem como de duas outras fracções na mesma zona, uma das quais será o escritório onde funcionava a sua empresa de consultoria.

    Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática

    Com ½ de um T3 em Lisboa, em freguesia desconhecida, o ministro do Ambiente indica a propriedade de uma fracção autónoma para habitação em Sintra, sem outra qualquer indicação. Apresentou um rendimento predial anual de 2.800 euros.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas

    Proprietário de um apartamento em Arroios (com valor patrimonial de 87.077 euros), o novo ministro das Infraestruturas detém ainda um prédio urbano em Cascais com um valor patrimonial de 135.030 euros. Deve ser um bom senhorio, porque os rendimentos prediais declarados num ano foram apenas de 333 euros.

    João Galamba declara uma segunda habitação em Cascais e um rendimento predial anual de 333 euros.

    Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial

    Excluindo o património do marido, a ministra da Coesão Territorial é proprietária de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal em Coimbra, sem se conhecer detalhes para além do artigo matricial urbano (nº 4277). Não tem rendimentos prediais.

    Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação

    A antiga presidente da autarquia de Abrantes, apenas indica a propriedade de um prédio naquela cidade, sem outra referência além do artigo matricial (nº 7771).

  • António Costa tem dois apartamentos elegíveis para arrendamento coercivo

    António Costa tem dois apartamentos elegíveis para arrendamento coercivo

    Uma das medidas mais polémicas – e eventualmente inconstitucional – do plano do Governo para aumentar a oferta de casas é o arrendamento coercivo, ou seja, o Estado obrigará os proprietários com alojamentos desocupados a alugarem. A ministra Marina Gonçalves já veio descansar emigrantes e proprietários com casa de férias, mas ficarão assim eventualmente elegíveis apartamentos que não apresentem rendimento predial e se situem próximo da habitação permanente. O primeiro-ministro António Costa tem dois apartamentos nestas condições, um na Penha de França e outro em Odivelas.


    Dois dos apartamentos do primeiro-ministro António Costa na região de Lisboa não lhe estão a dar qualquer rendimento predial nem podem ser consideradas segunda residência, pelo que eventualmente ficarão abrangidos pela mais polémica medida prevista pelo pacote legislativo do Ministério da Habitação: o arrendamento coercivo.

    De acordo com a consulta feita pelo PÁGINA UM à última declaração de património e rendimentos do primeiro-ministro no Tribunal Constitucional, António Costa declarou a posse de cinco fracções autónomas em Portugal: três em Lisboa – na freguesia de Benfica, onde oficialmente mora, de Santa Clara e de Penha de França –, uma em Odivelas, e uma ainda no Carvoeiro, onde passa férias quando está no Algarve, embora neste caso detenha apenas uma parte indivisa de herança. Além dessas, sabe-se que António Costa detém ainda uma fracção – que ele próprio desconhece as características – na cidade de Margão, em Goa, por herança.

    Estrada do Desvio, junto à Calçada de Carriche, na freguesia de Santa Clara, onde António Costa é senhorio de um apartamento.

    No entanto, nessa declaração – feita em 21 de Novembro passado, que consistiu num esclarecimento exigido pelo Ministério Público sobre uma declaração anterior, datada de 30 de Março de 2022 –, António Costa explicita que os seus rendimentos prediais, num total de 7.300,80 euros por ano, “provêm do arrendamento da fracção sita na freguesia de Santa Clara, devidamente identificada no campo próprio, e ainda da permilagem correspondente às rendas do condomínio sito na freguesia de Benfica”, dizendo que “não há qualquer outro rendimento a declarar”.

    Apesar desta última declaração ter sido rasurada pelos serviços do Tribunal Constitucional – alegadamente por permitir a identificação individualizada de residências, mas em que se expurgou indevidamente a tipologia e área das fracções –, o PÁGINA UM sabe que esse apartamento de António Costa na freguesia de Santa Clara se localiza num segundo andar de um prédio da Estrada do Desvio, junto à Calçada do Carriche. Não se divulga o endereço completo por não ser, por agora, relevante.

    Rua Estácio da Veiga, à esquerda, na freguesia de Penha de França, onde António Costa é proprietário de um apartamento sem rendimento predial.

    Desta forma, assumindo António Costa que as outras duas fracções não têm rendimento predial, nem são casas de férias, significa que o primeiro-ministro pode ser considerado, segundo os critérios do Ministério da Habitação, um proprietário elegível para arrendamento coercivo, caso não prove inequivocamente que aquelas têm uma ocupação frequente ou permanente.

    O apartamento da Penha de França, localiza-se também num segundo andar da Rua Estácio da Veiga, num prédio de três pisos em boas condições. O primeiro-ministro já possui este apartamento pelo menos desde 2015, como noticiou o Observador em Março daquele ano, quando António Costa assumiu o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.

    Já o apartamento em Odivelas, na Rua da Paiã, situa-se também no segundo andar, neste caso de um prédio em más condições de conservação. O apartamento foi dado como vendido em 21 de Outubro de 2016 numa notícia do Observador, de há quatro anos, que revelava os intensos negócios imobiliários de António Costa. Mas o PÁGINA UM pode garantir que é esse o apartamento que ainda está declarado pelo primeiro-ministro como pertencendo a si e à mulher Fernanda Tadeu.

    Rua da Paiã, em Odivelas. No edifício verde, ao lado esquerdo, está o apartamento de António Costa.

    Pode, em todo o caso, haver mais uma confusão na declaração de António Costa. Nos esclarecimentos transmitidos pelo primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional surge mesmo a informação de que ele desconhecia que uma conta bancária não identificada, por rasurada pelos serviços daquele órgão de fiscalização e controlo dos políticos e da democracia, e que ele repetidamente indicava como sua, afinal, para sua “surpresa”, nem sequer era titular. O primeiro-ministro prometeu vir a rectificar a situação.

  • Jacinda Ardern deixa Nova Zelândia em crise económica e com excesso de mortalidade

    Jacinda Ardern deixa Nova Zelândia em crise económica e com excesso de mortalidade

    No auge, a sua popularidade nacional e internacional chegou a ser apelidada de “Jacindamania”. Nas eleições de Outubro de 2020, em plena pandemia, Jacinda Arden obteve 50,01% dos votos, um resultado histórico, assegurando 65 dos 120 lugares na Câmara dos Representantes. Mas a aprovação popular da estratégia fortemente restritiva e até segregacionista da primeira-ministra da Nova Zelândia foi-se esfumando, sobretudo quando a Ómicron “varreu” a ilha da Oceânia a partir do início do ano passado, e a inflação e as tensões sociais aumentaram. Para piorar, a Nova Zelândia apresenta, desde 2022, um inusitado excesso de mortalidade, confirmada por uma análise do PÁGINA UM recorrendo a dados estatísticos oficiais.


    Heroína ou ditadora. Amor e ódio. Agradecimento e desprezo. Assim foram os sentimentos antagónicos em reacção ao anúncio da recente demissão de Jacinda Ardern, primeira-ministra da Nova Zelândia. Não deixou ninguém indiferente. Nos antípodas do continente europeu, com uma população a rondar os 5,1 milhões de habitantes, nunca um Governo daquela ilha da Oceânia foi tão falado.

    Até em Portugal, onde o interesse sobre a Nova Zelândia, antes da pandemia, era tão abundante como os cangurus naquela ilha: zero. A primeira-ministra da pequena ilha ao largo da Austrália tornou-se tudo menos consensual nos últimos três anos.

    Jacinda Ardern com António Guterres.

    Mulher, jovem e comunicativa, Jacinda Ardern revelou-se ao Mundo pela forma empática como lidou com o atentado contra a mesquita de Christchurch em Março de 2019, mas depois transformou-se numa “dama de ferro” pela forma como impôs uma estratégia de restrições durante a pandemia, com lockdowns draconianos – que proibiam mesmo “recuperar uma bola de críquete perdida no quintal do vizinho”, como recordava ontem uma notícia do The New York Times.

    Além disso, apesar de inicialmente assegurar que as vacinas seriam voluntárias, impôs a sua administração obrigatória para determinadas profissões, como agentes fronteiriços, polícias, militares, profissionais do sector da Educação, da saúde e serviços policiais, além de empregados do sector da restauração. O seu discurso tornou-se, por vezes, incrivelmente segregacionista, defendendo a punição e discriminação de quem não se vacinasse ou realizasse testes. O bordão do governo trabalhista de Ardern não podia ser mais incisivo: “no jab, no job” [sem vacina, sem trabalho].

    Com o surgimento das vacinas em finais de 2020, o objectivo de Jacinda Arden passou a ser alcançar rapidamente os 90% da população vacinada. Os fins desejados pela primeira ministra justificaram os meios por si impostos – e isso conseguiu Jacinda Ardern.

    Jessica Ardern impôs a vacinação obrigatória em determinados grupos profissionais.

    Os dados mais recentes do Ministério da Saúde neozelandês indicam que 90,2% dos maiores de 12 anos tinham completado a primeira fase da vacinação. Porém, a adesão ao primeiro reforço, para os maiores de 18 anos, já foi menor (73,3%), e ainda se reduziu mais para o segundo reforço. Neste momento, apenas 47,3% dos neozelandeses optaram por tomar o denominado segundo booster, mostrando uma tendência de desinteresse que também atinge Portugal.

    Mas se a estratégia de Jacinda Ardern – que chegava a ser similar à chinesa, apontando para a covid zero – parecia estar a resultar nos primeiros dois anos da pandemia, em pouco mais de dois meses colapsou.

    Com efeito, até ao final de Janeiro de 2022 a Nova Zelândia contava apenas 16.620 casos positivos de covid-19 desde o início da pandemia, contabilizando 63 óbitos. Como termo de comparação, Portugal – com o dobro da população – tinha, nessa altura, cerca de 20 mil mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 e mais de 2,8 milhões de casos positivos.

    Vacinada em Junho de 2021, Jacinda Ardern testou positivo em Maio do ano passado. Usou fortemente as redes sociais para comunicar questões relacionadas com a covid-19.

    Apesar de contar com uma população fortemente vacinada, a variante Ómicron “varreu” literalmente a ilha de Jacinda Ardern – e também a sua estratégia de covid, apesar de continuar a receber os louros de uma política segregacionista e pouco democrática. Na segunda semana de Maio do ano passado, a Nova Zelândia superava já um milhão de casos e, nesse mesmo mês, ultrapassou os 1.000 óbitos.

    Actualmente, segundo os dados do Worldometers, este país da Oceânia regista mais de 2,1 milhões de casos – uma incidência que já ultrapassou a da Suécia –, embora conte somente com 3.676 óbitos, ou seja, uma taxa de letalidade de 0,17%, o que se explica pela menor agressividade da variante Ómicron.

    À medida que o suposto sucesso da estratégia de Jacinda Ardern no combate à pandemia se esfumava com a Ómicron, aumentava a contestação interna à sua política segregacionista. Em Agosto do ano passado, manifestações em Wellington mostravam já uma estrela cadente em queda livre. Os índices de popularidade do Partido Trabalhista de Ardern tinha então despencado para os 33% de aprovação, quando no final de 2021 era ainda de 41%. No mês seguinte, Jacinda Arden viu-se obrigada a deixar cair as máscaras e os mandatos de vacinação, enquanto já defendia então ser necessário “virar a página”.

    Manifestações contra os mandatos de vacinação atingiram o seu auge em Agosto do ano passado.

    Mas já era tarde para recuperar a popularidade interna perdida. Hoje, o jornal Stuff noticia que uma pesquisa (Taxpayers’ Union – Curia Poll), realizada pouco antes do anúncio da sua renúncia, apurara que que 40% dos inquiridos tinham uma posição favorável à primeira-ministra neozelandesa contra 41% com opinião desfavorável. É a primeira vez, desde que o balanço de Jacinda Ardern se mostrava negativo. Por outro lado, o índice de popularidade do Partido Trabalhista desceu para os 31,7%, estando já bastante abaixo do Partido Nacional, de centro-direita, que conta com 37,2% das intenções de voto.

    Recuperar a popularidade do Partido Trabalhista para as eleições marcadas para o próximo mês de Outubro será ainda mais complexo pela evolução económica e financeira, a par de uma situação de saúde pública marcada por um forte recrudescimento da mortalidade total.

    De facto, a taxa de inflação na Nova Zelândia, que era de 1,5% em Março de 2021, estava já em 7,2% no terceiro trimestre ano passado, de acordo com dados oficiais. Este é o valor mais elevado desde Setembro de 1990. Embora a taxa de desemprego esteja em apenas 3,3% – o valor mais baixo dos últimos 15 anos –, existem receios forte de uma recessão económica.

    Evolução da taxa de inflação anual (%) por trimestre na Nova Zelândia de Janeiro de 1990 a Setembro de 2022. Fonte: Stats NZ.

    Em todo o caso, com um produto interno bruto per capital de cerca do dobro de Portugal, a situação económica não se augura demasiado dramática no futuro da Nova Zelândia.

    Mais dramática mostra ser a evolução da mortalidade total da Nova Zelândia. Com efeito, se os dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021) pareciam mostrar que a estratégia restritiva draconiana defendida por Jacinda Ardern era uma aposta vencedora, agora afigura-se terrível.

    Uma análise detalhada aos dados oficiais do Stats NZ – a agência neozelandesa de Estatística – entre Janeiro de 2010 e Setembro do ano passado – uma tendência crescente da mortalidade total, depois de uma redução ao longo de 2020 e 2021. Considerando a média móvel de 12 meses – para atenuar completamente o efeito das variações sazonais –, observa-se um crescimento ininterrupto a partir de Novembro de 2020, quando então as medidas não-farmacológicas e os lockdowns reduziam o risco de vida para grande parte das doenças.

    Evolução da mortalidade total na Nova Zelândia entre 2010 e 2019, e estimativa do excesso ou défice de mortalidade entre 2019 e 2022 (em todos os anos apenas para os primeiros nove meses) em função do número expectável e registado. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    A tendência de incremento da mortalidade total passou a ser preocupante quando em Novembro de 2021 se ultrapassaram os valores de Março de 2020. A mortalidade total em Setembro do ano passado – último período com dados – já se situou em 6.438 óbitos (média de 12 meses), que contrastava com os 5.786 óbitos no mês homólogo imediatamente anterior à pandemia (Setembro de 2019). Significa isto um desvio de 11%.

    Fazendo uma análise comparativa, por agora, dos nove primeiros meses de cada ano (Janeiro a Setembro), desde 2010 até 2022, e considerando também a tendência crescente de mortalidade (por envelhecimento populacional), chega-se à conclusão que ao pretenso sucesso das políticas de saúde de Jessica Ardern em 2020 e 2021 sucedeu um desastre em 2022.

    Sobretudo em 2020, a mortalidade total nos primeiros nove meses ficou bastante abaixo dos valores expectáveis: seria de aguardar, sem pandemia, um registo de 53.086 óbitos, mas afinal houve menos 3.592 mortes. Ou seja, com o Mundo então a sofrer uma pandemia, a Nova Zelândia apresentava até uma descida da mortalidade por todas as causas.

    Evolução da mortalidade total por mês (média móvel de 12 meses) na Nova Zelândia entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2022. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Em 2021, manteve-se esse saldo favorável, embora já não tão evidente. Seria expectável o registo de 54.018 óbitos, tendo-se contabilizado menos 624.

    Porém, o ano de 2022 “estragou a festa” – e nem se pode dizer que tenha sido por causa da covid-19, porque entre Janeiro e Setembro morreram pouco mais de 2.900 neozelandeses por esta doença. Com efeito, o excesso na mortalidade total neste período foi de 4.856 óbitos, um valor que suplanta em muito o “défice” favorável de 2020 e 2021.

    O grupo etário que apresentou um maior agravamento foi o dos muito idosos (maiores de 90 anos), que estão com valores cerca de 17% acima do período imediatamente anterior à pandemia, e numa tendência que não parece ter encontrado o topo. Essa “razia” dos super-idosos pode ter uma razão simples: a vida não dura sempre e o sacrifício de os proteger contra a covid-19 descurou outras afecções que agora manifestam os seus efeitos, através de um aumento dos desfechos fatais.

    Essa evidência também se afigura no grupo etário dos 85 anos 89 anos, onde se observa uma redução da mortalidade expectável nos primeiros dois anos da pandemia, sucedendo depois um crescimento acentuado ao longo dos meses de 2022.

    Evolução da mortalidade total por mês (média móvel de 12 meses) entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2022 nos grupos etários dos maiores de 60 anos. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Já sem atenuação da mortalidade durante 2020 e 2021, a evolução dos desfechos fatais para os idosos entre os 80 e 84 anos apresenta também sinais preocupantes. Tanto antes como nos dois primeiros anos da pandemia, o número de óbitos por mês (média móvel de 12 anos) rondava valores entre os 800 e os 850, mas o valor de Setembro do ano passado situou-se nos 987 óbitos.

    Tendência recente preocupante abrange também o grupo etário dos 75 aos 79 anos, com o número de óbitos em Setembro passado (média móvel de 12 meses) a aproximar-se dos 800, quando antes e durante os primeiros dois anos da pandemia andou entre os 650 e os 700 óbitos. Ou seja, os valores mais recentes representam um agravamento superior a 10% face ao normal.

    Similar efeito, embora atenuado, se mostra nos diversos grupos etários dos 60 aos 74 anos, embora em termos relativos se esteja sempre perante acréscimo da ordem dos 10%.

    Nas populações adultas entre os 40 e os 59 anos, o efeito da pandemia foi nulo. Quer antes da pandemia, quer antes do surgimento da vacina quer depois quer ainda nos meses de 2022, as flutuações são mínimas e dentro daquilo que estaticamente se pode considerar norma. O mesmo se aplica nos menores de 40 anos, tanto nos jovens adultos como nos adolescentes, crianças e recém-nascidos.

    Evolução da mortalidade total por mês (média móvel de 12 meses) entre Janeiro de 2015 e Setembro de 2022 nos grupos etários dos menores de 60 anos. Fonte: Stats NZ. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Ou seja, tal como em muitos outros países – incluindo Portugal –, quando se olha para o impacte da pandemia nos menores de 50 anos, nada aconteceu. Sem vacina ou com vacina, o perfil da mortalidade total é similar àquilo que era antes de 2020.

    Porém, o caso muda de figura para os mais idosos. Na Nova Zelândia, se a política de Jacinda Ardern foi de salvar idosos, de facto conseguiu-o, mas com um trágico desfecho: alguns idosos tiveram “direito” a uns quantos meses de vida suplementar, é certo, mas em absoluta reclusão e medo da covid-19.

    E depois desses meses acabaram muitos desses – e outros mais, em excesso – por perecer. Sem glória. E a trágica procissão pode ainda estar no adro. Na Nova Zelândia, Jacinda Ardern já não estará no Governo para assumir responsabilidades; ao invés, sai com aura de heroína internacional, sobretudo para quem não olha para os números, para a realidade.

  • Irmão do presidente da República ganha contrato na NAV três dias após nomeação de Alexandra Reis para liderar a empresa pública

    Irmão do presidente da República ganha contrato na NAV três dias após nomeação de Alexandra Reis para liderar a empresa pública

    Não foi apenas a negociar a indemnização de 500 mil euros por rescindir com a TAP que os caminhos do advogado Pedro Rebelo de Sousa e da ex-secretária de Estado do Tesouro se cruzaram. Três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis para liderar a NAV, esta empresa pública contratou a sociedade do irmão do presidente da República para prestar serviços jurídicos na área do trabalho. Em todo o caso, já se sabia desde Abril passado que a agora ex-secretária de Estado do Tesouro iria para aquela empresa pública de gestão da navegação aérea. Quanto a Pedro Rebelo de Sousa, apesar do seu irmão, o presidente da República, defender que tem já pouca influência na gestão do sociedade de advogados que fundou, imagine-se então se tivesse muita: o PÁGINA UM revela aqui a evolução dos contratos públicos sacados pela SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados, na esmagadora maioria por ajuste directo.


    A sociedade de advogados de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do presidente da República, conseguiu ganhar um contrato de prestação de serviços à Navegação Aérea de Portugal (NAV), no valor de 66.861 euros, apenas três dias após a nomeação formal de Alexandra Reis como presidente do conselho de administração daquela empresa pública.  O despacho de nomeação, assinado pelo ainda ministro das Finanças, Fernando Medina, e pelo demissionário ministro das Infraestruturas Pedro Nuno Santos tem data de 24 de Junho deste ano; o contrato entre a NAV e a SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados é de 27 de Junho, embora tenha entrado em vigor retroactivamente, em 14 de Junho daquele mês.

    Embora Alexandra Reis não tenha estado directamente envolvida no contrato – terá sido assinado por dois vogais em funções, uma vez que só assumiu a presidência formal em 1 de Julho –, há muito era conhecida a sua indigitação para liderar a empresa de gestão do tráfego aéreos. E as suas ligações a Pedro Rebelo de Sousa eram óbvias: o advogado negociara, no início deste ano, a famosa indemnização de 500 mil euros pela rescisão do cargo de vogal do conselho de administração da TAP.

    Pedro Rebelo de Sousa, como surge no site da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados

    Alexandra Reis saíra da companhia aérea estatal em Fevereiro passado – em rota de colisão com a CEO Christine Ourmieres-Widener –, mas em 11 de Abril já estava o seu currículo em análise pela Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração (CReSAP).

    O contrato de prestação de serviço, disponível no Portal Base, não identifica sequer quem assinou o contrato de ambas as partes – o que é uma situação ilegal e de pouca transparência, uma vez que a protecção de dados não se aplica aos nomes das pessoas envolvidas na sua assinatura –, e apenas refere, de forma muito abstracta, o objecto: “serviços de assessoria jurídica no âmbito da área de prática de Direito do Trabalho”, remetendo para um caderno de encargos não disponibilizado (o que também não é legal). Sabe-se apenas que a sociedade de Rebelo de Sousa foi a escolhida, ignorando-se os critérios, depois de uma consulta prévia a outros três conhecidos escritórios de advogados: PLMJ, Garrigues e Vieira de Almeida.

    Alexandra Reis foi nomeada para liderar uma empresa que três dias depois contratou o advogado que negociara a sua indemnização pela rescisão na TAP.

    Este contrato de Rebelo de Sousa acaba por ser, porém, apenas mais um dos muitos que a sua sociedade tem conseguido nos últimos anos.

    Apesar de Marcelo Rebelo de Sousa, presidente da República, ter já tentado desvalorizar o papel do irmão na sociedade SRS (que fundou e onde é manager partner), dizendo que tem “uma posição simbólica” –, na verdade os contratos com entidades públicas e similares têm estado a aumentar nos últimos três anos. E este ano bateu já mesmo um recorde: contabilizam-se 10 contratos com o valor total de 471.216 euros, sem IVA incluído.

    Este ano, o contrato mais elevado foi assinado com a Secretaria de Estado Regional da Economia da Madeira (100.000 euros). Aliás, no arquipélago madeirense, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu seis contratos nos últimos dois anos no valor de 234.950 euros.

    Acima do valor do contrato com a NAV, a SRS obteve também um contrato de 70.000 euros com a ATEC, uma academia de formação nascida de um acordo entre o Instituto de Emprego e Formação Profissional e empresas alemãs (Volkwagen, Autoeuropa, Siemens e Bosch).

    No lote de entidades públicas com contratos este ano com Pedro Rebelo de Sousa conta-se ainda a Fundação Centro Cultural de Belém (15.000 euros), os municípios de Sever do Vouga (50.000 euros) e do Porto (44.955), a própria Ordem dos Advogados (20.000 euros), a Ordem dos Contabilistas Certificados (59.400 euros), a Secretaria Regional de Equipamentos e Infraestruturas da Madeira (25.000 euros) e a Transtejo (20.000 euros).

    Uma evidência dos negócios da sociedade de Pedro Rebelo de Sousa estarem de vento em pompa é a evolução da facturação. Nos últimos três anos (2020-2022), a SRS concretizou contratos públicos no total de 1.286.751 euros, quando no triénio anterior facturara, em contratos deste género, apenas 455.378 euros.

    Evolução do valor total dos contratos públicos da SRS – Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados. Fonte: Portal Base.

    Se se considerar a média dos 10 anos anteriores a 2020, a SRS registara apenas um valor anual de 158.054 euros, que contrasta com os 428.917 euros de média anual do triénio 2020-2022. Ou seja, um aumento de 171%.

    Além disto, nos últimos três anos, Pedro Rebelo de Sousa conseguiu também angariar 17 novos clientes entre as entidades públicas, ou seja, antes de 2020 nunca com estas estabelecera contratos. E também desde 2020, grande parte dos contratos obtidos foram concretizados apenas pela “linda cor dos olhos” do irmão do presidente da República: 73% do montante nestes últimos três anos foi obtido em ajustes directos, sem concorrência, apenas por contactos privilegiados.

    Note-se que alguns dos contratos entretanto assinados nos últimos anos podem não estar ainda no Portal Base.

  • Serão agora a Ciência e a Censura as novas armas políticas em democracia?

    Serão agora a Ciência e a Censura as novas armas políticas em democracia?

    Ferramentas da Psicologia Comportamental e técnicas de supressão e controlo de informação têm estado a ser usadas, nos últimos dois anos, para gerar uma maior concentração de poder político e económico, num ataque à democracia que está em curso. Esta é uma das conclusões de cientistas e especialistas que participaram no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima entre sexta-feira e hoje. A supressão de informação, acusam, está a servir para ajudar a concentrar mais poder em políticos e interesses económicos, salientando que, agora, a Medicina Baseada na Evidência foi substituída pela Medicina Baseada em Políticas. E avisaram também que, desde 2020, se registam “níveis de propaganda sem precedentes”, com “desenvolvimentos alarmantes” para a democracia.


    Foi um retrato negro o traçado no terceiro e último dia do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima, desde sexta-feira. Cientistas, médicos e outros especialistas –muitos dos quais se queixam de ter sofrido censura durante a pandemia – alertaram para a forma como os últimos dois anos e meio trouxeram uma nova era em que a Ciência passou a ser usada como arma. E dizem ainda que, a par da censura de informação, muitos homens e mulheres da Ciência acabaram por aceitar servir políticos e indústrias para concentrarem um maior poder.

    Patrick Fagan, um conhecido especialista comportamental com obra publicada, não tem dúvidas sobre terem sido aplicadas técnicas de psicologia para manipular e condicionar o comportamento da população, para um reforço do poder político e económico durante a pandemia, tendo a ajuda da comunicação social.

    Este especialista disse ser evidente uma mudança, a partir de 2020, de uma sociedade democrática – em que os políticos aplicavam a vontade dos cidadãos – para uma sociedade em que os políticos alteram agora a vontade dos cidadãos para que estes aceitem as suas políticas. “A ciência comportamental foi instrumentalizada”, assegura.

    Segundo Fagan, durante a pandemia de covid-19, várias técnicas de psicologia comportamental foram usadas, incluindo o exacerbamento do medo ou a “programação” da população para aceitar certas medidas. Entre estas estão os casos de os políticos negarem medidas se determinadas circunstâncias não ocorressem, mas acabarem por as aplicar, ou então alargarem medidas definidas para um fim, para outros que não estavam inicialmente previstos – como sucedeu com o certificado digital. “Foi como um sapo que foi sendo cozido vivo”, explicou Fagan.

    Várias medidas foram assim sendo aplicadas de forma gradual, para levar a cabo intenções políticas. A técnica da negação inicial – introduzindo um conceito junto da população para a preparar – foi também utilizada no caso da vacinação: inicialmente, foi negado que seria obrigatória; depois, em alguns países, passou a ser obrigatória, ou então quem optasse por não se vacinar acabou a sofrer censura social ou dificuldades em aceder a determinados locais, mesmo no espaço doméstico.

    Patrick Fagan, cientista comportamental.

    Fagan explicou também como tantas pessoas foram conduzidas a aceitar políticas, mesmo que irracionais ou ilegais, com base no medo e em técnicas científicas que levam facilmente os indivíduos a seguirem uma ideia de comportamento de grupo. O cientista detalhou que isso ocorreu mesmo em pessoas inteligentes e cultas, que cederam às diferentes formas de pressão e manipulação psicológicas utilizadas.

    Já a psicóloga Joana Amaral Dias, também presente em Fátima, defendeu que parte da população esteve e está sob hipnose coletiva. “As pessoas estão mesmerizadas“, afirmou na sua apresentação, lembrando a estratégia de incutir medo na população desenhada por uma task force de medidas comportamentais que assessorou a Direcção-Geral da Saúde na pandemia, e cujos documentos estiveram disponíveis online, e acabaram depois por ser retirados.

    Relacionado com a psicologias, também especialistas presentes no congresso denunciaram graves atropelos e violações da ética médica desde 2020. “A Medicina Baseada na Evidência foi substituída por uma Medicina Baseada em Políticas”, avisou Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação do Instituto Nacional Francês de Saúde (Inserm). Com um pós-doutoramento concluído na Harvard Medical School, Caude tem conduzido, durante mais de 20 anos, investigação centrada na forma como as sugestões ambientais são traduzidas em informação genética, especificamente em doenças genéticas raras em crianças.

    Na sua apresentação, a geneticista francesa acusou que foram desrespeitadas boas práticas científicas e cometidas graves violações de ética médica, que incluiu vacinação sem o devido consentimento do paciente ou administração deste medicamento de uma forma obrigatória, sabendo-se que podem causar reacções adversas, e cujos efeitos no longo prazo são ainda desconhecidos.

    Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação no Instituto Nacional Francês de Saúde.

    Outro dos temas abordados foi a criação de uma “indústria” de combate à (alegada) desinformação, e que se transformou numa arma que serviu para suprimir visões divergentes das do poder político e económico.

    “Tem havido desde 2020 uma tremenda concentração do poder e um ataque à democracia”, defendeu Piers Robinson, cientista político e co-diretor da Organização de Estudos de Propaganda.

    Para este especialista britânico em media, desde 2020 registaram-se “níveis sem precedentes de propaganda”, com recurso, inclusive, a ferramentas de coacção e de “assassinato de carácter e difamação de todos os que contrariaram ou questionaram” a gestão da pandemia,

    “Tem-se assistido nesta pandemia a níveis de propaganda sem precedentes, envolvendo não apenas a sua promoção, mas também o silenciamento do debate, pela via da censura, da difamação e da pressão coerciva”, disse Robinson. “Há indicações de que os desenvolvimentos legislativos em torno da definição de online harm [informação online que pode causar prejuízo] e a ascenção de uma indústria de anti-desinformação vai efetivamente constituir um nível de controlo em esferas públicas anteriormente democráticas”, acrescentou.

    Este cientista político alertou ainda que estas tendências têm de ser “compreendidas no contexto de estruturas emergentes – como a agenda de resposta e prevenção de pandemias – a um nível global e associadas a uma concentração de poder político e económico”.

    No caso da difamação e assassinato de carácter, Piers Robinson deu o exemplo dos epidemiologistas que dinamizaram e assinaram a Declaração de Great Barrington, que foram alvo de difamação e perseguição por questionarem e se oporem a medidas adoptadas por governos e autoridades na gestão da pandemia. Entre os epidemiologistas que encabeçaram esse movimento estavam Jay Bhattacharya (Universidade de Stanford), Sunetra Gupta (Universidade de Oxford) e Martin Kulldorff (Universidade de Harvard), que foram censurados e alvo de censura mediática.

    Piers Robinson, cientista político.

    Robinson considerou ainda que a indústria de fact-checkers – que não são independentes, por estarem dependentes de orientações sobre as matérias sobre as quais escrevem e dependem financeiramente – está a servir para reforçar ainda mais a concentração de poder que tem ocorrido desde 2020. Segundo este especialista, esta “indústria dos verificadores de factos” está a servir para eliminar opiniões e informações verdadeiras.

    Piers Robinson lamenta também que a criação de legislação – supostamente para combater a desinformação –, como a lei dos Serviços Digitais na União Europeia, possa vir a eliminar informação verdadeira que acaba por ser “eliminada” por não beneficiar políticos e autoridades.

    E criticou ainda que muitos media mainstream têm sido usados para espalhar medo, aumentar falsamente a percepção de ameaças e ajudar ao assassinato de carácter e difamação de todos os que contradigam aquilo que governos e autoridades desejam.

    E também a eliminar “temas delicados” do contacto do público,

    Aliás, o PÁGINA UM constatou que nenhum órgão de comunicação social da denominada imprensa mainstream fez a cobertura noticiosa deste congresso, apesar de terem participado diversos cientistas e médicos nacionais – entre os quais os ex-bastonários Germano de Sousa e José Manuel Silva, e ainda Fernando Nobre, presidente da AMI, e Joaquim Couto, ex-presidente da autarquia de Santo Tirso – e especialistas internacionais, incluindo mesmo Michael Levitt, galardoado como Prémio Nobel da Química em 2013.

    Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.

  • Exclusivo P1: A Manuel Pizarro Consultadoria vai vender loja… a Manuel Pizarro

    Exclusivo P1: A Manuel Pizarro Consultadoria vai vender loja… a Manuel Pizarro


    Ficará tudo em casa. Ou perto de casa. A loja adquirida em 2020 pela empresa do ministro da Saúde, na freguesia portuense de Ramalde, vai ser comprada agora pelo próprio Manuel Pizarro. A informação foi revelada esta sexta-feira pelo gabinete do Ministério da Saúde ao PÁGINA UM, após vários dias de insistência.

    “O comprador será o próprio Manuel Pizarro, por ser a solução que permite, de forma mais célere, concretizar a venda e dissolver a empresa”, diz fonte oficial do Ministério da Saúde. Sem resposta ficam, contudo, várias questões pertinentes em redor da aquisição desta loja com 51,20 metros quadrados, e não de 31,80 metros quadrados como consta no esclarecimento revelado à imprensa pelo gabinete de Manuel Pizarro durantee sta semana.

    Prédio onde se localiza a loja comprada pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020,. Manuel Pizarro vai comprar a si próprio.

    Recorde-se que o imóvel em causa localiza-se no número 360 da Avenida das Congostas, na freguesia de Ramalde, a poucos metros da residênca oficial do ministro da Saúde na cidade do Porto. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

    Nessa medida, vender a loja a um terceiro com demasiada rapidez poderia ser um mau negócio pessoal para o ministro. A venda do imóvel é fundamental para dissolver uma empresa que necessita de realizar uma liquidação integral dos seus activos, ou seja, que tudo fique sob a forma de dinheiro corrente para que sejam cobertos eventuais passivos e depois distribuído o remanescente pelos sócios.

    O ministro da Saúde não revela a quem foi feita a compra em 2020, nem o mês da sua concretização, nem o valor em causa. Nem qual o valor da venda a si próprio. O PÁGINA UM fez no dia 4 de Outubro um pedido de consulta do registo predial permanente da fracção em posse da Manuel Pizarro Consultadoria, para conhecer o histórico das transacções, mas o Instituto dos Registos e do Notariado (INR) não concedeu acesso ao fim de três dias. O tempo de resposta é de dois dias, conforme se refere no recibo do pedido.

    Embora as transacções não sejam assim (ainda) públicas, a loja consta no activio da Manuel Pizarro Consultadoria como valendo cerca de 35 mil euros. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com os preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

  • Afinal, a empresa do ministro da Saúde esteve sempre activa em 2020 e 2021

    Afinal, a empresa do ministro da Saúde esteve sempre activa em 2020 e 2021

    O PÁGINA UM foi olhar para a empresa de consultadoria que Manuel Pizarro garante não ter actividade desde Março de 2020. Mas, na verdade, actividade houve: o ministro fartou-se de indicar o 514710659, o número fiscal da sua empresa, para a carregar de despesas, de modo a obter benefícios fiscais, como a dedução do IVA e possíveis reportes de prejuízos em exercícios futuros.


    A empresa de consultadoria de Manuel Pizarro manteve actividade ao longo dos anos de 2020 e 2021, ao contrário das declarações do novo ministro da Saúde ao jornal Público.

    Uma análise aos quatro relatórios e contas da Manuel Pizarro Consultadoria, Lda. – criada em 15 de Março de 2018 pelo governante em parceria com Artur Rocha Viana (quota de 30%) – revela que esta sociedade, mesmo não tendo receitas ao longo de 2021, registou sempre as suas despesas nos dois últimos anos do exercício. Ou seja, a empresa do ministro pode não ter facturado nada desde Março de 2021, como declarou ao Público, mas ele nunca se esqueceu de pedir facturas em compras e serviços para as meter como despesas na dita. E não foram poucas.

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde e actual gerente da Manuel Pizarro Consultadoria, Lda., da qual detém 70% do capital social.

    Com efeito, no ano passado, em que não houve receitas, foram apresentadas despesas em fornecedores e serviços externos de 10.217 euros, enquanto em 2020 surge um montante de 17.698 euros, num período em que as receitas foram de 26.000 euros.

    O montante destas despesas em fornecedores e serviços externos no ano de 2020 indicia que estas abarcaram também os meses dos segundo, terceiro e quatro trimestres, quando a empresa já deixara de facturar, ou seja, de obter receitas. Em 2018 e 2019, a Manuel Pizarro Consultadoria facturou exactamente 58.000 e 64.000 euros, respectivamente, com despesas em fornecedores e serviços externos de 19.537 euros e 29.135 euros, respectivamente.

    Como as despesas com pessoal foram relativamente baixas (cerca de 11 mil euros nos dois anos), os lucros foram razoáveis: 26.361 euros em 2018 e 21.820 anos em 2019. Em 2020 baixaram para 5.710 euros.

    Manuel Pizarro declarou ontem ao Público que a “empresa não tem actividade desde Março de 2020”.

    E foi esse bom desempenho que permitiu a Manuel Pizarro adquirir o imóvel que o ministro diz agora ser o único empecilho para a dissolução imediata da empresa. O imóvel é, na verdade, uma pequena loja no número 360 da Avenida das Congostas, na freguesia portuense de Ramalde – a poucos metros da residência do ministro da Saúde – com uma área de 51,20 metros quadrados, e não de 31,80 metros quadrados como diz o esclarecimento ontem enviado à imprensa pelo gabinete de Manuel Pizarro.

    O ministro da Saúde ainda não respondeu ao PÁGINA UM sobre os contornos desta aquisição, que apenas surge no balanço da sua empresa em 2020, ou seja, no exacto ano em que Manuel Pizarro alega que a sua empresa deixou de ter actividade.

    O preço de compra desta loja em 2020 não foi revelado pelo gabinete do ministro, embora esteja reconhecido um montante na ordem dos 35 mil euros nos balanços de 2020 e 2021 da Manuel Pizarro Consultadoria. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com os preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

    Prédio onde se localiza a loja comprada pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020, e que é agora o “empecilho” para a dissolução imediata da empresa

    A manutenção de uma sociedade sem quaisquer receitas não é ilegal, e esta pode sempre apresentar livremente despesas. Por exemplo, nada invalida que uma empresa fique dois ou mais anos sem facturar e depois consiga um contrato. Ou seja, a sociedade tem actividade fiscal, embora seja passiva. Aliás, uma empresa como a Manuel Pizarro Consultadoria – que o ministro se apressa a querer dissolver –, tem direito a pedir reembolsos de IVA.

    Sem facturar e com despesas, obviamente a sociedade terá prejuízos, como se verificou com a empresa do ministro no ano passado, que apresentou resultados líquidos negativos de 11.855 euros. Porém, como seria o caso da Manuel Pizarro Consultadoria, a dissolução não seria a melhor opção financeira.

    Na verdade, se um empresário não necessitar para a sua vida quotidiana dos lucros adquiridos nos anos anteriores – e ficarem acumulados no capital próprio da sociedade –, pode sempre ir desviando para o seu “bolso” o valor das despesas que imputar à empresa, tais como as despesas pessoais compatíveis com actividade profissional (alimentação, alojamento, viagens, etc.).

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    Os prejuízos acumulados por essa via podem acabar por ser um bónus no futuro. Se a empresa recomeçar a actividade e passar a ter novamente lucros – mesmo que com outros sócios e outra designação – pode usufruir de um reporte fiscal, ou seja, os prejuízos acumulados nos cinco anos anteriores serão abatidos à matéria colectável.

    Este estratagema tem sido usado por vários empresários, uma vez que pode mesmo ser bastante lucrativo vender uma sociedade sem facturação e sem passivo relevante (sem dívidas à banca, ao Estado ou a fornecedores, por exemplo) e com alguns anos de prejuízos por força da contabilização de despesas pessoais compatíveis com actividade profissional.

    Como nessa circunstância, esses prejuízos “comem” apenas o capital próprio, a empresa acaba potencialmente por valer muito mais do que o capital próprio deduzido do eventual passivo. Por uma simples razão: um eventual comprador (ou os sócios originais, em caso de reactivação da facturação) tem ali uma chance de reduzir a matéria colectável se conseguir colocar a empresa a funcionar com bom lucro. A título de exemplo, os 11.855 euros de prejuízo da Manuel Pizarro Consultadoria apenas no ano passado têm um “valor potencial” de até quase 3.320 euros. Porém, com a dissolução da empresa, Manuel Pizarro (ou o seu sócio Artur Rocha Viana), essa possível benesse extingue-se.

    O PÁGINA UM colocou um conjunto de questões ao ministro da Saúde sobre este e outros assuntos relacionados com a sua empresa, mas ainda não obteve resposta.